Ética

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ÉTICA

FACUMINAS

A história do Instituto FACUMINAS, inicia com a realização do sonho de


um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para
cursos de Graduação e Pós-Graduação.Com isso foi criado a FACUMINAS,
como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.
A FACUMINAS tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas
de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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SUMÁRIO

1 - Ética e política ............................................................................................................. 4

2 - Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito


comum – (ADAPTADO)................................................................................................ 14

2.1 - Introdução............................................................................................................... 14

2.2 - De que falamos quando falamos de ética e de moral? ........................................... 15

2.3 - Ética e moral: uma necessária relação de complementaridade .............................. 17

2.4 - Valores, moral e ética: que relação?....................................................................... 19

2.5 - Axiologia e valores possuem o mesmo significado? ............................................. 20

2.5.1 Valor: natureza e definição .................................................................................... 20

2.5.2 - Para uma definição de valor ................................................................................ 21

2.5.3 - Confusões entre valor e bens ............................................................................... 22

2.5.4 - Valor: suas caraterísticas ..................................................................................... 25

2.6 - Conclusão ............................................................................................................... 30

NOTAS ........................................................................................................................... 31

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 32

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1 - Ética e política

Norberto Bobbio
Professor de Filosofia Política na Universidade de Turim e Senador vitalício na
Itália

Diante da vastidão do tema assumi uma tarefa muito modesta. Pensei que pudesse
ser de alguma utilidade apresentar, à guisa de introdução, um "mapa" das diversas
soluções opostas que historicamente têm sido dadas ao problema da relação entre ética e
política.
Trata-se certamente de um mapa incompleto e imperfeito, pois está sujeito a um
duplo erro: quanto à classificação dos tipos de solução e quanto ao enquadramento das
diversas soluções nesse ou naquele tipo. O primeiro erro é de natureza conceitual, o
segundo de interpretação histórica. Trata-se portanto de um mapa a ser revisto por
observações ulteriores. Mas por ora creio estar em condições de oferecer pelo menos uma
primeira orientação a quem, antes de se aventurar num terreno pouco conhecido, queira
saber de todos os caminhos que o percorrem.
Divido as teorias que trataram do problema da relação entre ética e política em
monistas e dualistas. Por sua vez divido as monistas em rígidas e flexíveis, as dualistas
em dualismo aparente e dualismo real. Trata-se de quatro grandes subdivisões onde se
encaixam, ou ao menos procuro encaixar, todas as doutrinas que conheço. De cada uma
darei um exemplo.
Todos os exemplos são tirados da filosofia política moderna a partir de Maquiavel.
É verdade que a grande filosofia política nasce na Grécia, mas a discussão do problema
das relações entre ética e política fica particularmente aguda com a formação do Estado
moderno, e recebe pela primeira vez um nome que não a abandona mais, "razão de
Estado".
Mas por qual motivo? Sugiro uma razão, ainda que com muita cautela. O dualismo
entre ética e política é um dos aspectos do grande contraste entre Igreja e Estado, um

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dualismo que só podia nascer com a contraposição entre uma instituição cuja missão é a
de ensinar, pregar, indicar leis universais de conduta reveladas por Deus, e uma instituição
terrena cuja tarefa é assegurar a ordem temporal nas relações dos homens entre si. Na
realidade o contraste entre ética e política na época moderna é, desde o princípio, o da
moral cristã com a práxis daqueles que desenvolvem ação política. Num estado pré-
cristão, em que não existia uma moral institucionalizada, o contraste é menos evidente. O
que não quer dizer que não exista no pensamento grego: basta pensar na oposição a que
se refere Antígona, entre as leis não escritas e as do tirano. No mundo grego não há uma
moral, mas várias morais. Cada escola filosófica tem a sua moral. Onde existem diversas
morais com as quais a ação política possa se confrontar, o problema da relação entre moral
e política não tem sentido preciso algum. O que suscitou o interesse do pensamento grego
não foi tanto o problema da relação entre ética e política, mas o problema da relação entre
bom governo e mau governo, de onde nasce a distinção entre rei e tirano. Mas é uma
distinção no interior do sistema político, que não diz respeito à relação entre um sistema
normativo, como a política, e um outro sistema normativo, como a moral. O contrário
disso ocorre no mundo cristão e pós-cristão.
A segunda razão da minha escolha é que, sobretudo com a formação dos grandes
Estados territoriais, a política se revela sempre mais como lugar no qual se explicita a
vontade de poder em um teatro bem mais vasto, e portanto bem mais visível, que aquele
das vinganças privadas ou dos conflitos da sociedade feudal; sobretudo quando essa
vontade de poder põe-se a serviço de uma confissão religiosa. O debate sobre a razão de
Estado explode no período das guerras de religião. O contraste entre moral e política
revela-se em toda sua dramaticidade quando ações moralmente condenáveis (lembre-se,
para dar um grande exemplo, da noite de São Bartolomeu, louvada entre outros por um
dos maquiavélicos, Gabriel Naudé) são cumpridas em nome da própria fonte, originária,
única, exclusiva, da ordem moral do mundo, que é Deus.
Pode-se acrescentar ainda uma terceira razão: somente no século XVI esse
contraste foi assumido também como problema prático para o qual se procura dar alguma

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explicação. Ainda uma vez o texto canônico é O Príncipe de Maquiavel, particularmente
o capítulo XVIII, que começa com estas palavras fatais: "Quanto seja louvável num
príncipe manter a fé, e viver com integridade e não com astúcia todos entendem: não é
sem mais que se vê pela experiência, nos nossos tempos, aqueles príncipes que da fé
tiveram pouca conta terem feito grandes coisas." A chave de tudo é a expressão "grandes
coisas". Quando se começa a tratar o problema da ação humana não do ponto de vista dos
princípios mas do ponto de vista das "grandes coisas", isto é, do resultado, então o
problema moral muda completamente de aspecto e se desloca radicalmente. O longo
debate sobre a razão de Estado é um comentário, que dura séculos, desta afirmação
peremptória e inconfundivelmente verídica: na ação política não contam os princípios,
mas as grandes coisas.
Voltando à nossa tipologia, depois desta premissa, faço ainda uma segunda. Das
doutrinas sobre ética e política que enumerarei algumas têm valor basicamente
prescritivo, já que não pretendem dar uma explicação para o contraste e sim tendem a dar
a ele uma solução prática. Outras têm um valor basicamente analítico, já que não buscam
sugerir como deveria ser a relação entre ética e política, mas a indicar a razão pela qual
existe o contraste. Ainda que a divisão entre os dois aspectos nunca seja muito nítida,
pode-se dizer genericamente que as doutrinas do monismo rígido e do dualismo aparente
tem mais um valor prescritivo que analítico. Pelo contrário, as doutrinas do monismo
flexível e do dualismo verdadeiro têm um valor mais analítico que prescritivo. Acredito
que a desconsideração das diferentes funções das teorias tenham produzido grandes
confusões. Por exemplo, não tem sentido refutar uma doutrina prescritiva com
observações de tipo realístico, assim como não tem sentido contrapor-se a uma teoria
analítica propondo uma melhor ou a melhor solução para o contraste.
Começo, então, com o monismo rígido. Incluo no monismo rígido todas as teorias
que afirmam não haver contraste entre dois sistemas normativos, o moral e o político,
porque só há um sistema. Naturalmente, existem duas versões possíveis dessa variante: a
redução da política à moral e a redução da moral à política. Exemplo da primeira é a idéia,

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ou melhor o ideal, típico do século XVI, do príncipe cristão, tão bem representado por
Erasmo, cujo livro A educação do príncipe cristão é de 1515, portanto mais ou menos
contemporâneo de O Príncipe de Maquiavel, do qual é a mais radical antítese. O príncipe
cristão de Erasmo é o outro lado da face demoníaca do poder. Algumas citações. Erasmo
se dirige ao príncipe dizendo: "Se, queres mostrar-te ótimo príncipe, estai bem atento a
não te deixar superar por outro alguém naqueles bens que são verdadeiramente teus
próprios, a magnificência,, a temperança e a honestidade." Estas virtudes unicamente
morais não tem nada a ver com a virtude no sentido maquiavélico da palavra. Ou então:
"Se desejais competir com outros príncipes, não julgue havê-los vencido por lhes haver
tirado parte do domínio. Os vencerá verdadeiramente se fores menos corrupto que eles,
menos avaro, arrogante, iracundo." E ainda, "Qual é a minha cruz" pergunta o príncipe; e
responde: "é seguir o que é honesto, não fazer mal a ninguém, não espoliar ninguém, não
deixar-se corromper por donativos." A satisfação do príncipe consiste em ser justo, não
em fazer "grandes coisas.
Como exemplo da segunda versão do monismo, da redução da moral à política,
escolhi Hobbes. Claro que também aqui com toda a cautela, sobretudo depois que alguns
críticos recentes chamaram a atenção para o que foi chamado de clareza plena de confusão
do autor do Leviatã e deixam o leitor, vencido e fascinado pela força lógica da
argumentação hobbesiana, desconfiado no que se refere a interpretações demasiadamente
unilaterais. Ainda assim parece-me que, por certos aspectos, seja difícil encontrar um
autor no qual o monismo normativo seja mais rigoroso, e o sistema normativo,
diversamente de todos os outros,, seja o sistema político ou o sistema de normas que
derivam da vontade do soberano legitimado pelo contrato social. Podem-se aduzir muitos
argumentos:; para Hobbes, os súditos não têm o direito de julgar o que é justo e injusto
porque isso cabe somente ao soberano, e sustentar que o súdito tenha o direito de. julgar
o que é justo e injusto é considerado uma teoria sediciosa. Mas o argumento fundamental
é que Hobbes é um dos poucos autores, talvez o único, que não distingue o príncipe do
tirano: e não há esta distinção porque não existe a possibilidade de distinguir o bom

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governo do mau governo. Enfim, como me referi ao contraste entre Igreja e Estado como
determinante para entender o problema da razão de Estado nos séculos XVI e XVII,
recordo que Hobbes reduz a Igreja ao Estado: as leis da Igreja são leis somente enquanto
aceitas, desejadas e reforçadas pelo Estado Hobbes, negando a distinção entre Igreja e
Estado, reduzindo a Igreja ao Estado, elimina a própria razão do contraste.
Por monismo flexível, entendo a teoria que também reconhece um só sistema
normativo, mas admite como legítimas, justificáveis com argumentos pertencentes à
esfera do racional, exceções em determinadas circunstâncias de tempo, de lugar, de
pessoa ou de natureza da ação. Basta ter uma certa familiaridade com o Direito (ou
tratamento legalista da ética, que dá na mesma), para saber a importância da instituição
que os juristas denominam lex specialis. Pois bem, quando há um contraste entre a lex
specialis e lex generalis,prevalece a lex specialis. Ou então a análoga instituição da
dispensa, que é característica do direito canônico (a dispensa é definida como
abrandamento da lei para um caso especial, relaxio legis in casu speciali). Ou ainda o
princípio da equidade, a justiça do caso concreto, invocada para temperar o rigor da lei
abstrata. A importância da exceção é capital, já que nenhuma lei é tão forte que valha em
todos os casos. Não há lei bastante forte para dispensar exceções em determinados casos
específicos.
A explicação e a justificação do contraste entre moral e política com base na
relação entre regra e exceção, e portanto do princípio da excepcional idade por justa
causa, estão entre as mais comuns em meio aos teóricos da razão de Estado. Rodolfo De
Mattei, que foi o mais assíduo e aplicado estudioso de tratados relativos à razão de Estado,
italiana sobretudo, demarca a teoria da excepcionalidade ou, como se dizia, da
"contravenção lícita", de Scipione Ammirato, cujos discursos sobre Cornelio Tacito são
de 1594. Mas pode-se citar ainda muitos outros textos de autores menores. Destes, talvez
o mais interessante seja Canonieri, que diz: "Razão de Estado é o necessário excesso da
jurisprudência (giure comune) para fins de utilidade pública." Como se pode entrever pelo
adjetivo "necessário", o primeiro grande argumento em favor da excepcionalidade é o

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estado de necessidade, estado aquele em que não se pode deixar de fazer aquilo que se
faz. As leis se referem somente às ações possíveis, às ações que podem ou não ser
realizadas. Mas quando uma ação ou é necessária ou é impossível, as leis são
absolutamente impotentes. A necessidade não tem lei: é a própria lei. O estado de
necessidade, como causa de justificação, vale tanto para o privado, no direito penal por
exemplo, quanto no direito público, na forma do estado de emergência.
A própria máxima "o fim justifica os meios" pode ser incluída na noção de
exceção por necessidade. De fato, uma vez deslocado do fim para o meio, o juízo sobre a
bondade ou maldade da ação torna-se puramente técnico; um juízo em que a ação é
considerada exclusivamente como o "meio" para alcançar o fim. Em outras palavras, a
consideração da relação meio - fim transforma o imperativo categórico em imperativo
hipotético do tipo "se queres, deves", no qual a relação meio-fim é pura e simples
derivação da relação causa-efeito (ou de uma relação necessária, como é aquela de causa-
efeito).
Além do estado de necessidade, para justificar a exceção são adotados argumentos
referentes tanto à qualidade específica de uma determinada pessoa quanto à natureza
específica de uma dada ação. Aqui emerge o tema das éticas especiais ou profissionais,
isto é, dos sistemas normativos que se referem a pessoas específicas na especificidade de
sua ação: comerciantes, médicos, sacerdotes, e também, (por que não?) os políticos.
Levando em conta essa relação entre o geral e o particular, poder-se-ia incluir o contraste
entre ética e política na distinção mais conhecida entre moral geral e morais profissionais,
considerando a política como atividade específica que tem suas regras práticas ou
técnicas, como qualquer outra atividade. É bem sabido, de resto, que no início das
reflexões sobre a política, entendida como arte ou ciência do governo, as sugestões tiradas
da analogia entre a arte política e outras artes são muito frequentes: o político é o mestre
da ginástica, o piloto, o tecelão, e assim por diante.
Mas, com essa abertura para as éticas profissionais, o monismo tende a converter-
se em dualismo, se bem que uma forma atenuada de dualismo, no qual a relação entre os

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dois sistemas normativos se resolve numa relação entre um sistema geral e um sistema
especial.
Como se percebe, estou procurando aplicar às relações entre sistemas normativos
alguns critérios que os juristas aplicam à análise das relações entre normas no interior de
um sistema. Além do critério lex specialis derogat generali, os juristas conhecem um
outro critério para resolver antinomias normativas: lex superior derogat inferiori. Trata-
se do assim chamado critério hierárquico. Pois bem, aplicando este critério à análise da
relação entre dois sistemas normativos abre-se o caminho para as doutrinas que,
diferentemente das monistas, sustentam que ética e política são distintas mas ao mesmo
tempo relacionam-se entre si, numa relação na qual um dos dois sistemas é considerado
superior e o outro inferior. Se há uma relação hierárquica, no caso de conflito entre os
dois sistemas prevalece o superior.
Também aqui, como no caso do monismo rígido, são dois os casos: a moral é
superior à política ou então a política é superior a moral. O exemplo que ocorre da
primeira solução é a filosofia de Croce. No sistema de Croce, economia e ética são
distintas (a política é parte do mundo da economia), mas não são colocadas no mesmo
plano: uma é superior à outra, no sentido que uma sobrepuja a outra. Entenda-se que não
se está dizendo que "sobrepujar" implique ser superior no sentido axiológico, e sim que
quando Croce se põe o problema maquiavélico da relação entre ética e política jamais
deixa de admitir que o momento logicamente sucessivo é também axiologicamente
superior, mesmo que nunca seja muito claro quais sejam as consequências desta
superioridade: uma ação política imoral é condenável? O que significa isso de que é lícita
na sua esfera particular, se depois se admite uma esfera superior? São questões muito
difíceis de responder e, repito, não é fácil encontrar uma resposta clara em Croce, que
retornou a este tema infinitas vezes. Aqui escolho uma passagem que encontra-se num
volume intitulado, não por acaso, Ética e Política.
Croce diz: a esfera da política é a da utilidade, das transações, dos acordos, das
lutas, e nessa guerra contínua, indivíduos, povos e Estados estão em guarda contra

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indivíduos, povos e Estados, buscando manter e promover a própria existência e
respeitando outras só na medida em que beneficiem a sua própria. Mas - continua - mesmo
nunca perdendo de vista esta realidade da política convém resguardar-se de um erro
comum, que é o de separar as formas da vida. Que se recusem as tolas moralizações da
política, que se celebre Nicolò Machiavelli como gênio e como o verdadeiro fundador da
ciência política, mas que nunca se esqueça que a própria política não existiria se não
existisse de todo o outro homem, se não existisse o homem moral. E, - conclui - tenha-se
por falso a priori qualquer dissensão que se crê divisar entre a política e a moral, já que
a vida política ou prepara a vida moral ou é ao mesmo tempo instrumento e forma de vida
moral.
O outro lado da moeda, isto é, a política vista como superior à moral, sendo esta
entendida como moral individual, pode ser representada por Hegel. Em Croce a moral
vem depois da política e a "supera", enquanto que em Hegel o momento da moralidade
subjetiva precede o momento da moralidade desenvolvida, que se realiza na esfera pública
e culmina no Estado. A moralidade subjetiva prepara a política mas é forçada a calar-se
junto com a palavrório dos predicantes, quando entram em campo a cavalaria com suas
armas cintilantes. A bem conhecida passagem em que Hegel enfrenta o tema da razão de
Estado está no parágrafo 337 da Filosofia do Direito, onde afirma: "Já muito se discutiu
o contraste entre moral e política e a pretensão a conformar a segunda à primeira. Nesse
ponto importa somente notar que justificação do bem do Estado é completamente
diferente da do bem do indivíduo e que a substância ética, o Estado, está imediatamente
presente, com o seu direito, em uma existência não abstraía mas concreta, e que só essa
existência concreta, e não algum dos tantos pensamentos gerais tomados por imperativos
morais, pode ser o princípio do seu agir e da sua conduta. A suposição de que, nesse
suposto contraste, a política deve sempre estar em erro repousa ainda mais na
superficialidade das representações da moralidade, da natureza do Estado e de suas
relações com o ponto de vista moral."

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Encerro com o dualismo real. A distinção entre moral e política, nesse caso,
corresponde à distinção entre duas éticas, que são irredutivelmente diferentes, já que
propõem dois critérios diferentes como juízo positivo e negativo das ações. As ações
podem ser julgadas segundo os princípios, isto é, segundo algo que antecede a ação, ou
segundo as consequências, isto é, segundo alguma coisa que está depois da ação. Essa
distinção, mesmo que um pouco simplificada, corresponde à famosa distinção weberiana
entre ética da convicção e ética da responsabilidade. É fato que, aplicando um ou outro
desses critérios, podemos chegar a juízos completamente diferentes ou mesmo opostos
sobre qualquer ação. Tomemos um tema de grande valor, a pena de morte. Se a julgo
baseado no princípio "não matarás", não posso senão condená-la. Mas se a julgo com base
nas consequências, e se por exemplo acredito que a pena de morte seja mais intimidadora
que a prisão, não posso aprovar sua abolição.
Uma ação moralmente boa é aquela realizada de acordo com certos princípios
universais, ou assim supostos por quem os cumpre. Uma ação politicamente boa é uma
ação que teve sucesso, que atingiu a finalidade que os agentes se propunham. Quem age
segundo princípios não se preocupa com o resultado de suas ações: faz aquilo que deve e
que disso advenha o que for possível. Quem se preocupa exclusivamente com o resultado
não se move tanto pelo sutil respeito à conformidade aos princípios mas faz aquilo que é
necessário para que ocorra o que deseja. O juiz que pergunta ao terrorista "arrependido"
se havia cogitado do problema do "não matarás" representa a ética dos princípios. O
terrorista que responde que o grupo só havia cogitado do problema de ser ou não bem
sucedido representa a ética do resultado. Se se arrepende não é porque sinta remorso por
haver violado a lei moral mas por considerar que afinal a ação política praticada havia
falhado em relação ao escopo proposto. Nesse sentido não pode dizer-se propriamente
"arrependido", mas antes alguém que se convenceu de ter errado. Não reconheceu tanto
a culpa quanto o erro.
Pode-se tanto não atingir o resultado como alcançar um resultado diferente
daquele que estava proposto. O assassino do arquiduque Ferdinando durante o

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interrogatório do processo disse: "Não previa que após o atentado teria vindo a guerra.
Acreditava que o atentado teria agido sobre a juventude, incitando-a às ideias
nacionalistas." E um dos cúmplices, que errou o tiro, disse: "Este atentado teve
consequências que não podiam ser previstas. Se tivesse podido prever o que teria
sucedido, teria eu mesmo sentado naquela bomba para fazer-me em pedaços."
Concluo. Afirmei que das quatro concepções da relação entre ética e política, duas
têm um valor mais prescritivo e as outras um valor analítico. Acrescento por fim que a
concepção do monismo flexível não somente explica porque há o dissídio como também
procura justificá-lo. A única doutrina verdadeiramente analítica, que não pretende
prescrever nem justificar nada, limitando-se a constatar o contraste procurando dar-lhe
uma explicação - digo explicação e não justificação - é a última, o dualismo real. Posto
nesses termos, como contraste entre dois sistemas de juízo não coincidentes sobre o bem
e o mal, o problema é realmente insolúvel. Haveria uma solução se se pudesse demonstrar
que sempre, digo sempre, o melhor resultado é aquele que se obtém respeitando
princípios. Uma demonstração desse gênero é possível somente no âmbito de uma ética
extra-mundana, para o qual o único fim bom que conta é a salvação da própria alma,
obtido pelo respeito às leis morais sustentadas por quem está em posição de dar um juízo
definitivo, de premiar o justo e de punir o injusto. Neste mundo, porém, a glória do justo
e a condenação do injusto não estão de modo algum asseguradas. O justo deve fazer-se
injusto para fazer justiça, o pacífico deve fazer-se violento para estabelecer a paz, o
amante da verdade deve mentir para não se deixar enganar pela mentira de outros, o
honesto deve violar os pactos impostos pela força, o bom deve manchar-se das mesmas
culpas do malvado para fazer triunfar o bem.
A história da vida moral e a história da vida dos Estados são duas histórias
paralelas que até agora raramente se encontraram. Olhando ao redor tenho a impressão
de que não estejam destinadas a encontrar-se num futuro próximo. O herói da vida moral
é o santo que vai ao encontro do martírio para salvar o princípio do bem, o herói político
é o homem da história universal de Hegel, o líder carismático ou somente o governante

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responsável, que salva ou crê salvar o próprio povo, mesmo que ao preço de inaudita
crueldade.
Permitam-me fechar uma exposição deliberadamente fria, compassada e
impassível, com essa lembrança da dramática realidade de nossos dias. Não só a história
dos justos e a história dos poderosos são paralelas que não se encontram, mas até agora a
história que se celebrou e cujos triunfos continuam se celebrando não é a primeira mas a
segunda.

Etica e política, Parma, Patriche Editriche, 1984 - Tradução de Marcos Tadeu del Roio.

2 - Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um


conceito comum – (ADAPTADO)

Ana Paula Pedro


Professora do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro,
Portugal. [email protected]

2.1 - Introdução

Este texto tem por objetivo essencial contribuir para o esclarecimento teórico-
filosófico do uso de conceitos como ética, moral, axiologia e valores, habitualmente
empregues para nos referirmos a uma mesma realidade. Para tal, começaremos por
analisar as respetivas etimologias que os caracterizam, examinaremos os diversos matizes
dos seus sentidos diferenciados, bem como a sua relação de complementaridade, e
terminaremos referindo o que entendemos por valores e qual a sua natureza e importância,
principais características, bem como o universo a que se reportam. Ao longo do texto,
aduziremos e concluiremos pelo uso preferencial do conceito de "ética" a "moral", para o
qual estão reservados os termos "normas" e "regras", e o de "valor" a "norma", a par de
uma perspectiva crítica daquela.
Frequentemente, assistimos ao uso ambíguo de palavras que estabelecem uma
associação terminológica por sinonímia de "moral e ético", "moralidade e ética", "valores
e ética", "valores e norma", "axiologia e ética", e ainda, "filosofia moral e ética" que se

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empregam em vários contextos do quotidiano como se de sinónimos se tratassem,
resultando daqui, não raras vezes, uma enorme confusão para quem necessita de as
utilizar, dificultando, deste modo, a comunicação e a elaboração do pensamento.
Para além disso, uma clarificação conceitual a este nível, potencia o estabelecer
de diferenciações quanto ao uso dos conceitos acima referidos nos diversos contextos a
que se referem, sejam eles de natureza reflexiva, crítica ou normativo-legal com
expressivas consequências ao nível da construção do saber teórico e do saber prático
atuais (ex: códigos profissionais de ética).
Deste modo, e partindo do pressuposto de que estes conceitos constituem a base
essencial do nosso agir ético-comportamental quer enquanto pessoas, quer enquanto
profissionais, quer enquanto investigadores, por exemplo, este artigo tem por objetivo
fundamental contribuir para o seu dilucidamento conceitual-etimológico.
Assim, procederemos, primeiramente, à explanação de algumas das razões que
explicam as confusões contingenciais que rodeiam estes conceitos, seguida de uma
explicação esclarecedora da sua origem etimológica. Exploraremos, ainda, alguns dos
sentidos de que se revestem na atualidade, de acordo com alguns dos pensadores que mais
significativamente influenciaram o seu "pensar".
Ao longo do texto, aduziremos e concluiremos pelo uso preferencial do conceito
de "ética" a "moral", para o qual estão reservados os termos "normas" e "regras", e o de
"valor" a "norma", a par de uma perspectiva crítica daquela.

2.2 - De que falamos quando falamos de ética e de moral?

Frequentemente, confundimos moral e ética quando nos referimos indistintamente


ora ao universo das normas e dos valores sociais tout court, ora quando aludimos ao facto
de que a ética e a axiologia têm o mesmo significado, não estabelecendo quaisquer
fronteiras e limites entre cada uma delas, dada a natureza da sua proximidade, por um
lado, nem efetuando as respetivas interações de complementaridade que entre si se podem
tecer, por outro.

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Uma das razões para tal acontecer reside no facto de existirem duas palavras para
mencionar o domínio valorativo da ética e da moral através da sua origem grega e latina,
de raíz etimológica distinta: assim, o termo ética deriva do grego ethos, que pode
apresentar duas grafias – êthos – evocando o lugar onde se guardavam os animais, tendo
evoluído para "o lugar onde brotam os atos, isto é, a interioridade dos homens" (Renaud,
1994, p. 10), tendo, mais tarde passado a significar, com Heidegger, a habitação do ser,
e – éthos – que significa comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma
pessoa, enquanto a palavra moral, que deriva do latim mos, (plural mores), se refere a
costumes, normas e leis, tal como Weil (2012) e Tughendhat (1999) referem.
Para além disso, os termos ética e moral aplicam-se quer a pessoas quer a sistemas
ou teorias morais, o que agrava, ainda mais, o estado de confusão, pois, quando desejamos
classificar a natureza da ação humana e de sistemas mais alargados em que os sujeitos se
inserem, o cidadão comum oscila sempre indistintamente sobre a utilização de cada um
desses termos.
Há quem considere, no entanto, que não faz qualquer sentido estabelecer estas
distinções, pois todas acabam por referir-se ao mesmo universo; contudo, não é bem essa
a nossa opinião por considerarmos estar subjacente à identificação e delimitação destas
diferenciações terminológicas um modo de agir e de pensar interrogativo e reflexivo
distintos daquele que sucederia, caso não as reconhecêssemos como tal.
Também Ricœur (2012) menciona esta diferenciação entre ética e moral,
reservando o "terme d’éthique pour tout le questionnement qui précède l’introduction de
l’idée de loi morale et de désigner par morale tout ce qui, dans l’ordre du bien et du mal,
se rapporte à des lois, des normes, des impératifs".
Por outras palavras, Ricœur, em "Soi-même comme un autre" (1990), atribui: "1)
la primauté de l’éthique sur la morale ; 2) la nécessité pour la visée éthique de passer par
le crible de la norme ; 3) la légitimité d’un recours de la norme à la visée… La morale ne
constituerait qu’une effectuation limitée, quoique légitime et même indispensable, de la

16
visée éthique, et l’éthique en ce sens envelopperait la morale" (Ricœur, 1990, pp. 200-
201).
Neste sentido, por exemplo, não terá significado idêntico referenciar moral e ética
sob a mesma perspectiva para falarmos de uma única realidade valorativa, pois, enquanto
a moral se refere a um conjunto de normas, valores (ex: bem, mal), princípios de
comportamento e costumes específicos de uma determinada sociedade ou cultura
(Schneewind, 1996; Weil, 2012), a ética tem por objeto de análise e de investigação a
natureza dos princípios que subjazem a essas normas, questionando-se acerca do seu
sentido, bem como da estrutura das distintas teorias morais e da argumentação utilizada
para dever manter, ou não, no seu seio determinados traços culturais; enquanto a moral
procura responder à pergunta: como havemos de viver?, a ética (meta normativa ou meta
ética) defronta-se com a questão: porque havemos de viver segundo x ou y modo de viver?
A ética é essencialmente especulativa, não se devendo dela exigir um receituário
quanto a formas de viver com sucesso, dado que se preocupa, sobretudo, com a
fundamentação da moral; a moral, é eminentemente prática, voltada para a ação concreta
e real, para um certo saber fazer prático-moral e para a aplicação de normas morais
consideradas válidas por todos os membros de um determinado grupo social. Por outro
lado, a ética não é um conjunto de proibições nem a moral algo definível somente num
contexto de ordem religiosa (Singer, 1994, p. 11; Dias, 2006; Gontijo, 2006).

2.3 - Ética e moral: uma necessária relação de complementaridade

Contudo, apesar de estes conceitos serem distintos, existe uma estreita articulação
entre si, na medida em que a ética tem como objeto de estudo a própria moral, não
existindo desligada uma da outra, mas sendo independentes entre si, tal como podemos
verificar no gráfico que se segue.
Neste sentido, tanto a ética implica a moral, enquanto matéria-prima das suas
reflexões e sem a qual não existiria, como a moral implica a ética para se repensar,

17
desenhando-se, assim, entre elas uma importante relação de circularidade ascendente e de
complementaridade.
Muito embora cada uma delas mantenha as suas especificidades e particularidades
que as caracterizam no seu modus operandi, a verdade é que esta relação complementar
torna-se não só desejável como necessária, na medida em que permite à moral quer uma
abertura à comunicação e ao diálogo ético-moral (que corresponde ao tracejado no
gráfico), entendidas como antídoto ao dogmatismo moral; quer o desenvolvimento de
uma capacidade de interrogação, reflexão e ponderação de cada sistema de moralidade
existente quanto à natureza e pertinência das suas normas e regras morais secularmente
instituídas, mas nem sempre repensadas à luz do sentido dos princípios que as
fundamentam (exs: práticas de excisão feminina; infanticídio feminino); quer, ainda, o
conhecimento racional subjacente a uma práxis moral informada.

Esta valorização do conhecimento pensada como condição necessária ao modo de


agir e de viver moral é, simultaneamente, um pressuposto desse mesmo agir e pensar,
afastando, assim, a ideia de que a moral ou a ética pertencem exclusivamente ao domínio
da intuição e da emoção e não do conhecimento e da razão. Contudo, um equilíbrio entre
ambas é absolutamente fundamental.

18
2.4 - Valores, moral e ética: que relação?

Estabelecida esta distinção, podemos agora colocar a pergunta: qual a relação


existente entre valores, moral e ética? Será de sinonímia ou de antonímia?
Bem, na verdade, consideramos que a situação se assemelha à anteriormente
descrita, pois, se, por um lado, uma e outra fazem inevitavelmente uso dos valores, muito
embora, sob perspectivas diferentes, uma, de natureza mais prática (moral), e outra, de
pendor mais reflexivo e interrogativo (ética), por outro lado, valor, cuja origem
etimológica deriva do latim valere, surge com uma conotação algo distinta dos restantes
vocábulos acima assinalados, na medida em que remete para a ideia daquilo que vale (ou
de merecimento), de robustez, força e poder de um objeto (bem) que se impõe
primordialmente à consciência do sujeito.
Contudo, um sentido de valor mais completo é, em nosso entender, aquele
sugerido por Ricœur (2012), quando afirma que "dans le mot ‘valeur’, il y a d’abord un
verbe: évaluer, lequel à son tour renvoie à préférer: ceci vaut mieux que cela; avant
valeur, il y a valoir plus ou moins".
Por sua vez, valor e norma também são geralmente confundidos como sendo
conceitos sinónimos; todavia, enquanto a especificidade do valor se estrutura e organiza
em volta de conceitos como "bom", "mau", a norma já parece referir-se ao domínio do
"obrigatório", do "interdito" ou do que é socialmente "permitido".
Assim, da relação tridimensional valores, moral e ética, podemos aduzir valores
morais e valores éticos; todavia, nem a moral nem a ética reduzem, obviamente, a sua
esfera de pensamento e de ação somente a este tipo de valores, dado que o mundo dos
valores é imenso e infinito. Por isso, nunca é demais assinalar uma outra confusão que
habitualmente ocorre ao identificar valores somente a valores morais, esquecendo a
panóplia imensa do tipo de valores existentes (ex: políticos, éticos, morais, estéticos,
ecológicos, vitais, espirituais, económicos, religiosos).
Esta associação deve-se ao facto de, por razões culturais, ter existido ao longo dos
séculos, uma proximidade histórica e cultural entre a esfera dos valores religiosos e a

19
realidade social que, não obstante, se tem assumido, ultimamente, de cariz eminentemente
laico e secular, mas ainda, de raíz judaico-cristã.

2.5 - Axiologia e valores possuem o mesmo significado?

Apesar da estreita relação que mantêm entre si, pois uma (valores) é o objeto de
estudo da outra (axiologia), aliás, à imagem da ética e da moral – como vimos – são, no
entanto, distintas: enquanto a axiologia mais não significa do que o estudo ou tratado dos
valores, ou seja, uma reflexão filosófica sobre os valores, sua natureza, características,
estrutura, conhecimento e teorias, os valores, enquanto tal, constituem o seu objeto de
estudo. Não há, pois, que confundir axiologia com valores.

2.5.1 Valor: natureza e definição

O que são valores? Os valores valem? Qual a importância e pertinência que os


valores desempenham na vida de cada um de nós? E na sociedade, em geral? Falar de
valores equivalerá a falar apenas de valores morais? De que servem e para que servem os
valores, afinal?
Será importante um estudo sistemático dos valores (Teoria dos Valores ou
Axiologia) ou bastar-nos-á um sentimento intuitivo axiológico que todo o homem
"normal" parece possuir devido ao processo evolutivo? Por que vias se obtém o
conhecimento do valor: pela intuição, pela emoção ou pela razão? Será possível, ou
mesmo desejável, vivermos à margem dos valores? De que forma é que os valores
determinam, ou não, o sentido e a realização da vida humana?
Muito embora a palavra "valor" tenha inicialmente surgido no contexto das
ciências económicas (Adam Smith, 1723-1790), querendo com isso denotar algo que é
valioso e que se pode usar ou trocar, foi a partir da segunda metade do séc. XIX e início
do séc. XX, mais concretamente com Nietzsche (1844-1900), que a palavra valor, com a
correspondente conotação axiológica, foi primeiramente introduzida na filosofia. Na
verdade, em "A genealogia da moral" (1990), Nietzsche enceta uma crítica vigorosa aos

20
valores cristãos da época, designando-os de falsos e preconizando a sua substituição por
outros autenticamente humanos.
Contudo, é possível assinalar que os valores, enquanto objeto de estudo e de
reflexão filosófica e não como ramo da filosofia (Axiologia ou Teoria dos Valores), tal
como hoje a conhecemos e cuja sistematização inicial se ficou dever a Lotze (1817-1881),
remonta à antiguidade grega, sendo, pois, possível destacar, desde logo; Sócrates (470
a.C.-399 a.C.), o qual se insurgiu contra o relativismo moral sustentado pelos sofistas,
contrapondo-lhe a universalidade dos valores éticos; Platão (427 a.C.-347 a.C.), que
tomou um caminho diferente do do seu mestre ao transpor a reflexão valorativa para o
mundo metafísico das ideias (Teoria das Ideias), que mais não é do que uma Teoria dos
Valores, culminando na Ideia de Bem; Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), quem primeiro
apresentou uma verdadeira teoria sistemática dos valores (Teoria das Virtudes) e que, por
sua vez, remete a questão da transcendência da Ideia de Bem para o plano imanente, da
realidade empírica; e, mais tarde, Kant (1724-1804), entre outros, cuja ideia de valor é
deslocada para o domínio da consciência pessoal e individual caracterizada por um forte
formalismo moral em que os valores são, pois, vazios de conteúdo (agir no dever pelo
dever), dependendo apenas de juízos de valor emitidos pela consciência e não pelo que o
real apresenta.
Em contraposição com o formalismo moral kantiano, os defensores da concepção
material dos valores reconheceram a estes um conteúdo concreto, real. Deste último ponto
de vista, os valores já não constituem um a priori, pois, tanto podem ser relativos
(dependendo das valorações do sujeito) como absolutos (existentes em si mesmos
enquanto entes), pelo que vão ser estas posições – subjetivismo e objetivismo – que vão
marcar, doravante, grande parte da natureza das discussões axiológicas.

2.5.2 - Para uma definição de valor

Contudo, antes mesmo de prosseguirmos, convém clarificar a sua noção de base


ou, pelo menos, tentar fazê-lo:1 o que é o valor? Como defini-lo?

21
Atentemos, num primeiro momento, quanto à origem etimológica da palavra
Axiologia: do grego, o verbo άξιος/a[xioς – o qual pode traduzir-se por "valor", e o
substantivo axía, que também significa Valor, e λόγος – logos – que indica estudo ou
tratado, a partir do qual se formou a palavra axiologia, ou ciência do valor, tratado dos
valores (Cabanas, 1998, p. 121; Duméry, 2012).
Mas, esta abordagem constitui apenas uma aproximação inicial ao conceito;
todavia, parece que ainda muito fica por dizer acerca do mesmo. Na verdade, se quisermos
tomar para nós esse experienciar do valor, logo encontraremos um primeiro significado:
o da vivência de um valor, em particular. Ou seja, a vivência do valor, independentemente
do valor que for, é experienciado como um fenómeno que se apresenta à consciência
como tal e como um acontecimento que nos é imediatamente dado.
Esta forma fenomenológica2 de proceder para a determinação que buscamos do
sentido da palavra valor revela-nos, igualmente, outra característica importante: para além
do valor constituir, primeiramente, um fenómeno que aparece à nossa consciência, num
outro momento, ele é experienciado como algo de "valioso", ao qual foi atribuída uma
preferência maior no seu grau de importância face aos demais.
Portanto, o ato de valoração – que é feito por um sujeito que não pode deixar de
valorar,3 pois, valorar é existir – é, por um lado, subjetivo e relacional e, por outro lado,
objetivo e material, porquanto esse valor advém de um objeto que possui um determinado
conjunto de qualidades que não foram indiferentes ao sujeito que as apreciou.

2.5.3 - Confusões entre valor e bens

Mas, se só existe valor na exata medida da preferência subjetiva do sujeito ditada


pela natureza do objeto, então, pode muito bem acontecer que o sujeito opte erradamente
(ex: alguns sujeitos poderão transformar a droga num valor para si).
Quando tal acontece, porque acontece em termos valorativos? E o que determina
a escolha do bem em si? "Por que é que umas (coisas) valem mais do que as outras…

22
possuem um valor elevado? Como se estabelece o valor de uma coisa e por que é que se
pode afirmar que ela vale tanto ou tanto"? (Foucault, 1998, p. 237).
Com efeito, sucede, frequentemente, que quando pensamos em valores estamos a
referir-nos mais a "entes valiosos", ou a uma ideia de "bem", do que, propriamente, a
valores. Um exemplo do que acabamos de afirmar é aquele em que nos referirmos à
virtude como sendo um valor, quando, na verdade, se trata de um bem, tendo em
consideração a sua característica valiosa.
Do mesmo modo, a verdade, a beleza e o bem também não são valores, mas sim
entidades com a sua essência bem identificada: assim, a verdade é uma adequação do
intelecto à realidade e a beleza é uma qualidade de algumas coisas que, ao serem
contempladas, produzem em nós uma sensação agradável. Na verdade, estas coisas, em
si, ainda não são valores, pois, por si só, não apresentam qualquer valor (mais valia);
ainda são bens.
Por outras palavras, o bem não é, em si mesmo, portador de valor, sem mais. O
bem apenas possui determinadas qualidades objetivas e reais que podem satisfazer as
necessidades do sujeito sendo, portanto, apetecível para este. Mas, nesta altura, o bem
ainda não é um valor. O bem só se transformará em valor enquanto satisfizer a condição
de apreciação subjetiva (ex: os alimentos constituem um bem portador de valor para uma
pessoa que tenha fome, mas deixam de o ser para quem tenha comida em abundância).
Em rigor, como diz Cabanas (1998, p. 120), "los valores no son bienes, sino una
consecuencia de esos bienes referidos a la persona". Tal significa, portanto, que
incorremos em erro ao estabelecer uma confusão comum de fazer equivaler "bem"
(objeto) a valor, tomando o bem por menos bom e o valor por bem quando, na verdade,
o objeto só passa a ter valor de uma forma derivada; a partir do momento em que o sujeito
lho reconhece.
De facto, esta circunstância não é assim tão incomum, pois vemos o mesmo
acontecer ao nível do conhecimento, em geral, tomando-se, muitas vezes, ilusoriamente,
o que é verdadeiro pelo falso. Ora, tal significa que a faculdade ligada à captação e

23
conhecimento dos valores terá de ser, necessariamente, também a razão (intelectualismo)
e não somente a emoção (emotivismo), assunto que retomaremos mais adiante.
Em suma: há valor sempre que: 1. o sujeito se interessa pelo objeto e este não lhe
é indiferente; 2. o objeto (bem) tem interesse (ou é útil) em si mesmo; 3. há uma
apreciação parcial, ou um "parti pris" (Lavelle, 1951, p. 186), que o sujeito adota face ao
objeto. Porém, é a combinação de cada um destes fatores que forma o valor e não um
deles tomado isoladamente.
As coisas são chamadas "valores" (valiosas) não porque participem vagamente de
um universal valorativo abstrato, ou de um qualquer ideal de valor inventado ex
nihilo pelo homem, mas porque respondem objetivamente aos interesses e problemas
profundos do sujeito. Deste modo, é pela relação que o sujeito mantém com as coisas que
adquire a natureza de valor (Silva, 2010; Pontarolo, 2005; Gonçalo, 2008; Cabanas,
1998).
Os valores constituem, assim, uma resposta natural às necessidades sentidas pelo
sujeito; daí, a sua importância e contributo para a transformação da realidade; daí, o papel
crucial que a educação pode representar no entrelaçar dos seus objetivos com o ganho de
consciência reflexiva e práxica acerca dos valores com vista à realização do sujeito, de
acordo com as suas preferências.
Consequentemente, os valores não são entidades autónomas existentes em si,
como Platão pretendia, mas antes, qualidades de natureza preferencial passíveis de serem
apreciadas por um sujeito.
Ou seja, uma coisa é o bem, que existe por si mesmo, independentemente de toda
e qualquer apreciação subjetiva; outra, o tipo de apreciação valorativa que lhe é atribuída.
A definição de valor da qual partimos e que consideraremos como objeto de
estudo no presente trabalho, é a seguinte: valor é a qualidade abstrata preferencial
atribuída pelo sujeito suscitada pelas características inerentes de determinado objeto que
satisfazem as necessidades e interesses daquele.

24
Com esta definição consideramos a natureza ideal do valor, contudo, radicada na
existência material do objeto, realidade da qual o sujeito parte e que não lhe é indiferente.
Por isso mesmo, em nosso entender, esta definição acentua igualmente a natureza
relacional do valor, simultaneamente, objetiva e subjetiva, que constitui a marca
indelevelmente axiológica do sujeito por relação com os outros seres existentes
(ontológica).

2.5.4 - Valor: suas caraterísticas

Esta referência ao sujeito a que acabamos de aludir não pretende indicar somente
o sujeito individual, mas, sobretudo, o sujeito em geral, por abstração, aquele que pertence
ao género humano.
Deste modo, os valores acham-se referenciados ao que de comum existe e
caracteriza o ser humano e não ao indivíduo, em particular, não sendo, portanto, algo de
subjetivo ou de arbitrário. Ou seja, a problemática dos valores está presente no mais
íntimo de todo e cada sujeito e constitui o fundamento da sua essência.
Acabamos, assim, de evidenciar o caráter relacional do valor: os valores são, mas
não são em si; são sempre valores para alguém, pois sem sujeito não haveria valores.
Estes resultam da relação que se estabelece entre determinados objetos e o sujeito. Tal
como refere Hessen (2001, p. 23), "valor é sempre valor para alguém. Valor… é a
qualidade de uma coisa, que só pode pertencer-lhe em função de um sujeito dotado de
uma certa consciência capaz de a registar".
Daqui não se segue, contudo, que os valores sejam apenas subjetivos, pois a
valoração advém de um objeto concreto e real, ou somente objetivos, uma vez que a sua
apreciação é feita segundo o interesse do sujeito, facto que denota uma certa ambivalência
na caracterização dos valores por apresentarem, ao mesmo tempo, uma dimensão objetiva
e subjetiva.
Mas, para além destas caraterísticas dos valores que acabamos de assinalar
– referência a um sujeito ou caracter relacional; ambivalência, por serem ora subjetivos

25
ora objetivos, bem como o facto de serem supraindividuais, não se referindo, por isso,
apenas ao homem x ou y, mas a todos os homens – é possível assinalar, ainda, outras
particularidades específicas dos valores, tal é a sua natureza complexa e pluridimensional,
tais como o facto de serem:
2.5.4.1 - Ideais, no sentido em que os valores pertencem ao mundo do pensamento
que os pensa, à imagem dos objetos do pensamento lógico e matemático; não no sentido
em que são absolutos ou transcendentais, teleologicamente falando, mas no sentido em
que nos remetem para uma crença ou uma dimensão que nos ultrapassa.
Comentário crítico: Esta postura é criticável, pois os valores não podem ser
delimitados e localizados de forma inequívoca como sucede com os entes matemáticos.
O valor aponta para o que é relevante, digno de importância, para a ideia de excelência;
2.5.4.2 - Irrealidade, na medida em que os valores, embora realizáveis (ex:
valores culturais), não são materiais, palpáveis, no sentido de se poderem tocar ou
manusear; i.é., não têm existência objetiva. Não são, portanto, "entes em si", à maneira
platónica, mas "entes de razão". É, nesse sentido, que ouvimos dizer a expressão: "os
valores não são; os valores valem" (Lotze, 1951, apud Morente, 1987).
Comentário crítico: Contudo, os valores exigem necessariamente uma relação
com as coisas, os objetos, o mundo e a realidade para se poderem afirmar, realidade essa
a partir da qual e para a qual tendem (Brentano, 1838-1917). É com Brentano4 que se dá
o reconhecimento da existência de uma certa intencionalidade que se exprime como
sendo uma intencionalidade de algo;
2.5.4.3 - Apreciáveis: os valores são apreciáveis, estimáveis e admiráveis. Por
isso, indignamo-nos quando os vemos destruídos, (ex: destruição de estátuas milenares
de Buda no Afeganistão);
2.5.4.4 - Inexauríveis, no sentido em que o seu valor não se esgota em nenhuma
das suas realizações. Assim, a bondade não se esgota nos atos considerados bons
(Sanabria, 2005);

26
Conclusão crítica: Por esta razão se compreenderá o que frequentemente acontece
quando sentimos, por exemplo, uma enorme decepção com determinadas ações dada a
diferença existente entre os nossos desejos e a realidade.
2.5.4.5 - Intemporais, pois os valores estão para além do devir temporal; caso
contrário, não seriam valores;
2.5.4.6 - Obrigatoriedade (Requisito de), (requierdness), no sentido de imperativo
categórico. Dado que os valores não são neutros, é completamente impossível sermos-
lhes indiferentes. Daí, que sintamos obrigação moral (dever ser) de sobre eles nos
pronunciarmos e tomarmos uma posição;
2.5.4.7 - Qualidade: o valor constitui uma qualidade preferencial traduzida pelo
sujeito face às características do objeto, mas é uma qualidade sui generis (Frondizi, 1972),
pois não tem qualquer existência real, como acontece com o objeto, muito embora radique
nele para se expressar;
2.5.4.8 - Apetecibilidade: esta característica verifica-se, na medida em que os
valores não são indiferentes ao sujeito, mas exercem sobre si uma força atrativa que
reside, mais precisamente, na sua dimensão ideal e significativa;
Comentário crítico: quer o carácter de preferência (qualidade) quer o da atração
(apetecibilidade) podem variar enormemente, indo do "bom" ao "mau". Podemos sempre
escolher objetos cujo valor é duvidoso, na medida em que se diz que somente sobre eles
recai o nosso interesse e preferência; contudo, tal como já referimos, nestas circunstâncias
pode ocorrer o erro, pelo que, nesse caso, não se trataria de um valor, mas de um anti-
valor;
2.5.4.9 - Polaridade (ou bipolaridade), de acordo com a qual, a cada valor positivo
corresponde um valor negativo ou anti-valor (ex: à paz opõe-se a guerra; à ideia de bem
opõe-se a ideia de mal).
Comentário crítico: Contudo, como muito bem o fazem notar Brito e Meneses
(2012), há um valor em que não se verifica a existência bipolar que acima se refere, na
medida em que será paradoxal atribuir um anti-valor à existência pelo simples facto de

27
que, não havendo nada, não havendo existência de algo ou de alguém, não há o que
valorar e por que valorar.
Por sua vez, também a realidade não tem um anti-valor correspondente, pois o
nada é a total negação do ser. Já o anti-valor tem realidade, dado que não é a simples
ausência de valor positivo, mas constitui uma privação de algo que deveria ter-se, ou ser,
e não se tem, ou não é.
2.5.4.10 - Objetividade axiológica: os valores são objetivos como as figuras
matemáticas, na medida em que mesmo que tenhamos uma ideia pouco clara da sua
representação, conseguimos intuí-la como sendo algo objetivo (ex: quando dizemos que
um ato foi justo ou injusto, dizemo-lo por referência ou por comparação com a ideia
objetiva de Justiça que todos possuímos);
Comentário crítico: os valores não são entes exclusivos nem da res cogitans nem
da res extensa; ou seja, se, por um lado, não existem independentemente dos sujeitos nem
se reduzem a uma vivência subjetiva dos mesmos, por outro lado, manifestam-se nos
objetos, mas através do homem, para o homem e para o mundo;
2.5.4.11 - Hierarquia, segundo a qual se pretende significar que nem todos os
valores valem do mesmo modo, ou da mesma maneira, variando a sua ordenação, ou
lugar, na escala vertical (há valores que são mais elevados do que outros), segundo o grau
de importância ou de preferência (critério) que o sujeito decidir atribuir-lhes. Pode
afirmar-se, então, poderem existir tantas hierarquias de valores quantos os sujeitos,
logrando existir desacordo frequente entre elas;
Comentário crítico: contudo, deste facto não se deduz necessariamente um
relativismo de valores, como frequentemente ouvimos referir, mas sim que há valores
que, devido às suas características (Scheler, 1874-1928) se distanciam qualitativamente
de outros.
2.5.4.12 - Heterogeneidade: Por muito ordenados que os valores estejam e por
muito classificados que sejam e se encontrem agrupados segundo "famílias" de valores,

28
o certo é que existe uma diferenciação qualitativa entre eles (ex: a coragem e a saúde não
têm certamente o mesmo valor).
2.5.4.13 - Caráter unitário ou sistema lógico com que os valores se apresentam,
cuja estrutura interna possui uma consistência coerente no tipo de relações que estabelece
entre os diferentes valores;
Estas características mantêm uma relação estreita de interação entre si, muito
embora algumas de entre elas se possam manifestar ou expressar parcialmente, de acordo
com determinadas circunstâncias que assim o favoreçam.
Ou seja: os valores não se circunscrevem unicamente a estas características atrás
mencionadas e vão manifestando cada uma das suas dimensões consoante a qualidade das
experiências vividas pelo sujeito que assim as for salientando, dando-se a conhecer
parcialmente.
Em última análise, é como se os valores fossem um poliedro, no qual a luz que
incidisse numa das suas faces era a revelada naquele momento em particular; mas, tal não
significa que as restantes facetas sejam inexistentes. Esta questão sugere-nos uma outra:
a do problema aristotélico da potência e do ato.
Contudo, subjacente a esta manifestação parcial subsiste a estrutura que as
sustenta ou suporta, caracterizada pela dimensão que a sua amplitude até aqui analisada
demonstra.

29
2.6 - Conclusão

Neste texto, partimos de uma diferenciação inicial quanto ao entendimento dos


termos ética e moral enquanto antónimos; tal facto leva-nos a considerar uma prevalência
da ética relativamente à moral, contudo não consideramos poder perspectivar-se uma
ética sem moral nem uma moral sem ética, dado que ambas são absolutamente necessárias
e complementares entre si.
O facto de não partilharmos de uma sinonímia conceitual de base entre ética e
moral não nos permite considerar a sua distinção como se de uma separação hermética de
conceitos se tratasse, dado que tanto a ética necessita da moral como a moral da ética:
aquela, de sentido normativo, porque constitui matéria-prima de reflexão crítica e de
fundamentação da moral, e esta porque necessita do carácter profundamente interrogante
e comunicativo daquela condição da sua evolução. Na verdade, o que tal significa, em
nosso entender, é que possuem funções diferentes, mas interdependentes em que uma não
pode existir sem a outra.
Da mesma forma, também os valores se opõem às normas e às regras, num
primeiro momento, muito embora delas possam vir a necessitar, num segundo momento,
para se expressarem e manifestarem; contudo, aquelas não são redutoras e muito menos
se deixam encerrar no domínio estr(e)ito destas, pois o seu universo é infindável e
inesgotável, sempre sujeito a novas descobertas e aproximações da realidade reveladoras
da complexidade humana.
Inegável é, contudo, a importância que cada um destes conceitos se reveste quer
para o dizer quer para o fazer ético humano nos diversos contextos em que o sujeito se
insere.

30
NOTAS

1 Muito embora, segundo Hessen (2001, p. 43), esta não seja uma tarefa fácil de
empreender, uma vez que o conceito valor não pode, em rigor, definir-se dado pertencer
àquele conjunto de conceitos ontológicos, tais como os de "ser", "ente" e "existência",
que não admitem qualquer definição em si mesmos. Na verdade, o seu significado vai-
se desvelando à medida que conseguirmos adentrar no fenómeno em si. A dificuldade
desta tarefa também é partilhada por Ortega y Gasset (1983, p. 333), quando refere que
a sua definição só consegue fazer-se por meios indiretos.

2 Proceder fenomenologicamente ao estudo e experiência do valor (Hessen, 2001)


significa partir do fenómeno em si mesmo para sua análise e reflexão e não partir de
conceitos apriorísticos já formados para depois deles extrair o significado dos conceitos.
Em certo sentido, pode considerar-se existir um paralelismo entre o método
fenomenológico e o método experimental, ao procurar manter a igualdade de
procedimentos em que a experiência deve decorrer para poder atribuir objetividade aos
resultados obtidos. Para além desta abordagem em axiologia, que constitui a axiologia
fenomenológica, é possível, ainda, designar outras correntes essenciais que compõem o
estudo formal dos valores que se desenham no âmbito da axiologia, a saber: a axiologia
formal; a psicologia dos valores e a doutrina empírica dos valores ou estudo dos valores
aplicados. As axiologias fenomenológica e formal caracterizam-se por realizar um
estudo a priori sobre as condições de ocorrência do fenómeno "valor", enquanto as duas
últimas (psicologia dos valores e estudo empírico dos valores) têm por objeto de
estudo a posteriori e material dos valores em concreto em determinados contextos que
fazem parte da vida dos sujeitos, por exemplo, na economia, na política, na biologia
(Jesinghaus, 2012).

3 Valorar é, para nós, entendido como sinónimo de atribuição de valor, apreciação,


interpretação, ponderação, avaliação, ou ainda, possibilidade de emitir juízos de valor.

4 Franz Brentano (1838-1917) ficou conhecido por introduzir a questão da


intencionalidade, segundo a qual a mente tem características diferentes de outros
estados mentais, na medida em que são estados acerca de coisas (ex: crenças, desejos,
convicções). Este foi um problema para a filosofia da mente – o da naturalização da
mente – cujos significados e conteúdos intencionais, embora não visíveis, poderão,
eventualmente, constituir a causa de um comportamento observado.

31
REFERÊNCIAS

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fenomenológica" [Online]. Disponível
em: www.eleutheria.ufm.edu/ArticulosPDF/100621_fondo_os. (Acessado em 11 de
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32
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