TJ-SP AC 10055755220228260405 9b83a

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2022.0000922507

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1005575-52.2022.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante REBECA
WENGIER, é apelado BANCO BRADESCO S/A.

ACORDAM, em 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V.
U. Compareceu para sustentar oralmente o Dr. Hugo Chusyd.", de conformidade
com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


CARLOS ABRÃO (Presidente sem voto), PENNA MACHADO E CÉSAR
ZALAF.

São Paulo, 9 de novembro de 2022.

LUIS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL


RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Apelação Cível nº 1005575-52.2022.8.26.0405


Apelante: Rebeca Wengier
Apelado: Banco Bradesco S/A
Comarca: Osasco
Voto nº 23.300

Ementa:
Ação indenizatória. Transferência via “Pix”
indesejada decorrente do golpe do
“Whatsapp” aplicado à demandante.
Alegação de falha na prestação de serviços
pelo réu, que permitiu abertura de conta
corrente irregular. Incidência do CDC por
equiparação. Instituição financeira que não
comprovou a regularidade da abertura da
conta corrente e, assim, possibilitou o ilícito.
Inteligência da Resolução nº 4.753/2019 do
BACEN. Responsabilidade objetiva da
instituição bancária. Falha na prestação do
serviço. Súmula nº 479 do STJ. Culpa
concorrente da consumidora que não afasta a
responsabilidade do banco. Dever de
restituição do valor desembolsado.
Precedente. Ação ora julgada procedente, nos
termos do art. 1013, do CPC. Recurso
provido.

Vistos.

A r. sentença de fls. 132/139, cujo relatório é adotado,


julgou improcedente ação indenizatória promovida por Rebeca Wengier em

Apelação Cível nº 1005575-52.2022.8.26.0405 -Voto nº 23.300-B 2


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face de Banco Bradesco S/A com base no seguinte entendimento:

Trata-se de ação por meio da qual busca a parte


autora ver-se indenizada por danos materiais
decorrentes da fraude da qual foi vítima.

Em sua exordial a autora relata que acreditava


estar trocando mensagens com seu filho,
oportunidade em que lhe foi solicitado que realizasse
a transferência do montante de R$ 9.980,00 para
conta de um terceiro, e assim procedeu, apenas
depois se dando conta de que foi vítima de uma
fraude.

Pois bem. Respeitada a tese defendida pela


parte autora, não houve participação do banco réu no
ocorrido, inexistindo negligência ou falta de segurança
nos serviços por ele prestados, visto que a transação
bancária foi realizada espontaneamente, não se
cogitando falha nos serviços oferecidos pela
instituição financeira

Consigne-se que o documento de folha 31 dá


conta de que a autora efetuou uma transferência para
conta de titularidade de Wallace Alves Novais, no
valor de R$ 9.980,00, em 26/10/2020, às 15h09. A
transação foi realizada via PIX, ou seja, com
disponibilização quase que imediata ao recebedor, e
partiu diretamente da própria vontade debitada, que
para tanto fez uso de seus dados bancários e de suas
senhas de acesso.

Ora, não cabe às instituições bancárias

Apelação Cível nº 1005575-52.2022.8.26.0405 -Voto nº 23.300-B 3


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fiscalizarem os negócios realizados por seus clientes


de forma voluntária, ou exercerem qualquer ingerência
sobre as transações por eles efetivadas, mas somente
prestar os serviços na forma em que contratados por
seus correntistas.

(...)

Anote-se, ainda, que não há elementos de prova


quanto a eventual envolvimento do terceiro com o
banco réu ou com seus prepostos na conduta ilícita,
inexistindo, ainda, qualquer mínimo indício de que a
conta recebedora do crédito tenha, de fato, sido aberta
com documentos falsos ou dados forjados.

A realidade é que a autora agiu sem o mínimo


cuidado, mesmo que de boa-fé, não havendo falar em
responsabilidade objetiva do banco réu no caso
concreto a justificar o acolhimento das indenizações
pleiteadas.

A autora apela (fls. 142/169) ao argumento de que foi


vítima de golpe pelo “whatsapp”, em que falsários, passando-se por filho da
demandante solicitou transferência bancária via “Pix” para “Wallace Alves
Novais”, no valor de R$ 9.980,00, com a promessa de que o valor lhe seria
devolvido e em cenário em que foto do filho e das netas foi apresentada no
perfil do aplicativo, informação do falsário à demandante de que o número
pessoal do “filho” da autora passaria a ser o que estavam usando para a
comunicação, etc.

A apelante explica que efetuou o “Pix” e, na sequência,


em razão de novo pedido de transferência para outro indivíduo ter lhe sido
solicitado, entendeu que estava sendo vítima de golpe e, assim, lavrou

Apelação Cível nº 1005575-52.2022.8.26.0405 -Voto nº 23.300-B 4


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boletim de ocorrência e solicitou ao Banco Itaú providências perante o réu


Bradesco, a fim de evitar a consumação do golpe e com vistas ao
ressarcimento da transferência não reconhecida pelo autora. Porém, a
questão não foi resolvida na via administrativa.

Alega que as normas de segurança do réu restaram


burladas ao permitir que falsário realizasse abertura e manutenção de conta-
corrente com “falsa aparência de regularidade”, viabilizando a ocorrência de
“Pix” não realizado pela autora.

Sustenta que a fraude decorre de fortuito interno porque


teve origem na falha da prestação dos serviços pelo apelado e, em sendo
confirmado que o banco poderia ter evitado o golpe, mas não o fez - apesar
de contar com meios e recursos para tanto -, conclui que o réu não agiu em
defesa da vítima, autora, com empenho compatível com o risco da atividade
por ele desempenhada, de modo que deve ser responsabilizado.

O recurso foi processado sem resposta (fl. 175)

É o relatório.

Inexiste óbice ao conhecimento do recurso.

A parte autora ajuizou a presente ação em razão de


falsários terem aberto conta corrente em nome de terceiros perante o banco
requerido, o que viabilizou a transferência bancária via “Pix” para a conta de
destino perante o réu (fl. 31) após a autora ter sido vítima do “golpe do
whatsapp”, ocasião em que falsário, passando-se por filho da demandante,
solicita à autora transferência bancária para “Wallace Alves Novais” (fls.
27/30).

De acordo com a demandante, após registrar boletim de


ocorrência (fls. 32/33) e tentar, sem sucesso, resolver administrativamente

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a questão com o banco réu (fls. 40/41), ajuizou a presente ação em busca
de ter acesso aos documentos de abertura de conta em nome do
correntista indicado na inicial, bem como a restituição do valor de R$
9.980,00 à título de indenização por dano material.

O art. 17 do CDC equipara aos consumidores os


terceiros, estranhos à relação jurídica de consumo, que são atingidos por
danos decorrentes do fornecimento de produto ou serviço no mercado, ou
de danos causados por vícios de qualidade dos bens ou dos serviços.

Assim, ainda que a parte autora não seja correntista da


instituição financeira, não resta dúvida de que o caso deve ser solucionado
à luz do CDC com o reconhecimento de que houve falha na prestação do
serviço de abertura de conta corrente oferecido pelo banco.

E de acordo com a Súmula nº 297 do E. Superior


Tribunal de Justiça: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras”. Dessa forma, o caso deve ser solucionado à luz do
Código de Defesa do Consumidor, vez que trata de relação de consumo
por equiparação.

A autora alega falha na prestação dos serviços do banco,


vez que a instituição não comprovou a regularidade da abertura da conta
corrente por falsário e, assim, contribuiu para a consumação do golpe.

O banco, a seu turno, alega que não houve falha na


prestação do serviço e atribui a culpa pelo incidente exclusivamente à
terceiros fraudadores e à autora que não tomou as devidas cautelas antes
de realizar o negócio e efetuar a transferência.

A controvérsia está na regularidade da abertura da conta


corrente, em que foi depositado o valor, e possibilitou o ilícito. É fato
incontroverso, portanto, que a autora foi vítima de fraude.

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Em que pese o respeito ao entendimento adotado pela r.


sentença, tenho que era da instituição financeira o ônus probatório da
demonstração da regularidade da abertura da conta corrente nos termos da
Resolução nº 4.753/2019 do BACEN.

Ora, o banco deveria ter comprovado que tomou as


cautelas necessárias para a abertura da conta corrente e demonstrado a
sua regularidade, mas não o fez.

E a bem da verdade, o banco é instituição financeira que


confere aparência de idoneidade aos envolvidos e, desse modo, deverá
suportar as consequências decorrentes da falha na prestação dos serviços
decorrentes do fortuito interno, consistente na irregularidade da abertura da
conta que possibilitou o ilícito, nos termos da Súmula nº 479, do STJ e do
art. 14, do CDC.

Ademais, observo que a culpa concorrente da autora não


elide a responsabilidade objetiva do banco nos termos do CDC, conforme
os ensinamentos de Bruno Miragem1:

Trata-se, como se deduz, de outra hipótese de


rompimento do nexo causal entre a conduta do
fornecedor e o dano sofrido pelo consumidor, pelo
advento de outra conduta que, tendo sido realizada,
demonstra-se que tenha dado causa ao evento
danoso. No caso, a conduta que vem a causar o
dano, afastando por isso a relação de causalidade
com respeito ao comportamento do fornecedor, é a
conduta do próprio consumidor que tenha sido vítima
do dano (culpa exclusiva da vítima) ou de qualquer
outro terceiro com a mesma característica.

1MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. Parte II. Direito Material do Consumidor.
Ed. Revista dos Tribunais, p. 2109.

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Note-se que a exclusão da responsabilidade do


fornecedor, neste caso, opera-se apenas se o dano
tiver sido causado por evento cuja causa deva-se
apenas à própria conduta do consumidor ou de
terceiro. Não há de se referir, portanto, de culpa
concorrente do consumidor como causa de exclusão
de responsabilidade, ainda que se possa admitir, no
caso concreto, a possibilidade de redução do
quantum da indenização. Da mesma forma não
afasta a responsabilidade do fornecedor o fato
meramente acidental do consumidor, exigindo-se,
para tal finalidade, que o ato seja exclusivo e que
seja praticado culposamente, ou seja, movido por
dolo, negligência ou imprudência2.

Nesse sentido é o entendimento desta C. Corte:

RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO CONTRA


R. SENTENÇA PELA QUAL FOI JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS
ALEGAÇÃO DE INCORREÇÃO, COM PEDIDO DE
REFORMA GOLPE DO LEILÃO AUTOR QUE AO
ARREMATAR VEÍCULO EM "SITE" DE LEILÃO
VIRTUAL FALSO, PROMOVEU A TRANSFERÊNCIA
BANCÁRIA DE VALORES EM FAVOR DE
TERCEIROS - RESPONSABILIDADE DA CASA DE
VALORES DEVIDAMENTE RECONHECIDA
CONTA BANCÁRIA ABERTA PELOS
FRAUDADORES DE FORMA IRREGULAR JUNTO

2
As notas de rodapé constantes do original foram suprimidas.

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AO BANCO INCONFORMADO PRECEDENTES


NESSE SENTIDO - ACERTO DA R. SENTENÇA -
RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1063918-20.2021.8.26.0100;
Relator (a): Simões de Vergueiro; Órgão Julgador: 16ª
Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 3ª
Vara Cível; Data do Julgamento: 27/01/2022; Data de
Registro: 27/01/2022)

RESPONSABILIDADE CIVIL. Incidência do CDC.


Consumidor por equiparação. Aquisição de veículo em
site falso de leilões on line. Causa de pedir da
demanda que reside na eventual desídia, falha na
prestação de serviços do banco no tocante à prova de
idoneidade do cliente no ato da abertura da conta
corrente. Inteligência da Resolução nº 4.753/2019 do
BACEN que revogou a Resolução nº 2.025/1993.
Falta de exibição dos documentos que tornou
incontroversos os fatos alegados pelo autor.
Circunstância que se insere no risco da atividade
exercida. Com fundamento nos artigos 14, caput, do
CDC e 927, parágrafo único, do Código Civil, a
instituição financeira bancária deve reparar o dano
apontado nos autos. Danos morais não configurados.
Mero dissabor. Inexistente comprovação do abalo
moral. Precedentes. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.

(TJSP; Apelação Cível 1000470-67.2020.8.26.0663;


Relator (a): Anna Paula Dias da Costa; Órgão
Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de

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Votorantim - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento:


09/02/2022; Data de Registro: 10/02/2022)

Deste modo, nos termos do art. 1013, do CPC, merece


provimento o recurso a fim de julgar procedente a ação e condenar o réu ao
pagamento do prejuízo material suportado pela parte autora no valor de R$
9.980,00, acrescido de juros e correção monetária a contar da transferência
impugnada.

Diante do provimento do recurso para julgar procedente


a ação, condeno o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e
honorários advocatícios que fixo em 15% do valor da condenação, nos
termos do artigo 85, §2º e 11, do CPC.

Pelo exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso, nos


termos aqui especificados.

LUÍS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL


Relator

Apelação Cível nº 1005575-52.2022.8.26.0405 -Voto nº 23.300-B 10

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