Retrato em Branco e Negro - Lilia Moritz Schwarcz
Retrato em Branco e Negro - Lilia Moritz Schwarcz
Retrato em Branco e Negro - Lilia Moritz Schwarcz
Sobre a obra:
Sobre nós:
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Sumário
Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
Agradecimentos
‑
Introdução: O caso do “creoullo de bigode, pince nez e cavagnac”
O estado da questão
O contexto
A imprensa paulistana
diacrônica
Considerações finais
Caderno de imagens
Apêndice
Notas
Bibliografia
Sobre a autora
Créditos
Para o Luiz
Agradecimentos
e era menos
e era quase
Paulo Leminski
Com o risco de quem sabe não conseguir tocar a todos que de alguma
trabalho se concretizasse.
Mariza Correa, Carlos Brandão, Peter Fry, Bella F. Bianco, agradeço por
um livro.
viável.
defesa de tese, que sem dúvida contribuíram muito para esta forma final
A minha família: Lelé, Beto, Noca, Ju, Sérgio, Vova, Omi, Vovô, Baba e
por muito mais, já que se isso tudo “não fosse tanto era quase”.
Introdução
cavagnac”
silêncio.
não menos pacata cidade que era São Paulo percorre um pequeno
do século XIX, ela poderia ou não despertar interesse, já que talvez seu
bordo. O Presidente do PE que estava a bordo trazia consigo um criado bonito, creoullo, de
bigode e cavagnacs, pisar forte amante dos versos de Varella cujos hinos sobraçava em POSE e
Ao fim do jantar do primeiro dia da viagem um dos passageiros ao voltar ao camarote deu
ouro. No salão nobre o qual subia os camarotes só tinham ficado duas pessoas, um
pela prisão do LITERATO que obteve aposição de criado presidencial mediante valiosas
comptamente descoberto ao saltar na Bahia aparece-lhe um espírito: o seu senhor que havia
diversas.
1
digamos pragmática, isto é, o autor estaria nos relatando uma história
Por outro lado, uma leitura mais atenta em relação à postura política
do jornal poderia fazer notar que a notícia tinha sido por sua vez
O leitor que levasse ainda mais a fundo essa perspectiva poderia talvez
“novas ideias da época”, talvez não desse tanta ênfase a uma notícia desse
Mas, por outro lado, o relato parece trazer ainda outras “pistas” e
jornal.
Esse relato poderia dizer respeito, tanto pelo clima irônico que
todo o texto. A começar pelo título, “Como elles são”, fica claro como o
“elles” marca uma oposição a um “nós” implícito no texto, e que por sua
forma pouco direta com que esse sujeito da ação é descrito. Ou seja, ao
esse ambiente que vai, cada vez mais, como que definindo o “creoullo”
“insistia” em ler com tal atitude as obras de Varella (o que poderia irritar
acabasse: “o creoullo” (cujo nome até o final não ficamos sabendo) não
Mas não é tudo. O texto aponta ainda para outras “pistas e sinais”.
cativo ou liberto.
poderia dizer, mas o que já foi destacado serve para os objetivos desta
a situação negra nesse momento. Por vezes, uma visão mais fatual, às
vezes uma imagem que só ganha coerência no interior de uma ótica que
2
locais onde “se produz e reproduz a cultura” do momento.
das notícias não era idêntica (dado esse, como veremos, relevante em si
mesmo), embora todos tivessem como uma das questões centrais de
abolição.
3
expectativas, posições e representações específicas.
sobre os negros, tanto a cidade de São Paulo como seus jornais foram se
4
notícia. Buscamos antes a “sobrecarga” de sentido presente nas
5
mas também como “linguagem de silêncio”, onde a linguagem diz por si
6
conhecimento”, a nossa postura diante dos jornais será a de apreendê-
7
produziam, refletiam e representavam percepções e valores da época.
nosso.
O estado da questão
objetivos centrais.
também gorda, às vezes obesa e pelo filho e filha, pelo capelão, pelo
1
coronel do mato e pelo feitor”.
Esse tipo de abordagem é encontrado tanto nos relatos dos viajantes
2
mas paternais, e escravos serviçais “bárbaros” e dóceis.
por que passava o negro cativo, bem como sua revolta com relação à
Fernando Novais).
3
hierárquico ele tem contido em si a violência e a opressão” ), permanece
herói.
4
habituado à escravidão, na medida em que já era escravizado na África.
tipo de história, que elide de seu relato a rebelião, acabou por cair no
5
bravura extrema e grande sentimento de solidariedade grupal. Assim,
6
debate permanece ainda no nível ideológico”.
7
polêmica: por um lado temos, por exemplo, a posição de Octávio Ianni,
8
favor da libertação. Suely R. R. de Queiroz, por exemplo, procura
9
constituindo-se em fator de pressão em prol da abolição. Warren Dean,
10
escravocrata. A partir do final do século é que encontramos uma
11
que se refere ao entendimento de outros povos), no Brasil os estudos
12
tudo enquanto “expressão de sua raça”. Assim, tendo em mente
13
atributos raciais”, caracterização essa que Sílvio Romero resumia na
14
antes de tudo, e malgrado sua ignorância, um objeto de ciência”.
16
retornaria indubitavelmente à barbárie. De acordo com esses
17
perícia médico-legal e a pesquisa antropológica das relações raciais. Ou
18
próprio corpo humano. Com relação à raça negra, acreditava Nina
19
superiores”.
20
e degenerado.
21
desequilibrado incapaz de conviver com a civilização.
Essa escola, como nos diz Mariza Corrêa, retomava ainda o problema
22
ponto de vista científico. Desde então o negro passava a ser
degeneração.
mesmo tempo como um mal que deveria ser extirpado, e como uma
23
solução para a questão racial brasileira”. Essa concepção de
24
gerações.
25
de tornar-se sempre mais branca tanto cultural como fisicamente”.
26
raciais deterministas. Segundo esse último autor, a situação poderia ser
27
branca”. Assim, na opinião de Lacerda não havia motivos para maiores
28
diálogos as preocupações raciais da elite carioca, sendo que o próprio
29
em termos culturais e raciais”.
sempre a “civilização”.
30
bases de estudo. Artur Ramos buscou inspiração e recursos na
31
inevitável”. Além disso quebrava-se o consenso pessimista que pairava
nossa nacionalidade.
32
Pereira. Assim, como dizíamos anteriormente, com Freyre consagrou-
33
igualmente valorizadas.
Gilberto Freyre, com sua análise, não pretendia promover, no entanto,
34
o índio, em menor escala.
35
“homem cordial” brasileiro; ou mesmo com Monteiro Lobato, que
36
instância a uma questão de educação.
37
brasileira, distanciando-se dessa maneira do modelo de democracia
38
não.
39
Peter Eisenberg e Sidney Chaloub, entre outros.
40
“afirmação de nossa democracia racial”.
PARTE 1
Sílvio Romero
trabalho.
para si e suas colônias e passa a pressionar outras nações, já que para ela
1
rudimentares a que os imigrantes foram submetidos, porém a
2
do café exigirem uma alternativa para o trabalho compulsório.
como afirma Sílvio Romero, a partir de 1870 surge “um bando de ideias
impulso.
3
Nesse sentido, segundo Caio Prado Jr., desde 1865 a posição
é adiado e retomado apenas com seu final (1870), quando, segundo esse
4
baluarte da reação pró-escravidão. Porém, mesmo dentre elas vão
financeiras).
no entanto trabalhar de graça por mais três anos. Essa lei gerou reações,
5
incapazes de exercer ações políticas.
como veremos com mais vagar, a partir da análise do jornal desse grupo,
sendo que nessa época todos os 643 municípios do Império, nos quais
6
havia estatutos, ainda continham escravos. No entanto, a partir desse
7
significado”. Ou seja, desde os primeiros tempos da Colônia existiam
Por outro lado, nas cidades, a partir da segunda metade do século XIX,
negros livres e escravos. A atuação dessas associações, por sua vez, não
8
transformaram em máquinas sem conteúdo social).
9
condições locais.
uma grande massa que agora tinha direito à cidadania (já que, segundo a
10
visão da época, antes de tudo “um objeto de ciência”.
11
foros de legitimidade científica.
12
equação entre RAÇA = CULTURA = NAÇÃO = TRIBO”.
radical encobria a da ‘cor da pele’, que por sua vez surge como atributo e
13
atualização de diferenças quando a liberdade desfaz a primeira”.
14
“realidade brasileira”. Nessas circunstâncias elaboram-se discursos
15
negros a um sistema assimétrico de posições e privilégios”.
Esse tipo de discurso científico determinista que surge no final do
parte básica e cotidiana desses jornais. Não foi por mero acaso, por
16
desequilibrado. É necessário destacar, no entanto, que essa questão da
prévias.
17
começa a se constituir enquanto “metrópole do café” e enquanto
18
onde os escravos fugidos costumavam se esconder.
19
parque do Anhangabaú, onde também se caçavam lagartos.
20
de gado e farinha.
Não havia “elegância” nos 4017 prédios (em 1870) e as casas eram
21
profissional. Segundo a visão de alguns viajantes (Saint-Hilaire, por
22
estudos superiores tinha que ir para Coimbra. Essa situação
entanto, foi por várias vezes impugnada. Os mais diversos motivos eram
ou dialeto do paulista, que poderia viciar a “fala dos moços” que fossem
23
esta cidade, melhor do que outras províncias do Império.
Porém, ao final desse embate todo, acabam sendo escolhidas duas
províncias do Norte).
dois cursos jurídicos no Brasil, tanto São Paulo como Olinda voltaram as
24
obrigados pelo governo a abandonar boa parte do prédio.
dos frades era demarcada por um muro que passava bem em frente à
25
aulas eram constantemente interrompidas.
26
Nogueira, Rendon parecia entender mais de armas do que de letras,
27
contratação.
o
faculdade foi inaugurada no dia 1 de março de 1828 e, a partir de então,
28
“arrancou a capital da província de seu sono colonial”. Daí em diante,
29
estudantes”.
30
república). Nessa época também eram realizados os primeiros flertes
31
província recaía em sua habitual sonolência, já que muitos daqueles
32
nesses períodos a seus locais de origem.
agrícola.
33
alteravam radicalmente sua posição em relação à produção.
Oeste paulista, a cidade aos poucos foi perdendo seu caráter secundário
34
transformando-se em monumento dessa nova urbanidade”.
“coletividade”.
com muita rapidez. Nesse sentido e de acordo com Gilberto Freyre, essa
35
Europa e adquiridos em luxuosas confeitarias.
Porém nem só de luxo vivia essa nova aristocracia do café, mesmo
de iluminação a gás, sendo que o Gás Co. instala cerca de 606 lampiões
especialistas.
36
“objetivos” para a urbanização da cidade. Mas, se a figura do
única. Ou seja, desde inícios desse século, segundo Jurandir Freire Costa,
37
médico.
38
objetivos dessa elite agrária”.
39
cemitérios, quartéis, escolas, prostíbulos, fábricas, matadouros e casas.
40
saudável, e robusto”, oposto ao “corpo doentio do indivíduo colonial”.
não pode ocupar nenhum lugar, tem que ficar à margem. Ou seja,
largamente a população.
alimentação).
Logo, à medida que a capital crescia, cada vez mais a sociedade se
palacetes dos proprietários de café para São Paulo era o mesmo que
41
proibições de lavar em chafarizes públicos. A autora acrescenta que,
como todo o comércio ambulante até então era feito pelas mulheres
pobres, cativas ou não, ele foi aos poucos “recuando das ruas do centro
42
da cidade para os novos limites da pobreza urbana”.
por exemplo, que os vasos de flores não poderiam mais ficar nas janelas,
43
milhão e meio de pessoas por ano.
44
(1886); e Cia. São Paulo-Rio de Janeiro (mais tarde Central do Brasil).
que financiou a Cia. Paulista e que por isso mesmo providenciou para
fazenda.
Essas novas ferrovias, além de agilizarem a exportação do café, deram
uma feição diferente a São Paulo, já que passou a constituir uma espécie
muito relevantes:
1836 12 256
1855 15 471
1872 23 243
1875 25 000
1886 44 030
1890 64 934
45
em massa das grandes propriedades. As cidades, por sua vez,
funcionavam como uma espécie de ímã sendo que nelas essa população
São Paulo nesse período, acrescenta que “um forte preconceito envolvia
São Paulo passaria de uma das províncias com menor número de cativos
46
província, em termos de população “captiva”:
1o) Minas Gerais 370 479
822 397
47
proveniente do tráfico interno).
população, por sua vez, como vimos, se fez a partir do tráfico interno de
1871-84 1959
1885 6500
1886 9536
1887 32 112
1888 92 086
1889 27 893
1890 28 291
era povoada então pelos “doutores”, de que tanto nos fala Lima Barreto,
que, cientes de seu saber e com a ciência em suas mãos, desfilavam pela
49
cidade com suas casacas. Ou frequentavam famosas livrarias, como a
50
investido visando a um lucro bastante imediato. Assim, companhias
como The São Paulo Trainway Light and Power Co., Cia. Água e Luz,
Pucci & Micheli, São Paulo Railway Company, Companhia City de
Com isso, à chegada dos anos 1890, se por um lado a cidade perdia
51
de equipamentos gráficos necessários à sua função”.
vão ganhando cada vez mais destaque, até se constituírem (nos termos
52
da Constituição”. A própria imprensa se transformava cada vez mais
53
pedacinhos de chumbo, uma máquina e a estupidez das multidões”.
nos termos de Balzac, pois, caso os fatos não existissem, deveriam ser
54
pois ele tinha o poder de “tudo publicar e a todos ferir”.
Logo, não é fato acidental, mas antes digno de nota, como descreve
55
Alfredo Moreira Pinto, que na principal rua de São Paulo, a 15 de
O Estado de S. Paulo.
1
apareceu em Pernambuco em 1647. A partir de então, e principalmente
nos primeiros anos do século XVII, várias tentativas foram feitas por
2
extremo de enviar ao reino o material recolhido.
local. Assim, com a vinda da Corte para o Brasil, e junto com todos os
3
órgão oficial.
No entanto, se a imprensa foi introduzida tardiamente aqui no Brasil,
São Paulo, por sua vez, teve que esperar ainda mais para ver a fundação
4
da província.
5
editor à rua Direita, 32, ao custo de 1$440 por trimestre.
Sem nos determos nesses jornais, vale destacar ainda que, em 1840,
6
oitenta periódicos; e, de 1881 a 1890, 273.
mil almas.
vida efêmera e curta. Boa parte deles ficava no primeiro número (às
7
Nelson Werneck Sodré, “o jornal se transformará em empresa
MAIS
diagramado.
pó:
“A escassez da ama sadia e baba o seu preço elevado tem tornado a introdução da farinha
lactea Nestlé um verdadeiro benefício para o Brasil. Hoje uma mãe pode ter a satisfação de
criar seu filho com o leite se tiver pouco, sem risco de enfraquecer nem se sofrer na sua saúde
chapéu (que poderia ser definido como “indiano”) e que lhe oferecia
Esse refrigerante foi privilegiado por Decreto Real da Inglaterra e Registrado em todos os
países civilizados”.
“Uma esposa afflicta. Depois que o Alcatraz abriu suas portas, não enxergo mais o meu Juca.
Não sei que diabo o maldito homem encontra nesta folia que não perde espetáculo. Senhores
redactores, o meu Juca foi sempre pudico como cura da aldeia. Não sahia de casa sem mim e
poucas vezes e nunca toma chá em minha companhia. Volta sempre tarde para casa
cantarolando umas coisas esquisitas e soltando baforadas que até fico com dores de cabeça.
Anda enthusiasmado de uma vez. Não é mais o aquelle Juca pacífico e caseiro que o tornava
invejável às minhas amigas. E depois o que eu acho maroteiro é o patife não querer levar-me
também ao Alcatraz. Pois porque é que eu não hei de poder ir ver isso que elle e os outros
senhores homens tanto gabam? Senhores redactores, são também homens sérios ao que me
dizem e por isso que assim como publicam telegramas me digam também a razão porque o
meu Juca e os Jucas de outras senhoras não nos levam a esse divertimento. Se aquillo é
maçonaria então faço-me beata e não saio mais do confessionário. Prudência da Purificação.”
atrozes, alguns dos quais, pelo menos para o leitor mais distanciado no
“Então Sr. Fal... Arlin... Pi... como tem passado? hem? estimo, estimo...
Digam-me como vae sua contenda, terminou? ainda bem porque seus amigos devem
concordar que a roupa suja lava-se em família. Não acham meus senhores? Voltem logo
ouviu? Um que deu seu nome para os meus e colocavam-lhe nas lutas de seus ingradecidos.”
milagrosas.
Maria das Dôres, mulata que outr’ora foi de um cidadão luzo que muito a estimou a ponto de
lhe dar a carta de liberdade no tempo dos escravos caros, estava em companhia de seu benfeitor
Europa ha perto de 3 annos pela estima que consagrava a Maria e os 4 filhinhos, sujeitou-se a
levar essa desalmada mulher em sua companhia assim junto à sua família e todos que a
conheciam. De volta do Império trouxe mais em sua companhia um parente vagabundo que
por lá errava, prestando a esse bilhete bastante auxílios como muitos meses de tratamento
enquanto não encontrava emprego pois a sua profissão é de barbeiro. Ele abusou da bondade
de seu parente benfeitor e teve o atrevimento de metter-se com a sua pessoa de tirar da casa
Maria, a qual teve a coragem de abandonar os 4 filhinhos sendo uma menina ainda de peito.
Que coração de mulher malvada! Causa pena ver a menina durante toda a noute chorar e
chamando pela mãe. Que injustiça! Que crueldade! Vejam os que a conhecem como não
estará o coração do pae dos 4 inocentes. Elle não seria capaz de fazer isso. E a malvada
morando no largo Municipal bem socegada com o seu seductor!!” (A Província de São Paulo,
2 de setembro de 1884)
parece ser a de que boa parte das histórias é sem dúvida menos
— A que horas?
— Qual! Venha que eu desejo me habituar a acordar à essa hora.” (A Província de São
“É triste a sorte dos professores paulistas, são olhados com indiferença e até se lhes nega
emprego e contam muitos anos de serviço. Os paes da Pátria, são paes de família e estão de
precisar de votos. Ainda há professores que há de sacrificar pelos tais cá pelos sertões? Os
determinados elementos:
Este senhor está ficando célebre por suas ideias heterodoxas e heteroditas. Acaba de
Os paes de família não querem suas filhas amasiadas. O sr. Francisco representará só assi.
Como combina sr. exc. o juramento que custou de defender a religião catholica com a
8
comerciais. Os anúncios pareciam, quando em abundância, constituir-
9
calhaus de precisa-se, de aluga-se e de pequenos anúncios”.
10
entre público leitor e anúncios classificados). Segundo Flávio Galvão,
Nos jornais mais lidos, por sua vez, os anúncios invadiam até a
destacados.
11
do jornal que saiu em 1839, escandalizando a população local.
posteriores.
rudimentar e artesanal.
12
promovia escândalos, mesmo que fosse preciso criá-los”.
O CORREIO PAULISTANO:
13
17 de outubro de 1832.
econômicas.
14
serem publicados de graça, o que só com grande relutância obtinha.
15
indecisões do meio em que surgia. Ele o fará, no entanto, de forma
16
igualmente válido.
O jornal funcionava nessa época na Rua Nova São José (hoje Líbero
17
Alvim. Assim como os outros jornais da época, o Correio dependia dos
interesse particular pagarão o que se convencionar. Os anúncios dos assinantes terão inserção
diferente:
“Entre nós é formoso confessal-o a imprensa não tem correspondido, por um modo
interesses de sua parcialidade política e o que é mais de questões muitas vezes pessoais, tem
transviado a nossa imprensa de seu santo ministério... O Correio Paulistano pois aspira nesta
publicado só duas vezes por semana). Os anos que vão de 1855 a 1858
isto é, ainda em 1874 volta às mãos de José Roberto que, sem condições
Partido Conservador.
de seus proprietários.
periódico foi adquirido pelo sr. Antônio da Silva Prado, chefe da União
Antônio Prado era na época uma das figuras mais destacadas, tanto
18
1887 e ministro das Relações Exteriores em 1888.
19
dos fazendeiros abolicionistas”, quando, na iminência de perder toda a
20
salários e condições fixas.
iminência da República.
já que eram liberais que estavam no poder. Foi então que se deu a última
e definitiva mudança no jornal, ou seja, o Correio, como num “passe de
montava.
Correio):
“Coube ao Correio, em tão delicada emergência, a honra de ser a primeira folha monarquista
partido (por mais paradoxal que pareça) e mais tarde nomeado prefeito
da cidade.
elle cederá tolerante bandeira aos ímpetos das novas correntes avassaladoras e curvará a cabeça
Buarque, que “vence na vida quem diz sim”, e, ao que parece, essa foi a
períodos.
e evidente.
“CIGANOS
No Município de Nova Friburgo e Cantagalo, correm aos bandos vários lotes de ciganos que
Por outro lado, com relação à mulher a posição do jornal era clara:
“A mulher forte
Como definir a mulher forte? Que virtude, que qualidades deve possuir a mãe para ser
adorada por seus filhos, a esposa para ser sempre amada pelo marido, a ser para sempre
venerada pelos seus familiares e ser respeitada por todos.” (Correio Paulistano, 5 de maio de
1876)
de 1893 saía um artigo assinado por Lombroso cujo título era “Gênio e
talento nas mulheres”. A tese defendida pelo autor era a de que não
conservador.
partido.
22
outras profissões. Esse grupo passou então (após a festa de Itu) a se
do Vale”).
Para se ter uma ideia do tamanho desse bloqueio, basta dizer que, de
grupo.
saída dos seus elementos mais radicais (como Luiz Gama) e mais
a década de 1870.
23
divulgação de seus programas. No entanto, a ideia não foi levada à
frente, pois já havia dois órgãos que divulgavam as ideias desse partido:
improvisado.
24
Paulistano.
25
vulgarmente conhecido o Correio.
“Américo
Acabo de ter uma conferência muito alta com o Joaquim Roberto sobre a nossa empresa e elle
manifesta-se bem-disposto a entrar em negócios. Vae para São Paulo fará seus cálculos e
depois me envia resposta, creio que faremos negócio... Parece-me que por 30 centos, o Correio
depositava nos negócios, certezas essas que aos poucos vão se desfazendo
27
possibilidades econômicas do grupo que propunha o negócio.
“O Pestana teve hontem carta de José Roberto dizendo que não vende o Correio, e está
próprio. Era esse, sem dúvida, um dos primeiros entraves práticos que
Partido Conservador) do que a esse grupo que parecia não ver qualquer
oposição ao Império.
aristocracia rural, já que, enquanto seu irmão Antônio Prado era eleito
Mais uma folha diária vem offerecer a província de São Paulo, campo livre aos debates tão
homens de letras e capitalistas, esta ella no caso de satisfazer as mais legítimas aspirações da
contratempos.
1884 assume uma postura oficialmente republicana (já que até então se
1. Descentralização completa.
6. Manifestações independentes.
7. Liberdade de culto.
óbitos.
das novas adesões ao partido); elementos como Silva Jardim fazem por
grandes proprietários.
Só em 1884, já em plena campanha, é que A Província declara seu
“A Motomania
A Motomania ou mania do movimento é uma das formas mórbidas das affecções do systema
nervoso, um dos caracteres dos hereditários degenerados e desde ha muito para o observador
estrangeiro, até onde chega o delírio do movimento em que d. Pedro de Bragança, tanto que
sem o menor exagero pode-se perfeitamente trocar a phrase à vol d’oiseau por esta à vol de
l’empereur du Brésil. Uma triste verdade. Estas considerações vieram a propósito da notícia
de que S. Majestade pretende daqui a algum tempo visitar as províncias do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul e talvez a República do Prata. Note-se que Majestade não teve
“!!!
manham, fitasse-lhe a vista sobre a lista do novo ministério. Ao lel-a Majestade empallide-se
cae-lhe das mãos a folha e diz: — Mas isto não é o que estava combinado!” (A Província de
“... esse facto antes revela o quanto é ainda precário o jornalismo entre nós, maxime quando
colloca-se na dependência dos partidos. O Correio conta 27 annos de existência e isto bastava
“... Nossas malvistas observações foram feitas na plena sinceridade da real estima que
votamos... uma coisa que não dizemos porque não podemos adivinhar e só agora soubemos é
que a redução do formato visava em vantagem do público, poder receber anúncios e notícias
a noute... Se preponderou então este motivo, então nossos parabéns ao público e collega.”
28
da Misericórdia, onde circulavam. Dizia-se inclusive que à noite,
tanto para a composição como para a impressão, sendo que José Maria
empregados acordava o gerente que, por sua vez, lhe entregava as velas
necessárias à iluminação.
partir de 23 de janeiro de 1876). Até essa data, a venda avulsa era feita
29
para chamar a atenção.
veio com a falência do barão de Mauá, que levou consigo boa parte dos
República”.
negra ou imigrante.
Nesse sentido, como nos diz Sérgio Buarque de Hollanda, “de fato o
30
acordo com esses princípios inflexíveis”.
rígidas.
Apesar de o positivismo ter feito em São Paulo poucos adeptos (já que
para quem “progresso social, assim como o biológico, dá-se por vias da
31
desagregação e agregação”.
relevantes.
32
assinantes começou a deixar de lê-lo.
jornal sofre uma grande crise financeira. E foi justamente nesse período
em 1895, a empresa passa para as mãos de uma firma da qual fazia parte
Júlio de Mesquita.
Hontem na rua da Constituição o tilbury no 103 soffreu tão grande pancada de uma carroça,
que ficou estragado em diversos lugares... O sr. chefe de polícia tem dado ordens para que
inconvenientes se dão quando o carroceiro não sabe guiar o animal em ruas onde há grande
transito de vehículos...”
cidade.
Por outro lado, o outro grande tema de A Província era sem dúvida a
evolucionistas. Tais ideias vão ser largamente utilizadas por esse jornal
as relações com o “belo sexo”. Neste último caso, e apesar de sua postura
“nada edificantes”...
“Variedades. A mulher e o tabaco
... A mulher como o charuto pode ter um exterior lindo e tentador e um interior
corresponde á folha que envolve o charuto e sua ruindade. O amor da mulher como fumo de
setembro de 1884)
“... A mulher dentro de casa deve saber e entender de tudo o que é útil e preciso á família para
assim corresponder á missão de prudência e ternura que fazem com que se chama do anjo do
europeu, parecia oferecer uma nova opção aos grupos que, tomando
popular, com sua linguagem ainda mais acessível e muitas vezes até
imediatas.
radicais” que, como vimos, compunha a ala mais avançada do PRP nos
o
primórdios de sua fundação (Suplemento Centenário, n 22, 31.5.1975).
33
exclusivamente porque é social e não política”.
partido.)
A maioria dos escravos era levada para Santos ou São Paulo, sendo
34
e que resultava da ação e organização de elementos brancos.
35
religiosidade que os caracterizava.
cidade e o campo).
escravocratas.
36
ação”.
livremente pelas ruas da capital, tendo, ao que tudo indica, uma boa
aceitação.
existentes:
“[...] O título de nosso jornal já indica nossa missão na imprensa. Divergimos completamente
tanto dos liberais RESISTENTES como dos escravocratas, não concordando com as ideias
[...] Nós queremos a liberação imediata sem prazo para consegui-la aceitamos a revolução
dizemos que para nós todos os homens são iguais [...] contudo procuraremos que nossa
linguagem se bem que severa e enérgica seja polida e conveniente [...]. A escravidão é um
cancro que corroe o Brasil, o palleativo da lei Saraiva Cotegipe prolonga a enfermidade [...].
Logo, a nova folha surgia de modo diferente dos outros jornais, como
página.
da abolição.
Paulo.
“Não fazemos questão da gramatica e tão pouco da pontuação de nossos artigos [...] não se
incommodem por que nós não nos incomodamos e damo-nos desde já por desculpados
porque pretendemos affirmar quando formos censurados por taes erros que são esses
tynograpleicos mesmo porque os nossos leitores são quase todos pertencentes ao Zé Povinho
e pouco se importam com a grammatica. Si nosso jornal for lido por gramáticos pedimos a
esses que ponham a pontuação onde lhes convier e que leiam gramaticamente. Estabelecendo
a questão nesse pé, não pretendemos para o futuro discutir qualquer questão grammatical
Redempção.
porque temos certeza que nosso jornal só seria lido pelo povo.”
Os textos irônicos e de linguagem “vulgar”, como veremos, eram
as autoridades”.
Paulistano, o mais antigo de todos. Contra esse jornal valia qualquer tipo
“Nabos de Caçapava
O Correio Paulistano como órgão de governo, tem sempre dinheiro para viver a TRIPA
FORRA, abrio agora uma secção só para fazer fosquinhas e outros jornais andam com a sella
linguiça a Bananal. Ora senhor Correio! Nesses tempos bicudos já se deve dar por feliz, quem
Inegavelmente, o Dr. Antônio Prado tem feito serviços importantes à União conservadora.
Correio Paulistano não pode sustentar-se com assinantes porque os políticos entendem que
devem ter jornal de graça e os negociantes que os jornais políticos que não são próprios para
anúncios [...]. Logo, o Correio precisa de não poucos recursos que são todos obtidos pelo Dr.
Antônio Prado.” (O artigo continua acusando Antônio Prado em sua política de “compra” de
“Este estadista que mereceu até a honra de ter uma rua com o seu nome infeliz, a rua que dá
para elle o melhor gramado [...] é uma espécie de Narcisosinho Caboclado [...]. O que tem
feito? Nada... infelismente a Província de São Paulo está entre Scilas e Caribides se sobe o
partido liberal esbarramos com a família Queirós se o conservador cahimos na família Prado
seguinte maneira:
“[...] é melhor que o rabujento Correio não nos provoque com sandices. Um conselho de
amigo: lemos em uma folhinha que o uso de pintar os cabelos e barbas traz como
consequência o amolecimento cerebral e faz com que os que usam dentes ridicularizam...
Talvez seja por essa a causa do Correio provocar-nos, pois não pintem mais esses cabelos e
barbas amigos que ficará amável e bom como era quando não pintava. Se continuar a
“Promessas de liberdade
Continuam os fazendeiros a lançar mal rosado ao beiço dos abolicionistas como se nós
condicionalmente mas não constam que tenham dado baixa nas collectorias [...]. Todos os
dias, com o título de Movimento Abolicionista [alusão à secção do Correio] noticiam esses
jornais que o barão de tal, o visconde não sabemos de que, o coronel fulano, o comendador
sicrano prometteram libertar seus escravos. Sabemos que todas essas pessoas são muito
honradas, basta ser fazendeiros e ter dinheiro para se qualificar deste modo. No entanto, deviam
dar baixa na colletoria [...] porque de outro modo não podemos saber si a Província de São
Paulo está se libertando de verdade ou é FAÇA DE CONTA.” (A Redempção, 7 de agosto de
1887)
pouco realizavam:
“O Correio como todos sabem, tem a sua alma apenas de ser inimiga da raça negra, gosta
tanto de pintar-se de preto e é por isso que tem subido tanto ao ponto de estar ameaçado com
1887)
“No dia 4, fez 14 annos que surgiu um jornalismo que veio a dar combate ao jornalismo até
republicano [...] dirigido por três grandes homens [...]. Mas como não podemos fazer elogios
perfeitos, pois isso vai contra a índole de nossa folha dizemos que a Província não tem descrito
como devia e podia fazel-o a questão do elemento servil. A Província poderia convencer aos
contrário, tem falado sobre os quilombos aos quais tem reclamado providências.” (A
Redempção: a de serem
“[...] três jornais que vivem marombando para poderem abocanhar editaes e anúncios das
repartições públicas e câmaras municipais e por isso incapazes de sancionar os demandos que
descoberto por esses artigos. Nesse sentido, o maior alvo de ataque era o
mato que seria classificado na seção de cães, como espécie nova de cão vagabundo alimentado
pelos fazendeiros e destinado à perseguição da espécie humana. É uma descoberta que nos
honra e que será por certo premiada pelo jury da exposição.” (A Redempção, 11 de março de
1888)
Por fim, um dos alvos de ataque preferido de A Redempção eram os
rompido politicamente.
“Se tivéssemos a mais tempo estudado ou limitado a forma pela qual os republicanos fazem a
sua propaganda então ha mais de 10 annos estaria resolvido completamente. O meio de fazer-
companheiros quando cahem na miséria fugir mesmo delles para que não contem as suas
mágoas, percorrer as ruas, os mais ricos e dizer: cidadão como vae? Então és também
republicanos dessa província o mais tristíssimo papel que é possível imaginar-se como o
ilustre republicano José Vergueiro que falou que se continuarem as invasões de escravos
“Quilombos
Achamos tocante as narrações feitas nos jornais sobre o ajuntamento de negros fugidos a que
sacrifício pela liberdade e deixar vender por pomada de cheiro”. (A Redempção, 13 de janeiro
de 1887)
coloquial, seu preço mais acessível e sua postura política mais avançada
para a época, A Redempção parecia constituir uma opção diferente,
de ação.
PARTE 2
INTRODUÇÃO
Cada uma dessas seções, por sua vez, parece oferecer como que
1
elemento negro era então apresentado.
europeu da época.
A “sciência”, conjuntamente com todo um ideário evolutivo e
“A Sciência e a religião
[...] ora a religião que para triunphar derrama tanto sangue e leva tudo a ferro e fogo deve
estar em completo antagonismo com a sciência que sempre calma e imponente vae creando
1893)
2
pareciam implicar numa ruptura com as antigas crenças”.
1884).
Nessa batalha, o grande vencedor final parecia ser esse novo discurso
afirmação, com certeza aquilo que Cruz Costa definia como “idolatria
3
pela ciência”.
“Augusto Comte
Completa hoje 27 annos que morreu Augusto Comte... [elogios]... parente intelectual de
Hobbes considera como fim de sciência o conhecimento das leis que regem os phenomenos.
Ver para prever, procurar o que é para concluir o que será é objeto de todas as suas pesquisas.
Prova que o estado definitivo do espírito humano é o estado positivo. A razão não sobre
4
sendo o método positivo, ou científico, o triunfo do último dos estágios.
5
difícil”.
louvores por parte dos jornais. Considerado “um dos maiores homens
“[...] o resultado de descoberta da lei da evolução foi a derrota completa do theologismo [...].
Evaporam-se como emblemas diante do sol nascente. Esse sol nascente é o evolucionismo que
substituída. O universo inteiro explica-se cabalmente pela lei da evolução. Até o espírito
humano, até a humanidade aquella lei geral. Tudo é evolutivo.” (Província de São Paulo, 29 de
abril de 1882)
“Letras e Artes
Darwinismo em acção.
Máximas Darwinianas
“Menino de Rabo
aparentemente regular em suas funções tem anomalias. Diga-se a causa pelo seu nome, o
menino tem no final do espinhaço um rabo de mais ou menos 7 cm como se fora um cão.
Agora os DARWINISTAS devem bater palmas de contentes e exultar de prazer vendo no rabo
de 1890)
Por fim Spencer, talvez o maior teórico da evolução vivo na época, era
morte de Spencer.
“Herbert Spencer
notícia da morte do espírito mais culto e poderoso que actualmente possuia o mundo
civilisado.
depois de Littre e Comte, ninguém contribuiu mais para a civilisação do século. Diante dessa
1903).
do suicídio:
[...] D’aqui a conclusão de não ter o suicídio por causa a grande riqueza de caráter: mas sim o
enfraquecimento das faculdades mentaes, sendo o suicídio pelo álcool o mais frequente entre
[...] Sentimos que alguns homens não são semelhantes, que faltam atributos essenciais e
sympathia e a moral. Sentimo-lo mais quando no juiz revelam uma instabilidade completa
diante do cadáver de suas victimas, ou não daham menor sinal de emoção ou pezar. SÃO
MONSTROS. Dahi para se dizer que elles são loucos não há mais de um passo e tem sido
dado de uma vez. Vê-se por isso que elles não são como os OUTROS que não basta
PATHOLÓGICOS.
Os homens não nascem iguaes absolutamente. SUPPOE-SE uma igualdade presumida pela
lei sem o que não haveria lei. Não há excepção senão para os casos pathológicos bem
imprensa comprová-lo.
fazendo cada vez mais presente nos vários artigos dos jornais. Segundo
6
respeitável”.
impulso ou paixão”.
Magno, Platão, Epicuro eram radicalmente pequenos; outros eram magríssimos como Cícero,
Voltaire, Napoleão I. Muitos outros eram rachiticos, corcundas, coxos, Pope, Talleyrand,
Byron, Leonardo da Vinci... Cuvier hidrocephalo, Cambetta tinha o cérebro dos mais
pequenos debaixo da média dos cérebros das mulheres. Quase todos morriam novos.” (A
“Pesam mais os cérebros dos alemães, seguem-se ingleses, suissos, italianos, suecos. O cérebro
francez entra apenas de muitos outros povos como lapões, chinezes, japonezes etc.” (A
[...] É hoje superfluo estabelecer que os criminosos tem escrito no seu cérebro e no seu
estão feridos [...]. Os motivos são hereditários mas também a dipsomania, a paixão das
bebidas alcoólicas... [oferecem vários exemplos que ligam dipsomania ao uso do álcool e
concluem][...] O alcoolismo é pois a grande chaga dos povos civilizados.” (A Província de São
problemas.
Nesse sentido, a partir do início do século XX principalmente, o grupo
7
das relações sociais”. Esse conhecimento deteve-se a princípio na
para o interior, quando “as pessoas já não eram definidas apenas pelo
8
refinados [...]”.
9
públicos” as ideias dos legistas, dos médicos e dos jornalistas que
10
empolgante” , e que permite ao leitor não só captar a teoria como
encontrados:
“Secção Scientífica
Para que os regulamentos possam ser postos em execussão sem injustiça a probidade
scientífica exige que previamente se prove que os curandeiros erram sempre e que os médicos
contagiosidade da phisica. Nesse momento todas as classes de nossa sociedade protestam com
transformavam em espetáculo.
transformava-se aos poucos num dos valores mais “caros”, sendo que
São Paulo parecia ter, nesse ponto, uma de suas grandes metas.
sem esforço).
Alguns escravos empreenderam a fundação de uma associação literária que tem por fim o
desenvolvimento dos sócios por meio de leitura e discussões [...] Esse club onde o maior sábio
é o que melhor se exprime, lendo ou escrevendo, não tem nem pode ter bases scientíficas, é um
embryão literário. O escravo para se tornar digno de pertencer a essa sociedade que se pode
dizer o primeiro degrao na escala da civilização regenerará seus costumes, sacrificará suas paixões
para attingir o alvo que pretende e nas horas vagas em vez de se entregar ao ócio e ao vício
É notório o serviço relevantíssimo que por ocasião do motim levantado na casa de detenção a
12 de dezembro último por grande número que tentaram evadir-se prestaram a ordem
pública os escravos alli reclusos em número superior a 100... Estes homens apesar de sua
humilde condição de escravos procederam então como procederiam bons cidadãos, adquiriram
portanto o direito de serem levados até a altura de verdadeiros cidadãos...” (A Província de São
O espírito público preocupa-se actualmente com o ódio entre raças. Em alguns senão em
mais previdentes, não é de modo algum certo mais é possível e provável mesmo que as lutas
suceda a luta social e não mais política entre brancos e pretos [...] A escravidão não foi obra da
convicção mas de força. Todavia por efeito de um natural espírito democrático que relaxou os
chefe a maioria de seus direitos e ao escravo uma parcela de sua afeição [...] a fazenda fez de
numerosas tribos africanas uma tribo única e integrou-a na massa ainda informe do povo
questão inicial. Onde está o ódio das raças. No Brazil não há duas raças, não há mesmo uma...
epidermes... No Brazil os interesses e os typos são tão difíceis de descrever que a própria
sciência nem sempre é competente para analizar todas as raças...” (A Província de São Paulo, 6
de fevereiro de 1889)
11
Província, o conhecido “mito da democracia racial” mostra-se presente
as raças negra e branca como também entre outros povos. Assim, por
primeiro falava-se dos negros para depois afirmar o caráter ainda mais
[...] os escravos com todos os horrores e vícios não foram tão perniciosos como a contratação
dos chineses [...] O negro só sabia ser sensual, idiota, sem a menor ideia de religião, de outra
vida moral e nem sequer de justiça humana. Dançar no domingo, embriagar-se, era sua única
atividade... Já os chineses são gente lasciva ao último grão, escoria acumulada de países de
Estado de São Paulo em cárceres com o aumento da criminalidade que resultará imediata.”
servilismo”.
autoridade affectiva dessa raça a séculos tão cruelmente explorada em razão mesmo de seus
dotes naturaes de brandura e submissão. Por certo servilismo, bem conhecemos, não é virtude
mas característica amorável nós brasileiros bem conhecemos, essa fria sensibilidade,
“Getway
É um bello espécime de selvagem nobre perfeitamente negro com uma estatura de cerca de
seis pés, parece contar com 50 annos e tem uma fisionomia simples e benévola. Não dá
trabalho, só come um boi inteiro por dia.” (Correio Paulistano, 3 de dezembro de 1883)
do período.
civilização brasileira, enquanto, por outro lado, tudo o que havia de pior
12
África.
nome da seita dos Vandou no Haiti tem adquirido uma triste imagem em consequência das
atrocidades que ella pratica. O Vandou é uma espécie de grande suspeito do qual os negros
fazem o seu Deus. Em certas ocasiões e não obstante a maior vigilância de parte das
autoridades haitianas, nada tem podido impedir que elles vão secretamente ao interior das
profundas florestas celebrar os seus ritos incríveis e depois de desregradas orgias alimentadas
pela aguardente e pelo sangue humano, até se ter dado a morte de algum deles em volta da
jaula em que descansa a serpente sagrada! Em 30 de dezembro, Joana Pellet, tia de Clairame,
em uma das sanguinolentas festas, estrangulou esta pobre criança... Joana cortou a cabeça da
victima depois da morte, raspando-lhe o corpo. Em seguida distribuiu pedaços de carne aos
seus companheiros e estes cahiram sobre o resto devorando-os. Depois a cabeça foi cozida
com inhames e colocada em um altar. Os canibaes ébrios de sangue entoaram uma canção
“mau gosto”, as práticas africanas eram descritas — assim como nos diz
13
Roger Bastide com relação ao negro na literatura brasileira —
e a imoralidade.
“monstruosas superstições”:
Haveria cinco meses Sr. Baltre se perdeu n’uma selva da África. Sobreveio a noite... e
descobriu uma espécie de casebre que entrou. Havia alli uma preta velha a qual por signaes fez
compreender que queria comer. Aterrada a velha tirou uns ovos... e já ia prepara-los quando
avistou pendurados no tecto e enfiados n’uma vara umas cousas pretas que lhe pareciam
comestíveis. Apezar dos supplícios da velha, tomou-lhe e acrescentou com elles a fritada.
— Miserável estrangeiro, gritou elle em mao inglez, devorastez os meus tropheus de guerra!
— Que tropheu?
— Os que alli tinha dependurado no tecto e que eram as orelhas dos guerreiros que tinha
africano” que se revelava não só nos “súditos” como nos próprios reis e
Como a magestade negra anda em guerra com a imperatriz das índias, vamos descrever o rei
Greie, que é mais ou menos o tal preto em carne e osso. É um bello homem de elevada
estatura e feições regulares, cor mais clara que a de um negro ordinário, apparência menos
brutal que seus actos. É digno e cortez principalmente com os brancos mas debaixo dessa
máscara, esconde uma crueldade tigrina, uma sede de sangue, uma linhagem monstruosa...” (A
dedicatória:
“Homenagem a John A. Payne. Salve o primeiro homem preto que soube ao tocar em nosso
paiz, gravar em nosso espírito admiração e respeito pela sua pessoa. Esse homem ilustre
natural das regiões africanas acompanha o progresso evolutivo das nações mais adiantadas e
“perto da civilização”.
“O rei da Uganca
Mtesa, rei da Uganca, a quem Spike o explorador africano encontrou no estado de perfeita
selvageria e a quem Satanley deixou quase christão, está aprendendo a ler e escrever inglez e
Citiwayo... Reconhece que fez mal em comprometer o seu povo n’uma guerra contra a
Inglaterra: ‘já não sou rei, vejo porém que os inglezes são um grande povo, não matam seus
inimigos. Sinto-me contente por estar em seu poder...’ Quando lhe disseram que o governo
tencionava tratal-o com toda consideração e dar-lhe tudo que necessitava, manifestou viva
gratidão e pediu que trouxessem algumas de suas mulheres favoritas. Citou mais 10 além das
14
residente.
decadência.
“Escândalo
Existe nesta cidade quasi moribundo Ignácio Bicudo de Godóy que, por espaço de 30 annos
mais ou menos offereceu o triste espetáculo de sua ruína... Em que país estamos? Na Costa da
só situações violentas.
“Barbárie policial
[Artigo que critica a atuação da polícia...] Ainda que se tratasse de um grande criminoso, não
há explicação possível para esbordoar-se assim tão AFRICANAMENTE a quem quer que
seja... tais scenas sem dúvida deshonram a sociedade e a civilização.” (A Província de São
maior do que a que pudemos observar no Correio (não que nesse jornal
vez por outra, sendo que a tônica central era normalmente a mesma: o
Outro país também citado pelos jornais, só que nesse caso como
[...] No sul dos EUA o final da escravidão levou à dinamização da economia... O mesmo
deveria ocorrer no Brasil onde o café não perderia a sua alta posição e exploraríamos a
15
adolescência”.
São Paulo, que fazia questão de destacar sua adesão às “novas ideias”, os
várias notícias procedentes dos mais diversos locais do país (do Rio
certos temas parece preciosa de ser retida, pois, como diz Roland
16
Barthes, “é a insistência em um comportamento que revela a sua
que a nosso ver destaca ainda mais o caráter “exemplar” e seletivo desse
17
material.
A violência
que variam também conforme o período. (Ou seja, o tipo de ação negra
funestas:
“Silveira
[...] Dois escravos do Sr. João Gonçalves foram feridos por Joaquim Clemente com o pretexto
planejamento anteriores:
“(Campinas) Rapto extraordinário [notícia sobre o rapto de uma moça por um escravo]
[...] A moça era filha de um abastado fazendeiro em Minas. O negro estava fugido e o rapto
deu-se nestas circunstâncias. Toda manhã a moça tinha o costume de lavar o rosto em uma
bica próxima da casa da fazenda. O negro que já formara o seu plano muito antes e que se
Por outro lado, percebe-se através dessas notícias que, quando a “ira”
“Feitor assassinado
Rocinha o feitor da mesma fazenda por seis escravos que se evadiram. O infeliz feitor servia
traiçoeiro e “desconhecido”.
“Mais um lamentável assassinato, mais um daqueles casos que registramos com profunda
mágoa e sentimento. O sr. Manoel Ignácio de Camargo, conhecido e muito estimado fazendeiro
deste município de Campinas foi victima de seus próprios escravos sendo barbaramente morto
hontem á traição, com 12 ferimentos de enxada e foice, cinco dos quais cada um determinava
“Taubaté
[...] O fazendeiro José Antonio Nogueira assassinado por seu escravo tinha 30 annos de
edade. Era eleitor conservador e muito estimado. O seu enterro foi um dos mais concorridos
que aqui tem havido. Barros Nogueira não era rigoroso no modo de tratar seus escravos, ao
muito honesto e brando para com os seus escravos.” (A Província de São Paulo, 15 de maio de
1877)
[...] d. Gertrudes era mãe de numerosa família, possuía só 8 ou 10 escravos de serviços. Carlo
(o filho) era moço de 20 e poucos annos casado há três ou quatro annos. Não eram maus
senhores. Os principais autores do crime, dois escravos irmãos foram amamentados pela victima
Em Pernambuco no logar denominado Poças deu-se um assassinato entre dois irmãos. Maria
e Jovina, de 16 e 19 annos sahiam de casa a buscar água [...] sendo que Jovina foi encontrada
com o corpo curvado com 24 canivetadas. Maria contara que Jovina fora esfaqueada por um
preto mas logo que Jovina recobrou a falla revelou que fora a própria irmã que a ferira [...]. O
motivo era o ciúme do casamento que ella Jovina ia contrahir.” (A Província de São Paulo,
janeiro de 1879)
forma indireta.
“Acto brutal
Hontem de manham foi raptada por Manoel Ignácio a menor Florisbella que representa ter 6
annos de idade da casa de sua mãe na rua da Constituição e levada para uma casa de
O negro dependente
elementos:
“Lamentável
Uma preta matou inconscientemente o filho por lhe ter dado mais comida e como o visse
1888).
“MORTO DE FRIO
Sexta-feira última foi encontrado na estrada que vai de Sorocaba ao banco da Árvore Grande
um indivíduo de cor preta de nome Sebastião. Pelas observações feitas, verificou-se que
Sebastião morrera enregelado talvez devido a achar-se sob effeito do ÁLCOOL.” (Correio
Pelo trem da linha Bananal foi apanhado perto daquella cidade um indivíduo deitado, de cor
onde se dizia haver escravos acoutados [...] Foram todos apreendidos [...] No interrogatório
afirmaram que o trabalho era pesado e só recebiam o sustento e alguma roupa, sendo que um
delles chegou a dizer que a vida na casa de seu senhor era preferível à que alli onde estava,
desamparado, que estava arrependido de ter dado ouvidos a pessoas que o desencaminharam
[...] Por todos modos exploram-se a natural ignorância.” (Correio Paulistano, novembro de
1886)
a situações inusitadas:
“A uma hora de noute um gatuno bateu à porta da casa no 17 da rua das Flores, cujo senhor
estava ausente. Vindo uma preta, Custódia, abriu a porta, o sujeito entrou [...] e intimou a
preta a que mostrasse tudo sob pena de ser assassinada. Como é fácil imaginar a pobre criada
sentir o medo apoderar-se de si, tremendo como vara verde [...] Depois sahiu sem a menor
outubro de 1885)
O bruxeiro, o feiticeiro
legítima” e degradante.
“Mystério [sob esse título lê-se no Correio de Santos]: No lugar denominado do Pae Cará onde
reside um casal de velhos pretos apareceu há dias um canoeiro levando consigo um feto que
disse ter encontrado no mar. A preta velhota mandigueira de força ao que parece, tomada
pela mais extravagante das superstições desejou que o canoeiro lhe entregasse o pequeno
cadáver para enterrá-lo no quintal. ENTERRO QUE LHE DARIA FORTUNA À CASA.
Acedendo o canoeiro preto BAPTISOU o feto e foi esse sepultado no quintal... (no final a
autoridade local retirou o cadáver)... Mais um mystério, mais uma miséria humana.” (Correio
Paulistano)
“Feiticeiro. Bragança
Para o lado das pedras mora um preto velho tido e havido como tal. Sua casa é frequentemente
procurada por forros ou cativos que vão consultar ou receber lições de bruxaria havendo
mesmo reuniões em certas noites com caráter de sessões fatídicas. Admira que nessa ephoca
haja quem ainda acredite em feitiçarias que quando muito podem ser sob certas fórmulas e
aparatos a aprendizagem de saber conhecer drogas nocivas ou plantas venenosas com o fim
de fazer mal à vida dos senhores ou desaffectos. Esse foco em que se alimenta a crudelidade
estúpida de pessoas ignorantes e mal intensionadas devem ser banidos d’entre nós [...] Deve
cair sobre eles o rigor da lei.” (A Província de São Paulo, 4 de março de 1879)
“Lovelace e Charlatão
casa de um célebre curandeiro feiticeiro. Deu causa a esta diligência um crime de peor espécie
praticado por aquelle bandido que se chama Termodano Severino de Freitas. Entre as suas
clientes havia duas mulheres, duas mães que entregando-se aos cuidados de tal negro Juca
Rosa deixava de ser vigillantes sentinelas da honra das suas filhas cuja belleza de posso mal
razonado seduziu o patife [...] A diligência teve bom êxito e o curandeiro deflorador foi preso e
A política tomou hontem em uma casa 42 pretos livres e escravos, e 11 pretos minas. A
CAÇADA deu-se às 10 1/2 da noite no momento em que o preto João celebrava uma sessão
de FEITIÇARIA. Foi uma surpresa e um despontamento que aquelles FIÉIS CRENTES jamais
perdoarão á polícia. O CELEBRANTE no acto em que foi preso [...] era escutado com
religiosa attenção pelo PIEDOSO auditório. A polícia aprehendeu cabeças de galo e outros
obsceno”.
“Desacata a realeza
Na longa e por vezes triste história das monarchias não se encontrou um facto que possa de
longe ser comparado ao que hontem se deu na cidade [...] Já não há preconceito, já não há
distincções, só a igualdade. O sr. Possolo, segundo delegado da polícia acaba de por em prática
uma ameaça terrível. S. Majestade a rainha mandigueira assignou hontem termo de bem
viver na polícia. Uma rainha! exclamara o leitor. Uma rainha sim senhor! E não foi só a
rainha, foram os seus ministros. A rainha é Leopoldina Maria da Conceição que também diz
chamar-se Leopoldina Jacomé da Costa preta fula da nação Mina Gegi 45 annos presumíveis.
É a dona da casa e de todos os objetos nella encontrados como ministra de culto denominada:
Mãe de Santo Guhade Feliciona de Jesus tem como principal ajudante, casada com um pardo
dos outros participantes, todos negros. O texto está repleto de ironias, como por exemplo...]
Eva Maria Creoulla, filha de uma preta, 16 annos, muita estúpida e ignorante parecendo até
idiota [...] Estas mulheres [...] Estavam mal alimentadas.” (A Província de São Paulo, 30 de
setembro de 1879)
o ponto que mais parecia irritar os redatores dessa folha. Isto é, ao fato
“(Bragança) Feiticeiro
Andou por aqui um sujeito preto ainda moço [...] Será doutor? A esta pergunta respondiam
uns que sim e outros que não. É doutor effectivamente mas formado por acclamação dos
símilunios pascacios. Doutor de lesma e caramujo dos parvos. Chama-se Luiz de tal e tem
famma de excellente feiticeiro. Foi pena que as autoridades não tivessem conhecimento da
presença da personalidade entre nós para o mandarem ensinar fazer mandinga aos presos da
No bairro do Rio Abaixo um escravo fugido roubou uma moça de nome Candida e conduziu-
a para algum quilombo [...] Este escravo intitula-se Santo Emygidio curandeiro e milagroso,
“Uma folha de São Carlos de 15 do corrente refere-se que sábado ao meio dia mais ou menos,
“Enforcado
preto que, depois de assassinar com um tiro de garrucha uma preta com a qual tencionava
casar-se, havia desaparecido. O que motivou o crime foi o ciúme.” (Correio Paulistano, 2 de
setembro de 1888)
“Suicídio
Na semana passada, tendo desaparecido da fazenda do Sr. Luiz Gonzaga um negro que se
supunha ser escravo fugido, foram ao encalço delle dous escravos. Sentindo-se perseguido, o
Ignora-se quem elle seja, sabendo-se apenas que era escravo por ter sido achado com ferros
“Suicídio?
Há 12 dias desappareceu a escrava Benedita. No dia 4 foi encontrado o cadáver [...] Suppõe-se
ser globalmente explicados se não pela atitude das vítimas ao menos pela
“Cadáver
Junto ao Rio Tietê, já desfigurado, foi encontrado o escravo de nome Anastácio, a quem
atribui-se a desarranjos mentaes o fato de ter elle se atirado ao rio.” (Correio Paulistano, 17 de
fevereiro de 1877)
retirar a possível culpa que pudesse pairar sobre o senhor branco. Nesse
situação.
“Desgraça
Lê-se no Arenense. Na manhã do dia 7 amanheceu enforcado em casa de nosso amigo o sr.
Octavio Elienne um escravo do sr. Domingos Moreira. Sobre a morte nada podemos dizer
porque tanto o sr. Octavio como sua exma. senhora são senhores muito humanos e piedosos
pelo que a morte causou verdadeira surpresa.” (Correio Paulistano, 19 de outubro de 1876)
“Enforcado
Hontem enforcou-se o escravo Domingos [...] Ignora-se o motivo que levou a este acto de
desconhecido:
“Suicídio
Ante-hontem foi lançado a um poço o negreiro José de 2 annos por sua mãe, a escrava de
nosso amigo sr. Emilio Novaes, que num acto contínuo enforcou-se. Ignora-se se o suicídio
teve por causa o desespero do facto consumado, o que é certo é que esse crime veio por em
sobressalto o nosso amigo e sua estimável família, pois que não houve motivo algum plausível
“Suicídio
Amanheceu enforcado por um lenço na grade da cadeia Ricardo escravo do Sr. José Mariano
vendo que o mesmo por embriaguês apresentava symtomas de alienação mental e temendo
uma consequência fatal mandou prendel-o no xadrez e pediu para que o guardassem
(onde a maior parte dos casos referia-se a mortes naturais) nem nas
18
Por outro lado, se os suicídios, segundo vários autores, eram uma
por outro, nesses artigos, tais atos parecem querer atestar antes a
esse sistema.
O negro degenerado
inclusive dominante.
basicamente pode-se dizer que, se boa parte era tomada pelos editoriais
19
anunciar seu escravo evadido, dando sempre seu “tom pessoal”.
abolição vão sendo modificadas, pois aos poucos parecem perder antigos
20
aparecer com títulos em negrito.
21
para o anunciante ou para o objeto anunciado”.
idade, bonita figura, outro de 35 annos, habilíssimo, destro de serviço de lavoura e uma creoulla
“Escravos
Na rua da Consolação, 72, há 38 ‘peças’ para vender [...] todos bonitas peças. Vende-se barato
indispensáveis.
“Carro e Escravo
Vende-se uma Victoria em muito bom estado com arreios, e compra-se um escravo de meia
edade, sadio e sem vícios para todo trabalho.” (A Província de São Paulo, 27 de agosto de
1880)
“Muitta Attenção
Vende-se uma ellegante e bonita mucama recolhida e de casa particular que tem muitos
préstimos com 18 annos de edade, sadia, sabe ainda engommar, fazer tuyote, costurar e cortar
setembro de 1877)
Nesses “classificados”, ofereciam-se negros não só através da
“Escravo. Vende-se um de 20 a 30 annos sadio, robusto, sem vícios, nem defeitos.” (A Província
“Escravos: No Arouche rua do Paraiso no 39, vende-se ou aluga-se uma preta de 24 annos de
edade, perfeita costureira e com todos os préstimos para casa de família, servindo também
para ama de leite por estar próxima a dar luz, é sadia, sem vícios e bem-educada”. (A Província
“Excellente escravo
Vende-se um creoulo de 22 annos, sem vícios, muito fiel, bom e aceado, cozinheiro, copeiro e
boliero. Faz todo o serviço da casa com presteza, e é o melhor trabalhador de roça que se pode
1878)
estas possuíam uma relação muito próxima com seus senhores. Nesses
“Ama de leite
Inspeccionada e affiançada por médicos, quem precisar e quiser pagar bem, pode dirigir-se à
a seguir.
22
mesmo tempo a população negra em si”.
devido à sua função pragmática (já que, como notou Freyre, a partir dele
abolicionista.
situação:
Estes escravos tentaram contra a vida de seu senhor e descarregaram um tiro ferindo-o
“propriedade”.
“300:000 rs
Gratifica-se com a quantia acima e paga-se as despesas a quem entregar a Antonio Carlos P.
Queiroz em sua fazenda no Amparo o seu escravo Lazaro bem preto [...] Está na capital.
23
abolicionista agia de maneira mais frequente.
“Gratificação
Fugio da Fazenda Morro Azul, o mulato claro de nome Paulo, pertence a [...] desconfia-se de
achar-se nesta cidade ou em Santos. Luiz Pinto Homem de Menezes.” (Correio Paulistano, 21
de fevereiro de 1879)
“Escrava fugida
De José Antonio de Souza residente em Itú fugiu há 5 mezes a escrava Balbina, mulata de 30
annos, estatura pequena, rosto cumprido, cabelos não bem pretos, bonita figura, prosa de
corpo, bons dentes, fala com doçura e em uma das faces, abaixo do olho, tem uma cavidade
24
por Laura de Mello e Souza, é o das negras quitandeiras, ou de
fuga, sendo que nesses casos o próprio tabuleiro era utilizado como sinal
“Escrava fugida
Da casa no 2 da rua das Flores nesta capital, fugiu a escrava Maria, com os signaes seguintes:
alta, magra, de nação, 40 a 50 annos de idade, trajando vestido e chale cor de Havana, levando
um tabuleiro de doces, visto ser quitandeira. Foi vista conversando, tomando a direção de
Paulo).
“Moleque FUGIDO!”.
“Moleque fugido
Desde quinta-feira anda fugido o escravo Silvestre, natural do Ceará, levou calça
embranquecida. Costuma dar-se por livre, mudar de nome e alugar-se para qualquer serviço,
outras vezes diz que é captivo de diversas pessoas sem declarar quem é o seu senhor, tendo
contrahido dívidas em nome deste, anda quase sempre pelos arrebaldes, finge de humilde
para illudir quando é surpreendido torna a fugir...” (A Província de São Paulo, 25 de abril de
1878)
Não se pode dizer que o “objeto procurado” era um só, sem qualquer
25
parecia gozar de uma autonomia maior, sendo que os anúncios
“eruditos”.
“Fugio da cidade de Itapetininga o escravo de nome Luiz, cabra 22 annos, altura regular e
corpulento, pés grandes, cabellos grenhos, olhos vivos e pequenos, falta de dentes na frente,
sabe ler e escrever regularmente, falla bem e muito explicado, muito risonho e fica sempre com
papéis nas algibeiras gosta muito de recitar versos, é pedreiro e copeiro e costuma dizer que é
forro, anda descalço. É de Macahé, Rio de Janeiro.” (Correio Paulistano, 18 de agosto de 1877)
“Fujão
Pede-se a quem encontrar o menor Estevão, muito conhecido aqui dentro da cidade, fugido de
casa há 8 dias, o favor de mandar encontrál-o à rua da Esperança que será gratificado. Elle
sahio com calça de algodão de inverno, jaqueta velha e camisa tudo sujo, desconfia-se estar
pela Penha, Consolação ou pelas estradas, tem de 9 a 10 annos, é pardo. É escravo e por isso
setembro de 1874)
“Escravo — fugiu de Bierrenbach & Irmãos, de Campinas, no dia 2 de setembro deste anno, o
mulato Rodolpho, de 24 annos, estatura média para baixo, corpo reforçado, falla bem, pisar
firme [...] é muito activo e inteligente, natural de Campos (R.J.), professor chapelleiro mas sabe
cozer em máquina de costura, tendo trabalhado com máquina a vapor no que é prático. Sabe
fácil.
26
colegas no campo. Toda essa situação, é claro, se evidenciava na própria
especialização.
“Juiz de Fora, Escravo fugido
Acha-se fugido desde 1o de março do corrente, o escravo Theodoro. pardo, baixo, cabellos
corridos e de boa figura, bem-feito de corpo, bons dentes e começando a barbar e tendo mais
ou menos 22 annos, pagem de serviço doméstico acostumado a lidar com animaes, copeiro,
entende do offício de carpinteiro, sabe lidar com máquinas de corte, lê números e faz conta de
memória, sabe música, canta e toca flauta e violão e leva-o corpo só roupa de serviço...” (Correio
“Fugiu no dia 8 dessa cidade (Itapetininga) um escravo Luiz, cabra, 22 annos, altura regular,
cabellos grenhos, corpo regular, sabe ler, escrever e contar, falla bem e muito explicado, é
copeiro, costureiro, dis que é forro.” (A Província de São Paulo, 12 de junho de 1877)
que vários anúncios destacavam como sinal para uma possível apreensão
os belos e às vezes elegantes trajes desses cativos que fugiam com roupas
“Fugiu Américo, crioullo de 38 a 39 annos, alto e bem-feito de corpo, bons dentes, costuma
fazer a barba, usa bigode, conversa bem, traja bem é bom carpinteiro e pedreiro, leva consigo
algum dinheiro seu, é bonito é escravo de estimação.” (A Província de São Paulo, 27 de março
de 1887)
possuir uma relação próxima com seus senhores, já que a maioria dos
desses escravos rurais, que poderiam advir tanto do duro ofício, que os
pardo, sem barba, olhos vivos, foi criado de servir na corte. Há pouco mais de um mez foi
vendido nesta cidade para serviço de roça e por isso está com as mãos callosas...” (Correio
que eram destacadas nos anúncios como sinais para uma possível
condição.
“Casa Branca
Fugio da fazenda de Francisco Prudente José Correa o escravo Agostinho, de cor preta, tocado
a fulla [...] tem um sinal no pescoço de [ferro] e este recente [...] este escravo foi a 2 mezes
submetido a julgamento no jury desta cidade e sendo condennado a açoute tem sinal de
castigos nas nádegas. Esteve açoitado por 10 mezes. Quando preso precisa toda a cautela pois
que tem conseguido soltar-se estando preso em ferro.” (Correio Paulistano, 10 de fevereiro de
1880)
“Deolindo natural de Bahia, signais de castigo nas nádegas, alto e corpo regular [...] idade 40
annos mais ou menos [...] fugiu com pegas e ganchos e quando tenha tirado deve existir os
“Escravo fugido
Carlos do Pinhal o seu escravo de nome Antao, creoullo da Bahia, 22 annos, bem preto, bons
dentes... Não se sabe se tem alguns signaes pois foi comprado no dia 14 e a 15 já fugiu.” (A
nesse mesmo jornal como “bem ladino”, não tendo “signal physico e de
castigos”.
características físicas mas também por seus atos, deviam inspirar medo
“Escravo fugido
annos, magro, cabellos embranquiçados, pernas finas, signaes [...] levou uma espingarda de
dous cannos, uma foice e uma facca comprida [...] S. Simão.” (A Província de São Paulo, 24 de
julho de 1881)
afirmando: “desconfia-se que foi seduzido por alguém por não ter crime
algum...”.
que, enquanto alguns anúncios eram mais diretos e ligeiros, como o que
“Rs. 100$000: Fugiu de José Amancio Rosa em Dous corregos João castigos...”
... outros eram por sua vez mais ricos em detalhes. Esses classificados
tom mais passional como, às vezes, ira e raiva pelo elemento que se
evadira:
“Da chácara do Pacaembu de cima fugiu no dia 31 de março Dionísio, edade 45 annos mais
modos humildes e insinuantes, astuto e velhaco como poucos. É muito conhecido nesta cidade...
Essa diferença no “tom” e no texto dos anúncios, por sua vez, revelava
que se sentiam lesados. Dessa forma, ao mesmo tempo que estes últimos
Ao lado dos dados objetivos (idade, cor, cabelo, altura) que apareciam
“ESCRAVOS FUGIDOS
O abaixo assignado declara que há quatro mezes mais ou menos lhe fugiu de Mogy das
Cruzes o seu escravo Caetano, mulato quase branco, há 12 dias lhe fugia outro de nome
querendo libertal-os, vem por meio da imprensa pedir aos senhores abolicionistas ou aos seus
chefes que não põe dúvida em aceitar qualquer indenização, seja de justiça a fim de mostrar
fuga o desmentia:
“Escravo fugido
Fugiu de Limeira [...] o escravo Luiz mulato, pouca barba, cabellos soltos [...] muito
preguiçoso, algum tanto abobado, muito obediente e humilde, foi cosinheiro hoje trabalha na
largamente questionada).
nos contos.
Assim, por exemplo, a imagem constantemente veiculada nas
“Páginas volantes
terreno, com esse nome havia na fazenda um preto velho de que muito gostavam as crianças
porque lhes contava bonitas histórias de Almas de Outro Mundo, de cavallos sem cabeça que
encontradas etc...
Não tardou a romper o SAMBA [...] O preto velho, subitamente, não podendo mais resistir
à contagiante alegria dos parceiros, saltou no meio do terreno e dançou, dançou sem parar
um instante. As crianças applaudiram batendo palmas, o Tio João, mas este no dia seguinte
foi encontrado morto na sua cabana de sapé. O preto velho inteiriçado, sorria mostrando
seus dentes alvíssimos. Tio João morreu de alegria/ Wenceslau de Queiroz.” (Correio
1892), cuja história relata o caso de uma mãe negra que passara toda a
sua vida em busca do filho, que fora à guerra (e que inclusive “perde a
acaba falecendo.
das notícias das décadas de 1880 e 1890 estava também presente nos
condição.
“Sim, laia, mas a gente que tem coração é livre algum dia?... Eu, por mim, acho que o amor
prende mais do que qualquer outro captiveiro. Quanto mais affecto, mais captivo se fica e
bruxaria”.
existem também diferenças que são dadas pelo próprio caráter das
saber nunca é inteiro nem derradeiro. A literatura não diz que sabe DE
alguma coisa; ou melhor, diz que sabe algo das coisas — que sabe muito
27
sobre os homens”. Assim, de maneira menos direta e imediata, mas tão
28
esconder mas antes formar e normalizar”. Através deles, então,
OUTRAS SEÇÕES
Além das notícias, dos anúncios, dos contos e do editorial,
“Ocurrências policiaes”
“Na Consolação foi presa a preta Eufrásia Maria Joaquina por vagabundagem.
Na estação Santa Efigênia foi recolhido o preto Esteves escravo de Manoel Cunha por
desobediente.”
29
detido “por suspeita de ser escravo”.
“São José dos Campos: Acha-se preso na cadeia desta cidade o preto de nome Jair que fora
preso por suspeita de ser fugido e em seu interrogatório diz que por morte de seu senhor ficou
liberto sem que nunca tivesse recebido carta de liberdade, que seu senhor chamava-se
Fernando P. Pissola e que tem sua senhora de nome M. Carlota e Joana Rita moradoras na
rua da Saudade da Corte, dignando-se a fazer chegar ao conhecimento dos interessados que
acha-se preso o referido escravo até que seja, conhecida a sua condição.” (Correio Paulistano, 3
de janeiro de 1886)
“Foram recolhidos a cadeia por suspeita de ser escravo fugido o escravo Manoel Archanjo,
sendo posto a disposição do conselheiro delegado de polícia para averiguar sobre a condição
do mesmo preto. O menor Cyrino escravo de Bazilho de tal por andar na rua depois do toque
de recolher, e o preto José Moura por suspeita de ser escravo fugido.” (Correio Paulistano, 18
de fevereiro de 1874)
“Pela secretaria de polícia se faz público que desembarcou na Bahia no dia 11 do corrente do
vapor alemão ‘Arquitania’ procedente da cidade de Santos desta província, um crioullo preto
de 25 annos de idade, baixo, corpo reforçado, que deu o nome de Antonio dos Santos o qual
fora encontrado a bordo do vapor sem ter pago passagem nem dar o nome na lista. Não
respondendo satisfatoriamente sobre o modo e objeto de sua viagem há quasi certeza de que
30
locomoção muito dificultada no interior das diferentes cidades... Tal
“VIOLÊNCIA: Hontem por simples denúncia de um moço estudante, foi preso na rua do
Carmo o Sr. José Cancio Borges de Araujo como escravo fugido. A pessoa que foi victima
deste attentado é muito conhecida nesta corte onde exerceu por muitos annos um emprego
no correio e ainda hoje ocupa o logar de guarda da escola polytechinica. Quando chegou à
estação do 5o Distrito valeu-lhe o testemunho de um seu amigo para se ver livre daquella
crítica posição. É deveras para lamentar que a leviandade de um moço e ainda mais a do
comandante de uma estação policial baste para por em risco qualquer homem decente de ir para
“por ébrio” ou “por andar sem bilhete após o toque de recolher”. Logo,
que é preso por não ter ocupação ou por não estar adaptado às
31
condições “civilizadas” da vida nas cidades.
32
ampla gama de situações. Assim, através das “ocorrências” podemos
33
Mello e Souza convencionou chamar de “teoria da vagabundagem”, já
inclusive recorrer aos calabouços policiais, mas era sempre a sua justiça
que predominava (já que o escravo era sua propriedade), sendo que nas
senhores.
devido a seu texto direto, tal seção deixava pouca margem à elaboração
da cidade de São Paulo. Assim, era nela que um senhor poderia buscar
pistas sobre o paradeiro de seu cativo e era através dela que a população
“OBITUÁRIO”
escravo podia ser considerado velho, por que então tais casos não
Por outro lado, um fato que também chama a atenção é que as mortes
Paulo (onde, com certeza, a presença escrava não era tão necessária e
de seus cativos. Nesse sentido, o que mais uma vez fica claro é que cabia
livro, maior tratamento. Por fim, os “folhetins”, por mais constantes que
34
entendido em todo o seu conjunto. Segundo Saussure e Lévi-Strauss,
econômicas, como, por exemplo, nesse texto de Clóvis Moura: “de fato
35
trabalho e propriedade entre senhores e escravos”.
condição escrava.
tudo “uma maneira de pensar que está a cada momento de tempo fixada
36
e cristalizada”. Pode-se falar então em relações de produção, exploração
37
a tarefas domésticas, urbanas ou mesmo rurais?
Os escravos viviam, na América, uma imensa gama de situações
Mauss, o escravo não tem personalidade, não tem corpo, não tem
38
antepassados, nem nome, nem cognome, nem bens próprios. O
e morais.
INTRODUÇÃO
BELA E A FERA
cenário nacional.
“Rapto extraordinário
O correio de Campinas de hontem completa a notícia que há tempos demos do rapto de uma
moça de boa família por um escravo preso em um matto próximo de Botucatu. A moça era
filha de um abastado fazendeiro de Minas. Costumava ir todos os dias lavar o rosto em uma
bica próxima da casa da fazenda. O negro, que já formara o seu plano, servindo-se de uma
toalha amordaçou-a e carregou-a para matta próxima. Da triste vida da pobre moça sabe-se
apenas que seu vil raptor a deixara amarrada a um tronco... Finalmente encontraram a moça,
sendo que o preto saltou armado como uma verdadeira fera. Foi acertado, cahiu mas
arremeteu-se para matar a moça. Os outros conseguiram agarrar e subjugar aquella fera com
interessante também notar como a figura dos sujeitos das ações em geral
“Mais uma lamentável consequência da escravidão [sobre uma sublevação de escravos contra
um feitor]
[...] Chegando alli fou agredido pelos mesmos que se atiraram enfurecidos como feras [...]
“Mais um assassinato
[...] deu-se hontem às 10 horas da manham uma scena de sangue em que foi victima um pai
de família maior de 60 annos. Entre alguns escravos tinha elle um moleque de nome Manoel,
de má índole, desobediente e inimigo do trabalho. Tendo Manoel há dias saído de casa de seu
senhor, a polícia prendeu-o e mandou avisar a Manoel de Mattos que o soltou. Formou elle
“Dramma sanguinolento
Hontem a uma legua da cidade de Rio Claro deu-se maes uma dessas scenas tão frequentes
amigo o Sr. Segisberto Motta Paes [...] Os escravos a foiçada e de traição cruelmente
com o maior cynismo e no meio de risadas contaram o facto em seus pormenores.” (Correio
maior atrocidade de barbárie, o fazendeiro Sr. Antônio Nogueira de Barros, moço bem
apessoado e de natureza varonil acaba de ser assassinado hontem, por um seu escravo com uma
enchadada na cabeça fazendo-lhe saltar os miolos. O assassino que é conhecido por sua ‘má
índole’ está na cadeia e contou tudo com sangue frio. O finado pertence a uma família
BRANCO PRETO
admirado...
“Assassinato em Campinas
Um horroroso acontecimento deu-se quando foi barbaramente assassinado por seus escravos
“Assassinato
Apresentou-se ao delegado o preto escravo do finado José Manoel de Queirós e declarou que
na madrugada havia desfechado uma machadada na cabeça de seu senhor que o deixara
roncando. São essas as palavras do assassino cujas declarações são feitas com sangue frio que
outrem, por sua vez, não é nada, é esse outro que me constitui a mim
1
seu reconhecimento que eu posso me reconhecer”. Assim, ao
representar o negro, o branco constituiu-se ao mesmo tempo como a
língua é antes de mais nada o “terreno onde afronto outrem”, então não
dela, ou seja, nos outros enunciados cujo uso ele oferece ou proíbe a um
2
eventual interlocutor”.
parece obrigar o leitor a enviar deste ato seu reflexo, constituindo então
3
como uma alusão a outros enunciados, essa sombra de si mesmo e que
“Quando uma pessoa ou grupo afirma-se como tal o faz como meio de
[...]. É assim uma identidade que surge por oposição e que não se
4
diante dos outros.
“Por haver comettido um roubo em Casa Branca foi capturado Dalmacio Ferraz de Oliveira
brincos, um broche de ouro, uma concha de prata e diversas roupas finas marcadas com
(Casa Branca). Contam-nos que ha dias um escravo do senhor Martinho Prado, cujo nome
não sabemos, foi mandado a São Paulo em serviço da fazenda [...]. Chegando nesta cidade
um escravo! Não pode este captivo fugir? Não pode o sr. Martinho Prado ficar sem o ‘escravo
modelo’? [...] Deixarei ao público que faça seu juízo quanto a honradez do escravo e falta de
“(Recife) Deshumanidade
Informavam-nos que as 11 horas da manhã do dia 16 passava pelo becco do Espinho [...] um
homem de cor preta quando ouviu choros de um recém-nascido. Percorrendo com a vista
louros, olhos azuis. Despunha-se a levál-o ao subdelegado quando uma preta moradora das
immediações sabendo do facto e contanto que a criança precisava de socorros, prestou esses
com o consenso do preto [...] a preta que havia também ido á presença do subdelegado pediu
a este que lhe fosse concedida a mesma criança e a autoridade concedeu. O coração dessa
negra era com certeza mais do branco, do que a da branca mãe perversa.” (Correio Paulistano, 3
de novembro de 1885)
O cidadão Jorge, aquelle bom pardo que já foi captivo do Sr. desembargador Galvão, mas que
não obstante isto gozou sempre de bons créditos, que ficou sendo conhecido pelo apelido de
rei dos pardos, é hoje nada menos que chefe de família. Casou-se tendo por testemunhas 2
cavalheiros distinctos de nossa sociedade e pode-se dizer sem medo de errar que recebeu com a
maior amabilidade os parabéns das pessoas que a seu convite foram a sua casa tomar uma
chávena de chá. Há quasi um anno que está liberto e para tal resultado houve até intervenção
do S. M. Imperial do Brasil e por fim libertou por 1 ou 2 contos de réis (dizem) a sua dona.
Hoje Jorge é geralmente estimado e goza dos foros de homem muito sério, muito honesto e
que inclusive se reconheciam como tal. Mas, além disso, o que chama a
que “não obstante ter sido escravo [...]”, ou então que “hoje é geralmente
“hoje” parece demonstrar que no passado o pardo não podia ser honesto
e trabalhador.
“Infanticídio
Foi hontem recolhida á cadeia desta cidade a preta Leopolda escrava do senhor Barão de
Itaoca a qual apresentou-se ao sr. delegado com uma filhinha morta nos braços, declarando
que a tinha asphixiado voluntariamente com as mãos, dizendo que assim procedera porque o
feitor não lhe dava tempo para cuidar de sua filhinha. Examinando-a a escrava não se lhe
achou signal algum de sevícias tendo também declarado a escrava que nunca fora castigada.”
brancos e negros.
o
O NEGRO: SUSPEITO N 1
violência com elementos de cor era tão imediata que frente a qualquer
“Assassinato
Na noute do dia 14 foi assassinado José Alves de Oliveira com uma machadada [...] Não
tendo o fallecido indisposição com pessoa alguma suspeita-se com fundamentos que o
assassino ou assassinos sejam escravos. Entretanto nada se sabe de positivo.” (A Província de
“Horroroso assassinato
D. Maria Sanches de Mello Queiroz, portuguesa de 56 annos que vivia de dar lições de piano
residia em companhia de uma creada escrava à rua da Imperatriz no13, Nitheroy, onde
appareceu hontem de manham assassinada, cahida no chão da sala de jantar, ainda vestida
[...] Consta que possuía joias de valor que não foram encontradas. A polícia investiga o caso e
de 1880)
A grande característica desse tipo de artigo era por sua vez o texto
por princípio:
“Assassinato Mysterioso
Ante-hontem foi encontrado o cadáver de Martin Pauman [...] foi encontrado com um
grande golpe na garganta [...] Atribuem alguns a auctoria do crime a um escravo foragido.” (A
avessa à civilização”.
“ferocidade”.
“Fugiu Luiz mulato [...] cabelos soltos [...] fala baixo [...] aparência muito preguiçosa e algum
“Sahiu com licença de 4 dias a escrava de nome Ana, cor preta, altura mais que regular com o
fim de procurar senhor, mas como até o presente momento não haja notícias da mesma, o
“Fugiu no dia 3 de julho de 1872 com 46 annos de idade um mulato escuro (cabra) altura
mais que regular, mãos e dedos compridos, um pouco gago, tem falta de dentes na frente,
bastante amigo dos brancos e muito humilde.” (A Província de São Paulo, 22 de setembro de
1878)
“Escravo fugido
Ao abaixo assignado, fugiu no dia 15 o escravo Dionízio, que tem os signais: idade 45 annos,
creoulo, cor preta [...] Foi de família Barruel é muito conhecido nesta cidade. Tem falla mansa
e pausada, modos que indicam humildade mas tem também mais de 30 fugidas. Ardiloso e
astuto, fugio depois de haver feito um roubo de dinheiro com inteiro abuso...” (Correio
através dos nomes dos escravos (já que muitas vezes esses eram dados
Ha 5 annos fugiu de uma fazenda desse município um escravo velho de nome Elesbão. Nunca
mais houve notícia delle e seu dono suppol-o morto. Há poucos dias um vizinho avistou de
noite um pequeno clarão de fogo na matta. No dia seguinte mandou o feitor e 2 escravos
verem o que era aquillo e encontrou Elesbão completamente nu e faminto. Quando viu os
parceiros, Elesbão tentou resistir, mas quando viu o feitor entregou-se de cabeça baixa [...]
afirmou que nunca quis furtar nem para comer. Foi recolhido e está bem tratado em casa de
um genro de seu finado senhor. Chorou quando conheceu a sinha moça que deixara
fera”. A violência daqueles que provam por seus atos a sua pouca
serviçal e dependente, que revela por sua vez a forma tutelada como esse
libertação dos escravos, a questão negra vai se tornando cada vez mais
abolição.
grande temor, sendo que essa folha foi uma das últimas a “advogar” a
escravos.
sociedade. Sou abolicionista porque os escravos são meus irmãos em Cristo. Este mandou os
escravos serem obedientes aos seus senhores e mandou seus senhores amarem seus escravos [...]
Porém os fazendeiros não devem ser tolos. Venham o quanto antes e tratem de por na cadeia
os larápios dos senhores de escravos como Antonio Bento. A evolução abolicionista não
tão combatida.
diabruras que alli tem praticado. Os signaes são: baixo, cheio de corpo, rosto grande e
redondo, moreno, usa bigodinhos, tem 25 annos mais ou menos, é bom empinador de copo e
orelhador de sota, anda procurando um casamento rico. Cuidado com o bicho senhores
fazendeiros e paes de família, olhem que elle é DAS ARÁBIAS como são todos os de 1/2 e 3/4
de sangue e que tem a cor tostada de LOMBO ASSADO. Cautela com o finório porque além
5
problema afeito exclusivamente aos fazendeiros.
“A transformação
Foi objeto de muita censura especialmente da parte dos que julgavam possível retardar o
movimento emancipador nesta província, o modo pelo qual nos pronunciamos a respeito da
atitude própria da autoridade perante as fugas de escravos das fazendas. Com a franqueza
emprego da força pública para a prisão de escravos fugidos salvo o caso de perturbação da
intervenção da autoridade num e outro caso justificada pela excepção indicada não conseguiu
impedir que os escravos continuassem a abandonar as fazendas sendo certo pelo contrário
que as fugas multiplicaram-se nos municípios onde a ordem pública ameaçada exigiu o
número. Entretanto é preciso manter os libertos nas fazendas para que a desorganização do
trabalho não seja consequência da grandiosa obra da emancipação que vae sendo realizada
de 1888)
Tendo-se propalado que o ministério da Guerra mandará tirar a farda ao indivíduo que sendo
exército, foi contestado o facto pelo Diário Oficial que acerca as seguintes linhas:
Nenhum escravo depois de alistado e em serviço do exército é restituído a seu senhor [...]
procede-se a indenização do valor arbitrado judicialmente [...] Tem sido esta com effeito a
prática ininterruptamente observada desde 1872 por se haver então considerado que menor é
incomparável desgraça pode mesmo ser lembrada algumas vezes para honra do mesmo
homem que da aviltante condição de escravo tenha conseguido erguer-se até tornar-se digno de
“Distúrbios — Piracicaba
Sr. Luiz Gonzaga fazendeiro daquele município havia dado liberdade a seus escravos, fazendo
passagem na estrada de ferro para essa capital. Em Jundiaí foram retirados do trem pelo
Avisado o Sr. Gonzaga veio a Jundiaí e conduziu os fugitivos para Piracicaba. Tendo-se
conhecido o facto naquela cidade reuniu-se grande massa do povo ao chegar o trem foram
Esse fato produziu grande excitação nos ânimos e no dia seguinte pretos em número
contra as desordens travando luta entre o povo e os pretos, da qual resultou tiros e
“Tiete
Não tem procedência a notícia publicada pelo liberal paulista sobre uma passeata pelas ruas
da cidade de 500 escravos que abandonaram as fazendas. Não há dúvidas que houve no dia 1o
deste mez uma passeata pelos negros ultimamente libertados mas na melhor ordem possível,
com consentimento prévio do honrado delegado de polícia. Finda a passeata, os negros retiraram-
se na melhor ordem para as suas fazendas onde continuaram no serviço de seus senhores
seu dever pois é sabido que ele não admite vagabundagem na cidade forçando uma
já que oscilava entre o que pretendiam ser os “novos valores” que tanto
maneira possível.
“[...] Não se deve reagir e antes concordar que a escravidão está no fim [...] Hoje só nos resta
bem dirigir os seus effeitos tornando os escravos trabalhadores úteis.” (A Província de São
mal que somos victimas por herança, mas não se pode acabar com o mal produzindo outro
ainda maior, porque além de attender grandes questões econômicas e sociais há um outro
princípio ainda maior: o moral. Não é possível libertar repentinamente 1 400 000 homens
não preparados para a liberdade, é necessário um PRAZO RAZOÁVEL. O Brasil não pode
maio de 1884)
mesmo educável.
“CAPIVARY — Um benemérito
Há factos honrosos, actos tão dignos de louvor e imitação que o maior elogio que se lhe pode
O exmo. Sr. Barão de Almeida Lima depois de ter feito vários benefícios ao município de
Capivary taes como dois altares da Igreja matriz, um elegante edifício onde funciona uma das
escolas públicas ter declarado todos os escravos livres por sua morte, acaba de fundar uma
escola primária para seus ingênuos escravos. Edificou uma casa espaçosa e com todas as
Contractou como professor o Sr. Francisco José Vaz do Amaral Júnior que com toda
No dia 4 do corrente foi inaugurada e abertas as aulas; durante o dia são frequentadas pelos
Reina nas aulas a boa ordem e a disciplina recomendada pelo exmo. sr. Barão e executada
com todo cuidado pelo digno professor. É bonito e comovente quando a tarde os escravos
voltam do trabalho, trocam as roupas e com todo aceio apresentam-se às aulas! Sente-se um
grande prazer quando se entra no salão onde funciona a aula, todo iluminado e ahi vê-se uns
40 homens de trabalho que tendo largado a enchada e a machada empunham a penna e o livro!
attenção ouvem as explicações do professor. Terminada as aulas vão fazer suas refeições e
Oxalá que todos os fazendeiros imitassem o exmo. sr. Barão preparando seus míseros
escravos para gozarem de sua liberdade quando raiar o dia da redempção. Parabéns ao exmo.
grande feito.
Um admirador.”
para dessa maneira conviver lado a lado com seus antigos senhores:
“[...] o senhor brazileiro nunca considerou seu escravo como animal nem
será por seus talentos e com estudo igual ao senhor de hontem e confundido ambos na qualidade
Comunicam-nos:
serviço de seus escravos, em vez de encontral-os no eito, adivinhem os leitores o que estavam
elles fazendo? Agrupados escutavam attentos a leitura do jornal A PROVÍNCIA feita por um
delles cuja leitura era nada mais nada menos do que um resumo de um discurso do Cons.
Dantas.
O sr. naturalmente arrependido calou-se... Em todo caso não havia perigo na leitura
jornal.
postura que adotava nos editoriais: um texto mais frio e imparcial, mais
“científico-positivo”.
Tais tipos de descrição e explicação eram por sua vez muito diferentes
questão.
Por outro lado, outros artigos dessa seção constituíam uma clara
entre “brancos”. O negro, por sua vez, era sempre um “objeto da ação”
artigos, na maioria das vezes, não fosse nomeado. Ele era sempre um
por outro lado, parecia inexistir, pois, como o próprio título dos artigos
culpada “de todos os males” e parecia que sua extinção fosse suficiente
por sua vez, não atuava enquanto “cidadão consciente” pela sua
sacrifício individual.
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é elogio”. Assim, em “Scenas da escravidão” ora denunciava-se a
negra”.
“Orientação abolicionista
[...] A abolição deve ser imediata para que não ocorra um cataclysma [...] É melhor e mais
consentaneo que se declarem já livres todos os escravizados porém todos sujeitos a prestação
de serviços por um certo número de annos e faça o governo indemnização equitativa que a
“[...] sejam declarados livres todos os escravizados porém para o bem desses infelizes que
foram nossas victimas, não queremos para elles já a liberdade completamente absoluta.
tipo de transição entre o ex-algoz e a ex-victima e habitual-os a unirem-se sem existir o título
civilização negra).
“A raça negra
A escravidão do negro proveio do atraso dos povos dessa raça habitantes da África e da ganância
dos brancos. Os africanos são povos ignorantes e avesados a barbaridades e às injustiças, mas
África, poderia ser povoado o Brasil com negros estabelecidos sob o regime de trabalho livre...”
“Os povos não alcansam repentinamente a civilização conquistam-na aos poucos lentamente; já
mantendo uma fábrica, já destruindo um preconceito, hoje adquirindo uma fórmula scientífica
amanhã perdendo um hábito tradicional, aqui fundando uma escola, além destruindo uma
casa velha, porque a civilização consiste no câmbio da vida simples e patriarcal [...] Ora São
Paulo é evidentemente uma cidade civilizada [...] Da civilização decorre historicamente para a
sociedade democrática niveladora [...] mesmo no tempo da escravidão em que ainda co-
existiam duas classes internamente desiguais perante a lei e perante os costumes os escravos
sentavam-se ao lado do SENHOR no mesmo banco do bond, sem que ninguém reparasse
nisso. E hoje já não há mais escravos, vemos: frequentemente um casal honestíssimo sentado
janeiro de 1891)
“escolas”.
Spencer. Junto com esse tipo de ideias, o texto introduzia um mito (que
“A escravidão e o caráter
Diversas são as causas que tem contribuído para a depressão do caráter nacional, mas a mais
generosos porque o senhor se constitue num tyrano [...] O Brasil é um país novo está
desgraçadamente aviltado, tão rebaixado pelo caráter de seu povo que chega a nos ameaçar de
morte [...] a libertação é o caminho mais seguro para a conquista da civilização.” (A Redempção,
24 de julho de 1887)
“A maior parte dessa honrada gente pertence a raça cruzada dos brancos e pretos. Bebados,
abril de 1887)
Para A Redempção, a questão racial era um dos grandes debates do
uma nação que uniria brancos e negros, não mais expostos aos
escravidão que de tal forma “havia corrompido a alma dessa infeliz raça”.
Para esse periódico, então, muito pior do que a “raça africana” era o
progressivo.
Um bom exemplo nesse sentido é o artigo do dia 25 de setembro de
de escravos:
“Sabe-se também que a Inglaterra envergonhada por essas cousas e vendo a cegueira do Brasil
negócio viram-se na necessidade de cercar o trânsito [...] Não precisamos comentar o grande
mais radical, com relação à população negra) e por seu estilo mordaz,
da época.
“Manicômio
É o nome que hoje cabe à vasta região. Há oito annos que não fazemos outra cousa senão
jogar cabra cega e bater a cabeça na parede [...] O sistema republicano transformou-se numa
bomba chata que ahi está. A opinião pública é posta de lado. Somos uma súcia de loucos.
Vamos à urna? para que? Vamos à imprensa? para que? Para que o governo mande
Por fim, para essa folha, em que a questão da abolição tomava todos
logo após o “13 de maio” o jornal foi aos poucos se transformando num
O negro fugido
Quanto às representações e questões presentes neste segundo período,
constantes. Está aí, sem dúvida, uma questão crucial, já que coloca esses
particulares e destacados.
situação.
um golpe circular... [segue descrição] [...] Quando o preso disse que fugira para evitar os
maus tratos do feitor que, sendo homem livre não se lembrava que os escravos deviam comer
e beber. Dentro de pouco tempo tem se repetido diversos assassinatos commetidos por
escravos e não simplesmente contra aquelles que se dirigem e vigiam. O punhal vibra contra
qualquer um, o que quer é cometter o crime e ganhar a boaventurança do reino de Galles. É
claro pois que não só os proprietários de escravos que correm perigo, mas todos e a sociedade
inteira que terá de precaver-se para fazer facce aos ataques inesperados destes homens que para
melhorar a sorte matam o primeiro que encontrem.” (A Província de São Paulo, 13 de outubro
de 1878)
que tentou contra a vida do mesmo senhor assim como quando esteve preso na cadeia desta
ultimamente por isto o vendeu. Francisco no mesmo dia sahio da correção evadindo-se
prometendo vir à cidade no intuito de vingar-se do sr. Teixeira. Um caso desses exige
“Informou-nos a redação da mesma folha que nas tabernas próximas à estação de Vallinhos
reunia-se por vezes, grande número de escravos que praticavam desordem. Diz o informante
que suppõe haver em taes reuniões fins menos lícitos.” (Correio Paulistano, 16 de outubro de
1875)
e inusitadas.
“Sabemos que existe um quilombo na matta virgem que há entre os rios Jaguary e Atibaia.
proezas. Não há fazendeiro dali que esteja tranquilo depois que aquelles negros deram grigados
tendo a maior vigilância [...] Ante-hontem logo que aconteceu desappareceram um pajem,
um feitor e 3 escravos que suppõe-se terem sido aliciados pelos quilombolas. Não houve cousa
“A requisição do fazendeiro Elias Antônio Perna, sahiu uma força de destacamento de Itú
abandonado e nas imediações foi encontrado o cadáver do liberto Elias, tendo os pés
amarrados com cipó e apresentando diversas contusões que levam a supor a existência do
“No sábado foram interrogados 5 quilombolas presos [...] Foi interrogado também o
quilombola Cassiano que era chefe do quilombo que foi debelado. Este escravo exercia grande
ascendência sobre seus companheiros porque DIZIA ELLES TINHA GRANDE DEVOÇÃO
COM AS ALMAS e além disso FAZIA VÁRIAS FEITIÇARIAS que não impediram de ir ele
“No sábado a 2 léguas de Campinas um mulato alto e dous negros reforçados completamente
pânico era geral, pois parece que “pairava no ar” para os senhores “o
mobilizava a população:
“Informam-nos os moradores que vários escravos fugidos e pessoas livres tomam parte em
assaltos e muitos roubos que alli se tem dado [...] Esperamos providências. Anima-se a
“[...] parece que existe algum acordo entre quilombolas e alguns escravos da fazenda em razão
9 de maio de 1886)
de acontecimentos.
‘Escravos Antonio Prado de Godoy revoltados. Não há por enquanto maior novidade,
desconfia-se de hoje a tarde. Estão dadas as providências’”. (A Província de São Paulo, janeiro
de 1885)
Nessas notícias curtas, se por um lado ficava claro como as
“INSURREIÇÃO DE ESCRAVOS
contra senhores. Ainda agora lemos no monitor Campista que os escravos da fazenda do sr.
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interna e que, como tal, ofereciam talvez menos perigo e mereciam
pouco alarde.
“Quilombo abandonado
[...] Quadro horroroso! Sobre um pequeno estrado de paus roliços achava-se um cadáver
deitado de costas com a mão direita na nuca. O seu adiantado estado de putrefação não
permitiu uma exame [...] os negros abandonaram e o infeliz por enfermo lá ficou só e
“Quilombo
Achamos tocantes as narrações feitas nos jornais sobre ajuntamentos de negros fugidos que
de trabalhos de graça, procuram nos mattos a liberdade [...] Estudem os republicanos o que é
janeiro de 1887)
cor ou liberto, que era descrito como PRETO, quando se trata de notícias
“Assalto
Ante-hontem as 10 horas da manham na antiga estrada de Itatiba foi assaltado por dous
negros fugidos um camarada de nome Antonio de Godoy [...] foi quando apareceu outro e os
dous negros evadiram-se. Há dias deu-se na estrada o seguinte facto: tendo ido catar cipó a
mando de seu senhor um preto de uma fazenda foi apanhado por diversos negros fugitivos
que despediram-no e deram-lhe uma valente sova. O preto teve de esperar a noite para voltar
confiável. Por outro lado, “negro” é aquele que acima de tudo perdeu
transcrevemos:
[...] E a boa raça africana, tão dócil, tão affectiva, tão amiga, factor de riqueza nacional, a velha
raça de Chaim em cujas tetas submissas bebemos, grande parte de nossa vida nacional está ahi
a nosso lado, humilde e sempre boa, honesta, moderada, serviçal, proliferando em paz entregue
a si mesma sem incomodar os brancos. Que sympathia por essa velha paria da existência! Que
beleza no seu fetichismo, na sua aflição primitiva no amor que tem aos filhos dos brancos!
Incorporada ao povo brasileiro ela que não nos incommoda vive conosco aparte sentindo
novo tipo de violência era tão imediata que a própria palavra “negro” já
negativa ou indigna.
José Joaquim por um filho desse senhor de nome José Paulino [...] Paulino conversava no bar
quando entrou ali um camarada que vinha chamar José Paulino. Este sem se recusar a ir disse
para que o camarada esperasse e elle esperou. Quando porém se resolveu a sahir, disse-lhe o
camarada: — Seu Juca paga hoje um mata bicho? Pago, e voltando-se para o dono da casa
O camarada não achando bom o dito, respondeu para esses negros não! Dobre a língua, mas a
“Revolução no Haiti
1885)
Por outro lado, é possível verificar que o “negro desleal” não estava só
fuga.
Essas novas formas de evasão, por sua vez, eram as mais originais e
ilusões”.
“Escravos fugidos
Fugio o escravo Raymundo de 18 annos de idade, fino de corpo, cor retinta, cabello mal
cortado [...] finge-se humilde quando é interrogado, muda de nome, dá-se por forro, pede serviço
de jornal [...] Gratifica-se a quem o entregar na rua da Constituição no 72, advertindo-se que
deverá ser bem seguro, pois costuma illudir os padrinhos e condutores e fugir novamente.”
“[...] Quem aprender, não facilite na viagem pois ele é muito labioso e costuma enganar os
Notícias de libertação: comícios, festas e desfiles “ao nosso senhor de ‘ontem’/ao patrão de ‘hoje’”
em toda a província. Agora, esse mesmo senhor que oferecia tutela aos
“O sr. Silveriano Pedroso reuniu toda a encravaria e explicou-lhes a nova lei que se
exemplarmente. O sr. Pedroso falou em seguida aos seus escravos dos emissários de revolta
que tanto ele como a sua família há muitos anos viviam entre eles sem um só empregado livre e
declararam que estavam promptos a morrerem onde morressem seus senhores.” (Correio
mesmo quando a liberdade fosse comprada pelo cativo por altas somas.
“Liberdade
O sr. Manoel Joaquim da Costa e Silva concedeu carta de liberdade a sua escrava Luíza de 38
anos de idade mediante a quantia por ella offerecida de 200$000.” (A Província de São Paulo, 27
de agosto de 1886)
Batataes reuniu em sua fazenda vários amigos e em presença deles por ocasião de um jantar
em que banqueteava com seus amigos ao lado de seus escravos declarou que dava liberdade a
estes em número de 9 e que esperava que os novos cidadãos tivessem dessa data em diante o
Depois fizeram mais discursos, soltaram foguetes e a alegria era grande por parte quer dos
escravos quer dos bemfeitores quer dos convidados presentes...” (Correio Paulistano, 17 de
março de 1888)
“Emancipação
Foi solenne a festa que houve em Angra dos Reis no dia 15 para entrega de carta de liberdade
nacionais e estava o chão alcatifado de folhas e flores. O juiz de orphãos, rodeado de pessoas
gradas, tendo à sua frente sentados os libertos a dirigir-lhes commoventes discursos.” (Correio
Paulistano, 1877)
“SOROCABA
Na tarde de um do corrente teve lugar a entrega das cartas de liberdade pela comissão
emancipadora. Por essa ocasião houve sinceras manifestações de regosijo por aquele
banda de música, sendo nesta ocasião levantados enthusiásticos vivas.” (Correio Paulistano, 5 de
janeiro de 1888)
acesso à cidadania.
“Acto philantrópico
A bordo do vapor Arinos, deu-se um acto de philantropia. A 17 do corrente, logo que partiu,
os passageiros sr. Artur Puigguy e Meira chamaram a attenção do sr. Mesquita para uma moça
branca captiva de cabelos louros, bonita que vinha no comboio de escravos para ser vendido no
Rio de Janeiro, manifestando a ideia de libertal-a. Imediatamente [...] dentro de uma hora
atingiram a somma de 946$500 réis. Foi então entregue ao generoso sr. da escrava Francisca a
quantia de 930$000, passou a carta de liberdade, a quantia de 16$500 para recibo. Para
comemorar, o local foi proposto à nova cidadã passar a chamar-se Francisca de Iguape
Arinos, o que todos aplaudiram [...]. Um poeta fez uma poesia de improviso:
“Negro branco
Está entre nós uma verdadeira novidade [...] Representa ter 20 annos de edade, tem a cor
negra bem pronunciada e a estatura bastante desenvolvida. Apparentemente é negro vulgar [...]
produziu-lhe um câmbio de destino [...] Passar de negro retinto a branco perfeito é facilidade
que não está reservada a todos os descendentes da Ethiopia [...] Peior seria o inverso...” (A
escravos.
dos negros nas fazendas. Nesse sentido, buscava-se sempre dar uma
“aparência natural” a esse “complicado” problema, que justamente se
regime assalariado:
“Acção philantropica
É sabido que o nosso amigo commendador Joaquim B. do Amaral comprou uma grande
fazenda aos herdeiros do finado Neto dos Santos, incluindo nas transações os serviços de 130
e tantos escravos. O prazo findava-se em abril seguinte, mas o commendador Amaral disse-
No último dia do mez, findo a um toque de sino, fez saber que toda aquella porção de
homens, que findava o estigma do cativeiro. O honrado lavrador veio a perder alguns contos
de réis, mas que ficou amplamente recompensado nos gozos da consciência e nos aplausos da
própria alma [...]. Elle ainda fez mais: brindou aos libertos com grande e lauto jantar em que se
deram scenas animadíssimas de gratidão e fervorosos sentimentos por parte daquelles rudes
corações. Assim, por exemplo, um dos pretos levantou-se com este brinde, seguindo-se outros.
A liberdade? Ao nosso senhor de hontem! Ao nosso patrão de hoje! Ao defundo do Sr. Neto...
À excessão de dous ou três delles que allegaram motivo justo, os outros ficaram
“O Sr. Elisário Alvaro de Souza veio a seus escravos dizendo que a contar de janeiro de 1891
ficarão livres. Os que se comportarem bem e derem provas de amor ao trabalho e perfeita
observação do serviço começaram a ganhar 5000 mensaes desde janeiro de 1888.” (Correio
Paulistano)
O sr. J. de Paula Cordeiro distinto capitalista e industrial que ha pouco regressou da Europa
deu-nos um exemplo dos benefícios da iniciativa particular [...] Reunindo hontem seus
escravos em número de 21 entregou a cada um deles carta de liberdade comunicando que
continuariam empregados na sua fábrica vencendo salário de 30 mil réis [...] Os novos libertos
festejaram hontem o seu dia de emancipação fazendo votos pela vida e prosperidade de seu
“No dia 20 reuniram-se os fazendeiros da zona cafeeira servida pela estação do Laranjal, e
resolveram entregar as cartas de liberdade dos seus 300 e tantos escravos, pagando-lhes o
salário anual de 60$ a 100$ conforme as aptidões de cada um e o tempo que convier aos
doadores... Para os trabalhadores do sexo feminino será a metade do marcado para o homem.”
“Acção louvável
Communicam-nos que o sr. dr. Moutinho da Silva Prado ornou a seu filho o sr. dr. Martin
Prado Júnior que declarasse inteiramente livres todos seus escravos de 65 annos em no de 17,
que desistissem do serviço que deviam prestar os de 60 em número de 14, devendo trabalhar
cada um de per si o seu valor, de conformidade com a lei, podendo libertar-se desde que
Todos declararam desejar permanecer na fazenda sendo ajustado o salário aos válidos e
distribuído serviço aos escravos que o requisitaram com o fim de adquirir recursos para
“O sr. Capitão Pedro Alcantara enviou-nos para ser publicada a carta de liberdade que
concedeu à escrava Eva, de 48 annos mais ou menos. Põe como condição unicamente que viva
em qualquer uma de suas fazendas, sendo esta condição imposta para que não ande a
município onde houvesse sido alforriado [...] e da mesma maneira os proprietários que se
que nesse momento era exercida e traduzida como uma espécie de tutela
ou proteção.
questão tão presente e cotidiana que alguns artigos já a tratavam até com
“Abolição canina
Como a ideia de abolição anda na moda, a nossa municipalidade também assentou em fazer-
se abolicionista, porém abolicionista de mansa espécie pois o seu propósito não passa da
extinção da raça canina ou seja IMPOSTO SOBRE CÃES NA RUA”. (A Província de São
“A Avalanche
Agora é que pode-se dizer com verdade de que a escravidão está a extinguir-se na Pátria
Paulista.
da escravidão [...] Não é só a violência da opinião pública que os move; são os sentimentos
instrumentos de tortura), então eles os pobres e generosos trabalhadores fazem de tudo aquillo
uma fogueira e ao clarão das chamas n’um SAMBA phrenético esquecem dos martyrios
inauguram o regime de liberdade aos gritos de VIVA SINHÔ. Sim vivam os senhores. E viva a
9
existiam e não deveriam terminar com a manumissão”. Havia, portanto,
agregado, ou de toda forma num elemento ligado a seu senhor por laços
insubmisso”.
“Fugiu do sítio de Antonio Carlos Ferraz Sales, no dia 25 de maio, um escravo de nome José,
de altura regular, barbado, olhos grandes vivos, muito prosa e humilde e muito bêbado, tem
muitos signaes pelo corpo, creio de castigos antigos, é de corpo regular e tem seus pés arcados
“Escravo fugido
Fugio no dia 19 da cidade de Itú o escravo de nome Juvêncio, pertencente a D. Ana Carolina
Pacheco: idade 20 annos... lida bem com animaes. Desconfia-se que tenha sido seduzido por
10
sua maior liberdade de circulação.
“Fugio de Vianna & Irmãos, de Limeira, no dia 17 o escravo de nome José, preto, estatura
regular, feição fina [...] entende alguma coisa de padeiro e foi SEDUZIDO por um mulato
claro, feição redonda, forro ou livre mineiro. Julga-se deve estar em Mogy Mirim ou tomou
caminho de São Paulo ou Campinas. Protesta-se contra quem o acoutar. O nome do mulato
forro que fugio com elle é Martinho Jeronimo. Este mulato servia de correio, parece ter
poucos annos, sem barba, baixo e corpo regular, alegre e bem fallante, bons dentes,
se em 19 de outubro do anno passado, seduzido pelo empregado da mesma fazenda que se diz
chamar Victor Chavelot, branco porém de cor morena, alto, magro, pouca barba, cabellos
pretos, dentes postiços, andar activo, inculca-se administrador da fazenda. Este indivíduo foi
despedido pelo mao comportamento no dia 18 e no 19; às ocultas, retirou-se levando consigo
o dito escravo Manoel e juntando também uma besta alta, russa, marchadora. Soube-se que
passaram pelo município de Parahyba do Sul acompanhado do escravo Manoel como pagem.
Maiores pesquisas fizeram saber que Victor é casado em Ouro Preto e também em Pedro do
Rio, tendo assim praticado o crime de bigamia, além disso processado na freguesia de Cebolas
por crime de roubo de animaes. As últimas informações são como entrado em São Paulo. É
natural que tenha logrado empregar-se em alguma fazenda, illudindo mais uma vez a boa fé
empregado, insinua-se muito e engana a qualquer um nos primeiros tempos, por isso é possível
abolicionistas, sendo que, cada vez mais contra esse inimigo que se
ainda os protegia.
“Protesto
Tendo desaparecido da fazenda das Piteiras em Mogy Mirim um casal de escravos meus de
nome Pedro e Mariana, levando consigo dous ingênuos seus filhos, um de nome Francisco de
5 para 6 annos e outro de nome Anastácio de 6 meses de nascimento, todos de cor preta, a
excessão da mulher, que é fula e havendo indícios vehementes de terem sido seduzidos e de se
acharem acoutados por alguém. Contra quem os acoutar, protesto usar de meus direitos
judicial e criminalmente nos termos do artigo 15 do regulamento aprovado pelo decreto no 9602
1886)
“Fuga de liberto
O liberto Candido cor clara, idade 28 a 30 annos, bem barbado, muito cabelludo, com falta de
um dente, seleiro, boleiro hábil e forte para todo serviço, joga e algumas vezes embriaga-se
de Itú sem ter cumprido o contracto de prestação de serviço pelo adiantamento da quantia com
que obteve liberdade (2300$000). Gratifica-se a quem der notícias. E previne-se à pessoa em
cuja companhia estiver que se fará effectiva a disposição da lei, que é pagar em dobro a quantia
nome João, com os signaes: estatura baixa, 22 annos de idade, cor preta [...] de serviço de
roça, está matriculado na collectoria de Santa Isabel com o núntero de 1097 da matrícula
anterior e sob o no 32 actual. Protesta-se contra quem o acoutar. Santa Isabel, Arthur Nogueira.”
posição.
“Secção Livre
[...] Não somos escravagistas, queremos ao contrário a abolição completa mas de acordo com
Quanto aos epithetos que nos dirigiu o devolvemos. O professor calumniado.” (Correio
violento, a sua classe social. Essa vanguarda falava então pelos jornais
como que alertando contra os perigos desse tipo de abuso, no momento
“Felizmente nosso povo já não vê com bons olhos e sem um sentimento natural e espontâneo
“Capitão do matto fulano pacau indivíduo muito conhecido pois que tem termo de bem viver
assignado na polícia [...] Sabemos que só a força abriga e esse tristíssimo mister de capitão do
matto passou fome e teve que dormir na cana”. (A Província de São Paulo, 8 de novembro de
1887)
respondendo ao outro:
Fugiu hontem 17 do corrente, a escrava Paulina creoula da Bahia, edade presumível 40 annos,
alta magra, usa sempre lenço na cabeça, anda com chale é bem retinta e prosa. É sogra do
Não fugiu no dia 17 do corrente a escrava [...] [segue-se texto idêntico ao do dia anterior e
continua...] Ella está depositada judicialmente e trata de alforriar-se para o que tem
entidades abolicionistas:
Maria José Lopes, tendo mudado d’esta cidade para a de Rezende província do Rio de Janeiro,
fugiu-lhe um escravo de nome Manoel de cor parda, idade 30 annos mais ou menos, estatura
regular, bem-feito de corpo [...] O anunciante tem justos motivos para suppor que o mesmo
escravo foi seduzido por alguém da cidade de São Paulo para fugir e tratar de sua liberdade
pela caixa emancipadora Luiz Gama, ao que esta foi o pretexto para prejudicar o
annunciante, pelo qual protesto solenemente propor a acção criminal de indenização contra
escravos.
escravidão”:
“[...] Um outro carro atrahia attenção, era uma alusão ao episódio de Morro Alto (sublevação
“Liberdade
Declaro que de minha auto livre e espontânea vontade, concedi n’esta data liberdade a meu
escravo Matheus de 44 annos de edade para que entre no goso de uma condição sem a menor
clausula ou restrição...” (A Província de São Paulo, 18 de julho de 1883)
“A Bíblia e os escravisados
Elle habilitará contigo no logar que lhe agradar e descansará em uma das tuas cidades: não o
moleste.
Um abolicionista religioso.”
Província.
“A escrava mãe
28 de novembro de 1886)
sempre negativas.
sobre os senhores:
“Brado de liberdade
Ei o fim da Redempção
Ó maldita escravidão
Ó instituição vil
e dos Andradas
sendo que bastava sanar a nação desse “cancro” para que tudo corresse
bem. Mas o que mais nos interessa destacar é que nessa, como em outras
“Uma escrava
Tiravam-nos da mãe
E namorava escondida
A mísera o conservava
No recanto da cozinha
da escravidão”:
[seguem longas descrições sobre uma fazenda até se chegar na sala de torturas, quando o
músculos e com veias dilatadas como varizes. Era incrivelmente horrenda a postura que nesse
descrições dos feridos] Puz-me de joelhos para melhor ver o rosto do desgraçado. Supunha
[...] Era um infeliz que as tormentas, a vida bruta selvática peor que das brenhas africanas
havia calado [...] [seguem mais descrições sobre o escravo, comentando-se como este já
passara pelas mãos de um ‘bom senhor’ até que foi comprado por um] ‘fazendeiro maligno,
mau cidadão, mau chefe de família e opressor dos pobres’. [A história continua com seu triste
desfecho final, quando o escravo morre]. [...] Sob o furor de um bestial, sado espírito!” (A
Nessa história está presente uma série de imagens que o jornal foi
jornal.
praticados.
“Castigos immundos
É preciso que se acabe de vez com o systema antigo e bárbaro usado pelos fazendeiros
a fome e nudez... Ainda ha poucos dias libertou-se uma preta de nome Joaquina que pertence
a um fazendeiro titular e rico. Essa infeliz amamentou com seu leite a um dos filhos desse
fazendeiro e conta que quando carregava a criança a fim de amamental-a trazia muitas vezes
na bocca um ferro de pao. Eis aqui o que se pode chamar de acúmulo de malvadez”. (A
especial ou Chronica dos annos”, onde tratava com extremo humor dos
escravos.
alguns exemplos:
“Faz annos na Limeira Antonio Joaquim Ferraz por chorar todas as vezes que contam que lhe
fugiram nove escravos, ficando esperando para quando descobrir quem aconselhe escravos
“Faz annos o senhor Antonio Marcos [...] por ser muito encostado fiando-se em ½ dúzia de
pretinhos que possue pensado que os há de ter por secula, seculorum amém...” (A Redempção,
9 de janeiro de 1888)
Essa seção, por sua vez, não era só a mais lida desse jornal, mas
seção:
pode referir-se a mim que nunca fiz ofício de seviciar negros. Vivo de meu pequeno negócio
exclusivamente. O redactor da Redempção foi sem dúvida iludido. Se acaso pretendeu referir-
“Alí moravam João e Maria inteligentes activos laboriosos e dirigiam com zelo e educação seus
dois filhos. João mulato sabia ler assas bem suas tendências para a caridade lhe faziam
procurar dignos livros como forma de ser útil aos homens. Era um homem crucialmente bom.
da “bruxa má”.
mulheres.
também era uma realidade (já que cabiam aos brancos caracterizações e
“bestialidade”, a “malignidade”).
tudo um objeto, que sofre com sua situação, com sua condição, e que se
dimensionar quem era e quem compunha essa nova nação, como seus
cidadãos. Por outro lado, que limites a raça negra poderia trazer para
considerados civilizados.
ainda latente.
ideia de igualdade entre negros e brancos, como vimos, era mera utopia,
“Ocorre portanto que de fato na morosidade extrema que haveremos de referir, pois se o
branco, muitas vezes se poderia transformar ante os seus destinos de povos, se é que algum
12
civilizar-se por parte da população negra”.
13
nem às condições da luta social das raças superiores”.
artigos eram então redigidos por um dos mais “fiéis” adeptos dessas
14
sempre um desequilibrado”.
Tal posição tornava-se ainda mais evidente quando esse autor tratava
Conhecido com esse nome apareceu no sertão do norte da Bahia, um indivíduo que se diz
chamar Antonio Maciel e que nos lugares onde se tem apresentado há exercido grande
Com estas armas só tem conduzido a actos de selvageria... Se Antonio Conselheiro não é um
grande hypocrita que sob sua humilde apparência oculta algum tartufo de nova espécie não
selecionado.
seções dos jornais, assim como nos editoriais científicos que, sem ter um
negativas.
desses elementos.
“Um carrasco
Lê-se no monitor sul mineiro: “há nessa província uma criatura encarcerada desde 1843 (44
annos) pelo assassinato perpetrado na pessoa de sua senhora e que só deixa as trevas do
cárcere para mostrar-se na sombra do patíbulo. Chama-se Fortunato o algoz cuja vida resume
tudo o que de mais torvo e miserável se pode imaginar na sociedade. Nascido escravo hauriu
ignorância, corrupção precoce. Tão damnosa semente não podia deixar de produzir os frutos da
maldição. Assim aconteceu: Fortunato assassinou sua senhora e condemnado a morte, e salva
sua cabeça da forca, subjetando-se ao offício de algoz que tem exercido. Do cativo passou
para a tarefa de carrasco. Sempre a escravidão com seus horrores cuja natureza embrutecida
nada que assemelhe ao homem, nem a inteligência, nem a sensibilidade... Fortunato como algoz
“Crime Nefando
Na fazenda de São Pedro um indivíduo negro de instintos brutaes raptou uma menina de 11
annos [...] arrastando-a embrenhou-se no matto. No dia 26 foi visto [...] o monstro mas sem a
vítimas:
“Violência bestial
No Amparo, um liberto empregado encontrou há dias na estrada uma pobre velha italiana e
forçadamente a desrespeitou não lhe valendo mesmo os seus 69 annos nem os cabellos
brancos que deveriam impor verdadeiro respeito ao brutal agressor.” (Correio Paulistano, 4 de
janeiro de 1888)
Não se podia confiar no negro livre ou cativo, não só por seu caráter
embriaguez.
“As 10 e meia da noite de 6, o preto Hilario ex-praça achando-se embriagado, fez um sarilho
de todos os diabos. Ha suspeitas de que elle a matasse depois de saciar sua paixão brutal. O
monstro tem os seguintes signaes: mão direita decepada, é de cor tocando a preto, enfim um
de 1888)
“Crime
Os jornaes de Campinas descrevem em termos horrorosos um crime comettido na fazenda
do Sr. Francisco Camargo Penteado [...]. A população dessa cidade acordou sobressaltada
pelo horrível boato de que haviam sido assassinadas á pedradas crianças filhas de um
crianças)... Ficou quase que esclarecido que a preta Eva fora a autora de tão bárbaro crime,
tendo-o praticado em completo estado de embriaguez [...] para ser consummado o crime a
sangue [...]. Eva declarou que matou a criança porque tendo ido buscar lenha em casa, o
menino mais velho protestara, que depois vendo que as outras protestavam, deu-lhes
pancadas, que estava embriagada e que tem 15 annos e é escrava...” (Correio Paulistano, 27 de
dezembro de 1890)
brutal porque se fazem as missões nessa capital. Uma mulher preta em completo estado de
Paulo)
como “morais”.
“Fugio no dia 4 o escravo de nome Joaquim: nação, congo, idade 60 annos mais ou menos,
cor preta, olhos grandes bastante baixo [...]. É cozinheiro, costuma embriagar-se e não estando
“Loucura e Assassinato
ahi morava com 2 escravos e 3 filhos [...] Na repartição de polícia declarou em um momento
lúcido não se lembrar como perpetrara o crime, recordando apenas de encontrar-se armada
com uma facca e com roupas com manchas de sangue [...] Algumas horas depois de
conservar-se na cela foi acomettida de um forte acesso de hira.” (A Província de São Paulo, 6
de novembro de 1888)
“Prisão injusta
Estava a preta Jesuína a dizer ‘palavradas’ na rua quando o Sr. Antônio da Silva Coelho
preso. Jesuína é mulher de maus costumes e tem sido presa por muitas vezes por offensa á
moral. É bom informar-se quem não conhece aquela ‘SENHORA’.” (Correio Paulistano, 27 de
setembro de 1887)
segundo Brookshaw, era uma das suas mais antigas qualidades presentes,
15
ao menos na literatura nacional. Já poucos anos antes da abolição o
“Boa paga
[...] voltando Antonio Palmeira do serviço a tarde encontrou [...] com um preto que disse
andar fugido e pertencer ao Coronel Cintra de Mogy Mirim, e pedindo o preto que o
apadrinhasse. Palmeira prometteu e disse que o acompanhasse, mas quando deu alguns
passos o preto derrubou-o pelas costas e traiçoeiramente atordoando-o com uma cacetada e
tirando um formão que trazia cravou-lhe no peito.” (A Província de São Paulo, 29 de abril de
1887)
“Fugio do abaixo assignado escravo Elesbão, no dia 14 de março de 1886. Creoulo natural de
São João do Rio Claro com os signaes: bom corpo, bons dentes, falla bem, um pouco gago, pés
reconcentrado. Quem o prendeu, não facilite, a fim de não escapar, pois elle é muito labioso.”
cada vez mais se insistia em como essa prática “pouco civilizada” gerava
“Espancamento
largo da Liberdade. Tendo o moço apitado para que o acudissem, um grupo de negros cahiu
sobre elle a cacetadas deixando-o prostado e todo ensanguentado. Dois urbanos accudiram
mas não conseguiram effectuar a prisão, porque dois pretos se oppuzeram.” (A Província de
“No dia 13 de maio, o próprio dia da libertação, deu-se um conflicto entre libertos que
à desordem.
“Os capoeiras
Fizeram mais uma victima na corte os terríveis capoeiras... é necessário extirpar essa cafila de
1888)
liberto de nome Innocêncio. Ao que consta os dous actores do triste drama estando a JOGAR
16
expressão e manifestação de sentimentos”.
Penal de 1890, onde era considerada crime: “Fazer nas ruas e praças
17
cumulativamente nas penas cominadas por tais crimes”.
Antonio Joaquim de Freitas, gratifica com a quantia acima e pagará quaisquer outras
despezas a quem descobrir o lugar em que se acha acoutado o seu escravo de nome Ricardo,
de cor preta, 30 e tantos annos de idade, estatura menos que regular, olhos avermelhados,
Muito prosa, labioso e mentiroso, dá-se muito ao jogo de búzios e a SAMBAS, tem nas
negro.
18
“medicinais” modernos, tão aprovados por esses jornais da época.
“(Bragança) Feiticeiro
Andou por aqui um sujeito preto ainda moço [...] Será doutor? A esta pergunta respondiam
uns que sim e outros que não. É doutor effectivamente mas formado por aclamação dos
similunios parcacios. Doutor de lesma e caramujo dos parvos. Chama-se Luiz de tal e tem
famma de excellente feiticeiro. Foi pena que as autoridades não tivessem conhecimento da
presença da personalidade entre nós para o mandarem ensinar fazer mandinga aos presos da
legítimos”.
Por fim também, neste terceiro momento, outro alvo dileto desses
dessas ações.
não só devido à sua “conduta amoral”, como por seu “descaso” com
relação aos filhos. Nas notícias, apareciam desde as situações mais
“MÃE FERA
Parece impossível que uma mãe ainda a mais embrutecida e selvagem de sentimentos cometta
um crime da ordem do que se conta nas linhas abaixo. Há dias no Paraná uma preta
assassinou barbaramente uma criança de 5 annos. A pobre agarrou a menina pelo pescoço,
apertou-a e com uma tesoura cortou-lhe a língua, falecendo horas depois... a polícia prendeu
considerados frívolos.
“Horrível Tragédia
[...] na freg. de S. Sebastião uma escrava de nome Justina [...] praticou um dos actos mais
horrorosos que revela quanta perversidade é capaz uma mãe desnaturada. Tinha ella 3 filhos
[...] e com toda calma e sangue frio [...] carregou-os um por um até o tanque onde
mergulhou-os [...] Depois dirigiu-se a um moço e pediu que a matasse (o que este não fez)...
Atribuímos este acto de ferocidade ao facto de seu senhor ter de mudar-se no dia seguinte, e
ella não queria mudar-se talvez por alguma amorosa prisão. O seu senhor Antonio Paz é
homem de bem e bom para seus escravos.” (A Província de São Paulo, 17 de outubro de 1887)
dominante da mulher negra “que expõe seus pés nús e seu corpo sem
não tanto pela infidelidade, mas antes por seus atos violentos, que
“Scena de Sangue
O creoulo livre de nome Manoel Victorino casado com 3 filhos, o mais velho dos quaes
contava com edade de 4 para 5 annos depois de atirar varios golpes de fouce contra a sua
novembro de 1887)
menos violentos).
barbaramente sua mãe Delfina. Além de muito socco derrubou-a [...] sendo que o único
crime que cometeu foi o de sustentar o marmanjo apezar de já ser casado.” (Correio
explicados:
“Fratricídio
Na fazenda Morro Azul travaram-se de razões dous irmãos libertos resultando na morte de
um delles. Consta que o delito foi comettido por motivo frívolo.” (Correio Paulistano, 27 de
outubro de 1888)
“Scenas de núpcias
Na Igreja de N. Senhora do Rozario deu-se uma scena repugnante. As 5 1/2 vieram Pedro
conhecimento do reverendo que o noivo não contraía o matrimônio por sua livre vontade,
interrogou-o que disse ter comparecido obrigado pelo pae da noiva que o conduzira
submetidas as mulheres:
“Ante-hontem à tarde, logo que entrou a procissão ferraram-se a unha na porta da Igreja 2
pretos que há tempos haviam barganhado as respectivas mulheres. Um delles, saudoso de ter
sua cara metade e arrependido do negócio que fizera, exigira a anulação da barganha. O
outro declarando haver já gasto bom dinheiro ‘aformosando’ a mulher negociada, exigia ser
reembolsado das despesas feitas. Palavra pucha palavra cahindo afinal um delles com a
dos artigos buscava deixar claro o caráter instável e ilegal de tais uniões,
“Horrível
saveirista. Possuia em sua companhia uma mulher preta com quem vivia. Na véspera da
noute tendo sua amásia ido divertir-se em um SAMBA, procurou o infeliz repouso aos seus
sofrimentos no leito [...] onde tinha um candieiro aceso. Algum tempo depois de se ter
socorro, viram um clarão e sentiram um cheiro de carne que queimava. Envoltos nos prazeres
agosto de 1893)
“Assassinato
Em Santos, 9 horas mais ou menos, o preto José Luiz assassinou sua amasia Eugrácia a
faccadas no braço e no peito [...] Preso em flagrante, declarou que era um desgraçado. O
estado da offendida é desolador, José Luiz é reconhecidamente um mau homem e mais uma
vez tem sido preso por tentar homicídio.” (Correio Paulistano, março de 1894)
O casamento misto, por sua vez, e levando em conta os motivos
por isso, quando tais casos ocorriam, eram sempre ironizados de forma
“Enorme!
Uma viuva residente na freguesia de Santa Rita do Sapucahy se casara com um de seus
escravos de nome Zacharias que por este modo se constituira SENHOR de seus antigos
parceiros. O caso é curioso mais pelo facto da viuva-noiva requerer que fosse seu marido
incluido no número dos ESCRAVOS que deviam ser alforriados pelo fundo de emancipação
por ser casado com pessoa livre. Não produziu effeito essa especulação immoral e torpe
reino, e por isso meeiro de sua ex-senhora e actual esposa.” (A Província de São Paulo, 9 de
julho de 1883)
19
estáveis e duradouros.
“Tia Josepha
Uma preta cozinheira, a tia Josepha dos pastéis e sabia fazer vender a arte. Fabricava uns
popularidade na cidade e era parteira e preparava mezinhas. Dava-as beber na ausência dos
preciosidade e uma humanitária, a tia Josepha. Morava com seu homem, um preto velho
pedreiro, o Manoel Congo, em uma casa baixa, grande e fria ao lado do cemitério.
Appareceram os dois um bello dia na cidade, vindos da corte. Allugaram aquelle casarão que
estava há muito desabitado, porque diziam era mal assombrado, por uma ninharia.
pasteizinhos, e elle no seu officio de pedreiro. A princípio, o negócio não correu bem, o
primeiro sortimento de pastéis voltou intacto para casa. A cara da negra, cheia de cortes feios
para dentro de casa e com os olhos húmidos e brilhantes, arregalados de curiosidade e terror.
supersticiosa, receava a velha. Era bem possível, conjecturava, que os pastéis fossem
manipulados pelo diabo. Açougueiro onde ela se premunisse de carne não era conhecido.
Corriam ainda versões sobre a casa onde moravam. Almas de outro mundo dansavam sobre
a casa onde morava [...] Uma beata insuspeita affirmava ter visto com seus próprios olhos,
familiarizados com visões do allém túmulo, um cavallo sem cabeça [...] Um dia, um cidadão
deliciosos e a carne tenra e de sabor esquisito. Começaram a ter extração os pastéis da tia
Josepha. Um facto concorreu para a população desfeitiçar a velha. Livrou a Marocas, mulher
de Juca sapatteiro, de uma febre maligna, consequência de mao parto [...] transformado em
milagre e, daquelle dia em diante, fez concurrência aos chímicos da terra. Era convidada para
assistir aos partos, entrava antes dos médicos [...] Dahi a sua popularidade.” (Fim da 1a parte,
27 de julho de 1888)
partir das notícias da época) “no negro”, nesse momento, não se podia
confiar cegamente...
Tabelião Freitas. A filha tinha uma constipação e febre e delirava [...] A moléstia marchava
médico, afinal chamado, desenganou-a dizendo que o tinham chamado muito tarde [...] Uma
noite, a Nini, n’um acesso de febre, torcendo os mínimos bracinhos n’uma contorção de
enterro]. No cemitério estava prompto o nicho, cavado como uma gaveta na espessa parede
de tijolos que ia tapal-o [...]Meia hora depois de tudo acabado, o Manoel Congo rebocava
tranquilamente a parede que fechava a Nini para sempre no seu pequeno túmulo [...] Reações
violentas e esgotamentos nervosos [...] invadiram o organismo da pobre mãe. A Josepha, que
assucar muito saborosos. Ao assentamento da pedra, a mãe quiz ver ultimamente a filha [...].
O Freitas opoz-se energicamente, mas vencido accedeu. Ao levantar o tampo do caixão [...] lá
dentro só viu-se ossos, uns ossos muito polidos, muito claros e uma caveira de criança a rir-
se. Nada de Nini, nem sequer o travesseirinho de setim [...] O acontecimento convulsionou-
se a pacífica cidade [...] A superstição criou azaz, avolumou-se e pairou sinistra e ameaçadora
sobre a casa da Tia Josepha e Manoel Congo. A polícia cercou o casarão e nada ou quasi nada
descobrira, fios de cabellos, caixos louros, fitas, fragmentos de roupa de crianças. O povo
invadiu a casa, cônscio de que alli estava a explicação daquella transformaçção rápida de Nini.
medonha. A notícia voou pela cidade. D. Eulalia, ao sabel-o, ergueu-se da camma, onde gemia
semi-louca. Passou-lhe uma ideia rápida pela mente, sentiu um nojo enorme, invencível,
doía-lhe o estômago, apertava-o com ambas as mãos, esforçando-se para não lançar, os
“preconceitos”.
trajetória.
mais tarde de forma bem violenta, revelando inclusive toda uma visão
tem suas razões para defender o governo. Quanto a mim, nada tenho
com tal instituição e nem creio que ella se ramifique nessa Província”.
“[...] que elementos são esses que concitam a raça negra ao crime e á própria desgraça.
Quando de futuro escrever-se a história acidentada do fim do segundo reinado, há de ser não
“Em Campinas se reuniram mais de 200 libertos [...] Presidiu a reunião Alberto de Souza
Aranha que foi escravo do Barão de Itapeva. Esse cidadão deu a palavra a Francisco de
Andrade, também liberto, que leu o seguinte: ‘Os libertos aqui reunidos vem declarar que de
modo algum concordam com a organização da chamada Guarda Negra [...] A emancipação
foi feita pelo povo e pelo exército brasileiro e nós devemos gratidão a todos os abolicionistas [...]
Somos gratos a todos e não queremos ódio de raças. Queremos viver como homens livres [...]’
Falou ainda o cidadão liberto Irineu Augusto da Silva.” (A Província de São Paulo, 20 de
fevereiro de 1889)
Província, ficava claro como o homem negro, após a abolição, não perdia
condição escrava estava sempre presente. Por outro lado, esse texto,
apesar de proferido por um liberto, revelava toda a visão “vanguardista”
racial” parecia inexistir, nesse ficava claro de que modo o negro era
[...] Não se pode admittir o assalto dos libertos aos brancos. O ex-escravo cujos sentimentos
alguns levianos os maus exploram não desfiguram os partidos políticos e pelo hábito de fazer
valer seus instintos selvagens hão de trazer á sociedade brasileira seus perigos e grandes males [...]
Não se illudam os monarchistas. Os pretos sem educação, sem conhecimento das formas de
governo e dos princípios políticos não exercem um direito e não manifestam uma opinião, são
meros instrumentos dos brancos sem critérios, que açulam esses pobres homens tornando-os
Era esse mesmo elemento de cor que cometia atos violentos e imorais
Paulo, que reagia de forma perplexa) dava nesse momento seu apoio
Os jornais republicanos querem por força enxergar na gratidão da raça negra para com Isabel a
Redemptora, uma ameaça de guerra. A abolição nessa província teve à sua frente homens
com a solução do elemento servil pondo em perigo sua corte, são os abolicionistas
forçosamente obrigados a ser gratos àquela que esquecendo de seus próprios interesses veio em
socorro dos abolicionistas sancionando a lei que deu liberdade a todos os infelizes escravos.” (A
que também para esse grupo a abolição era antes “um negócio entre
20
brancos” mais ou menos “esclarecidos”.
escravocratas”.
“Os republicanos, outrora inimigos dos abolicionistas bárbaros com seus escravos, queriam
que os escravos agora se revoltassem contra o imperador e sua Augusta Filha” (maio de 1889).
compatriota!”.
Logo, o jornal de franco oposicionismo ao Partido Republicano e à
tem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público
palavras da cor que deseja... Um jornal não é feito para esclarecer, mas
21
para lisonjear as opiniões...”
Assim, sobre o “negro” desse último período pareciam recair
Marcas pesadas, marcas totais, que pareciam corresponder, por sua vez,
na sociedade branca.
Considerações finais
1
com o problema, mas antes o oposto”; ou mesmo poderíamos
2
acrescentar “sobrecarga de significação”. Assim, também nos jornais
Nesse sentido, a trajetória seguida neste livro não foi tanto a da busca
3
representação desses fenômenos”. Ou seja, nossa meta principal não foi
4
magia e A eficácia simbólica. Para este, não é tão importante entender os
explicação para a cura é dada muito mais pelo fato de o feiticeiro “ser
5
um fenômeno de CONSENSUS...” Portanto, o que conta é justamente a
6
curandeiro. No caso dos jornais, o que nossa pesquisa acabou por
cura feita pelo xamã. Portanto o jornal cria e recria consensos que a cada
7
identidade é construída antes de tudo de forma contrastiva. Isto é, nos
significações.
Além disso, no caso do nosso material, o contraste ou a delimitação
8
por mais que esteja fragmentada em segmentos”. Assim (e guardadas as
“cativo fiel” dos anos 1880, ou do preto que vira negro, ou mesmo do
notícias.
mudanças do tempo, ou, como nos diz Peter Fry, “não como um retrato
fixo; mas antes imagens em movimento que guardam continuidade, mas
9
que também admitem transformação”. Não se constitui dessa forma um
10
individualidades isoladas e entendidas numa perspectiva atemporal. O
por exemplo, o negro era um objeto tratado e construído cada vez mais
temor e apreensão (e era esse sem dúvida o jornal que oferecia a visão
não mais algoz, mas agora representado como “vítima infeliz”, também
nesta última folha não se autodefinia, mas era nomeado e exposto
enquanto exemplo.
motivações.
11
um contexto de embate entre brancos. Assim, o problema negro, antes
por segmentos brancos, era antes uma questão que dizia respeito e
cidadania.
12
formais, já que através das representações podemos encontrar, mesmo
transcendia.
cidadania.
por detrás das cartas e festas de alforria e libertação não é o mesmo que
13
mais do que se possui...”, pois, se por um lado grupos brancos lidavam
ideologia no sentido clássico que esse termo possui, qual seja, como um
agentes que manipulam exteriormente com suas regras, mas são antes
ajudaram a constituí-las.
ser vista com uma abrangência maior. Ou seja, merece ser entendida não
14
dinâmico, simultaneamente condição e produto da prática social”.
15
contribuem para formá-las”. Dessa forma, se por um lado as
transformações.
o “estrangeiro”.
16
raízes. No entanto, nesse período específico, essa representação torna-
17
trazia danos maléficos à nação, nos jornais as notícias sobre a África,
18
constrói a identidade, mesmo porque é ao se pôr em relevo o lado do
ideias da época.
Veicula-se, portanto, nos discursos científicos e teóricos, através dos
sobre esse período final do século XIX, foi aos poucos se amenizando.
negro será então como que reavaliado, sendo que as imagens pejorativas
enquanto nação.
Nos jornais paulistanos de inícios do século XX, e em especial na
falavam dos até hoje tradicionais “negros de alma branca” (tão comum,
degenerados”.
Imperador), 1860**
Rua Florêncio de Abreu (antiga rua da Constituição), 1860**
Rua Álvares Penteado (antiga rua do Comércio), 1862**
Mercado da rua 25 de Março (visto dos fundos do antigo Palácio do
Governo), 1870**
Largo do Ouvidor. Ao fundo: igrejas de São Francisco e da Ordem Terceira de
do Chá, 1903-5**
Praça Antônio Prado, 1906**
Avenida Tiradentes (antigo Campo da Luz), Seminário Episcopal e igreja de
NOTÍCIAS
Província Correio
suicídios 76 98
negro degenerado 63
críticas ao senhor 56 12
dependência e abandono 53 54
insurreições 41 7
“a família escrava” 30 36
feitiçaria 23 26
quilombo 13 29
“práticas bárbaras” 11 5
Província Correio
Divisão sexual:
Feminino 57 346
saudáveis 44 26
TOTAL: 103
com defeitos
saudáveis 72 53
TOTAL: 618
ocupação:
urbano 95 51
doméstico 95 60
faixa etária:*
características:
coletivas 116 65
local:
São Paulo 52 6
interior e outras
províncias 357 281
* Para a delimitação das faixas etárias, utilizou-se o mesmo critério dos testamentos da época.
“OBITUÁRIO”
Província Correio
crianças 78 89
adultos 53 50
CLASSIFICADOS
Província Correio
aluguel 69 105
venda 112 70
leilão 6 12
hipoteca 2 10
“OCURRENCIAS POLICIAES”
Província Correio
sem bilhete 31 30
por ébrio 62 60
a pedido do senhor 40 30
por desordem 30 27
outros (furto, ofensa à moral, vagabundagem) 36 48
Província Correio
África 30 16
Mulheres 15 14
Ciência 42 31
precisos.
Notas
INTRODUÇÃO
1. É necessário explicitar que este termo e as interpretações seguintes estão baseados na ideia
de que toda linguagem encerra em seu interior funções diferentes e simultâneas, conforme
de algumas dessas funções, mas antes numa diferente ordem hierárquica, verificando-se assim
social, foi nesta tese utilizado no sentido que lhe foi dado por E. Durkheim (As formas
elementares da vida religiosa, p. 211) e revisto por Eunice Durham (A dinâmica cultural na
sociedade moderna, p. 34; Cultura e ideologia, p. 7). (Uma discussão mais aprofundada acerca
Antônio A. O trabalho e a fala: estudo antropológico sobre folhetos de cordel, p. 9), ou seja, como
peremptoriamente, mesmo quando renuncia a dizer a coisa mesma” (“De Mauss a Claude Lévi-
7. Outro paralelo possível com essa forma de apreensão dos jornais seria a teoria interpretativa
da cultura, elaborada por Clifford Geertz, para quem: “... no fundo da base fatual, a rocha dura,
se é que existe uma, de todo empreendimento, nós estaríamos sempre explicando e, o que é pior,
explicando explicações” (A interpretação das culturas, p. 19.). Ou seja, não existiria um “grau
zero”, ou algum documento absolutamente imparcial, na medida em que todo relato, para
O ESTADO DA QUESTÃO
2. Saint-Hilaire, Augusto de. Segunda viagem a São Paulo e quadro histórico da província de São
Paulo, p. 15; Debret, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica do Brasil, vol. II, p. 392; Vianna,
Oliveira. Populações meridionais do Brasil, vol. 2, p. 392; Freyre, Gilberto. Op. cit., p. XII.
3. Cunha, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros. Os escravos libertos e sua volta à África, p.
17.
8. Queiróz, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões
10. Pereira, João Baptista Borges. Estudos antropológicos e sociológicos sobre o negro no Brasil.
11. Corrêa, Mariza. As ilusões da liberdade. A escola Nina Rodrigues & antropologia no Brasil, p.
9.
14. Romero, Sílvio. Ensaios sobre a poesia popular do Brasil, pp. 10-1.
34. Id., ibid. A questão da mestiçagem foi inclusive tema bastante analisado, já em início do
38. É interessante notar como de alguma maneira essas escolas (através agora da delimitação
século XIX, onde se opunham, de um lado, os defensores da escravidão, e, de outro, aqueles que
determinavam que no cativeiro estaria a origem de todos os males. Dessa forma, guarda
“cadinho de raças”, que comporia a nossa nação, um fator de fortuna, a escola paulista de
39. Boa parte desses trabalhos tomam como referência de análise os estudos de E. P.
Thompson sobre a sociedade inglesa e o surgimento da classe operária nos séculos XVII-XVIII,
elaborando e tendo como resultado uma produção que questiona de forma radical os trabalhos
40. Nesse sentido, então, é necessário destacar que não buscamos esgotar a lista de autores que
lidaram com a questão e que a ênfase deste livro está dirigida não para a delimitação ou opção
entre uma das disciplinas, mas sim para um problema que dirige toda a reflexão: a preocupação
o negro e sua condição, como veremos a seguir, em contexto e local relevantes: São Paulo, em
O CONTEXTO
1. Nesse sentido é básico o relato de T. Davatz, imigrante suíço que veio para o Brasil a fim de
trabalhar na fazenda do senador Vergueiro. Davatz relata tanto a difícil situação a que ficavam
submetidos os imigrantes como a revolta dos colonos (Davatz, Thomas. Memórias de um colono
no Brasil: 1850).
2. Entre 1870 e 1880 existiram debates sobre as “vantagens” da introdução da mão de obra
chinesa no Brasil. Esta era considerada mais barata, mais facilmente dirigível, não se mestiçava
4. É necessário destacar que algumas províncias do Norte do país, como Ceará e Amazonas,
mostraram tal autonomia com relação à questão da abolição da escravidão que inclusive
5. Moura, Clóvis. Rebeliões da senzala..., p. 80; Conrad, Robert. Os últimos anos da escravatura
claro exemplo de como os partidos conservador e liberal pouco diferiam em termos de ideias
verificava-se que cada um dos passos — extinção do tráfego, libertação dos nascituros, abolição
— é sancionado por ambos os partidos imperiais: sendo um deles responsável pela iniciativa de
9. Costa, João Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, pp. 62 e 109-19.
11. Skidmore, T. E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro, pp. 12, 63.
13. Brandão, Carlos Rodrigues. Peões, pretos e congos: trabalho e identidade étnica em Goiás, p.
67.
18. Dias, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX, p. 15.
20. Silva, Janice Theodoro da. São Paulo, 1554-1880. Discurso ideológico e organização espacial,
p. 53.
22. Sampaio, Theodoro. “São Paulo no século XIX”. Suplemento Centenário 23, p. 2.
23. Vampré, Spencer. Memórias para a história da academia de São Paulo, p. 19.
24. Rezende, Carlos Penteado de. “Algumas páginas sobre a velha academia de Direito de São
25. Dulles, John W. F. A faculdade de Direito de São Paulo e a resistência anti-Vargas (1938/45),
p. 21.
Paulo.
PRODUÇÃO EXPORTAÇÃO
ANO % SOBRE TOTAL DA EXPORTAÇÃO
(arrobas) (arrobas)
44. Id., ibid., p. 234. É interessante notar ainda a extensão dos trilhos na província de São
1880 — 1212 km
46. Maiores informações neste sentido, vide Hollanda, Sérgio Buarque de. “Prefácio”, in
A IMPRENSA PAULISTANA
1. Santos, Paulo Ricardo da Silveira. “Contribuição para a história da imprensa em São Paulo”,
o
in separata da Revista do Arquivo Municipal, n 192.
2. Freitas, Affonso A. de. A imprensa periódica de São Paulo desde os seus primórdios em 1823
até 1914.
6. Id., ibid.
o
10. Galvão, Flávio. “A liberdade de informação”, in Suplemento Centenário n 47 de O Estado
de S. Paulo, p. 2.
12. Sevcenko, Nicolau. Literatura como missão: tensões e criação cultural na Primeira República,
p. 53.
14. Toledo, Lafayette de. “Imprensa paulista — memória histórica”, in Revista do Instituto
15. Sousa, Alberto. Memória histórica sobre o Correio Paulistano, p. 4. É importante destacar
que esse autor, que foi convidado para elaborar as “memórias” do Correio, fazia ele próprio parte
da redação do jornal e contava com outras obras que revelavam seu “apego” às ideias e
17. Sousa, Alberto. Memória histórica sobre o Correio Paulistano, pp. 25-6.
18. Sobre a figura de Antônio Prado, maiores referências podem ser encontradas no livro de
20. Esse tipo de afirmação explicaria também a própria figura de Antônio Prado que, de autor
dos “regulamentos negros” (que impunham a prisão não só do cativo fugido como de quem lhe
o
31. Pinheiro, Péricles da Silva. “Alberto Sales”, in Suplemento Centenário n 16 de O Estado de
S. Paulo, p. 3.
32. Freitas, Affonso A. de. Op. cit., p. 221.
o
33. Suplemento Centenário n 22, 31.5.1975.
35. Caifaz (na Bíblia) — Príncipe dos sacerdotes que tinha aconselhado aos judeus “de que
convinha que um homem morresse pelo povo”. Novo Testamento, Evangelho de São João, cap.
36. Fontes, Alice Aguiar de Barros. A prática abolicionista em São Paulo, p. 12.
1. É interessante entender as diferentes seções dos jornais com suas especificidades internas
para depois compor um quadro um pouco mais abrangente. É importante ressaltar também que
no próprio decorrer da pesquisa que culminou neste livro acabamos estabelecendo uma certa
hierarquia ao lidar com as seções, pois algumas eram mais significativas no que tangia às
questões que escolhemos (como as notícias, editoriais, anúncios de fuga e contos). No entanto, é
básico não perder a visão do conjunto, atentar para as possíveis correlações entre as diferentes
seções e verificar como, na verdade, cada uma só se define a partir da comparação e da diferença
Para a elaboração deste capítulo, foram utilizados principalmente os dados retirados dos
jornais Correio Paulistano e A Província de São Paulo, já que eles possuíam uma distribuição
interna bastante semelhante que, por sua vez, parecia corresponder às características gerais dos
11. Esse conceito foi continuamente questionado e analisado por vários sociólogos, entre eles
Florestan Fernandes, que nos fala também “do preconceito de ter preconceito” presente nas
12. Brookshaw, David. Raça & cor na cultura brasileira, pp. 32-4.
13. Bastide, Roger. “Estereótipos de negros através da literatura brasileira”, in Boletim de
Sociologia.
estudo importante para conhecer a realidade do país. Nina Rodrigues, por exemplo, em Os
africanos no Brasil, faz uma importante pesquisa sobre os diferentes locais de origem dos escravos
aqui residentes.
15. Lévi-Strauss, C. Raça e história, p. 35. Lévi-Strauss ironiza a teoria evolucionista, que reduz
17. As notícias aparecem, dessa forma, como “discursos selecionados”; o relevante é tentar
18. Vários autores que estudaram as formas de rebelião escrava destacaram o papel que o
suicídio cumpria neste sentido. Vide Clóvis Moura e Suely Robles Reis de Queiróz, entre outros.
19. Freyre, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, p. XIII.
20. Tais anúncios estavam totalmente inseridos nas publicações cotidianas dos diferentes
escravo. Nesse sentido é interessante notar, como veremos, que a partir da década de 1880
começam a surgir inclusive “anúncios caricaturais”, que usavam as mesmas descrições físicas
grosseiras, embora neles fossem os escravos que procuravam seus senhores em busca de uma
compensação pelo cativeiro injusto. Robert Conrad toma o seguinte exemplo, publicado a 23 de
fevereiro no jornal Cruzeiro do Rio de Janeiro: “100$000. O cidadão João há 30 annos expoliado
de seus direitos de homem livre presenteia com a quantia acima a quem lhe entregar o negreiro
Luiz Gomes de Aguiar que residiu ou ainda reside no Campo de Grauna logar referido por ter
magníficos portos”.
23. Nesse caso poderíamos citar como exemplo o Quilombo Jabaquara, em Santos, criado e
25. Kátia de Queirós Mattoso, em Ser escravo no Brasil, descreve a autonomia dos escravos que
viviam nas cidades, explicando-a a partir das próprias funções que normalmente
desempenhavam.
26. Segundo Emília Viotti da Costa, mestiços e negros empregados no serviço pessoal do
senhor formavam um mundo à parte da senzala, sendo que na época dizia-se: “Negro no eito,
vira copeiro, não oia mais pra seu parceiro” (Da senzala à Colônia, p. 267).
pigmentação da pele negra, acompanhada de um estado civil incerto, podia ser base para a
suposição da situação de escravo. Nesse sentido, segundo Robert Conrad, “foi criado um decreto
imperial em 1859 que regulamentava o uso de uma classe de propriedade não reclamada
conhecida como ‘bens de evento’, bens esses definidos como ‘escravos, gado ou bestas achados
sem se saber do senhor ou dono a quem pertenção’. Tais homens e animais deviam ser avaliados
e leiloados se seus donos não respondessem a editais públicos”. (Os últimos anos da escravatura
30. Kátia Mattoso faz considerações relevantes nesse sentido, pois, ao comentar sobre a
condição do negro livre, demonstra que este sofre da mesma forma que a massa escrava, já que
normalmente a cor é critério suficiente para determinar a condição cativa do indivíduo. Afirma
31. Boris Fausto chama a atenção neste sentido para o grande número de prisões
contravencionais (atentadas contra a ordem, sem vítimas) em que se viam envolvidos tanto
negros como imigrantes. Segundo esse autor, existiam três categorias predominantes de
contravenções por desordem, vadiagem ou embriaguez, que indicam uma preocupação geral
com o controle social sobre a população (Fausto, Boris. Controle social e criminalidade em São
Emília Viotti da Costa também atenta para o fato de que, principalmente nas décadas de 1870-
80, começam a existir proibições que visavam a “ordenar” a população negra urbana: proibiam-
32. Como vagabundo era definido qualquer negro que vagasse pelas ruas sem preocupação
delimitada, sendo que era logo entregue às autoridades. Nesse sentido, ver também Fausto, Boris.
Op. cit.
33. Mello e Souza, Laura. Desclassificados do ouro: a pobreza no século XVII, p. 83.
34. Saussure, F. de. Cours de linguistique générale. Lévi-Strauss, Claude. Antropologia estrutural,
p. 48.
36. Durkheim, Émile. “As formas elementares de vida religiosa”, in Os pensadores, p. 216.
37. É justamente neste sentido que Kátia Mattoso faz a seguinte afirmação:
“As relações de produção não bastam para definir a escravidão, elas limitam abusivamente
tudo aquilo que permite situar essa massa de indivíduos não obrigatoriamente participando de
um modo definido de produção, mas que ao contrário são adstritos a tarefas e funções das quais
escravidão. Indica que o conceito jurídico-econômico que define o cativo enquanto “coisa” ou
“propriedade” é enganoso, pois o escravo estaria mais próximo da noção de propriedade não
enquanto coisa, mas enquanto “animal doméstico” (Canetti, Elias. Crowds and power, pp. 383-4).
2. Id., ibid.
3. Id., ibid.
5. Podem ser encontradas no Correio notícias sobre a situação em Santos, por exemplo, nos
7. Essa caracterização vem sendo contestada por vários pesquisadores, como Clóvis Moura,
que busca esclarecer como existiam quilombos que possuíam uma organização interna estável.
8. Cunha, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros. Os escravos libertos e sua volta à África, p.
73.
15. Brookshaw, David. Raça & cor na literatura brasileira, pp. 32-4.
16. Segundo Almir das Areias (O que é capoeira, p. 26), esse jogo, que data dos primórdios da
escravidão, mesclava “arte e prática de luta, era também uma forma de expressão e divertimento”.
18. Assim, como nos diz João Baptista B. Pereira a respeito das representações de negros no
rádio, também nos jornais “a estilização do negro é feita à base de estereótipos impregnados de
sua esteticidade [...]”, mas também ligados à “sua descategorização social e sua frouxidão de
19. Slenes, Robert. Escravidão e família: padrões de casamento e estabilidade familiar numa
comunidade escrava.
20. Referência à expressão utilizada por Octávio Ianni em seu livro Escravidão e racismo
(1978).
21. Balzac, Honoré de. As ilusões perdidas, p. 175.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. Como nos diz Lévi-Strauss: “... que a mitologia do xamã não corresponda a uma realidade
objetiva, não tem importância: o doente acredita nela, e ele é um membro de sociedade que
7. Oliveira, Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social; Cunha, Manuela Carneiro
10. Arantes, Antônio A. O trabalho e a fala: estudo antropológico sobre folhetos de cordel.
11. Assim, sem querer menosprezar o grande movimento que nesta época buscava
“disciplinar” e levar ao trabalho a mão de obra negra recém-liberta (objeto central a vários
estudos relevantes e já citados neste livro), nossa intenção é antes indagar sobre a “questão da
racionalidade”, tema também sem dúvida básico e recorrente nos debates da época.
12. Cunha, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros. Os escravos libertos e sua volta à África,
pp. 206-7.
13. Foucault, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões, p. 29.
opinião 4, p. 34.
15. Durkheim, Émile. “As formas elementares da vida religiosa”, in Os pensadores, p. 211.
17. Corrêa, Mariza. As ilusões da liberdade. A escola Nina Rodrigues & antropologia no Brasil.
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o
n 1 (3 de janeiro de 1975)
o
n 2 (10 de janeiro de 1975)
o o
n 5 (1 de fevereiro de 1975)
o
n 7 (15 de fevereiro de 1975)
o o
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o
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o
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o
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o
n 47 (22 de novembro de 1975)
o
n 51 (20 de dezembro de 1975)
o
n 61 (21 de fevereiro de 1976)
São Paulo, Typografia de “El Diário Español” — vols. I, II, III e IV.
LILIA MORITZ SCHWARCZ nasceu em 1957, em São Paulo. É professora
1987.
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no Brasil em 2009.
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