O Ornitorrinco - Chico Oliveira
O Ornitorrinco - Chico Oliveira
O Ornitorrinco - Chico Oliveira
No campo dos trabalhadores, a nova correlação de forças leva ao desmanche dos direitos
conquistados ao longo da quadra anterior. A extração da mais-valia encontra menos
resistência e o capital perde o efeito civilizador que pudesse ter. A tendência vai para a
informalização do trabalho, para a substituição do emprego pela ocupação, ou, ainda, para
a desconstrução da relação salarial. A liga do trabalho rebaixado com a dependência
externa, consolidada na semi-exclusão científico-técnica do país, aponta para a sociedade
derrotada. (...)”(Schwarz. In: Oliveira, 2003, p. 12 e 13)
“ (...). Conforme notou Paulo Arantes num debate sobre ‘O ornitorrinco’, o raciocínio
alimenta alguma saudade do subdesenvolvimento e de suas lutas, justificada em
retrospecto pelo cerco atual.
A tese mais polêmica e contra-intuitiva do ensaio refere-se à formação de uma nova classe
social no país. Como a análise de classe está fora de moda, não custa reconhecer o
interesse fulminante que lhe é próprio, desde que não se reduza à recitação de um
catecismo. A partir das ‘recentes convergências pragmáticas entre o PT e o PSDB’ e do
‘aparente paradoxo de que o governo Lula realiza o programa de FHC, radicalizando-o’, o
Autor observa que ‘não se trata de equívoco, nem de tomada de empréstimo de programa,
mas de uma verdadeira nova classe social, que se estrutura sobre, de um lado, técnicos e
economistas doublés de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e trabalhadores transformados
em operadores de fundos de previdência, núcleo duro do PT. A identidade dos dois casos
reside no controle do acesso aos fundos públicos, no conhecimento do ‘mapa da mina’’”.
(Schwarz. In: Oliveira, 2003, p.14)
Este não-ser naturalmente existe, embora a sua composição interna e sua dinâmica ainda
não estejam identificadas, razão pela qual ele é comparado a um bicho enigmático e
disforme . Seja como for, não há uma estrada conhecida, e muito menos pavimentada, que
leve da posição atrasada à adiantada, ou melhor, da perdedora à vencedora. Se é que o
caminho existe, ele não obedece às generalidades ligadas a uma noção universalista do
progresso, à qual bastasse obedecer. Pelo contrário, é no curso normal deste, em sua figura
presente, reduzida à precedência dos preceitos do mercado, que se encontra o motor do
desequilíbrio. A consideração dialética do progresso, visto objetivamente pelos vários
aspectos que vai pondo à mostra, sem ilusão providencial ou convicção doutrinária a seu
respeito, sem ocultação de suas conseqüências regressivas, é uma das qualidades deste
ensaio.(...)” (Schwarz. In: Oliveira, 2003, p.15 e 16)
“De outro ângulo, note-se como é vertiginoso e inusitado o andamento das categorias:
estão em formação, já perderam a atualidade, não vieram a ser, trocam de sentido, são
alheias etc. O desencontro é a regra. Uma classe-chave perde a relevância, entra em cena
outra nova, de composição ‘chocante’; o desenvolvimento das forças produtivas desgraça
uma parte da humanidade, em lugar de salvá-la; o subdesenvolvimento deixa de existir’,
não assim as suas calamidades; o trabalho informal, que havia sido um recurso heterodoxo
e provisório da acumulação, transforma-se em índice de desagregação social, e assim pôr
diante.” (Schwarz. In: Oliveira, 2003, p.16)
“(...). O atualismo reflete uma exigência teórica, bem como a aspiração à efetividade do
pensamento, como parte de sua dignidade moderna. À sua luz, desconhecer a tendência
nova ou a data vencida de convicções que estão na praça seria uma ignorância.(...)”
(Schwarz. In: Oliveira, 2003, p.16)
“Pôr um lado, a responsabilidade pelo teor precário da vida popular era atribuída à
dinâmica nova do capitalismo, ou seja, ao funcionamento contemporâneo da sociedade, e
não à herança arcaica que arrastamos mas que não nos diz respeito.(...)” (Schwarz. In:
Oliveira, 2003, p.19)
“(...). Assim, os meninos vendendo alho e flanela nos cruzamentos com semáforo não são a
prova do atraso do país, mas de sua forma atroz de modernização. Algo análogo vale para
as escleroses regionais, cuja explicação está no imobilismo dos tradicionalistas, (...)”
(Schwarz. In: Oliveira, 2003, p.23)
“(...). Apontei, então, que as culturas de subsistência tanto ajudavam a baixar o custo de
reprodução da força de trabalho nas cidades, o que facilitava a acumulação de capital
industrial, quanto produziam um excedente não-reivertível em si mesmo, que se escoava
para financiar a acumulação urbana.(...)” (Oliveira, 2003, p.129)
“(...). Pôr isso, conceitos como formal e informal já não têm força explicativa. O
subdesenvolvimento pareceria ser uma evolução às avessas: as classes dominantes,
inseridas numa divisão do trabalho que opunha produtores de matérias-primas a produtores
de bens de capital, optavam pôr sua forma da divisão de trabalho interna que preservasse a
dominação: ‘consciência’ e não acaso. Ficava aberta a porta da transformação.” (Oliveira,
2003, p.138)