A Companhia de Jesus e A Questão Da Escravidão de Índios
A Companhia de Jesus e A Questão Da Escravidão de Índios
A Companhia de Jesus e A Questão Da Escravidão de Índios
2012
Abstract: This paper discusses the Company of Jesus’ attitudes towards African and
Indian slavery, as well as the use of indigenous work in the Grão Pará Captaincy. The
paper emphasizes some outstanding features of Portuguese colonization in the North
of Brazil: the intense dispute among missionaries, mainly Jesuits, colonists and
colonial authorities to control Indians’ labour, and the formation of the Missions’
Council as a privileged place from where such dispute might be observed.
Keywords: Slavery. Indigenous labour. Jesuits.
Jesuítas e a escravidão
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Professor Associado 3 da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará, com Mestrado em
História Social do Trabalho na UNICAMP e Doutorado em História Social na PUC/SP.
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 55, ago. 2012
2
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 178.
3
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 182-183.
4
Sobre a escravidão indígena na Amazônia e sua prática pelos jesuítas, ver: HEMMING, John. Red
Gold. The Conquest of the Brazilian Indians. Havard University Press, 1978. p. 409-443; e, do mesmo
autor, Amazon Frontier. The Defeat of the Brazilian Indians. MacMillan London, 1987. p. 40-80;
SWEET, David Graham. A Rich Realm of Nature Destroved: The Middle Amazon Valley. 1640-1750.
Tesis Ph.D, The University of Wisconsin, 1974 (capítulos 1 e 2).
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 55, ago. 2012
em guerras justas como punição por recusarem os benefícios que a colonização lhes
havia trazido 5.
É claro que a legislação indigenista constituiu-se num campo de luta tanto na
sua formulação como na sua execução na Colônia. Embora a lei tratasse
desigualmente índios aldeados e índios inimigos, as práticas cotidianas dos
moradores os unificavam, mantendo índios amigos como escravos, ainda que os
tenham recebido, oficialmente, como trabalhadores assalariados; forjavam guerras
justas e resgates contra índios “inimigos” e atacavam os aldeamentos missionários
para apresar escravos, práticas consideradas ilegais.
No que diz respeito à desobediência dos moradores às leis, a luta dos jesuítas
era incansável, fazendo chegar à Corte um imenso volume de informações sobre
elas. Por exemplo, o Pe. Lourenço Kaulen, missionário da aldeia de Mortigura, na
capitania do Grão-Pará, denunciava o costume das famílias portuguesas de usarem
índias como amas de leite, mantendo-as à força em suas propriedades além do
tempo previsto na legislação, onde sofriam todo tipo de vexação, pois:
5
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios Livres e Índios Escravos. Os princípios da legislação indigenista
do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992. p. 115-132.
6
CARTA do jesuíta Lourenço Kaulen à D. Maria Ana d’Áustria, datada de 16 de novembro de 1753.
IEB; USP – COL. ML, 1.29.
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MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 138.
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A Junta das Missões foi instituída pela Lei de 10 de setembro de 1611, que,
na disputa institucional travada na Corte, representou um rude golpe na Companhia
de Jesus, já que restaurava a guerra justa e o resgate como meios de se fazer
cativeiros legais, mas apenas “dos ditos gentios (que) movam guerra, rebelião, e
levantamento [...]”, secularizava a administração dos aldeamentos, entregando-a a
“pessoas seculares, casados, de boa vida e costumes [...]”, encarregava clérigos
seculares “língua” do trato espiritual dos gentios “e em falta delles, serão Religiosos
da Companhia; e em sua falta, das outras Religiões [...]”9.
Convocada sempre pelo governador ou seu substituto, e composta pelo bispo,
chanceler e desembargadores da Relação, e todos os prelados das ordens
religiosas, cabia à Junta das Missões o exame da legitimidade da guerra justa e do
resgate, manifestando-se pela legalidade ou não dos cativeiros, o que possibilitava
aos jesuítas, através do seu representante, tentar coibir os abusos dos colonos.
Além disso, quando estivessem “duas ou mais nações em guerra mútua [...]”,
a averiguação de qual tinha motivo para fazer guerra estaria a cargo de um
“Reverendo Padre Missionario da Companhia de Jesus, que leva em sua companhia
a nação que justamente tem causa de fazer guerra a outra [...]”10, o que garantia à
ordem um maior poder de ingerência nas decisões da Junta das Missões.
Anos depois, a Provisão de 9 de abril de 1655 a reinstituiu como Junta das
Missões e da Propagação da Fé, atribuindo-lhe um caráter de tribunal consultivo,
para opinar sobre os cativeiros dos índios. Tal provisão restabeleceu o controle
missionário nas aldeias e, embora considerasse perpétuos os cativeiros de índios
capturados em guerra justa movida pelos portugueses ou por índios entre si,
provocou grande insatisfação entre os colonos por determinar que os missionários
seriam os chefes das aldeias, que os colonos só poderiam utilizar o trabalho indígena
8
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 181.
9
CARTA de lei de 10 de setembro de 1611. In: THOMAS, Georg. Política Indigenista dos portugueses
no Brasil: 1500-1640. Traduzilo pelo Pe. Jesús Hortal. São Paulo: Ed. Loyola, 1981. p. 229-233.
10
TERMO da Junta das Missões, datado de 18 de janeiro de 1723. Códice 10: Alvarás, Descimentos,
Regimentos e Termos da Junta das Missões. 1724-1732, doc. 180, Arquivo Público do Estado do Pará
(doravante APEP), documentação manuscrita.
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PROVISÃO de 9 de abril de 1655. In: MALHEIRO, Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico,
jurídico, social. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976. p. 192-195.
12
TERMO da Junta de Missões, datado de 11 de outubro de 1724, doc. 172. Códice 10: Alvarás,
Descimentos, Regimentos e Termos de Missões. 1724-1732, APEP, documentação manuscrita.
13
TERMO da Junta de Missões, datado de 7 de outubro de 1724, doc. 184. Códice 10: Alvarás,
Descimentos, Regimentos e Termos de Missões. 1724-1732, APEP, documentação manuscrita.
REQUERIMENTO de Apolinário de Morais para o rei D. João V, datado de 16 de fevereiro de 1723.
AHU_ACL_CU_013, Cx. 7, D. 635.
14
TERMO da Junta de Missões, datado de 5 de setembro de 1722 (sic), doc. 175. Códice 10: Alvarás,
Descimentos, Regimentos e Termos de Missões. 1724-1732, APEP, documentação manuscrita.
15
TERMO da Junta das Missões, datado de 1 de dezembro de 1736. Códice 23: Termos da Junta das
Missões. Reinado de D. João V. 1736-11740, doc. s/n, APEP, documentação manuscrita.
16
TERMO da Junta das Missões, datado de 3 de julho de 1738. Códice 23: Termos da Junta das
Missões. Reinado de D. João V. 1736-1740, doc. 268, APEP, documentação manuscrita.
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CARTA do governador e capitão-general do Estado do Maranhão, Cristovão da Costa Freire, para o
rei D. João V, datada de 20 de março de 1718. AHU_ACL_CU_013, Cx. 6, D. 533.
18
TERMO da Junta das Missões, datado de 10 de junho de 1739. Códice 23: Termos da Junta das
Missões. Reinado de D. João V. 1736-1740, doc. s/n, p. 38, APEP, documentação manuscrita.
19
TERMO da Junta das Missões, datado de 11 de maio de 1739. Códice 23: Termos da Junta das
Missões. Reinado de D. João V. 1736-1740, doc. s/n, p. 36, APEP, documentação manuscrita.
20
TERMO da Junta das Missões, datado de 27 de julho de 1739. Códice 23: Termos da Junta das
Missões. Reinado de D. João V. 1736-1740, doc. s/n, p. 44, APEP, documentação manuscrita.
21
CARTA do governador e capitão-general do Estado do Maranhão, João da Maia Gama, para o rei D.
João V, datada de 27 de agosto de 1722. AHU_ACL_CU_013, Cx. 7, D. 614.
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CARTA do comissário de diligências do Serviço Real no Estado do Maranhão, Francisco da Gama
Pinto, para o rei D. João V, datada de 15 de agosto de 1723. AHU_ACL_CU_013, Cx. 7, D. 651.
23
TERMO da Junta das Missões, datado de 2 de junho de 1726. Códice 10: Alvarás, Descimentos,
Regimentos e Termos da Junta das Missões. 1724-1732, doc. 196, APEP, documentação manuscrita.
24
TERMO da Junta das Missões, datado de 11 de julho de 1726. Códice 10: Alvarás, Descimentos,
Regimentos e Termos da Junta das Missões. 1724-1732, doc. 199, APEP, documentação manuscrita.
25
REGIMENTO das Missões do Grão-Pará e Maranhão, de 21 de dezembro de 1686. In: LEITE,
Serafim S. J. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugália; Rio de Janeiro: INL, 1938-
1940, 1943. (4 volumes). p. 195-198.
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Referências bibliográficas
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
HEMMING, John. Red Gold. The Conquest of the Brazilian Indians. Havard University
Press, 1978.
______. Amazon Frontier. The Defeat of the Brazilian Indians. MacMillan London,
1987.
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REGIMENTO das Missões do Grão-Pará e Maranhão, de 21 de dezembro de 1686. In: LEITE,
Serafim S. J. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugália; Rio de Janeiro: INL, 1938-
1940, 1943. (4 volumes). p. 195-198.
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ALVARÁ de 28 de Abril de 1688. In: MALHEIRO, Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico,
jurídico, social. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976. p. 199-200.
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Histórica – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 55, ago. 2012
SWEET, David Graham. A Rich Realm of Nature Destroved: The Middle Amazon
Valley. 1640-1750. Tesis Ph.D, The University of Wisconsin, 1974.