EBOOK - Educacao Diversidade e Interculturalidade

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Educação, Diversidade e

Interculturalidade:
reflexões para giros decoloniais
2
Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio
(Organizadora e Organizador)

Educação, Diversidade e
Interculturalidade:
reflexões para giros decoloniais

Apoio:

3
Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Ana Patrícia Sá Martins; Josenildo Campos Brussio [Orgs.]

Educação, Diversidade e Interculturalidade: reflexões para giros


decoloniais. São Carlos: Pedro & João Editores, 2023. 226p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-265-0657-8 [Digital]

DOI: 10.51795/9786526506578

1. Interculturalidade. 2. Decolonialidade. 3. Crianças afro-brasileiras. 4.


Educação Infantil. I. Título.

CDD – 370

Capa: Petricor Design


Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil);
Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida
(UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello
(UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares Zuin
(USP/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2023

4
‘Os outros’, os diferentes, muitas vezes estão perto de
nós, e mesmo dentro de nós, mas não estamos
acostumados a vê-los, ouvi-los, reconhecê-los,
valorizá-los e interagir com eles. [...] O/a educador/a
tem um papel de mediador na construção de relações
interculturais positivas, o que não elimina a existência
de conflitos. [...] As relações entre cotidiano escolar e
culturas (s) ainda constitui uma perspectiva somente
anunciada em alguns cursos de formação inicial e/ou
continuada de educadores/as e pouco trabalhada nas
escolas. No entanto, considero que esta perspectiva é
fundamental se quisermos contribuir para que a escola
seja reinventada e se firme como um locus
privilegiado de formação de novas identidades e
mentalidades capazes de construir respostas, sempre
com caráter histórico e provisório, para as grandes
questões que enfrentamos hoje, tanto noplano local
quanto nacional e internacional.

Vera Maria Candau (2013, p. 33-35, grifo da autora)

5
6
SUMÁRIO

PREFÁCIO 9
Jackson Ronie Sá-Silva

POR (TRANS) FORMAÇÕES DE PROFESSORES/AS QUE 13


DE(S)COLONIZEM O INSTITUÍDO: apontamentos dos
organizadores
Ana Patrícia Sá Martins e Josenildo Campos Brussio

A LITERATURA INFANTIL NEGRA E A IDENTIDADE 19


DAS CRIANÇAS AFRO-BRASILEIRA
Ângela Maria Leonardo Silva, Ana Patrícia Sá Martins,
Josenildo Campos Brussi

A LEI DE COTAS NO BRASIL: avanços, desafios e o 35


processo de revisão
Dayvane Oliveira da Silva, Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo
Campos Brussio e Leonardo José Pinho Coimbra

REPRESENTAÇÃO DO OUTRO NA EDUCAÇÃO 51


ESCOLAR: vozes sem eco: sobre a inclusão através das
diferenças
Jânio Oliveira Lima, Fernando Lucas da Silva Gomes, Ana
Patrícia Sá Martins, Josenildo Campos Brussio

AFROCENTRICIDADE NAS AULAS DE EDUCAÇÃO 71


FÍSICA ESCOLAR
Leandro Fonseca Lima, Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo
Campos Brussio, Jackson Ronie Sá-Silva

RACISMO: uma herança histórica 89


Sandra Moreira de Freitas, Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo
Campos Brussio

7
DECOLONIALIDADE DO GRAFFITI E REEXISTÊNCIA 103
Gleydson Rogério Linhares dos Santos Coutinho, Ana Patrícia
Sá Martins, Josenildo Campos Brussio

CORPOS ÉTNICO-RACIAIS, ENSINO DE CIÊNCIAS 129


NATURAIS E DECOLONIALIDADE: discussões a partir da
análise de representações de livros didáticos do Ensino
Médio
Jucenilde Thalissa de Oliveira, Ana Patrícia Sá Martins,
Josenildo Campos Brussio

RACISMO EPISTÊMICO NA FORMAÇÃO INICIAL 151


DOCENTE: um estudo sobre o Estado da Arte na perspectiva
decolonial
Manoela Pessoa Matos, Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo
Campos Brussio

DECOLONIALIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS 173


NA EDUCAÇÃO INFANTIL: reflexões para uma formação
continuada docente
Poliane de Lima Vaz da Costa, Ana Patrícia Sá Martins,
Josenildo Campos Brussio, Antonio Alves Ferreira

PROCESSO DE AUTORRECONHECIMENTO: as 201


implicações da Lei 10.639/03 nas relações étnico raciais na
educação
Raimunda Nonata Paiva Andrade
Lêda Maria de Sousa Rodrigues
Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

AS AUTORAS E OS AUTORES 217

8
PREFÁCIO

Produzir um prefácio caracteriza-se como uma aprendizagem.


Nele, analisamos e perspectivamos ideias, pensamentos, noções,
conceitos e teses produzidas pelo outro. No ofício da escrita, o/a
prefacista aprende a (re)aprender! Assim, aprendemos sobre os temas
abordados, as lógicas da escrita e os autores e as autoras que se
desafiaram a escrever aquilo que anunciam como compilação de
dados e descrição de um evento ou problematização de um fenômeno.
O prefácio é uma anunciação, um discurso, uma representação que
chancela os verbos dos que escrevem e aproxima-os dos que irão
consumir a leitura, que é sempre subjetiva e caleidoscópica. Um
desafio instigante!
Prefaciar o livro Educação, Diversidade e Interculturalidade: reflexões
para giros decoloniais constituiu-se como uma leitura de alegria que
gerou prazer didático-analítico, ao saborear a temática em pauta: a
educação para a diversidade na formação de professores e professoras
e suas políticas afirmativas. Ana Patrícia Sá Martins, professora do
Curso de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Maranhão, e Josenildo Campos Brussio,
professor do Curso de Ciências Humanas da Universidade Federal do
Maranhão e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Maranhão, são docentes argutos e
engajados que têm problematizado, investigado e produzido
conhecimento socialmente relevante para pensarmos as educações
complexas do campo da linguagem e seus atravessamentos nas
epistemes de temáticas sensíveis, tais como as pluralidades das etnias,
as discussões de gênero, as problematizações sobre a sexualidade, o
campo movediço das identidades, os construtos das diferenças e a
sempre produtiva análise da alteridade no campo da Educação.
O livro Educação, Diversidade e Interculturalidade: reflexões para giros
decoloniais apresenta problematizações teóricas e metodológicas que
nos fazem compreender o plural produtivo da educação para a

9
diversidade, alertando para a análise dos conceitos operados pela
perspectiva pós-crítica em educação. A escrita, do começo ao fim,
incita pensarmos sobre o pensar acerca das marcações que fazemos
quando utilizamos linhas de pensamento ou ferramentas epistêmicas
operadas por aqueles e aquelas que entendem a diversidade como um
campo complexo e sempre contingente. As argumentações
produzidas na obra tencionam a todo momento o cuidado que o
campo da Educação deve ter ao tratar das temáticas caras ao campo
da discussão da diversidade nos espaços escolares e não escolares de
aprendizagens.
Os capítulos que compõem o livro Educação, Diversidade e
Interculturalidade: reflexões para giros decoloniais são esclarecedores
quanto aos temas da educação para a diversidade. Quais temas? O
que a obra aborda? O livro em sua totalidade trata de temáticas
importantes para o campo da Educação e sua discussão na educação
básica: literatura infantil negra; identidade de crianças afro-brasileiras;
lei de cotas no Brasil; inclusão através das diferenças; afrocentricidade
em aulas de Educação Física; Lei 10.639/03 nas relações étnico-raciais
na Educação e o autorreconhecimento; história do racismo no Brasil;
decolonialidade, arte, graffiti e existências negras; ensino de Ciências
Naturais, decolonialidade e o corpo negro; racismo epistêmico na
formação docente; decolonialidade e relações étnico-raciais na
educação infantil.
Percebi o esforço teórico-metodológico de Ana Patrícia Sá
Martins e Josenildo Campos Brussio em operar com alguns conceitos
centrais da perspectiva decolonial de pensamento educacional.
Também evidenciei seus esforços professorais na organização
meticulosa da obra. Um esforço coletivo que envolveu a condução da
escrita inicial de estudantes de mestrado em Educação que estavam
vivenciando o componente curricular Educação, Diversidade e Políticas
Afirmativas, no ano letivo de 2022. Parabenizo-os pelo desafio sempre
produtivo de ensinar-pesquisar-escrever.
Os capítulos do livro Educação, Diversidade e Interculturalidade:
reflexões para giros decoloniais constituem materialidades curriculares
empoderantes para que professores do ensino fundamental, do

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ensino médio, do ensino técnico profissionalizante e do ensino
superior realizarem aulas inclusivas, contextuais, problematizadoras
e recheadas de alteridade quando aparecer discussões que suscitam a
existência plural do outro.
A professora Ana Patrícia Sá Martins e o professor Josenildo
Campos Brussio promoveram um exercício pedagógico plural, ao
conduzirem mestrandas e mestrandos a olharem as diferenças com
rigor e método. Ensinam a escrever e reescrever. Permitiram o
exercício teórico do pensamento diverso. Incitaram o olhar
hipercrítico. Interagiram para pensar a diversidade machucada e a
superação das dores pelo exercício de uma educação plural,
libertadora, ética, laica e cidadã.
Parabenizo os organizadores do livro, Ana Patrícia Sá Martins e
Josenildo Campos Brussio, pela produtiva ação de conduzir a feitura
de tão importante obra educacional. Parabenizo os professores e as
professoras do PPGE – UEMA que estiveram envolvidos na escrita
dos capítulos com seus orientandos. Parabenizo as mestrandas e os
mestrandos que se desafiaram a ler, escrever e se aprofundar na
discussão da temática da educação para a diversidade.
Que tal conhecer a obra Educação, Diversidade e Interculturalidade:
reflexões para giros decoloniais? Vamos utilizar este livro em nossas
aulas? Vamos praticar a alteridade, o respeito, a cidadania e o amor
comunitário?
Desejo a vocês uma boa leitura!

Prof. Dr. Jackson Ronie Sá-Silva


Departamento de Biologia, Universidade Estadual do Maranhão
(DBIO / UEMA).

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POR (TRANS) FORMAÇÕES DE PROFESSORES/AS
QUE DE(S)COLONIZEM O INSTITUÍDO:
apontamentos dos organizadores

Ana Patrícia Sá Martins


Josenildo Campos Brussio

As reflexões acerca de pesquisas e práticas docentes que


apresentamos neste livro constituem uma proposiçAção elaborada
e desenvolvida durante um processo coletivo de (trans)formação
de professores/as, na disciplina Educação para a diversidade,
ministrada no ano de 2022 com uma turma de professores/as-
pesquisadores/as no Mestrado Profissional em Educação, da
Universidade Estadual do Maranhão (PPGE/UEMA).
A obra ora apresentada, Educação, Diversidade e
Interculturalidade: reflexões para giros decoloniais, reúne capítulos
produzidos pelos/as mestrandos/as em coautoria conosco, no
objetivo de sinalizar metodologias acadêmicas e didáticas que
possam transgredir a colonialidade (ainda) instituída nos
paradigmas curriculares de universidades e escolas da rede básica
de ensino.
As escritas, em cada capítulo, possibilitam um olhar reflexivo
sobre aquilo que disponibilizamos aos nossos/as alunos/as; que
entendem que o que ensinamos, por intermédio dos saberes e
fazeres trazidos pelos alunos/as, descortinam variadas
possibilidades de diálogo, de troca e de inter-relações entre o/a
professor/a, os/as alunos/as e o conhecimento. Nessa perspectiva,
nós, enquanto professora e professor formador/a de professores/as,
em parceria com os/as mestrandos/as, visamos elaborar um
conjunto de conhecimentos, a fim de incentivar e promover a
aprendizagem significativa para além dos muros das escolas. Nesse
sentido, o livro reúne onze capítulos, nos quais, JUNTOS/AS,
fomos tecendo análises acadêmico-profissionais, como

13
oportunidades de argumentar, refletir e criar práticas docentes
decoloniais, as quais podem favorecer práticas docentes
diversificadas que dialogam com as realidades das quais muitos/as
de nós participa.
No primeiro capítulo, A Literatura infantil negra e a identidade
das crianças afro-brasileiras, incitados pela Ângela Maria Leonardo
Silva, problematizamos a dificuldade das crianças negras de se
identificarem com cultura afro-brasileira na educação infantil.
Assim, são sistematizadas algumas obras da literatura infantil que
tematizam as culturas afro-brasileiras como possibilidades ao
docente para práticas didáticas, sobretudo, nos anos iniciais do
ensino fundamental.
O segundo capítulo, A Lei de cotas no Brasil: avanços, desafios e o
processo de revisão, Dayvane Oliveira da Silva e Leonardo José Pinho
Coimbra nos provocam a refletir acerca da Lei n° 12.711/2012 e dos
discursos meritocráticos que circundam na sociedade brasileira
quanto às políticas afirmativas das cotas étnico-raciais, apontando
para necessária re-Ação perante os desafios ainda impostos à
maioria da população afro-descente do Brasil, mesmo após dez
anos de promulgação da Lei.
O terceiro capítulo, Representação do outro na educação escolar -
vozes sem eco: sobre a inclusão através das diferenças, assinado com
Jânio Oliveira Lima e Fernando Lucas da Silva Gomes, convida o/a
leitor/a (docente) para percepção dos padrões de normalidade
arrolados nos currículos escolares, que, em geral, consideram
inadequados/as alguns/as alunos/as, em virtude de seu porte físico,
da deficiência sociocognitiva,do gênero e/ou etnia. Conforme
argumentado pelos autores, faz-se urgente (des)construções
alternativas nas formações de professores/as e nas propostas
curriculares, de maneira a considerar a pluralidade que caracteriza
as salas de aula, de modo mais inclusivo e responsável.
O quarto capítulo, Afrocentricidade nas aulas de Educação
Física escolar, sob o olhar do professor de Educação Física Leandro
Fonseca Lima, destaca a relevância de inserirmos e incentivarmos
o diáologo com a educação afrocentrada, que oportunize o

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conhecimento e a valorização das culturas afro-brasileiras no
processo de formação histórico-cultural da sociedade brasileira.
Como incentivo às práticas escolares nas aulas de Educação Física,
são evidenciados exemplos de brincadeiras e jogos de origem afro.
No quinto capítulo, Racismo: uma herança histórica, desafiados
por Sandra Moreira de Freitas, argumentamos a necessidade de
problematizarmos o racismo estrutural, enraizado pelo processo de
escravização de negros/as africanos, mas que ainda sustenta e
legitima práticas racistas no Brasil e no mundo. A escola é aqui
apresentada como lugar privilegiado para discutir acerca da omissão
do Estado diante do racismo, do preconceito e das desigualdades
deles resultantes; como também um cenário através do qual se possa
proponha ações que promovam a igualdade racial no país.
No sétimo capítulo, Decolonialidade do graffiti e reexistência de
Gleydson Rogério Linhares dos Santos Coutinho, Ana Patrícia Sá
Martins, Josenildo Campos Brussio provocam-nos a refletir sobre a
importância da arte do Graffiti enquanto práxis pedagógica de
expressão de reexistências e decolonialidades. Propõe-se um
diálogo sobre reexistência, decolonialidade e linguagem artística
do graffiti, criticando, construindo e desconstruindo os padrões e
valores produzidos no que se refere à Educação
No oitavo capítulo, Corpos étnico-raciais, ensino de ciências
naturais e decolonialidade: discussões a partir da análise de representações
de livros didáticos do Ensino Médio, de Jucenilde Thalissa de Oliveira,
Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo Campos Brussio somos levados
a pensar sobre os corpos racializados a partir de um
posicionamento crítico e decolonial, em que as construções de
sentidos sobre os corpos situam-se em questões históricas e
políticas etnocêntricas, com processos que marcam nossa existência
contemporânea através da colonialidade e que se convertem em
desigualdades não naturais, construídas sócio-historicamente.
No nono capítulo, Racismo epistêmico na formação inicial docente:
um estudo sobre o Estado da Arte na perspectiva decolonial, de Manoela
Pessoa Matos, Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo Campos Brussio,
apresentamos a identificação e mapeamento de produções

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científicas existentes sobre a decolonialidade e o racismo
epistêmico na formação inicial de professoras e professores no
Brasil a partir das dissertações e teses disponibilizados no BDTD.
Partimos da necessidade de identificar nas produções intelectuais
e acadêmicas que espaços estão ocupando as perspectivas de
conhecimento dos povos que foram negados pela modernidade
colonial.
No penúltimo capítulo, Decolonialidade e relações étnico-raciais
na educação infantil: reflexões para uma formação continuada docente, de
Poliane de Lima Vaz da Costa, Ana Patrícia Sá Martins, Josenildo
Campos Brussio, Antônio Alves Ferreira, os autores nos convidam
a dialogar com perspectivas decoloniais de uma educação infantil
voltada às relações étnico-raciais, tema que tangencia todas as
etapas do desenvolvimento humano, mas que possuem
preocupações específicas com a faixa etária em discussão – a
educação infantil.
No último capítulo, Processo de Autorreconhecimento: as
implicações da Lei 10.639/03 nas relações étnico raciais na educação,
somos estimulados por Raimunda Nonata Paiva Andrade e Lêda
Maria de Sousa Rodrigues a analisar nossas práticas pedagógicas
quanto ao incipiente processo de autorreconhecimento de
brasileiros e brasileiras afro-descentes, os quais, conforme os dados
informados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD (IBGE, 2019), 42,7% dos brasileiros se
declararam como brancos, 46,8% pardos e apenas 9,4% como pretos
e 1,1% como amarelos ou indígenas. A discussão perfilada nos
convoca, enquanto docentes, a entender como a colonialidade
sustentada nas instâncias sociais de poder precisa ser debatida nos
cenários escolares, no intuito de que possamos pensar em projetos
para resistir e re-existir, de modo mais equitativo com os diferentes
grupos étnicos, sobretudo, os afro-descentes e indígenas.
Quando os processos formativos nas universidades, mesmo
em cursos stricto sensu, possibilitam espaços para insurgências com
alunos/as em suas diversidades, o desejo e o clamor de/por
paradigmas que transgridam a modernidade e a colonialidade do

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saber, do poder e do ser tornam-se além de um sonho que um dia
venha a ser alcançado; se concretizam nas reverberAções de
homens e mulheres, professores/as, mestrandos/as, esperançosos
(no sentido freireano) à práticas docentes decoloniais, em respeito
aos aspectos éticos, étnicos e socioculturais, seja na formação inicial
ou continuada de professores/as.
Desejamos que as reflexões apresentadas na obra possam
contribuir para o fortalecimento das discussões que urgem em
torno da multidiversidade, pluriculturalidade e interculturalidade
de saberes decoloniais que eclodem no processo de mundialização.
É preciso transgredir, irromper, desobedecer aos paradigmas
colonizantes de forma a permitir que os paradigmas emergentes
como a decolonialidade, a afrocentricidade, a ecologia dos saberes,
nos levem a novos horizontes epistemológicos.
Sintam-se convidados a partilhar conosco dessas experiências
pedagógicas em um processo de construção teórica, prática, crítica
e libertária. Vamos seguir os passos do nosso mestre Paulo Freire
para a consolidação de uma pedagogia centrada em experiências
estimuladoras da decisão, da responsabilidade e da liberdade por
meio de um projeto político, pedagógico, crítico e reflexivo de uma
pedagogia decolonial, pluricultural e diversificada que respeite
todas as culturas e saberes locais em um verdadeiro exercício de
liberdade e democracia.

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18
A LITERATURA INFANTIL NEGRA E A IDENTIDADE DAS
CRIANÇAS AFRO-BRASILEIRAS

Ângela Maria Leonardo Silva


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, trazemos a temática “A literatura infantil negra


e a identidade das crianças afro-brasileiras”, com o intento de
discutir a formação da identidade das crianças afro-brasileiras na
escola a partir da literatura infantil negra. A proposta surgiu a partir
das inquietações e diálogos acerca do preconceito racial no Brasil,
realizadas nas aulas da disciplina Educação, Diversidade e Políticas
Afirmativas, do Curso de Mestrado Profissional em Educação, na
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), em 2022.
Ao longo da disciplina, pesquisamos, dialogamos e refletimos
temáticas referentes à diversidade e políticas afirmativas que
aguçaram e ampliaram a nossa visão sobre a questão racial
brasileira, e de como o desrespeito às diferenças raciais se manifesta
em nosso cotidiano. Dentre as temáticas trabalhadas, podemos
citar: “Conceitos norteadores: etnia, raça, gênero, identidade,
diversidade e diferença”; “Epistemologias decoloniais:
contribuições de Franz Fanon e W.E.B. Dubois”; “A legislação
brasileira educacional para a diversidade étnico-racial”; “O
feminismo negro no mundo: contribuições de Nah Dove e Bell
Hooks”; “O feminismo negro no Brasil: contribuições de Lélia
Gonzales, Conceição Evaristo, Aza Njeri e Dandara Aziza”; “Por
uma educação antirracista e as dimensões do ensino da trajetória
dos negros no Brasil”, dentre outras temáticas relevantes e
importantes de serem discutidas pela necessidade de mudanças de
posturas em nossa sociedade e pela urgência de políticas públicas

19
que consigam incluir as mulheres e homens negros e
afrodescendentes.
Neste sentido, elaboramos a seguinte questão
problematizadora: por que frequentemente a criança negra não se
identifica com a cultura afro-brasileira? Para obtenção das
respostas ao referido problema, nos utilizamos do aporte teórico
que embasou nosso estudo, o qual se sustenta em Lima (2008),
Machado (2006), Cavaleiro (2012), dentre outros, que tratam a
temática referente à literatura infantil negra e à valorização da
cultura afro-brasileira.
Desse modo, apresentamos proposições referentes à
identidade das crianças afro-brasileiras, literatura infantil negra e
listamos alguns autores desta literatura no Brasil. Infelizmente, é
notório que as escolas brasileiras ainda pouco têm o hábito de, ao
longo do ano letivo, ler e apresentar às crianças a literatura negra
infantil, tão rica e diversificada, que contam histórias de lutas, de
resistência e de vidas negras, as quais representam as crianças afro-
brasileiras.
A pesquisa justifica-se pela necessidade de trabalharmos
temáticas que contribuam de forma significativa para construção
identitária da criança afro-brasileira, e a escola constitui-se espaço
de valorização e aprendizagem da cultura africana, tendo como
mote a literatura infantil negra.

IDENTIDADE DAS CRIANÇAS AFRO-BRASILEIRAS

Atualmente, tem-se discutido temáticas relacionadas à


negritude, tais como: direitos às diferenças, respeito e valorização
dos povos africanos e afro-brasileiros, racismo, educação e relações
raciais, preconceito e discriminação, dentre outras. Ao longo da
história brasileira foram negados aos povos africanos sua
identidade, sua cultura, seu valor como ser humano e suas
contribuições relevantes para a constituição do povo brasileiro.
É sabido que os negros traficados para nossas terras sofreram
bastante e eram tratados como animais. Os tempos evoluíram, mas,

20
ainda em nossos dias, nos deparamos com situações de desrespeito
e desvalorização de pessoas negras. Experiências marcantes, as
quais, só quem já sofreu preconceito racial, sabe da dor que
atravessa a alma.
Assim, é que devemos proporcionar às nossas crianças meios
para construírem suas identidades, conhecendo a cultua africana e
todo o legado deixado por estes povos que aqui viveram e fizeram
história. Que possam se autoafirmar afrodescendentes sem
vergonha, orgulhosos de sua descendência.
Nesta perspectiva, é que iremos dialogar sobre a identidade
das crianças negras e afrodescendentes no Brasil. Mas, o que é
identidade? Segundo o dicionário da Língua Portuguesa Saraiva
Júnior (2009, p. 166), identidade é “conjunto de características
próprias de uma pessoa”, sendo estabelecida através do nome,
lugar onde mora, sua data de nascimento e quem foram seus pais.
Para Hall (2011), a identidade é resultado de construções culturais,
não se constitui, portanto, algo pronto e acabado, mas está
permanentemente em processo ao longo da vida.
A identidade, pois, é a construção das peculiaridades pessoais
que vão dizer quem é, e a qual cultura pertencente. As crianças
constroem sua identidade a partir da socialização e interação nos
grupos dos quais fazem parte. Inicialmente, ela é construída na
família e depois na escola, aonde irá se relacionar com outras
crianças e adultos em uma diversidade de aprendizagens. Gomes
nos afirma que:

Ao final do processo de socialização, a criança não só domina o mundo social


circundante, como já incorporou os papéis sociais básicos – seus e de outros,
presentes e futuros – mas, de tudo, já adquiriu as características
fundamentais de sua personalidade e identidade. (GOMES, 1990, p. 60 apud
CAVALEIRO, 2012, p. 18,19).

As crianças, portanto, absorvem tudo que está em seu entorno,


aprendem o que lhes são apresentados socialmente através das
experiências. É neste contexto que assimilam os papéis sociais e os
reproduzem. Assim, a responsabilidade é nossa (família e escola),

21
de propiciar, especialmente na infância, vivências de respeito à
diversidade, valorização da cultura afro-brasileira e
autoconhecimento.
Apesar de alguns avanços com promulgações de leis sobre a
obrigatoriedade do ensino da cultura negra nas escolas e as
Diretrizes do Ensino da Cultura Afro-brasileira, temos que
garantir, tanto nas famílias, quanto nas escolas, espaços de respeito,
afirmação de direitos e aprendizagens sobre a cultura africana. As
crianças precisam compreender sua origem, e entender o porquê
de seus traços diferenciados: cor da pele, estética facial e corporal,
cabelos enrolados, dentre outros.
A cultura no Brasil de associar o preto a coisas feias, sujeira e
estereótipos relacionados a pessoas de pele preta, afeta
profundamente aqueles que sofrem preconceitos. Com as crianças
não são diferentes, elas sofrem porque são discriminadas e não
entendem a razão da diferenciação de pessoas. Assim,
percebemos que:

A criança que internaliza essa representação negativa tende a não gostar de


si própria e dos outros que se lhe assemelham. Atividades que evidenciem
a cor negra associada a algo positivo, como ébano, ônix, jabuticaba, café,
petróleo, azeviche etc., concorrem para justapor à representação negativa
uma outra positiva. (SILVA, 2008, p. 25).

É neste contexto que as instituições que atendem as crianças


da Educação Infantil, seja pública ou privada, devem cuidar da
formação identitária, como nos orienta a Secretaria da Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade:

Independentemente do grupo social e/ou étnico-racial a que atendem, é


importante que as instituições de Educação Infantil reconheçam o seu
papel e função social de atender às necessidades das crianças constituindo-
se em espaço de socialização, de convivência entre iguais e diferentes e
suas formas de pertencimento, como espaços de cuidar e educar, que
permita às crianças explorar o mundo, novas vivências e experiências, ter
acesso a diversos materiais como livros, brinquedos, jogos, assim como
momentos para o lúdico, permitindo uma inserção e uma interação com o

22
mundo e com as pessoas presentes nessa socialização de forma ampla e
formadora. (SECAD, 2006, p. 37).

A escola, portanto, é espaço de socialização, aprendizagens e


construção de identidades. Neste espaço, as crianças têm a
possibilidade de imersão nas histórias que antecederam a sua,
aprendem que são resultados de vivências de outras pessoas. Elas
internalizam coisas positivas ou negativas, dependendo de como
os conceitos são repassados, daí frutifica a auto ou baixa estima.
Neste sentido, Silva (2008, p. 31) adverte que:

Identificar e corrigir a ideologia, ensinar que a diferença pode ser bela, que
a diversidade é enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é um dos
passos para a reconstrução da auto-estima, do auto-conceito, da cidadania e
da abertura para o acolhimento dos valores das diversas culturas presentes
na sociedade.

Mas, a família é a primordialmente responsável pela formação


identitária e do caráter da criança, que favorecerá sua imersão na
cultura para se auto reconhecer como parte integrante da sociedade
afro-brasileira. É necessário que a criança se auto reconheça, nas
fotografias, nas histórias, nas músicas, nas brincadeiras infantis, na
sociedade a qual está inserido. Trabalhar os aspectos físicos como a
cor da pele, os cabelos enrolados, os costumes e as heranças deixadas
por nossos ancestrais, trabalhar os sentimentos, as sensações, os
gostos etc. tudo faz parte da construção identitária da criança.
Negar às crianças estes conhecimentos a respeito de sua
própria história, é fortalecer a visão hegemônica que prevalece
ainda hoje: que nossos ancestrais africanos não tiveram nenhuma
contribuição valorosa para a história brasileira, reforçando a
invisibilidade dos povos africanos escravizados em nosso país e
reafirmando a supremacia branca.

23
LITERATURA INFANTIL NEGRA

A literatura infantil, segundo Lima (2008), surgiu no Ocidente


como material que auxiliava os educadores no trabalho
pedagógico, onde os personagens eram adaptados para os leitores
infantis com objetivo de trabalhar ideias, concepções e emoções dos
pequenos.
No Brasil, temos escritores como Monteiro Lobato, marco da
literatura infantil, que encantou e encanta a vida de milhares de
leitores infantis, com suas histórias fantásticas de faz de conta.
Temos ainda: Ana Maria Machado, Eva Furnari, Mauricio de
Sousa, Ziraldo, e muitos outros autores que colorem a vida e
impulsionam a imaginação das crianças através de suas histórias
fantásticas.
Mas, queremos destacar especialmente a literatura infantil
negra, que ao longo dos tempos vem se destacando em nosso país
e contribuindo para as representações afro-brasileiras das crianças,
no sentido de regatar memórias, histórias e saberes da cultura
africana, tão desrespeitadas no Brasil.
O país tem, em sua formação populacional, a maioria de
pessoas com pele negra e traços físicos característicos dos povos
africanos. Muitos ainda se denominam pardos, na tentativa de
não assumir sua identidade negra; porém, tudo isso vem afirmar
a ideologia de embranquecimento (SILVA, 2007; AZEVEDO,
1987), desvalorização dos povos africanos e a hegemonia branca,
que no decorrer da história brasileira quis impor a força a sua
superioridade. A esse respeito, ressaltamos o que argumenta
Fanon (2008):

Como a cor é o sinal exterior mais visível da raça, ela tornou-se o critério
através do qual os homens são julgados, sem se levar em conta as suas
aquisições educativas e sociais. As raças de pele clara terminaram
desprezando as raças de pele escura e estas se recusam a continuar aceitando
a condição modesta que lhes pretendem impor. (FANON, 2008, p. 14).

24
Neste sentido, não podemos deixar no esquecimento as
contribuições valiosas das culturas africanas, sendo elementos da
identidade negra em nosso país e valorizar apenas as contribuições
do povo europeu para a formação e transformação da sociedade
atual. Assim, vale ressaltar que todos tiveram contribuições
importantes para a nossa cultura: os povos originários
(inicialmente denominados de índios), os povos africanos e os
povos europeus. Contudo, a história contada pelos brancos é outra,
se autovalorizou e menosprezou a cultura originária e africana.
É nesse contexto de desvalorização da cultura negra e afro-
brasileira que a literatura infantil negra entra nas escolas,
timidamente ou obrigatoriamente, para cumprir determinações da
legislação nacional, com a Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
que trata da inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino, com a
obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira.
Geralmente, essa temática é trabalhada com as crianças apenas no
mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência
Negra, e consequentemente essa literatura também é apresentada
apenas neste período de comemorações.
As crianças negras e afrodescendentes brasileiras passam o
ano letivo inteiro trabalhando outras culturas, outras realidades,
acumulam conhecimentos sobre o mundo, mas, não conhecem de
forma aprofundada a sua própria história.
Portanto, faz-se importante lembrar que através da literatura
as crianças aprendem para além da imaginação, visto que, como
nos fala Lima (2008, p. 102): “[...] a literatura é, portanto, um espaço
não apenas de representação neutra, mas de enredos e lógicas, onde
“ao me representar eu me crio, e ao me criar eu me repito”.”
Daí a importância de possibilitar às crianças pequenas o
encontro com a literatura infantil negra, com histórias e escritas que
tratam das relações étnico-raciais e que desfazem concepções
enraizadas sobre o negro, sempre em papéis de submissão e
desvalorização identitária. Faz-se necessário que elas vivenciem
escritas de outras representações étnicas, como as dos povos

25
originários e africanos, se distanciando, portanto, da eurocêntrica
que se perpetuou durante tanto tempo.
Apresentamos a seguir o Quadro 1, com alguns autores da
literatura infantil negra no Brasil, para mostrarmos autores negros
que escrevem para as crianças histórias que lhes outorgam outro
olhar para a cultura afro-brasileira, que buscam valorizar a história
de luta e resistência de homens e mulheres negras, e que ajudam na
construção identitária das crianças afro-brasileiras.

Quadro 1 - Autores da literatura infantil negra no Brasil


AUTOR OBRAS HISTÓRIA
Lázaro Ramos Edith e a velha Nascido em Salvador (BA), ator e
Sentada, Caderno de escritor desde a juventude.
Rimas do João e
Caderno Sem Rimas
da Maria
Elisa Lucinda A menina Nascida em Vitória (ES), é atriz,
transparente jornalista, professora, cantora, poeta
e uma das autoras de mais sucesso
no Brasil, com mais de 17
publicações, entre poemas,
romances, peças teatrais e literatura
infantil.
Junião Meu pai vai me De Campinas (SP), é um grande
Buscar na escola ilustrador e escritor brasileiro, com
charges e ilustrações publicadas nos
maiores veículos de comunicação do
país e livros infantis e juvenil. Já
recebeu importantes prêmios pela
qualidade e relevância de seu
trabalho.
Kiusam de Omo-Oba: Histórias Nascida no interior de São Paulo, na
Oliveira de Princesas, O mar cidade de Santo André, é pedagoga,
que banha a ilha de artista multimídia, contadora de
Goré, O mundo no histórias, bailarina, coreógrafa,
black power de Tayó. professora de danças afro-brasileiras
e autora de quatro títulos infantis.
Neusa Cabelo Ruim? Jornalista e natural de Lençóis
Baptista Pinto Paulista (SP), publicou seu primeiro
livro em 2007. A história de três

26
meninas aprendendo a se aceitar fala
sobre a descoberta da beleza própria
e a autoaceitação.
Carmem Lúcia A Bisa fala cada coisa, Formada em Letras, e nascida em
Campos Meu Avô Africano. São Paulo (SP), é editora, consultora
editorial e autora de diversos títulos
infantis.
Meninas negras. Nascida em Belo Horizonte (MG), é
Maria do pedagoga, pós-graduada em Arte
Carmo Educação e escritora afro-brasileira.
Ferreira da Ligada principalmente à literatura
Costa (Madu infanto-juvenil, a autora busca
Costa) difundir a afirmação racial em suas
obras.
Davi Nunes Bucala: a pequena É baiano, nascido na cidade de
princesa do quilombo Salvador. Poeta, comunista,
do cabula. roteirista e escritor de livro infantil.
Nei Lopes Kofi e o menino de Nasceu no Rio de Janeiro – RJ, é
fogo, Histórias do Tio compositor, cantor, escritor,
Jimbo sambista, estudioso das culturas
africanas e autor de obras infantis.
H e l o ís a Histórias da preta, A Nasceu em Porto Alegre. Aos nove
P i re s L i ma semente que veio da anos, mudou-se para São Paulo,
África, O onde reside até hoje. Estudou
marimbondo que Psicologia na PUC e Ciências Sociais
veio do quilombo na USP, onde também concluiu
mestrado em Antropologia (2000), e
doutorado em Antropologia Social
(2005). É autora de livros infantis.
Fonte: Elaborado pela primeira autora.

As histórias dos autores da literatura infantil brasileira


apresentam personagens negras que passam para as crianças o
orgulho do cabelo crespo, como no livro O mundo no black power de
Tayó, que traz uma personagem cheia de autoestima. Elas trazem
poesias e infâncias como nas obras de Lázaro Ramos, bem como a
diversidade e a representatividade negra em Histórias da Preta, de
Heloísa Pires Lima. Assim, é que :

27
Toda obra literária, porém, transmite mensagens não apenas através do texto
escrito. As imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as
percepções sobre aquele mundo imaginado. Se examinadas como conjunto,
revelam expressões culturais de uma sociedade. A cultura informa através
de seus arranjos simbólicos, valores e crenças que orientam as percepções de
mundo. E se pensarmos nesse universo literário, imaginado pela criação
humana, como um espelho onde me reconheço através dos personagens,
ambientes, sensações? Nesse processo, eu gosto e desgosto de uns e outros e
formo opiniões a respeito daquele ambiente ou daquele tipo de pessoa ou
sentimento. (LIMA, 2008, p. 102, 103).

Neste contexto de representações e aprendizagens sobre si e o


outro, constatamos que a literatura infantil negra se constitui um
resgate da cultura e valorização de nossos ancestrais africanos,
contribuindo assertivamente para a construção identitária das
crianças afro-brasileiras e para o respeito às diferenças. Para tanto,
faz-se necessário que a família e a escola insiram as crianças neste
mundo literário de aprendizagens e de construção identitária negra
e afrodescendente. A criança precisa ouvir ou ler histórias, onde ela
se veja e se sinta valorizada e representada.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a realização da pesquisa foi de


abordagem qualitativa, a qual, para Minayo (2021, p. 20), “[...]
responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, dentro das
Ciências Sociais, com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes.”
Assim, fizemos um levantamento de alguns materiais
bibliográficos, entre artigos e livros sobre a temática literatura
infantil negra no Brasil para nos dá sustentação teórica e
aprofundamento da temática. Trabalhamos com os autores: Moura
(2008), Cavaleiro (2012), Lima (2008), Machado (2006), Zilberman
(2003), dentre outros, que tratam das relações raciais, de
personagens negros na literatura infantil e nos livros didáticos, das
tradições africanas e afro-brasileira, do respeito e do direito etc.

28
Buscamos ainda leis e políticas públicas brasileiras,
relacionadas ao enfrentamento do problema evidenciado na
pesquisa. Relacionamos autores da literatura infantil com suas
respectivas obras literárias que tratam de temáticas relacionadas
aos africanos e afrodescendente brasileiros.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A hegemonia branca impôs de maneira desumana a


desconstrução e a invisibilidade da cultura dos povos africanos
escravizados no Brasil. Os resultados dessa supremacia ao longo
dos tempos em nosso país são percebidos até os dias atuais, quando
pessoas com características afrodescendentes não se auto
identificam como tais, onde o preconceito aparece velado por frases
como: “Pessoa de boa aparência”, quando as pessoas negras são
geralmente identificadas como criminosos ou de profissão menos
escolarizada.
Portanto, entendemos que a existência de leis não configura
resolução dos problemas, como no exemplo da Lei nº. 10.639, de 9
de janeiro de 2003, que trata da obrigatoriedade de inclusão no
currículo oficial da rede de ensino a temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”. Pois, apesar de ser obrigatório no currículo das
escolas, muitas vezes é negligenciada, resumindo-se o ensino a
comemoração do Dia da Consciência Negra no mês de novembro.
No Brasil, temos hoje uma vasta literatura infantil de autores
genuinamente negros, que contam histórias de pretos e pretas que
representam culturalmente a população negra e afrodescendente
do nosso país, autores negros que contam histórias, poesias e
representações africanas para as crianças afro-brasileiras.
Representações positivas que fazem com elas se sintam
valorizadas, amadas e contempladas.
A literatura infantil, como nos diz Lima (2008), oferece não só
um texto escrito, mas imagens ilustradas que possibilitam às
crianças o poder da construção do mundo imaginário. Assim, elas

29
podem conhecer através da literatura negra, as histórias, seus
personagens e as “expressões culturais de uma sociedade”.
As escolas públicas, através da Lei nº. 12.244, de 24 de maio de
2010, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas
instituições de ensino do país, recebem livros paradidáticos para
compor seu acervo literário, e observamos que dentre os títulos
temos um ou outro que contempla a temática da cultura africana.
Todavia, não podemos nos acomodar, busquemos outros meios
para proporcionar a literatura negra para nossas crianças. Hoje,
temos muitos acervos com bons livros e excelentes autores em sites
online, vídeos de leituras e contação de histórias os quais podemos
utilizar para preencher as lacunas da presença física de livros em
nossas escolas.
Importante ressaltar o crescimento no número de autores e
editoras especializadas nesta literatura (mesmo a passos lentos),
dedicados a atender e ajudar as crianças em sua construção
identitária e de valorização da cultura afro-brasileira. Nesse
sentido, almejamos que possamos nos empenhar em oferecer às
crianças possibilidades de autoconhecimento, autoestima e
autoafirmação como criança preta e orgulhosa em pertencer a uma
cultura diversificada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo acerca da literatura infantil negra e a identidade das


crianças afro-brasileiras nos possibilitou aprofundarmos a temática
e um olhar crítico relacionado à escolha de livros a serem
trabalhados com as crianças na escola, visto que incorremos no erro
de apresentar durante o ano letivo livros infantis majoritariamente
da cultura branca. Enquanto em relação à literatura infantil negra e
às temáticas relacionadas aos povos africanos e afro-brasileiros se
resumem na realização de projeto ou sequência didática em
comemoração ao Dia da Consciência Negra.
Faz-se necessário, pois, refletir sobre o planejamento das ações
pedagógicas na escola e repensar como podemos transformar esta

30
realidade que sustenta a supremacia da cultura branca e invisibiliza
a acultura afro-brasileira, tão latente na sociedade. Diante de
inúmeras obras e autores da literatura infantil negra que buscam
resgatar a cultura africana e afro-brasileira, é imprescindível
apresentá-las às crianças, para conhecerem sua história e sua cultura.
Contudo, sabemos que a sociedade brasileira muitas vezes
mascara a existência do preconceito racial em nosso país; o que
implica para que adultos, jovens e crianças ainda hoje sejam vítimas
de atitudes desrespeitosas e preconceituosas de pessoas que não
aceitam a diversidade e a diferença. Por isso, a necessidade de
assumirmos a existência do preconceito racial no Brasil, para
podermos combatê-lo, começando na infância, para que as crianças
construam sua identidade afro-brasileira e cresçam empoderadas e
orgulhosas de si mesmo, e, dessa forma, podemos nos utilizar da
literatura infantil negra, que de forma lúdica e prazerosa, auxilia
nesta construção identitária.

REFERÊNCIAS

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negro no imaginário das elites século XIX. Rio de Janeiro: Paz e
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BRASIL. Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010. Que dispõe sobre a
universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país.
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(Publicação Original). Disponível em: <https://www2.camara.leg.
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Acesso em: 04/03/2023.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11 ed. São
Paulo: Globo.

34
A LEI DE COTAS NO BRASIL:
avanços, desafios e o processo de revisão

Dayvane Oliveira da Silva


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio
Leonardo José Pinho Coimbra

INTRODUÇÃO

Completados 10 anos da Lei n° 12.711 de 29 de agosto de 2012,


é necessário que se faça uma retrospectiva desse período, bem
como dos acontecimentos que antecederam a sua criação, e também
daqueles que vieram após o período de implementação. Com isso,
o tema do artigo é “A LEI DE COTAS NO BRASIL: avanços,
desafios e o processo de revisão”, fazendo referência dessa maneira
aos temas abordados durantes as aulas da disciplina de Educação
para Diversidade, do Programa de Pós Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Maranhão.
A disciplina foi lecionada pelos professores Josenildo Campos
Brussio e Ana Patrícia Sá Martins, que durante o período
estabelecido direcionaram os estudos a leituras e debates quanto à
questão da diversidade no processo educacional. Das questões
abordadas nas leituras, me chamou atenção a necessidade de se
conhecer os mecanismos legais que regulamentam a educação na
perspectiva de garantir os direitos às diversas parcelas da
população brasileira. Nesse contexto, a leitura feita e apresentada
por mim, da autora Claudiceia Alves Durans, intitulada “A questão
negra na agenda das políticas públicas”, me atravessou quando ela
aborda a questão da Lei de Cotas e todo o processo que permeou a
sua promulgação. Diante disso, resolvi escrever sobre os dez anos
da referida lei.

35
Conhecer a Lei n° 12.711/2012 é necessário para desconstruir
muito dos efeitos do que o velho discurso apregoado da
meritocracia tem trazido para a sociedade, colocando assim muitas
pessoas contra as políticas afirmativas das cotas étnico-raciais. Esse
posicionamento contrário, na maioria das vezes, se dá devido à
falta de conhecimento e de reconhecimento do quanto certa parcela
da população é discriminada, invisibilizada e sofre com a má
distribuição de renda em nosso país. Nesse sentido, a escrita do
artigo se justifica e se apresenta como uma leitura que esclarece e
aponta os avanços e desafios de dez anos da Lei de cotas étnico-
raciais em nosso país e alerta para o processo de revisão que já está
em pauta entre as autoridades competentes.
Para sua escrita, foram tomadas três questões norteadoras: a
Lei n° 12.711 de 29 de agosto de 2012 cumpriu com sua proposta de
redução das desigualdades sociais quanto ao acesso ao ensino
técnico profissional e ao ensino superior? Que desafios e avanços
podem ser pontuados ao longo desde a sua implementação? O que
precisa ser considerado no processo de revisão?
O objetivo geral é, pois, analisar os avanços e desafios desde a
implementação da Lei n° 12.711 de agosto de 2012. Para tanto,
elencamos como objetivos específicos: entender em que se baseiam
os discursos contrários a Lei de Cotas, pontuar os desafios que
permearam a implementação da Lei de Cotas, bem como os
avanços desde a sua implementação e refletir sobre o que precisa
ser revisto na lei findados os 10 anos propostos pelo Superior
Tribunal Federal.
Dessa forma, é feito um apontamento da referida lei falando
de suas características, dos processos que antecederam a sua
promulgação, pontuando em que se baseavam os discursos da
população que se manifestavam contrários a Lei de cotas, bem
como pontuando também os avanços que a lei trouxe quanto ao
combate às inúmeras desigualdades sofridas por parte da
população que não faz parte da elite da sociedade.

36
A LEI N° 12.711/2012 – A Lei de Cotas no Brasil

A Lei n° 12.711 de 29 de agosto de 2012 dispõe sobre o ingresso


nas universidades federais e nas instituições federais de ensino
técnico de nível médio e dá outras providências. A referida lei
determina que os Institutos Federais e as Universidades Públicas
reservem, no mínimo, cinquenta por cento das vagas para os alunos
que se enquadrem no perfil das cotas, que são: alunos pretos,
pardos, indígenas, com deficiência e alunos com renda per capita
igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo.
Godoi e Santos (2021) ressaltam que apesar da Lei n°
12.711/2012 ser popularmente conhecida como lei de cotas raciais,
ela limita os estudantes a uma condição: ter estudado
integralmente o ensino fundamental ou o ensino médio em escolas
públicas. Vale destacar que foi a partir das discussões de cotas para
negros que se chegou à lei atual, na qual se contemplam não apenas
as pessoas negras. As primeiras políticas de ação afirmativas para
negros têm seu início no ano 2000, e foram marcadas por muitos
debates, os quais, segundo a professora Claudicea Durans (2019),
se intensificaram quando foram implementadas nas universidades
brasileiras e no serviço público.
Esses debates se sustentavam em um discurso meritocrático,
onde se defendia a igualdade entre todos com a valorização do
esforço individual. Dessa forma, defendia que todos tinham a
mesma capacidade, independentemente da cor da pele, de
condições socioeconômicas e principalmente sem considerar as
inúmeras desigualdades acarretadas ao longo da história para
determinada parcela da sociedade. DURANS (2019) fala que “o
principal objetivo da meritocracia é legitimar a desigualdade por
traz de um discurso da ascensão pelo talento e aptidão individual,
reforçando, por outro lado, a ideia de que o fracasso é também
mérito individual” (p.13).
Nesse discurso fundamentado na meritocracia foram ajuizadas
diversas ações que buscavam barrar a política de cotas nas
Universidades, no entanto o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu

37
pela constitucionalidade das cotas, dessa forma invalidando todas
essas ações. Sobre essas ações Durans (2019) afirma que:

Um aspecto que chama a atenção não é apenas o debate acerca da validade


da constitucionalidade das cotas, mas sim os argumentos que vieram à tona,
ressurgindo argumentos com base nas teorias já obsoletas, visões
estereotipadas sobre o negro, o mito da democracia racial, enfim, várias
caracterizações sobre o negro, levando-nos a inferir que a questão negra está
inconclusa, precisando aprofundar não apenas o debate, mas também a
necessidade de exigir políticas públicas para esta população. (p.175)

Contra a meritocracia se tem o discurso da equidade que


considera, para além do talento, as condições sociais a que o sujeito
está submetido. Segundo Silva, Xavier e Calbino (2022, p. 08), “[...]
não é possível avaliar quem tem mais talentos naturais, sem
considerar os arranjos sociais em que estão inseridos”. Nesse
sentido, as cotas funcionam como uma espécie de compensação.
Esse aspecto de compensação ganha mais força ao se tratar das
cotas raciais, uma vez que no Brasil os negros ainda vivem uma
realidade de extrema desigualdade diante da sociedade. Silva,
Xavier e Calbino (2022) salientam que essas desigualdades são
legados do período da escravidão e advertem que “essa
depreciação se expressa em uma variedade de danos sofridos,
incluindo representações estereotipadas e humilhantes dos negros,
que os colocam, supostamente, como inferiores e os mantêm em
desvantagem” (p.09).
Diante dos inúmeros discursos, as políticas de ações afirmativas
de cotas foram andando em passos lentos, e, no ano de 2002, houve a
implementação do Programa Diversidade na Universidade, através
da Lei n° 10.558/2002 de 13 de novembro de 2002, a qual pretendia
“implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao
ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente
desfavorecidos, especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas
brasileiros” (BRASIL, 2002, p.01). Esse programa marca o início das
leis que regulamentam as ações afirmativas voltadas à diversidade e
às cotas no ensino superior de nosso país.

38
No ano de 2004, no governo do então presidente Luís Inácio
Lula da Silva, houve uma mudança nas políticas de cotas, e a
parceria passava a ser com as instituições privadas, dessa forma foi
criado um dos maiores programas voltados a questão em estudo, o
Programa Universidade para Todos – PROUNI. A Lei 11.096 de 13
de janeiro de 2005 “Institui o Programa Universidade para Todos -
PROUNI, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência
social no ensino superior; altera a Lei nº 10.891, de 9 de julho de
2004, e dá outras providências.” (BRASIL; 2005; p.01). O PROUNI
concede bolsas de estudos parciais e integrais e perdura até os dias
de hoje como uma política de destaque no campo da Educação
Superior em nosso país.
Segundo Durans (2019), as primeiras instituições a adotarem o
sistema de cotas foram a UNB – Universidade de Brasília, a UERJ –
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a UENF – Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, a UNEB –
Universidade do Estado da Bahia e a UEMS – Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul.
Após a criação dessas leis e da política de cotas já ser uma
realidade, é que foi instituída a Lei n° 12.711/2012, como meio de
garantir maior igualdade no acesso ao ensino superior e ao ensino
técnico no Brasil. Melero, Martins e Rossi (2018) destacam que há "
[...] na estrutura educacional brasileira uma elitização que discrimina
os menos favorecidos; ao verificar os resultados dos vestibulares,
observa-se o favorecimento de alunos brancos oriundos de escolas
privadas, especialmente em cursos mais concorridos” (p.05). Essa é
uma realidade que ainda afeta os estudantes das escolas públicas,
com destaque aos estudantes negros.
A Lei n° 12.711/2012 foi marcada por uma trajetória cheia de
lutas e desafios para aqueles que dela se valeriam diante da
sociedade, essas lutas se caracterizam principalmente pelo discurso
da meritocracia. Aqui se destaca que como toda política afirmativa,
tem um caráter temporário, o STF decidiu a necessidade de revisão
da lei após dez anos de sua implementação, com intenção de rever

39
o que logrou êxito e o que não foi eficaz, para assim buscar
aperfeiçoá-la de acordo com as demandas atuais.

AVANÇOS E DESAFIOS DA LEI N° 12.711/2012

No ano de 2022 chegou ao fim o período de 10 anos desde a


implementação da Lei 12.711/2012, agora, portanto, se iniciará o
período destinado à revisão dessa lei. Vamos discutir um pouco
sobre os avanços e desafios que permearam esse período, de forma
a tentar compreender o processo de lutas por uma sociedade mais
justa e igualitária no processo educacional.
Mesmo antes do seu estabelecimento, diversos foram os
desafios surgidos ao se falar nas cotas. Por isso, para se avaliar os
desafios, precisamos retomar a história para encontrarmos as raízes
de tudo que foi vivenciado ao longo desses 10 anos. Durans (2019)
fala que dos vários movimentos que marcaram a implementação
das cotas, um dos mais marcantes foi o chamado “Manifesto dos
Cidadãos Anti-Racistas contra as Leis Raciais”, o qual foi assinado
por diversas personalidades e segmentos da sociedade.

Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos


movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos
respeitosamente aos juízes da corte mais alta, que recebeu do povo
constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer
argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e
jurídica da República. (MANIFESTO: Cidadãos anti-racistas contra as leis
raciais; 2008)

Buscavam barrar a implementação da política de cotas,


defendendo que as cotas feriam o que diz a Constituição Federal de
1988, para isso fizeram uso dos seguintes artigos da referida lei:

Art.19°: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si"(BRASIL;1988) -
com isso defendiam a ideia de que as cotas colocavam em posição de
distinção as pessoas que se encaixavam nelas em relação àqueles que delas
não podiam fazer uso;

40
Art.208 : "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um" - os participantes
sustentaram o discurso da condição de igualdade baseados nesse artigo, e
defendem que “[...] as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas
acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades”
(MANIFESTO: Cidadãos anti-racistas contra as leis raciais; 2008).

Seguindo o que dispõe esse manifesto, são apontados


inúmeros outros fatores contrários à implantação das cotas raciais,
os quais, segundo seus autores, acabam por promover ainda mais
desigualdades. No documento, são feitos alguns apontamentos que
merecem destaque como:
• O Brasil não é uma nação racista;
• As cotas raciais não promovem inclusão social;
• As cotas raciais oferecem privilégios para estudantes negros
em determinadas condições;
• As cotas raciais colocam a sociedade em divisão.
Esses apontamentos discutidos no documento mostram como
o manifesto é carregado pelo discurso meritocrático, ignorando
assim “[...] a sociedade excessivamente competitiva que não oferece
oportunidades iguais e responsabiliza os indivíduos pelos seus
fracassos” (DURANS, 2019; p.177).
Apesar das diversas posições contrárias, após a
implementação da Lei n° 12.711/2012, muito se conquistou no
campo das cotas. Nos primeiros quatro anos de sua
implementação, já houve um aumento no número de acesso ao
ensino superior nas instituições federais de ensino, de alunos
pretos, pardos, indígenas e oriundos da escola públicas.

Entre 2012 e 2016, a participação de estudantes oriundos do ensino médio


em escolas públicas nas instituições federais de ensino superior passou de
55,4% para 63,6% (crescimento de 15%), ao passo que a participação de
estudantes pardos, pretos e indígenas egressos de escolas públicas passou
de 27,7% para 38,4% (aumento de 39%). (SENKEVICS; MELLO, 2019, p. 194
apud GODOI; SANTOS, 2021, p.17).

41
Segundo Godoi e Santos (2021), esse crescimento do número
de alunos nas instituições federais fez com que as universidades
estaduais também aderissem à política de cotas, a exemplo citam a
Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas
(Unicamp), que eram instituições que se manifestavam contra essa
política, como resultado tiveram um crescimento no perfil dos
alunos egressos, como mostra as citações abaixo referentes à USP e
à Unicamp, respectivamente.

Os levantamentos mais recentes indicam uma grande transformação na


composição social e étnico-racial dos alunos calouros da Universidade: em
2019, 40% dos calouros eram egressos da rede pública, e os calouros negros
e indígenas perfizeram 25,2% do total, contra uma participação de apenas
6% em 2010 (BIAZZI; GALVÃO; SEIDL; MORENO, 2020 apud GODOI;
SANTOS, 2021, p.18).
Os resultados foram logo sentidos: o número de negros aprovados na
seleção para 2019 alcançou 38,2% do total, proporção que era de pouco mais
de 20% entre 2016-2018 e de 15% em 2015 (FREITAS NETO, 2019 apud
GODOI; SANTOS, 2021, p.18).

Godoi e Santos (2021) ressaltam que os críticos às políticas de


cotas étnico-raciais apontavam três efeitos negativos para a
sociedade com a implementação dessas políticas, o primeiro
relacionado à transformação do ambiente acadêmico em um palco
de conflitos raciais, o segundo relacionado ao nível acadêmico de
ensino e pesquisa e o terceiro se referia a evasão dos cursos,
assumindo assim a visão que tinham da não capacidade dos alunos
cotistas estarem no ensino superior.
Outro desafio da implementação da Lei 12.711/2012 se refere
aos critérios de acesso, pois, segundo a Lei, para fazer uso das cotas
étnico-raciais os alunos devem estar inseridos em uma das
seguintes condições:

• Ter cursado integralmente o ensino médio em escolas


públicas;
• Ter renda per capita familiar de até um salário mínimo e meio;
• Se autodeclarar preto, pardo ou indígena.

42
O grande desafio está na comprovação desses critérios, pois
“[...] há um forte controle dos mecanismos dessas ações”
(DURANS, 2019, p.15), o que faz com que o processo possa ser
burlado de acordo com os interesses de quem o faz. Pereira (2003)
pontua que esses critérios são arcaicos e anacrônicos, promovendo
constrangimento a quem necessita fazer uso das cotas, acrescenta
ainda que os direitos básicos como saúde, escola e assistência social
são submetidos a regras contratuais determinadas pelos
governantes.
Em meio aos avanços e desafios se chegou ao final dos 10 anos
estabelecidos para sua revisão, e agora se inicia mais um momento
marcante na luta pelos direitos de parte da população que sempre foi
invisibilizada por aqueles que detêm o poder econômico nas mãos.

METODOLOGIA

A pesquisa se caracteriza como bibliográfica, que tem como


finalidade “[…] colocar o pesquisador em contato direto com tudo
que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto […]”
(MARCONI E LAKATOS, 2003, p.183). Dessa forma, buscou-se
fontes em arquivos acadêmicos, como teses, dissertações e artigos
que abordassem o tema em estudo. O levantamento do material
bibliográfico foi feito principalmente na plataforma SCIELO, que
possui um vasto acervo de produções acadêmicas.
Além de bibliográfica, a pesquisa também é documental, que,
de acordo com Pádua (1997), “[...] é aquela realizada a partir de
documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados
cientificamente autênticos (não fraudados) [...]” (p.67). Nesse
sentido, em sua primeira abordagem, o artigo apresenta um
levantamento histórico acerca da Lei n° 12.711/2012.
A primeira etapa da pesquisa foi a escolha do tema e a seleção
de materiais que pudessem dar fundamentação teórica à escrita,
após essa seleção, catalogamos todas as leis e decretos que de
alguma forma se relacionassem com a Lei n° 12.711/2012. Feitas as
seleções dos documentos, foram realizadas leituras e fichamentos

43
com o intuito de fazer o levantamento e discussão dos principais
pontos abordados nessas escritas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O processo de revisão

Os estudos mais recentes, como os citados no referencial


teórico deste capítulo, nos mostram que, apesar das conquistas,
ainda há muito o que se alcançar no que tange a questão da
equidade, uma vez que é predominante em nossa sociedade uma
elitização que favorece o branco rico em detrimento principalmente
dos negros e dos pobres.
De acordo Durans (2019), é evidente em nossa sociedade as
condições de discriminação da pessoa negra, de tal forma que basta
ser negro para ser marginalizado e invisibilizado diante da
sociedade, isso é uma herança deixada pelo longo período da
escravidão em nosso país e resultada de uma libertação que não foi
pensada de forma a garantir dignidade de vida aos libertos. Os
negros na sociedade atual carregam em si o peso de um período em
que eram tratados como animais, e essa sociedade infelizmente
ainda alimentam essa visão, propagando ações e discursos que
minimizam a pessoa negra diante dos bens sociais.
É a população negra a mais atingida pela má distribuição de
renda em nosso país, e, com relação à educação, “[...] ainda é
manifesto o abismo que separa brancos e negros em termos de
níveis educacionais e acesso ao ensino superior” (GODOI;
SANTOS, 2021, p.19). Assim, apesar dos avanços nesses 10 anos da
lei de cotas étnico-raciais, ainda há muito que se fazer para que o
acesso à educação superior seja uma realidade para um número
cada vez maior de negros e indígenas em nosso país.
Como estabelecido pelo STF, findados os 10 anos a Lei n°
12.711/2012, precisaria passar por uma revisão, e essa revisão pode
estabelecer novos critérios e nesse processo seria interessante

44
considerar alguns pontos que segundo Godoi e Santos (2021)
precisam ser considerados.
O primeiro desses pontos é o que está estabelecido no Art. 6°
da Lei: “O Ministério da Educação e a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da
República, serão responsáveis pelo acompanhamento e avaliação
do programa de que trata esta Lei, ouvida a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI)” (BRASIL, 2012). Essa medida foi reforçada com o
Decreto n° 7.824/2012, o qual determina que esse acompanhamento
e avaliação devessem ser feitos em forma de relatório anual, no
entanto, esses relatórios nunca foram feitos e o que se sabe sobre
esse monitoramento é através de estudos e pesquisas realizados
através de dados oficiais, como é o caso do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e do próprio Exame Nacional do
Ensino Médio, no qual os alunos respondem um questionário
socioeconômico.
O segundo ponto está relacionado às cotas que tomam como
base a renda familiar per capita de até 1,5 salário-mínimo, pois essa
condição acaba gerando uma discrepância quanto a distribuição
(porcentagem igual) de vagas destinadas a esse público e ao
público com renda inferior a 1,5 salário-mínimo, uma vez que “[...]
historicamente os alunos que têm rendimento familiar abaixo de
1,5 salário-mínimo per capita representam muito mais do que 50%
do contingente total de estudantes da escola pública.” (GODOI;
SANTOS, 2021. P.21)
Outro destaque feito pelos autores é a necessidade de rever os
concursos de públicos de docentes universitários, haja vista que o
número de professores negros nas universidades é mínimo perto
da quantidade de professores brancos, e pensar em uma educação
para diversidade é também promover possibilidades de uma maior
heterogeneidade no quadro docente das universidades. É
preocupante o dado apontado por Godoi e Santos (2021), quanto a
esse ponto especificamente: “[...] não deve passar de 500 o número
de professores negros, entre os aproximadamente 45 mil
professores universitários, então ativos nas universidades federais

45
[...]” (p.22). Embora esse dado seja referente ao ano de 2005,
acreditamos que pouco mudou.
A Lei n° 12.990/2014 garante a oferta de 20% das vagas em
concursos públicos e ainda assim não tem sido suficiente para
mudar essa realidade, pois existem limitações que acabam por
impedir, como é o caso do Art.1°, o qual prescreve que essa reserva
de vaga só será garantida quando o número de vagas oferecidas for
igual ou superior a 3. Godoi e Santos (2021) salientam que essa
condição se configura como uma má aplicação da Lei de Cotas e
deve ser revisto juntamente com a revisão da Lei n° 12.711/2012.
Argumentamos, ainda, que um dos pontos que merece
atenção nessa revisão é a autodeclaração e o processo de
heteroidentificação. Godoi e Santos (2021) advertem que:

A aliança de dois mecanismos como autodeclaração e heteroidentificação


impõe-se por conta dos recorrentes casos de fraudes nos processos seletivos,
que demandaram posturas mais efetivas e técnicas para determinar
balizamentos que legitimem o ingresso por meio de discriminação positiva,
como é a ação afirmativa em questão. (p.24)

Infelizmente é uma realidade as fraudes e tentativas de


fraudes quanto ao critério de autodeclaração e heteroidentificação,
o que acaba reforçando o que Durans (2019) destaca quanto ao
controle dos mecanismos que ficam por conta das instituições, e
isso acaba gerando a facilidade nas fraudes, mesmo porque não
existe uma política de fiscalização quanto a esse processo.
O quinto ponto destacado por Godoi e Santos (2021) é relativo
às cotas na pós-graduação, uma vez que a lei de cotas não
contempla a reserva de vagas nos cursos de pós-graduação. Os
autores falam que as vagas de cotas disponibilizadas em algumas
universidades são devido à autonomia da própria instituição. A
Portaria Normativa do Ministério da Educação n° 13/2016 dispõe
sobre a indução de ações afirmativas na pós-graduação, no entanto
essa portaria nunca chegou a ser cumprida.
Sobre a reserva de vagas para cotas nos programas de pós-
graduação, pode-se dizer que a maioria das instituições se nega a

46
aderir ao sistema de cotas, isso devido ao “[...] dilema da
intelectualidade negra” (GODOI; SANTOS, 2021, p.25).

Ser negra ou negro e ser, ao mesmo tempo, intelectual significa situar-se


num lugar fronteiriço, pois os que fazem parte do grupo subalterno não são
naturalizados como seres pensantes e produtores de saberes, de
conhecimento científico. [...] o sistema de cotas, ao ser aplicado para a
formação de negros a pós-graduação, insere-se nessa fronteira e aponta
complexidades mais profundas quanto aos processos de reparação histórica
e promoção de igualdades, que a inclusão do alunado a graduação não dá
conta, por si, de resolver. (GODOI; SANTOS, 2021, p.25)

A resistência em assegurar a reserva de vagas para as cotas se


esconde por traz de um discurso infundado de qualidade da
produção do conhecimento científico, evidenciando um
pensamento elitista onde o branco é mais capaz que o negro, e mais
uma vez o negro quando consegue alcançar uma vaga na pós-
graduação precisa passar pelo processo de se afirmar como capaz
no meio dos brancos. A necessidade da inserção dessas vagas na
Lei n° 12.711/2012 é real e urgente.
O último ponto abordado por Godoi e Santos (2021) refere-se
ao aprofundamento da pluralidade no meio acadêmico. Os autores
alertam que essa pluralidade pode estar sendo substituída pelo que
chamam de tokenização, que é o discurso de uma inclusão das
minorias, para mascarar o processo de igualdade e equidade de
acesso e permanência dessas minorias nos espaços.

A tokenização pode materializar-se no meio acadêmico por meio da mera


evidenciação da presença de negras e negros num espaço de acesso até então
privilegiado e restrito, servindo como contra-argumento retórico a
iniciativas que pugnem por mais medidas inclusivas e que induzam a uma
efetiva diversidade no ambiente educacional. É contra essas armadilhas que
se deve lutar. (GODOI; SANTOS, 2021, p.27)

Esses são alguns apontamentos feitos que merecem atenção no


processo de revisão da Lei n° 12.711/2012. Tal revisão merece
cautela, principalmente quanto as inúmeras emendas sugeridas
pelos parlamentares, que precisam ser analisadas para além de

47
uma simples leitura, tomando todo o contexto que a escrita pode
contemplar. Para essa revisão, já se contam mais de 70 emendas,
que vão desde o acréscimo de critérios, retiradas de certos pontos
até a inclusão de novos públicos na política de cotas.
Dez anos não foram suficientes para o alcance dos objetivos
propostos na lei, o que evidencia a sociedade altamente racista e
preconceituosa em que vivemos. Sociedade essa que se recusa a ver
que as desigualdades entre os povos de nosso país é uma realidade,
e que só a força de vontade e o talento não são eficazes o suficiente
nessa luta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as leituras das produções acadêmicas e da Lei n°


12.711/2012, fica claro que vivemos em um país escancaradamente
racista, que carrega em suas ações e atitudes muito do que a
escravidão prolongada deixou e que apesar do discurso da não
discriminação, o racismo parece que ficou como herança,
impregnado no ser humano como se dele fizesse parte.
Historicamente o processo de criação da Lei de Cotas se deu
mediante os conflitos de interesses, conflitos esses que perduraram
ao longo desses dez anos. De um lado, se tem o homem branco e
rico que detém o poder e do outro se tem uma parcela da população
em busca de melhores condições de vida, condições essas que são
negadas por aqueles que já usufruem de tudo.
Fica evidente que o discurso da meritocracia pregado por
aqueles que acreditam que basta a capacidade e o talento para
lograrem êxito na vida, é algo muito presente na atualidade,
inclusive é a sustentação do discurso de muitos que são contra a
política de cotas. Precisamos romper com esse velho discurso e
reconhecer que existe sim discriminação em nosso meio, e que
vivemos em meio a uma sociedade que exala desigualdades em
todos os seus segmentos.
Como alerta Durans (2019), é preciso reconhecer que a política
de cotas é sim uma forma de reparação com a população negra, que

48
viveu a escravidão nos tempos passados, mas que carrega o peso
de sua cor para onde vai, sendo marginalizados e discriminados
pelo simples fato de ser negro. A política de cotas ganha um peso
ainda maior para os negros, pois através delas muitos têm
conseguindo chegar às instituições de ensino e assim buscar um
lugar na sociedade, altamente excludente e competitiva.
Com a Lei n° 12.711/2012 se teve grandes avanços no acesso de
negros, indígenas e pobres ao ensino superior, no entanto percebe-
se que ainda existem muitas lacunas que precisam ser revisadas e
outros pontos que necessitam ser acrescentados para que a garantia
de acesso à educação seja uma realidade cada vez mais viva para a
população que necessita fazer uso das cotas.
Não podemos nos calar nesse processo de revisão e
precisamos estar atentos às emendas que os parlamentares estão
propondo, para que os direitos já garantidos não sejam usurpados
aos nossos olhos e para que novos direitos sejam acrescidos à lei de
forma a aumentar ainda mais o número de estudantes que possuem
direito às cotas, nas academias.

REFERÊNCIAS

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________. Lei n° 11.096 de 13 de janeiro de 2005. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/
l11096.htm acesso em 12 de dezembro de 2022.

49
_________. Lei n° 12.711 de 29 de agosto de 2012. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/
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_________. Lei n° 12.990 de 09 de junho de 2004. Disponível em:
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12990.htm acesso em 21 de dezembro de 2022.
DURANS; Claudicea Alves. Particularidades da Questão Negra no
Brasil e seus Desdobramentos nas Interpretações e Política Focalizadas
de Raça e Classe. Tese de Doutorado – Universidade Federal do
Maranhão – UFMA. 2019.
GODOI, Marciano Seabra de; SANTOS, Maria Angélica dos. DEZ
ANOS DA LEI FEDERAL DAS COTAS UNIVERSITÁRIAS:
avaliação de seus efeitos e propostas para sua renovação e
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LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia
científica. São Paulo, SP: Atlas, 2003.
MANIFESTO ANTICOTAS. Cidadãos anti-racista contra as leis
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Metodologia da pesquisa: abordagem teórico-prática. Campinas:
Papirus, 1997. p. 29 – 89. (Coleção Práxis).
SILVA, Bruna Caroline Moreira; XAVIER, Wescley
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Análise da Percepção de Professores Universitários. Dados
[online]. 2022, v. 65, n. 1 [Acessado 13 Dezembro 2022].
Disponível em: https://doi.org/10.1590/dados.2022.65.1.258. Epub
20 Dez 2021. ISSN 1678-4588.

50
REPRESENTAÇÃO DO OUTRO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR-
vozes sem eco: sobre a inclusão através das diferenças

Jânio Oliveira Lima


Fernando Lucas da Silva Gomes
Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

INTRODUÇÃO

O presente estudo com o título REPRESENTAÇÃO DO


OUTRO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR - vozes sem eco: sobre a
inclusão através das diferenças traz inúmeros significados para um
grupo considerado minoritário, que não tem seus espaços
entregues de maneira segura, respeitosa e com igualdade de
desenvolvimento intelectual e social. Geralmente, são
estigmatizados e estereotipados por imagens preconcebidas de
alguém, ou de algo baseado em um modelo ou generalização. Esta
configuração corre pela heterogeneidade existente, com indivíduos
possuindo algumas diferenças, seja por questões corpóreas
(orgânicas ou físicas), ou relacionadas a elementos sociais (gênero
ou sexualidade). Dessa forma, algumas características ou
expressões são consideradas inválidas diante de uma norma criada,
sendo um agravante ainda maior quando ocorre no âmbito escolar.
Assim, por não se encaixarem nesse padrão criado, as
possibilidades de alguns alunos praticarem maldades,
ridicularizando, criando rótulos, vulgos pejorativos por conta de
deficiências, dificuldades de aprendizagem, performances de
gênero e sexualidade, torna-se propício para certas implicações,
discriminações, agressões verbais e físicas, frequente nas escolas,
podendo partir não só do corpo discente, mas também dos
professores.

51
Tal ação ocorre de forma “piedosa” ou preconceituosa,
formulando representações direcionadas às pessoas consideradas
com deficiência ou por manifestações de sexualidades não
heteronormativas. Portanto, optamos por uma pesquisa que
procura delinear quais formas de representações são construídas
em indivíduos que possuem alguma deficiência ou performance
sexual distante da norma construída pela sociedade, em aspectos
estéticos e cognitivos.
Nessa trajetória, relacionada aos caminhos da inclusão e
aceitação do outro, encontramos diversas barreiras não apenas
arquitetônicas, mas de violência, ganhando até nome de bullying
(palavra de origem inglesa que pode ser traduzida como
“intimidar” ou “amedrontar”). Sua principal característica é a
agressão (física, psicológica, moral ou material), sendo sempre
intencional e repetida constantemente sem alguma motivação
específica. Deste modo, a criança ou adolescente acaba sendo
vítima de situações constrangedoras e desumanas.
Na construção do estudo, a fundamentação teórica elegeu uma
análise da literatura com base em revisão bibliográfica, verificando
como os agravantes de uma não inclusão, que integra e não acolhe
o outro, têm alterado o desenvolvimento de alunos, afetando ainda
a formação da personalidade e identidade desses educandos.
O objetivo geral deste estudo se configura, pois, em
compreender as representações vivenciadas por alunos
considerados inadequados por uma sociedade que direciona
padrões de normalidade. Como objetivos específicos, delineamos:
identificar como a aceitação ou não do outro pode influenciar no
desenvolvimento sociocognitivo dentro do ambiente escolar; e
refletir sobre a escola como agente inclusivo, respeitando as
diferenças e diversidades de cada aluno.
Quando uma educação que não respeita multiplicidade dos
alunos ocorre, os ingressos do sistema de ensino sofrem
preconceitos e marginalizações, perdendo o direito a educação e até
uma vida digna. É possível percebemos que se trata de uma luta
travada ao longo da história contra a intolerância, a vergonha e a

52
ignorância acerca de uma exclusão social, por vezes envolvendo o
núcleo familiar, ocasionando em um abandono intelectual e
favorecendo a rejeição e promoção de atitudes bárbaras em relação
aos educandos ditos diferentes.
Desse modo, foi fomentada a seguinte indagação: Como
podemos modificar concepções e comportamentos de não
aceitação ao outro, devido sua singularidade e diversidade própria,
através dos meios educativos para promover o ensino e a
aprendizagem de todos os alunos?
Assim, o princípio para levantar esse questionamento partiu
da verificação se a educação básica está reconhecendo e
respondendo às diversas dificuldades de seus alunos, acomodando
os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma
educação de qualidade para todos mediante currículos
apropriados, modificações organizacionais, estratégias de ensino,
recursos e parcerias com a comunidade.
O artigo está dividido em duas sessões: na primeira, A
inclusão do acesso, permanência e participação de todos no sistema
regular de ensino, na qual dialogamos com autores como Prieto
(2006), Figueredo (2013), dentre outros. Na segunda, Tessituras da
inclusão no contexto escolar, estabelecemos algumas discussões
com Louro (2019), Silva (2016) e demais autores que abordam uma
educação que não padronize os discentes, sendo estes também os
pilares para a construção teórica.

A INCLUSÃO DO ACESSO, PERMANÊNCIA E


PARTICIPAÇÃO DE TODOS NO SISTEMA REGULAR DE
ENSINO

A inclusão escolar tem se tornado um tema de discussão em


diversos segmentos, desde a educação básica até o ensino superior.
Muitos não entendem o que é a inclusão de todos, ou têm seguido
linhas inclusivas que não cabem a uma escola que respeita e
trabalha com as diferenças. Segundo Figueredo (2013), muitos
professores alegam não estarem preparados para vivenciar a

53
inclusão, não sabendo ministrar uma aula para a diversidade,
ficando receosos de como lecionar suas disciplinas de forma que
todos participem do processo de ensino e aprendizagem.
Surgindo assim, dentro da esfera educacional, diversos
conflitos de pensamentos sobre como devem ocorrer o acesso, e,
sobretudo, a participação e permanência de alunos considerados
com deficiências, necessidade educacionais especiais, transtornos,
etnias, culturas e manifestações diferenciadas. Esses ingressos
estão de certa forma vulneráveis a determinadas atitudes
discriminatórias em virtudes de muitos colegas de classe, gestão e
especialmente professores, que não compreendem como é ser um
profissional que lecione para uma turma heterogênica, a qual é um
constante desafio para a sua construção docente.
Estes profissionais estão rodeados por um multiculturalismo
e situações adversas que antes não ocorriam em uma escola
direcionada apenas para uma minoria detentora do poder, que
subjugava outros sujeitos que eram marginalizados e impedidos de
frequentar os bancos escolares. Entretanto, com o advento das
políticas públicas voltadas à inclusão de deficiências físicas e
dificuldades de aprendizagem, os portões para o ingresso de
alunos por meio de uma perspectiva da inclusão de todos foram
abertos. Então vamos dentro desse contexto procurar meios para
simplificar o que é inclusão escolar com base no que dispõe o
Ministério da Educação do Brasil (MEC):

O movimento mundial pela inclusão é uma ação política, cultural, social e


pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de
estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional
fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e
diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de
equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção
da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008, p.8).

Portanto, a comunidade escolar deve tratar com toda


responsabilidade esses sujeitos que necessitam ser assistidos por

54
um ensino de qualidade, equidade e com humanidade, sendo
valorizados pelas suas diferenças e levados a modelos de perfeição
inexistentes, mas criados por uma sociedade sem empatia pelo
outro. Segundo Prieto (2006, p. 56), “a formação de profissionais da
educação é tema de destacado valor quando a perspectiva do
sistema de ensino é garantir a matrícula de todos os alunos no
ensino regular, particularmente na classe comum”. Essa conjuntura
educativa visa o ingresso de todos os educandos independente de
qualquer caraterística, singularidade ou diferença.
E quais seriam esses aprendizes que são objetos de apreciação
da Educação Inclusiva? Como eles se apresentam dentro desse
universo educacional? Seguindo alguns apontamentos na
Declaração de Salamanca e com base no artigo 5 da resolução n°
02/2001 do documento de Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica, são contemplados os alunos que
apresentam:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de


desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais
alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que
os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.
(BRASIL, 2001, p. 19).

Dentre essas características destacadas, é necessário


disseminar as ideais inclusivas, agregando mais espaços
educacionais, formando profissionais da educação para viverem
uma perspectiva verdadeira de acolhimento e de uma “Educação
para Todos”, sem barreiras ou preconceitos diante dos desafios
apresentados ao sistema de ensino regular. Outro termo bastante
falado e de interesse dos docentes aos alunos considerados com

55
deficiências se chama necessidades educacionais especiais, a expressão
significa:

A expressão necessidades educacional pode ser utilizada para referir-se às


crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua elevada capacidade ou
de suas dificuldades para aprender. Está associada, portanto, a dificuldades
de aprendizagem, não necessariamente vinculada à deficiência (s). (BRASIL,
2003, p. 23)

O Ministério da Educação pontua, através de seus documentos


construídos e planejados segundo a perspectiva da inclusão
educacional, que a expressão alunos com condições diferenciadas é a
que deve ser utilizada para algumas situações de dificuldades de
aprendizagem, questões pessoais, econômicas ou socioculturais,
sejam de ordem intelectuais, físicas, sociais, emocionais e sensórias.
Discentes com deficiência, morando nas ruas, crianças
trabalhadoras, nômades, “minorias” linguísticas, étnicas ou
culturas, são vistas como fora da norma e consequentemente
desfavorecidas ou marginalizadas no cotidiano escolar. Assim, a
educação inclusiva vem com uma proposta de formação docente e
modelo de sociedade, com novas políticas públicas conquistadas
de lutas indo contra os desígnios do Estado e efetivação dentro das
escolas conforme aborda Mittler:

A inclusão não diz respeito a colocar as crianças nas escolas regulares, mas
a mudar as escolas [...] diz respeito a ajudar todos os professores a aceitarem
a responsabilidade quanto à aprendizagem de todas as crianças [...] e não
apenas a aquelas que são rotuladas com o termo “necessidades educacionais
especiais” (MITTLER, 2003, p.16).

Dentro desse viés buscamos construir uma escola de


qualidade, com docentes prontos para exercer seu ofício de ensinar
em uma perspectiva de acolhimento e valorização da diversidade,
sem receio de trabalhar com os diferentes sujeitos. Sendo assim,
aprender com cada singularidade se torna notório, promovendo
aprendizagem e respeitando cada educando. Apesar do foco nesta
primeira sessão tratar de deficiências e dificuldades de

56
aprendizagem, precisamos compreender que a inclusão
educacional também precisa se relacionar aos aspectos sociais,
como o caso da sexualidade, assim, aprofundaremos este elemento
no próximo tópico.

TESSITURAS DA INCLUSÃO NO CONTEXTO ESCOLAR

Ao pensarmos na educação formal, se torna notória a presença


da heterogeneidade entre os sujeitos, sejam eles docentes ou
discentes, possuindo comportamentos, manifestações,
individualidades e características físicas distintas. Assim, se fazem
necessárias determinadas práticas educativas que respeitem essa
pluralidade existente, tornando o ambiente educacional um local
harmônico e que não seja atravessado por hierarquias que
determinam superioridades e inferioridades por meio das
interações sociais, além de fatores de exclusão.
Neste sentido, a inclusão é configurada como uma missão a ser
desenvolvida, necessitando de um constantemente exercício no
âmbito educacional. A respeito deste aspecto, Mantoan (2003)
relata que uma escola inclusiva está relacionada com a cidadania
global, livre de preconceitos, que reconhece e valoriza a
diversidade existente. Compreendemos, então, que sala de aula
precisa reconhecer a pluralidade existente, tanto no que se refere
aos aspectos sociais, como a sexualidade, quanto aos elementos
relacionados a questões físicas e cognitivas, como pessoas com
deficiências ou dificuldades de aprendizagem.
Entretanto, antes de nos aprofundarmos sobre os aspectos em
questão, se faz necessário tecermos algumas considerações.
Segundo Louro (2019), a sexualidade é uma forma de expressão
estabelecida socialmente, se distanciando da perspectiva de
naturalidade. Atrelado a esta informação, na década de 90, ocorre
a despatologização da homossexualidade. Dessa forma,
percebemos que apesar de surgirem similaridades em relação aos
elementos de exclusão no contexto escolar, a sexualidade não deve

57
ser encarada como uma limitação ou um transtorno global que
necessite de diagnósticos.
Ao refletirmos sobre uma escola não discriminatória, que
respeite a diferença dos estudantes, uma das primeiras ações que
podem corroborar para essa efetivação é o processo de
reconhecimento. Como afirma Silva (2012, p.97), “a questão do
outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação
pedagógica e curricular”. É preciso reconhecer e não impor
determinados padrões aos alunos, ao mesmo tempo em que devem
ser evitadas práticas que se manifestam com posições neutras.
A partir do momento que o educador tenta ignorar a
multiplicidade existente no cotidiano escolar, ensinamentos que
contribuem para estranhar aqueles que não se encaixam na norma
criada podem surgir:

O silêncio de educadores diante do incômodo causado por um estudante


que age fora da norma distinta da maioria não é uma atitude neutra. É uma
tentativa de eliminá-lo. Fingir que alguém não existe nada tem de imparcial,
ignorar costuma ser a melhor forma de fazer valer os padrões de
comportamento considerados “bons”, “corretos”, “normais”. O silêncio e a
tentativa de ignorar o diferente são ações que denotam cumplicidade com
valores e padrões de comportamentos hegemônicos (MISKOLCI, 2014, p.80).

De acordo com o autor, é notável como se criou um padrão de


normalidade, onde aqueles que não se encaixam nele são
automaticamente vistos como “anormais” e até mesmo abjetos. No
momento que o docente se mantém neutro diante de determinadas
situações, ou tenta ignorar necessidades educacionais existentes,
consequentemente ocorre um movimento contrário aos objetivos
da educação. O ambiente educacional deveria propiciar a
emancipação dos sujeitos, dando subsídios para seu
desenvolvimento, e dessa forma alterando algumas posturas.
Analisando as práticas educativas no cotidiano escolar, é
interessante reconhecermos como os processos de linguagem
podem funcionar como instrumentos de exclusão. Para Silva
(2016), para romper esta configuração, é preciso referir-se ao aluno

58
com limitação pelo seu nome, não utilizando o nome da deficiência
ou termos pejorativos, tais como: o deficiente, o aluno da inclusão,
o coitadinho. Se torna perceptível que ao concretizar esta ação,
consequentemente também envolve levar o aprendizado de
abordagens não excludentes para os demais alunos.
Porém, o elemento da linguagem não se relaciona
exclusivamente a deficiências, podendo também estar atrelada a
outros elementos de inferiorizam os sujeitos. Louro (2014, p.64)
discute que dentro do ambiente escolar “(...) temos de estar
atentas/os, sobretudo, para nossa linguagem, procurando perceber
o sexíssimo, o racismo e o etnocentrismo que ela frequentemente
carrega e institui”. Assim, refletir sobre sua própria linguagem
enquanto docente se torna um ato considerável, tendo em vista que
ela pode auxiliar na construção de um ambiente ríspido e
intolerante.
Outro elemento que acentua a segregação entre os indivíduos
no contexto escolar são as brincadeiras e insultos carregados de
preconceitos. Segundo Junqueira (2013, p.486), “tais ‘brincadeiras’
ora camuflam ora explicitam injúrias e insultos, jogos de poder que
marcam a consciência, inscrevem-se no corpo e na memória da
vítima e moldam pedagogicamente suas relações com o mundo”.
Dessa forma, para tornar a sala de aula distante de tais
atravessamentos, os profissionais necessitam de estratégias que
diminuam sua frequência, buscando alterações de posturas.
Como uma forma de tentar inibir esse comportamento, Silva
(2016) orienta o educador a discutir e refletir com todos os alunos
sobre as consequências que os insultos podem acarretar,
conversando sobre os elementos que dão origem a exclusão e
descriminação social. Ao pensar nesta perspectiva, a noção de
desconstrução surge rapidamente, por diversas vezes o
aparecimento de práticas discriminatórias no ambiente escolar é
alimentada pela convivência com sujeitos que instituem padrões de
normalidade. Sendo assim, a problematização explícita desses
insultos aparece como uma alternativa para contê-los.

59
METODOLOGIA

A presente pesquisa dialoga com as particularidades dos


indivíduos, discutindo os aspectos sociais e seus desdobramentos,
assim, foi utilizada a abordagem qualitativa para a sua realização.
Diferentemente da análise de dados quantificados, a pesquisa
qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações” (MINAYO, 2016, p. 22). Dessa
forma, a construção do artigo se configurou no aprofundamento de
determinadas concepções humanas, buscando compreender ainda
como elas ocorrem no processo interacional.
Quando observamos os procedimentos, ou também chamados
de tipos de pesquisa, é perceptível a amplitude de técnicas que
podem ser utilizadas, existindo uma pluralidade no
direcionamento a ser percorrido, cabendo aos autores da pesquisa
realizar tal escolha. No que se refere à direção tomada a fim de
obter dados para análise e discussão, o estudo é classificado como
pesquisa bibliográfica.
Apesar de apresentar similaridades com a pesquisa
documental, tendo como característica em comum a não
necessidade empírica na aquisição de dados a serem analisados, a
pesquisa bibliográfica se configura no levantamento de materiais
que trazem como foco o objeto de estudo do artigo. Para Oliveira
(2008, p.69), “a principal finalidade da pesquisa bibliográfica é
levar o pesquisador (a) a entrar em contato direto com obras,
artigos ou documentos que tratem do tema em estudo”.
Assim, a pesquisa se deu na aproximação de documentos,
livros, periódicos e textos relacionados aos atravessamentos de
normatividade que são cobrados e impostos sobre os alunos no
contexto educacional. Após ser efetuado esse levantamento de
dados, a análise foi realizada através de aprofundamentos teóricos,
com base em autores que discutem essa temática. Outrossim, no
que diz respeito ao caráter do presente estudo, foram utilizadas as
perspectivas exploratório e analítico.

60
RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise que empreendeu esse estudo buscou desenvolver


com base no título: REPRESENTAÇÃO DO OUTRO NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR - vozes sem eco: sobre a inclusão através
das diferenças, em que foram alinhados os objetivos e a
interrogativa da pesquisa. Buscamos relatar ações que ocorrem
dentro do seio escolar, apresentando características as quais são
próprias dos indivíduos, pois esse é revestido de particularidades
e singularidades sejam elas aferidas por questões gênero,
orientação sexual, intelectuais ou físicas.
Assim, foram elaboradas categorias com base na
fundamentação teórica, na qual dentro das análises obtivemos
determinados resultados, alinhados a fundamentação teórica,
podendo suscitar uma discussão sobre uma educação que inclua os
sujeitos. Para tanto, na subdivisão deste tópico percebemos o
andamento da multiplicidade dos educandos e o engajamento
profissional dos professores na desconstrução de estereótipos,
rótulos, atos discriminatórios de exclusão.

INTERPRETAÇÕES E IMAGENS DOS ALUNOS DA


INCLUSÃO

A educação apresenta vários momentos importantes para os


diversos sujeitos ao longo da história, em cada situação da
existência escolar se traçou um perfil definido de aluno com
características e posições sociais e filosóficas bem distintas. Porém,
com a evolução da própria humanidade as paredes das escolas
foram se estendendo, dando espaço para indivíduos adentrarem
suas estruturas.
Com suas deficiências, cores, comportamentos e expressões
distintas a escola vive dias de mudanças dentro do contexto,
necessitando reinventar suas práticas pedagógicas. Para isso, é
utilizada a perspectiva de inclusão, com o uso de recursos,
profissionais especializados, trabalho colaborativo e formação

61
docente. Com isso, a interpretação do discente é reconhecida
dentro da vida escolar, valorizando particularidades que se
configuram com riquezas e são necessárias para a ressignificação
do ser educando.
Lanuti e Mantoan (2022) retratam sobe a classificação do “bom
aluno”, mas como determinar o que é um bom aluno? Quais as
representações que formam esse imaginário de ser esse ideal de
discente? Analisando tais questionamentos, é perceptível como
bases excludentes se consolidam. Podemos compreender que os
alunos são sujeitos heterogêneos, ao utilizar do enquadramento
dentro da linha de qualidade, baseada em aspectos quantitativos
(notas) e padrões de normalização, se torna uma ação inviável.
Muitos professores reforçam determinadas figuras ou
imagens de modelo, os quais chegam até ser cruéis. Nos discentes
que não alcançam tais metas classificatórias, sejam externas e
internas, podem surgir sentimentos de frustação. Assim:

(...) a representação que um professor faz de um estudante é como o retrato


de suas possibilidades intelectuais e outras mais. Como ela poderia propor
um ensino inclusivo com base na representação? Como eu poderia atribuir,
a alguns alunos, o rótulo de diferentes? (LANUTI; MANTOAN, 2022, p.25)

Não cabe a escola e, principalmente, ao licenciado, mensurar


as potencialidades dos alunos em uma perspectiva inclusiva.
Realizar comparações e até mesmo determinar imagens
formuladas em preceitos não representam realmente o sujeito que
se encontra incluso. Muitos rótulos podem ser criados devido a
noções errôneas dos docentes, além de valores traçados por uma
sociedade capitalista que presa pela competitividade, tornando o
sistema educacional alinhado a essa lógica. Dentro desse mesmo
viés, Lanuti e Mantoan (2022) asseguram que:

Esse e outros problemas decorrem do fato de as escolas se apegarem a


determinados parâmetros de competência, perfis, tipos e níveis de
desempenho e outas formas de discriminar. Se a escola exclui, comparando
seus alunos. Desconsiderando a diferença de cada um deles e estabelecendo

62
padrões de sucesso e fracasso, estar nela pode ser arriscado e instável para
alguns. (LANUTI; MANTOAN, 2022, p.26)

Então não é correto fazer leituras com base em uma normalização


que nunca existirá, pois o ser humano é único em seus atributos e
individualidades. De acordo com Sánchez (2005), educação inclusiva
tem seu conceito definido como um modelo de escola preparada para
receber todo e qualquer tipo de aluno, com suas diferenças e
dificuldades, em que todos aprendem juntos, quaisquer que sejam
suas particularidades. Assim, essa se torna a prática que deve ser
adotada e disseminada nas escolas de modo geral.

VOZES SEM ECO, INCLUIR PARA EDUCAR

Os alunos da educação inclusiva, relacionados a deficiências e


dificuldades de aprendizagem, outrora não tinha oportunidade
dentro do sistema regular de ensino, eram segregados a uma condição
de reabilitação. Não sendo vistos como discentes, e sim como sujeitos
sem condições ou possibilidades, considerados como indivíduos com
características contrárias a maioria, não possuindo voz.
Apesar do advento inclusivo nas escolas, essa voz se tornou
explícita, mas eco não, pois o sistema abafa e não permiti a
expansão acústica que requer qualidade na educação, respeito,
oportunidade e conhecimento para todos. A educação inclusiva
pode ser definida como a prática da inclusão de todos –
independentemente de seu talento, deficiência, origem
socioeconômica ou cultural – em escolas e salas de aula provedoras,
onde as necessidades desses alunos sejam satisfeitas (STAINBACK;
STAINBACK, 1999, p.21).
Estes, por não se enquadrarem na idealização de modelos
perfeitos de indivíduos padronizados por cor, idade, etnia, gênero,
orientação sexual, religião, profissão, condição socioeconômica,
dentre outros fatores, eram colocados como fora dos protótipos de
aceitação pela sociedade.

63
Além dos critérios mais comuns de representação (citados acima), nas
escolas os alunos ainda são definidos pelo seu comportamento social,
desempenho nas atividades, rendimentos e notas das avaliações, interesse
por um determinado assunto, habilidades para uma determinada área do
conhecimento e pelos modos que expressam suas ideias. (LANUTI;
MANTOAN, 2022, p.26)

Nesse contexto, os alunos na perspectiva da inclusão ficam


alheios aos critérios mencionados acima, sendo submetidos a
tratamentos que não visam à valorização das suas habilidades e
perspectivas de aprender. Eles são direcionados a comportamentos
e situações que não possuem suas características respeitadas.

A escola não pode continuar ignorando o que acontece ao seu redor. Não
pode continuar anulando e marginalizando as diferenças – culturais, sociais,
étnicas – nos processos pelos quais forma e instrui os alunos. Afinal de
contas, aprender implica ser capaz de expressar, dos mais variados modos,
o que sabemos; implica representar o mundo a partir de nossas origens, de
nossos valores e sentimentos (MANTOAN, 2003, p.15)

Se fazem necessárias tomadas de atitudes que se direcionam


em dar voz para aqueles que por muito tempo foram e estão
silenciados. Quando os sons não são ouvidos ou compreendidos,
cabe aos educadores a responsabilidade de desenvolver estratégias
dentro do sistema regular de ensino, fazendo com que a inclusão
não seja só uma perspectiva e sim uma realidade.

É necessário que essa discussão se estenda para que não só os intelectuais e


especialistas saibam que os indivíduos com necessidades educacionais
especiais têm potencialidades, inteligência, sentimentos, direito à dignidade,
mas também que eles têm direito à vida, em todos os seus aspectos, apesar
das limitações que possam ter. Todos nós temos limitações; é preciso apenas
respeitá-las (SOUZA, 2013, p.162).

Assim, caminharemos para uma sociedade mais justa e


humana que trata a todos com respeito diante das
individualidades, que deveriam ser atitudes básicas de todos os
sujeitos. Com colaboração de novas políticas públicas, alinhado a

64
formação de professores e conscientização da comunidade escolar,
é preciso pensarmos uma escola que não possua um único padrão
de alunado, mas que seja um ambiente onde todos devem ser
respeitos e compreendidos.

DIÁLOGO SOBRE INCLUSÃO NO CONTEXTO ESCOLAR

Através dos dados obtidos na sessão intitulada “Tessituras da


Inclusão no Contexto Escolar”, foi possível perceber como as
práticas discriminatórias ocorrem no âmbito educacional,
evidenciando ainda orientações que podem resultar em sua
diminuição. Tendo em vista a amplitude da temática, o sentido de
abordar tais aspectos não se configurou em uma tentativa de
esgotamento sobre o assunto, mas de assumir algumas posições de
diálogo a respeito dos elementos trazidos.
Por meio dos resultados se percebeu que o ambiente escolar
desenvolve práticas que padronizam os sujeitos, consequentemente
sendo permeado por aspectos que consideram inválidas
manifestações, comportamentos e performances que fujam dessa
padronização. Assim, é verificável como a concepção de poder se
vincula a essas ações, criando hierarquias e classificando alunos
como superiores e inferiores. Para tanto, este processo de
subordinação tem a possibilidade de desenvolver uma sala de aula
não harmônica, excludente e colocam indivíduos a margem.
A respeito do discurso de poder vinculado a estas situações,
podemos levar em conta a afirmação de Foucault (1996), ao
considerar que o poder pode se referir tanto ao domínio de objetos,
como também à construção de concepções verdadeiras e falsas.
Dessa forma, ao designar aspectos como bons ou ruins, aceitáveis
ou intoleráveis, os aspectos sociais utilizam dessa abordagem.
Porém, como se trata de algo comumente realizado em sociedade,
os sujeitos praticantes podem agir de forma não intencional, nesse
sentido se fazendo necessário o papel da educação, seja para
instruir ou para orientar.

65
Conforme foi observado na fala dos autores, os elementos de
exclusão podem agir como uma força que sufoca os alunos,
acontecendo interruptamente por diversos setores ao mesmo
tempo, atingindo tanto os fatores sociais, como também os físicos.
Sendo assim, são esperadas determinadas alternativas, como
mudanças de postura e problematizações de conteúdos já
impostos. Apesar de compreendermos que se trata de uma tarefa
que não pode ser realizada instantaneamente, a urgência de
mudanças é improrrogável.
Como forma de alternativa ao combate de exclusões e à
construção de uma educação inclusiva em todos os sentidos, se faz
interessante pensarmos nos processos de formação de professores.
Tendo como consideração a pluralidade existente no ambiente
escolar, os docentes necessitam de um currículo que envolva tais
abordagens, no sentido de corroborar para a construção de um
local que não estabeleça demarcações de anormalidades sobre os
alunos que não se encaixem nos padrões criados.
É interessante refletirmos que a colocação encontrada nos
resultados, referente à diferença como ser preocupação curricular,
não se restringe necessariamente ao campo institucional. Quando o
professor dialoga sobre essa temática, apresentando considerações
viáveis para o rompimento de insultos realizados, por exemplo,
assume uma conduta que auxilia tanto na sala de aula, como no
corpo social. Uma sociedade permeada de cidadãos não praticantes
de descriminações se torna um espaço confortável para vivência de
todos os indivíduos em sua heterogeneidade.
Entretanto, seja no envolvimento de exclusões por elementos
sociais ou por deficiências, o docente necessita se manter atento
quanto aos conflitos que podem aparecer. Para Silva (2012, p.97),
“a volta do outro, do diferente, é inevitável, explodindo em
conflitos, confrontos, hostilidades e até mesmo violência. O
reprimido tende a voltar – reforçado e multiplicado”. Assim, a
emancipação antes citada deve propiciar a aceitação de si próprio e
do outro, não gerar conflitos, tendo o professor essa função de
mediar tais aspectos.

66
Conforme foi observado na discussão teórica realizada, além
dos elementos abstratos como falas e imposição de
comportamento, a exclusão também é impressa por meios
concretos. Na sala de aula, são verificáveis alguns instrumentos
que corroboram em segregações, como o caso dos livros didáticos,
recurso constantemente usado para auxiliar no processo de ensino-
aprendizagem. Neste caso, apresentar outros direcionamentos aos
alunos, trazendo exemplos de representações pode se tornar uma
posição viável. O aluno necessita se reconhecer nestes documentos
para compreender que a pluralidade é algo aceitável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desse modo, após as leituras e análises efetuadas neste


trabalho, percebemos que os objetivos foram alcançados. Com o
levantamento bibliográfico realizado foi possível aprofundar nossa
perspectiva sobre a inclusão, e como esse processo tem sido
trabalhado dentro dos ambientes educacionais do sistema regular
de ensino. A problematização de tal temática se faz urgente, pois
uma construir uma escola que apoia e acolhe as diferenças pode
transformar o ambiente educacional em local acolhedor.
A escolarização é constituída para mediação de
conhecimentos, sejam eles políticos, históricos ou culturais da
humanidade, oferecendo também subsídios para os indivíduos
conviverem em sociedade. Dessa forma, atitudes relacionadas ao
respeito e igualdade de todos os envolvidos devem ser efetivadas,
trazendo equidade e segurança para aqueles que fogem ao padrão
estabelecido e são considerados erroneamente como inválidos e
anormais.
A escola deve ser contrária a atitudes desumanas e
preconceituosas, desenvolvendo pensamentos críticos reflexivos
de colaboração, respeito e aceitação ao outro, pois com a ausência
desses atravessamentos a educação não emancipará. Dentro dessas
perspectivas os professores precisam trabalhar a inclusão em todos
os espaços, necessitando aprender a cada dia novas metodologias

67
e estratégias coerentes para socializar de forma educativa as
diversas crianças, adolescentes e jovens que chegam as instituições
educacionais.
Para tanto, além do diálogo realizado até então, se faz
indispensável discutirmos sobre os elementos de acessibilidade
dentro das instituições escolares, principalmente quando os fatores
de deficiências são colocados em foco. Sobre essa questão, a escola
deve oferecer uma arquitetura que contribua para a qualidade
educacional e alcance os objetivos pedagógicos (KOWALTOWSKI,
2011). Devemos refletir sobre os espaços físicos internos, como o
oferecimento de rampas e piso tátil, bem como instrumentos
didáticos que contribuem na inclusão.
Para uma educação que abrace a multiplicidade existente deve
reconhecer e questionar os elementos que compõe a sala de aula,
ao exemplo dos livros didáticos e paradidáticos. Segundo Louro
(2014, p.74), esses documentos “(...) têm sido objeto de várias
investigações que neles examinam as representações dos gêneros,
dos grupos étnicos, das classes sociais”. O estabelecimento de tais
padrões pode pressionar o alunado a podar suas particularidades
e a viver sobre as expectativas colocadas sobre eles, obedecendo
fielmente às noções normativas, que desprezam e ignoram a
pluralidade.
O aprofundamento teórico nos levou a compreender que
determinados atravessamentos normativos advêm de construções
sociais e se distanciam da perspectiva de naturalidade, como as
questões étnicas, de gênero, ou sexualidade. Sendo assim, trabalhar
essa temática no cotidiano escolar também pode oferecer subsídios
para a construção de sujeitos emancipados. que não se considerem
inferiores ou inválidos. A partir do momento que o aluno entende
que suas particularidades não devem ser consideradas impróprias,
as relações de soberania e submissão tendem a diminuir.

68
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70
AFROCENTRICIDADE NAS AULAS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Leandro Fonseca Lima


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio
Jackson Ronie Sá-Silva

INTRODUÇÃO

A afrocentricidade é uma forma de pensamento e ação na qual a


centralidade dos interesses, valores e perspectivas africanos
prevalecem. De modo teórico, é a cooperação do povo africano no
ponto central de qualquer análise de fenômenos africanos. A
afrocentrismo é uma ideologia aplicada à análise da história africana.
O principal propósito é buscar a autodeterminação e uma ideologia
pan-africana na cultura, filosofia e história (FREITAS, 2021, p.71).
Historicamente, os africanos e os afros- descendentes
contribuíram na construção da sociedade brasileira. Visto que, os
escravos negros que foram trazidos pelos portugueses durante o
período colonial, trouxeram para o Brasil a arte africana. Essa cultura
influenciou as festas, danças, ritmos e até a culinária, concebendo uma
arte efetivamente brasileira (ALMEIDA, 2017, p.55).
A primeira forma de arte africana no Brasil foi a religiosa,
diversas festas realizadas até atualmente foram adaptadas pelos
escravos, que eram proibidos de expressar livremente suas crenças,
sendo o caso dos Festejos da Congada. No passado, esses festejos
eram animados por danças, cantos e música, a procissão acabava
numa igreja onde acontecia a cerimônia de coroação do rei Congo
e da rainha ginga de Angola (BITIOLI; TONIOSSO, 2018, p.59).
A música também favoreceu a cultura africana no Brasil,
contribuindo com os ritmos que são o centro influenciador da
metade da música popular brasileira. Exemplificando, tem-se o

71
gênero musical lundu, que em conjunto com outros gêneros, deu
início à base rítmica do maxixe, samba, choro e bossa nova, além
da contribuição rítmica, também foram trazidos alguns
instrumentos musicais, como o berimbau, o afoxé e o agogô, todos
de origem africana. O destaque bastante conhecido deles no Brasil
é o berimbau, instrumento utilizado para criar o ritmo que caminha
nos passos da capoeira, uma dança afro-brasileira, pois nasceu no
Brasil (ALMEIDA, 2017, p.55).
No decorrer da sua trajetória, a Educação Física foi abordada
de diferentes maneiras. No começo tinha caráter tecnicista, onde
se destacava as pessoas fortes para defender a pátria. Em
momentos atuais, a Educação Física Escolar vem trabalhando com
as diversidades culturais dentro de suas aulas, para promover
alunos independentes e críticos através de seu material (FREITAS,
2021, p.71).
Pensando no papel educacional e referente às aulas de
Educação Física, surgiu a problemática desse estudo: Como a
Educação Física pode contribuir no combate às barreiras negativas
e equivocadas que permeiam a cultura afro-brasileira?
O objetivo desse estudo é analisar a história do povo negro
brasileiro, identificando a perspectiva de educação afrocentrada
através das aulas de Educação Física. É necessário que os
professores de Educação Física sejam capazes de quebrar conceitos
pré-estabelecidos que neguem a cultura negra, vencendo o racismo
existente no Brasil. Outra grande contribuição está no fato deste
servir de insumo para discussões acerca da temática no campo da
Educação Física, servindo como uma rica fonte de informação para
os estudantes em formação, tendo em vista que oferecerá
informações atualizadas e servirá de base para futuros estudos.

A CULTURA AFROCENTRADA NO BRASIL

A cultura afro-brasileira é um conjunto de manifestações


culturais predominantes no Brasil, formada a partir da junção de
elementos da cultura dos povos africanos, que foram trazidos como

72
escravos para o país durante o período colonial. A cultura afro-
brasileira é caracterizada e construída pela incorporação das
expressões culturais dos africanos, com outras tradições e culturas
que formam a identidade brasileira como a indígena e a europeia
(BITIOLI; TONIOSSO, 2018, p.59).
Os afrodescendentes ou descendentes africanos fazem parte
da população brasileira e se declaram de cor ou raça preta ou parda.
Essa população ajudou muito na construção do Brasil, a cultura
africana chegou ao Brasil com os povos escravizados trazidos da
África, estes escravos pertenciam a diversas etnias, falavam
idiomas diferentes e trouxeram tradições distintas (CHAGAS,
2018, p.80).
A cultura africana ajudou a constituir a base dos atuais
costumes e traduções dos brasileiros, a cultura afro-brasileira está
presente em quase todas as formas que compõem a identidade
cultural nacional, como a dança, música, culinária, religião,
folclore, entre outras, constituída a partir das heranças culturais de
diferentes povos africanos (DIAS, 2019, p.67). De acordo com Dias
(2019, p. 67):

Foi na religião que o negro encontrou um dos seus mais importantes


instrumentos de resistência contra a escravidão, o culto aos orixás, deuses
de origem africana que, no Brasil, passaram a ser cultuados nos terreiros de
candomblés nas mais diversas regiões do país, com diferentes nomes e
expressões: candomblés na Bahia, Xangôs em Pernambuco, Terecô ou
Tambor-de-mina no Maranhão, etc.

A cultura africana também está fortemente representada nos


pratos típicos nacionais, como vatapá, feijoada, acarajé, cocada,
pamonha, sarapatel, entre outras comidas. Ainda há um
desconhecimento, mas a África é uma das responsáveis pelo
português usado no Brasil. O vocabulário brasileiro é repleto de
termos e expressões de origem africana como: abada, caçamba,
fubá, corcunda, miçanga, samba sarava, moleque, macumba, entre
outras palavras. Grande parte dessas palavras tiveram origem com

73
os bantus, oriundos de regiões que pertencem à Angola, Congo e
Moçambique (BITIOLI; TONIOSSO, 2018, p.59).
Outro aspecto de grande influência da cultura africana foi à
música e a dança. Com um tambor como base para os ritmos,
muitos gêneros musicais e de danças se consolidarão no país, como
o maracatu, a cavalhada, a congada, a capoeira, o samba, entre
outros (CHAGAS, 2018, p.80).
Vale ressaltar que os negros não são descendentes de escravos,
como dizem os livros escolares, são descendentes de civilizações
africanas de reinados fortes e poderosos, são descendentes de reis,
rainhas, príncipes e princesas, são parentes de homens e mulheres
que desenvolveram a escrita, astrologia, a ciências e as pirâmides,
são fruto de um povo que desenvolveu as técnicas agrícolas e que
domina a medicina alternativa (BITIOLI; TONIOSSO, 2018, p.57).

A CRIAÇÃO DA LEI 10.639/2003 E OS SEUS


DESDOBRAMENTOS

A Lei nº 10.639/2003 informa que toda escola no Brasil deve


ensinar história da África e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinente à história do Brasil (BRASIL, 2003).

A referida lei não surgiu de um dia para o outro. Ao contrário, antes de ser
sancionada, passou por diversos estágios, resultando dos movimentos
negros da década de 1970 e do esforço de simpatizantes da causa negra na
década de 1980, quando diversos pesquisadores alertaram para a evasão e
para o déficit de alunos negros nas escolas, em razão, entre outras causas, da
ausência de conteúdos afrocêntricos que valorizassem a cultura negra de
forma abrangente e positiva (PEREIRA, 2019, p.126).

Ainda de acordo com a Lei nº 10.639/2003 esses tópicos


deveriam estar presentes em todo o currículo escolar, de maneira
multidisciplinar e transversal. A lei foi uma conquista do
movimento negro e dos demais movimentos antirracistas do Brasil,

74
ela busca reconhecer e valorizar as contribuições da cultura
africana, dos africanos escraviza e dos afro-brasileiros para a
formação do país (ALMEIDA, 2017, p.55).
De acordo com o autor J. Aguiar; F. Aguiar (2019, p.95)

A Lei 10639/03 proporcionou uma transformação importante e necessária na


educação brasileira, resultando num processo de revisão de conteúdos e
posicionamentos sobre a história do negro [...] proporcionando um incentivo
na construção de propostas para projetos enfatizando esta temática em sala
de aula.

A escola que é uma das principais instâncias de reprodução


das desigualdades e do racismo que afligem nossa sociedade pode
ser um instrumento que mude a perspectiva racial da população
para melhor, é neste sentido que a Lei nº 10.639/2003 visa agir, mas
ao atingir (ALMEIDA, 2017, p.55).
Durante o tempo da escravidão, existia um homem chamado
Zumbi dos Palmares, que lutava pela liberdade e o fim da
escravidão, sendo um dos líderes do Quilombo dos Palmares, um
local de escravos fugitivos e negros livres, que lutavam em prol da
liberdade. Certa vez, Zumbi dos Palmares foi encontrado em seu
esconderijo, foi preso, torturado e decapitado, tendo sua cabeça
exposta em praça pública, ele havia lutado durante anos contra as
expedições militares, que pretendiam levar os negros de volta para
a escravidão (BRASIL, 2003). Ainda de acordo com a Lei nº
10.639/2003:

A Lei 10.639/03 é uma resposta ao movimento negro, que reivindicou junto


aos órgãos competentes o direito a uma educação equitativa para a
população negra. Sobretudo, quando a omissão no currículo escolar se
configura como discriminação racial, ao supor a homogeneidade da escola
e, assim, torna invisível a população negra e sua cultura. De modo que, o
potencial da Lei é desmistificar e desmentir a história que sempre fora
veiculada pelos currículos oficiais, questionando ideologias de dominação
que por séculos fazem parte do ideário brasileiro, possibilitando que alunos
negros construam uma identidade positiva sobre si e sua etnia (BRASIL,
2003, p.2).

75
A data 20 de novembro foi escolhida por ser a data da morte
de Zumbi dos Palmares em 20 de novembro 1695. A Lei nº 10.639
de 09 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no
calendário escolar e tornou obrigatório o ensino sobre história e
cultura afro-brasileira nas escolas (BRASIL, 2003).
A data traz reflexões sobre o passado e o presente, pois sabe-
se que apesar da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888,
a luta ainda continua. Esse dia também é uma forma de valorizar-
se um povo que contribuiu para o desenvolvimento da cultura
brasileira através da sua culinária, música, dança e lutas (AGUIAR;
AGUIAR, 2019, p.95).

METODOLOGIA

Esse estudo seguiu uma pesquisa bibliográfica que foi


produzida através de documento já elaborado, fundamentado
principalmente de livros e artigos científicos. “Bibliografia é um
termo generalizado para designar a listagem das fontes de consulta
utilizadas na pesquisa de determinado tema para elaboração de um
trabalho escrito’’. (GIL, 2018, p. 50). Os estudos exploratórios
podem ser classificados também com pesquisas bibliográficas.
A realização do estudo se obteve através de revisão
bibliográfica, sendo assim, tal pesquisa, será voltada à
fundamentação teórica do mesmo, na perspectiva de descrever os
aspectos teórico-conceituais acerca da temática da cultura da
afroncentricidade, bem como aspectos gerais, além de evidenciar o
trabalho da Educação Física na diversidade da cultura da África e
afro-brasileira em sala de aula, realizou-se, ainda, o levantamento
e a análise documental.
Os critérios para inclusão foram artigos originais disponíveis
na íntegra e na língua portuguesa, publicados no período de 2017
a 2022, com pesquisa realizada no Brasil. Os critérios de exclusão
passaram pela exclusão de todos os tipos de documentos que não
se enquadraram na categoria artigo, que não tenham realizado a

76
pesquisa no Brasil, que tenham publicação exclusiva em idioma
estrangeiro e que tenham a data da publicação fora da
compreendida entre 2012 a 2016.
Desta forma, serão utilizadas obras sobre Conselho Nacional
de Educação (CNE), Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Projeto
Político Pedagógico (PPP), Organização das Nações Unidas
(ONU), entre outras, mediante materiais gráficos e institucionais e
noticiais relacionadas à temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para se embasar e trazer sentido o que está sendo descrito no


estudo, serão apresentados contextos da história da cultura afro-
brasileira que foram desenvolvidas na trajetória do Brasil, a
contextualização da afrocentricidade, e como a Educação Física
trabalha com a diversidade cultural e na sequência, discutiremos
os achados com a literatura disponível.

O povo negro e suas histórias

Os portugueses chegaram ao Brasil com suas embarcações em


1500, encontraram os índios, que já habitavam no país. Em busca
de riquezas nas terras brasileiras, eles encontraram o Pau-brasil,
que era uma madeira muito apreciada na época e convenceram os
índios a trabalharem em troca de alguns objetos, mas isso não
durou muito, pois os portugueses queriam escraviza-los o que
gerou revoltas e guerras, muitos índios foram exterminados, e
alguns conseguiram fugir mata adentro, nas florestas fechadas do
país (MATTOS, p.70, 2017).
Nesse contexto, foi então que os portugueses resolveu começar
a trazer pessoas do continente africano, para serem escravizadas no
Brasil, ocorrendo por volta do século XVI. A África é um imenso
continente formado por muitos países, os africanos que foram
trazidos para o Brasil nesse período faziam parte de três grandes

77
etnias, os povos de língua iorubá, os de língua bantos e os
denominados sudaneses (FREITAS, 2018, p.78).
A população brasileira que possui descendentes africanos e
está vinculada a ancestrais que nasceram dessas três grandes
etnias, principalmente na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão, na
Paraíba, no Rio de Janeiro e no norte do estado de Minas Gerais,
embora em outros locais do país a presença africana também tenha
sido marcante (RICHARPSON, 2020, p.91). Nesse contexto, de
acordo com Mattos:

Antes do século XV, quando os europeus ainda não tinham estabelecido


relações comerciais na bacia do Atlântico e no oceano Índico, os escravos
eram utilizados no interior das sociedades da África Subsaariana, como
concubinas, criados e soldados além de ser uma das principais mercadorias
de exportação para o deserto de Saara, mar vermelho e oceano Índico
(MATTOS, 2017 p.65)

Os africanos capturados eram transportados em navios


chamados navios negreiros (também conhecido como "navio
tumbeiro"), neles não havia muito espaço, as pessoas ficavam umas
sobre as outras, mal tinham comida e água e não havia a menor
condição de higiene. Por isso, muitas pessoas morriam antes
mesmo da chegada ao Brasil, àqueles que sobreviviam à travessia
eram tratados como mercadorias e seriam vendidos em leilões
(GOMES, 2019, p.18). De acordo com Freitas (2018):

O sistema escravista foi responsável pela violência em que os negros


africanos foram submetidos, atribuindo a eles um valor para compra e
venda. O sistema recorria a todo mecanismo possível para coerção, violência
física, violência psicológica e diversos tipos de humilhação, inclusive sendo
assassinados em nome dessa ordem. (FREITAS, 2018, p. 118).

O comércio de africanos rendia muito dinheiro aos traficantes


de escravos, aos comerciantes e aos governos da época. Os
escravizados trabalhavam em serviços, tais como: criação de gado,
mineração, trabalhos domésticos, construção, lavoura, dentre
outros. Um dos que teve maior destaque foi o plantio de cana-de-

78
açúcar, que era realizado em fazendas chamadas engenhos
(GOMES, 2019, p.18).
No engenho, normalmente tinha a casa grande, onde viviam
os donos da fazenda e alguns escravos trabalhavam fazendo
serviços domésticos. A senzala, que era uma espécie de galpão
onde os escravos ficavam amontoados e em condições precárias, o
canavial, a moenda e a roça era o local onde eles trabalhavam
(MATTOS, p.70, 2017)
Nesse contexto, muitos escravos tentavam fugir, alguns eram
capturados pelo capitão do mato e sofriam com duros castigos
físicos. Porém, os que conseguiam se refugiavam em locais
chamados de quilombos, os moradores dos quilombos eram
chamados de quilombolas. O mais famoso deles foi Zumbi dos
Palmares, ele liderou o Quilombo dos Palmares, sendo capturado e
morto no dia 20 de novembro de 1625 (FREITAS, 2018, p.78).
Dessa forma, em muitos estados do Brasil houve líderes que,
assim como o zumbi, lutaram contra a escravização. Em 13 de maio
de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, oficialmente Lei n.º
3.353 de 13 de maio de 1888, que decretou o fim da escravidão no
Brasil. Mas, apesar do fim da escravatura por muito tempo,
faltaram leis e políticas públicas para que os negros libertos
conseguissem se adaptar e fossem aceitos pela sociedade brasileira
(BRASIL, 1988).

A Influência Africana na Cultura Brasileira

De acordo com Ferraz (2017), o Brasil é um país rico em


diversidade cultural, essa diversidade se deu a partir da imigração
de vários povos que vieram para o Brasil. Esses imigrantes
trouxeram consigo a sua cultura, seus costumes, suas crenças,
contribuindo com a pluralidade cultural Brasileira.
Os africanos foram os que mais trouxeram influência para a
diversidade cultural do país. Os negros foram trazidos da África
para o Brasil na condição de escravos e durante quase 400 anos de
escravidão, ajudou a constituir a base da economia material da

79
sociedade brasileira, como também influenciou na sua formação
cultural, como na música, na dança, instrumentos musicais, na
religião, e na culinária (FREITAS, 2021, p.71).
Para Ferraz (2017) na música e na dança, os africanos
trouxeram para a formação do país a sua cultura, rica de ritmos e
compassos rápidos, acompanhados e marcados por instrumentos
de percussão, como Afoxé, o agogô, o tambor, atabaque, cuíca,
marimbas e berimbau. Esses ritmos e compassos rápidos
permitiam na dança e na música variações e movimentos diferentes
e são a base de boa parte da música popular brasileira, por
exemplo, o gênero musical bundudo, que era cantado e dançado
pelos negros escravizados, deu origem com o passar do tempo, ao
maxixe, ao choro, a bossa nova e ao samba.
Na dança, os africanos trouxeram a capoeira, a congada, o
samba de roda e na religião tem-se o candomblé e umbanda. A
culinária afro-brasileira é adaptação de pratos de origem africana
com alimentos cultivados no Brasil. Os africanos tiveram que
recriar seus quitutes com os ingredientes locais, em lugar do
inhame, usaram a mandioca e para substituir o sorgo, utilizaram o
milho para compensar a falta de pimentas específicas, recorreram
aos condimentos locais e, mais tarde, ao azeite de dendê. Dentre os
pratos de origem africana, que são bastante apreciados na culinária
brasileira, estão o acarajé, o angu, a feijoada, o vatapá e muitos
outros pratos e receitas (FREITAS, 2021, p.71).

Brincadeiras Afrocentradas

O Brasil possui um passado escravista e a diversidade da sua


cultura também está fortemente ligada às matrizes africanas, ainda
que os escravos negros estivessem numa condição de inferioridade
perante o homem branco, era impossível a convivência não fundir
as culturas e as transmissões de crenças, costumes e religião. As
crianças negras, escravas, na maioria das vezes, acompanhavam os
filhos dos seus senhores, gerando assim uma sobrevivência das

80
brincadeiras com influência africana (FERRAZ, 2017). No Quadro
1 abaixo será explicado três brincadeiras da afro-brasileira.

Quadro 1 – Brincadeiras Afrocentradas


Nessa brincadeira, deve-se riscar uma linha no chão, de
um lado escreve-se terra e do outro lado escreve mar.
TERRA-MAR No início, todos ficam do lado da terra, outra criança de
fora fica gritando terra e mar de maneira alternada,
acelerando e diminuindo o ritmo e as crianças pulam
para o lado ordenado. A última criança que pular para
o lado sem errar é a vencedora.
Essa brincadeira é similar ao jogo de pega pega, o qual
o mamba, que é o pegador, corre atrás das outras
MAMBA crianças, as que ele conseguir pegar se juntam a ele, faz
uma espécie de trenzinho, termina o jogo quando
mama pegar todos e eles viram um só, essa brincadeira
comumente é embalada por música.
Assim como todo jogo antigo, esse também tem
variações, mas a ideia é que se joga entre dois jogadores.
MANCALA Como é um jogo que representa a semeadora, estavam
se buracos no chão, dois buracos maiores, que são
chamados de oásis e, no mínimo, todos os buracos
menores. É necessário ter quantidade de sementes
iguais para os dois jogadores e que os jogadores façam
divisão igualmente entre os buracos menores, o jogo se
desenrola através da distribuição das suas sementes
por todos os buracos e com a finalidade de sempre
sobrar a maior quantidade no seu oases. E encerra-se a
partida quando um jogador fica sem nenhuma semente
nos buracos menores.

Fonte: FERRAZ (2017).

As Danças Afrocentradas

O autor Hypolito (2019) descreve que a dança é uma das


maiores representações de uma cultura popular, ela pode ser maior
que reunião de técnicas quando se propõe a ser instrumento de
transformação social e difusão histórico cultural. A dança afro
surgiu no Brasil no período colonial, e foi trazida por africanos

81
retirados do seu país de origem para realizarem trabalho
escravocrata em solo brasileiro.
Esse estilo de dança foi registrado primeiramente na
composição de religiões africanas, e começou a se fortalecer em
meados do século XIX, com a ajuda do estribo sudaneses bantos,
dois povos situados em território africano e os indígenas que foram
responsáveis pela criação do candomblé e de outros segmentos
regionais, que deram origem a dança dos caboclos e outros aspectos
da cultura africana. A diversidade de ritmos culturais existentes,
foram oriundas de uma miscigenação que desenvolveu a
identidade cultural do Brasil (RICHARPSON, 2020, p.91).
De acordo com Hypolito (2019) Ao longo dos anos, a dança de
origem africana começou a ser modelada e encaminhada a
diferentes estados, a sua trajetória teve início com o fim da
escravidão e, em meados dos anos XX e XXX do século passado. Os
negros começam a migrar para o Rio de Janeiro deixando marcas
no samba e umbanda, uma variação da religião afro-brasileira, com
influências do Kardecismo, que desenvolveu um novo modelo de
entidade cristã denominada exu, no estado que contribuiu com a
fixação e a valorização de raízes da mestiçagem projetada no país.
Nos anos L e LX deste mesmo século, a crescente
industrialização fez com que o povo, que no início migrava para o
Rio de Janeiro, deslocam- se para São Paulo, consequentemente,
acabam divulgando e difundindo a cultura afro-brasileira. Nos
anos 70, com o movimento da contracultura, olhos são voltados
para o nordeste e a Bahia é redescoberta em diferentes setores
culturais, o estado é finalmente visto como um ponto turístico de
máxima importância para a história Brasil, por ser formado
basicamente, pela cultura afro (HYPOLITO, 2019).
Nesse contexto, depois que a umbanda alcançou um devido
status, o candomblé tornou-se referência e a dança passa a ser
visualizada de maneira marginalizada, por estar quase sempre
associada a uma adoração de deuses africanos (RICHARPSON,
2020, p.91).

82
Influência Africana na Música e Dança Brasileira

O Brasil é formado por uma mistura de culturas e etnias,


durante o período de colonização portuguesa, muitos negros e
africanos foram forçados a abandonar seu continente, eles foram
escravizados para servir de mão-de-obra nas grandes fazendas de
açúcar, na extração de ouro no Brasil, além de serem submetidos ao
trabalho escravo, foram obrigados a se converter aos hábitos e a
religiosidade dos portugueses (FAZZI, 2019, p.34).
No entanto, a coragem dos escravizados fez com que a sua
cultura e suas crenças permanecessem vivas, influenciando
profundamente a cultura brasileira, as etnias africanas que vieram
para o Brasil, trouxeram uma imensa bagagem musical,
instrumentos como tambores, atabaques, afoxé e agogos passaram
a ser parte da realidade musical, junto aos ritmos do carimbó,
maracatu e maculelê (FERNANDES, 2018, p.133).
O samba ritmo brasileiro conhecido mundialmente também é
fruto da cultura afro Brasileira, da mistura de elementos rítmicos
africanos com elementos brasileiros, o gingado e as criações
corporais presentes nas variadas danças afro-brasileiras, revelam a
marcação rítmica intensa, bem como a flexibilidade, intensidade
dos movimentos, como no samba de roda e o maracatu (FAZZI,
2019, p.34).
Várias manifestações populares, como o congado e o
maracatu, reúnem ao mesmo tempo, música, dança e elementos de
carácter sagrado, ligado à religião católica e a divindade de origem
africana, a capoeira também é uma manifestação cultural afro-
brasileira, que une dança, luta e música. Sendo originalmente uma
luta, os negros incluíram música e dança para disfarçar o caráter de
defesa pessoal. Os movimentos ágeis se misturam com a batida do
ritmo e das canções, onde é praticada em todo o país, sendo
valorizada sua origem afro-brasileira, a dança e a música Brasileira
é repleta de elementos e influências africanas, que devem ser
apreciadas, respeitadas e valorizadas (FERNANDES, 2018, p.133).

83
Cultura Afro-brasileira e Educação Física

A Educação Física Escolar no contexto da afrocentricidade


busca incluir a importância do conhecimento da diversidade
históricas culturais junto aos alunos da Educação Básica sendo
aplicada a Lei nº 10.639/03, contribuindo para a promoção de
práticas pedagógicas de valorização dos aspectos históricos e
culturais de matrizes africanas e afro-brasileiras, no âmbito da
Educação Física (BRASIL, 2003). De acordo com a Lei nº
10.639/2003:

[...] a implementação da Lei 10.639/03 tem potencial para promover a


construção de uma prática docente que questione preconceitos e que seja
pautada pelos princípios da pluralidade cultural e do respeito às
diferenças. Mas, para tanto, se faz necessária a efetiva incorporação no
cotidiano escolar de novos conteúdos e procedimentos didáticos pelas
escolas e por seus professores, “agentes da lei”. Algo que tem se mostrado
um verdadeiro desafio.

O autor Aguiar (2019) afirma que a partir das aulas de Educação


Física pode-se trazer atividades direcionadas ao debate sobre a
construção de identidades negras positivas bem como ao resgate da
cultura, ludicidade, musicalidade, corporalidade africana e afro-
brasileira são alguns dos aspectos valorizados ao longo do curso.
Reforçando sobre as diversas possibilidades de abordagem das
relações étnico-raciais na escola (ALMEIDA, 2017, p.55).
Dessa forma, o professor de Educação Física pode empregar
os jogos africanos, o Jongo, o Maculelê, a Capoeira dentre outras
manifestações culturais africanas ou afro-brasileiras como
conteúdo. O autor Chagas (2018) aborda a questão da
descolonização do currículo, que tem “o propósito de uma
educação democrática que alcance todos os grupos étnicos- raciais,
que por inúmeros momentos estiveram inexistentes do processo
educacional” (CHAGAS, 2018, p.80).
Refletindo no papel educacional e relacionado às aulas de
Educação Física, é necessário quebrar os paradigmas negativos e

84
equivocados que permeiam a cultura afro-brasileira, conectando as
atividades com o corpo, os conhecimentos sobre a história da
África, sua influência na cultura brasileira e conteúdos de outros
componentes curriculares (ALMEIDA, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante ressaltar que a Educação Física enquanto


conteúdo obrigatório da Educação Básica precisa traçar seus
conteúdos de forma que trabalhe o corpo e o movimento de forma
não estandardizada, saindo dos formatos eurocêntricos. O estudo
trouxe a contextualização sobre afroncentricidade, sendo o
estudante negro o protagonista da análise, fez-se necessário
conhecer os processos históricos do negro no Brasil.
A representatividade da cultura afro-brasileira na escola e nas
aulas de Educação Física é importante para afastar os estigmas
negativos que este corpo recebe dos processos sociais racistas que
rodeiam a sociedade brasileira. As descobertas do estudo,
retratados pelos apontamentos e falas dos autores selecionados,
afirmam que é importante o currículo ter em suas estruturas
aspectos referentes a questões socioculturais dos docentes e
sociedade escolar.
Conclui-se, que a Educação Física realiza o papel de
construção de conhecimento acerca da cultura afro-brasileira e
empoderamento frente aos acadêmicos em questão. Embora os
resultados observados sejam favoráveis quanto aos objetivos que
nos comprometemos a desenvolver, sugere-se que novas
interferências como essa possam ser realizadas, em diferentes
contextos e realidades.

85
REFERÊNCIAS

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ensino de historia e cultura afro-brasileiro e africana e a formação
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87
88
RACISMO: UMA HERANÇA HISTÓRICA

Sandra Moreira de Freitas


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

INTRODUÇÃO

Por volta da década de 1530, ocorreram as primeiras


manifestações efetivas da escravidão no Brasil, como reflexo da
colonização pelos portugueses. Inicialmente, nos séculos XVI e
XVII ocorreu o processo com os nativos – os índios – que foram
sendo gradativamente substituídos pelos africanos, alimentados
pelo tráfico negreiro. O poeta abolicionista Castro Alves (1870)
ilustra através do poema “Navio negreiro” o horror das viagens
quando da vinda dos negros ao Brasil:

Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

O processo de escravização no Brasil ocorreu pela necessidade


de trabalhos braçais para as lavouras, já que os portugueses,
naturalmente, não iriam se submeter à labuta diária nas plantações.
Inicialmente, essa tarefa era atribuída aos nativos. Como forma de
pagamento havia o escambo – a troca de bugigangas pelo trabalho:
barganha que não durou muito tempo, já que os nativos,
culturalmente, não são aptos à lavoura. Tornando mais viável para

89
os colonizadores, implantar a escravidão. Deve-se salientar que o
negro tornado mercadoria não era escravo, mas sim um
escravizado. Ninguém nasce escravo, é assim transformado em
uma ordem escravocrata, pois a escravidão não é um fato natural,
é uma condição social imposta.
A história da escravidão no Brasil foi tão cruel e inacreditável
que choca e revolta a todos até hoje. Durante três séculos, o país
conviveu com essa prática, o que confunde a imagem do
trabalhador escravizado com a cor da pele do africano. Um sinal
claro de racismo. Mesmo após 130 anos de abolição da escravatura,
as consequências e as mazelas ainda perduram através da pobreza,
violência, indiferença a essas desigualdades por parte da
sociedade, oportunidades desiguais de trabalho e de estudo, entre
brancos e negros.

A nossa estrutura social ainda é entravada no seu dinamismo em diversos


níveis pelo grau de influência que as antigas relações escravistas exerceram
no seu contexto. Relações de trabalho e propriedade, familiares, sexuais,
artísticas, políticas e culturais estão impregnadas ainda das reminiscências
desse passado escravista. Quer no nível de dominação, que no de
subordinação, esse relacionamento guarda funda ligação com o
estrangulamento que existia durante o escravismo. (MOURA, 1986, p. 13).

Importante atentarmos para o fato de que os índios também


foram vítimas nesse processo, também foram escravizados,
maltratados, aculturados e grande parte deles foram dizimados. De
cerca de milhões de índios que havia no país à época da colonização
no século XVI, hoje, segundo o IBGE são apenas 800 mil. Marcas
desse processo também há o racismo contra os nativos. Até meados
do século XVII era com a força de trabalho indígena que os
portugueses contavam, ou seja, escravizavam. Mas,
gradativamente, essa força de trabalho foi sendo substituída pelos
africanos. Economicamente, para os colonizadores, o índio era mais
viável para a frente de trabalho, principalmente no contrabando do
pau-brasil, porém havia os jesuítas, que eram um obstáculo a essa
demanda. Pois, à Igreja Católica interessava o nativo para

90
catequizá-lo, aculturá-lo; e os portugueses se viram forçados a
trocar de mão-de-obra.
Ainda no século XVI, começaram a chegar os primeiros
africanos através dos navios negreiros. Essa prática perdurou por
praticamente trezentos anos. Prática que enriqueceu a muitos:
Colonizadores, fazendeiros, traficantes de escravizados. Possuir ou
não escravizados chegou a ser medida de poder aquisito no Brasil:
quanto maior o número de escravizados africanos, maior era sua
fortuna.
A vida de um trabalhador escravizado não era fácil.
Trabalhava praticamente 20 horas por dia, era mal alimentado,
sofriam castigos físicos por qualquer motivo, ou sem motivo
aparente. Para as mulheres escravizadas era bem mais complicado,
porque os senhores as usavam como escravas sexuais. Esses
castigos eram impostos para que houvesse o temor dos senhores,
para que não houvesse tentativa de fugas ou rebeliões. Mortes eram
frequentes, devido aos maus tratos, castigos fortes o suficiente para
levar humanos à morte.
Por três séculos, essa prática perdurou no Brasil, foi o país do
continente americano que mais traficou humanos da África: quase
cinco milhões de pessoas. Nesse ínterim, revoltas, fugas, rebeliões
eram constantes nesse universo de poder e escravidão. Daí,
começam a surgir os quilombos – lugares para onde os negros
refugiados se escondiam. Vários quilombos se formaram ao longo
desse período. Mas o que se destacou em população e força foi o
Quilombo dos Palmares – no estado de Alagoas (na Zona da Mata).

A palavra quilombo tem a conotação de uma associação de homens, aberta


a todos sem distinção de filiação a qualquer linhagem, na qual os membros
eram submetidos a dramáticos rituais de iniciação que os retiravam do
âmbito protetor de suas linhagens e os integravam como co-guerreiros num
regimento de super-homens invulneráveis às armas de inimigo
(MUNANGA, 1996, p. 60).

Vários movimentos abolicionistas também se formavam ao


longo desse processo. Paralelo a esses movimentos, também leis

91
foram sendo criadas no país contra a escravidão, embora por muito
tempo essas leis não foram respeitadas, e os negros continuavam
sendo tratados como sub-humanos. Considerando a história do
processo abolicionista, a escravidão teve fim no país em 1888, com
a lei Áurea. Esse fato se deu principalmente, através da pressão
externa dos países europeus, de movimentos internos
abolicionistas, da resistência dos escravizados. A abolição chegou
para os negros, porém foram entregues à própria sorte: sem
oportunidades de trabalho (remunerado) que lhes dessem meios de
sobrevivência digna, sem acesso aos estudos, foram para as
periferias das cidades e continuaram sendo vítimas de preconceitos
e violências.

A PÓS-ABOLIÇÃO

A formação de nosso país está marcada por esta história


colonial. No Brasil, particularmente os portugueses colonizadores
exterminaram grande parte dos diversos povos indígenas
existentes. Trouxeram negros africanos como mercadorias,
também de diferentes etnias para o trabalho escravo e instituíram
assim uma sociedade de dominantes (brancos europeus com
posses) e dominados (negros, indígenas, mestiços). A sobreposição
entre classe social e cor continuou mesmo depois da abolição da
escravatura no Brasil. Imigrantes europeus e asiáticos (brancos e
amarelos) vêm embranquecer nosso país e a lógica classe e cor
perpetua-se. Aos imigrantes brancos – vindos para trabalhar no
Brasil, é atribuído outro tratamento, bem distinto do tratamento
destinado aos negros africanos, sendo um traço claro de racismo e
discriminação.
A abolição da escravatura no Brasil não aconteceu de um dia
para o outro. Foi um processo lento, gradual, de muitas lutas da
própria sociedade, movimentos de revoltas dos negros, que foram
ficando insustentáveis, e principalmente, a pressão dos países
europeus. A sociedade europeia começou a adotar as ideias do
liberalismo e do Iluminismo, a escravidão passou a ser

92
severamente questionada. Afinal, a privação de liberdade não
combinava com a nova etapa do capitalismo industrial. Assim, era
necessário transformar a mão-de-obra escravizada em
trabalhadores assalariados. Pois seriam os futuros consumidores
em seu sistema capitalista. Dessa forma, a Inglaterra proibiu o
tráfico de escravos: transformou a Marinha Real Britânica numa
arma contra o tráfico de escravos em qualquer parte do mundo,
pois permitiu que seus navios abordassem navios negreiros de
qualquer nacionalidade. Importar pessoas para serem escravizadas
acabou se tornando cada vez mais caro.
A força do abolicionismo em nosso país apresentou-se de
diversas maneiras. Associações abolicionistas surgiram aos montes
no país, conferências abolicionistas foram organizadas, eventos
públicos realizados, levantaram-se fundos para pagar a alforria de
escravos, advogados passaram a atuar efetivamente contra
senhores de escravos, jornalistas publicavam textos defendendo a
abolição e populares abrigavam escravos fugidos em suas casas. Os
escravos também atuaram na desestabilização da escravidão e
realizavam fugas em massa ou fugas individuais, formavam
quilombos que se tornavam centros de resistência, organizavam
revoltas que resultavam na morte de seus senhores. A década de
1880 registrou inúmeros casos de revoltas e fugas de escravos.
No Brasil, o tráfico foi oficialmente abolido em 1850, com a "Lei
Eusébio de Queirós". Mais adiante, em 1871, a "Lei do Ventre Livre"
garantiu a liberdade aos filhos de escravos; e, em 1879, teve início
a campanha abolicionista liderada por intelectuais e políticos.
Posteriormente, a "Lei dos Sexagenários" (1885) garantia a
liberdade aos escravos maiores de 60 anos. No final da década de
1880, o Brasil era o único país independente da América Latina que
ainda vivia no regime de escravidão. A abolição da escravidão no
país foi concedida pela Lei Áurea, aprovada pelo Senado e assinada
pela princesa Isabel, dia 13 de maio de 1888.
A campanha que culminou com a abolição da escravidão foi a
primeira manifestação coletiva a mobilizar pessoas e a encontrar
adeptos em todas as camadas sociais brasileiras. No entanto, após

93
a assinatura da Lei Áurea, não houve uma orientação destinada a
integrar os negros às novas regras de uma sociedade baseada no
trabalho assalariado. Esta é uma história de tragédias, descaso,
preconceitos, injustiças e dor. Uma ferida que o Brasil carrega até
os dias de hoje. Como destaca Florestan Fernandes (1964, p. 3):

A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem


que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de
assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de
trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela
manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer
outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto
prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho.

As razões desse descaso ligam-se diretamente à maneira como


foi realizada a libertação. O país se viu num processo de libertação
dos escravizados, mas não se preparou para o período pós abolição.

Figura 1 - O negro e o membro da elite

Fonte: IPEA, 2011

94
A abolição não garantiu aos negros uma condição de vida
jurídica, digna de um trabalhador, nem provocou uma
transformação radical na vida do país. Os grandes latifúndios
continuaram a existir, continuando a exploração dos negros ou
agora com a mão de obra dos imigrantes europeus. E a população
escravizada, depois de libertada, foi marginalizada e entregues à
própria sorte. O negro inserido como escravizado no Brasil foi
gravado como a figura feia, preguiçosa, pessoa ruim, mau
elemento, inferiorizado pela sua cor da pele (sentimento esse já
bem definido no país pela figura do europeu – que se autointitulou
um ser superior devido a sua cor branca).

[...] o negro acaba perdendo o hábito de qualquer participação ativa, até o de


reclamar. Não desfruta de nacionalidade e cidadania, pois a sua é contestada
e sufocada, e o colonizador não estende a sua ao colonizado.
Consequentemente, ele perde a esperança de ver seu filho tornar-se um
cidadão [...]. No cotidiano, o negro vai enfrentar o seu inverso, forjado e
imposto. Ele não permanecerá indiferente. Por pressão psicológica, acaba
reconhecendo-se num arremedo detestado, porém convertido em sinal
familiar. A acusação perturba-o, tanto mais porque admira e teme seu
poderoso acusador. Perguntar-se-á afinal se o colonizador não tem um
pouco de razão. Será que não somos mesmo ociosos e medrosos, deixando-
nos dominar e oprimir por uma minoria estrangeira? A tecnologia
superdesenvolvida trazida pelo branco ajudaria a instaurar uma situação de
crise na consciência do negro. (MUNANGA, 1986, p. 23).

O estado não propiciou nenhum amparo legal aos negros para


que pudessem viver com um mínimo de dignidade após serem
libertos. E fica a indagação para essas pessoas: o que fazer com essa
liberdade recém adquirida? Ninguém queria contratar os negros,
mesmo pagando baixos salários. Tiveram que migrar para terras
distantes onde pudessem cultivar uma agricultura de subsistência,
ou ficar nas periferias nos centros urbanos. Sobre esses, Florestan
Fernandes (2008, p. 64) nos diz que estavam numa situação de
caboclização e sobre outros que passaram a ser uma desvalorizada
e inapta mão-de-obra, a qual só era aproveitada nos trabalhos mais
extenuantes e desabonadores.

95
Dentro de semelhante contexto econômico, psicossocial e sociocultural, as
humilhações, os ressentimentos e os ódios, acumulados pelo escravo e pelo
liberto sob a escravidão e exacerbados de forma terrível pelas desilusões
recentes, lavravam destrutivamente o ânimo de negros e mulatos. Tudo
contribuía para aumentar sua insegurança, natural numa fase de mudanças
tão bruscas, e para agravar ansiedades e frustrações que não podiam ser
canalizadas “para fora” nem corrigidas construtivamente, através de
mecanismos psicossociais de interação com os “outros” e de integração à
ordem social emergente. As alternativas de escolha valorizadas social e
moralmente desde o passado remoto, conduziam as aspirações e as
identificações predominantes na direção da equiparação com os brancos das
camadas superiores. O êxito dos imigrantes fortaleceu ainda mais as
expectativas daí decorrentes. Todavia, as alternativas reais iam da
caboclização no campo à pauperização nas cidades, passando por “contratos
de trabalho” que não traduziam melhora sensível da situação da existência
anterior, piorando-a muitas vezes. (FERNANDES, 2008, p. 64).

O próprio negro que, na maioria dos casos, já não era africano,


pois sofreu forte processo de aculturação, tampouco era branco,
entretanto há um processo de embranquecimento que se dá
segundo Munanga (1988) pela assimilação dos valores culturais do
branco. Assim, muitos negros professarão a religião deste, se
vestirão, se alimentarão e acima de tudo falarão a língua dos
brancos. Outra forma de embranquecimento são os casamentos ou
relacionamentos entre negros e brancos. Por parte dos negros há
um desejo, às vezes, inconsciente de se embranquecer e
posteriormente embranquecer seus filhos para que estes ocupem
melhor posição na sociedade e que sofram menos preconceitos.
Munanga (1988, p. 03) resume bem esse conceito de cor:

Ora, a cor da pele é definida pela concentração da melanina. É justamente o


degrau dessa concentração que define a cor da pele, dos olhos e do cabelo.
A chamada raça branca tem menos concentração de melanina, o que define
a sua cor branca, cabelos e olhos mais claros que a negra que concentra mais
melanina e por isso tem pele, cabelos e olhos mais escuros e a amarela numa
posição intermediária que define a sua cor de pele que por aproximação é
dita amarela. Ora, a cor da pele resultante do grau de concentração da
melanina, substância que possuímos todos, é um critério relativamente
artificial. Apenas menos de 1% dos genes que constituem o patrimônio
genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele, dos

96
olhos e cabelos. Os negros da África e os autóctones da Austrália possuem
pele escura por causa da concentração da melanina.

O RACISMO

A escravização negra no Brasil deixou marcas profundas para


a sociedade contemporânea. De alguma forma ou de outra, ainda
persiste em nossos dias práticas explícitas – ou não - de racismo em
nossa sociedade. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão.
Pelo fato de terem vindo como mercadorias, coisa, objeto para ser
comercializado, o que foi introduzido no inconsciente é o fato de seres
diferentes, inferiores, nunca reconhecidos como pessoas que deram o
sangue pela construção desse país. Após a abolição, não houve um
trabalho de adaptação dessas pessoas na sociedade, como membros
pertencentes a ela, no mercado de trabalho, nas escolas.
Como afirma Abdias Nascimento (2013, p. 1) em seu artigo
“Quilombismo: um conceito emergente do processo histórico-
cultural da população afro-brasileira:

O Brasil [...] ignorou o continente africano. Voltou suas costas à África logo
depois que não conseguiu mais burlar a proibição do comércio da carne
africana imposta pela Inglaterra por volta de 1850. A imigração maciça de
europeus ocorreu depois de alguns anos, e as classes dominantes
enfatizaram sua intenção e ação o sentido de arrancar da mente e do coração
dos descendentes escravos a imagem da África como uma lembrança
positiva de nação, de pátria, de terra nativa; nunca em nosso sistema
educativo se ensinou qualquer disciplina que revelasse algum apreço ou
respeito às culturas, artes, línguas e religiões de origem africana.

O preconceito racial abolicionista tinha raízes dentro e fora do


país. Nações colonialistas como França, Inglaterra e Alemanha,
impõe a ideia ao mundo de que o colonizador branco é a raça
superior, a mais forte, e o colonizado negro, índio, asiático, são
raças inferiores (ideologia que sustentou a escravidão). Essas ideias
coloniais se perpetuam até os nossos dias. O racismo pela cor da
pele á a pior forma de preconceito que existe, porque não se pode
mudar a cor da pele.

97
Há uma relação muito próxima entre a escravidão a que foram submetidos
os negros e a recusa às pessoas de cor negra... ‘O estigma em relação aos
negros tem sido reforçado pelos interesses econômicos e sociais que levaram
os povos negros à escravidão’. Daí o negro ter se convertido em símbolo de
sujeição e de inferioridade. E este conceito negativo sobre o negro foi forjado
(RUIZ, 1988, p. 100).

Como afirma Sant’Ana (2005) em seu artigo “História e


conceitos básicos sobre racismo e seus derivados”, o racismo não
surgiu de uma hora para outra. Ele é fruto de um longo processo
de amadurecimento, objetivando usar a mão-de-obra barata
através da exploração dos povos colonizados. Exploração que
gerava riqueza e poder, sem nenhum custo extra para o branco
colonizador e opressor. O racismo entre os seres humanos foi
surgindo e se consolidando aos poucos. É bom lembrar que a
cultura popular sobrevive aos tempos porque ela é transmitida
através das gerações.
Situação essa que levou as pessoas negras, ao longo dos anos,
a uma situação desfavorável em relação à população branca do
nosso país. No sentido de falta de oportunidades igualitárias,
relegados a moradias indignas em periferias dos grandes centros,
no caso de zona rural, perdura uma agricultura atrasada de
subsistência; ou “confinados” nos redutos em comunidades
quilombolas, que perduram até hoje. Esse reduto, bem como à
época da escravidão, fortalece os descendentes de escravizados a
lutarem por seus direitos. Silva (2013, p. 74) diz:

O estudo e valorização da memória, bem como do território, são necessários


ao repertório destas populações que vêm se organizando e reivindicando
seus direitos, pois a recriação de histórias narradas e recuperadas na
bibliografia e em campo remete não só às relações identitárias com o
território, remete principalmente a uma dor profunda de perceber-se
marginalizado pela história construída e difundida pelos dominadores.

O racismo permanece bem forte em nossa cultura. Embora boa


parte da população não se intitule racista, mas suas ações falam por
si. Em nossas escolas, nos ambientes de trabalho, nas ruas, nos

98
ambientes de lazer. Todos os dias nos deparamos ainda com ações
dessa natureza.

O RACISMO ESTRUTURAL

Almeida (2019) em seu livro “Racismo estrutural”, parte do


princípio de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, integra a
organização econômica e política da sociedade de forma
inescapável. Para o autor, racismo é a manifestação normal de uma
sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum
tipo de anormalidade. O racismo, afirma, fornece o sentido, a lógica
e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e
violência que moldam a vida social contemporânea.
O racismo estrutural é o racismo que está presente na própria
estrutura social. Reforça o fato de que existem sociedades
estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas
raças em detrimento das outras. Resultado de ações,
comportamentos, atitudes que acontecem rotineiramente. Por mais
que se tenha havido muitas conquistas, leis antirracistas foram
criadas, ainda permanece a chaga do racismo, do preconceito entre
nós. Muitos debates têm acontecido, para reforçar o absurdo de tal
comportamento. Por mais consciência que tenhamos, vivemos em
uma sociedade alicerçada sobre estruturas racistas.

A concepção institucional significou um importante avanço teórico no que


concerne ao estudo das relações raciais. Sob esta perspectiva, o racismo não
se resume a comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado
do funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica
que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base
na raça. (ALMEIDA, 2019, p. 25).

E continua: “Assim, a desigualdade racial é uma característica


da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou
de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as
instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais

99
que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses
políticos e econômicos”.
Esforços de toda a sociedade devem ser usados para que se
combata o racismo estrutural. Práticas antirracistas realmente
efetivas devem ser disseminadas, debatidas em todos os setores da
sociedade, principalmente nos órgãos de educação, na formação
direta dos indivíduos, para que novas mentalidades de igualdade
e diversidade sejam formadas. É urgente criar ações afirmativas
que busquem aumentar a participação desses grupos no processo
político, no acesso à educação, saúde, emprego, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A autora maranhense, Claudicea Durans (2021), em seu livro


“Políticas de Raça e Classe no Brasil: uma crítica Marxista”, afirma
que não é possível tolerar a forma como se configuram as relações
étnico-raciais na atualidade, depois de uma experiência de quase
quatro séculos de escravidão e 131 anos de abolição sem políticas
de reparação em que o negro, sua cultura e seus valores foram tidos
como primitivos, sem valor. Neste sentido, o Movimento Negro ao
longo desse processo denunciou a falta de políticas públicas para a
população negra, fez pressão para que houvesse reformulação
curricular e isto de certa forma contribuiu para aprovação da Lei
10.639/03 que torna obrigatório o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira no currículo escolar.
Faz-se necessário um esforço de toda a população para que
esse erro histórico seja corrigido. As injustiças cometidas ao longo
dos séculos sejam lembradas e debatidas para que não venham
jamais a ocorrer. E é através da educação das novas gerações,
ensinando o respeito às pessoas, às diversidades, que poderemos
ter um país onde possamos viver em paz com nossos pares.
Também, dessa forma, políticas públicas e iniciativas privadas de
inclusão que buscam pela equidade racial precisam ser executadas.

100
A superação do racismo passa pela reflexão sobre formas de sociabilidade
que não se alimentem de uma lógica de conflitos, contradições e
antagonismos sociais que no máximo podem ser mantidos sob controle, mas
nunca resolvidos. Todavia, a busca por uma nova economia e por formas
alternativas de organização é tarefa impossível sem que o racismo e outras
formas de discriminação sejam compreendidas como parte essencial dos
processos de exploração e de opressão de uma sociedade que se quer
transformar. (ALMEIDA, 2019, p. 127).

Diante disso, não há mais espaço para a omissão do Estado


diante do racismo, do preconceito e das desigualdades deles
resultantes. O momento é propício à explicitação dessa fratura
social e para a implementação de políticas e ações que promovam
a igualdade racial no país. O Brasil nunca se constituirá em um
Estado verdadeiramente democrático, livre e justo, sem superar o
racismo, permitindo que a população negra seja integrada de forma
emancipada e digna na sociedade, sem ocupar os tradicionais
espaços subordinados a que vem sendo relegada.

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RUIZ, M. Tereza. Racismo algo más que discriminación, San José,
Costa Rica: Colección Análisis, 1988.
SANT’ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos básicos sobre
racismo e seus derivados. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
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SILVA, Simone Rezende da. A trajetória do negro no brasil e a
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10.47946/rnera.v0i19.1801>. Acesso em: 22 dez. 2022.

102
DECOLONIALIDADE DO GRAFFITI E REEXISTÊNCIA

Gleydson Rogério Linhares dos Santos Coutinho


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

SABERES ARTÍSTICOS E CIENTÍFICOS

Este artigo tipifica-se como uma pesquisa bibliográfica de


abordagem qualitativaviabilizando um discernimento pertinente
à linha de pesquisa formação de professores e práticas educativas
e ao objeto de estudo no eixo de investigação propostas
pedagógicas interdisciplinares do Mestrado Profissional em
Educação da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, na
pesquisa “A pedagogia do graffiti e os discursos acerca das relações
étnico-raciais para construção decolonial de reexistência”.
A partir do meu lugar de fala enquanto docente no Instituto
Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão -
IEMA e da pesquisa “A pedagogia do graffiti e os discursos acerca
das relações étnico-raciais para construção decolonial de reexistência”,
tenho sentido a necessidade de repensar tanto a formação docente
quanto a prática educativa. Sendo assim, temos como objetivo
problematizar, na leitura acadêmica, a reexistência e a
decolonialidade a partir da linguagem artística do graffiti.
Em adição, há o interesse em investigar o hip-hop e sua
correspondência com a educação que se originou da experiência
iniciada em 2008, enquanto militante do Movimento Organizado
de Hip-hop Quilombo Urbano, correlacionado por outras
vivências que ocorreramcomo estudante e profissional, sobretudo,
como arte/educador e grafiteiro, utilizando este movimento
supracitado como instrumento pedagógico.
Interessamo-nos na práxis epistemológica em constante
ruptura decolonial para combater pedagogicamente a coisificação

103
com o hip-hop condizente a Nóvoa (2022, p. 93), “minha recusa de
aceitar passivamente este estado de coisas. O meu interesse é o
caminho, a procura, a viagem, nunca a chegada a um qualquer
porto seguro”. E na militância de reexistir educacionalmente,
culturalmente, socialmente e politicamente atento ao desvelado
por Gonzales (1984, p. 233), “parece que a gente não chegou a esse
estado de coisas. O que parece é que a gente nunca saiu dele”.
A exemplificar a indagação acima, de acordo com as
Diretrizes Operacionais (IEMA, 2022), o Instituto Estadual de
Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão objetiva contribuir
com o decênio dedicado aos povos de ascendência africana. E as
atividades de aprendizagem intercultural do Programa de Escolas
Associadas da Organização das Nações Unidas para Educação, a
Ciência e a Cultura - UNESCO estão integradas a esse instituto.
Tais aspectos constituem a formulação da problemática a ser
analisada no âmbito da pesquisa “A pedagogia do graffiti e os
discursos acerca das relações étnico-raciais para construção decolonial de
reexistência”. Todavia, advertimos com Lopes e Macedo (2011, p.
40): “pode-se entender os discursos pedagógicos e curriculares
como atos de poder, o poder de significar, de criar sentidos e
hegemonizá-los”.
Ademais, inquietamos com Ribeiro (2019, p. 26): “a herança
escravista faz com que o mundo do trabalho seja particularmente
racista - o que também o torna um dos espaços emque a luta
antirracista pode ser mais transformadora”.
A respeito ao embate antirracista aferimos com Sant’Ana
(2005, p. 40), “cresce o nível de consciência de que o racismo é
maléfico e precisa ser combatido, denunciado e eliminado. E a sua
postura crítica como professor diante desta luta e denúncia é de
fundamental importância”.
O grafitti do qual consideramos suas possibilidades de
atuação antirracista, outrorafazia parte da disciplina de Arte, no
entanto, se alargou para a Área de Linguagem. Nessecontexto,
tornam-se questionáveis tanto interdisciplinaridade quanto arte
integral que pode ser realizada com duas ou mais linguagens

104
artísticas, entre Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.Podendo ser
considerado o graffiti um movimento cultural e uma prática
educativa, entendemos-o também com Silva (2016, p. 134),
“artefato cultural, isto é, como o resultado de um processo de
construção social”. Sendo o mundo esmiuçado pertinente a Lima
(2022, p. 17), “de outra maneira, com um olhar mais atento”.
Conciliamos o desígnio cultural e pedagógico do graffiti com
Frigotto (2008, p. 48) “otrabalho interdisciplinar se apresenta como
uma problema crucial, tanto na produção do conhecimento quanto
nos processos educativos e de ensino”. E assemelhamos a Japiassu
(1976, p. 87), “constituem, por assim dizer, duas tarefas
complementares, tanto de uma ciência particular quanto da
integração das disciplinas”.
Ainda mais incisivo a respeito da cientificidade
interdisciplinar provocamos com Japiassu (2016, p. 05),
“lamentamos que em nosso atual sistema educacional seja
praticamente inexistente a prática interdisciplinar. O que existe
são encontrosmultidisciplinares”.
Adotamos a educação em interdisciplinaridade científica
como a afirmação de Demo (1998, p. 13), “processo de formação da
competência humana histórica. Entendemos por competências a
condição de não apenas fazer, mas de saber fazer e sobretudo de
refazer permanentemente nossa relação com a sociedade e a
natureza”.
Em consequência do violento histórico brasileiro de
colonialismo que se modificou, acentuamos com Machado e Soares
(2021, p. 988), “com a colonialidade, os modos de poder, de saber,
de ser dos povos colonizados são simplesmente silenciados e
busca-se impor os valores europeus, norte-cêntricos, como únicos
e universais”.
No tocante ao fechamento social brasileiro da colonialidade,
dizemos com Marín (2017, p. 89-90), “a sociedade fechada” é
entendida por Freire como aquela que teve sua origem na
experiência colonial do Brasil, escravista e antidemocrática”.

105
Nessa circunstância de colonialidade brasileira do conhecer,
“o currículo se liga com oprocesso de reprodução cultural e social”
(SILVA, 2016, p. 48). Suplementos com Silva (2016, p. 128), “o que
se tornava importante era a transmissão, ao Outro subjugado, de
uma determinada forma de conhecimento”.
Para que haja a suplantação educacional da imposição
cultural e social de reprodução ao outro, compactuamos com
Saviani (2012, p. 78), “o processo educativo é passagem da
desigualdade à igualdade”. O autor afirma ainda que “só é
possível considerar o processo educativo em seu conjunto como
democrático sob a condição de se distinguir a democracia como
possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade
no ponto de chegada” (SAVIANI, 2012, p. 78).
Para a transfiguração curricular em equidade diante do
histórico de colonialismo e colonialidade refutamos a imposição
cultural e social de reprodução ao outro no processo educativo
com Ferreira (2018, p. 151), “despatriarcalizar, desracializar,
desheteronormatizar, descristianizar, desocidentalizar são
desafios que se colocam na agenda do dia e,consequentemente, aos
currículos”.
Se faz necessário transfigurar humanamente a Educação de
maneira cientificamente despatriarcalizada, desracializada,
desheteronormatizada, descristianizada e desocidentalizada com
amplitude cultural, social e política. Como apontamos com Saviani
(2012, p. 111), “criar situações irreversíveis de tal modo que as
mudanças de governo não desmantelem aquilo que está sendo
construído”.
Consequentemente, entendemos a necessidade de
humanização no criar estrutural da própria Educação
independente de governo condicente a Walsh (2017, p. 53),
“criação de estruturas socioeducativas que dotem os “oprimidos”
com as ferramentas necessárias para revelar as raízes de sua
opressão e desumanização, identificar suas estruturas e agir sobre
elas também são componentes centrais” (WALSH, 2017, p. 48).

106
Apesar de muitos avanços e conquistas ainda estamos em
condições estruturais opressoras desumanas na Educação, por isso
concordamos com Walsh (2017, p. 53), “humanização [...] é
entendida a partir da desumanização produzida e inerente à
condição colonial; isto é, à colonialidade do ser, do saber e do
poder, e da própria existência”.
O desafio de humanizar e educar enviesa o Ensino Superior e
a Educação Básica, “o Brasil ainda é um dos países com os maiores
índices de analfabetismo. E esse problema foi acentuando-se, uma
vez que, à medida que o tempo passava, as questões relativas ao
aumento do analfabetismo também se agravavam” (SAVIANI,
2011, p. 94).
Pretendemos combater os discursos inversos a gravidade do
anafalbetismo brasileiro enviesados no Ensino Superior e na
Educação Básica que atentamos com Machado e Soares (2021, p.
994), “os grupos historicamente excluídos são, na verdade,
ludibriados, visto que, na prática, permanecem silenciados. Os
sujeitos que detêm o poder (político, econômico ou simbólico)
não renunciam a suas prerrogativas de classe”. Para tal
proposição, “perguntar como esses discursos se impuseram e a
vê-los como algo que pode e deve ser desconstruído” (LOPES;
MACEDO, 2011, p. 41).
Nesse sentido, almejamos desenvolver a pesquisa “A pedagogia
do graffiti e os discursos acerca das relações étnico-raciais para construção
decolonial de reexistência” levando em conta o enfoque dado aqui ao
princípio de reexistência, decolonialidade e linguagem artística do
graffiti, criticando, construindo e desconstruindo os padrões e
valores produzidos no que se refere à Educação. Sendo assim,
incitamos com Machado e Soares (2021, p. 1001), “que não haja
“padrões” e sim espaço para as distintas vozes”.
Atestamos em reexistência e decolonialidade da linguagem
artística do graffiti a despadronização das diversidade de vozes
com Ferreira (2018, p. 123), “quando não há justiça social e
equidade, o direito de todos é o direito de poucos que não querem
perder seus privilégios”. Por tanto, necessitamos arguir nos

107
espaços enunciando como Mignolo (2017, p.24) “colocar em
interrogação a enunciação (quando, por quê, onde, para quê) nos
dota do conhecimento necessário para criar e transformar”.
Sendo assim, ensejamos uma discussão com os
entrelaçamentos científicos entre reexistência, decolonialidade e
linguagem artística do graffiti, por meio de uma pesquisa
bibliográfica, para examinarmos a compreensão da concepção de
linguagem artística dograffiti como uma pesquisa. Nesse intento,
condizemos com Sá-Silva (2022, p. 26), “escrever é um ato político-
pedagógico, intencional, revelador de existência”.
Inicialmente neste artigo estudamos sobre a conceituação de
saberes artísticos e científicos. Em seguida, continuamos a nossa
investigação com o propósito de perceber as lacunas na literatura
acadêmica entre reexistência, decolonialidade e linguagem
artística do graffiti. Logo após conhecemos o graffiti na qualidade
de intervenção artística, educacional, cultural e política. E, em
seguida, procuraremos compreender o reexistir, o decolonial e a
arte em convergência no pesquisar social.

FAZERES DE REEXISTIR COM A ARTE DO GRAFFITI

Realizamos a leitura da obra literária pesquisa social: teoria,


método e criatividade (MINAYO, 2007) na disciplina Pesquisa em
Educação sob orientação do professor Dr. Jackson Ronie Sá da
Silva, buscando associar a mesma com a pesquisa “A pedagogia do
graffiti e os discursos acerca das relações étnico-raciais para construção
decolonial de reexistência”, que está sendo desenvolvida por mim
juntamente com a orientadora e professora Dra. Ana Patrícia Sá
Martins através do Grupo de Pesquisa Multiletramentos no Ensino
de Língua/CNPq-UEMA.
Logo no início dos estudos com o livro, no capítulo um
intitulado o desafio da pesquisa social (MINAYO, 2007), percebemos
uma das primeiras viabilidades de associação entre o mesmo e a
nossa pesquisa, quando Minayo nos fala das tribos primitivas
diferenciando-as da sociedade ocidental.

108
Entendemos que as diferenças sociais foram tratadas pelo
Ocidente de modo violento eassassino desde o início da expansão
européia em territórios dos povos originários de outros
continentes. E que para Dove (2017, p. 30), “chegada de
Colombo/Colon nas Grandes Antilhas, que marcou o início do
holocausto dos povos das Primeiras Nações”.
Desde o início do holocausto causado pela Europa o que antes
seria em outros continentes exisitir foi assassinado violentamente,
tendo os povos originários desses territórios além das margens
européias a necessidade de reexistir. Em um sentido decolonial, o
modo de sentir o mundo e a comunicação de sociabilidade da
linguagem artística do graffiti nos aproximam dessa reexistência
originária das Primeiras Nações.
Sendo assim, relatamos com Carbonel (2006, p. 64), “desde o
tempo das cavernas, o ser humano explora materiais, cores,
superfícies, formas, sons, silêncios, movimentos, procurando criar
sentido para sua existência e buscando comunicar-se”. A autora
alega ainda que “a expressão artística sempre apresenta uma visão
de mundo” (CARBONEL, 2006, p. 64).
Em princípio se tratando da averiguação para a nossa melhor
compreensão da caracterização comunitária das relações étnico-
raciais, da reexistência e da linguagem artísticado graffiti, tentando
também aproximar com a fala da Minayo (2007) no que se refere a
coletivo, a vida cotidiana e a humanidade, para melhor
compreensão de ambas as pesquisas retomamos a Durans (2018, p.
94), “esse pertencimento a um coletivo é também valorizado nas
produções que, por vezes, não recebem uma autoria individual,
mas sim coletiva”.
Correspondemos o pertencer da coletividade vivenciada pelo
hip-hop em suas produções artísticas, culturais e políticas à educação
e a sociedade em constante humanização de ambas, “tornando os
produtos (rap, graffiti, especialmente) como obras que trazem uma
visão de mundo compartilhada” (DURANS, 2018, p. 94).
Diferente da perspectiva hegemônica da sociedade ocidental,
acentuamos o conhecimento humano transgressor do hip-hop na

109
mesma linha de pensamento de Varzea, Ainbinder e Duarte (2010, p.
153), “o grafite é uma elegia ao transitório [...] é um sinal, aponta para
o passado, afirma o presente e avisa sobre o futuro”.
Para nós do hip-hop, tanto com a atualidade quanto com o
histórico da linguagem artística do graffiti, nos alertamos para
conscientemente transgredirmos entre passado, presente e o
futuro que deve ser mais humano e menos hegemônico. Nessa
acepção,“conhecer significa estar consciente do poder do
conhecimento para a produção da vida material, social e
existencial da humanidade” (PIMENTA, 2015, p. 08).
Tal fato de vivência humana da linguagem artística do graffiti
é corroborado quando descrevemos em historicidade a sua
produção das suas obras. Como Veratti e Silva (2014, p. 05),
“elemento do movimento HIP HOP mais antigo, podendo ser
retratado desde os tempos das cavernas por exemplo [...], os
artistas conseguiam se expressar utilizando o efeito aerado do
grafite atual”.
Podemos considerar que desde o período da arte rupestre já
havia experimentação e utilização de materiais variados durante o
processo de criação nas pinturas em paredes,possuindo assim as
suas técnicas e tecnologias de modo artesanal que ultrapassaram
os considerados modos primitivos daquela época segundo as
ideologias eurocêntricas.
Continuando o aprendizado na primeira parte do livrório
pesquisa social: teoria, método e criatividade (MINAYO, 2007),
pertinente as concepções de ciência e cientificidade, conceito de
metodologia de pesquisa, teorias, pesquisa qualitativa e ciclo da
pesquisa qualitativa, consegui entender melhor as permeações dos
conflitos e das contradições no campo científico para na prática
continuar o desenvolvimento do projeto de pesquisa.
Para além da arte e do graffiti, podemos investigar dos
diferentes períodos históricos como por exemplo, algumas
tecnologias, seus princípios e suas contribuições que aindapodem
estar presentes nos dias de hoje, cooperando inclusive com as
desconstruções e reconstruções das ciências sociais em seus

110
desafios científicos, sociais, culturais e políticos. Pois, “fue con la
invasión colonial-imperial de estas tierras de Abya Yala - las que
fueron renombradas “América” por los invasores como acto
político, epistémico, colonial - que este enlace empezó tomar forma
y sentido” (WALSH, 2013, p. 25).
De outra forma e outro sentido, renomeamos em Abya Yala
epistemologicamente evidenciando dentre os postulados artísticos
e científicos, problematizando com a linguagem artística do graffiti
as consequências coloniais-imperiais. Para Wanner (2001, p. 14), “a
questão polêmica, arte X ciência, sempre vem à tona, quando o
assunto é pesquisa, metodologias científicas e artísticas, suas
diferenças, semelhanças, seus conceitos eaplicabilidades”.
Nos atentamos a desvalorização da ciência da arte com a
linguagem artística do graffiti, distinguindo o artístico versus o
científico como ato político de colonialidade. Concordamos com
Tonet (2013, p. 732), "trata-se da divisão entre trabalho manual e
trabalho intelectual [...] Saber e fazer são separados e essa
separação é justificada teoricamente e contribui poderosamente
para manter a exploração e a dominação de classes”.
Mesmo com os avanços científicos da arte, os saberes e fazeres
do seu trabalho intelectual artístico enquanto pesquisa ainda
continuam tendo que combater a exploração da hegemonia de
colonialidade nos conceitos, nas metodologias e aplicabilidades.
Comtal característica, pretendemos continuar combatendo
consistentemente com a linguagem artística do graffiti no nosso
pesquisar.
Apesar de anunciar que nada sucede a criação do
pesquisador declama Minayo (2007, p. 25), “diferentemente da arte
e da poesia que se baseiam na inspiração, a pesquisa é um trabalho
artesanal que não prescinde da criatividade". Enunciamos uma
concepção diferente com Bourriaud (2011 p. 25), “toda prática
artística tem início com um conjunto de decisões (a escolha das
ferramentas, dos suportes, dos temas) e pela escolha de uma
atitude com a qual o artista habitará esses materiais”.

111
Assim como a pesquisa pode ser considerada um trabalho de
artesanato, as atividades humanas artísticas também podem
corresponder aos procedimentos, maneiras concretas e potenciais
de realização da cientificidade na pesquisa social. Há possibilidade
de produzir artede pesquisar para que possa se tornar “capaz de
exercitar um novo olhar e uma nova postura” (GOLDENBERG,
2020, p. 106). Vale salientar ainda que não reafirmo a forma como
são utilizadas algumas expressões, “primitivos”, “tempo das
cavernas”, “arte como inspiração”, mesmo entendendo as suas
colocações positivas.
Problematizamos também com um novo olhar e uma nova
postura a cientificidade da arte com a linguagem artística do graffiti
retomando o cultural, social e político juntamente com os nossos
povos originários e tradicionais das primeiras nações que tiveram
suas tecnologias e ciências de saberes, fazeres e vivências
usurpadas pela modernidade.
Em converso com Mignolo (2017, p. 17), “não podemos
encontrar o caminho de saída no reservatório da modernidade
(Grécia, Roma, Renascimento, Ilustração). Se nos dirigirmos ali,
permaneceremos presos à ilusão de que não há outra maneira de
pensar, fazer e viver”.
Questionamos esse científico ilusório moderno de pensar,
fazer e viver transposto pela colonialidade com a linguagem
artística do graffiti complementando ainda com Tonet (2013, p.
733), “a ciência moderna [...] se situa na passagem da centralidade
do objeto (na concepção greco‑medieval) para a centralidade do
sujeito (na concepção moderna)”. Alertamos a partir dos nossos
povos originários e tradicionais das primeiras nações emrelação ao
problema da centralidade da ciência moderna no sujeito europeu
buscando outra passagem científica de pensar, fazer e viver com a
linguagem artística do graffiti.
Nos descentralizamos da concepção creditada pela
modernidade com Dove (2017, p. 27), “o argumento europeu não
é historicamente creditável, porque é baseado em informaçõesque
têm excluído experiências outras, que não suas próprias”. E

112
contestamos essa histórica exclusão europeia com Tonet (2013, p.
731), “a cientificidade (não simplesmente a ciência) do mundo
moderno é a forma do fazer científico historicamente condicionada
pelo mundo moderno”.
Em consideração à cientificidade de outras experiências para
além do europeu, com ênfase nas dos nossos povos originários
e tradicionais das primeiras nações, contrariamos com a
linguagem artística do graffiti a ciência moderna.
Portanto, interrogamos com Silva (2016, p. 46) “a questão não
é saber qual conhecimento é verdadeiro, mas qual conhecimento é
considerado verdadeiro”. Mesmo que entendamos como Dove
(2017, p.24), “o holocausto ainda está em processo nos continentes
América, no norte e sul [...] a cultura europeia é antitética à cultura
e à sobrevivência dos povos das Primeiras Nações”.
Quanto à prática apreendida referente ao contexto de
observação, interação e descoberta (MINAYO, 2007), ainda será
desenvolvida na nossa pesquisa em construção decolonial de
reexistência com a linguagem artística do graffiti contrariando o
conhecimento da Europa considerado como verdadeiro na
América que exclui nos seus próprios territóriosas suas ciências
dos nossos povos originários e tradicionais das primeiras nações.
Almejamos contextualizar cientificamente na pesquisa para
com a educação das relações étnico-raciais por intermédio da
linguagem artística do graffiti como experiência contra o
holocausto ainda em processo. Inquirindo com o primor apontado
por Lima (2022, p. 16) “qualquer descoberta deveria ser sempre
libertadora, porque de alguma forma, é através delas que nos
constituímos sujeitos, mas a trajetória dela educação formal ou
informal mostra que nem sempre é assim”.
Em nossa pesquisa intencionalmente libertadora,
continuaremos nos constituindo enquanto sujeitos históricos
tendo nos nossos estudos científicos a continuação do
aprofundamento de determinado referencial teórico concernente à
reexistência, decolonialidade e linguagem artística do graffiti.

113
Apresentamos a seguir as seções sistematizadas e
atravessadas pela cientificidade da linguagem artística do graffiti
que teve até o presente momento textual um diálogo com o
capítulo dois o projeto de pesquisa como exercício científico e artesanato
intelectual do livro citado anteriormente, fontes diversas e práticas
educativas.

METODOLOGIA

Para desenvolver este artigo, buscamos conjunções teórico-


metodológicas nasdiscussões propiciadas na disciplina Educação
para a diversidade do Mestrado em Educação da Universidade
Estadual do Maranhão - UEMA, ministrada pela professora Ana
Patrícia Sá Martins e pelo professor Josenildo Campos Brussio.
No desenvolvimento deste artigo, houve também associação
com a pesquisa “A pedagogia do graffiti e os discursos acerca das
relações étnico-raciais para construção decolonial de reexistência” do
Grupo de Pesquisa Multiletramentos no Ensino deLíngua/CNPq-
UEMA, orientada pela Professora Dra. Ana Patrícia Sá Martins.
Outrossim, entendemos ser adequada e mesmo
imprescindível a pesquisa bibliográfica no que se refere à
reexistência, decolonialidade e linguagem artística do graffiti como
formas de construir subsídios teóricos e outras informações que
sustentem a análise do atual quadro de vinculações entre ambas.
Neste artigo, nos atentamos a fontes, leituras, pensamentos e
análises a respeito das dimensões pedagógicas, referente à
problematização do tema reexistência, decolonialidade e
linguagem artística do graffiti. A partir dos conceitos e
problematizações que nos apresentam os autores com os quais
trabalhamos, buscamos refletir a relevância educacional, cultural,
social e política da linguagem artística do graffiti.
Seguimos realizando uma leitura crítica como delineamos
com Machado e Soares (2021, p. 999), “a partir de uma leitura
decolonializada, o sujeito leitor se realinha diante do texto
literário, conquistando o direito de desempenhar outros papéis

114
diante dele”. E que segundo Demo (1998, p. 122), “consiste em
conhecer e analisar as contribuições teóricassobre um tema ou
problema”.
A dinâmica deste trabalho se desenvolveu vislumbrando o
olhar crítico à ciência, formação docente e interculturalidade.
Sendo assim, conforme Minayo e Sanches (1993, p. 245), “o
material primordial da investigação qualitativa é a palavra que
expressa a falacotidiana, seja nas relações afetivas e técnicas, seja
nos discursos intelectuais, burocráticos e políticos”.
Pretendemos aqui, portanto, desenvolver um artigo no qual o
objeto não fosse tratado isoladamente, mas enquanto uma
singularidade que se articula com a totalidade histórica, permeada
por contradições e rica em determinações. No mesmo
discernimento denota Trivinos (1987, p. 171): não é possível
analisar as informações tal como elas se apresentam. É necessário
organizá-las, classificá-las e, o que é mais importante, interpretá-
las dentro de um contexto amplo, para distinguir ofundamental do
desnecessário, buscar as explicações e significados dos pontos de
vista. O isolamento dos materiais reunidos só pode ser
compreendido, num primeiro momento, para melhor atingir suas
conexões dentro de um quadro teórico de um contexto maior.
Cabe ressaltar que consideramos necessária uma pesquisa
bibliográfica sistemática para análise da literatura acadêmica
acerca da temática reexistência, decolonialidade e linguagem
artística do graffiti, que está atravessando todo o processo de
investigação, objetivando o aprofundamento no futuro de suas
categorias da pesquisa.
Nesse sentido, consideramos adequada e mesmo
imprescindível a pesquisa bibliográfica no que se refere à
reexistência, decolonialidade e linguagem artística do graffiti como
forma de colher subsídios teóricos e outras informações que
sustentem a análise do atual quadro de vinculações entre ambas.

115
REAPRENDIZAGENS DECOLONIAIS

A educação, quando assumida pelas relações étnico-raciais


nas práticas pedagógicas e nas integrações curriculares,
desenvolve uma correlação entre educador e educando
possibilitando a produção de conhecimentos. No caso do hip-hop,
promove uma ressignificação do processo de ensino-
aprendizagem, por isso, “faz-se necessária, além de apreciar o
acervo imagético de literatura visual do graffiti, a utilização de
outras fontes, buscando, portanto, entendimento na perspectiva
sócio-educacional” (COUTINHO, 2018, p. 59 e 60).
Falar sobre grafite tende a ser bem mais extenso do que
articular o seu significado propriamente escrito de maneira
eurocêntrica graffiti ou americana graphite, a começar que estes dois
idiomas e o próprio português foram abalizados como línguas dos
colonizadores (DOVE, 2017, GROSFOGUEL, 2010; MARÍN, 2017;
MIGNOLO 2017; WALSH, 2017).
Enunciamos uma laboração decolonial de reexistência da
linguagem artística do graffiti/graphite/grafite na
contemporaneidade em respeito a sua história cultural,
educacional, social e política dos períodos históricos da
humanidade, até mesmo porque sou militante do Movimento
Organizado de Hip-hop Quilombo Urbano no Maranhão e do
Quilombo Brasil a nível nacional.
Independente de ser grafite, graphite ou graffiti, mesmo
respeitando que haja a predominância da conceituação europeia
dentro do próprio hip-hop, para nós, o labor científico dessa
linguagem artística enquanto originária da arte rupestre torna-se o
desenho imprescindível para o nosso pesquisar de construir
reexistência decolonial.
Nos depreendemos do graffiti/graphite/grafite para apreender
o seu desenhar de linguagem artística para mais do que somente
eurocêntrico ou americano. Dessa maneira, estamos esboçando
ampliando a sua apreensão com Walsh (2017, p. 36) “desenhos são
muito mais do que um trabalho artístico. São ferramentas

116
pedagógicas que dão presença à persistência, insistência e
sobrevivência do decolonial, ao mesmo tempo que o constroem,
representam e promovem pedagogicamente”.
Sendo assim, o graffiti/graphite/grafite apreendido
singularmente como um desenho de linguagem artística originária
desde a arte rupestre, tem em si um histórico pedagógico de
existência que requer decolonialidade para reexistir
culturalmente.
Desse modo, concebemos a culturalidade de uma das
linguagens artísticas da arte rupestre (o graffiti/graphite/grafite)
como pedagógica. Para Silva (2016, p. 139), “ao mesmo tempo que
a cultura em geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia é vista
como uma forma cultural: o cultural torna-se pedagógico e a
pedagogia torna-se cultural”.
Na contemporaneidade, as composições dos afazeres culturais e
pedagógicos de determinada linguagem artística (o
graffiti/graphite/grafite) foram desenhadas inicialmente pelo
movimento social combativo do hip-hop, “construídas de diferentes
maneiras dentro das próprias lutas, como uma necessidade de
fundamentar e entender criticamente o que está contra, o que deve
ser resistido, levantar e agir” (WALSH, 2017, p. 63).
Fundamentamos o graffiti/graphite/grafite criticamente a partir
do hip-hop como desenho de construção decolonial de reexistência
para nos levantarmos e agirmos seja com a arte rupestre ou com a
linguagem artística contemporânea ao que devemos resistir.
A vista disso, compreendemos com Walsh (2017, p. 36), "os
desenhos [...] abrem uma janela para práticas políticas, sociais,
culturais, epistêmicas e existenciais insurgentes que ensinam a se
rebelar, resistir, seguir, prosperar e viver". Portanto, podendo ser
considerado o graffiti/graphite/grafite um movimento cultural e
uma prática educativa originária da arte rupestre para além da
apropriação europeia, o entendemos também com Silva (2016, p.
134), “artefato cultural, isto é, como o resultado de um processo de
construção social”.

117
O artefato cultural resultante das vivências culturais de uma
linguagem artística (graffiti/graphite/grafite) que tornaram-se
educacionais e pedagógicas, praticadas desde a arte rupestre até a
contemporaneidade, retratam construções sociais de uma
diversidade de povos. Como asseguramos com Coelho (2018, p.
13), “ao retratar as experiências da população, o grafite se
transforma em forma de aprendizado e incita a observação e
sensibilização humana, atitudes consideradas como propulsoras
do conhecimento”.
A humanização no conhecer propulsante dos conhecimentos
propiciados com uma linguagem artística (no caso o
graffiti/graphite/grafite) impulsiona as aprendizagens das
experiências das populações, das quais destacamos as dos povos
originários e tradicionais pertencentes às primeiras nações. E
podemos ainda dizer com Marín (2017, p. 77), "a educação popular
incluiu, entre outros referentes igualmente importantes, o debate
sobre a 'conscientização' e o diálogo" como necessários para a
produção de outras formas de conhecimento".
Neste sentido, a linguagem artística (do graffiti/graphite/
grafite) imersa na vida cotidiana ajuda a explorar o sentido
artístico de base popular, aproximando-se do cotidiano escolar e
possibilitando reflexões acerca da realidade das relações étnico-
raciais no Brasil e das culturas negra e indígena. Especificamente,
“o trabalho com grafite oferece ao estudante uma oportunidade de
[...] desenvolver capacidades individuais e coletivas através da
reflexão, do pesquisar, do pensar, do conviver e do aprender”
(COELHO, 2018, p. 17).
A respeito do aparecimento da linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) no trabalho educacional e desenvolvimento
de capacidades individuais e coletivas, temos pesquisado a sua
cientificidade para com a educação das relações étnico-raciais.
Investigando “a importância do hip-hop no desenvolvimento de
conhecimentos para além da educação formal, tais como educação
política e direito à cidadania que reflete sobre a identidade social e
cultural” (COUTINHO, 2018, p. 36).

118
Torna-se de fundamental importância para nós uma reflexão
sobre a possibilidade de retorno aos questionamentos a respeito
do atendimento educacional e quais possibilidades de
contribuição no processo de aprendizagem por meio da linguagem
artística (do graffiti/graphite/grafite) enquanto educação formal e
não formal correlacionando o hip-hop e a Educação. Por
conseguinte, invocamos o processo dialético de letramentos da sua
cultura pedagógica de transformação com Dove (2017, p. 22), “a
força motivadora para a mudança social é, na realidade, uma
dialética cultural”.
Dessa forma cultural de motivação para a transformação
social, podemos averiguar o potencial interveniente que
representa a linguagem artística (do graffiti/graphite/grafite) para
os desafios e as possibilidades da educação das relações étnico-
raciais em suas atuações de letramento. Isso posto, demonstramos
com Souza (2019, p. 71), “falar em letramento de reexistência
implica considerar as práticas de letramentos desenvolvidas em
âmbito nãoescolar, marcadas pelas identidades sociais dos sujeitos
nelas envolvidos” .
À vista disso, o discurso pedagógico do rap, a linguagem
corporal do break e, principalmente, tratando-se da imagem
educativa do graffiti, são instrumentos importantes para o fazer
didático-pedagógico relacionado à realidade social e precisa ser
investigado no interior e exterior dos muros escolares e das
normas institucionais referentes à educação. Advertimos
condizente a Franco (2022, p. 18), “é necessária e fundamental a
presença da didática nos processos de formação, uma didática
crítica, intercultural, multidimensional e focada em uma nova
forma de considerar o ensino”.
A concepção de Paulo Freire enfatiza na educação uma
metodologia de ensino e aprendizagem que busca não somente o
treinamento de capital humano, mas sim almeja a conscientização
tanto dos educadores quanto dos educandos preparando-os para
uma transformação social, “quando falo em educação como
intervenção, me refiro tanto à que aspira a mudanças [...] quanto à

119
que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a
História e manter a ordem injusta” (FREIRE, 1996, p. 68).
As leituras e escritas segundo a perspectiva do pensamento
freiriano não separam a escola do mundo, principalmente os
conhecimentos prévios do contexto social vivenciado
cotidianamente e suas expectativas. Nesse emboço libertário,
compactuamos com Lima (2022, p. 17), “é preciso ir além do óbvio,
descobrir que ler e escrever é uma forma importante de resistir a
outros claros propósitos de extermínio e violência”.
Movimento este de ensaios de liberdade pela educação de
forma a trabalhar a consciência e o desejo, interferidos
historicamente que resultaram na perda de parte significativa da
memória das pessoas pertencentes aos povos explorados e
oprimidos. Traçamos nessa mesma linha de pensamento com Sá-
Silva (2022), “quem escreve reaprende a escrever. Quem escreve
sinaliza outras escritas. Quem escreve incita outros a escrever.
Escrever tornar-se, desta forma, uma potente ação didática”.
Dessa maneira libertária de descobrir, reaprender, ler e escrever,
delineamos a reexistência decolonial da linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) com Pimenta (2015, p. 08), “consciência e
sabedoria envolvem reflexão, isto é, capacidade de produzir novas
formas de existência, de humanização. E é nessa trama que se pode
entender as relações entre conhecimento e poder.”
Precisamos reexistir produzindo entre conhecimento e poder
novas formas de existência, uma delas está sendo com linguagem
artística (do graffiti/graphite/grafite) na nossa pesquisa. Reiteramos
com Marín (2017, p. 91), “a consciência avançará também para a
ideia de "compromisso histórico", que foi possível graças ao
desenvolvimento da consciência histórica como síntese da relação
consciência-mundo”
Convergente à extensão do graffiti/graphite/grafite enquanto
intervenção artística, educacional e histórica, propomos com
Luqueti, Pereira, Santos e Villaça (2017 p. 770): “o ensino do
grafite nas escolas como viemos propor engloba mais conceitos e
abrange uma gama ainda maior de aprendizagem e associações”.

120
O graffiti/graphite/grafite faz parte das composições de
linguagens artísticas na contemporaneidade, contudo o mesmo
também compõe a linha do tempo histórico artístico equivalente à
arte rupestre, pois alguns dos seus aspectos se assemelham e estão
relacionados principalmente pelas conectividades das vivências
do próprio cotidiano dos seus específicos períodos.
Além disso, questiono se há de fato dentre estes
conhecimentos agregação entre a história da arte, experiências
cotidianas e educação escolar, tendo as paisagens da cidade como
embasamentos para o desenvolvimento da educação das relações
étnico-raciais naformação docente.
Atualmente, os objetos de conhecimento relacionados à
linguagem artística (do graffiti/graphite/grafite) destacam-se por
transcorrerem em diferentes séries da educação básica, sendo
ministrados principalmente nas aulas da Disciplina de Arte.
Alguns dos temas desta manifestação artística que estão presentes
no currículo escolar do Ensino Médio dos quais podemos citar
como exemplos são arte rupestre, muralismo e arte urbana.
Mesmo a referência da linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) estando presente nos objetos de conhecimento
do currículo escolar, há também uma problematização da sua
inserção na perspectiva de inclusão escolar, gerando questionamento
sobre desafios e possibilidades da educação. Abrangemos a partir de
Júnior (2017, p. 05) “a responsabilidade social que de fato interessa é
aquela que habilidosamente se articula com uma práxis
transformadora plena, ou seja, que supera a prática como uma
estratégia de mercado”.
Isto posto, pretendemos propor para a educação das relações
étnico-raciais por meio da da linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) com responsabilidade social e intervenção
cultural. Além do mais precisamos em caráter emergencial como
assinalamos com Santos (2015, p. 268), “transformar a realidade e
edificar uma sociedade onde a discriminação de raça e a
exploração social sejam eliminadas”.

121
Com mediações nas escolas, a linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) se torna uma das formas de comunicação
visual acessível, se tornando forte aliado para o desenvolvimento
de um linguajar compreensível. Através dessa, há oportunidade
para que grupos étnicos se identifiquem e valorizem suas culturas
em meio aos temas que são expostos nas paredes em respeito à
diversidade. Portanto, “todo conhecimento depende da
significação e esta, por sua vez, depende de relações de poder. Não
há conhecimento fora desses processos” (SILVA, 2016, p. 149).
Por intermédio da linguagem artística (do graffiti/graphite/
grafite) há significação do conhecimento decolonial de reexistência
em meio a relações de poder hegemônicas. Corporificamos com
Machado e Soares (2021, p. 991), “a decolonialidade nos propicia
incorporar o conhecimento produzido fora dos centros
hegemônicos, os assujeitados no processo de colonialidade
(negros, mulheres, indígenas, LGBTQIs, populações das classes
trabalhadoras, dentre outros)”.
Em razão disso, insurgimos com Franco (2022, p. 19), “a
educação não pode ser concebida, tratada, compreendida pela lógica
do mercado. Educação é direito e não mercadoria”. Conjecturamos
ainda com a autora, “que nossas escolas dependem de como o
processo de ensino é interpretado, tanto nas subjetividades dos atores
sociais quanto nas políticas públicas, e, mais ainda, nas práticas
institucionais escolares” (FRANCO, 2022, p. 15).
Orientamos com Walsh (2017, p. 67), “a decolonialidade não
é uma teoria a ser seguida, mas um projeto a ser assumido. É um
processo de ação para caminhar pedagogicamente” Para a
concretização dessa projeção decolonial assentamos com Mignolo
(2017, p. 23), “não há outra maneira de saber, fazer e ser
descolonialmente, senão mediante um compromisso com a
desobediência epistêmica”.
Devemos continuar a nossa reexistência decolonial
partilhando com a assertiva de Sant’Ana (2005, p. 58), “a nossa
luta, agora reforçada como medidas oficiais, deve centralizar-se
nas causas provocadoras e fortalecedoras destas sequelas que

122
mantêm o racismo, os preconceitos e as discriminações em
evidência”.
Retomamos ainda a linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) como pertencente ao hip-hop para
ponderar que precisamos repensar a reexistência, o decolonial e a
arte com a afirmativa de Wash (2009, p. 22), “a interculturalidade
crítica tem suas raízes e antecedentes não no Estado (nem na
academia), mas nas discussões políticas postas em cena pelos
movimentos sociais, faz ressaltar seu sentido contra-hegemônico”.
Como elaboração decolonial tencionamos com a linguagem
artística (dograffiti/graphite/grafite) propondo com Wash (2009, p.
25) “a interculturalidade crítica como ferramenta pedagógica que
questiona continuamente a racialização, subalternização,
inferiorização e seus padrões de poder, visibiliza maneiras
diferentes de ser, viver e saber”.
Uma das nossas referências sociais para repensar reexistência,
decolonialidade e arte é o Movimento Organizado de Hip-hop
Quilombo Urbano, do qual eu sou militante desde o anode 2008.
O discurso pedagógico do rap, a linguagem corporal do break
e, principalmente, tratando-se da imagem educativa do graffiti, são
instrumentos importantes para o fazer didático-pedagógico
relacionado à realidade social.
Requeremos do mesmo modo pedagógico com a linguagem
artística (do graffiti/graphite/grafite) em interculturalidade
criticamente na sabedoria científica convergente a Machado e Soares
(2021, p. 997), “a abordagem intercultural crítica na educação [...]
pressupõe o questionamento dessa suposta universalidade do
conhecimento escolar”. Já que paradoxalmente “desenvolvemos uma
cultura que escamoteia sistematicamente o conflito, e as crises,
embora a sociedade viva em profundo conflito e crise”.
Para culminar essa controvérsia de colonialidade do saber com
a linguagem artística (do graffiti/graphite/grafite) problematizamos
com Machado e Soares (2021, p. 996), “o discurso “inclusivo” do
multiculturalismo e da interculturalidade se vende como uma
ferramenta a serviço de sociedades mais equitativas e igualitárias

123
quando, na verdade, há o desejo de controlar o conflito étnico e
manter a estabilidade social para impulsionar os imperativos
econômicos do neoliberalismo, da acumulação capitalista”.
Por outra incidência inclusiva, atravessada pela
interculturalidade crítica da linguagem artística (do graffiti/
graphite/grafite), denotamos com Walsh (2013, p. 66), “mais do que
“incluir” de forma multiculturalista, o esforço tem sido o de
construir, posicionar e procriar pedagogias que visem pensar “a
partir” e “com”, fomentando processos e práticas “praxistas” de
teorizar do pensar-fazer e interculturalização”.
No mesmo prospecto intercultural, agregamos pesquisa com
reexistência, decolonialidade e linguagem artística (do
graffiti/graphite/grafite) como o esboçado porGrosfoguel (2008, p.
411), “o novo universo de significação ou novo imaginário de
libertação necessita de uma linguagem comum, apesar da
diversidade de culturas e formas de opressão”.Como criticamos
com Japiassu (1976, p.88), “nos dias de hoje, parece que a
interdisciplinaridadeprecisa ultrapassar-sea si mesma”.Nos
sendo revelada a problematização entre reexistência,
decolonialidade e linguagem artística (dograffiti/graphite/grafite),
“a interculturalidade crítica parte do problema do poder, seu
padrãode racialização e da diferença (colonial, não simplesmente
cultural) que foi construída” (WALSH, 2009, p. 21).
Além disso, esse giro decolonial que estamos vivenciando
precisa ser ampliado no experienciar de ocupação das escolas e das
universidades e em outros espaços acadêmicos e educacionais com
pesquisa interdisciplinar, interculturalidade crítica e linguagem
artística (dograffiti/graphite/grafite).

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128
CORPOS ÉTNICO-RACIAIS, ENSINO DE CIÊNCIAS
NATURAIS E DECOLONIALIDADE: discussões a partir da
análise de representações de livros didáticos do Ensino Médio

Jucenilde Thalissa de Oliveira


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

INTRODUÇÃO

As discussões propostas por esse texto sinalizam para a


necessidade das discussões e problematizações em educação para
relações étnico-raciais alcançarem o ensino de Ciências Naturais,
em perceber esse campo de conhecimento para além de tratar de
dimensões físicas, biológicas, químicas e ambientais sobre um
mundo biótico e abiótico, é sobre uma Ciência que lida com a vida
que se constitui em variados aspectos, que se concebe ao mesmo
que por materialidade biológica também por aspectos históricos,
sociais e subjetivos. Nesse sentido, é também pensar sobre quem
somos e como somos constituídos em relação ao mundo que
vivemos e quais as marcas carregamos em nossos corpos.
O corpo humano foi ao longo da história e continua sendo
alvo de especulações por parte de diferentes instituições sociais,
como o Estado, a Igreja, a Família, a Escola, a Medicina, entre
outras, sendo assim, muito é dito sobre o corpo desde suas
diferenças biológicas a sua inserção na sociedade, fazendo do
corpo uma estrutura que carrega marcas, símbolos, ideias,
representações e discursos dos mais variados sendo alvo de
investimento científico, social e cultural e que acabam por
determinar lugares e papeis dentro da sociedade.
O discurso científico-naturalista do corpo humano, nesse
contexto, vem justificar as diferenças sociais e culturais,
propagando e legitimando por vezes discursos discriminatórios,

129
estereotipados e hierarquizados sobre aparências, etnias, raças e
tantos outros marcadores sociais. E segundo Nilma Gomes (2003) o
corpo se localiza em um terreno social conflitivo, uma vez que ele
também é encontrado na esfera da subjetividade. Sendo o corpo ao
longo da história uma divisa étnica marcante entre povos e símbolo
explorado constantemente nas relações de poder e dominação para
diferenciar e hierarquizar diferentes grupos (GOMES, 2003).
As diferenças entre as sociedades e os seres humanos não só
serviu, como continua servindo para a construção de fenômenos
etnocêntricos que constituem o preconceito e suas múltiplas
dimensões, racial, moral, social, religioso, entre outros. E nessa
perspectiva o racismo brasileiro é tanto naturalizado como ligado
a uma estrutura hierarquizada (DE PAULA, 2005). Percebendo
assim, que o ensino nas Ciências Naturais pode (e deve) colaborar
para uma educação contextual, crítica e problematizadora não
somente das questões biológicas, com também das questões
históricas, sociais e culturais que atuam sobre nossos corpos, o que
deve incluir sua diversidade étnica.
Conceber esse processo investigativo aliado a perspectiva
decolonial nos propõe assumir posicionamento de deslocamento
epistemológico, uma vez que nos reconhecemos dentro da
colonialidade, no sentido que, ainda ruminamos os males do
sistema histórico colonial que põe hegemonias nas formas de ser e
saber no mundo, para escapar desse processo e confrontá-lo
necessitamos nos distanciar das premissas de análise teórico-
metodológicas tradicionais, pois estas reproduzem a colonialidade
do saber (QUIJANO, 2009) que silencia os sujeitos colonizados, os
corpos colonizados.
Desse modo, nesse estudo trazemos como possibilidade de
vislumbrar esses corpos o olhar decolonial, que permite que
tomemos um posicionamento crítico as construções de sentidos
sobre os corpos situados sob questões históricas e políticas
etnocêntricas que normalizam diferenciações hierarquizantes de
povos e culturas, e que parte da crítica ao fenômeno histórico da
colonização e suas consequências – aos sujeitos não europeus – com

130
processos que marcam nossa existência contemporânea através da
colonialidade e que se convertem em desigualdades não naturais,
mas construídas sócio-historicamente.
O colonialismo como padrão de dominação/exploração e a
colonialidade como continuidade da anterior traz a produção de
invisibilidades históricas dos colonizados e valorização da cultura
do colonizador em diversos aspectos da nossa sociedade, como na
educação trazendo o desafio de descolonizar os currículos da
educação escolar em vista da necessidade de articulação e diálogos
entre a escola, currículo e a realidade social (CANDAÚ, 2010;
GOMES, 2012) e, a partir disso, devemos assumir um olhar crítico
e reflexivo sobre os povos e as culturas negadas e silenciadas no
processo educacional.
A partir desse contexto, trazemos como problemática central a
representação dos corpos étnico-raciais nos livros didáticos de
Ciências Naturais do Ensino Médio, entendendo que a
representação destes como em qualquer outra área de
conhecimento está sujeito a reprodução de concepções do contexto
sócio-histórico da temporalidade em que é concebido. Nesse
sentido, ao situar que as percepções sobre os corpos étnico-raciais
resguardam significações socialmente construídas significa
perceber que quando esses corpos se localizam em sociedades
historicamente colonizadas, marcas não superadas são
reproduzidas nos vários âmbitos da vida, estão nas relações sociais
como estão no processo educacional. De modo que nos
questionamos: Como os corpos étnico-raciais são representados no
nos livros didático de ensino de Ciências Naturais?

ENLANCES ENTRE CORPO, RAÇA E DECOLONIALIDADE: a


perspectiva sócio-histórica a ser debatida

Existir no mundo é estabelecer relações com um contexto


indiscutivelmente sociocultural e histórico. Desse modo, a
racialização dos corpos se concebe como um fenômeno que
depreende um contexto a ser situado e problematizado, devendo

131
questionar as naturalizações que nos categorizam e nos
hierarquizam, pois estas resguardam discursos determinados
sócio-historicamente e, portanto, não neutros.
E para aprofundar discussões em torno dessa temática se fazem
relevantes enlaces teóricos com autores que se destinam a
problematizar questões de raça, etnia, racismo, identidade,
representatividade, a produção sociocultural do corpo, além da crítica
a geopolítica etnocêntrica na produção de saberes. Perspectivas que se
alinham ao pensamento pós-crítico que possibilitam trazer outros
olhares para o corpos étnico-raciais em considerar o currículo
educacional, o contexto sócio-histórico e cultural como também das
relações de poder que circundam a temática.
Desse modo, devemos nos atentar ao elemento raça como
conceito que surge nas ciências naturais para nomear o diferente,
que na classificação da diversidade humana surge uma
problemática: a valoração e hierarquização entre as raças. O fator
biológico (característica fenotípica como a cor da pele) dessa
diferenciação humana qualificou também aspectos intelectuais,
morais e culturais, considerando a raça branca superior as demais
(MUNANGA, 2003).
Essa hierarquização racial – leva em conta fatores de
diferenciação a partir de características físicas – e étnica – considera
as diferenças culturais dos povos distintos aos europeus – que se
utiliza da ciência foi preponderante para justificar e legitimar a
dominação sobre povos da América, Ásia e África, bem como,
práticas racistas (MUNANGA, 2003; SANT´ANA, 2005). O
emprego do termo raça está além da dimensão biológica ela implica
relações de poder, e como afirmado por Munanga (2003), raça:

É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, ele


esconde uma causa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A
raça, sempre apresentada como categoria biológica, isto é natural, é de fato
uma categoria etnosemântica. De outro modo, o campo semântico do
conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas
relações de poder que a governam. (p.6)

132
Nesse sentido, o termo raça passa a apresentar-se como
categoria discursiva. Para Hall (2003) o termo “raça” como
categoria discursiva que pressupõe o racismo está organizado num
sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão, cuja
construção é tanto social como política. E como prática discursiva
tenta justificar as diferenças sociais e culturais da exclusão racial
por distinções genéticas e biológicas e colocá-las como naturais.
Uma naturalização que “parece transformar a diferença racial em
um ‘fato’ fixo e científico, que não responde a mudança ou a
engenharia social reformista”, concepção que se assemelha com o
antissemitismo e o sexismo em que a biologia se torna a base da
questão (HALL, 2003, p. 69).
E mesmo tendo-se comprovado que raças humanas
biologicamente/cientificamente não existem, entretanto, nesse
campo de conhecimento se tem a sua presumida justificativa. A
aplicabilidade do termo deve-se, então, ser ressignificada,
politizando a identidade de indivíduos negros que foram
desvalorizados nos usos do termo nas manifestações de racismo
sobre a cor da pele, nos cabelos, e outras características que
determinaram a hierarquia que os inferioriza. E colocar que temos
não raças biológicas, mas sociais, que se constituem socialmente e
se revelam nas políticas, na cultura, na diferenciação dos
indivíduos produzindo exclusões, como as populações indígenas e
negras na situação brasileira (DIAS, et al., 2021) e que necessitam
de uma educação contextualizada e crítica inclusive nas disciplinas
das Ciências Naturais.
Dessa forma, a racialização é um fenômeno que se dá sobre
corpos que foram colonizados em uma construção de lógica
eurocêntrica que hierarquiza povos, culturas e saberes. Perceber o
corpo para além das determinações biológicas não se constitui
somente enquanto uma crítica, mas enquanto necessidade de
superação das amarras racionalizantes que legitimam e
naturalizam etnocentrismos construídos pela visão de mundo
ocidental. É nesse contexto que se torna relevante fundar nossa

133
problematização sob a perspectiva epistemológica decolonial para
se discutir o corpo étnico-racial.
Essa perspectiva epistêmica nos direciona a um pensamento
mais amplo ao cânone ocidental, devendo criticar a universalização
da ciência sob a égide eurocêntrica que não reconhece a pluralidade
do mundo e da produção de conhecimento em outras localizações
geográficas, bem como, os corpos e lugares étnico-raciais situados
em uma estrutura de poder de hegemonia eurocentrada
(GROSFOGUEL, 2009).
A crítica a colonialidade como matriz de dominação
contemporânea pós colonialismo se situa como padrão de poder
sob a retórica da modernidade no sistema-mundo que estabelece
relações intersubjetivas de dominação que fixa identidades de
lógica racial/étnica/geográfica e que naturaliza o padrão de poder
colonial, onde a ideia de raça/racismo estão estruturados e são
criticados pelo pensamento decolonial que dispõe-se a possibilitar
outro modo de pensar deslocando-se da centralidade do
paradigma do sistema-mundo eurocêntrico (QUIJANO, 2009;
MIGNOLO, 2017).
A perspectiva decolonial situa-se como um campo
epistemológico de problematização da colonialidade enquanto
perspectiva que nomeia e analisa os efeitos contemporâneos do
colonialismo histórico, implicando relações de poder no
eurocentrismo e na racionalidade moderna e que trazem para o
debate questões de dominação cultural e as hierarquias
epistemológicas nas suas diferentes formas, e pressupõe
reconhecer a subalternização de práticas e subjetividades de povos
historicamente dominados e seu silenciamento (BERNARDINO-
COSTA; GROSFOGUEL, 2016).
Pensar sobre esses corpos sob esse contexto torna necessário
percebermos também as suas dimensões no sistema educacional
brasileiro. E nisso, a educação para diversidade étnico-racial e
antirracista também é uma das preocupações registadas em nossas
legislações educacionais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(Lei nº 9.394/96) pontua ainda nos seus princípios iniciais que a

134
educação deve considerar a diversidade étnico-racial em vista que
esta é uma característica própria da população brasileira (BRASIL,
1996). E nesse empenho para formalizar a discussão étnico-racial
na educação brasileira temos a Lei nº 10.639 de 2003 que
regulamenta o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africanas, e posteriormente a Lei nº 11.645 de 2008 que
complementa com o ensino de História e Cultura Indígena que se
constituem pós recorrentes pressões históricas de movimentos
populares no sentido de valorizar os povos e as culturas que
formam nossa sociedade, prevendo mudanças no currículo escolar,
na formação de educadores e materiais didáticos, esta é uma
demanda que ultrapassa fronteiras disciplinares é uma ação
política afirmativa para a educação.
Nesse cenário a escola passa a possuir um papel importante na
concretização dessas ações afirmativas. Devemos ver o campo
escolar, como colocado pela Nilma Gomes (2003), como uma
instituição em que são aprendidos e compartilhados não somente
conteúdos e saberes escolares, mas também valores, crenças e
hábitos de uma sociedade em que se pode fazer presentes
preconceitos raciais, de gênero, de classe, assim como na sociedade.
E perceber o processo educativo escolar a sua relação com a cultura
nos permite compreender melhor os caminhos complexos da
construção das nossas identidades quando as dimensões sociais e
pessoais estão interligadas no processo formativo.
E nesse processo formativo escolar encontramos os livros
didáticos em que sua compreensão pode ser concebida desde a
determinação de sua produção para atender a um mercado – que
se situa sob lógica capitalista –, a escola, e no caso brasileiro
estabelecido como uma política pública pelo Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) em que são previstas determinações
específicas desde demandas sociais a políticas (MUNANKATA,
2012). O livro didático é um dos materiais pedagógicos mais
utilizados pelos professores/as, podendo ser interpretado devido
sua importância nesse contexto lhe confere por vezes caráter de
verdade, mas ele pode ser veículo de propagação de estereótipos

135
além apresentar papeis estigmatizados socialmente e promover
exclusão (SILVA, 2005), uma vez que, o livro didático reflete
segmentos sociais e o contexto temporal que o constituiu.
A relação entre os livros didáticos e o corpos étnico-raciais
poder ser compreendida através da representação que contém
sentidos, relações e significados. Nessa perspectiva a representação
social conjectura-se enquanto fenômeno social que só podem ser
entendidos por seu contexto de produção por suas funções
simbólicas e ideológicas que podem ser manifestadas por imagens,
contextos e categorias em uma comunicação que implica
determinações sócio-históricas de uma época e constituem uma
realidade (SPINK, 1993) que envolve processos simbólicos, relações
e práticas sociais dos sujeitos que constroem um senso comum,
formam identidades e sentimentos de pertencimento grupal
projetando valores e conceitos sobre pessoas e grupos, e servindo
para interpretar um realidade (ALVES-MAZZOTTI, 2008).

A ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES EM LIVROS DIDÁTICOS


DE CIÊNCIAS NATURAIS: norteamentos teórico-metodológicos

No presente estudo analisamos as representações de corpos


étnico-raciais presentes em livros didáticos de Ciências da
Natureza da rede pública de ensino de São Luís – Maranhão, sob a
perspectiva crítica dos Estudos Decoloniais, essas representações se
encontram na forma de imagens que se caracteriza como uma
pesquisa documental de abordagem qualitativa e análise de
conteúdo.
Na pesquisa documental o/a pesquisador/a “utiliza
documentos objetivando extrair dele informações, ele/ela o faz
investigando, examinando, usando técnicas apropriadas para seu
manuseio e análise”, neste caso, de livros didáticos de Biologia, essa
tipologia de pesquisa “segue etapas e procedimentos; organiza
informações a serem categorizadas e posteriormente analisadas;
por fim, elabora sínteses, ou seja, na realidade, as ações dos
investigadores – cujos objetos são documentos” são importantes

136
em todo o processo dessa investigação a fim de constituir o corpus
de análise da pesquisa (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009,
p.4) dada aqui pela compilação das representações de corpos
étnico-raciais.
A opção pela abordagem qualitativa do estudo se dá pela
compreensão de um fenômeno humano gerado socialmente que
depreende uma realidade que se quer interpretar (MINAYO, 2014)
em relação a uma problemática complexa e multifacetada de uma
realidade que não pode ser quantificada, envolvendo a percepção
de questões subjetivas, fenômenos e representações sociais, ideias
e discursos que circundam o tema a ser analisado (GOLDENBERG,
1997). Ou seja, “essa abordagem trabalha com o universo dos
significados, representações, crenças, valores e atitudes dos atores
inseridos em um grupo social. [...]como um dos elementos que
contribuem para a compreensão da realidade.” (MEDEIROS et al.,
2014, p. 100-103). A compreensão contextual é necessária para
tratar de corpos étnico-raciais no ensino de Ciências da Natureza
uma vez que seus sentidos possuem construções históricas e
socioculturais implicadas.
A análise e tratamento do material empírico que se trata das
representações (imagens) dos corpos étnico-raciais extraídas desses
livros, segundo Minayo e outros (2007) são compreendidas pelas
etapas: 1) Ordenação dos dados; 2) Classificação dos dados e; 3)
Análise propriamente dita, sendo a interpretação dos dados a partir
de uma perspectiva teórico-epistemológica que norteia a nossa
discussão, a dos Estudo Decoloniais. O processo de tratamento
desses dados pressupõe dimensões de categorização que surgiram
a partir do processo analítico dos documentos em perceber
semelhanças, dissonâncias e relações que permitem realizar
agrupamentos para a análise dos dados.
O processo de categorização realizado resultou em duas
categorias principais e seis subcategorias apresentadas no Quadro
1. As categorias gerais expressam dois sentidos principais para os
corpos étnico-raciais, nela se inserem ilustrações desses corpos que
tragam o sentido das ciências naturais na especificidade do campo

137
e explicação do conteúdo; enquanto a categoria geral sentido
sociocultural traz esses corpos para suas dimensões interpessoais
com relações sociais e culturais com sentidos que remetem a uma
explicação sócio-histórica.

Quadro 1 - Categorias de análise dos Corpus de pesquisa.


SENTIDO CIÊNCIAS NATURAIS SENTIDO SOCIOCULTURAL
Ciência e Medicina Diversidade humana
Corpo Biológico Relações sociais, saúde e sexualidade
Ilustração de conteúdo de Corpos indígenas
Física/Química
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Os livros analisados compõem o Plano Nacional do Livro


Didático (PNLD) de 2021, é uma coleção composta 6 livros
titulados Multiverso Ciências da Natureza (Figura 1) são
destinados simultaneamente aos componentes curriculares da
Biologia, Física e Química para o Ensino Médio, e foram
desenvolvidos visando contemplar as habilidades e competências
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Novo Ensino
Médio, os mesmos foram baixados gratuitamente acompanhados
do manual do professor integrado aos livros pelo site:
https://pnld.ftd.com.br.

138
Figura 1- Coleção de livros didáticos analisados

Fonte: GODOY; DELL’AGNOLO; MELO, 2020.

Sobre a categorização dos livros didáticos é importante


esclarecer aquilo que caracterizamos como corpos étnico-raciais.
Nos quais os situamos enquanto corpos concebidos por processos
históricos que envolvem relações étnico-raciais e relações de poder,
a esses corpos aspectos culturais e fenotípicos se fazem relevantes,
pois, a eles se dão a classificação humana de forma hierarquizada e
que implicou em condições de desigualdades ainda pulsantes na
nossa sociedade brasileira, são eles: corpos negros e indígenas.
Esses são os corpos alvos da nossa discussão.
Dito isso, o processo de categorização dos livros nos revelou
dados interessantes sobre representação dos corpos étnico-raciais
nas ciências da natureza, em que já era esperado que a categoria
geral Sentido Ciências Naturais fosse mais representativa. No
entanto, a categoria geral intitulada Sentido Sociocultural se
mostrou interessante e relevante ao trazer outras perspectivas para
a abordagem e ilustrações dos conteúdos.

139
DISCUTINDO REPRESENTAÇÃO DOS CORPOS ÉTNICO-
RACIAIS NOS LIVROS DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DE UM DIÁLOGO DECOLONIAL

As ilustrações de corpos étnico-raciais no sentido sociocultural


foram relativamente representativas considerando a área de
conhecimento e nos revela um esforço em incluir e discutir sobre
esses corpos, principalmente corpos negros, demarcando que esse
também é um lugar possível representação que possibilita
discussão transdisciplinar apesar da preferência do corpo branco
para a grande maioria das representações empregadas nos livros.
A exemplo as ilustrações de sistemas biológicos (Figura 2), em
que corpos brancos e masculinos possuem a preferência para a
demonstração e formam maioria superior a outros corpos com
características fenotípicas distintas. São ilustrações de partes do
corpo humano como o tronco e membros ou que demonstram
sistemas internos, são corpos sem identidade aparente, mas
constantemente brancos.

Figura 2 – Representações de sistemas biológicos.

Fonte: GODOY; DELL’AGNOLO; MELO, 2020 (8A, p.120; 9A, p.119).

A presença majoritária dos corpos brancos reforça a percepção


de um padrão hegemônico racial que acaba por pressupor uma
hierarquia em que o fator biológico (a característica fenotípica), que
neste caso pode ser cor da pele, resguarda o padrão social

140
valorizado em detrimento dos outros, o que naturaliza relações de
poder entre corpos étnico-raciais, entendimento esse colocado por
estudos sobre relações raciais e decoloniais.
Em detrimentos dessas representações evidenciamos na
categoria geral Sentido Ciências Naturais a subcategoria mais
representativa foi Ciência e Medicina em que trazia ilustrações de
corpos negros como cientistas, médicos, estudantes e outros ao
abordar sobre o tema da Ciência, em que podemos destacar que as
figuras femininas negras nessas representações formaram a
maioria delas, e algumas dessas podem ser visualizadas na Figura
3. Apontamos também a utilização de imagens de cientistas reais e
mulheres negras, a utilização de ilustrações como essas permitem
desconstruir a percepção da imagem do cientista somente como um
homem e branco e nos aproxima de uma representação real e
palpável.

Figura 3 - Representações da categoria ciência e medicina dos livros didáticos.

Fonte: GODOY; DELL’AGNOLO; MELO, 2020 (1F, p. 22; 2F, p.55).

Essas representações vislumbram corpos/pessoas negras em


lugares sociais entendidos como relevantes e positivos ao passo
que os afasta de representações ligadas a pobreza e doença, tidas
como negativas, elas mostram a possibilidade de mobilidade social
desses sujeitos além da ressignificação dessas profissões.
E, nesse sentido, questionar outras representações da
população negra em livros didáticos que, como colocado por pela
Ana Célia da Silva (2005) marcadas pela estereotipia e caricatura,
que expandem uma visão negativa do negro com papeis

141
subalternos perpetuando relações raciais desiguais através de
processos de exclusão e representações estigmatizadas.
Circunstância advinda de um racismo que opera estruturalmente,
definindo lugares sociais para esses sujeitos, e seu combate
pressupõe várias dimensões, a econômica, a cultural, a política,
como também a educacional em desnaturalizar concepções
deterministas e subalternizadoras a esses corpos.
Outras ilustrações interessantes de serem discutidas são as da
categoria diversidade humana, como as exemplificadas na Figura
4 a seguir, são representações em que verificamos uma clara
intensão de promover a igualdade racial e o respeito a diversidade
dos seres humanos ao discutir sobre a evolução humana.

Figura 4 – Representações da categoria diversidade humana.

Fonte: GODOY; DELL’AGNOLO; MELO, 2020 (5D, p. 145; 6D, p.157).

A percepção da diversidade precisa fazer parte do entendendo


de que ela constitui uma realidade vivida, a do povo brasileiro, e
nesse contexto, ao promover o discurso da diversidade da
sociedade como multirracial e pluriétnica o debate antirracista
deve ter lugar com devendo haver um ponto de vista crítico ao
tema e na crença de uma democracia racial, afirmando o ambiente
escolar como local comprometido com a transformação social, no
compromisso de reconhecer e valorizar as diferenças culturais,
raciais e étnicas que compõem nossa sociedade, e:

142
para que esse compromisso se efetive é fundamental que, trabalhando com
a realidade, num diálogo permanente, numa situação de aprendizagem
contextualizada, usando procedimentos adequados, o aluno se descubra
membro atuante dessa sociedade, na qual pode e deve ser capaz de interferir
e promover modificações que conduzam a um clima de verdadeira
cidadania e democracia (LOPES, 2005, p.187).

Quanto as ausência e limitações podemos destacar os corpos


indígenas, a baixa representação dos corpos indígenas em toda a
coleção analisada em que pudemos encontrar somente duas
imagens (Figura 5). Apesar de ser perceptível uma maior
preocupação com a representação de corpos negros, no entanto, na
contramão desse movimento os corpos indígenas permanecem
invisibilizados.

Figura 5 – Representações de corpos indígenas dos livros didáticos.

Fonte: GODOY; DELL’AGNOLO; MELO, 2020 (11A, p. 93; 12D, p.93).

Para Sousa e Coppe (2021) a invisibilidade dos corpos


indígenas nas ciências é provocada pela percepção do mundo
através da colonialidade que se apresenta de forma violenta contra
crenças, línguas, conhecimentos e naturezas de povos originários,
onde os parâmetros de narrativa da história se dá pelos

143
invasores/dominadores e que trazem nas diferentes áreas de
conhecimento os indígenas de forma deturpada e estereotipada, e
pouco debatida. Os autores colocam que diante disso é “preciso
compreender a história e a natureza da ciência, assim como os
processos de colonização do pensamento e as formas pelas quais se
manifestam, inclusive, nos conhecimentos científicos” (SOUSA;
COPPE, 2021, p. 13). E nisso, precisamos valorizar práticas,
identidades, povos e conhecimentos outrora invisibilizados pela
premissa científica eurocêntrica.
Lopéz (2015) diante da perspectiva sócio-histórica do corpo
nos direciona a pensar o corpo com uma realidade social, fruto de
construções históricas e representações culturais incutida de
relações de poder com usos políticos, e desse modo, é “relevante
entender não só a incorporação das desigualdades sociais, mas
também a incorporação da história. Isto é, a inscrição do passado
nos corpos, em uma dupla dimensão: objetiva e subjetiva.” (p. 306)
E nisso, entender o corpo também como atributo da
subjetividade colonial, ou seja, o corpo enquanto marca da
colonização, que implica perceber uma historicidade, uma política,
uma ideologia com a consequente valoração que circunda nossos
corpos a partir de um padrão de poder de hegemonia eurocêntrica,
esses aspectos tornam relevante pensamos nos corpos que foram
subjugados nesse processo e as concepções que se mantém sobre
eles a partir dessa lógica.
Assim, a presença/ausência do corpo racializado torna-se um
símbolo de exploração pelas relações de poder que hierarquiza as
diferenças. Nesse sentido, a crítica a colonialidade inscrita nos
corpos precisa nos levar a ressignificar a representação dos corpos
colonizados, a sua existência contemporânea em perceber as
manutenções da lógica colonial/moderna nos seu entendimento.
Percebendo que a colonialidade do poder age de múltiplas formas,
na linguagem, na narrativa e na representação, situadas em
hegemonias que reproduzem visões de mundo, natureza e
humanidade segundo um padrão de poder que é racializado e as
identidades sob essa lógica estabelecem relações intersubjetivas

144
com um sistema que naturaliza esse padrão de poder hierárquico
(GROSFOGUEL, 2009; QUIJANO, 2009).
O conhecimento possui múltiplas ancoragens que são
históricas, econômicas e políticas e que na colonialidade
inevitavelmente supõe uma lógica de racialização que oculta
corpos e vozes sob uma superioridade étnica e epistêmica a qual a
decolonialidade se propõe a desconstruir tornando visível a
geopolítica ou, melhor, a corpo-política do sistema/mundo colonial
moderno (MIGNOLO, 2017).

REFLEXÕES FINAIS

O livro didático se constituí um importante material


pedagógico para professores e alunos no contexto escolar e em
alguns casos o único, podendo ser veículo de propagação de
representações estereotipadas e preconceituosas, mas pode se
tornar elemento de desconstrução e problematização de demandas
sociais, com as questões étnico-raciais. Devemos, nesse sentido,
estar atentos as representações veiculadas por eles tendo um olhar
especialmente crítico as relações étnico-raciais ali desenvolvidas
reconhecendo que nessas relações possuem fatores históricos,
culturais e políticos entremeados.
Lembrando que a escolha das representações não é aleatória,
ou mesmo neutra, esta circundada por processos normativos,
políticos e significativos, elas expressam uma percepção da
realidade e suas movimentações. E movimentos para uma
educação antirracista, com diversidade étnico-racial e pluralidade
cultural reverberam em políticas e legislações para o ensino escolar,
como a aprovação das leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 sobre História
e Cultura Afro-brasileira e Indígena respectivamente refletem na
educação em diversos aspectos desde o currículo ao material
didático, movimento que puderam ser reconhecidos nos livros
didáticos analisados.
Com base nas análises dessa coleção para o ensino de Ciências
Naturais no Ensino Médio, notamos um esforço em trazer

145
representações mais diversas e possibilidades de discussão do tema
das relações étnico-raciais, além de demostrar que esse também é
um espaço de pertencimento e crítica social e pode ir para além da
reprodução da desigualdade social podendo colocar-se
criticamente e ressignificando representações.
No entanto, ainda há mais a ser feito, principalmente a
escassez da representação dos corpos indígenas e a predominância
dos corpos brancos e masculinos. Mais do que representar, é
necessário possibilitar problematizações sobre a realidade desses
corpos e, desse modo, favorecer desconstruções e promover a
igualdade.
As representações podem ser um modo de favorecer
discussões sociais e históricas e o reconhecimento das identidades
étnico-raciais da sociedade brasileira, além de um modo
interessante de inclusão desses corpos nos livros didáticos de
Ciências da Natureza, em desconstruir estereótipos e preconceitos
sobre os corpos marcados no passado e no presente pela
colonização.
O olhar decolonial nos permitiu que enxerguemos esses
corpos e suas representações pelo processo histórico da
colonialidade fundada em relações poder e na dominação de
corpos étnico-raciais, que a partir da concepção de raça e diferenças
culturais estabelece relações hierárquicas e desiguais e seus
sentidos podem ser percebidos amplamente nas representações e
significados atribuídos a esses corpos, corpos colonizados.

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2005. 204p.

148
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In: MUNANGA, K. (Org.). Superando o Racismo na escola. 2ª edição
revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 204p.
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308, jul/set, 1993.

149
150
RACISMO EPISTÊMICO NA FORMAÇÃO INICIAL
DOCENTE: um estudo sobre o Estado da Arte na
perspectiva decolonial

Manoela Pessoa Matos


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

INTRODUÇÃO

A questão não é mais conhecer o mundo, mas transformá-lo?


Frantz Fanon (2020, p. 31)

Em 1999, quando José Jorge de Carvalho e Rita Segato


sugeriram uma política de cotas no Brasil “foram considerados no
meio acadêmico brasileiro, delirantes e antissociais” (SEGATO, 2021,
p. 322). O episódio vivenciado por eles retrata as tensões raciais no
Brasil e a circulação do discurso de que o brasileiro não é um povo
racista, por conter formas de sociabilidade cultural e convivência
harmoniosa nas relações raciais brasileiras. Ou seja, uma narrativa
reproduzida pelo mito da democracia racial a qual deve ser
entendida como “continuidades simbólicas e institucionais das
relações coloniais de dominação, mesmo após os processos de
independência formais das nações” (BENTO, 2022, p. 37).
Podemos considerar, porém, que a suposta convivência entre
negros e brancos se desfaz ao nos depararmos com os dados do
IBGE (2018), por exemplo, quando apontam que no mercado de
trabalho somente 29,9% dos cargos gerenciais são ocupados por
negros, enquanto 68,6%, por brancos.
Outro fato que descortina o mito da democracia racial pode ser
evidenciado a partir dos dados levantados pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública em 2019, compilado pelo 13º Anuário da

151
Violência, quando apontam que em 2018, 75,4% das vítimas da
letalidade policial eram pretas ou pardas.
Todo esse cenário é visto por Segato (2021, p. 324) como o
reflexo do imaginário social brasileiro com “baixíssimo nível de
consciência de classe”, que desconhece ou nega que a nossa
sociedade é marcada pela desigualdade e segregação onde cada um
é estratificado não apenas por classe, mas também por classe, raça,
gênero etc.
Como professora atuante nos cursos de licenciaturas, temos
nos empenhado a entender o processo e a maneira como a
discriminação ética/racial são engendradas no interior das
instituições de ensino, seja na formação inicial de professores, bem
como nos discursos e narrativas construídas e reproduzidas pelas
universidades, que não consideraram, muitas vezes, a diversidade
dos estudantes com os quais lidam.
Em face disso, constitui-se uma urgência questionarmos: Que
panorama encontramos na produção acadêmica brasileira sobre
decolonialidade na formação inicial de professoras e professores?
O racismo epistêmico está sendo discutido na universidade?
A partir dessas inquietações, na perspectiva decolonial,
desenvolvemos o presente trabalho, denominado Estado da Arte,
objetivando identificar as produções científicas existentes sobre
decolonialidade e racismo epistêmico na formação inicial de
professoras e professores. Assim, na primeira seção, trouxemos
discussões iniciais sobre o modelo colonizado de conhecimento, de
base racista, que atravessa o mundo acadêmico.
Na segunda seção, apresentamos a epistemologia decolonial,
enquanto movimento capaz de promover rupturas e
transformações no interior da universidade. Na sequência,
apresentamos o resultado do levantamento feito no repositório da
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), na
qual buscamos identificar nos trabalhos mapeados os autores que
estão sendo referenciados, como também perceber a capacidade de
diálogo com a epistemologia decolonial. Pretendemos, contudo,
analisar a sistematização dos conceitos, possíveis lacunas e o nível

152
de interesse acadêmico em que as dissertações de mestrado, teses
de doutorado publicados tem sido produzido.

RACISMO EPISTÊMICO: breves apontamentos na perspectiva


decolonial

De acordo com os estudos de Silvio de Almeida (2021, p. 20) “a


sociedade contemporânea não pode ser compreendida sem os
conceitos de raça e racismo”. Nesse sentido, recorremos a Almeida
(2021) que apresenta três variadas definições sobre racismo,
diferenciando o conceito de racismo individualista, distinguindo o
racismo institucional do racismo estrutural. E concluiu que estes
diferenciam-se em razão de que o primeiro apresenta como
característica o viés da subjetividade, e concebido como um fenômeno
patológico, anormal ou psicológico de caráter individual ou coletivo.
Por outro lado, o racismo institucional tem relação direta com
o Estado, tratado como o resultado do funcionamento das
instituições “que passam a atuar em uma dinâmica que confere,
ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na
raça” (ALMEIDA, 2021, p. 390).
Ainda sobre o racismo institucional Almeida (2021, p.44)
afirma que se origina na operação de forças estabelecidas na
sociedade e, portanto, recebe muito menos condenação pública do
que o primeiro tipo. Enquanto na concepção estrutural, o racismo
“sob a perspectiva estrutural, pode ser desdobrado em processo
político e processo histórico” (ALMEIDA, 2021, p. 52).
Assim, o racismo estrutural faz parte da ordem econômica e
social, ou seja, não é criado pelas instituições, nem por atos isolados
de um indivíduo ou de um grupo, mas é reproduzido por elas.
Sobre o racismo institucional, Cida Bento (2022, p. 78) aponta
em sua análise que, às vezes, são “práticas aparentemente neutras
no presente, mas que refletem ou perpetuam o efeito de
discriminação praticada no passado”. Já Bento (2022, p. 77) nos
alerta para o fato de que não é apenas por atos discriminatórios que
verificamos se uma instituição é racista, mas também “por taxas,

153
números de profissionais, prestadores de serviço, lideranças e
parceiros com perfil monolítico, que se vê a diversidade”.
No bojo dessa discussão, em um sentido eurocêntrico e
colonial-moderno, inserimos o racismo epistemológico nas
universidades, que segundo Grosfoguel (2016, p. 17) “é menos
visível que o racismo em nível social, político e econômico”.

O racismo epistemológico opera privilegiando as políticas identitárias


(identity politics) dos brancos ocidentais, ou seja, a tradição de pensamento e
pensadores dos homens ocidentais (que quase nunca inclui as mulheres) é
considerada como a única legítima para a produção de conhecimentos e
como a única com capacidade de acesso à “universidade” e à “verdade”
(GROSFOGUEL, 2016, p. 17).

A base originária do racismo epistêmico baseia-se na


epistemologia eurocêntrica que considerou os conhecimentos não-
ocidentais como inferiores aos conhecimentos ocidentais. Para
Grosfoguel (2016, p. 18) se observarmos o conjunto de pensadores
que se valem das disciplinas acadêmicas, vemos que “todas as
disciplinas, sem exceção, privilegiam os pensadores e teorias
ocidentais, sobretudo aquelas dos homens europeus e/ou euro-
norte-americanos”. Enquanto a produção dos sujeitos ocidentais
considerados não brancos, foram considerados “folclore, mitologia
ou cultura, mas não conhecimento de igual para igual com o
ocidente” GROSFOGUEL (2016, p. 17).
O resultado disso, foi o surgimento de uma geopolítica e
corpo-política do conhecimento, a partir das quais pensam os
intelectuais acadêmicos brancos. Instaurando-se, assim, no
universo científico e acadêmico ocidental uma dicotomia entre
sujeito e objeto da epistemologia, sob influência do pensamento
cartesiano, este considerado por Grosfoguel (2016, p. 18) “de falsa
objetividade e neutralidade epistêmica”.
Nesse entendimento, o “Penso, logo, existo” segundo Costa,
Torres e Grosfoguel (2020, p. 9) tornou-se a pedra angular do
eurocentrismo e cientificismo nas universidades. De forma
hegemônica, o discurso do método de Descartes deu origem a uma

154
tradição de pensamento de validade universal, que ocasionou uma
divisão abissal não somente na produção do conhecimento, mas no
âmbito da “economia, política, estética, subjetividade, relação com
a natureza, etc.” (COSTA; TORRES; GROSFOGUEL, 2020, p. 9).
Em consequência disso, a ideia de um conhecimento, tido
como universal e abstrato se converte em instrumento de negação
das sensações, das percepções corporais e existencial de povos e
culturas que não condiziam com o padrão estabelecido pelo
modelo europeu.
Desse modo, instaura-se na sociedade de forma global, o
universalismo abstrato de saberes e conhecimentos, que se
constitui “um tipo de particularismo estabelecido como
hegemônico e se apresenta sem determinações corporais e
localização geopolíticas das populações negras e africanas”
(COSTA; TORRES; GROSFOGUEL, 2020, p. 13).
Por sua vez, o universalismo abstrato implantou em nosso
imaginário social modelos de desenvolvimento científico
hierarquizados, resultando no estabelecimento de uma
“superioridade étnica e epistêmica” (MIGNOLO, 2017, p. 26).
A ideia de saberes e conhecimentos válidos intitulou o homem
branco como o único ser capaz de desenvolver conhecimento racional
e verdadeiro. Consequentemente, as crenças, tradições, os saberes e
conhecimentos dos povos indígenas e africanos foram percebidos de
formas distintas, e totalmente aniquiladas pela história.
Nesse entendimento, Abdias do Nascimento (2002) em seus
escritos sobre a população negra questionou o mito da democracia
racial, e a narrativa eurocêntrica do corpo-política e do
conhecimento. Ele propôs como alternativa ao universalismo
abstrato hegemônico nas instituições, o universalismo concreto,
que diferente do abstrato, baseia-se na utilização de diálogos
horizontais entre as diversas particularidades daqueles que foram
invisibilizados, subalternizados e negados pela colonialidade1.

1A colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do


colonialismo moderno, mas em vez de estar limitado a uma relação formal de

155
Mais especificamente, o pensamento de Abdias do
Nascimento promove uma luta ampliada de recuperação e
reconhecimento não apenas dos saberes e conhecimentos que
foram invisibilizados pela colonialidade, mas insere a retomada da
sensibilidade e da localização geográfica e histórica do corpo negro
e indígena, que foram violentamente desprezados pela
modernidade.
Além disso, Nascimento (2002) elaborou o conceito de
Quilombismo como uma proposta de assunção do comando da
própria história para a construção de uma democracia plurirracial.
O Quilombismo de Abdias do Nascimento aponta para um
enfrentamento das formas modernas de exploração, violência
racial e colonial, empregada no sistema capitalista.
Os conceitos utilizados por ele são, sobretudo, considerados
uma visão crítica acerca da população negra do Brasil, que precisa
se ver representada sem relativismos epistemológicos, tão presente
nos discursos e narrativas da sociedade moderna.
Dussel (2016) também vai apontar que o universalismo
concreto pode ser entendido como uma ruptura da modernidade/
colonialidade e seu universalismo abstrato, bem como a “afirmação
da existência e o conhecimento das tradições culturais e filosóficas
que foram desprezadas pela modernidade” (COSTA; TORRES;
GROSFOGUEL, 2020, p. 16).
Cabe destacar que, tanto Abdias do Nascimento quanto
Dussel fortalecem o debate racial e retroalimentam a esperança de
construção de projetos políticos educacionais de resistência, de
reexistência e libertação.
Nessa conjuntura, concordamos com Boaventura de Sousa
Santos (2009, p. 5) quando afirma que na academia “há a
reprodução de discursos e epistemologias dominantes que relegam
muitos outros saberes para um espaço de subalternidade”.

poder entre dois povos ou nações, se relaciona à forma como o trabalho, o


conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si
através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça (TORRES, 2007, p. 131).

156
Em consequência disso, temos a consciência de que o meio
acadêmico não pode ser indiferente ao racismo, por constituir,
segundo Grosfoquel apud Costa; Torres; Grosfoguel (2020, p. 11) o
“princípio constitutivo que organiza, a partir de dentro, todas as
relações de dominação da modernidade, desde a divisão
internacional do trabalho até as hierarquias epistêmicas, sexuais,
de gênero, religiosas”.
Para Segato (2021) as nossas universidades eurocêntricas não
estão formando sujeitos responsáveis por suas coletividades e
muito menos ativos no cuidado com a sociedade e a natureza. Pois:

Existe na educação uma pedagogia eurocêntrica da raça que conduz a


formação de um olhar excludente, na medida em que o discurso posto pode
ser compreendido como a canonização de um nós como sujeito coletivo e
excludente, provocando o deslocamento forçado de grandes contingentes de
indígenas, afrodescendentes e pessoas mestiças para as margens dessa
subjetividade oficial de nossas nações, subjetividade colonizada, sancionada
pelo Estado e reproduzida pela escola (SEGATO, 2022, p. 333).

Para Segato (2021) as universidades precisam pensar em


propostas de retomada do direito humano à educação, acima de
tudo, aderir ao pluralismo epistêmico, de modo a respeitar e
contemplar em seus conteúdos curriculares a memória das lutas de
pessoas que se encontram historicamente em desvantagem ou
excluídas. Essa perspectiva, para Segato (2021), demanda uma
reflexão sobre a formação político-teórica do corpo docente, que
precisa romper com os pilares que sustentam e reproduzem a
ordem da colonialidade e o padrão racista na instituição acadêmica.
A discussão sobre o conhecimento acadêmico na universidade
brasileira também foi discutida por Carvalho (2020), o qual
considera que as nossas universidades são pautadas pelo princípio
da autonomia científica, porém funcionam até agora em um regime
de autonomia colonizada” (CARVALHO, 2020, p. 102). Ele
considera que a universidade se constitui em espaço institucional
racista, fruto do modelo colonizado de conhecimento, vinculado ao
mundo europeu, e aponta que novas frentes de imaginação e de

157
formulação de propostas teóricas e metodológicas devam se dá a
partir “de arranjos transdisciplinares dos saberes para a construção
de diálogos interepistêmicos para alunos, professores e
pesquisadores” (CARVALHO, 2020, p. 97).
Carvalho (2020, p. 99) também acrescenta que na perspectiva
pluriepistêmica, o mundo acadêmico seria aquele em que “saberes
se encontram, e não apenas aquele em que as ciências estabelecidas
se encontram”.
Contudo, essas discussões sobre o sentido do saber e do
conhecimento científico produzido e reproduzido nas
universidades brasileiras, constituiu a base dessa investigação.
Despertando-nos a necessidade de identificar nas produções
intelectuais e acadêmicas que espaços estão ocupando as
perspectivas de conhecimento dos povos que foram negados pela
modernidade colonial.

DECOLONIALIDADES: rupturas e transformações

Do ponto de vista histórico, político e epistêmico, a teoria


decolonial teve suas bases constituída na Conferência de Bandung
de 1955, na qual se reuniram 29 países da Ásia e da África que
buscavam “desprender-se das principais macro-narrativas
ocidentais” (MIGNOLO, 2017, p. 15), de modo a superar a
colonialidade moderna eurocêntrica, hegemônica, reproduzida na
sociedade.
Segundo Mignolo (2017, p. 14) o principal objetivo da
conferência era encontrar a visão comum de um futuro que não
fosse nem capitalista nem comunista, “mas descolonizadora”.
Enquanto pensamento político, a descolonização tornou-se uma
opção de luta por igualdade global e justiça econômica, que se
interconecta com o pensamento denominado “fronteiriço2 e
comunal” (MIGNOLO, 2017, p. 15).

2Para Mignolo (2017, p. 20) “pensar habitando a fronteira moderna/colonial, sendo


consciente dessa situação, é a condição necessária do pensar fronteiriço

158
Considerado por Torres (2020, p. 36) como um projeto
inacabado, a descolonização foi superada pelo uso do termo
“decolonialidade”, que se refere à luta contra a lógica da
colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos”.
Trata-se, portanto, de um projeto ligado ao conceito de
humanização e libertação de povos e indivíduos colonizados pela
modernidade, e que, portanto, criticou todas as pressuposições
científicas da modernidade referentes a tempo, espaço,
conhecimento e subjetividade.
Em face disso, autores como Walter Mignolo, Enrique Dussel,
Aníbal Quijano, Maldonado Torres e outros, desenvolveram
trabalhos coletivos de investigação centrada na crítica à
modernidade ocidental/colonial, anunciando o conceito de
“Decolonialidade” com uma nova epistemologia de análise da
sociedade.
Para estes autores, a colonização significa um presente vivo,
pois suas lógicas continuam existindo e, por isso, as formulações
do grupo levantaram questões históricas e conceituais da relação
entre modernidade, colonialidade e decolonialidade, e trouxeram à
tona a problemática das narrativas heroicas e promissora do
colonialismo, e do usual conceito de descoberta, civilização e
escravidão na sociedade moderna e atual.
Nesse sentido, Torres (2020, p. 33) afirma que “territórios
indígenas são apresentados como descobertos, a colonização é
representada como um veículo de civilização, e a escravidão é
interpretada como um meio para ajudar o primitivo e sub-humano
a se tornar disciplinado”. Assim, a teoria decolonial abordada se
opõe a colonização, pois está atrelada ao conceito de libertação do
sujeito colonizado, nos âmbitos artístico, cultural, econômico e
representativo.

descolonial”. Assim, “o pensamento fronteiriço significa o “desprender e pensar


nas fronteiras que habitavam: não nas fronteiras do estado-nação, mas nas
fronteiras do mundo moderno/colonial, fronteiras epistêmicas e ontológicas”
(MIGNOLO, 2017, p. 20).

159
Para Mignolo (2017) a opção decolonial tornou-se não apenas
uma opção de conhecimento, uma opção acadêmica, um domínio
de estudo, mas uma opção de vida, de pensar e de fazer na
sociedade política global, capaz de romper com visões dualistas,
binárias e antagônicas, tais como: colonizador/colonizado,
branco/negro, homem/mulher, opressor/oprimido, Norte/Sul.
Nesse contexto, o giro decolonial surge como uma expressão
crucial para o projeto decolonial, que significa o compromisso e
atitude de enfrentamento dos efeitos da modernidade/
colonialidade, ou seja, no “distanciamento dos imperativos e das
normas criadas pelo cruzamento da colonialidade do saber, poder
e ser” (TORRES, 2020, p. 44).
Para Candau e Moreira (2010, p. 10) o pensamento decolonial
pode ser compreendido também como “[...] a reconstrução radical
do ser, do poder e do saber”. Ambos compreendem que a
decolonialidade implica considerar as lutas dos povos
historicamente subalternizados, para a construção de outros modos
de viver, de poder e de saber. Portanto, decolonialidade é
“visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das
suas práticas sociais, epistêmicas e políticas” (CANDAU;
OLIVEIRA; 2010, p. 10).
Ressaltamos que a colonialidade é uma lógica que não se refere
apenas à classificação racial. Estão interseccionadas, as questões de
gênero, sexistas, classistas, linguísticas, regionais, religiosas, na
produção/valorização do conhecimento.
Para Lugones (2008, p. 47) a colonialidade representa um
fenômeno amplo e um dos eixos do sistema de poder e, como tal,
“atravessa o controle do acesso ao sexo, a autoridade coletiva, o
trabalho e a subjetividade/intersubjetividade, e atravessa também
a produção de conhecimento a partir do próprio interior dessas
relações intersubjetivas”.
No âmbito educacional, a colonialidade se faz presente nas
práticas de ensino quando privilegia o conhecimento científico e deixa
de fora outras lógicas de produção de conhecimento, resultando no
silenciamento e subalternidade de muitos grupos e vozes.

160
Nessa perspectiva, Lugones (2008) traz referências para uma
educação decolonizadora como alternativa para abandonar o
pensamento colonizador que corresponde à matriz colonial de
poder. “A colonização tem sido usada para caracterizar tudo, das
hierarquias políticas e econômicas mais evidentes à produção de
um discurso cultural específico sobre o que é chamado de Terceiro
Mundo” (MOHANDY, 2020, p. 9).
A esse respeito Catherine Walsh (2001) aposta na
interculturalidade como alternativa de projeto social, político e
educacional de construção epistemológica e inclusão dos
conhecimentos que foram subalternizados, numa relação crítica,
descolonizadora e mais igualitária.
Para Walsh (2001) no campo educacional essa perspectiva não
restringe a interculturalidade à mera inclusão de novos temas nos
currículos ou nas metodologias pedagógicas, mas se situa na
perspectiva da transformação estrutural e sócio-histórica.
Em consonância com essa perspectiva, Walsh (2013) aponta a
necessidade da articulação entre o pedagógico e o movimento
prático decolonial como alternativa de ação para a mudança social
e reconstrução da humanidade.
A despeito do elo entre o pedagógico e o decolonial Walsh
(2013) afirma que não são pensados no sentido instrumentalista de
ensino e transmissão do conhecimento, nem estão limitados ao
campo da educação ou espaços escolares. Em vez disso, a
pedagogia é entendida como uma metodologia indispensável
dentro e para as lutas sociais, político, ontológico e epistêmico da
libertação.

METODOLOGIA

Em sentido metodológico, considera-se que este artigo é


bibliográfico, de caráter descritivo, desenvolvido numa perspectiva
metodológica de Estado da Arte, com abordagem qualitativa. Uma
das questões centrais nesta investigação foi identificar: O que se

161
tem produzido no Brasil sobre racismo epistêmico na formação
inicial de professores na perspectiva decolonial?
De acordo com Magalhães e Real (2018, p. 468): “as pesquisas
do tipo “estado da arte” ou “estado do conhecimento” têm
aumentado no Brasil, estando presentes na produção científica de
várias áreas do conhecimento, particularmente da educação.
Através do estado da arte ou do conhecimento buscamos
recolher produções científicas existentes para auxiliar na leitura e
na compreensão do objeto a ser estudado. Desse modo,
pretendemos nos aprofundar e problematizar a nossa temática. Em
seguida, trazer para a superfície possíveis lacunas e contribuições
para o campo educacional científico.
Para a realização deste estudo, organizamos um percurso
metodológico, com seis etapas, a saber:
1ª Etapa: revisão de literatura sobre decolonialidade, racismo
epistêmico e formação inicial docente;
2ª Etapa: definição dos descritores, em seus títulos:
“decolonialidade” “decolonial”, “racismo epistêmico”, “formação
inicial de professores”, “decolonialidade e formação inicial de
professores”, “formação inicial de professores e racismo
epistêmico”;
3ª Etapa: Levantamento das fontes e coleta de dados nos
repositórios da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD), contemplando teses e dissertações;
4ª Etapa: Leitura das produções localizadas, em que se
considerou como variáveis: os títulos, os resumos e as palavras-
chaves;
5ª Etapa: Seleção e leitura na íntegra dos trabalhos que
atendiam aos nossos critérios de objeto da investigação;
6ª Etapa: Descrição e análise dos resultados encontrados.
Desse modo, foi realizado o levantamento no repositório da
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), na
qual buscamos dissertações e teses que contivessem no bojo da
discussão o racismo epistêmico na formação inicial de professores
a luz da epistemologia decolonial. Desse modo, para a catalogação

162
e sistematização dos trabalhos selecionados na BDTD, utilizamos
os seguintes descritores, em seus títulos:
•Palavras chaves: “decolonialidade”, “racismo epistêmico”,
“formação inicial de professores”, “decolonialidade e formação
inicial de professores”, “formação inicial de professores e racismo
epistêmico”;
•Ano de Publicação: 2010 a 2022
•Áreas de conhecimento: Educação
Ressaltamos que durante a seleção e uso dos descritores já
mencionados, identificamos que a epistemologia decolonial nas
pesquisas do Brasil juntavam-se às diversas abordagens no campo
da educação, como exemplo: as questões étnicas/ raciais, de
gêneros e culturais.
Nesse contexto, durante a garimpagem de textos,
identificamos que alguns pesquisadores utilizaram termos
similares da perspectiva decolonial, tais como: decolonialidade,
descolonial, decolonizar. Em face disso, foi preciso garimpar os
descritores na busca, o que resultou na ampliação de alguns
conceitos.
Para a seleção do período de publicação dos trabalhos,
focamos no espaço temporal entre os anos 2010 e 2022, por
considerarmos um marco-temporal importante, tendo em vista que
as bases históricas dos estudos decoloniais não são tão recentes, e
se encontram desde “a Conferência de Bandung de 1955”
(MIGNOLO, 2017, p. 14).
A seleção da área de concentração em “educação” se deu em
virtude do estudo estar inserido na área das licenciaturas, ou seja,
na formação inicial de professores. A seleção dos referidos textos
transcorreu de forma gradual, culminando na discussão dos
trabalhos e na produção de um Estado da Arte, sintetizado na
Tabela 1, apresentado na próxima seção.

163
O ESTADO DA ARTE SOBRE RACISMO EPISTÊMICO NA
FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORAS E PROFESSORES

Os resultados aqui apresentados tratam, principalmente, da


identificação e mapeamento de produções científicas existentes
sobre racismo epistêmico na formação inicial de professores. Desse
modo, o estudo foi desenvolvido em seis momentos, como descrito
na metodologia.
Na etapa de levantamento das fontes e coleta de dados nos
repositórios da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD), buscamos trabalhos que analisassem a formação inicial
docente, com foco nos conhecimentos necessários para a
construção de uma educação antirracista.
Após a leitura dos títulos e resumos das dissertações e teses
disponibilizados no BDTD, catalogamos o material e chegamos ao
primeiro resultado, levando em conta a área de concentração
“educação”, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 – Mapeamento de Dissertações e Teses na BDTD (2010-2022)

Descritores Trabalhos Dissertações Teses


encontrados
Formação inicial de professores 75 47 28
Formação de professores e 9 6 3
decolonialidade
Decolonialidade 14 8 6
Racismo epistêmico 0 0 0
Formação inicial de professores e 0 0 0
racismo epistêmico
Fonte: Elaborado pela autora.

Quanto aos resultados da Tabela 1, pudemos identificar uma


incidência maior de publicações sobre “formação inicial de
professores” (75). Ou seja, o Estado da Arte realizado permite
afirmar que as discussões sobre os aspectos que compõem a
formação de professores têm tido atenção especial no meio

164
acadêmico, tema que acreditamos ser de extrema importância
quando pensamos na melhoria da qualidade do ensino.
Já no descritor ‘Formação de professores e “decolonialidade”
e “decolonialidade” percebemos que representa uma temática,
ainda, incipiente nas produções científicas, embora o debate
decolonial em educação esteja ganhando força a partir de esforços
de grupos de pesquisa, movimentos e coletivos engajados com a
problemática das relações entre educação e o compromisso
decolonial.
Nesse contexto, reiteramos, a produção do grupo
“Modernidade/ Colonialidade”, formado por intelectuais de
diferentes nacionalidades da América Latina.

As figuras centrais desse grupo são: o filósofo argentino Enrique Dussel, o


sociólogo peruano Aníbal Quijano, o semiólogo e teórico cultural argentino-
norte-americano Walter Mignolo, o sociólogo porto-riquenho Ramón
Grosfoguel, a linguista norte-americana radicada no Equador Catherine
Walsh, o filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado Torres, o antropólogo
colombiano Arturo Escobar, entre outros. Cabe ressaltar que esse grupo
mantém diálogos e atividades acadêmicas conjuntas com o sociólogo norte-
americano Immanuel Wallerstein” (CANDAU; OLIVEIRA, 2010, p. 17).

Vale destacar que umas das questões centrais dos trabalhos


realizados por este grupo foi questionar o legado do colonialismo
que continuou existindo mesmo depois do fim da colonização e da
independência econômica e política de muitos países.
Mais especificamente, o grupo promove uma crítica
propositiva ao eurocentrismo e ao cientificismo que deu origem a
colonização no âmbito do saber, do poder e do ser na sociedade
moderna.
Pode se afirmar que a questão da decolonialidade surgiu como
um “um projeto acadêmico que está inscrito nos mais de 500 anos
de luta das populações africanas” (COSTA; TORRES;
GROSFOGUEL, 2020, p. 10).

165
Como observado na Tabela 1, é possível perceber outra lacuna
quando se trata de estudos que visam a investigar a “Formação
inicial de professores e Racismo epistêmico”.
Desse modo, apesar de o racismo ser um tema central para
pensar a realidade social e educacional em nosso país, não
encontramos no descritor ‘racismo epistêmico’ no filtro de busca
‘todos os campos’ pesquisas de teses ou dissertações relacionados
a essa temática.
Portanto, quando observamos essa lacuna de produções
acadêmicas do nosso objeto de investigação, percebemos que as
temáticas que fazem interlocução com os estudos decoloniais estão
pouco privilegiadas hoje na educação. Essa realidade afeta a vida
acadêmica de várias formas, pois relaciona-se a leitura que se faz
da história que dividiu o mundo entre colonizadores e colonizados.
Para Segato (2021, p. 319), a crença na superioridade das ideias
dos europeus foi central na organização dos saberes e
conhecimentos nas universidades, “na distribuição racista do
prestígio acadêmico”. Segato (2021, p. 324) acrescenta que temos
uma história na qual fomos todos e todas racializado(as), em face
disso, o tema racismo acadêmico “afeta a universidade no mercado
global de ideias, determinando uma divisão mundial do trabalho
intelectual”.
Em consequência disso, perguntamo-nos: em que consiste esse
resultado inexpressivo de produções cientificas sobre o racismo
acadêmico? Por que essa temática não tem conseguido ocupar um
espaço de discussão nas pesquisas acadêmicas?
Dentro desse contexto, sobre a ausência de pesquisas sobre
este tema, retomamos Segato (2021, p. 319) por apontar que as
questões de ordem racial eram somente debatidas nas “fileiras do
movimento negro”.
Assim, mesmo que as universidades estejam lutando por uma
outra perspectiva de educação mais democrática, e existam ações
afirmativas de inclusão racial, a universidade ainda importa
ideologias eurocêntricas. E, fatores como a discriminação, o
conservadorismo, a resistência no meio acadêmico em termos

166
raciais coexistem com os discursos e narrativas sobre
representatividade e o direito à educação das pessoas que se
encontram historicamente em desvantagem ou excluídos.
Contudo, diante do montante apresentado na Tabela 1,
selecionamos apenas trabalhos localizados no descritor “Formação
de professores e decolonialidade” (9), pois não fugiam do nosso
interesse de investigação, isto é, a formação inicial de professores
na perspectiva decolonial.
A sistematização dos trabalhos selecionados está elencada no
Quadro 01.

Quadro 01 – Trabalhos catalogados na BDTD que investigam formação de


professores na perspectiva decolonial (2010 a 2022)
TRABALHO CORPUS ANALISADO

1.Dissertação: Cerqueira, J. N. Sarau literário na Pedagogia dos Saraus na


escola numa perspectiva decolonial / Jacqueline perspectiva decolonial
Nogueira Cerqueira, - 2020.
2.Dissertação: Souza, F. S. Trajetórias formativas Contação de histórias,
e histórias: aprendizagens que vovó cici deixou Pedagogia Decolonial e
cair no meu ouvido/ Fernanda Sanjuan de Souza. Formação docente
– 2018.
3.Dissertação: Silva, A. N. A Formação Docente Currículo, Formação
para a Educação Básica nas Licenciaturas em Docente, Relações Étnico-
Letras Vernáculas e em Desenho e Plástica na raciais,
UFBA: o currículo na perspectiva das relações
etnicorraciais / Aldelice Nascimento Silva. –
2015.
4.Tese: Silva Jr. I. M. O pensamento decolonial Formação de professores,
na Biogeografia e suas contribuições na decolonialidade e
formação docente/, Ivan de Matos Silva Jr. – Biogeografia
2020.
5.Tese: Miranda, E. O. Trocas de peles no Atiba- Educação Decolonial,
Geo: proposições decoloniais e afro-brasileiras Valores Civilizatórios
na invenção do corpo-território docente/ Afro-Brasileiros;
Eduardo Oliveira Miranda. – 2019. Corpoterritório.
6.Tese: Vargas, M. M. Concepciones de los Descolonização,
profesores en formación inicial sobre la interculturalidade crítica,
clasificación de los seres vivos desde una sistemas de classificação
perspectiva decolonial: el caso de la licenciatura de seres vivos, concepções

167
en biología de la universidad distrital francisco dos professores, formação
josé de caldas y la universidad pedagógica inicial de professores
nacional (bogotá – colombia) / Maritza Mateus
Vargas. – 2021.
Fonte: Elaborado pela autora.

Percebemos nas pesquisas elencadas uma preocupação sobre


a formação de professores, o qual tem sido marcada por contextos
e discursos coloniais da cultura eurocêntrica, e que resultam na
supressão de saberes e conhecimentos de diferentes grupos,
considerados sem prestígio. Por isso, as pesquisas ressaltaram a
importância de se compreender e problematizar a realidade das
instituições de ensino no contexto da formação docente.
Nessa perspectiva, as dissertações e teses mapeadas apontaram
alguns aspectos em comum sobre o tema nas suas investigações, tais
como: relações étnicas/raciais, necessidade de formação de
professores na perspectiva decolonial, crítica as epistemologias
modernas, percepções de alunos e professores sobre as representações
racistas e excludentes presente no currículo escolar.
As pesquisas também buscaram compreender os processos de
formação inicial tangenciados pela discussão sobre a diversidade
étnico-racial na perspectiva decolonial. Além disso, questionaram
sobre o lugar que estão ocupando o conhecimento, a cultura e a
língua dos diferentes grupos que foram hierarquizados
racialmente, além dos conteúdos que estão sendo privilegiados nas
instituições de ensino.
Diante dessas considerações, acreditamos que as tendências
atuais na formação de (futuros) professores consideram a
epistemologia decolonial como conteúdo importante para a
construção identitária formativa docente, mas tal tendência ainda
precisa ser difundida e compreendida pela academia para ocupar
um eixo central nos currículos dos cursos de licenciatura.

168
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Candau (2010, p. 23) afirma que as grandes verdades globais


foram criadas pela modernidade europeia que “afirmou suas
teorias, seus conhecimentos e seus paradigmas como verdades
universais, que invisibilizou e silenciou os sujeitos que produzem
conhecimentos outros".
Este cenário ainda se faz presente no contexto brasileiro de
forma naturalizada e hierarquizada na sua estrutura social. Por
isso, os estudos decoloniais precisam fazer parte da formação
inicial de professoras e professoras, o qual ainda se mantém
distante ou neutra em relação as problemáticas resultantes do
eurocentrismo moderno colonial.
Nesse entendimento, quando assumimos o pensamento
decolonial queremos tornar visíveis outras formas de pensar a
formação docente e de reconstrução curricular distante da lógica
eurocêntrica dominante. Desse modo, os estudos decoloniais
consiste em uma outra opção epistemológica para se analisar no
campo educacional as questões sobre formação inicial de
professores.
É possível afirmar, que nos resultados desta investigação sobre
a epistemologia decolonial começam a tomar corpo no cenário
acadêmico. No entanto, ressaltamos que ao investigarmos estudos
decoloniais na formação inicial de professores os resultados
aparecem de forma mais escasso ou inexpressivo. Chamou-nos
bastante atenção o fato de não termos encontrado pesquisas no
descritor “Formação inicial de professores e racismo acadêmico”.
Assim, foi possível perceber a importância e urgência dos
estudos decoloniais voltados à educação e sua urgência para
descolonizar os saberes e práticas formativas educacionais.
Contudo, esperamos que o presente resultado sirva de
reflexão e de intensificação para que as pesquisas sobre formação
inicial de professores na perspectiva do racismo acadêmico sejam
multiplicadas e promovam a articulação entre a universidade e a
sociedade. Que sirva de propagação e criação de espaços de

169
debates, sobretudo, de visibilidade, voz e vez a todos os que estão
“fora” do padrão impositivo acadêmico, político, social e
educacional eurocêntrico.

REFERÊNCIAS

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– São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2021.
BENTO, Cida. O pacto da branquitude / Cida Bento. – 1ª ed. – São
Paulo: Companhia das letras, 2022.
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para uma refundação étnica, racial e epistêmica das universidades
brasileiras. In: MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL,
Ramón; COSTA, Bernardino (Org.). Decolonialidade e pensamento
afrodiaspórico / organizadores Joaze Bernardino - Costa, Nelson
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CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América
Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7
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DUSSEL, Enrique. Transmodernidade e interculturalidade:
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e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 49-71, 2016.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Ed. Da
UFBA, 2008.
LUGONES, Maria. “Colonialidad y Género: Hacia um feminismo
descolonial”, in Walter Mignolo (org.), Género y decolonialidad.
Buenos Aires: Del Signo, 2008, p. 45-66.
MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser:
contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-
GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.) El giro decolonial.
Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo
global. Bogotá: Universidad Javeriana-Instituto Pensar,

170
Universidad Central-IESCO, Siglo del Hombre Editores, 2007. p.
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MAGALHÃES, Ana Maria Silva; REAL, Gisele Cristina Martins.
A produção científica sobre a expansão da educação superior e seus
desdobramentos a partir do Programa Reuni: tendências e lacunas.
Avaliação, Campinas; Sorocaba, v. 23, n. 02, p. 467-489, jul. 2018.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/aval/v23n2/1982-5765-
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MIGNOLO, Walter. Desobediência epistêmica: a opção
descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de
Letras da UFF, Dossiê: Literatura, Língua e Identidade, Niterói, n. 34,
p. 287-324, 2008.
MOHANTY, Chandra Talpade. Sob olhos ocidentais: Estudos
Feministas e discursos coloniais. In: MOHANTY, Chandra
Talpade. Sob olhos ocidentais. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2020.
Cap. 1. P. 7 – 61.
NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo. Brasília/ Rio de Janeiro:
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QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y modernidad-racionalidad. Perú
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SANTOS, Boaventura Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.).
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SEGATO, Rita. Crítica da colonialidade em oito ensaios: e uma
antropologia por demanda / Rita Segato; tradução Danielli Jatobá,
Danú Gontijo. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2021.
WALSH, Catherine. Interculturalidad, plurinacionalidad y
decolonialidad: las insurgencias político y epistémicas de refundar
el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, jul./dic. 2008.

171
172
DECOLONIALIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL: reflexões para uma formação
continuada docente

Poliane de Lima Vaz da Costa


Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio
Antonio Alves Ferreira

INTRODUÇÃO

A intenção deste estudo é explicitar a importância da


Decolonialidade nas relações étnico-raciais na Educação Infantil, e
suas reflexões para a formação continuada docente, tendo a
pedagogia decolonial como estratégia de enfrentamento ao racismo
vivenciado e presenciado não somente nas escolas, mas também na
sociedade como um todo. Tratar a Educação para as Relações
Étnico-Raciais (ERER) nas unidades de ensino de nosso país não é
tarefa fácil, visto que ainda convivemos com currículos, livros
didáticos e formações ou capacitações assinalados pelo
eurocentrismo.
Diante disso, surge no meio acadêmico e nos movimentos
sociais a decolonialidade, o movimento de contrariedade,
contestação, questionamento, superação e, principalmente,
emancipação desta secularidade de dominação econômica, cultural,
política e ideológica. É uma proposta de desconstrução dos
pensamentos e ideias implantados e difundidos pela lógica
eurocêntrica de dominação dos povos colonizados, ou seja, é a
construção de uma nova forma de pensar e produzir novas
identidades culturais e sociais. Como trabalhado por Ballestrin
(2013), há um movimento global de “girar” a colonialidade em seu
sentido inverso, ou seja, buscando a significação da resistência,

173
prática e teórica, em relação à colonialidade, chamado de “giro
decolonial”:

Giro decolonial” é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-


Torres em 2005 e que basicamente significa o movimento de resistência teórico
e prático, político e epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade. A
decolonialidade aparece, portanto, como o terceiro elemento da
modernidade/colonialidade. (BALLESTRIN, 2013, p. 105).

A decolonialidade traz novas possibilidades para o


desvelamento contextual, sobretudo, deve ser a medida de análise
para o fomento de novas visões de mundo. Por conseguinte, a
escola deve procurar sentidos e refletir sobre seus métodos,
saberes, fazeres pedagógicos, como um compromisso com a
descolonialidade, reconhecendo os seus limites e potencial crítico
para implementar uma educação antirracista e decolonial, para
assim, permitir uma inclusão plena da Educação das Relações
Étnico-Raciais na formação escolar.
É nessa perspectiva que a disciplina Educação para
Diversidade, do curso de Mestrado em Educação, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGE da
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) contribuiu de
forma positiva para a (re) significar ideias que saíram do senso
comum para estabelecer conceitos mais sólidos acerca da temática
da ERER. Entre outras contribuições, proporcionou a
compreensão da importância do respeito às diferenças, sejam elas
racial e/ou de gênero. Corroboraram para isso, os debates em
torno da temática ocorridos durante a disciplina, assim como a
leitura de livros, dissertações e artigos, todos de suma
importância para a produção do presente artigo.
Nesse sentido, o presente estudo justifica-se em razão das
inquietações da primeira autora ao apresentar um trabalho, cujo
tema tratava da Educação para as Relações Étnico-Raciais na
Educação Infantil. O estudo apresentado despertou reflexões sobre
a importância de evidenciar a temática com mais frequência dentro
do cotidiano escolar. Ressalte-se, inclusive, que durante a atuação

174
da autora como professora e supervisora da Educação Infantil, esta
temática era trabalhada esporadicamente no decorrer do ano letivo,
especificamente, nas datas comemorativas, apenas para cumprir
calendário.
Além disso, a ausência da temática nas formações continuadas
tornava o assunto mais distante da rotina escolar das crianças na
Educação Infantil, o que dificulta a construção de uma cultura
antirracista, construída em espaço adequado que é a escola.
Ademais, no processo de transformação das relações étnico-raciais,
a educação é dada como um dos principais ativos e mecanismos de
transformação de um povo, constituindo-se papel da escola o
estímulo à formação de valores, hábitos e comportamentos que, de
forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano
na sua integralidade, respeitem as diferenças e as características
próprias de grupos e minorias. Assim, a educação é essencial no
processo de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para a
ampliação da cidadania de um povo (BRASIL, 2004).

A proposta decolonial visa à libertação dos grupos sociais historicamente


dominados pelo eurocentrismo, criando condições para que sejam
valorizadas as diversas formas de conhecimento produzidas por esses
povos, que foram inferiorizadas pelos instrumentos da colonialidade. Dessa
forma, a perspectiva decolonial fornece novos horizontes utópicos e radicais
para o pensamento da libertação humana, dialogando com a produção de
conhecimento (BALLESTRIN, 2013, p.110).

Partindo dessa perspectiva é evidente a necessidade e


importância de descolonizar a educação infantil a fim de garantir
aos sujeitos que acessam o espaço escolar possibilidades de
positivarem suas existências e potencializar suas identidades
enquanto seres humanos integrantes da história e produtores de
conhecimento. Franz Fanon (1968), ao tratar dessa temática é
assertivo e corrobora a perspectiva de que a descolonização produz
algo novo e diferente daquilo que já está historicamente pautado.

A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o ser, modifica


fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de

175
inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso
pela roda viva da história. Introduz no ser um ritmo próprio, transmitido por
homens novos, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A
descolonização é, em verdade, criação de homens novos (FANON, 1968, p.26).

A experiência vivenciada pela autora no trabalho com a


educação, entretanto, tem se mostrado diferente, à medida que esse
trabalho não se constitui uma prática regular, para além de datas
alusivas as relações étnico-raciais. Mediante isso, a questão central
e problema deste estudo é: Como a decolonialidade e as relações
étnico-raciais podem ser pensadas enquanto epistemologias e
práticas na formação continuada e como estas podem contribuir
para o trabalho no cotidiano da Educação Infantil?
Em resposta a esse questionamento, o objetivo do estudo foi:
analisar como a decolonialidade e as relações étnico-raciais podem
ser pensadas enquanto epistemologias e práticas pedagógicas
necessárias, no contexto atual das sociedades brasileira, na
formação continuada e como esta pode contribuir para o trabalho
no cotidiano da Educação Infantil.
A metodologia do estudo teve fins exploratórios com
abordagem qualitativa. Como métodos de procedimento, recorreu-
se às pesquisas documental e bibliográfica, nas quais foram
levantados documentos e estudos com resultados já comprovados,
produzidos por autores e autoras já reconhecidos que constituíram
subsídios à investigação. As buscas para a formação das bases de
dados foram feitas a partir da plataforma geral do Google
Acadêmico, que conduziu ao SciELO e repositórios de
universidades. Para analisar os dados, foi utilizada a análise de
conteúdo, proposta por Bardin (2006).
Ressalte-se que este estudo possui relevância, considerando-se
que o Brasil é um país com multiplicidade étnico-racial, com
frequentes casos de intolerância, racismo e negação de direitos à
população preta e parda, o que requer, não só debates sobre essas
relações na sociedade, como a produção científica de desvelamento
dos mecanismos da manutenção das diferenças e do acesso aos

176
direitos a essas populações. Neste sentido, o estudo pretende
contribuir para ampliar a reflexão a respeito deste tema e para a
construção de uma escola que valorize a diversidade.

DISCUTINDO UMA PEDAGOGIA DECOLONIAL NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

Uma das primeiras definições sobre a Pedagogia Decolonial


surgiu com a pedagoga estadunidense Catherine Walsh (2009), que
a entende como “um conjunto de Pedagogias que trabalham a
ancestralidade, a identidade, os conhecimentos, as práticas e as
civilizações excluídas do pensamento único europeu” (p. 28). A
aplicação da Pedagogia Decolonial é concretizada através de suas
práticas que, segundo as palavras de sua criadora, Catherine
Walsh, podem ser entendidas como: “práticas que abrem caminhos
e condições radicalmente ‘outras’ de pensamento, re e in-
surgimento, levantamento e edificação, práticas entendidas
pedagogicamente – práticas como pedagogias – que”, continua,
“por sua vez fazem questionar e desafiar a razão única da
modernidade ocidental e o poder colonial ainda presente,
desligando-se deles”. (WALSH, 2009, p. 28)
Para educar crianças numa perspectiva descolonizadora é
preciso ir além do que as pedagogias fizeram até hoje. Necessita-se
de novas possibilidades de

[...] pensar outras e novas formas de socialização para a produção de novas


crianças e outras infâncias, no sentido de pensar outra forma de educação
com crianças pequenas que podem ser informadas a partir de uma sociologia
da infância que aborde aspectos de nossa realidade social, cultural,
econômica e, sobretudo, racial (ABRAMOWICZ, OLIVEIRA, 2012, p. 62).

Assim, pensar a Educação Infantil com os estudos decoloniais


contribui para o desenvolvimento de condições materiais e
ideológicas de superação do padrão de poder da colonialidade, bem
como, para a reinvenção de outras formas de pensar, saber e fazer:
“ressignificando os saberes, criando novos arcabouços teóricos que

177
visem à produção de outro modelo de ciência, conhecimento e
educação” (SANTOS, SANTIAGO e FARIA, 2016, p. 123).
Nessa perspectiva, a colonialidade funciona como uma base
para o estabelecimento do poder, do capital e do eurocentrismo,
erguendo práticas sociais comuns para o mundo em uma esfera
intersubjetiva central de orientação valorativa. Homem, adulto,
heteronormativo, branco, europeu e cristão foi, dessa forma,
reconhecido como auge de um processo, do novo e daquilo de mais
avançado (QUIJANO, 2005b).

[...] a pedagogia decolonial refere-se às teorias-práticas de formação humana


que capacitam os grupos subalternos para a luta contra a lógica opressiva da
modernidade/colonialidade, tendo como horizonte a formação de um ser
humano e de uma sociedade livres, amorosos, justos e solidários (MOTA
NETO, 2016, p. 318).

Esta proposta de uma pedagogia decolonial procura sugerir


um processo de construção identitária que abranja diversas
dimensões da existência humana na promoção de uma ruptura
com o que Catherine Walsh chama de “razão única”, isto é, o
pensamento hegemônico eurocêntrico.

Pedagogias que animam o pensar desde e com genealogias, racionalidades,


conhecimentos, práticas e sistemas civilizatórios e de vida distintos.
Pedagogias que incitam possibilidades de estar, ser, sentir, existir, fazer,
pensar, olhar escutar e saber de ‘outro modo’, pedagogias que encaminham
para projetos, processos de caráter horizontal e com intenção decolonial.
(Walsh, 2009, p. 28)

Uma pedagogia decolonial para a educação infantil parte do


necessário desvelamento das diversas colonialidade da vida, do
combate às práticas excludentes, discriminatórias. Baseia-se no
estabelecimento de diálogos bem como na busca por reconhecer a
diversidade como representatividade do humano, reconhecendo-
os como sujeito históricos, de lutas, resistências, de proposição
diante da vida. Em decorrência disso, tenciona política, pedagógica

178
e epistemologicamente os debates e as práticas vividas nas
instituições de educação infantil.
Nesse sentido, concordamos com Silva e Dias (2018, p. 122)
quando, refletindo a respeito da Educação Infantil, apontam:

Logo, para entrar em sintonia com esse tempo, faz-se necessário que os/as
educadores/as reconheçam as diferenças e sua transformação em
desigualdades, compreendendo os processos históricos, sociais, culturais,
políticos e econômicos que as geraram, além de serem capazes de propor
ações que se posicionem e que incidam contra toda e qualquer forma de
discriminação.

Mota Neto (2016, apud DIAS e ABREU, 2021, p. 142), contribui


com algumas indicações práticas para se pensar pedagogias
decoloniais, sem, obviamente, esgotar o assunto. Esses são alguns
indicativos para práticas pedagógicas em perspectiva decolonial,
apontados por Mota Neto (2016), que se baseiam nos legados de
Paulo Freire e de Orlando Fals Borda, desde os marcos da educação
popular latino americana. São elas:

1. Pedagogias que requer educadores subversivos: Educadores e educadores


decoloniais não podem apenas reproduzir o modus vivendi do paradigma
moderno-colonial, por mais aparentemente que isso pareça. Pelo contrário,
educadoras e educadores devem ter consciência e práxis subversiva no
sentido de lutar e atuar em vista de uma sociedade outra, de modo a
contribuir com a conscientização dos sujeitos do processo educativo em
questão, combinando, em sua inteireza, visão de mundo e práxis
2. Pedagogias que partem de uma hipótese de contexto: É fazer com que a
prática educativa esteja diretamente ligada às realidades de vida do grupo
em questão, sem desconsiderar questões micro ou macro sociais. Indicativo
pedagógico que pressupõe o estabelecimento da alteridade com o saber local
de modo geral, a favorecer o diálogo de saberes e a síntese cultural, dando
visibilidade a quem antes era invisibilizado.
3. Pedagogias que valorizam as memórias coletivas dos movimentos de
resistência: trata-se da valorização das memórias coletivas, que apesar da
violência da colonialidade/modernidade, são base de conhecimentos e
estratégias de sobrevivência e enfrentamento decolonial.
4. Pedagogia em busca de outras coordenadas epistemológicas: trata-se de
pensar e agir desde uma educação que parta de outros referenciais para além

179
do moderno-colonial, sem evidentemente, deixar de lado – de modo
fundamentalista – positividades da produção cultural do norte global.
5. Pedagogias que se afirmam como utopia política: nesse sentido,
educadoras e educadores têm a direção da luta, da proposição, e não apenas
da crítica e da denúncia, deixando claro a politicidade da educação e a
educabilidade da política, tendo em vista um mundo solidário, democrático
e participativo.

Dessa forma, a pedagogia decolonial não é pensada em um


sentido instrumental do ensino e da transmissão do conhecimento.
Também não está limitada ao campo da Educação em espaços
escolarizados. Mas “como disse uma vez Paulo Freire, a Pedagogia
se entende como metodologia imprescindível dentro de e para as
lutas sociais, políticas, ontológicas e epistêmicas de libertação”
(WALSH, 2009, p. 29).

APROXIMAÇÕES ENTRE A DECOLONIALIDADE E A ERER


(EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS)

Antes de adentrar nas discussões acerca da Decolonialidade e


a Educação para as Relações Étnico Raciais, inicialmente, é
importante compreender, o conceito de colonialidade e seus
desdobramentos para a formação racializada do Brasil e da
América Latina.
Compreende-se que a colonialidade atua sobre diversas
dimensões do colonizado, por isso, Quijano (2005) e autores como
Mignolo (2005) e Walsh (2008) apresentam-na a partir de quatro
eixos: colonialidade do poder, do saber, do ser e da natureza. Esses
eixos possuem sentidos sociais, culturais, epistêmicos, existenciais
e políticos. Eles atuam de maneira a afirmar e a celebrar os sucessos
epistêmicos europeus, ao passo que silenciam, negam e rejeitam
outras formas de racionalidade e de história.
A decolonialidade surge como uma proposta de pensamento
que visa problematizar e descortinar a colonialidade presente nas
estruturas políticas, sociais, ideológicas, epistemológicas, culturais
e econômicas das ex-colônias, intencionando a sua emancipação

180
das garras opressivas da herança colonizadora. Para isso, é preciso
valorizar o pensamento e as epistemes locais e regionais,
enfatizando as experiências e sociabilidades próprias destas
regiões e de seus habitantes. (REIS; ANDRADE, 2018).
A decolonialidade pode ser pensada como um projeto global
para intervenção, oposição e superação da colonialidade e da
modernidade, uma vez que ambas fazem parte dos desígnios
imperialistas que universalizam a epistemologia eurocêntrica com
o paradigma científico da modernidade vigente nas academias.
Nessa perspectiva, a decolonialidade como epistemologia, é
uma via antirracista para a superação do eurocentrismo, e esse
projeto pode ser abordado no currículo escolar para a construção
de uma epistemologia em que se coloca em prática a enunciação
discursiva local do negro como sujeitos formativos, elaboradores e
participantes de suas próprias histórias (BERNARDINO E
GROSFOGUEL, 2016).

A decolonialidade: “[...] é o projeto que define e motiva o surgimento de uma


sociedade política global que se desprende tanto da reocidentalização como
da desocidentalização” A decolonialidade não pode ser compreendida e
nem apresentada como universal e nem como uma verdade absoluta de
superação de modelos políticos já existentes, isso não é seu foco. A
decolonialidade é uma opção para se pensar no novo, algo que se desvincula
de todas essas ideias já construídas, em especial, do eurocentrismo
(MIGNOLO, 2017, p. 28).

Para Walsh (2008), a decolonialidade é uma ação que desafia e


procura derrubar as estruturas sociais, políticas e epistemológicas
constituídas na colonialidade. Tal ação representa a relação entre
os conhecimentos hegemônicos e os conhecimentos outros, ponte
para a construção da Interculturalidade.

O conceito de interculturalidade é central à (re)construção de um


pensamento crítico-outro - um pensamento crítico de/desde outro modo -,
precisamente por três razões principais: primeiro porque está vivido e
pensado desde a experiência vivida da colonialidade [...]; segundo, porque
reflete um pensamento não baseado nos legados eurocêntricos ou da

181
modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul, dando assim
uma volta à geopolítica dominante do conhecimento que tem tido seu centro
no norte global. (WALSH, 2008, p. 25).

Em vista disso, para combater o sistema educacional


homogeneizante e promover uma educação de caráter
emancipatório para os grupos subalternos, Candau, (2016) destaca
que é necessário pensar numa pedagogia decolonial, a qual desvele
o caráter colonial da sociedade e da cultura dominante, além de
permitir que os indivíduos oprimidos façam parte da construção
da estrutura educacional, incluindo na elaboração do currículo.
A educação decolonial parte do princípio de valorização das
diferenças e diversidades de culturas e pensamentos, colocando a
pluralidade como o centro e o norte das discussões pedagógicas.
Ademais, outro aspecto importante de decolonialidade no contexto
educacional é o diálogo com os movimentos sociais e suas
reivindicações, e a presença dos saberes subalternos enquanto
conhecimentos valiosos é tão importante quanto os conhecimentos
de base europeia. Portanto, é fundamental o reconhecimento e a
produção de saberes locais e regionais que dialoguem e confrontem
as visões de mundo colonizadoras (CANDAU, 2016).
Nesse contexto, acontecem debates em torno da Lei 10.639/03,
em que se observa algumas semelhanças com as reflexões sobre a
colonialidade do poder, do saber e do ser e a possibilidade de novas
construções teóricas para a emergência da diferença colonial no
Brasil e de uma proposta de interculturalidade crítica e de uma
pedagogia decolonial.
E numa leitura atenta das novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e do parecer
03 do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, de 10 de
março de 2004, identificamos que, entre os objetivos, estão a
garantia do igual direito às histórias e culturas que compõem a
nação brasileira e a afirmação de que os conteúdos propostos
devem conduzir à reeducação das relações étnico-raciais por meio

182
da valorização da história e da cultura dos afrobrasileiros e dos
africanos.“A educação das relações étnico-raciais impõe
aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos,
quebra de desconfianças, projeto conjunto para a construção de
uma sociedade justa, igual, equânime” (BRASIL Parecer do CNE,
2004a, p. 6).
Assim, as noções básicas que fundamentam o texto do CNE
dizem respeito à igualdade entre os sujeitos de direitos e o
reconhecimento dos grupos étnico-raciais. A nova legislação
associa nação democrática com o reconhecimento de uma
sociedade multicultural e pluriétnica, com o objetivo de educar na
pluralidade para a interculturalidade e a valorização das
identidades:

A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e


produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que
eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes
de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam a todos respeito
aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da
democracia brasileira. (Brasil, 2004b, p. 01).

Contudo, o intuito da pedagogia antirracista não é trocar um


currículo eurocêntrico para um focado unicamente na questão
negra e africana. O objetivo é problematizar a relação desigual
entre negros e brancos e, ao mesmo tempo, valorizar a cultura, a
memória e a História negra.
Os pesquisadores mencionados acima denunciam que não
basta o currículo tratar de forma esporádica e superficial temas
importantes ligados às lutas dos grupos marginalizados,
principalmente a História e a cultura afro-brasileira, uma vez que a
questão negra precisa estar presente de modo contextualizado,
problematizado e aprofundado nas escolas de todo o país. Os
autores também destacam que a educação antirracista tem um
compromisso em promover a igualdade entre todos os indivíduos,
combatendo também as desigualdades de classe e gênero. (DIAS;
SILVA; SILVA; ALMEIDA, 2021).

183
Diante disso, a construção de um projeto social voltado à
prática pedagógica decolonizadora para uma educação étnica-
racial é possível. O giro epistêmico (MALDONADO-TORRES,
2007), sendo um movimento de resistência teórico, político e
epistemológico, frente à lógica da modernidade/colonialidade
permite a superação dos padrões hegemônicos vigentes, pois
através deste conceito evidencia-se espaços epistemológicos, antes
invisibilizados pela lógica que opera na modernidade/
colonialidade.
Um projeto social direcionado à prática pedagógica
decolonizadora para uma educação antirracista, é uma forma de
resistência frente à colonialidade do poder, do ser e do saber.
Baseando-se no pensamento de Walsh (2008) é também um
“projeto de existência e de vida”.
Portanto, precisamos reconhecer o racismo em nós, assim a
comunidade como um todo e, por conseguinte, aos educadores,
que também fazem parte dessa comunidade, reeducarão a si
mesmas na finalidade de superar o racismo e construir relações
étnico-raciais outras.

DESAFIOS PARA UMA FORMAÇÃO CONTINUADA


DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL SOB O VIÉS DA
DECOLONIALIDADE E DA ERER

A educação para as relações étnico raciais apresenta-se à frente


da lei, no sentido de que ela é de suma importância para relações
mais positivas na escola, pois é por meio dela que muitos
educadores tentarão nas suas diversas escolas e salas de aulas
minimizar e, se possível, dirimir por completo o racismo, o
preconceito e a discriminação que vitimiza as populações deste
país, principal - mente a negra.
Porém, para muitos educadores e educadoras não é fácil
realizar esta tarefa devido às estruturas de dominação ideológica
presentes na sociedade brasileira e, principalmente, por falta de
conhecimento desses temas em suas formações iniciais. Alguns

184
outros/as ainda defendem que não há nas escolas espaço para este
tipo de debate veiculando este tipo de ensino e debate aos
antropólogos, sociólogos, etc. Gomes (2008) pondera que

Tal argumento demonstra uma total incompreensão sobre a formação


histórica e cultural da sociedade brasileira. E, ainda mais esta informação
traz de maneira implícita a ideia de que não é de competência da escola
discutir temáticas que fazem parte do nosso complexo processo de formação
humana. Monstra também a crença de que a função da escola está reduzida
a transmissão de conhecimentos historicamente acumulados, como se estes
pudessem ser trabalhados de maneira desvinculada da realidade social
brasileira. (GOMES, 2008, p. 142)

Uma via para descolonizar é a partir da formação de


professores voltada para diversidade étnico-racial. Nilma Lino
Gomes (2011) assinala que após a implementação da lei 10639/03 e
de suas respectivas diretrizes curriculares nacionais vem se
configurando em vários estados e municípios cursos de formação
aos professores neste sentido.
No entanto, a autora também sinaliza que a temática ainda não
tem sido relevante nos cursos de graduação, mesmo tendo algumas
iniciativas, a questão étnico-racial ocupa um lugar secundário.
Tomando como base tal enunciado, acreditamos que esse pode ser
um dos motivos de ainda não conseguirmos instituir um currículo
nas escolas básicas que se atente a diversidade étnico-racial e que
aponte para uma educação antirracista.
O sistema educacional reproduz estruturalmente
características hegemônicas na formação pedagógica. De praxe,
aproximadas ao colonial, tendem não somente perpetuar, mas
ampliar desigualdades e exclusões sociais. O que se busca com esse
processo é partir de uma realidade que seja próxima e acessível ao
educando, evitando a imposição de conteúdos programáticos
alheios sem nenhuma relação com a realidade vivenciada pelos
alunos, e por isso, alienante e de árdua compreensão.
Para Freire (2005) o educador que aliena a ignorância, se
mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe,

185
enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. (FREIRE,
2005, p. 67)

O decolonial não é um projeto de estrutura, algo fixo, é um processo


dinâmico que convida à conectividade, luta pela invenção, criação,
intervenção por sentimentos e significados radicalmente distintos. O
decolonial não vem de cima, mas das margens, das comunidades, dos
movimentos, dos coletivos e espaços onde as alianças se constroem e surge
um modo outro que se inventa, cria e constrói. (PIAZZA, 2018, p.142).

É necessário de acordo com Gomes (2011) rompermos através


das lutas, essas barreiras que nos impedem de avançarmos, pois
precisamos compreender que a escola é um espaço
multirreferencial e como tal deve promover múltiplas
aprendizagens, contemplando todos os sujeitos, no caso da escola
pública, majoritariamente negros e afrodescendentes. Por isso,
surge a necessidade de um currículo baseado na educação
antirracista, ensino de história e cultura africana, da diáspora e das
relações étnico-raciais.

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que
desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o
etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a
palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizada
vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são
atribuídas nas escolas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e
políticas. (BRASIL, 2013, p. 88).

Por isso, a formação docente apresenta-se como elemento de


extrema importância para o combate à mentalidade racista e
discriminadora nas escolas públicas. A metodologia que defendemos
exige, por isto mesmo, que no fluxo da investigação, se façam ambos
sujeitos da mesma – os investigadores e os homens do povo que,
aparentemente, seriam seu objeto. (FREIRE, 2005, p. 135).
Concorda-se assim com Walsh (2009) que a “[...]
decolonialidade não é uma teoria a seguir, mas um projeto a

186
assumir”. Enfatizando, portanto, a necessária formação como
resposta a uma sociedade que ainda vive à sombra do preconceito
– de classe, de raça e de gênero. Assim, compartilhamos, com esta
reflexão, a importância da formação continuada e da pedagogia
decolonial. Uma incumbência que, além de ser coletiva, deve ser
discutida como responsabilização política, entendendo-se por
propiciar lógicas historicamente contestadas e oprimidas,
visibilizar e promover o protagonismo dos povos historicamente
submetidos.
A educação para as relações étnico-raciais exige ações
comprometidas com uma sociedade justa e democrática, em que
crianças negras e não negras tenham seus direitos plenamente
garantidos. Sendo assim, a atuação do professor ganha importância
na direção de garantir tais direitos a todas as crianças (DUARTE;
OLIVEIRA, 2011), com as quais convive nas instituições de
Educação.
Cabe ressaltar que a Educação das Relações Étnico-raciais
(ERER) está prevista em todos os níveis de Educação, da Educação
Infantil ao Ensino Superior, por meio da legislação, como o Parecer
03/04 (BRASIL, 2004a); as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro- Brasileira e Africana (2004b), o Artigo 26A da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação brasileira (BRASIL, 1996), a
Resolução n° 5/2009 (BRASIL, 2009), que fixa as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, entre outras leis
de âmbito nacional, estadual e municipal.
A formação continuada docente na Educação Infantil é
necessária para construção de uma pedagogia decolonial,
empenhada na descolonização do saber e do ser, na luta por uma
escola intercultural e antirracista. Neste sentido, seria adequado
pensar em uma nova Educação para as relações étnico-raciais, que
contemple todas as etapas da Educação, inclusive a formação
inicial dos professores. Afinal, os professores não podem ser os
únicos responsabilizados pela ausência da Educação das Relações
Étnico-Raciais (ERER) nas práticas pedagógicas.

187
METODOLOGIA

O estudo foi realizado mediante abordagem qualitativa que,


conforme Esteban (2010), é adequada para estudar os processos
educativos por primar pelo aprofundamento nas análises dos
fenômenos complexos. Ademais, a pesquisa qualitativa trabalha
“[...] com um nível de realidade que não pode ou não deveria ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados,
dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das
atitudes” (MINAYO, 2013, p. 21).
Com relação aos fins, trata-se de um estudo exploratório, cujo
objetivo é desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias,
tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou
hipótese pesquisáveis para estudos posteriores (GIL, 2012). Esta
fase procedeu ao levantamento da literatura sobre o tema.
Na constituição das bases da pesquisa, foram usados como
métodos de procedimento as pesquisas bibliográfica e documental,
que se constituíram fonte de dados na fundamentação teórica da
pesquisa e análise da pesquisa. Na primeira, foi feito o
levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por
meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas
de web sites (FONSECA, 2002) e foram utilizados livros que tratam
de relações étnico-raciais. Os artigos consultados foram
disponibilizados na plataforma digital Google Acadêmico, que
levou a outras bases como SciELO, e repositórios de universidades.
Já a pesquisa documental tomou como base a legislação
educacional, diretrizes e orientações acerca da temática estudada.
Com relação aos procedimentos e análise dos dados, recorreu-
se à análise de conteúdo, baseada em Bardin (2006), caracterizada
como:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens. ... A intenção da análise de conteúdo é a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente, de

188
recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não)
(BARDIN, 2006, p. 38)

Esta concepção de investigação caracteriza-se por três fases: a


primeira conhecida por pré-análise que consiste em uma leitura
geral acerca do que trata cada documento. A segunda constitui a
fase de exploração do material que se define pela “[...] aplicação
sistemática das decisões tomadas [...] e, por último, a terceira fase,
que consiste na interpretação” (BARDIN, 2006, p. 13), que visa
compreender, neste estudo, a discussão da interculturalidade e das
relações étnico-raciais nos textos e documentos analisados.
Como um conjunto de técnicas de análise de comunicações, a
análise de conteúdo, propiciou ultrapassar as incertezas e
enriquecer a leitura. Como afirma Chizzotti (2006, p. 98), “[...] o
objetivo da análise de conteúdo é compreender criticamente o
sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as
significações explícitas ou ocultas”. Dentre as comunicações, os
materiais textuais escritos são os mais tradicionais na análise de
conteúdo, podendo ser manipulados pelo pesquisador na busca
por respostas às questões de pesquisa. Com abordagem
semelhante, Flick (2009, p. 291) afirma que a análise de conteúdo “é
um dos procedimentos clássicos para analisar o material textual,
não importando qual a origem desse material”.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Refletir sobre a formação continuada docente no contexto da


decolonialidade e relações étnico-raciais na educação infantil,
constitui o nosso interesse, visto que nos levou a analisar e
compreender as possibilidades de se educar para uma Educação
Infantil decolonial e emancipatória, caminhos pelos quais
adentramos, compreendendo que “a descolonização é, na verdade,
a produção de espaços para os/as novos/as protagonistas sociais
subalternizados/as pela colonização” (FARIA, et al. 2015, p. 13).

189
A educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos,
mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no
exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver,
pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais. Em
outras palavras, persegue o objetivo precípuo de desencadear
aprendizagens e ensinos em que se efetive participação no espaço público.
Isto é, em que se formem homens e mulheres comprometidos com e na
discussão de questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e
valorizar visões de mundo, experiências históricas, contribuições dos
diferentes povos que têm formado a nação, bem como de negociar
prioridades, coordenando diferentes interesses, propósitos, desejos, além de
propor políticas que contemplem efetivamente a todos. (SILVA, 2011, p.13)

Por isso, a formação docente apresenta-se como elemento de


extrema importância para o combate à mentalidade racista e
discriminadora na Educação Infantil. Concordamos com Gomes
(2011) quando destaca que é indispensável rompermos, essas
barreiras que nos impedem de avançarmos, sendo que a escola é
um espaço multirreferencial e multiculturalismo devendo
proporcionar múltiplas aprendizagens.
Outro ponto importante é quando Gomes (2010) evidencia que
é importante compreender a Lei 10.639/03 como uma lei
emancipatória na qual representa uma importante alteração da
LDB, sendo que seu cumprimento é obrigatório para todas as
escolas e sistemas de ensino. Não é uma lei específica, e sim da
legislação que rege toda a educação nacional. Enquanto os
professores não tiverem essa compreensão estará distante de
promovermos uma educação antirracista e a equidade racial. Por
isso, a formação continuada é uma possibilidade para que saberes
e conhecimentos sobre as relações étnico-raciais estejam presentes
no espaço escolar. Outro mecanismo é a produção de material
didático que contemple as narrativas e experiências do povo negro,
trazendo referenciais positivos.
Chamou a atenção, também, a pedagogia decolonial que se
forja na perspectiva de intervir na reinvenção da sociedade, na
politização da ação pedagógica, propondo desaprender o
aprendido e desafiar as estruturas epistêmicas da colonialidade

190
(WALSH, OLIVEIRA; CANDAU, 2018, p. 6). Fundamental deixar
manifesto que a proposta de uma pedagogia decolonial abarca não
somente a escola, mas também outras instituições de produção do
conhecimento.

Essa pedagogia se opera além dos sistemas educativos (escolas e


universidades), ela convoca os conhecimentos subordinados pela
colonialidade do poder e do saber, dialoga com as experiências críticas e
políticas que se conectam com as ações transformadoras dos movimentos
sociais, é enraizada nas lutas e práxis de povos colonizados e, é pensada com
e a partir das condições dos decolonial colonizados pela modernidade
ocidental. Assim, o pedagógico e o decolonial se constituem enquanto
projeto político a serem construídos nas escolas, nas universidades, nos
movimentos sociais, nas comunidades negras e indígenas, nas ruas etc.
(WALSH; OLIVEIRA; CANDAU, 2018, p. 5).

Dessa forma, recomendamos uma formação continuada que


leve os docentes a criarem condições para a humanização dos
educandos, ao mesmo tempo em que passam pelo processo de
humanização. A importância desse entendimento por parte dos
docentes é evidenciada por Freire (2005, p. 35). É que, se os homens
são estes seres da busca e se sua vocação ontológica é humanizar-
se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a
“educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por
sua libertação. Um educador humanista, revolucionário, não há de
esperar esta possibilidade. Sua ação, identificando-se, desde logo,
com a dos educandos, deve orientar-se no sentido da humanização
de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da
entrega do saber.
E a formação continuada dentro do enfoque da decolonialidade
é um desafio, sendo que o conceito decolonial remete a ir além da
ideia de desconstruir o legado colonial construindo projetos
alternativos. É promover uma mudança de atitude, insurgir, em prol
de novas formas de pensar e agir capazes de assegurar novos
modelos epistêmicos e cognitivos, novas formas de viver que
estejam em consonância com princípios éticos universais.

191
Uma vez ocupando esses espaços de poder/saber e tendo mínima
consciência do que são e como operam (dentro da lógica aqui discutida), é
preciso desenvolver uma atitude de enfrentamento, o que não é tarefa fácil,
pois requer capacidade para transitar por poderes constituídos. Não
obstante, não basta conseguir transitar, é preciso ter atitude,
compreendendo que essa é “uma dimensão fundamental na tarefa de
produzir conhecimento”. A atitude precisa estar direcionada à produção de
uma episteme decolonial, para tanto, é indispensável ter uma atitude
decolonial, isto é, engendrar “projetos insurgentes que resistem, questionam
e buscam mudar padrões coloniais do ser, do saber e do poder”
(MALDONADO-TORRES, 2016, p. 88).

Neste sentido, convém que as ações formativas da ERER para


a Educação Infantil estejam em torno de ações cotidianas que
tenham a pretensão de romper a disseminação do racismo, pois são
elas que constroem as práticas desta etapa.

A educação infantil tem identidade, função própria e deve pautar-se pelo


desenvolvimento e aprendizagens das meninas e meninos pequenos,
considerando-os como sujeitos de direitos e como protagonistas de sua
própria vida e, nesse sentido, proporcionar-lhes uma sociedade não
discriminatória; A atenção à diversidade é um elemento básico para
assegurar a qualidade da educação, pelo que deve ser critério universal no
desenvolvimento das políticas e dos programas de atenção nesse nível
educativo (DIAS, 2015, p. 586-587).

Cabe, aqui, questionar a dificuldade que as Instituições de


Ensino Superior, e cursos de formação inicial de professores,
possuem em (re)adequar seus currículos na direção de inserir
discussões em torno da ERER, para garantir que futuros
profissionais estejam a par, ainda que minimamente, das
discussões em torno das relações étnico-raciais. Nesta direção, seria
possível formar, de maneira mais adequada, os futuros professores,
para que possam intervir de maneira valorativa e respeitosa,
garantindo, assim, maior qualidade na Educação para todas as
crianças, minimizando os efeitos maléficos do racismo.
O cumprimento da legislação, especialmente o Parecer 03/04
(BRASIL, 2004a), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

192
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004b), o Artigo 26A
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira, modificado
pela Lei n°10639/03 e Lei n° 11645/08 (BRASIL, 2008), o parecer
020/2009 (BRASIL, 2009), que determina a Revisão das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009), entre
outras leis de âmbito estadual e municipal, precisam ser instituído
na políticas escolares, garantindo a permanência de oferta de
cursos de formação, de uma pessoa responsável pela ERER na
Educação Infantil dentro das secretarias, a inclusão da Educação
Infantil na comissão da diversidade, a compra de materiais
didático-pedagógicos que propiciem, aos professores, realizar
práticas cada vez mais efetivas nas instituições, sempre pautadas
por reflexões qualificadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo analisar como a


decolonialidade e as relações étnico-raciais podem ser pensadas
enquanto epistemologias e práticas pedagógicas necessárias, no
contexto atual das sociedades brasileira, na formação continuada e
como esta pode contribuir para o trabalho no cotidiano da
Educação Infantil.
Ao propor uma prática pedagógica decolonizadora é, antes de
tudo, um ato de resistência e o início da construção de uma
sociedade democrática. A pedagogia decolonial constitui-se,
também, através de um projeto político emancipatório, sendo
assim, também se configura como prática de resistência que
decolonializa o poder, o ser e o saber. “Decolonialidade é visibilizar
as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das suas
práticas sociais, epistêmicas e políticas” (OLIVEIRA; CANDAU,
2010, p. 25).
Constatamos que pensar a formação docente considerando a
noção de intervenção descolonizadora, implica desenvolver
pesquisas, pedagogias e metodologias que tematizem a

193
diversidade epistemológica como suporte para uma formação que
concorra para a promoção dessa justiça cognitiva. Constitui
perceber a necessidade de conhecer a dimensão epistemológica do
trabalho com a temática das relações étnico-raciais. E a lei 10.639/03
pode ser considerada um exemplo a ser seguido, mas é preciso que
se garanta o funcionamento dessa lei, e que o ensino infantil seja
capaz de colocar em pauta nas salas de aula as consequências das
relações coloniais e a importância do resgate de histórias do
subalternizados no Brasil. Um dos maiores desafios é pensar como
aplicar o projeto decolonial nas salas de aula e nas universidades
de modo que não recaia ainda na exclusão de perspectivas
subalternizadas.
Ao relacionar decoloniadade, formação de professores e a
proposta da educação étnico-racial, é possível apontar que as ações
dos professores podem ser fundamentais para construir uma nova
perspectiva que venha a desconstruir a colonialidade do ser,
através de pedagogias decoloniais, baseadas na educação
antirracista, pois retomar a ligação com o continente africano, é com
certeza abrir novas visões, que não aquela que contemple apenas
uma história única, com vistas também a atender à proposta da lei
10.639/03.
Diante desse quadro, pensar uma abordagem de formação
docente para a educação infantil, a partir do giro decolonial,
ancorado aos estudos de Mignolo (2008), significa estabelecer
outros modos de pensar/fazer a formação docente, em que se atente
à voz do educador, em uma perspectiva dialógica, partindo do
cenário bem conhecido, porém, ainda pouco explorado.

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199
200
PROCESSO DE AUTORRECONHECIMENTO: as implicações
da Lei 10.639/03 nas relações étnico raciais na educação

Raimunda Nonata Paiva Andrade


Lêda Maria de Sousa Rodrigues
Ana Patrícia Sá Martins
Josenildo Campos Brussio

INTRODUÇÃO

A educação em seu processo social tem um papel relevante na


construção social, assim, as relações étnico-raciais, a partir do
contexto educacional, evidenciam avanços significativos no que
tange a abordagem da diversidade em sala de aula. Diante disso, a
implementação da Lei nº 10.639/2003 representa um marco tanto
para o Movimento Negro no Brasil quanto à educação e a
promoção do autorreconhecimento da identidade negra.
As relações étnico-raciais, ainda mais no contexto educacional,
têm seus desafios, segundo Munanga (2004), isso é por se tratar de
um objeto de muitas interpretações e leituras. Muitas foram as
definições atribuídas ao racismo, por exemplo, nem sempre
encontrando consenso. A definição de racismo apresentada por
Munanga demonstra que nas interpretações a respeito do conceito,
este mantém uma estreita relação com o termo raça.
Considerando a abordagem do presente estudo, têm-se como
pergunta norteadora a seguinte questão: Quais as contribuições da
Lei nº 10.639/2003 no processo de autorreconhecimento da
identidade negra em sala de aula? Desse modo, tem como objetivo
geral: compreender as contribuições da Lei nº 10.639/2003 no
processo de autorreconhecimento da identidade negra em sala de
aula. E como objetivos específicos: identificar a relevância da Lei nº
10.639/2003 na prática pedagógica; caracterizar o processo de

201
afirmação da identidade dos alunos e apresentar as estratégias
utilizadas pelos docentes em prol da promoção da identidade
negra em sala de aula.
Segundo Brito, Bootz, Massoni (2018), o princípio da
interatividade dos estudantes com a informação, de modo que estes
possam aprender brincando e compartilhar o conhecimento através
de atividades cooperativas. Busca-se, ao fim e ao cabo, a
descolonização dos currículos. Como salienta Munanga (2004), a
pedagogia antirracista é construída a partir de temas multiculturais
voltados, na educação, para a identidade racial e a diversidade
cultural.
Mignolo (2017) é enfático ao abordar sobre o racismo
moderno/colonial, ou seja, a lógica da racialização que surgiu no
século XVI, tem duas dimensões (ontológica e epistêmica) e um só
propósito: classificar como inferiores e alheias ao domínio do
conhecimento sistemático todas as línguas que não sejam o grego. A
decolonialidade requer desobediência epistêmica, porque o
pensamento fronteiriço é por definição pensar na exterioridade, nos
espaços e tempos que a auto narrativa da modernidade inventou
como seu exterior para legitimar sua própria lógica de colonialidade.
Diante disso, a pesquisa tem como relevância social suas
contribuições a partir da abordagem sobre o autorreconhecimento
da identidade negra em sala de aula, bem como as práticas docentes
utilizadas na promoção da educação nas relações étnico-raciais com
a implementação da Lei nº 10.639/2003. No caráter acadêmico e
pessoal, pode favorecer no processo de construção de identidade
negra no espaço escolar, já que a Lei nº 10.639/2003 potencializa o
respeito à diversidade na construção social dos alunos.
Este estudo se caracteriza como um estudo bibliográfico com
abordagem qualitativa a partir de materiais já publicados. E está
subdividida da seguinte forma: introdução com a apresentação do
estudo; seguindo o referencial teórico sobre o processo de
autorreconhecimento e sobre a Lei nº 10.639/2003 em sala de aula,
finalizando com as considerações finais e as referências.

202
O AUTORRECONHECIMENTO E A IDENTIDADE NEGRA
NA MODERNIDADE

Na sala de aula, o autorreconhecimento a partir da identidade


dos alunos, bem como o respeito à diversidade humana são
imprescindíveis para promover um ensino preocupado com
valores, com a democracia e a formação social, buscando romper
com estereótipos como o racismo e a violência devido às diferenças
étnico-raciais, as quais se refletem nas relações inclusive na escola.
Assim, as práticas pedagógicas podem contribuir para sanar tais
problemáticas que são sociais.
Mignolo (2017, p. 45) traz a abordagem sobre a
“Colonialidade”, segundo ele se equivale a uma “matriz ou padrão
colonial de poder”, o qual ou a qual é um complexo de relações que
se esconde detrás da retórica da modernidade (o relato da salvação,
progresso e felicidade) que justifica a violência da colonialidade. E
descolonialidade é a resposta necessária tanto às falácias e ficções
das promessas de progresso e desenvolvimento que a
modernidade contempla, como à violência da colonialidade. As
três palavras designam esferas de dicção e de ação e são
interdependentes.
Quijano (2009) afirma que em meados do século XIX e apesar
da contínua evolução da mundialização do capitalismo, foi saindo
da perspectiva hegemônica da percepção da totalidade mundial do
poder capitalista e do seu longo tempo de reprodução, mudança e
crise. O lugar do capitalismo mundial foi ocupado pelo Estado-
nação e pelas relações entre Estados-nação, não só como unidade
de análise, mas como único enfoque válido do conhecimento sobre
o capitalismo. Não só no liberalismo, mas também no chamado
materialismo histórico, a mais difundida e a mais eurocêntrica das
vertentes derivadas da heterogénea herança de Marx.
Os avanços advindos dos últimos séculos evidenciam
significativas mudanças no contexto educacional, na legislação
brasileira desde a Constituição Federal como marco legal na

203
garantia de direitos como o acesso à educação, objetivando um
ensino de qualidade a todos.
Gonzalez (1984) enfatiza que a afirmação dos negros é uma
conquista. É verdade que o projeto das elites de fins do século XIX
prevaleceu e se mantém até hoje, mas não triunfou intacto. As ações
afirmativas conquistadas, a longo prazo e a duras penas, e, o
aumento de pessoas que se autodeclaram negras no Brasil, permite-
nos afirmar que, embora em ritmo lento, o projeto das elites de
negar e silenciar a negritude é cada vez mais abalado.
Nesta perspectiva, as mudanças sociais valorizando a
diversidade, rompendo estereótipos sociais como o racismo e a
discriminação, são frutos de constantes debates e leis que garantem
direitos básicos a todos os sujeitos, por isso a escola enquanto
espaço social tem uma responsabilidade essencial na formação da
sociedade, porém não é a única instituição responsável, a família, a
sociedade e o Estado fazem parte da base da construção social.
Santa’ana (2005, p. 62) destaca que preconceito “é uma opinião
pré-estabelecida, que é imposta pelo meio, época e educação. Ele
regula as relações de uma pessoa com a sociedade”.
Assim, as relações estabelecidas na sociedade têm variados
aspectos frente às classes sociais, religiões e culturas diversas e nem
sempre o respeito a essa diversidade era pauta de debates, havia e
ainda há resquícios de supervalorização de umas diante das
demais, o que potencializa o preconceito nessas relações.
Segundo Munanga (2004), no que tange ao atraso no debate
nacional acerca das políticas de ações afirmativas no Brasil, bem
como sobre o multiculturalismo na educação. Ambos foram
suprimidos durante muito tempo devido à manutenção do ideário
da democracia racial.
Contudo, mesmo no século XXI, ainda tem fortes vestígios do
desrespeito com a democracia racial, as relações étnico-raciais
necessitam se fazer presente, principalmente na escola com práticas
inclusivas e que possam sanar as problemáticas do preconceito e
discriminação racial, uma vez que estes têm altos índices no

204
contexto brasileiro, mesmo com as leis ainda é nítido tais aspectos
de desrespeito.
Conforme Mignolo (2017), a descolonialidade não é um projeto
que tenha por objetivo se impor como um novo universal abstrato
que substitua e “melhore” a reocidentalização e a
desocidentalização. É uma terceira força que, por uma parte, se
desprende de ambos projetos; e, por outra, reclama seu papel na
hora de construir futuros que não podem ser abandonados nem nas
mãos da reocidentalização, nem nos desenhos desocidentalizadores.
se neste momento a reocidentalização aspira manter as ficções do
norte atlântico universal, o que significaria manter a modernização
e a modernidade.
Para Quijano (2009), a articulação de elementos heterogéneos,
descontínuos e conflituosos numa estrutura comum, num
determinado campo de relações, implica, pois, requer, relações de
recíprocas, determinações múltiplas e heterogéneas. O
estruturalismo e o funcionalismo não conseguiram perceber essas
necessidades históricas. Tomaram um mau caminho, reduzindo-as
à ideia de relações funcionais entre os elementos de uma estrutura
societal. De todos os modos, no entanto, para que uma estrutura
histórica estruturalmente heterogênea tenha o movimento, o
desenvolvimento, ou se se quiser o comportamento, de uma
totalidade histórica, não bastam tais modos de determinação
recíproca e heterogênea entre os seus componentes.
Para Aguiar e Piotto (2018, p. 479), o Estado reconheceu a
existência da discriminação racial e sua relação direta com a
produção de desigualdades sociais, tardiamente, criando a partir
da década de 1990 “políticas públicas específicas destinadas a
promover afirmativamente os direitos da população negra”.
Pensando no contexto educacional brasileiro, pode-se destacar a
Lei 10.639/03 como uma das mais marcantes representantes de tais
políticas.
No que tange às relações-étnicos no sistema educacional
brasileiro, avanços importantes marcam as transformações nos
mais diversos espaços além da escola, através de movimentos e

205
debates que favoreceram os marcos legais com documentos
normativos, a exemplo da:

• Constituição Federal, 1988.


• Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece e bases da Educação
nacional (LDB,1996).
• Lei n.º 10.639/2003, inclui no currículo oficial a obrigatoriedade do ensino
de História e Cultura Africanas e Afro-Brasileiras em toda a Educação Básica
(pública e privada). Altera Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nos
artigos. 26-A e79-B.
• Resolução n.º 1 de 17 de junho de 2004 (Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e
cultura afro-brasileiras e africanas).
• Parecer do Conselho Nacional de Educação CNE/ CP 6/2002 que
regulamenta a alteração da Lei n.º 10.639, de 09 de janeiro de 2003.
• Lei n.º 11.645, de 10 de março de 2008. Altera e inclui no currículo oficial a
História e a cultura dos povos indígenas do Brasil.
• Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (2015).

Assim, na legislação brasileira, a Constituição Federal de


1988 representa o marco legal, por ser um dos primeiros a
tratar sobre os direitos básicos e universais, já no que diz
respeito à diversidade e ao racismo, em seu Art. 5º, inciso
XLII. 28, esta descreve que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (BRASIL, 1988).

Diante disso, percebe-se como as leis enquanto normativas


legais que embasam e garantem direitos básicos como respeito são
relevantes para as relações democráticas, deste modo, a escola e o
professor a partir das práticas pedagógicas contribuem com seu
fazer docente em prol do autorreconhecimento e da identidade
negra em sala de aula, valorizando e promovendo o respeito às
diferenças nos mais diversos espaços.

206
No entanto, com as implantações legais, ainda se tem carência
da sua implementação em todas as escolas, mesmo com
significativos avanços na educação étnico-racial, a exemplo da Lei
10.639/03, sendo relevante no processo de ensino e no
autorreconhecimento dos alunos, ainda necessita de ações
afirmativas no contexto educacional.
Mignolo (2017) defende que a opção decolonial pelo momento
não é uma opção estatal. É uma opção da sociedade política global.
A sociedade política globais está constituída por milhões de
pessoas que se agrupam em projeto para ressurgir, reemergir e re-
existir. Isto já é não só resistir, porque resistir significa que as regras
do jogo são controladas por alguém a quem resistimos. Os desafios
do presente e do futuro consistem em poder imaginar e construir,
uma vez que se libera da matriz colonial de poder e lançamo-nos
ao vazio criador da vida plena e harmônica.
Assim, ainda conforme Mignolo (2017), a descolonialidade
não consiste em um novo universal que se apresenta como o
verdadeiro, superando todos os previamente existentes; trata-se
antes de outra opção. Apresentando-se como uma opção, o
decolonial abre um novo modo de pensar que se desvincula das
cronologias construídas pelas novas epistemes ou paradigmas
(moderno, pós-moderno, altermoderno, ciência newtoniana, teoria
quântica, teoria da relatividade etc.)
Com relação ao espaço escolar, Mizael e Gonçalves (2015)
afirmam que pensar a construção da identidade dos sujeitos é algo
bastante complexo, pois os seres humanos são submetidos a
constantes interações sociais, que os formam no que diz respeito a
sentimentos, ações, ideologias, pensamentos etc. Assim, essas
experiências da realidade da forma coletiva e individual permitem
a compreensão de comportamentos nos vários espaços sociais.
O autorreconhecimento é importante, uma vez que, segundo
os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD
(IBGE, 2019), 42,7% dos brasileiros se declararam como brancos,
46,8% pardos e apenas 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou
indígenas. Por isso, as ações, principalmente no espaço escolar,

207
devem se concretizar em prol de contribuições para a sociedade em
meio a sua diversidade racial.
Bastos (2015, p.616) afirma que:

A escola é um lugar privilegiado no complexo devir da construção de


identidades. Os diferentes sujeitos envolvidos no processo educativo
desencadeado por instituições de ensino – professores, professoras, alunos,
alunas e responsáveis – constroem diferentes identidades ao longo de sua
história de vida, e a escola, como espaço de aprendizagem e socialização,
tem grande importância nisso. Nesse sentido, o reforço de estereótipos e
representações negativas do que é ser mulher e ser negro/a marca as
trajetórias escolares dos sujeitos que desenvolvem diferentes estratégias
para lidar com o preconceito, o racismo e o sexismo. É na escola que ocorre
um dos mais marcantes confrontos de pertencimentos, e é neste território,
para além da família, que as identidades de gênero e raça são também
construídas.

A autorreconhecimento e a construção da identidade é


essencial para a formação social dos sujeitos, assim a escola tem um
papel importante através de ações afirmativas que devem ir além
dos próprios muros, uma vez que se refletem nas relações nos mais
diversos espaços sociais, a implementação da Lei 10.639/03 na
escola amplia suas contribuições nesse processo de construção da
identidade e favorece o autorreconhecimento dos alunos.

METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de


abordagem qualitativa a partir de uma revisão de literatura acerca
das contribuições da Lei nº 10.639/2003 no processo de
autorreconhecimento da identidade negra em sala de aula. Diante
disso, abrangeu-se este estudo sobre o autorreconhecimento e a
identidade negra. Assim, a pesquisa bibliográfica, para Fonseca
(2002), é realizada a partir do levantamento de referências teóricas
já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como
livros, artigos científicos etc.

208
A abordagem qualitativa trabalha com o universo dos
significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores
e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos pode ser
compreendido como uma parte da realidade social. Isto permite
que o ser humano pense e interprete suas ações dentro da realidade
vivida. Neste tipo de abordagem não é possível quantificar, pois é
subjetiva em seus significados (MINAYO, 2007).
As bases dos dados bibliográficos foram Scielo, Google
Acadêmico entre outras fontes. Para a localização dos estudos
relevantes, que respondessem à pergunta de pesquisa, utilizou-se
de descritores indexados e não indexados (palavras-chave) no
idioma português. Como critérios de inclusão utilizaram-se
estudos disponíveis em sua totalidade, publicados em português.
Foram excluídos da busca inicial textos incompletos e outras
formas de publicação duplicadas e não condizentes com a questão
norteadora da pesquisa. Levando em consideração os aspectos
éticos da pesquisa quanto às citações dos estudos, respeitando a
autoria das ideias, os conceitos e as definições presentes nos dados
incluídos na revisão bibliográfica.
Os dados são importantes na construção do marco teórico
dando o embasamento necessário e significativo na abordagem da
pesquisa, sendo, portanto, de grande relevância tanto os dados
quanto a fundamentação teórica para o estudo a ser realizado.
Como critérios de inclusão foram utilizados estudos
disponíveis em sua totalidade, autores abordados na disciplina –
Educação, Diversidade e Políticas Afirmativas, em português e de
acordo com os objetivos da pesquisa em questão. Sendo excluídos
da busca inicial resumos, textos incompletos, publicação
duplicadas e não condizentes com a questão norteadora da
pesquisa, indisponível e fora da temática em questão.
Assim, a realização da pesquisa, a coleta e análise dos dados
levou em consideração o marco teórico que embasará a pesquisa
para o alcance dos objetivos propostos. De modo que a pesquisa
contemplará conceitos, conhecimentos gerais e específicos sobre a

209
abordagem a ser realizada, a fim de obter uma percepção diante do
presente estudo.

A LEI 10.639/03 E SUAS CONTRIBUIÇÕES NA CONSTRUÇÃO


DA IDENTIDADE NEGRA EM SALA DE AULA

No que tange à construção da identidade, Mbembe (2017)


descreve que o ciclo provocação/repressão/mobilização contribui
para a afirmação de uma identidade de classe, da mesma maneira
que os longos movimentos de greves e os sucessivos confrontos
com as forças da ordem. Defendia-se que a violência proletária era
moral enquanto a do aparelho de Estado era reacionária.
Assim, a Lei 10.639/03 que já tem quase duas décadas, teve sua
aprovação fruto do movimento negro, segundo Pereira (2016, p.16)
“o processo histórico que resultou na criação da referida lei é
bastante longo e complexo, mas, indubitavelmente, teve como
protagonista o movimento social negro”.
Almeida e Sanchez (2017) atribuem a Lei 10.639/03 um caráter
de questionadora do currículo escolar, levando em consideração
que os conteúdos considerados indispensáveis pela grade
curricular dos sistemas de ensino são considerados como as únicas
formas de saber legítimo, provocando um efeito de invisibilização
e inferiorização de outras temáticas, inclusive a étnico-racial e a
indígena, por exemplo.
As contribuições da Lei 10.639/03 são diversas e esta é sem
dúvida relevante no processo de ensino e na construção da
identidade negra em sala de aula, assim em seu Art. 26 A, de modo
mais específico no parágrafo 2º descreve que:

Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos


indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras (BRASIL, 2003, p. 04).

O autorreconhecimento da identidade negra na sala de aula é


essencial, neste sentido Brito, Bootz, Massoni (2018) afirmam, no

210
entanto, que nessa sociedade da informação a figura do professor é
indispensável na escola, já que informação não significa,
necessariamente, produção crítica e libertadora de conhecimento.
Os temas étnico-raciais precisam ser trazidos para o centro do
debate, mas é preciso, primeiro, tirá-los da invisibilidade para
depois fazer com que ocupem os mais diversos espaços.
Sendo que a identidade será não uma questão de substância,
mas de plasticidade. É uma questão de co-composição, de abertura
para o exterior de outra carne, de reciprocidade entre múltiplas
carnes e os seus múltiplos nomes e lugares. Nesta perspectiva,
produzir a história consiste em desatar e reatar nós e potenciais
situações. A história é uma sequência de situações paradoxais de
transformação sem ruptura, transformações na continuidade, de
assimilação recíproca de múltiplos segmentos do ser vivo. Daí a
importância, inerente ao trabalho, de pôr em relação os opostos, de
fagocitose e de reunir singularidades (MBEMBE, 2017).
Ainda de acordo com Almeida e Sanchez:

[...] a lei não garante, por si só, a efetivação de seus preceitos. Ela se torna
mais um instrumento para que, na dinâmica sociopolítica e no próprio
cotidiano escolar, com todas as contradições, conflitos e embates que ali se
dão, sejam produzidos os significados e os valores em torno de seu
conteúdo. (ALMEIDA; SANCHEZ, 2017, p. 58).

A lei é importante, mas, conforme os autores acima, para sua


efetivação necessita de ações coletivas em prol de uma educação
antirracista, a qual possa favorecer direitos básicos a todos em sua
diversidade racial, sendo a escola outra ferramenta para
potencializar tais relações de respeito na sociedade.
E isso se deve ao fato de que muitas vezes a educação voltada
para as relações étnico- raciais são superficiais e através de datas
comemorativas. Nesse sentido, Gomes e Jesus (2013) afirmam que:

As datas comemorativas ainda são o recurso que os/as docentes utilizam


para realizar os projetos interdisciplinares e trabalhos coletivos voltados
para a Lei 10.639/2003. Nota-se que a oficialização do dia 20 de novembro
como Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar pelo artigo

211
79-B da Lei 10.639/2003 tem produzido resultados diferentes. Algumas
escolas já trabalhavam com essa data antes mesmo da promulgação da 176
Lei, mas outras passaram a adotá-la após esse momento. Esse dia tem se
transformado em Semana da Consciência Negra em algumas escolas e
outras conseguem até mesmo estendê-lo para o mês inteiro. (GOMES;
JESUS, 2013, p.30).

Os desafios para a realização de ações que efetivem o


autorreconhecimento da identidade negra são os estereótipos
sociais, o racismo, o preconceito, bem como a formação adequada
do professor e a não adequação curricular diante da Lei 10.639/03
no contexto educacional.
Neste ponto, Mbembe (2017) diz que o estado colonial obtém
a sua soberania e legitimidade da autoridade da sua própria
narrativa da história e da identidade. Esta narrativa é em si mesma
sustentada pela ideia de que o Estado tem um direito divino de
existir; esta narrativa disputa com outra o mesmo espaço sagrado.
Como ambas as narrativas são incompatíveis e os respectivos
povos se interpenetram, qualquer demarcação do território numa
base de pura identidade é quase impossível.
Neste sentido, Gomes e Jesus (2013) afirmam que as diferentes
localidades do Brasil lidam com processos distintos de
implementação da Lei 10.639/03, as mudanças a que assistimos nas
práticas escolares observadas podem ainda não ser do tamanho
que a superação do racismo na educação escolar exige, mas é certo
que algum movimento afirmativo está acontecendo. Não há uma
uniformidade no processo de implementação da Lei 10.639/2003
nas escolas no sistema educacional brasileiro.
A formação continuada do professor se faz necessária frente às
mudanças advindas dos mais diversos contextos, neste caso da
adequação curricular em prol da Lei 10.639/03 requer do docente
aperfeiçoamento e aprofundamento em seu saber teórico e prático,
indo além dos aspectos superficiais e carregados de estereótipos,
perpetuando, assim, comportamentos preconceituosos na sala de
aula, e romper com o desrespeito no que tange a democracia racial

212
é essencial no processo de formação social dos sujeitos, ainda mais
na escola.
Oliveira (2016) observa que no espaço escolar ocorrem
diferentes relações sociais e que estas refletem a diversidade
cultural da sociedade brasileira. Dessa forma, o espaço escolar
torna-se primordial para a preparação dos discentes para o
reconhecimento dos valores, costumes e contribuições da cultura
negra na formação da sociedade brasileira em um constante
processo de construção da identidade negra. Através de uma boa
educação é possível quebrar o preconceito racial contra os negros e
deixá-los ser eles mesmos, expondo suas culturas, religiões, usando
de seus direitos como todo cidadão brasileiro, onde estiverem, pois
são livres, não importando a cor da pele.
O currículo é criticado no que tange sua construção, uma vez
que traz uma versão única de fatos e histórias, o que pode
representar um risco que causa o empobrecimento frente à
pluralidade social, assim tem-se a necessidade do currículo
contemplar os conteúdos de matriz afro-brasileira nas etapas da
educação básica, bem como no ensino superior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei implica 10.639/2003 traz contribuições no processo de


autorreconhecimento da identidade negra em sala de aula, porém
requer de todos os sujeitos a plena participação, a exemplo do
professor com sua prática pedagógica, oportunizando democracia
racial, bem como a qualidade do ensino.
Assim, a relevância da Lei nº 10.639/2003 na prática
pedagógica ajuda na afirmação da identidade dos alunos, por meio
das estratégias utilizadas pelos docentes ou em prol da promoção
da identidade negra em sala de aula, evidenciando, desta forma, a
necessidade da atuação coletiva em prol de refletir e agir na
perspectivas do processo de autorreconhecimento.
No que tange aos aspectos étnico-raciais na atualidade,
Mignolo (2017) diz que a colonialidade é um dos seus frutos da

213
modernidade, apresentando-se como um lado obscuro, atribuindo
à modernidade a característica monstruosa que de certa forma
ajuda nas permanências de muitos dos aspectos tradicionais no
contexto social, sendo as rupturas essenciais.
Conclui-se, portanto, que as contribuições da Lei nº
10.639/2003 no processo de autorreconhecimento da identidade
negra em sala são base para a democracia racial através da
valorização, do debate e de ações afirmativas através das relações
étnicos-raciais, assim entre as estratégias docentes, o diálogo sobre
a diversidade cultural é essencial. De acordo com Munanga (2008),
a nossa percepção de diferença situa-se no campo visual e ressalta
a importância do hábito de pensar nossas identidades.
Diante disso, nota-se que Lei nº 10.639/2003 defende a
superação do preconceito, do racismo e a invisibilidade cultural
presente no currículo, no livro didático entre tantos outros aspectos
que tendem a reforçar tais problemáticas de concepções
hegemônicas, no processo formativo da sociedade. Portanto, as
implicações desta lei em sala de aula são diversas e nos remete
ainda a reflexões tendo aspectos raciais como pano de fundo, de
modo que a escola e as estratégias pedagógicas têm um papel
essencial no processo educacional frente às relações étnico raciais,
contribuindo com o processo de autorreconhecimento na escola.

REFERÊNCIAS

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Alegre), v. 41, n. 3, p. 478- 491, set.-dez.2018.
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10.639/2003 – competências, habilidades e pesquisas para a
transformação social. Pro-posições. São Paulo. V. 28, N.1, (82)
jan./abr. 2017.

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Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
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9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura
AfroBrasileira", e dá outras providências. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.639.htm>. Acesso em:
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didática para discutir as relações étnico-raciais (Leis 10.639/03 e
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https://negrasoulblog.files.wordpress.com/2016/04/racismo-e-
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preto fudido a pretinho no poder. Itinerarius Reflections - Revista
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âmbito escolar. 2016. In: X Simpósio Linguagens e Identidades da/na
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Amazônias, as Áfricas e as Áfricas na Pan-Amazônia”. Disponível
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load/850/447>. Acesso em: 13 de dez. 2022.
PEREIRA, A. A. O movimento negro brasileiro e a lei nº
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seus derivados. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o
racismo na escola. Brasília-DF: MEC/SECAD, 2005. p.39-67.

216
AS AUTORAS E OS AUTORES

Ana Patrícia Sá Martins - Doutora em


Linguística Aplicada pela Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). É líder
do Grupo de Pesquisa Multiletramentos no
Ensino de Línguas (MELP/UEMA). Atua
como Professora Adjunta no Departamento
de Letras. É Professora Permanente no
Mestrado Profissional em Educação (PPGE)
e no Programa de Pós-graduação em Letras
(PPGL), ambos da Universidade Estadual do Maranhão
(PPGE/UEMA).
Lattes: https://lattes.cnpq.br/2681466182017831
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5716-1580
E-mail: [email protected]

Angela Maria Leonardo Silva - Especialista


em Psicopedagogia pela Universidade
Candido Mendes - UCAM (2009), em
Orientação Educacional, Supervisão e
Gestão Escolar pela Faculdade Santa Fé
(2010) e em Educação pela Faculdade
Einstein (2014). Graduada em Pedagogia
pela Universidade Estadual do Maranhão
(2001). Professora aposentada com
experiência em Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação
de Jovens e Adultos (EJA) da Rede Municipal de São José de
Ribamar (1998 a 2018). Exerce o cargo de Professor Suporte
Pedagógico desde 2002 e de Professora da Educação Infantil desde
2012 na Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de São
Luís/MA. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa Processos

217
formativos docentes (GEPPForD). Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Educação Infantil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0476800795521365
E-mail: [email protected]

Dayvane Oliveira da Silva - Possui


graduação em Ciências - Matemática pela
Universidade Estadual do Maranhão
(2012). Especialista em Metodologia do
ensino de Matemática pela Faculdade de
Ciências Wenceslau Braz? FACIBRA
(2015). Cursando Licenciatura em
Pedagogia na Universidade Estadual do
Maranhão - UEMA.Tem experiência na
área da Educação no ensino de Matemática,
nos níveis fundamental e médio.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3100059384737194
E-mail: [email protected]

Fernando Lucas da Silva Gomes -


Mestrando do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) pela Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA). Graduado
em Pedagogia pelo Centro Universitário de
Ciências e Tecnologia do Maranhão
(UniFacema). Membro do Grupo de
Pesquisa em Ensino de Ciências, Saúde e
Sexualidade (GP-ENCEX/UEMA). Possui
experiência na área da Educação Básica. Desenvolve pesquisas
voltadas para a heteronormatividade no ambiente educacional a
partir da perspectiva Pós-estruturalista no campo discursivo dos
Estudos Culturais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5395264426192880
E-mail: [email protected]

218
Gleydson Rogério Linhares Dos Santos
Coutinho – Mestrando em Educação, Pós-
graduado em Arte e Educação e em
Educação Especial Inclusiva, Licenciado em
Artes Visuais e Técnico em Guia de
Turismo. Atualmente, atua como professor
no IEMA, lecionou no IFMA no período de
2019 à 2021 e no PRONERA em 2020 e 2021. Pesquisador do MELP.
Membro do NEABI desde 2019. Integrante do NETHE entre 2015 e
2018. Têm atuação socioeducativa com educação popular e arte do
graffiti desde 2008 pelo Movimento Organizado de Hip-hop
Quilombo Urbano.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6209319731739266
E-mail: [email protected]

Jackson Ronie Sá-Silva - Pós-Doutor em


Educação pela Faculdade de Educação do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS). Doutor em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS, Rio Grande do Sul). 2013
ganhou o "Prêmio CAPES de Teses": Melhor
Tese na área de Educação do Brasil promovido pelo Ministério da
Educação do Brasil (MEC) / CAPES. Mestre em Saúde e Ambiente
pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Especializou-se
em: 1) Metodologia do Ensino Superior, Universidade Federal do
Maranhão (UFMA); 2) Biologia, Universidade Federal de Lavras
(UFLA, Minas Gerais); 3) Sexologia, Universidade Candido
Mendes (UCAM, Rio de Janeiro); 4) Micologia, Escola Paulista de
Medicina (UNIFESP) e UFMA. Bacharel em Farmácia e Bioquímica
(UFMA). Lincenciado em Biologia pela Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA). Licenciado em Química (UEMA). Professor
Adjunto IV do Departamento de Biologia da Universidade

219
Estadual do Maranhão (DBIO-UEMA). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do
Maranhão - UEMA (PPGE - UEMA / Mestrado Profissional).
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Inclusiva
em Rede da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA (PROFEI / UNESP /
UEMA / Mestrado Profissional). Fundou e coordena desde 2009 o
Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências, Saúde e Sexualidade (GP-
ENCEX). Atua no ensino, pesquisa e extensão nas seguintes áreas:
Práticas Curriculares - dimensão político-social; dimensão
educacional; dimensão escolar; Didática e Metodologia das
Ciências Naturais; Ensino de Biologia; História da Biologia;
Filosofia da Biologia; História da Medicina; Saúde Coletiva;
Doenças Tropicais; Parasitologia; Metodologia da Pesquisa
Qualitativa; Pesquisa Documental; Sexualidade; Educação Sexual.
Tem se dedicado à escrita e ao aprofundamento teórico das
seguintes linhas de pensamento: estudos gays e lésbicos, teoria
queer, pós-estruturalismo, estudos foucaultianos e estudos
culturais.
E-mail: [email protected]
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1439787124956370

Jânio Oliveira Lima - Mestrando em


Educação com linha de pesquisa em
Formação de professores e Práticas
Educativas pela Universidade Estadual do
Maranhão - UEMA/PPGE ano de 202.
Especialista em Ensino Aprendizagem de
Línguas: Portuguesa, Inglesa e Espanhola
(2012), pela Faculdade de Ensino Dom
Bosco. Especialista em Educação Especial,
Inclusão e LIBRAS (2012), pela Faculdade de
Ensino Dom Bosco. Especialista em Metodologia para a Educação
a Distância (2018), pela Universidade Anhanguera – Uniderp.
Graduação em Letras Habilitação na Língua Portuguesa, Inglesa e

220
Respectivas Literaturas pela Universidade Estadual do Maranhão -
CESC / UEMA (2009). Graduação em Pedagogia pela Universidade
Anhanguera - UNIDERP (2018). Graduação em Letras LIBRAS pelo
Centro Universitário Leonardo da Vinci UNIASSELVI (2022).
Atualmente é servidor da Secretária Estadual de Educação do
Estado do Maranhão na Unidade Regional de Caxias / MA como
professor / Intérprete de LIBRAS. Tem experiência na Pedagogia,
na área de LIBRAS e Letras como professor da Educação Básica e
Ensino Superior, de forma presencial e a distância, com ênfase em
Letras, Pedagogia e LIBRAS atuando principalmente no seguinte
tema: Narcisismo. Educação Especial, Surdez e Inclusão, Formação
de Professores e Práticas Educativas.
Lattes: https://lattes.cnpq.br/5394072277513805
E-mail: [email protected]

Josenildo Campos Brussio - Pós-Doutor em


Turismo, pelo PPGTUR (Programa de Pós-
graduação em Turismo) da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Doutor em Psicologia Social pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(2012), Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Maranhão (2008),
Bacharel em Direito pela Universidade
Federal do Maranhão (2012) e Licenciado
em Letras Português/Inglês e respectivas Literaturas pela
Universidade Estadual do Maranhão (1998). Professor Associado II
do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia da
UFMA/São Bernardo. Professor colaborador do Programa de Pós-
Graduação em Letras (PPGLetras-UEMA), da Universidade
Estadual do Maranhão. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Meio Ambiente, Desenvolvimento e Cultura (GEPEMADEC) e do
LEI (Laboratório de Estudos do Imaginário). Participa da "REDE
DE PESQUISA EM TURISMO RELIGIOSO NO NORDESTE
BRASILEIRO. Membro da Société Internationale de Sociologie des

221
Religions (SISR). Membro da Associação Brasileira de
Pesquisadores/as Negros/as.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9072225990725799
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7721-9199
E-mail: [email protected]

Jucenilde Thalissa de Oliveira - Mestra em


Educação pelo Programa de Pós-graduação
em Educação (PPGE) pela Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA). Graduada
em Ciências Biológicas pela Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA). Membro
do Grupo de Pesquisa em Ensino de
Ciências, Saúde e Sexualidade (GP-
ENCEX/UEMA), e membro do Grupo de Pesquisa
Multiletramentos e Ensino de Língua Portuguesa (GP-MELP).
Desenvolve pesquisas que problematizam corpo, gênero,
sexualidade e relações étnico-raciais no ensino de Ciências e
Biologia, Práticas educativas, Livros didáticos e paradidáticos a
partir da perspectiva pós-crítica no campo discursivo dos Estudos
Culturais e Decoloniais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9142777351067416
E-mail: [email protected]

Leandro Fonseca Lima - Mestrando no


Mestrado Profissional em Educação, da
Universidade Estadual do Maranhão,
UEMA. Especialização em Educação de
jovens, adultos e idosos (UEMA).
Especialização em Gestão e Supervisão
Escolar, pela Faculdade de ciência,
educação e tecnologia- Darwin, FTED.
Especialização em Saúde Materno-
Infantil, pela Universidade Federal do
Maranhão (UFMA). Graduação em

222
Pedagogia, pela Faculdade Latino Americana de Educação,
FLATED. Graduação em Educação Física, pela Universidade
Ceuma (UNICEUMA).
E mail: [email protected]
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4531755126266603

Lêda Maria de Sousa Rodrigues - Possui


graduação em Licenciatura Plena em
Ciências com habilitação em Biologia pela
Universidade Estadual do Maranhão -
UEMA (2003). Especialização em Biologia
Parasitária pelo Centro Federal de Educação
Tecnológica do Piauí (2008). Atualmente é
Coordenadora do PDDE - Secretaria
Municipal de Educação, Ciência d
Tecnologia - SEMECT (CAXIAS-MA) e já trabalhou como
Professora Substituta na Universidade Estadual do Maranhão
CESC/UEMA. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em metodologia do ensino de ciências naturais, Estágio
Supervisionado no ensino de Ciências e Biologia; PDDE e Prestação
de contas de UEx.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7581876120094859
E-mail: [email protected]

Leonardo José Pinho Coimbra - Licenciado


em História e Pedagogia, Mestre em
Educação e Doutor em Educação. É
professor Adjunto da Universidade Federal
do Maranhão - UFMA, no curso de Ciências
Naturais. Ministra as disciplinas do Núcleo
Pedagógico na área dos Fundamentos da
Educação. É membro do Grupo de Estudos
e Pesquisa "História, Sociedade e Educação no Brasil" -
HISTEDBR/MA. Também é membro do Grupo de Estudos e

223
Pesquisa "Políticas de Formação e Trabalho Docente" -
GEPFORTRAD.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5474276294927880
E-mail: [email protected]

Manoela Pessoa Matos - Possui graduação


em Pedagogia pela Universidade Federal do
Maranhão-UFMA. Mestranda no Mestrado
Profissional em Educação da Universidade
Estadual do Maranhão-UEMA. Atualmente,
é docente do Instituto Federal do Maranhao
- IFMA/Campus Buriticupu-MA. Participa
do Grupo de Pesquisa Multiletramentos no
Ensino de Língua Portuguesa-MELP
(UEMA) e integra o Grupo de Estudos e
Pesquisas em Feminismo Decolonial, Formação de Professoras e
Campesinato na Universidade Federal do Maranhão (UFMA/
Campus São Luís), somado ao Grupo de pesquisa - Núcleo de
Humanidades/ Linha de pesquisa- Sociedade, Trabalho e Educação
no IFMA/Campus Buriticupu. Realizamos pesquisas com foco nos
processos de ensinar e aprender nas instituições de ensino, pautada
principalmente, na teoria pós-crítica decolonial, como alternativa
de construção e desconstrução ao que foi instituído de forma
eurocêntrica e colonial; capaz de questionar os padrões
estabelecidos pela sociedade, e de questionar os modos operantes
do sistema capitalista, as desigualdades resultantes, a
subalternidades, a exclusão social, racial e étnica.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5062172295744541
E-mail: [email protected]

224
Poliane de Lima Vaz da Costa - Atualmente
é Mestranda em Educação pelo Programa
de Pós-graduação em Educação -PPGE -
Universidade Estadual do Maranhão-
UEMA. Participa do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Estado, Políticas Públicas
Educacionais e Democracia-NEPED. Possui
especialização em Docência do Ensino
Superior pelo Instituto de Educação
Sinapses. Pós -graduanda em Educação
Infantil e Alfabetização e Letramento. Graduada em PEDAGOGIA
pela Universidade Federal do Piauí (2014). É professora efetiva pela
prefeitura municipal de TIMON-MA - SECRETARIA MUNICIPAL
DE EDUCAÇÃO SEMED. Já esteve como coordenadora na
Educação Infantil e Ensino Fundamental em escola pública do
Município de Timon-MA.
Lattes: https://lattes.cnpq.br/1088809044581989
E-mail: [email protected]

Raimunda Nonata Paiva Andrade - Possui


graduação em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Maranhão (2011). Especialista
em Currículo e Avaliação na Educação
Básica pela Universidade Estadual do
Maranhão (2018). Integrante do grupo de
pesquisa pela universidade UEMA
"Histórias do Maranhão". Especialista em
Educação Especial/Inclusiva pela
Universidade Estadual do Maranhão.
Especialista em Ciências é 10 pela Instituição -UEMA/UEMANET.
Cursando especialização em Educação Digital e Atendimento
Educacional Especializado. Especialista em Linguagens, suas
Tecnologias e o Mundo do Trabalho pela UFPI. Especialista em
Ciências Da Natureza, suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho.
Especialista em Matemática, suas Tecnologias e o Mundo do

225
Trabalho pela UFPI. Exerceu a função de voluntaria em uma
instituição publica nos anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do
Maranhão/UEMA. Professora regente na rede pública municipal
nos anos iniciais. Atua como tutora na modalidade regular nível
médio/inclusão.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7138431983729649
E-mail: [email protected]

Sandra Moreira de Freitas – Aluna no


Mestrado em Gestão Educacional e Escolar -
PPGE - UEMA. (2022). Possui graduação em
Letras pela Universidade Estadual do
Maranhão (2001). Atualmente é professora
no Instituto de Educação, Ciência e
Tecnologia do Maranhão - IEMA. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase
em Letras.
E-mail: [email protected]
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6645355100149210

226

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