O Poder Da Comunicação Social
O Poder Da Comunicação Social
O Poder Da Comunicação Social
Lisboa, 2014
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS
LISBOA, 2014
RESUMO
Desde sempre, mas sobretudo desde que se massificaram, os meios de comunicação tornaram-se
fatores de desenvolvimento, e um tema permanente na sociedade, na comunidade política e até
nas discussões científicas. Os Pontífices tentaram responder a este desafio e ao longo das
quarentas e seis mensagens em análise, olharam sempre com esperança para estas mudanças
culturais e para o progresso tecnológico que as acompanha. Advertiram contudo, também de
forma insistente, que é necessário exigir o respeito pela verdade e a justiça: é indispensável
alcançar a equidade no acesso aos meios de comunicação para que o desenvolvimento humano e
o crescimento económico não sejam discrepantes, e conseguir assim que exista um autêntico
progresso social.
Esta dissertação contém aproximadamente 60.000 palavras.
À minha mãe e à Nossa Mãe.
Nada seria possível sem o apoio dos meus pais, que estando nos Açores
souberam estar perto para que nunca me sentisse só.
Este trabalho é feito em memória do meu avô Francisco: partiu antes de este
trabalho estar concluído mas só aparentemente, porque esteve – e está – sempre
presente.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 3
CAPÍTULO I – COMUNICAÇÃO SOCIAL E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA:
EXPECTATIVAS E TEMORES SEGUNDO PAULO VI .......................................................... 8
1. A importância dos meios de comunicação na doutrina social da Igreja ....................... 8
2. Comunicação política ................................................................................................. 11
3. Os meios de comunicação social e o bem comum ..................................................... 12
4. Indivíduo vs individualismo ....................................................................................... 15
5. O Concilio Vaticano II perante os meios de comunicação ......................................... 16
6. Os meios de comunicação na escolha entre o bem e o mal ........................................ 18
7. Objetividade num mundo bipolar e a lógica do perdão na comunicação política ...... 19
8. Meios de comunicação: um instrumento ao serviço dos Direitos Humanos .............. 22
9. Uma entidade reguladora ............................................................................................ 24
10. A ação da publicidade ................................................................................................ 27
11. Uma mesa redonda do diálogo e da verdade .............................................................. 35
12. O desafio do cidadão ativo ......................................................................................... 37
1
3. Método da educação positiva: educar em liberdade ................................................... 97
4. Comunicar para a educação ou educar para comunicar? ......................................... 102
5. A globalização pelo dever da verdade ...................................................................... 104
6. A encruzilhada do progresso .................................................................................... 106
7. Em defesa de uma info-ética .................................................................................... 107
8. Cooperadores da verdade ......................................................................................... 109
9. No impulso da cultura .............................................................................................. 110
10. Comunicar pelo amor ............................................................................................... 113
11. Internet: pátio dos gentios ........................................................................................ 117
12. Revolução digital ...................................................................................................... 119
13. O cidadão do areópago digital .................................................................................. 121
14. Comunicar pelo silêncio ........................................................................................... 124
15. Comunicar-se a si mesmo ou o mito de Narciso? ................................................... 127
16. O desafio das redes sociais na cultura contemporânea ............................................. 131
ANEXOS................................................................................................................................... 140
Anexo A: Democracia e doutrina social da Igreja .................................................... 140
Anexo B: Conceito de Estado na doutrina social da Igreja ...................................... 143
Anexo C: A contextualização política no início das Mensagens para o Dia Mundial
da Comunicação Social ............................................................................................ 146
Anexo D: Conceito de liberdade .............................................................................. 148
Anexo E: As influências da televisão ....................................................................... 150
Anexo F: A promoção dos valores da família é a promoção da paz ........................ 152
Anexo G: O papel da mulher na sociedade contemporânea: maternidade e a genuína
emancipação ............................................................................................................. 159
Anexo H: Solidariedade e fraternidade: um caminho para a paz ............................. 161
Anexo I: A paz segundo o Papa João XXIII: pela liberdade, com justiça e
caridade...165
Anexo J: Relativismo ............................................................................................... 173
Anexo L: A natureza da cultura................................................................................ 175
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................... 180
2
INTRODUÇÃO
Quando Johannes Gutenberg, em 1439, deu início à imprensa móvel, foi desde
logo percetível o seu impacto social. A obra do inventor alemão tornou-se um meio
poderoso de fazer política, marcando a Idade da Renascença, e constituindo-se, como
condição fundamental para o início da reforma protestante. Ou seja, a impressa tornou-
se não somente um instrumento de propaganda cultural ou de informação, entendido
como um avanço tecnológico, como também um meio de inspirar as relações sociais,
tendo até capacidade de provocar a guerra ou de contribuir para a paz, de criar desunião
ou de promover a liberdade.
1
Numa primeira fase do período entre-guerras, período em que o estudo da comunicação se tornou mais
político, devido ao aproveitamento dos regimes totalitários e aos seus efeitos massificados, as teorias
centram-se sobretudo na relação entre o operador da comunicação e o recetor da mensagem: teoria
hipodérmica; teoria da persuasão; teoria empírica de campos; teoria funcionalista; teoria critica; teoria
culturológica. Numa segunda fase, os estudos académicos baseiam-se na forma de fazer a comunicação, a
relação centra-se mais na informação, na mensagem e na forma de seleção e escolha da notícia: teoria do
agendamento; teoria guardiões do portão - gatekeeper; teoria do que faz a notícia - newsmaking.
3
O mundo no século XX ficou marcado por mudanças extraordinariamente
rápidas, uma configuração predominantemente industrial das sociedades, as Grandes
Guerras, o incremento da tecnologia e da ciência na sociedade, etc. Estas mudanças
configuraram o mundo contemporâneo e, nessa medida, não foram indiferentes à Igreja
Católica.
Neste âmbito o grande marco foi o Concílio Vaticano II, convocado por João
XXIII em 1961 através da bula Humanae Salutis: vivemos “mundo que se exalta pelas
conquistas no campo da técnica e da ciência, mas que carrega também as
consequências de uma ordem temporal que alguns quiseram reorganizar prescindindo
de Deus. Por isso, a sociedade moderna caracteriza-se por um grande progresso
material a que não corresponde igual progresso no campo moral. Daí, enfraquecer-se
o anseio pelos valores do espírito e crescer o impulso para a procura quase exclusiva
dos gozos terrenos, que o avanço da técnica põe, com tanta facilidade, ao alcance de
todos”2
Inter mirifica é uma defesa dos meios de comunicação e um apelo ao seu bom uso,
porque, sendo estes um meio, a sua avaliação ética e moral depende sobretudo da forma
2
João XXIII, Humanae Salutis, 1961, n. 3.
3
CONCÍLIO VATICANO II, Sacrosanctum Concilium, nº 1.
4
CONCÍLIO VATICANO II, Inter Mirifica, 1966, nº 1.
4
como são utilizados e do fim a que se destinam. Contém um conjunto de recomendações
que ultrapassa os conselhos pastorais, dirigindo-se assim a toda a humanidade.
João Paulo I, durante o seu curto pontificado, não chegou a escrever nenhuma
mensagem. Já o seu sucessor, João Paulo II, deixou-nos 26, entre 1978 e 2005. O Papa
5
CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes, 1965, n.1.
6
Paulo VI, I Mensagem do Dia das Comunicações Sociais, 1967, Os Meios de Comunicação Social. A
partir de agora, para referir as mensagens, usa-se a abreviatura MDCS, seguida do Ano.
7
Paulo VI, IV MDCS, 1970.
8
Paulo VI, X MDCS, 1976 e também XI MDCS, 1978.
9
Paulo VI, II MDCS, 1976.
10
Paulo VI, VII MDCS, 1974.
5
polaco não podia esquecer a marca deixada pelo regime soviético no seu percurso
biográfico, nem a sua proveniência de uma Igreja perseguida. Por isso os temas por ele
tratados giraram com frequência à volta da liberdade,11 do conceito de Estado e da sua
regulação, da liberdade de expressão, da relação da estrutura familiar com o conflito
interno12, do desequilíbrio económico, da globalização. Em 1996 referiu-se à
comunicação social como o areópago da modernidade. Será neste sentido – como
areópagos da modernidade — que se pretendem avaliar os meios de comunicação numa
esfera política.
Por fim, Bento XVI, entre 2006 e 2013, escreveu 7 Mensagens, em que destaca o
tema da tecnologia digital, abordado na linguagem filosófica que caracteriza o professor
e Cardeal Ratzinger. O papa-filósofo elucida sempre com profundidade os conceitos que
a comunicação social terá tendência a banalizar – por exemplo o silêncio numa
sociedade extra- sensitiva13 -- e alerta para o risco da comunicação social se tornar
protagonista da ditadura do relativismo14.
11
João Paulo II, XV MDCS, 1981.
12
João Paulo II, XXV MDCS, 1991.
13
Bento XVI, XLVI MDCS, 2012.
14
Bento XVI, XLII MDCS, 2008.
15
Paulo VI, I MDCS, 1967.
16
Paulo VI, I MDCS, 1967.
6
admirável progresso técnico corresponda um verdadeiro e fecundo progresso espiritual
e moral. Formulamos, por isso, o voto que o "Dia Mundial" seja ocasião para um
consciente chamado a um despertar saudável das consciências e a um empenho
solidário de todos por uma causa de tão grande importância.”17
17
Paulo VI, I MDCS, 1967.
7
CAPÍTULO I
COMUNICAÇÃO SOCIAL E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA:
EXPECTATIVAS E TEMORES SEGUNDO PAULO VI
Há que ter em conta que o conjunto da doutrina social não assume uma forma
partidária ou ideológica. Como o próprio nome indica forma um corpo de doutrina que
18
Doutor em engano, expressão que surgiu em Inglaterra, no início do século XX, para definir os
manipuladores de opinião.
19
Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 3. A partir de agora, para referir o Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, usa-se a abreviatura CDSI.
20
JOÃO PAULO II, Centesimus annus, 1991, n. 57.
8
deve inspirar a prática política plural dos que se deixam guiar por ela, afastando-se
mesmo de uma visão da terceira via. Assim, a atuação do Magistério não pode ser
interpretada – como pretenderam alguns dos seus opositores – como uma invasão do
religioso na praxis política. Situando-se noutro plano, a doutrina social diferencia-se
inclusivamente das ciências sociais21.
21
O sociólogo português Sedas Nunes caracteriza nestes termos a finalidade das doutrinas sociais, por
contraste com os distintos objetivos das ciências sociais: “Uma atitude normativa, doutrinal, que se
esforça por apreciar e julgar as situações que se deparam na sociedade; formular princípios e
orientações acerca do modo como os problemas da vida e da organização social devem ser resolvidos;
traçar linhas de ação é definir condições para a realização de uma sociedade mais perfeita, melhor.” In;
SEDAS NUNES, Adérito, Introdução ao estudo das sociedades, Instituto de Estudos Sociais de Lisboa
1963-1964, p.5.
Assim, a doutrina parte de uma atitude do pensamento normativo, ao contrário das ciências sociais, que
partem de uma atitude experimental.
22
PAULO VI, X MDCS, 1976.
23
Mateus 22, 21.
24
WEIGEL, George, “Para além da «laicidade», do «laicismo» e do «clericalismo» o que a Igreja pede ao
mundo”, Nova Cidadania, Ano IX, n. 36, Julho-Setembro 2008, p. 14.
9
não é sobre o cristianismo como tesouro de verdade divina mantida e propagada pela
Igreja, é sobre o cristianismo como energia histórica em trabalho no mundo.”25
Como é bem sabido, a doutrina social da Igreja como disciplina nasce num
contexto de reflexão sobre as questões do proletariado e sobre as consequências da
revolução industrial. Em 1891, 26 anos antes da revolução bolchevique de 1917, quando
o comunismo era ainda uma teoria, Leão XIII escreve a encíclica Rerum Novarum - Das
Coisas Novas, centrada na questão dos operários, denunciando a exploração dos
trabalhadores e alertando para a ameaça de uma ideologia comunista, mesmo que nesse
momento fosse somente uma conjetura. “Esta situação preocupa e põe ao mesmo tempo
em exercício o génio dos doutos, a prudência dos sábios, as deliberações das reuniões
populares, a perspicácia dos legisladores e os conselhos dos governantes, e não há,
presentemente, outra causa que impressione com tanta veemência o espírito humano.”26
Apesar de na sua origem ter estado a questão da luta de classes, a doutrina social
não se limitou a esta preocupação. D. António dos Reis Rodrigues assinala: “mas na
expressão doutrina social da Igreja não cabe apenas a questão operária, embora a
Igreja lhe atribua, como se vê, um lugar de especial relevo no conjunto do seu
magistério social, visto que «os mais fracos, ou os mais pobres, requerem uma atenção
prioritária». Cabem também os mais variados aspetos de toda a organização da
sociedade, onde quer que esteja ou possa estar em causa a ordem moral”.27
Ou seja, a comunicação social, tal como “toda a vida social, é expressão do seu
inconfundível protagonista: a pessoa humana. De tal fato a Igreja sempre soube,
amiúde e de muitos modos, fazer-se intérprete autorizada, reconhecendo e afirmando a
centralidade da pessoa humana em todo âmbito e manifestação da sociabilidade: «A
25
MARITAIN, Jacques, “Christanisme et Démorcracie” in ESPADA, João Carlos, ROSAS, João
Cardoso (orgs.), Pensamento Político Contemporâneo – Uma Introdução, Lisboa, Bertrand Editora,
2004, p. 196.
26
LEÃO XIII, Rerum Novarum, 1891, n. 1.
27
RODRIGUES, António dos Reis, Pessoa, Sociedade e Estado, Estoril, Principia, 2008.
28
CDSI, n. 100.
10
sociedade humana é objeto da doutrina social da Igreja, visto que ela não se encontra
nem fora nem acima dos homens socialmente unidos, mas existe exclusivamente neles e,
portanto, para eles». Este importante reconhecimento encontra expressão na afirmação
de que «longe de ser o objeto e o elemento passivo da vida social», o homem, pelo
contrário, «é, e dela deve ser e permanecer, o sujeito, o fundamento e o fim». Nele,
portanto, tem origem a vida social, a qual não pode renunciar a reconhecê-lo seu
sujeito ativo e responsável e a ele deve ser finalizada toda e qualquer modalidade
expressiva da sociedade.”29
2. Comunicação política
A comunicação política é uma das dimensões mais influentes da comunicação
social, não só porque é o diálogo entre o cidadão e o político, mas também porque é por
seu intermédio que a ciência política pode analisar as variáveis condicionantes dos
regimes, estando numa constante vigilância e escrutínio dos estadistas, resguardando a
liberdade e a democracia. Em suma, “não é pensável participação alguma sem o
conhecimento dos problemas da comunidade política, dos dados de fato e das várias
propostas de solução.”30
29
CDSI, n. 106.
30
CDSI, n. 414.
31
CDSI, n. 414.
32
CDSI, n. 416.
11
comunicação (o modo de comunicar), mas também às questões fundamentais das
estruturas e sistemas, que com frequência incluem grandes problemas de política que
dependem da distribuição de tecnologia e produtos sofisticados (quem serão os ricos de
informação e os pobres de informação?)»33
33
CDSI, n. 416.
34
CDSI, n. 166.
35
CDSI, n. 167.
12
homem”36, o que não significa que seja de fácil consecução: “é um bem árduo de
alcançar, porque exige a capacidade e a busca constante do bem de outrem como se
fosse próprio.”37 Promover o empenho de todos nessa procura constante do bem
comum será precisamente um dos desafios dirigidos aos meios de comunicação.
36
CDSI, n. 167.
37
CDSI, n. 167.
38
PIO XI, Quadragésimo Anno, 1931, n.3.
39
CDSI, n. 170.
40
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA n. 2493-2494. A partir de agora, para referir o Catecismo da
Igreja Católica usa-se a abreviatura CIC.
41
Cf. FRIEDMAN, Thomas L., O Mundo é Plano, 5º Edição, Lisboa, Actual Editora, 2006, pp. 17-18.
42
Cf. Idem, pp 18-19.
13
um tamanho reduzido. (…) O que imprime carácter único – é a recém-descoberta
possibilidade dos indivíduos colaborarem e competirem globalmente. (…) A criação de
uma rede global de fibra ótica que nos tornou vizinhos uns dos outros. Cada um de nós
deve e pode perguntar agora: Onde é que eu me encaixo em termos de concorrência
global e nas oportunidades imediatas e de que forma posso, por mim próprio,
colaborar com outros a nível global? (…) Estão a ser delegados poderes aos indivíduos
de todos os cantos do mundo plano. A globalização 3.0 faz com que muitas mais
pessoas se conectem, de tal forma que veremos todas as cores do arco-íris humano a
participar no processo.”43
43
Cf. Idem, pp. 17-20.
44
CONCÍLIO VATICANO II, Decreto. Inter Mirifica, 1.
45
Em 1936, Pio XI escreveu a carta encíclica Vigilanti Cura, sobre o cinema, dirigida ao clero norte-
americano. Em 1948, Pio XII escreve também a instrução Ad experimentum da comissão de consulência e
de revisão eclesiástica dos filmes com tema religioso ou moral. É também em 1948 que se dá a instituição
da Pontifícia Comissão para a Cinematografia Didática e Religiosa e aprovação dos Estatutos. Em 1952
dá-se a transformação em Pontifícia Comissão para a cinematografia e aprovação dos estatutos mas em
1954 haverá uma aprovação de novos estatutos e a transformação em Pontifícia Comissão para o Cinema,
a Rádio e a Televisão. Em 1955, Pio XII escreve uma exortação Apostólica aos representantes do mundo
do cinema: O filme ideal. Mas a mais divulgada é a carta encíclica de 1957 Pio XII Miranda Prosus,
sobre a cinematografia, a rádio e a televisão. Será também Pio XII, em 1958, a proclamar Santa Clara
padroeira da televisão. João XXIII escreve em 1959 o Motu Proprio. Boni Pastores, onde instituiu a
Pontifícia Comissão da cinematografia, rádio e televisão, como organismo permanente da Santa Sé, e por
fim, no dia 16 Novembro de 1959 é aprovado os estatutos da filmoteca vaticana.
14
ideias, para colaborar com um empreendimento autenticamente bom e, por isso,
meritório. Trata-se, por certo, de meios que não têm somente uma função instrumental,
não servem somente para estabelecer contatos ou espalhar mensagens, não se prestam
somente à evasão e à diversão: são também, e sobretudo, instrumentos educativos e,
como tais, são guindados a uma função mais alta, que é de ordem didática e formativa.
Quem não sabe, por exemplo, que em muitos países os meios de comunicação social
absorvem, com grande eficácia supletiva ou integrativa, o trabalho escolar,
contribuindo para a alfabetização e para a instrução de velhas e novas gerações?
Exatamente por causa desta reconhecida capacidade, a Igreja propõe para estes meios
uma meta posterior e indica a quem os usa uma tarefa bem mais nobre e urgente: servir
à causa dos direitos e dos deveres primordiais do homem.”46
4. Indivíduo vs individualismo
A Igreja, ao apresentar a democracia, o mercado livre e a iniciativa individual
como o melhor cenário para o desenvolvimento e para o crescimento económico não
está a propor como ideal o individualismo emergente no pensamento neo-liberal, que
acentua a dimensão meramente material do indivíduo.
46
PAULO VI, X MDCS, 1976.
47
Este tema será abordado com mais profundidade por João Paulo II.
48
Ver anexo A, p. 140.
49
JOÃO PAULO II, Veritatis splendor, 1993, n. 48.
50
CDSI, n. 129.l
15
É certo que o Magistério também faz referência a uma consciência coletiva, mas
essa consciência coletiva respeita o indivíduo, enquanto realização única e irrepetível:
“O povo opõe-se à massa: vive da liberdade e da consciência de cada um.”51
16
também o enfrentou na sociedade, em que profundas transformações sociais
sustentavam as revoluções políticas dos anos 60 e 70.
54
Ver anexo C, p. 146.
55
PAULO VI, I MDCS, 1967.
17
exigem o respeito pela dignidade do homem e da sociedade. Todo o seu esforço,
portanto, seja no sentido de difundir a verdade nas mentes e nos corações, a adesão ao
bem, a ação coerente nas obras. Eles estarão assim a contribuir para a elevação da
humanidade e darão uma contribuição positiva para a edificação de uma sociedade
nova, mais livre, mais consciente, mais responsável, mais fraterna, mais digna.56.
56
PAULO VI, I MDCS, 1967.
18
6. Os meios de comunicação na escolha entre o bem e o mal
Como tem sido referido, os meios de comunicação são os principais agentes da
globalização: “o tempo e o espaço foram superados, e o homem tornou-se um cidadão
do mundo, coparticipante e testemunha dos acontecimentos mais distantes e das
vicissitudes de toda a humanidade.”57 É nos mass-media que se realizará a afirmação
clássica que Plutarco atribui a Sócrates: “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim
um cidadão do mundo”, de um mundo que superou o próprio tempo e o espaço.
O Magistério, que desde sempre viu os meios de comunicação social como uma
ferramenta benéfica, associando-os ao desenvolvimento social, humano e económico,
reconhecia que “deve ser, portanto, muito apreciada, no seu justo valor, a contribuição
que a imprensa, o cinema, o rádio, a televisão e os outros meios de comunicação social
oferecem ao incremento da cultura, à divulgação das obras de arte, à distensão dos
ânimos, ao mútuo conhecimento e compreensão entre os povos.”.58 A Igreja tinha a
perceção da enorme valia cultural e social destes meios, que os tornaria indissociáveis
ao desenvolvimento humano, mas foi captou também o seu poder, associado à sua
enorme capacidade de domínio.
57
PAULO VI, I MDCS, 1967.
58
PAULO VI, I MDCS, 1967.
59
Paulo VI, Humanae Vitae, 1968, n. 2.
19
luta pela verdade é um autêntico desafio pois “cada fato tem a sua própria verdade, que
abrange muitos aspetos, nem sempre facilmente percetíveis no seu todo. Somente o
esforço conjunto e sincero de comunicadores e recetores pode oferecer uma certa
garantia de que cada evento seja compreendido na sua verdade integral. Aqui aparece
a excelência da tarefa do informante, que consiste não somente em revelar o que pode
ser imediatamente verificado, mas também em procurar elementos de enquadramento e
de explicação sobre as causas e as circunstâncias de cada fato que ele deve comunicar.
Este trabalho poderia, de certa maneira, ser comparado com uma "pesquisa científica",
pela seriedade e a dedicação que exige no controle e na avaliação crítica das fontes, na
fidelidade aos dados observados, e na sua transmissão integral. A responsabilidade é
ainda mais grave se o comunicador, como muitas vezes acontece, é levado a
acrescentar, à simples relação do fato, elementos de juízo e de orientação.” 60 Todavia
só chegaremos à verdade se formos livres, e por isso Paulo VI reconhece que o desejo
de liberdade é fundamental para que a tarefa da comunicação social alcance da
verdade.61
60
PAULO VI, VI MDCS, 1972, n. 1.
61
Ver anexo D, p. 148.
62
PAULO VI, IX MDCS, 1977.
63
PAULO VI, IX MDCS, 1977.
20
deformado os mais importantes acontecimentos conforme ideologias que não respeitam
a liberdade do homem e violam o direito à informação; o gosto por levantar problemas
ou insinuar dúvidas que põem em crise certezas éticas indiscutíveis; o considerar arte
somente o que é permissividade e repressão dos imperativos humanos que controlam
legitimamente a convivência social sadia; considerar como justiça o que é somente
violência, vingança, represália.”64
64
PAULO VI, IX MDCS, 1977.
65
ARENDT, Hannah, A condição humana, 4º Edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989, pp.
248-255.
66
A citação não pretende esgotar o pensamento arendtiano relativo à relação entre a irreversibilidade do
poder e o poder de perdoar. Aliás, o trecho citado está propositadamente restringido, já que Arendt fica
aquém do pensamento de Paulo VI. Pretende-se apenas chamar à colacção o pensamento de uma
eminente filósofa.
21
A guerra deixa marcas, tanto ao nível político-económico, como na vida de cada
cidadão e de cada família; naturalmente essas marcas são vestígios que não se apagam
com meras ajudas humanitárias, tornando-se quase necessária uma renovação geracional
para se atingir a tranquilidade, mais uma vez não só a tranquilidade política, mas a de
cada cidadão, com base numa lógica do perdão.
67
PAULO VI, IX MDCS, 1977.
68
PAULO VI, VI MDCS, 1972, n. 3.
22
verdade: não somente a verdade abstrata e filosófica, mas também a verdade concreta
e cotidiana de cada acontecimento: se isso acontecesse, viria em prejuízo da própria
dignidade pessoal. Queremos, pois, nesta ocasião, renovar o nosso convite para que
cada homem se empenhe e seja adequadamente favorecido na consecução da
capacidade necessária de juízo próprio, diante da mensagem dos meios de
comunicação social, de modo que possa livremente escolher entre as várias opiniões e
dar sua adesão à melhor delas.”69 Se fizer esse esforço, a comunicação social respeitará
a dignidade do homem e tornar-se-á verdadeira embaixadora dos direitos humanos.
Hoje uma família europeia tem noção que existe fome em África, ou um cidadão
americano sabe que na China a liberdade de expressão é experimentada de um modo
diferente da sua. Países com milhões de quilómetros de distância podem, a partir da
comunicação social, ajudar-se reciprocamente.
A própria noção de guerra torna-se mais humana. Se antes se sabia que havia
países em guerra de um modo distante e até frio, sem nenhuma ligação cultural ou
familiar, com a massificação dos meios de comunicação social a guerra ganha rosto:
rostos humanos marcados pelo sofrimento, a destruição, pondo em evidência, para
quem assiste à distância, que aqueles que estão nos cenários de guerra são igualmente
69
PAULO VI, VI MDCS, 1972, n. 3.
70
PAULO VI, X MDCS, 1976.
23
homens, cidadãos, que têm família. Essa visão de dor envolve as comunidades mais
distantes e promove uma maior sensibilidade à própria guerra.
71
PAULO VI, X MDCS, 1976.
72
PAULO VI, X MDCS, 1976.
73
PAULO VI, X MDCS, 1976.
24
mesmo e a agir responsavelmente. Esta sua exigência espiritual deverá ser respeitada
e, mais ainda, ajudada pelo uso correto dos meios de comunicação social.”74
74
PAULO VI, X MDCS, 1976.
75
CIC, n. 1897.
25
diante de Deus; pedimos que esta busca se traduza em atitude de deferente e
profunda atenção aos valores supremos da pessoa.”76
A doutrina social da Igreja recolhe a mesma ideia quando firma que “a
responsabilidade de perseguir o bem comum compete, não só às pessoas
consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é
a razão de ser da autoridade política. Na verdade, o Estado deve garantir
coesão, unidade e organização à sociedade civil da qual é expressão, de modo
que o bem comum possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos.
O indivíduo humano, a família, os corpos intermédios não são capazes por si
próprias de chegar ao seu pleno desenvolvimento; daí serem necessárias as
instituições políticas, cuja finalidade é tornar acessíveis às pessoas os bens
necessários — materiais, culturais, morais, espirituais — para levar uma vida
verdadeiramente humana. O fim da vida social é o bem comum historicamente
realizável.”77
76
PAULO VI, X MDCS, 1976.
77
CDSI, n. 168.
78
PAULO VI, X MDCS, 1976.
26
Como pode o homem tirar partido da comunicação? Como pode fazer com que
este meio seja um verdadeiro instrumento ao serviço do bem comum?
Aqui ganha especial protagonismo os corpos intermédios, presentes na doutrina
social da Igreja, que têm a responsabilidade grave de intervir com iniciativas,
sejam elas individuais ou coletivas. Isto exige desenvolver o sentido crítico,
tanto para saber exigir, avaliar e defender a própria consciência, como para saber
acolher, elogiar e fomentar o trabalho de qualidade. Também é papel dos utentes
ter uma posição de constante defesa da dignidade do homem e fomentar nas
famílias a educação perante os meios de comunicação.
“Aos que se utilizam dos meios de comunicação, pedimos que se formem num
acurado senso crítico, pelo qual saibam acolher, encorajar, sustentar
moralmente e materialmente as pessoas, os editoriais, as transmissões, os
filmes, que defendem os direitos do homem e o educam aos seus deveres; e
saibam, ao mesmo tempo, defender-se diante das agressões ou seduções, em
contraste com a verdade objetiva e com a dignidade humana. Pedimos que
avaliem retamente tudo o que recebem e que se tornem capazes de intervir nos
meios de informação, com oportunas iniciativas individuais ou coletivas.
Leitores, espectadores, ouvintes, com sua escolha terão sempre a palavra
definitiva sobre o futuro dos meios de comunicação, e é esta uma
responsabilidade que eles muitas vezes ignoram.”79
A doutrina social da Igreja ressalta igualmente que os deveres éticos na
comunicação não se limitam aos operadores, mas são também uma obrigação
dos seus utilizadores: “os profissionais dos meios de comunicação social não
são os únicos a ter deveres éticos. Os que deles fruem também têm obrigações.
Os operadores que tentam assumir responsabilidades merecem um público
consciente das próprias. O primeiro dever dos utentes das comunicações sociais
consiste no discernimento e na seleção. Os pais, as famílias e a Igreja têm
responsabilidades precisas e irrenunciáveis.”80
79
PAULO VI, X MDCS, 1976.
80
CDSI, n. 562.
81
Esta comparação da comunicação contemporânea com a Torre de Babel é significativa se pensarmos na
perspetiva da publicidade, que adota uma linguagem universal e incisiva nas suas mensagens.
27
empenho, pessoal e social, de superar o colapso da comunicação abrindo-se ao dom de
línguas”82.
82
CDSI, n. 562.
28
urbanos a população rural, aumentando desta forma a natalidade; ou seja, o número dos
consumidores aumentou enormemente. Assim, a existência simultânea de muitos
produtos e de muitos compradores constituiu um cenário favorável para o advento de
uma nova publicidade, a publicidade massificada.
Foi na Primeira Guerra Mundial que os EUA iniciaram uma forte campanha
política. O próprio presidente norte-americano, Thomas Woodrow Wilson, conhecido
como um idealista, impulsionador do começo da Sociedade nas Nações, condecorado
em 1919 com o Prémio Nobel da Paz, utilizou frequentemente a propaganda de guerra.
Tendo como assessores o jornalista Walter Lippman e o conhecido psicólogo Edward
Bernays, sobrinho do Sigmundo Freud, cujas técnicas de manipulação eram inspiradas
nas teorias do tio.
Edward Bernays chegou a ser considerado um dos homens mais influentes do
mundo. Na sua obra Propaganda, publicada em 1928, pode-se ler logo no primeiro
capítulo, acerca do perigo da manipulação nos regimes democráticos: “A manipulação
consciente e inteligente dos hábitos e opiniões das massas é um elemento importante da
sociedade democrática. Aqueles que manipulam esse mecanismo invisível da sociedade
constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder de controlo do nosso país.
(…) Nós somos governados, as nossas mentes moldadas, os nossos gostos formados, as
nossas ideias sugeridas, largamente por homens de quem nunca ouvimos falar. Esse é o
resultado lógico da maneira a qual a sociedade democrática é organizada. Números
vastos de seres humanos devem cooperar dessa maneira se forem viver juntos em uma
sociedade que funcione suavemente. (…) Eles governam-nos pelas suas qualidades
29
naturais e pela sua capacidade de suprir ideias e por suas posições chaves na estrutura
social.”83
Conhecida como a estética totalitária, este tipo de arte esteve presente em todos
os regimes ditatoriais84 (o comunismo, o nazismo e o fascismo) com características
semelhantes: uma arte baseada sobretudo na massificação cultural, com um controlo do
Estado, em que o líder ditava os contornos estéticos a partir de políticas de produção
cultural ou com o forte instrumento da censura. Esta corrente artística assentava
sobretudo no design, sendo sustentada por propaganda ideológica, culto ao líder e à
nação. Muitas vezes é executada por artistas contemporâneos famosos.
Adolf Hitler também era conhecido por ser um artista frustrado, a sua formação
académica era em Belas-Artes e também como designer, e assim o Füher desde sempre
foi um grande apreciador de arte.
Um dos homens com mais influência no regime nazi foi Joseph Goebbels,
ministro da propaganda – Propagandaminister. Goebbels era conhecido pela sua
enorme manipulação e controlo dos meios de comunicação; um líder carismático com
grandes dotes de retórica, organizava marchas pelas ruas de Berlim de apoio ao regime
que ficariam conhecidas pela sua magnanimidade. Também é a este propagandista que
se atribuí a famosa expressão: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade". Não
será por acaso que o seu nome surgiria como o do sucessor de Hitler, e que após o
83
BERNAYS, Edward, Propaganda, Lisboa, Editora Mareantes, 2006.
84
Em Portugal o salazarismo, apesar de não ser propriamente um regime totalitário, mas sobretudo
autoritário, teve algumas influências da estética totalitária, principalmente na arquitetura, mas distanciou-
se no culto ao líder, ao contrário do que se verificou nos regimes totalitários.
30
suicídio do Füher Joseph Goebbes se torna chanceler do Reich, embora apenas por um
dia – de 30 de Abril a 1 de Maio de 1945.
O realismo socialista era uma espécie de arte oficial, sendo literalmente imposta
pelo Estado; não surgiu naturalmente por uma mera consequência social ou cultural, era
uma arte decretada. A ortodoxia do realismo socialista tem sobretudo inspiração
estalinista, e um dos nomes mais sonantes do controle estético-ideológico foi o braço
direito de Estaline, Andrei Jdanov.
Apesar desta corrente artística ter sido severamente criticada pelas grandes
figuras intelectuais e artísticas do ocidente, como Piet Mondrian, ou até mesmo por
aqueles que tinham simpatias com ideologias de esquerda, como Pablo Picasso, no
entanto o marketing presente no realismo socialista não deixou de impressionar. Um
destes marcos foram os Jogos Olímpicos de Moscovo de 1980: inclusive a simples
mascote, o urso, chamado Misha, tornou-se num símbolo da ilustração.
31
sociedade moderna é cada vez maior. Por toda a parte faz sentir a sua presença, de
maneira que não podemos escapar à sua influência”85
Mais uma vez ficará claro que o Magistério tem uma visão positiva dos meios de
comunicação, considerando-os um investimento educativo e cultural. Contudo é
necessário acompanhar a complexidade destes meios e levar a cao uma constante
avaliação ativa da publicidade. Este trabalho deve-se realizar nos consumidores: “é
certo que pode prestar múltiplos benefícios: informa os compradores sobre géneros e
serviços que se encontram no mercado; promove uma maior distribuição dos produtos,
contribuindo assim para o que não pode deixar de reverter em bem de todo o povo.
Benefícios portanto inteiramente aceitáveis, contanto porém que se respeitem duas
condições: primeiro, que fique sempre salvaguardada a liberdade de escolha - mesmo
quando se apela a necessidades primárias do consumidor para estimular a compra;
segundo, que ao fazer valer o produto se não saia da verdade própria deste tipo de
comunicação.”87 Paulo VI tentará despertar para estas questões, não só os cristãos mas
todos os cidadãos.
85
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et Progressio, 1971,
n. 59.
86
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
87
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et Progressio, 1971,
n. 59.
88
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
32
A publicidade não é um instrumento inocente. As suas capacidades fazem com
que seja uma ferramenta de comunicação muito atreita à manipulação, não só comercial,
como política e ideológica. A relação entre os meios de comunicação social e a
publicidade é de interdependência: a publicidade existe nos meios de comunicação, mas
é a publicidade que sustenta financeiramente os próprios meios de comunicação,
tornando-se assim mais suscetível de perverter o fim da comunicação.
89
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et Progressio, 1971,
n. 62.
90
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
33
falsas acerca do produto a vender, ou se exploram tendências menos nobres do homem,
os seus responsáveis prejudicam a sociedade e perdem o crédito e confiança. Por outro
lado, estimular necessidades falsas, prejudica indivíduos e famílias, os quais, instados
pela oferta de artigos de luxo, podem ficar desprevenidos para as necessidades
fundamentais. Sobretudo deve-se evitar a publicidade que fere o pudor, explora o
instinto sexual para fins comerciais ou influencia o subconsciente, de tal modo a
violentar a liberdade dos compradores. Por conseguinte, os próprios agentes de
publicidade estabeleçam limites à sua ação, de tal modo que a venda de certos produtos
não ofenda a dignidade humana e prejudique a comunidade.”91
Para Paulo VI, era notório que a publicidade é movida por interesses
económicos, o que não é, à partida, uma coisa má, pois estes interesses económicos
podem e devem promover o respeito pela dignidade do homem e pelo bem comum.
Contudo, se perdem este fim, a propaganda será somente uma mera instrumentalização
dos seus consumidores. Não valerá o homem mais do que o capital? “A publicidade é,
ainda, promotora de determinados interesses que, mesmo que legítimos, devem levar
em conta o bem comum, os não menos legítimos interesses dos outros e, especialmente,
as circunstâncias concretas de desenvolvimento integral do destinatário, do próprio
ambiente cultural e económico e do grau de seu desenvolvimento educativo. Como se
vê, a mensagem publicitária é naturalmente orientada para um convencimento eficaz, e
é divulgada com a ajuda de conhecimentos psicológicos e sociais precisos, na busca
constante de modos e formas persuasivas. É aqui que se impõe para ela e, portanto,
para os que dela se servem, a exigência de respeitar a pessoa humana, o seu direito-
dever a uma escolha responsável, a sua liberdade interior, todos bens que seriam
violados se fossem usadas as tendências deterioradas do homem, ou estivesse
comprometida a sua capacidade de refletir e de decidir.”92
A relevância da publicidade na vida do homem é tal que muitas vezes será pela
publicidade que o cidadão escolhe a roupa, a comida, a casa e o carro, a escola dos
filhos. Aparentemente todas estas escolhas são livres, mas são igualmente escolhas com
influências diretas da publicidade. Por isso Paulo VI escreve: “ a vastidão do fenómeno
publicitário, com suas implicações morais e religiosas, envolve, antes de tudo, os meios
de comunicação social, que se tornam muitas vezes, eles próprios, agentes
publicitários, mas, mais geralmente ainda, são veículo de mensagens provenientes de
outros agentes económicos, e se mantêm, parcial ou integralmente, com os proventos
da publicidade. Pode-se dizer, portanto, que toda a atividade comunicativa destes
meios conserva um liame estreito com o moderno fenómeno da publicidade, liame que
permite aos fatores da vida económica ajudar o desenvolvimento socialmente
necessário; mas não deve haver condicionamentos sobre a liberdade dos mesmos meios
e na troca dos valores culturais e religiosos”93
91
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et Progressio, 1971,
n. 60.
92
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
93
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
34
Ainda acerca da relação entre os agentes económicos e a publicidade, o Papa
considera também que se pode e se deve aproveitar esta ligação para o desenvolvimento
social. Por exemplo, o Magistério vê a publicidade como um instrumento contra a
pobreza, pois a publicidade traz consigo comércio livre, conhecimento de novas
tecnologias e um maior acesso a novos produtos. Na Instrução pastoral Communio et
Progressio destaca-se esta importância política, bem assim como as suas consequências:
“em contraposição, o uso prudente da publicidade pode contribuir para o
melhoramento do nível de vida dos povos em via de desenvolvimento. Mas pode
também causar-lhes grave prejuízo, se a publicidade e a pressão comercial se torna de
tal maneira irresponsável, que as comunidades, que se esforçam por sair da pobreza e
elevar o seu nível de vida, vão procurar o progresso na satisfação de necessidades que
foram criadas artificialmente. Deste modo, grande parte dos seus recursos são
desaproveitados, ficando relegado, para último lugar, o autêntico desenvolvimento e a
satisfação das verdadeiras necessidades.”94
Assim sendo, as soluções propostas por Paulo VI para o bom desempenho da
publicidade nos meios de comunicação, decorrem da constante atenção dos operadores e
dos usurários destes meios, centram-se na ação cívica, a partir de uma avaliação atenta,
e da exigência de uma boa programação. Mas o Pontífice também advogará a criação de
um código deontológico, que deveria ser estritamente respeitado pelos agentes
publicitários numa liberdade posta ao serviço do bem comum. Por isso, só
posteriormente ao discernimento dos operadores é que os usuários podem intervir,
depois de confiarem na boa vontade e na boa formação dos comunicadores: “cabe, pois,
às agências de publicidade, aos publicitários, como também aos dirigentes e aos
responsáveis pelos instrumentos que se oferecem como veículos, fazer conhecer, seguir,
aplicar os códigos de deontologia já oportunamente estabelecidos, de modo a que se
obtenha a colaboração do público para seu posterior aperfeiçoamento e a sua
observância prática. Tudo isto envolve, muito frequentemente, delicadas questões
morais, como, por exemplo, o problema da educação da juventude, o respeito pela
mulher, a defesa da família e a guarda dos direitos da pessoa humana, e justifica, por
isso, o interesse da Igreja e, às vezes, suas fundadas preocupações.”95
Fica patente que quando Paulo VI fala em regulação não se está a referir a um
controlo do Estado, mas sim dos órgãos intermédios da comunidade. O Estado deve
assegurar a oportunidade da mediação do público e fomentar a boa formação nos meios
de comunicação. Nem a hierarquia nem especialmente os leigos escapam a este dever
promoverem uma comunicação social de excelência: “como poderia a Igreja calar,
quando são ofendidos certos princípios de ordem ética? E como podemos renunciar a
fazer uma séria admoestação, que sabemos compartilhada por todos os homens de boa
vontade, à difusão de certa publicidade cinematográfica que não honra a nossa
94
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et Progressio, 1971,
n. 62.
95
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Communio et Progressio, 1971,
n. 62.
35
civilização, mas ofende gravemente a dignidade do homem, perturba a paz das
consciências e a concórdia entre os homens?”96
96
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
97
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
98
O conceito de poder suave deve-se a Joseph Nye no livro Soft Power - the Means of Sucess in World
Politics, Nov Iorque, Editora Public Affairs 2004.
36
estabelecer um contínuo e estimulante contato com a sociedade, e levar os
mesmos "recetores" a um nível de correspondência ativa.”99
99
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
100
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
101
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
37
12. O desafio do cidadão ativo
Esta última mensagem é escrita num ambiente político extramente tenso, em que
a Guerra Fria substitui muitas vezes o campo de batalha pelo cenário dos meios de
comunicação social.
O papel dos cidadãos com a globalização é cada vez mais essencial, o exercício
de cidadania nas sociedades democráticas é primordial para a ordem. Com a tecnologia
da comunicação social a sociedade contemporânea está cada vez mais chamada a ser
uma sociedade de cidadania, tal como o cidadão está chamado a ser mais ativo e está
mais capacitado para intervir nas grandes decisões.
38
linguagem dos meios de comunicação social, mesmo que seja difícil, para estar em
condições de poder dialogar eficazmente. Vós deveis saber escolher bem o jornal, o
livro, o filme, o programa de rádio ou de televisão, conscientes que da vossa escolha —
como de uma ficha de vida — vai depender o encorajamento e o apoio, inclusive
económico, como também a recusa por um determinado gênero ou tipo de
comunicação.102
102
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
103
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
104
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
39
Paulo VI em 1978 alerta para o perigo social e cultural que supõe o domínio dos
meios de comunicação sobre os cidadãos, em vez de serem estes a dominarem os meios
de comunicação e insiste na boa formação e na capacidade dos recetores, cidadãos e
utilizadores destes instrumentos, pois só assim ficará garantido um adequado
discernimento entre o bem e o mal, certo e o errado. “Mas, se é verdade que o futuro da
família humana depende, em grande parte, do uso que ela souber fazer dos próprios
meios de comunicação, é preciso reservar para a formação do "recetor" uma
consideração prioritária, quer no âmbito do ministério pastoral quer, em geral, na obra
educativa”105
105
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
106
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
107
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
40
CAPÍTULO II
JOÃO PAULO II – A FAMÍLIA E A COMUNICAÇÃO SOCIAL
1. Em defesa da família
As questões familiares estão no centro das preocupações de João Paulo II.
Enquanto Cardeal, o único livro publicado por Karol Wojtyla incidiu no tema da família
– Amor e Responsabilidade, editado em 1960. Nos primeiros anos de pontificado, entre
1979 e 1984, as suas audiências gerais foram igualmente dedicadas a este tema.108
108
Foram essas audiências que deram origem à disciplina da Teologia do Corpo, que tomou como base
129 dessas intervenções.
109
CDSI, n. 212-213.
110
CDSI, n. 212-213.
111
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 2.
41
costumes da família e sobre a educação dos filhos, mas escondem também «insídias e
perigos consideráveis», e poder-se-ão tornar veículo - às vezes hábil e
sistematicamente manobrado como infelizmente acontece em vários países do mundo -
de ideologias desagregadoras e de visões deformadas da vida, da família, da religião,
da moralidade, não respeitosas da verdadeira dignidade e do destino do homem.”112
112
JOÃO PAULO II, Familiaris consortio, 1981, n. 76.
113
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
114
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 5.
42
Ela não se limita simplesmente a julgar e condenar; pelo contrário, considera que estes
instrumentos são não só produtos do génio humano, mas também grandes dádivas de
Deus e verdadeiros sinais dos tempos.”115
115
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 4.
116
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
117
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
118
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
119
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 4.
43
comentadores e atores, categorias, todas estas, em que é dominadora a presença dos
leigos.”120
Como já foi referido, a Igreja pretende ter um papel relevante no diálogo com os
meios de comunicação social, mas essa ação não pode ser limitada ao clero. Por isso o
Papa, dirigindo-se aos leigos, principalmente aos profissionais da comunicação, afirma:
“a todos estes, homens e mulheres, quero repetir o que disse o ano passado durante
uma das minhas viagens: «As grandes forças que dominam o mundo — política, «mass-
media», ciência, tecnologia, cultura, educação, indústria e trabalho — são
precisamente os sectores nos quais os leigos são especificamente competentes para
exercer a sua missão.»”121
Visto que a ação dos meios de comunicação têm impactos concretos no destino
da humanidade, João Paulo II refere no início do seu Pontificado quatro pontos
fundamentais que tornam possível um bom funcionamento da comunicação social:
120
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
121
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
122
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
123
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
124
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
44
formadas não raro de pais cansados em excesso após um dia de
trabalho, para poderem estar suficientemente vigilantes, e formadas de
filhos cheios de confiança em si, impressionáveis e facilmente
vulneráveis”125
4. Por fim, todo este empenho deve ser realizado com a perceção das suas
potencialidades ou seja “terão também presentes as enormes
ressonâncias que o seu trabalho pode ter quer no bem quer no mal, e
evitarão ser incoerentes consigo mesmos e infiéis à sua particular
vocação.”126
125
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
126
JOÃO PAULO II, XIV MDCS, 1980.
127
VIEIRA E SOUSA, Francisco, “Estado, Liberdade e Educação”, Nova Cidadania, Ano VIII, n. 32,
Lisboa, Abril – Junho 2007, p. 14.
45
especialmente as crianças e os jovens das "agressões" que sofrem por parte dos mass-
media», procurando usá-los em família de modo cuidadosamente regrado. Assim
também deveria preocupar a família encontrar para os seus filhos outros divertimentos
mais sadios, mais úteis e formativos, física, moral e espiritualmente, «para potenciar e
valorizar o tempo livre dos jovens e encaminhar-lhes as energias.»”128
128
JOÃO PAULO II, Familiaris consortio, 1981, n. 76.
129
BORGES DE MACEDO, Jorge, Viver a família hoje: 1994 Ano Internacional da Família – Construir
a mais pequena democracia no coração da sociedade, cadernos 1 Comissão para o Ano Internacional da
Família, Editora Impressão e Acabamento, 1994.
130
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
46
também a religiosa”, considerando mesmo que a televisão reforça “a própria
identidade religiosa e nutram a própria vida moral e espiritual.”131.
131
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
132
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 13.
133
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000 n. 13.
134
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”, A televisão: Um perigo para a democracia, 2º
Edição, Editora Gradiva, Lisboa,1999, p. 38-39.
135
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
47
tempo silenciosa e eficaz, o que torna a televisão um instrumento cobiçado nos meios
políticos, económicos, comerciais e ideológicos. Por exemplo, em Portugal, quando o
Chefe de Estado ou do Governo se dirigem à nação, ajustam os seus discursos ao
chamado “horário nobre” da televisão, não sendo a televisão que se ajusta ao
representante do país
É evidente que o que a televisão transmite não pode ser indiferente aos cidadãos,
por uma questão de liberdade. Todavia há que reconhecer que as consequências
negativas da televisão não se limitam a uma mera programação deficiente: “a televisão
pode ainda ter efeitos negativos sobre a família mesmo quando os programas não são,
de per si, moralmente criticáveis: ela pode induzir os membros da família a se isolarem
no seu mundo privado, tirando-a dos autênticos relacionamentos interpessoais, e
também dividir a família, afastando os pais dos filhos e os filhos dos pais.”136 O
exemplo, que em 1992 uma criança americana viria televisão “em média quatro a cinco
horas por dia durante a semana e sete ou oito horas ao fim de semana (…)
Independentemente da qualidade dos programas propostos, as crianças que veem muita
televisão leem menos, brincam menos e sofrem mais frequentemente de obesidade do
que as outras. Estes são os «efeitos indiretos» deste consumo excessivo do pequeno
ecrã. (…) A televisão é uma ladra do tempo. Quando as crianças veem televisão
durante horas, perdem o benefício de outras atividades que poderiam a longo prazo ser
muito mais importantes para o seu desenvolvimento. Porém, existe um aspeto ainda
mais grave: o próprio conteúdo dos programas e da publicidade influencia
profundamente as atitudes, as crenças e as ações das crianças.”137
Neste sentido João Paulo II consagrou a sua primeira Mensagem do Dia Mundial
da Comunicação Social em 1979 à perspetiva do desenvolvimento da criança.
136
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
137
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 39-40.
48
argumento: «As comunicações sociais pela tutela e o desenvolvimento da infância na
família e na sociedade».”138
O Papa reconhece que a defesa dos direitos das crianças não é unicamente uma
luta dos países subdesenvolvidos, que o ocidente não consegue prevenir a proteção das
crianças perante o extraordinário crescimento tecnológico139: “as crianças são atraídas
pelo «pequeno écran» e pelo «grande écran», seguem cada gesto que neles é
representado e apercebem-se, antes e melhor do que qualquer outra pessoa, das
emoções e dos sentimentos que deles resultam. Como cera mole sobre a qual toda a
pressão, ainda que leve, deixa um traço, assim a alma das crianças está exposta a todo
o estímulo solicitado pela capacidade de imaginação, de fantasia, de afetividade e de
instinto. Por outro lado as impressões desta idade são as que penetram mais
profundamente na psicologia do ser humano e condicionam, muitas vezes de modo
duradoiro, as sucessivas relações consigo mesmo, com os outros e com o ambiente.”140
É evidente que a televisão, para além de ser um instrumento popular na vida familiar,
tem uma influência acrescida nas crianças, que são os mais frágeis e passiveis de
assimilar os efeitos de comportamentos negativos.
Devido a estas consequências, o Papa apela a uma resistência determinada e
urgente à má programação, não só da parte dos operadores e profissionais do mundo da
comunicação, ou dos pais de família, mas de todos os cidadãos, chegando a admitir que
uma posição de neutralidade é uma atitude de incongruência grave: “numa posição de
«neutralidade» e de deixá-la «vir ao de cima» espontaneamente, esconde — sob a
aparência do respeito pela sua personalidade — uma atitude de desinteresse perigoso.
Tal demissão perante a criança não pode aceitar-se”141. Esta falta de discernimento e
de maturidade, própria das crianças, exige uma autoridade adulta, bem formada, que
faça valer o bem das crianças perante a programação da televisão: “a infância,
realmente, tem necessidade de ser ajudada no seu crescimento para a maturidade. Há
grande riqueza de vida no coração da criança; ela não é porém capaz de sozinha
distinguir as chamadas que adverte em si própria. São as pessoas adultas — pais,
educadores e operadores das comunicações — que têm o dever e estão em condições de
lhas fazerem descobrir.”142
Em 1994, quinze anos depois de João Paulo II advertir para esta perigosa relação
das crianças com a televisão, o filósofo Karl Popper publicou um artigo intitulado: Uma
lei para a televisão, no qual comenta o estudo Ladra do tempo, criada infiel de John
Condry.
138
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
139
Ver anexo E, p. 150.
140
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
141
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
142
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
49
crianças adquiriam as aptidões e as atitudes que lhes permitiam em seguida adaptar-se
à sociedade que as rodeava. Uma vez em adultas, essas capacidades e aptidões
desenvolvidas na infância eram postas em prática. Assim, aquilo que se aprendia em
família durante uma geração servia de modelo à geração seguinte. A criança
preparava-se deste modo para o trabalho e para a vida: aprendia a conhecer o mundo
tal como existia para a família e para a comunidade. (…) No decurso destes últimos
anos a situação evoluiu de uma forma ainda mais espetacular. Sabe-se que a criança
americana passa, em média, quarenta horas por semana a ver televisão ou a jogar
jogos de vídeo.”143 As crianças muitas vezes deparam-se com a televisão por uma
questão de organização familiar, tornando-se a própria televisão quase insensivelmente
a única companhia. Contudo, quando as crianças veem televisão, não procuram o
mesmo que os adultos: para os mais velhos, a televisão é um meio de informação e
sobretudo um meio de divertimento; enquanto as crianças “na sua maioria (…) embora
também a achem uma diversão, veem-na para melhor compreender o mundo.”144 Ora, a
questão que se deve colocar é a seguinte: será que a televisão transmite o real?
143
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 35-36.
144
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 36.
145
Idem, pp. 36-37.
146
Idem, p. 41.
50
designadamente nos filmes, costumam ser contrários aos que as famílias querem incutir
nos seus filhos. Assim sendo, João Paulo II defende que é fundamental para os pais
reforçarem os valores nos seus filhos, restringindo a televisão e animando-os a serem
espectadores críticos e não passivos: “as possibilidades e os meios de que vós, adultos,
dispondes para este fim, são enormes: estais em condições de colocar o espírito da
criança na atitude de ouvir ou então de a adormecer e (…) de a intoxicar
irremediavelmente. É preciso, pelo contrário, que a criança aprenda, graças também
ao vosso interesse educativo, não mortificante mas sempre positivo e estimulador, as
amplas possibilidades de realização pessoal, que lhe consentirão inserir-se
criativamente no mundo.147 Quando se fala de uma violência gratuita presente na
televisão, inclusive nos programas infantis, levanta-se uma importante questão acerca da
liberdade, que deve ser introduzida no debate publico: “Os espetáculos violentos não
afetam apenas o seu comportamento, mas também as suas crenças e valores.”148
147
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
148
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 42-43.
149
Idem, p. 62.
150
CDSI, n. 214.
51
como se comprova pela história, nem sempre os valores do Estado são representativos
dos valores das famílias.
151
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
152
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 45.
153
Idem, p. 45.
52
João Paulo II propõe, como medida de formação para o bom espectador, não
somente o discernir e escolher os programas de televisão, mas também a atitude de
desligar o televisor. Muitas vezes esta atitude revela sensatez, pois para além de
significar sobriedade, demonstra que é o próprio homem que tem o controlo sobre a
televisão e não a televisão que controla o homem: “formar os hábitos dos filhos pode,
por vezes, querer simplesmente significar apagar o televisor, porque há coisas
melhores a se fazer, ou porque a consideração para com os outros membros da família
o exige, ou porque a assistência indiscriminada da televisão pode ser prejudicial.”154
Como já foi dito, nas famílias modernas, existe um enorme risco de confiança,
os pais chegam ao ponto de fazer da televisão a babysitting dos filhos. Para além do
perigo que é habituar as crianças à televisão, alterando a realidade e os seus valores, os
pais acabam por remeter muitas das questões essenciais da educação para o televisor,
reduzindo desta forma o seu próprio papel de primeiros educadores a uma intervenção
secundária: “os pais que usam habitualmente e por tempo prolongado a televisão como
uma espécie de babysitting, abdicam do seu papel de primeiros educadores dos
próprios filhos. Esta dependência da televisão pode privar os membros da família da
oportunidade de interagir mutuamente através da conversa, das atividades e da oração
comuns. Os pais sábios são, além disso, conscientes de que também os bons programas
devem ser completados por outras fontes de informação, entretenimento, educação e
cultura.”155
154
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
155
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
156
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
157
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 64.
53
amparar a instituição familiar. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade, as
comunidades mais vastas abster-se-ão de lhe usurpar as suas prerrogativas ou de se
imiscuir na sua vida.”158
Esta postura mediática, que leva a televisão a abordar temas importantes da vida
do homem banalizando o sofrimento, reduzindo a dignidade e explorando sentimentos,
é um dos grandes atentados à família: “a televisão tem, frequentemente, a oportunidade
de tratar de assuntos sérios: a fraqueza humana e o pecado, e as suas consequências
para os indivíduos e a sociedade; as fraquezas das instituições sociais, inclusive os
governos e a religião; as interrogações fundamentais sobre o significado da vida. A
televisão deveria tratar estes temas de forma responsável, sem sensacionalismos, com
uma preocupação sincera pelo bem da sociedade e um respeito escrupuloso pela
verdade. «A verdade vos tornará livre.»”162
158
CIC, n. 2209.
159
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
160
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
161
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
162
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
54
maneira importantes que sejam suficientes para manter a atenção dos espectadores,
levando a que frequentemente as notícias sejam altamente mediatizadas e, depois,
rapidamente esquecidas: “os seres humanos cansam-se com facilidade e são dominados
rapidamente pela indiferença. Para conservar a nossa atenção, a televisão é
constantemente obrigada a transformar-se.”163 Essas transformações sinónimo do
efémero e da falta de profundidade, levam “as crianças a abordar tudo de uma forma
superficial.”164 Este mediatismo frequente nos meios de comunicação tem
consequências culturais, como o mediatismo que se alimenta da novidade, traduzindo-se
numa constante tentativa de criar o novo. Desta forma, insensivelmente o que se
apresenta como novo é considerado, só por isso, como melhor, com tendência a anular e
menosprezar a história e a tradição, fomentando assim a cultura da novidade e não da
qualidade: “a televisão vive no presente não respeita o passado e revela pouco
interesse pelo futuro. Ao encorajar as crianças a viverem isoladas do passado e do
futuro, a televisão tem uma influência desastrosa. Uma das funções principais da
educação, tanto em casa como na escola, é mostrar como o passado e o futuro estão
ligados, como o presente decorre dos acontecimentos passados e como o futuro se
relaciona com ambos.”165
Ao afirmar que não existe distinção objetiva entre o bem e o mal e que esse juízo
depende apenas da pessoa, da sociedade e da cultura, o relativismo moral acaba por
legitimar, sob a capa da liberdade, uma forma de atuação autoritária, em que cada um
julga como quer, impondo a sua vontade. Esta filosofia entra muitas vezes na família
pela porta de televisão.
163
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 46.
164
Idem, p. 47
165
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 47.
166
Idem, p. 58.
167
Idem, p. 59.
168
Assim, quando John Condry analisou a exposição dos valores presentes na publicidade televisiva, a
análise dos valores na publicidade é mais eficaz, pois é “mais difícil localizar os valores no interior de
uma história complexa do que numa mensagem publicitária de 30 segundos”. Cf. Idem, p. 57.
55
A proposta do Magistério é clara: a resolução do problema encontra-se na
própria indústria da comunicação, que deve delinear um código de ética: “no
desempenho das próprias responsabilidades, a indústria da televisão deveria
desenvolver e observar um código de ética que incluísse o empenho de satisfazer as
necessidades das famílias e de promover valores para sustento da vida familiar.”169
Devido ao impacto social das suas consequências, é essencial que nas questões
da família se respeite um código de ética para a televisão: “a família, como célula
fundamental da sociedade, merece, portanto, ser assistida e defendida com medidas
apropriadas por parte do Estado e das outras instituições. Isto ressalta a
responsabilidade que cabe às autoridades públicas quanto à televisão.”172
169
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
170
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
171
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
172
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
56
particular ou universal, dentro dos limites do bem comum.”173 É neste sentido de
liberdade que se inclui a liberdade de expressão nos meios de comunicação.
Para que a liberdade de expressão não fique refém das ideologias, João Paulo II
aponta responsabilidades éticas às autoridades públicas, aos organismos religiosos e
aos profissionais da televisão:
1. “As autoridades públicas são convidadas a fixar e a fazer respeitar modelos
éticos razoáveis para a programação, que promovam os valores humanos e
religiosos sobre os quais se baseia a vida familiar e que façam desprestigiar
tudo o que é prejudicial; as autoridades deveriam, além disso, promover o
diálogo entre a indústria da televisão e o público, fornecendo estruturas e
ocasiões para que isso possa acontecer.”177 O papel das autoridades
públicas é duplo: fixar e fazer respeitar os modelos éticos, promovendo o
diálogo entre operadores e espectadores.
2. “Os organismos religiosos, por sua vez, podem prestar um serviço excelente
às famílias instruindo-as sobre os meios de comunicação social e
oferecendo-lhes opiniões sobre filmes e programas.”178 O papel da Igreja
nos meios de comunicação social incide sobretudo no auxílio às famílias,
disponibilizando uma adequada formação moral.
173
CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes, 1965, n 59.
174
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
175
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
176
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Pornografia e violência nos
meios de comunicação: uma resposta pastoral, 1989, n.21.
177
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
178
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
57
3. “Os profissionais da televisão têm a possibilidade de valer-se do ministério
pastoral da Igreja, que pode ajudá-los a valorizar os princípios éticos e
religiosos, e conferir um significado pleno à vida humana e familiar:
«Programas pastorais que respondam exatamente às condições particulares
de trabalho e aos desafios éticos, com os quais se defrontam os profissionais
da comunicação. Com efeito, estes programas pastorais deveriam comportar
uma formação permanente, que possa ajudar estes homens e estas mulheres
— muitos dos quais desejam sinceramente saber e praticar o que é justo no
campo ético e moral — a estarem cada vez mais impregnados de critérios
morais, tanto no setor profissional como na vida privada» ”179 É percetível
que “a Igreja contribui ainda mais para o diálogo. A sua especial
contribuição nas questões humanas, inclusive no mundo das comunicações
sociais, é «precisamente aquela visão da dignidade da pessoa» ”180
179
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
180
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 5.
181
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 49.
182
ONU, Carta das Nações Unidas, 1945, artigo 16 - 3.
183
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
184
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 1.
185
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 1.
186
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 1.
58
as mensagens que preferem ouvir. Consequentemente, a sabedoria e o discernimento no
uso dos mass-media são exigidos de maneira particular da parte dos profissionais das
comunicações, dos pais e dos educadores, uma vez que as suas decisões influenciam
enormemente as crianças e os jovens, por quem eles são responsáveis e que, em última
análise, são o futuro da sociedade.”187
Também segundo Karl Popper, o principal responsável pela elevação moral nos
meios de comunicação são os seus operadores: “por mim, penso que a televisão, cuja
influência pode ser terrivelmente nociva, poderia ser, pelo contrário, um notável
instrumento de educação. Poderia sê-lo, mas é muito pouco provável que venha a sê-lo,
porque transformá-la numa instância cultural benéfica representa uma tarefa
particularmente árdua. Para dizer as coisas com simplicidade, é difícil encontrar
pessoas capazes de produzir todos os dias, durante vinte horas consecutivas, emissões
com qualidade (…) O nível baixou porque, para manterem a audiência, as cadeias de
televisão sentiram-se obrigadas a produzir cada vez mais programas sensacionalistas.
Ora, o sensacionalista raramente é bom.”188
187
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 1.
188
POPPER, Karl, “Uma lei para a televisão”, A televisão: Um perigo para a democracia, 2º Edição,
Editora Gradiva, Lisboa, 1999, p. 16-17.
189
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 2.
190
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 2.
59
cultural e moral dos trabalhadores dos meios de comunicação, a isso unindo a exigência
dos pais de família, das escolas ou até mesmo do próprio clero.
A dimensão moral da comunicação tem na sua base critérios que deveriam ser
imperativos na ação destes instrumentos. Citando o Decreto Iter Mirifica191 - “é
absolutamente necessário que todos os que se servem deles conheçam e ponham em
prática, neste campo, as normas da ordem moral” - João Paulo II ressalta a dupla
dimensão de conhecimento e prática. É fundamental que a dimensão moral da
comunicação não se confunda com uma mera e boa teoria: a “reflexão conscienciosa
sobre a dimensão ética das comunicações deveria conduzir a iniciativas concretas,
destinadas a eliminar os riscos contra o bem-estar da família, apresentados pelos mass-
media, e assegurando que estes poderosos instrumentos da comunicação permaneçam
como fontes genuínas de enriquecimento. Os próprios comunicadores, as autoridades
públicas e os pais têm uma responsabilidade especial, a este propósito.”192
Esta promoção dos valores da família é também sempre ao mesmo tempo uma
promoção da paz.193
60
Ora “as mulheres são particularmente qualificadas e privilegiadas em ambos estes
campos. Relativamente à vida, embora as mulheres não sejam as únicas responsáveis
pela afirmação do seu valor intrínseco, elas encontram-se numa posição única para
isso, devido à sua íntima relação com o mistério da transmissão da vida. Quanto ao
amor, as mulheres podem levar a todos os aspetos da vida, incluindo os mais altos
níveis de tomada de decisão, aquela qualidade essencial da feminilidade que consiste
em julgar com objetividade e, ao mesmo tempo, compreender profundamente as
exigências das relações interpessoais.”197
197
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
198
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
199
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
200
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
61
sobretudo da Rede Globo201. As investigações de Alberto Chong incidiram sobre dois
temas cruciais da vida familiar: a fertilidade202 - Soap Operas and Fertility: Evidence
from Brazil - e o divórcio203- Television and Divorce: Evidence from Brazilian.
201
Desde meados do século XX, as telenovelas são um dos principais produtos culturais no Brasil, com
uma audiência nacional e internacional, sendo um produto de exportação.
202
Estudo realizado em Junho 2008: “Soap Operas and Fertility: Evidence from Brazil”
http://www.iadb.org/res/files/WP-633updated.pdf. Acedido: 13 Julho 2013.
203
Estudo realizado em Janeiro 2009: “Television and Divorce: Evidence from Brazilian Novelas”,
http://didattica.unibocconi.it/mypage/upload/49273_20090112_032017_CHONGLAFERRARANOV08.
PDF. Acedido: 13 Julho 2013.
204
Também na televisão portuguesa, as telenovelas estão entre os dez programas mais vistos.
205
Foram estudadas 115 telenovelas.
206
Em relação ao divórcio: “estima-se que as taxas aumentaram de 3,3 em cada cem casamentos e em
1984 para 17,7 em 2002, mais do que em qualquer outro país latino-americano (…) Percebemos que,
quando a protagonista de uma novela era divorciada ou não era casada, a taxa de divórcio aumentava,
em média, 0,1 ponto percentual”.
62
com a revolução industrial, quando a ausência do pai se tornou mais comum. Neste
caso, a mudança deve-se a que são as mulheres que mais assistem às telenovelas.
207
Entre 1965-1999 62% das principais personagens femininas das novelas em análise não têm filhos e
26% são infiéis aos respetivos maridos.
208
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
209
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
63
ainda incompleto devido a tantos obstáculos que, em diversas partes do mundo, se
interpõem não deixando que a mulher seja reconhecida, respeitada, valorizada na sua
peculiar dignidade.”210 Este histórico caminho feito pela mulher para conseguir o
reconhecimento da importância do seu papel na comunidade e da sua dignidade tem que
ser respeitado e defendido nos meios de comunicação: na programação, nos filmes, na
publicidade, na internet e nas revistas.
210
JOÃO PAULO II, XXVIII Mensagem do Dia Mundial da Paz, 1995, Mulher: educadora de paz, n. 4.
211
JOÃO PAULO II, XXVII Mensagem do dia Mundial da Paz, 1994, Da família nasce a paz da família
humana, n. 4.
212
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
213
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 1.
64
estar, e a corrida para o consumismo. Neste contexto, muitas vezes, os idosos acabam
por se tornar um estorvo.”214
214
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 1.
215
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 3.
216
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 3.
217
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 4.
65
aliado das suas circunstâncias, não só para denunciar as injustiças que sofrem, como
para serem uma companhia em momentos de maior solidão.
A atenção deve redobrar-se em tempos de crise, pois existe uma tendência para
marginalizar os idosos com políticas sociais mais injustas e de desprezo por uma
eventual inutilidade no mundo laboral. As elites, tanto sociais como políticas, que
tendem a exaltar “unilateralmente a produtividade económica, a eficiência, a beleza e a
força física, o bem-estar pessoal, podem induzir a considerar as pessoas idosas como
incómodas, supérfluas, inúteis e, portanto, marginalizá-las da vida familiar e
social.”219 Pelo contrário, segundo João Paulo II, a mudança poderá operar-se através
dos meios de comunicação social, se estes cumprirem o seu papel e forem meios em
prol do bem da humanidade e não somente defensores de uma parte da humanidade, a
parte jovem: “um exame atento neste setor revela que parte da responsabilidade desta
situação cabe a algumas orientações dos mass-media: se é verdade que os meios de
comunicação social são o reflexo da sociedade onde atuam, não é menos verdade que
eles contribuem também para modelá-la, e que não podem, portanto, eximir-se das
próprias responsabilidades neste campo.”220
218
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 4.
219
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 4.
220
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 4.
221
CIC, n. 2208.
66
A ONU declarou 1984 Ano Internacional da Juventude. Nessa ocasião, João
Paulo II referiu-se à comunicação social como um importante meio para desenvolver
uma geração jovem mais íntegra, “para que os mass-media, com a colaboração de
todos os homens de boa vontade, possam verdadeiramente contribuir “para a
aplicação da justiça, da paz, da liberdade e do progresso humano.”222
“Deve reservar-se uma palavra para esta categoria tão importante na vida
moderna. É mais que sabido que os instrumentos de comunicação social «influem, e
muitas vezes profundamente, quer sob o aspeto afetivo e intelectual, quer sob o aspeto
moral e religioso, no ânimo de quantos os usam», especialmente se jovens.” 226
222
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 1.
223
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 2.
224
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 2.
225
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 2.
226
JOÃO PAULO II, Familiaris Consortio, 1981, n. 76.
67
A nova geração é cada vez mais dependente das tecnologias de comunicação: já
não é possível imaginar uma sociedade sem telemóveis, sem internet ou sem televisão,
principalmente se não se conheceu outra realidade. Assim, segundo João Paulo II, é esta
nova geração que poderá conseguir um maior aproveitamento das tecnologias de
comunicação.
Mas os jovens, por serem os utentes mais presentes na comunicação social, são
também os mais sujeitos às suas influências: “são os primeiros e mais imediatos
recetores dos mass-media, e são também os mais expostos à multiplicidade de
informações e de imagens que, por meio deles, chegam diretamente em casa. Por outro
lado não é possível ignorar o perigo de certas mensagens, transmitidas até nas horas
de maior audiência do público juvenil, contrabandeadas por uma publicidade sempre
mais aberta e agressiva ou propostas por espetáculos, onde parece que a vida do
homem esteja regrada apenas pelas leis do sexo e da violência.”229 Sobretudo porque a
nova geração de jovens não utiliza os meios de comunicação social como uma
necessidade pontual ou como uma simples ocupação de tempo: estes instrumentos
tornam-se companheiros íntimos.
227
JOÃO PAULO II, Mensagem para as II Jornadas Mundiais da Juventude, 1987, Buenos Aires.
228
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 3.
229
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 4.
68
recreativas, mas também de um condicionamento da mesma psicologia, da cultura, dos
comportamentos da juventude.”230
230
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 4.
231
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 4.
232
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 5.
233
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 5.
69
na sociedade como cidadãos responsáveis, homens formados, conscientes da própria
dignidade.”234
8. O desafio da liberdade
A liberdade de informação tem de ser complementada pela justiça e pela
caridade. Para servir o bem comum, para servir a verdade, a informação não pode ser
indiferente aos problemas morais da sociedade. Muitas vezes existe nos meios de
comunicação uma indiferença, disfarçada de imparcialidade ou de neutralidade, mas
João Paulo II insiste: “conforme o direito à informação que todo homem tem, a
comunicação deve sempre se adequar, no seu conteúdo, à verdade e, com relação à
justiça e à caridade, deve ser íntegra. Isto vale, com maior razão, quando os
interessados são os jovens, aqueles que estão se abrindo às experiências da vida. Neste
caso, sobretudo, a informação não pode ficar indiferente aos valores que atingem, em
profundidade, a existência humana, como o primado da vida desde o momento de sua
conceção, a dimensão moral e espiritual, a paz, a justiça. A informação não pode ser
neutra diante de problemas e situações que, em nível nacional e internacional,
revolucionam o tecido que une a sociedade, como a guerra, a violação dos direitos
humanos, a pobreza, a violência, a droga.”235 Certamente, a informação deve ser neutra
no que se refere à política, à economia e às opções partidárias, mas não pode ser neutra
quanto à defesa da verdade, dos direitos do homem e da sua dignidade.
234
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 5.
235
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 2.
236
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 3.
70
regimes totalitários ou a imposições de poderosos grupos de pressão culturais,
económicos, políticos.”237
João Paulo II confiou aos jovens e ao bom uso da sua liberdade o caminho para a
justiça através dos meios de comunicação, da globalização positiva, onde deixará de
haver gregos e troianos, e seremos todos cidadãos do mundo: “dependerá de vós,
jovens, a quem compete construir a sociedade de amanhã, na qual a intensificação das
informações e das comunicações multiplicará as formas de vida associativa, e o
desenvolvimento tecnológico derrubará as barreiras entre os homens e as nações;
dependerá de vós construir uma nova sociedade que seja uma única família humana,
onde homens e povos possam viver em mais estreita colaboração e mútua integração,
237
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 3.
238
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 3.
239
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 7.
240
Quando Alfred Nobel descobriu a dinamite tinha a intenção de tornar a nitroglicerina um produto mais
adaptável para contribuir e cooperar nas grandes construções civis, nos túneis, pontes e estradas… Mas
rapidamente foi aproveitado pelos homens para desenvolver armamento mais mortífero. Este paradoxo da
dinamite também se manifesta nos meios de comunicação social: tendo o intuito de contribuir para o
desenvolvimento e crescimento económico, para uma maior solidariedade, as tecnologias de comunicação
acabam por servir igualmente estratégias militares.
241
RODRIGUES, Adriano Duarte, Estratégias de Comunicação, Oeiras, Editorial Presença, 2000.p. 173.
71
ou se, pelo contrário, uma sociedade futura onde se exacerbam os conflitos e as
divisões que dilaceram o mundo contemporâneo.”242
242
JOÃO PAULO II, XIX MDCS, 1985, n. 7.
72
CAPÍTULO III
JOÃO PAULO II - A COMUNICAÇÃO SOCIAL AO SERVIÇO DO
HOMEM E A RESPONSABILIDADE PELA PAZ
A vida do jovem padre polaco foi marcada pelos grandes conflitos bélicos na
Europa e pelos regimes autoritários que lhes sucederam. Essas experiências pessoais
marcaram o seu amor à liberdade e à paz: “João Paulo II ouviu dos seus pais os relatos
duma pátria ocupada e repartida. Viveu e acompanhou de perto os horrores do
nazismo. Conheceu e lidou com a opressão do regime comunista. Por isso, poucos
como este Papa «que veio de longe» terão mais legitimidade e estarão em melhores
condições para falar acerca da liberdade.”244
Em 1983, ainda em plena Guerra Fria, João Paulo II dedicou a sua Mensagem do
Dia Mundial da Comunicação Social à defesa de uma paz perene. Um olhar
retrospetivo sobre esses textos, permite confirmar a justeza de algumas das suas
premissas e uma certa contemporaneidade dos desafios propostos. Talvez seja esse um
dos grandes valores destes textos do Magistério: apesar de estarem já distantes no
tempo, muitas vezes conservam a atualidade do seu conteúdo.
243
WOJTYLA, Karol, A fé da Igreja. Intervenções do Cardeal Karol Wojtyla, Edições CAS, Braga, 1980,
p. 32-33.
244
HOMEM, António Pais Agostinho, “João Paulo II, a Liberdade e a Verdade”, in João Paulo II e o
Direito. Estudos por ocasião do 25º Aniversário do seu Pontificado, Cascais, Principia, 2003, p. 25.
73
Os instrumentos de comunicação social não podem ser avaliados somente como
uma questão técnica. Os seus atos têm sempre consequências que afetam o homem:
“num mundo que, graças ao espetacular progresso e à rápida expansão dos mass-
media, se tornou sempre mais interdependente, a comunicação e a informação
representam hoje um poder que pode servir eficazmente à grande e nobre causa da paz,
mas pode também agravar as tensões e favorecer novas formas de injustiça e de
violação dos direitos humanos.”245 Este é outro dos desafios propostos pelo Magistério
aos meios de comunicação: serem um verdadeiro instrumento da paz.
2. A regulação institucional
João Paulo II interpela a sociedade, mas sobretudo a comunidade política: “de
que maneira a comunicação social poderá promover a paz?”246 O Papa reconhece que
se trata de instrumentos notáveis, mas que requerem uma autêntica avaliação, sugerindo
assim a fundação, ao nível institucional, de um mecanismo de regulamentação dos
meios de comunicação, que garanta um verdadeiro serviço à informação: “mediante a
realização, no plano institucional, de uma ordem da comunicação que garanta um uso
reto, justo e construtivo da informação, removendo violências, abusos e discriminações
com base no poder político, económico e ideológico. Não se trata aqui, em primeiro
lugar, de pensar em novas aplicações tecnológicas, como também de repensar os
princípios fundamentais e as finalidades que devem orientar a comunicação social”247.
No contexto da globalização a paz parece ser um objetivo mais acessível, permitindo
uma maior coesão e harmonia na família humana. Ou seja, o “mundo que se tornou
como que uma só família e onde o legítimo pluralismo deve ser assegurado numa base
comum de consenso ao redor dos valores essenciais da convivência humana.”248 Mais
tarde, em 2000, num discurso dirigido aos operários, João Paulo II exorta à necessidade
da “globalizar a solidariedade”249, desafio este que deve encontrar nos meios de
comunicação um aliado.
74
justos, bem definidos e a que se reconheça autoridade. Portanto, o Papa defende que
“uma reta organização da comunicação e uma equânime participação nos seus
benefícios, no pleno respeito aos direitos de todos, criam um ambiente e condições
favoráveis para um diálogo mutuamente enriquecedor entre os cidadãos, os povos e as
diversas culturas, enquanto as injustiças e as desordens neste setor favorecem situações
de conflito.”252 É necessário que os instrumentos que pretendem construir a paz sejam
justos, pois só haverá paz com justiça; o contrário seria aquilo que se intitula de paz
podre, que pode garantir uma circunstância ou uma época com ausência de conflitos,
mas em que se vive na hostilidade e na ameaça de uma guerra eminente. Esta
vinculação da justiça à ideia de paz, e a sua defesa a partir dos meios de comunicação,
contrasta com algumas teorias defendidas por ideologias vigentes, como por exemplo
que uma maior capacidade bélica militar e de coação é a forma mais eficaz de garantir a
paz, pelo medo e pela agressividade.
252
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 2.
253
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 3.
254
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 2.
255
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 3.
75
apresentada, como é escrita, como é destacada - transmita valores: um título, uma
imagem, tudo isto fala por si. A forma e o modo como a comunicação social expõe os
problemas sociais, as questões internacionais, ou as políticas nacionais, tem uma
enorme influência na opinião pública. Neste sentido, João Paulo II exorta a
comunicação social a formar mentalidades orientadas para a paz: “portanto as formas e
os modos com os quais são apresentadas situações e problemas como o
desenvolvimento, os direitos humanos, as relações entre os povos, os conflitos
ideológicos, sociais e políticos, as reivindicações nacionais, a corrida armamentista,
para citar apenas alguns exemplos, influem diretamente ou indiretamente na formação
da opinião pública e na criação de mentalidades orientadas no sentido da paz ou
abertas, pelo contrário, a soluções de força.”256
Mas para que este diálogo não seja uma utopia é indispensável o compromisso
da comunicação social. Ou seja, “a comunicação social, se quiser ser instrumento de
paz, deverá superar as considerações unilaterais e parciais, removendo pré-
julgamentos, criando, ao invés, um espírito de compreensão e de solidariedade
recíproca.”258 Contudo, o desejo de diálogo é visto a partir de uma lógica de direitos e
de deveres, à qual João Paulo II chamará a lógica da convivência pacífica: “a aceitação
leal da lógica da convivência pacífica na diversidade exige a constante aplicação do
método do diálogo, o qual, enquanto reconhece o direito à existência e à expressão de
todas as partes, afirma o dever que estas têm de se integrar com todas as outras, para
conseguir o bem superior, que é a paz, ao qual hoje se contrapõe, como dramática
alternativa, a ameaça da destruição atômica da civilização humana.”259 A liberdade de
expressão é um imperativo tanto para os meios de comunicação como para a
256
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 3.
257
JOÃO PAULO II, XVI Mensagem do Dia das Mundial da Paz, 1983, O diálogo para a paz, um
desafio para o nosso tempo, n. 5.
258
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 3.
259
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 3.
76
manutenção da paz. Não é por acaso que os países que vivem em ditadura têm por
prática abolir a liberdade de expressão.
260
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 3.
261
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, n. 4.
77
contratuais nas relações dos órgãos de informação e das
responsabilidades legais, têm também deveres estritos para com a
verdade, para com o público e para com o bem comum da sociedade.
262
JOÃO PAULO II, XVII MDCS, 1983, 4.
263
Ver anexo H, p. 161.
264
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1991.
265
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1991.
78
da responsabilidade ética dos que estão envolvidos no processo de comunicação, e dos
que são destinatários da mensagem dos meios de comunicação.”266 Por isso, é
necessária uma orientação rigorosa, na qual se deve insistir a partir do momento em que
o homem tenha capacidade cognitiva, de tal modo que seja educado a saber manusear
bem estes meios, tirando-lhes o melhor partido. Por exemplo: “em vez de agir como se a
televisão não existisse, a escola deverá propor às crianças que discutam os programas
e as ideias, bons ou maus, que lhes são apresentados. Deverá preparar programas
pedagógicos que visem fazer das crianças telespectadores dotados de espírito crítico, e
isto desde a mais tenra idade.”267 Essa formação só será íntegra se for complementada
por uma formação no discernimento entre o bem e o mal, que não se restringe ao bom
uso dos meios de comunicação, mas que tem que ser integral. Só assim haverá cidadãos
preparados para aproveitar as tecnologias contemporâneas que estão ao alcance de
todos.
79
convém, meus irmãos, que seja assim”. As Sagradas Escrituras nos recordam que as
palavras têm um extraordinário poder para unir as pessoas ou dividi-las, para criar
vínculos de amizade ou provocar hostilidade.”271 Mais uma vez se insiste na ideia da
comunicação e da palavra como instrumentos, como meios “maravilhosos”, recordando
o adjetivo do Concílio Vaticano II: “esta não é uma verdade que diz respeito somente
às palavras trocadas entre as pessoas. Aplica-se a toda comunicação, em qualquer
lugar em qualquer nível. As modernas tecnologias oferecem-nos possibilidades nunca
vistas antes para fazer o bem, para difundir a verdade (…) e para promover a
harmonia e a reconciliação. Por isso mesmo o seu mal uso pode provocar danos
enormes, provocando incompreensão, preconceitos e até conflitos. O tema escolhido
(…) assinala uma necessidade urgente: promover a unidade da Família humana
através da utilização destes maravilhosos recursos.”272
A comunicação social têm capacidade para promover uma educação com sentido
de compreensão, sobretudo quando proporciona um contacto com as outras culturas,
outras tradições, aproximando as comunidades e pondo-as em convivência, com
diferentes conhecimentos, com diferentes costumes, ajudando não só a apreciar a
cultura como a compreender e a dar valor ao outro: “um modo importante para se
alcançar esta meta é a educação. Os meios podem mostrar a milhões de pessoas como
são outras partes do mundo e outras culturas.”273 O Papa retoma a analogia dos meios
de comunicação como um areópago moderno, de encontro, e de compreensão: “por isso
são chamados acertadamente «o primeiro areópago do tempo moderno» para muitos
são o principal instrumento informativo e formativo, de orientação e inspiração para os
comportamentos individuais, familiares e sociais. Um conhecimento adequado promove
a compreensão, dissipa os preconceitos e desperta o desejo de aprender mais. As
imagens, em particular, têm a capacidade de transmitir impressões duradouras e
modelar atitudes. Ensinam as pessoas a olharem os membros de outros grupos e
nações, exercendo uma influência sutil sobre o modo pelo qual devem ser
considerados; como amigos ou inimigos, aliados ou potenciais adversários.”274 De
certa forma, quando o distante se torna próximo, existe uma humanização do outro, ou
seja, o outro não é para mim um cidadão longínquo, de um outro hemisfério, com outra
língua, com outra cor de pele, mas torna-se um homem real, com a mesma dignidade, e
muitas vezes com os mesmos sentimentos e as mesmas ambições. Esta nova perspetiva
origina uma nova forma de fazer política, mas também de interpretar a democracia.
7. O desafio da democracia
Na Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e
comportamento dos católicos na vida política, escrita em 2002 pela Congregação para
a Doutrina da Fé, insiste-se na grandeza, e na responsabilidade que o sistema
271
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 1.
272
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 1.
273
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 2.
274
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 2.
80
democrático confere a cada cidadão: “as sociedades democráticas atuais, onde
louvavelmente todos participam na gestão da coisa pública num clima de verdadeira
liberdade, exigem novas e mais amplas formas de participação na vida pública da parte
dos cidadãos, cristãos e não cristãos. Todos podem, de facto, contribuir através do voto
na eleição dos legisladores e dos governantes e, também de outras formas na definição
das orientações políticas e das opções legislativas que, no seu entender, melhor
promovam o bem comum. Num sistema político democrático, a vida não poderia
processar-se de maneira profícua sem o envolvimento ativo, responsável e generoso de
todos, «mesmo na diversidade e complementaridade de formas, níveis, funções e
responsabilidades.»”275
A Igreja, que não se impõe na esfera política ou, citando Santo Agostinho, na
cidade dos homens, todavia não deixa de acompanhar a evolução política dos tempos.
Na sua visão de democracia, “a Igreja tem-se confrontado com diversas conceções de
autoridade, tendo sempre o cuidado de defender e propor um modelo fundado na
natureza social das pessoas”276; é neste sentido que considera a autoridade política
imprescindível e insubstituível para a democracia e para a liberdade. Mas esta
autoridade política “deve garantir a vida ordenada e reta da comunidade, sem tomar o
lugar da livre atividade dos indivíduos e dos grupos, mas disciplinando-a e orientando-
a, no respeito e na tutela da independência dos sujeitos individuais e sociais, para a
realização do bem comum”277. E o sujeito da autoridade política da democracia, o povo
é “considerado na sua totalidade como detentor da soberania.”278
Na sua encíclica Centesimus Annus, João Paulo II indica de que modo a Igreja
defende o sistema democrático: “enquanto assegura a participação dos cidadãos nas
opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar
os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne
oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de
dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou
dos objetivos ideológicos.”279 A Igreja confia na democracia, mas exige coerência e
respeito pela lei natural. Por isso, quando fala em sistema democrático, o Magistério
distingue: “hoje tende-se a afirmar que o agnosticismo e o relativismo cético
constituem a filosofia e o comportamento fundamental mais idóneos às formas políticas
democráticas, e que todos quantos estão convencidos de conhecer a verdade e
firmemente aderem a ela não são dignos de confiança do ponto de vista democrático,
porque não aceitam que a verdade seja determinada pela maioria ou seja variável
segundo os diversos equilíbrios políticos. A este propósito, é necessário notar que, se
não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as ideias e
as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma
275
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à
participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002, n. 1, 24.
276
CDSI, n. 393.
277
CDSI, n. 394.
278
CDSI, n. 395.
279
JOÃO PAULO II, Centesimus annus, 1991, n.46.
81
democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou
dissimulado, como a história demonstra.”280
82
facilmente a adesão do público, renunciamos a propostas mais exigentes. Contentamo-
nos em acrescentar pimenta aos programas. E um diretor de cadeia acredita ter
resolvido o problema desta forma. Foi o que aconteceu ao longo dos anos desde que a
televisão surgiu: acrescenta-se sempre mais pimenta aos pratos de má qualidade para
disfarçar o seu gosto detestável ou insípido.”286
286
Idem, p. 20-21.
287
Idem, p. 25-26.
288
Idem, p. 29-30.
289
Idem, p. 30-31.
290
A encíclica de Pio XI Divini Illius Magistri de1929, contém já recomendações em relação aos meios
de comunicação: “Na verdade nos nossos tempos torna-se necessária uma vigilância tanto mais extensa
e cuidadosa, quanto mais têm aumentado as ocasiões de naufrágio moral e religioso para a juventude
inexperiente, especialmente (…) nos espetáculos do cinematógrafo, e agora também nas audições
83
do cinema sonoro), ou seja, 64 anos antes de Popper exprimir as suas preocupações em
relação à televisão. Neste sentido, a Igreja Católica antecipou-se significativamente à
grande maioria de outras vozes que refletiram sobre a dimensão ética do progresso e
sobre as suas manifestações na democracia.
Nesse mesmo ano propõe a criação de uma entidade ou de uma organização que
regule a indústria do cinema pelos princípios da dignidade do homem e do bem comum.
De facto, na época houve preocupações taxativas por parte dos diretores e operadores:
“os próprios diretores desta indústria, nos Estados Unidos, reconheceram-no quando a
esse respeito confessaram sua responsabilidade perante os indivíduos e a sociedade.
Em março de 1930, por um ato livre, feito de comum acordo ratificado por suas
assinaturas e promulgado pela imprensa, tomaram o compromisso solene de proteger
no futuro a moralidade dos frequentadores do cinema.”292 Apesar de este compromisso
não ter sido sempre respeitado293, a Igreja empenhou o melhor do seu esforço para que
se mantivesse um elevado nível cultural e artístico no cinema, e fê-lo também em
relação a todos os meios de comunicação. Nesse sentido, Pio XI deixou bem claro aos
homens que tentaram que uma certa consciência ética estivesse presente no cinema que
esses princípios não pretendiam, “prejudicar a indústria do cinema; pelo contrário, vós
a preservastes antes contra as ruínas, às quais são expostas as formas recreativas que
degeneram em corrupção da arte.”294
radiofónicas, que multiplicam e facilitam toda a espécie de leituras, como o cinematógrafo toda a sorte
de espetáculos.”
291
PIO XI, Vigilanti Cura, 1936, n. 18.
292
PIO XI, Vigilanti Cura, 1936, n. 7.
293
Cf. PIO XI, Vigilanti Cura, 1936, n.8: “No entanto, apesar desta prudente determinação tomada
espontaneamente, os responsáveis e os fabricantes de filmes não puderam ou formalmente não quiseram
submeter-se aos princípios a cuja observância se tinham obrigado” .
294
PIO XI, Vigilanti Cura, n. 9, 1936.
84
Nas democracias ocidentais, já não se observam as matrizes dos grandes
conflitos, mas é indispensável que se aperfeiçoem na sua busca incessante da liberdade:
“constata-se hoje um certo relativismo cultural, que apresenta sinais evidentes da sua
presença, quando teoriza e defende um pluralismo ético que sanciona a decadência e a
dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural. Em conformidade com essa
tendência, não é raro, infelizmente, encontrar, em declarações públicas, afirmações que
defendem que esse pluralismo ético é condição para a democracia.”295 É a favor desta
democracia, livre de todo o tipo de autoritarismo, incluído o autoritarismo relativista,
que vão as palavras de João Paulo II: nela os meios de comunicação estarão ao serviço
da defesa da verdadeira liberdade, liberdade a que o Pontífice aludiu claramente na sua
homilia em 1998 na Cuba de Fidel Castro: “a Igreja defende a liberdade de cada
pessoa, das famílias, das diversas organizações sociais, realidades vivas, que têm
direito a um âmbito próprio de autonomia e soberania.”296
295
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à
participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002, n. 2.
296
JOÃO PAULO II, Homilia do Santo Padre na cerimónia da coroação da imagem da Virgem da
Caridade do Cobre, 24 Janeiro 1998, Santiago de Cuba, n. 4.
297
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 6.
298
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 6.
299
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 6.
85
Sobretudo é necessário fomentar na comunicação social um ambiente de elevado
nível humano, estimulando as virtudes, nomeadamente a solidariedade: “a solidariedade
que favorece o desenvolvimento integral é aquela que protege e defende a legítima
liberdade de cada pessoa e a justa segurança de cada nação. Sem esta liberdade e
segurança faltam as verdadeiras condições para o desenvolvimento. Não só os
indivíduos, mas também as nações hão-de ter possibilidades de tomar parte nas
escolhas que lhes dizem respeito. A liberdade de que devem usufruir as nações, para
poderem assegurar o próprio crescimento e desenvolvimento como parceiros em pé de
igualdade na família das nações, depende do respeito mútuo entre elas. Procurar a
superioridade econômica, militar ou política à custa dos direitos de outras nações, é
algo que faz periclitar qualquer perspetiva de verdadeiro desenvolvimento e de
verdadeira paz.”300
300
JOÃO PAULO II, XVI MDCS, 1982, n. 6.
301
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 2.
86
difíceis, em que parecem estar embaraçados, e descobrir, na fidelidade ao seu caráter
próprio, os meios do progresso social e humana.”302
302
PAULO IV, Populorum progressio, 1967, n.64.
303
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 3.
304
CONCÍLIO VATICANO II, Inter Mirifica, 1966, n. 4.
305
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000 n. 21.
306
Cf. Fides et Ratio, n. 46: “No âmbito da investigação científica, foi-se impondo uma mentalidade
positivista, que não apenas se afastou de toda a referência à visão cristã do mundo, mas sobretudo
87
respeitar as suas exigências éticas, disponibilidade que se demonstra e se funda numa
coerência associada à vida privada: “assim sendo, são os comunicadores que devem em
primeiro lugar colocar em prática nas suas vidas os valores e atitudes que são
chamados a cultivar nos demais. Antes de tudo deve se incluir um autêntico
compromisso com o bem comum, um bem que não se reduza aos estreitos interesses de
um grupo particular ou nação, se não que acolha as necessidades e interesses de todos,
o bem da família humana. Os comunicadores têm a oportunidade de promover uma
autêntica cultura da vida, distanciando-se da atual conjuntura contra a vida
transmitindo a verdade sobre o valor e a dignidade de toda pessoa humana.”307
É neste sentido que a doutrina social orienta o homem a dar-se conta que “a
caridade social e política não se esgota nas relações entre as pessoas, mas se desdobra
na rede em que tais relações se inserem, que é precisamente a comunidade social e
política, e sobre esta intervém, mirando ao bem possível para a comunidade no seu
conjunto. Sob tantos aspetos, o próximo a ser amado se apresenta «em sociedade», de
sorte que amá-lo realmente, prover às suas necessidades ou à sua indigência pode
significar algo de diferente do bem que se lhes pode querer no plano puramente inter-
individual: amá-lo no plano social significa, de acordo com as situações, valer-se das
mediações sociais para melhorar sua vida ou remover os fatores sociais que causam a
sua indigência. Sem dúvida alguma, é um ato de caridade a obra de misericórdia com
que se responde aqui e agora a uma necessidade real e impelente do próximo, mas é um
ato de caridade igualmente indispensável o empenho com miras a organizar e
estruturar a sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria,
sobretudo quando esta se torna a situação em que se debate um incomensurável
número de pessoas e mesmo povos inteiros, situação esta que assume hoje as
proporções de uma verdadeira e própria questão social mundial.”308
deixou cair qualquer alusão à visão metafísica e moral. Por causa disso, certos cientistas, privados de
qualquer referimento ético, correm o risco de não manterem, ao centro do seu interesse, a pessoa e a
globalidade da sua vida. Mais, alguns deles, cientes das potencialidades contidas no progresso
tecnológico, parecem ceder à lógica do mercado e ainda à tentação dum poder demiúrgico sobre a
natureza e o próprio ser humano.”
307
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 4.
308
CDSI, n. 208
309
JOÃO PAULO II, XXXIX MDCS, 2005, n. 5.
88
CAPÍTULO IV
BENTO XVI – O DESENVOLVIMENTO DOS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO, A EDUCAÇÃO E O PROGRESSO
310
CONCÍLIO VATICANO II, Inter Mirifica, 1966, n.1.
311
BENTO XVI, XL MDCS, 2006.
89
comunicação social312, mas teve a capacidade de reunir milhares de pessoas, e os
encontros com o Papa eram habitualmente multitudinários.
Esta foi a herança que recebeu Bento XVI quando deu início ao seu pontificado.
Com 78 anos, tinha desempenhado funções eclesiásticas mais doutrinais do que
pastorais. Um académico, de reconhecimento intelectual e teológico, foi assistente do
Concílio Vaticano II na condição de peritus, professor universitário e trabalhou na Cúria
desde 1981 como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, até ser eleito Papa.
A sua relação com os meios de comunicação não era tão ativa como a do seu
predecessor, devido à sua idade avançada e a um estilo de vida mais reservado e
académico. Demonstrava ser um Papa discreto nas suas aparições e introvertido nos
seus discursos.
Era notório o preconceito dos jornalistas – muitos dos seus discursos, das suas
homílias e do seu comportamento em geral foram apresentados de modo distorcido, o
que fomentava incompreensão e alguma intolerância da opinião pública. Essa atitude da
comunicação social ficou conhecida como o Attacco a Ratzinger, e em 2010 dois
vaticanistas, Andrea Tornielli e Paolo Rodari, publicam uma investigação sobre este
mau tratamento mediático a Bento XVI publicando o que chamaram o Attacco a
Ratzinger. Apesar disto, o Papa demostrou ao longo do seu pontificado confiar e
depositar esperanças nos meios de comunicação. Considerava também a necessidade
urgente de criar uma boa comunicação e insistiu na comunicação social fundada na
verdade.
312
Alguns dos episódios mais conhecidos, passaram-se com a cantora Irlandesa Sinéad O'Connor, que
protagonizou a famosa cena em que durante um concerto, no programa com mais audiência dos EUA,
Saturday Night Live, rasgou a fotografia do Papa João Paulo II. Também em Portugal, o Cartoonista
António Antunes a 5 de Dezembro de 1992 na Revista do semanário Expresso, desenhou o Papa João
Paulo II com um preservativo no nariz; o polémico cartoon gerou descontentamento entre os católicos,
retornando-se à discussão sobre as questões de liberdade de expressão. Inclusive apresentaram um
abaixo-assinado de 20 mil assinaturas (até à altura o maior abaixo assinado feito na democracia
portuguesas), e o movimento solicitou à Assembleia da República o debate, e apresentou queixa à Alta
Autoridade para a Comunicação Social.
90
O lema episcopal do Cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde também lema
pontifício, retrata e resume o objetivo do seu Magistério de proclamar a verdade -
Cooperatores Veritatis. O Papa explica a sua divisa da seguinte forma: “parecia-me,
por um lado, encontrar nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha
nova missão; o que estava em jogo, e continua a estar – embora com modalidades
diferentes –, é seguir a verdade, estar ao seu serviço. E, por outro, escolhi este lema
porque, no mundo atual, omite-se quase totalmente o tema da verdade, parecendo algo
demasiado grande para o homem; e, todavia, tudo se desmorona se falta a verdade.”313
Bento XVI irá promover esta referência à verdade nas suas oito Mensagens do
Dia Mundial da Comunicação Social, a partir do desmantelamento do relativismo
moral, da defesa da dignidade do homem e do próprio progresso tecnológico.
Bento XVI insiste que o progresso chega ao ponto de nos permitir superar o
próprio tempo e o espaço, uma realidade que, apesar de parecer normal ou habitual à
nossa geração, tem aspetos que seriam impensáveis em outras épocas. Nem a própria
literatura de ficção-científica de Júlio Verne podia prever que a volta ao mundo se faria
em menos de 80 dias; com as tecnologias da comunicação social seria em pouco menos
que alguns segundos: “em certos aspetos, os progressos tecnológicos dos meios de
comunicação venceram o tempo e o espaço, permitindo a comunicação imediata e
direta também entre pessoas divididas por enormes distâncias. Este desenvolvimento
exige uma grande oportunidade para servir o bem comum e «constitui um património
que deve ser salvaguardado e promovido.»”315
91
comunicação nem sempre consegue criar um espírito de colaboração e de comunhão
no âmbito da sociedade.”316
A luta pela verdade na nossa sociedade - verdade que passa pela defesa da
dignidade do homem, da vida, da família e da liberdade com responsabilidade – é parte
importante da luta do século XXI: “hoje o apelo que se faz à comunicação é que seja
responsável, para se tornar protagonista da verdade e promotora da paz que dela
deriva, mesmo se isto comporta grandes desafios.”319 Em 2000, com a publicação da
Ética nas Comunicações Sociais, a Igreja insiste na necessidade de avaliar os meios de
comunicação indo para além da sua condição de instrumentos: “dizemos novamente: os
mass-media nada fazem por si mesmos; eles são instrumentos, ferramentas que as
pessoas utilizam como preferem. Ao refletirmos sobre os meios de comunicação social,
devemos enfrentar honestamente a «mais essencial» das questões levantadas pelo
progresso tecnológico: se, como resultado disto, o ser humano «se torna
verdadeiramente melhor, isto é, mais amadurecido do ponto de vista espiritual, mais
consciente da dignidade da sua humanidade, mais responsável, mais aberto para com o
outros, em particular para com os mais necessitados e os mais fracos, e mais disponível
para proporcionar e prestar ajuda a todos.»”320
316
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 2.
317
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 2.
318
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 2.
319
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 3.
320
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 4.
92
2. Uma mesa redonda
A Igreja foi pioneira na apreciação dos meios de comunicação, na valorização
das suas capacidades e dos seus efeitos no desenvolvimento humano. Bento XVI na sua
primeira Mensagem do 40º Dia da Comunicação Social, qualifica os meios de
comunicação como uma “grande mesa redonda”, onde o diálogo entre as comunidades
pode ocorrer num espaço virtual, que está ao alcance de todos, onde a participação é
ativa, promovendo uma envolvência que é enriquecida pelos cidadãos numa espécie de
assembleia democrática que estimula a cidadania mas também o diálogo e o
conhecimento do outro.
No entanto, visto que o que tem a capacidade de fazer o bem pode também ser
usado para fazer o mal, principalmente por certos comportamentos dos operadores dos
meios de comunicação, existe o risco de desvirtuar esta “grande mesa redonda”,
fomentando uma monocultura, ofuscando a criatividade, reduzindo alguns pensamentos
mais complexos ou até, o que é muito comum, desvalorizando as práticas religiosas: “os
diversos instrumentos da comunicação facilitam o intercâmbio de informações e de
ideias, contribuindo para a compreensão recíproca entre os diversos grupos, mas ao
mesmo tempo podem ser contaminados pela ambiguidade. Os meios de comunicação
social são uma «grande mesa redonda» para o diálogo da humanidade, mas algumas
atitudes no seu interior podem gerar uma monocultura que ofusca o génio criativo,
reduz a subtileza de um pensamento complexo e desvaloriza as peculiaridades das
práticas culturais e a individualidade do credo religioso. Estas degenerações verificam-
se quando a indústria da comunicação se torna fim em si mesma, tendo unicamente por
finalidade o lucro, perdendo de vista o sentido de responsabilidade no serviço ao bem
comum.”321
321
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 3.
322
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 3.
93
Tomando como ponto de partida a Carta Apostólica “O rápido
Desenvolvimento”, do seu predecessor João Paulo II, Bento XVI, enumera três aspetos
necessários para garantir que a comunicação atinja este autêntico grau de eficácia na
defesa da verdade: a formação, a participação e o diálogo.
323
JOÃO PAULO II, O rápido Desenvolvimento, 2005, n. 11.
94
ao contrário educar e servir, para garantir a realização de uma
sociedade civil digna da pessoa humana, e não a sua desagregação.”324
324
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 4.
325
JOÃO PAULO II, O rápido desenvolvimento, 2005, n. 11.
326
BENTO XVI, XL MDCS, 2006, n. 4.
95
Recentemente pode-se recordar o impacto dos meios de comunicação na
primeira fase da Primavera Árabe, e a rápida organização da sociedade
civil com manifestações, greves, protestos e comícios. O acesso à internet
e às redes sociais sensibilizou não só as suas próprias comunidades a
unirem-se aos manifestantes, como toda a comunidade internacional,
dando a conhecer o conflito.
Mesmo com a tentativa de abolir, ou de censurar a internet, como
aconteceu em alguns estados árabes, a própria evolução tecnológica
tornou impossível aos governantes dominar a informação: depois de
publicada, os meios de comunicação encarregaram-se de, em poucos
segundos, levar a mensagem ao resto do mundo, fazendo com que outros
cidadãos dos países ocidentais exigissem aos seus líderes, a partir de
pressões económicas e políticas, a defesa dos direitos humanos.
Desta forma, desde 2010, com início na Tunísia e alastrando depois pelo
Norte de África e Médio Oriente, as redes sociais e os meios de
comunicação desempenham um papel fundamental nos movimentos
contra as ditaduras da Primavera Árabe, de tal forma que as dimensões e
o impacto deste movimento se justificam sobretudo devido ao recurso
dos meios de comunicação, sendo impensável de outra maneira.
Ou seja, os meios de comunicação, sem armamento bélico, mostraram ser
capazes de derrubar regimes autoritários com décadas de existência, e
contribuir para eliminar formas de injustiça em mais de 15 países com
pouca tradição democrática.
Também se pode medir a responsabilidade dos meios de comunicação na
sociedade quando acontece o contrário, ou seja, quando a comunicação
social não está ao serviço do homem. Um exemplo deste facto foi o
genocídio do Ruanda entre 6 de Abril e 4 de Julho de 1994, em que se
estima que ocorreu a morte de 800 mil pessoas. Apesar da dimensão dos
acontecimentos, não só pelo número de mortes, destruição, violações327,
mas também pela forma rudimentar do armamento328 - catanas,
machados, lâminas… que deixaram um cenário de guerra bárbaro - os
meios de comunicação não cobriram suficientemente estas terríveis
iniquidades.
No Ruanda, os poucos e indigentes instrumentos de comunicação
incentivaram a violência: a primeira medida dos extremistas hútus foi
apoderarem-se das rádios para aí incitarem ao ódio com marchas
militares e falsas notícias.
327
A maior parte das mulheres no Ruanda foram violadas pelos extremistas; e estima-se que mais dos
5.000 bebes nascidos dessas violações foram assassinados.
328
Hoje em dia sabe-se que muito do armamento utilizado no genocídio foi financiado por desvios de
verbas doadas por programas de ajuda internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional ou o Programa de Ajuste Estrutural. Acredita-se que mais de 134 milhões de dólares foram
utilizados para fazer o genocídio no Ruanda, que é considerado um dos países mais pobres do mundo.
Desses 134 milhões de dólares, 4,6 milhões foram gastos em armas como enxadas, catanas, martelos,
machados etc.
96
Mas a maior gravidade residiu na falha de cobertura, deliberada ou não,
dos meios de comunicação internacionais. É certo que nos dias de hoje
existem muitos documentários e filmes sobre este acontecimento, mas
talvez esta tenha sido a forma de compensar a ausência e a indiferença
durante os dias do genocídio329.
E neste sentido João Paulo II introduz a oportunidade de todos
participarem no diálogo como um aspeto essencial do trabalho em favor
da paz dos meios de comunicação: “não se devem esquecer as grandes
potencialidades que os mass-media têm ao favorecer o diálogo,
tornando-se veículos de conhecimento recíproco, de solidariedade e de
paz. Eles constituem um recurso positivo e poderoso, se forem postos ao
serviço da compreensão entre os povos; se forem usados para alimentar
injustiças e conflitos, tornam-se ao contrário uma "arma" destruidora.
Já o meu venerado Predecessor, João XXIII, na Encíclica Pacem in
terris, advertiu de modo profético a humanidade para estes possíveis
riscos.”330
O diálogo nos meios de comunicação tem a capacidade de apelar aos
sentidos, mostrando frequentemente por imagens, fotografias, artigos,
realidades como a fome, a guerra, os desastres ecológicos, assim como as
culturas, histórias e outros conhecimentos, de comunidades distantes que
se tornaram mais próximas.
Com esta capacidade de mostrar a humanidade do sofrimento, ficamos a
conhecer a partir dos meios de comunicação o rosto dos que passam
fome noutro continente, dos que estão em guerra, mas também de
realidades próximas à nossa nação, como o desemprego e outras
consequências da crise – situações e acontecimentos que de outra forma
não seriam conhecidos. E por conseguinte o conhecimento desses
sofrimentos aproxima as nações, podendo originar movimentos civis de
solidariedade.
O recente exemplo dos meios de comunicação social ao serviço da
solidariedade, ocorreu no dia 11 de Março de 2011, quando o mundo foi
atormentado pela notícia de um sismo de magnitude 8,9 no Japão. Foi
considerado um dos maiores sismos do mundo, provocando um marmoto
com mais de 10 metros de altura. A devastação alastrou por toda a linha
costeira do Pacífico, havendo a estimativa de 15 883 mortos, com a
329
Nos últimos anos realizaram-se algumas investigações na área das ciências da comunicação e dos
estudos políticos, para tentar compreender a razão do aparente grave desinteresse dos meios de
comunicação. Entre as conclusões destaca o facto de estar a ocorrer a guerra dos Balcãs, que para além de
ter sido na mesma época, tinha uma origem similar à guerra do Ruanda - a limpeza étnica - chamando
mais a atenção por ser em Sarajevo, no continente europeu, pelo que era experimentada como uma
realidade mais próxima do ocidente. Outro motivo pode ter sido que era mais fácil aos jornalistas
viajarem para Sarajevo, por motivos burocráticos e financeiros. Mas também, poder-se-á dizer que a não
intervenção das grandes potências como os EUA ou a Grã-Bretanha, e a falta de interesse, tanto interesse
político como interesse económico, dos governos ocidentais, perante o Ruanda, afetou a cobertura que
seria esperada.
330
JOÃO PAULO II, O rápido Desenvolvimento, 2005, n. 11.
97
destruição de cidades inteiras. O marmoto também atingiu algumas
centrais nucleares no Japão, causando uma explosão na cidade de
Fukushima.
A cobertura da comunicação social internacional foi imediata e não se
limitou a divulgar as notícias, mas incentivou à participação e à
solidariedade, na diligência de ajudar as vítimas. Os meios de
comunicação fizeram do Japão não uma ilha distante no oriente, mas uma
ilha. Com o exemplo do sismo do Japão compreendeu-se não só a força
na promoção da solidariedade que têm os meios de comunicação em
massa, como também os benefícios da globalização e das empresas
multinacionais.
No mesmo dia que se deu o sismo, a Apple criou a partir do seu produto
iTunes uma página na internet para que os seus utilizadores pudessem
fazer contribuições financeiras à Cruz Vermelha; a Microsoft também
produziu um programa de cooperação dentro do seu motor de busca
Bing331, a Google lançou um plano para encontrar vítimas, o Japan
Person Finder332, para além das campanhas por mensagens, como apoios
nas redes sociais no Twitter e no Facebook.
Os líderes internacionais, talvez incentivados pelos seus cidadãos, foram
excecionais no auxílio, tendo as Nações Unidas equipas de resgate de 45
países. A sociedade civil e a elite política demonstraram empenho no
apoio humanitário, que ultrapassou a cultura e a cidadania.
O marmoto de 2011 foi apenas um dos exemplos da enorme mobilização
da comunidade internacional, feita a partir do diálogo nos meios de
comunicação.
Os mass-mídia na nova era da globalização não limitam o cidadão a uma
solidariedade regional. Assim Bento XVI fala dos meios de comunicação
como um elemento na construção da civilização do Amor: “promoção do
diálogo através do intercâmbio de cultura, a expressão de solidariedade
e a adesão à paz oferecem uma grande oportunidade à comunicação
social que necessita ser revalorizada e usada. Desta forma, ela torna-se
recurso importante e precioso para construir uma civilização de amor,
que é o desejo de todos os povos.”333
98
comunicação sofreram alterações desde o início do pontificado de João Paulo II até ao
Bento XVI, principalmente a tecnologia dirigida aos mais novos. Esta constante
evolução não deixa de levantar novos problemas, fazendo da questão da educação um
tema permanente de debate. Porém também será a partir dos meios de comunicação que
se podem contestar e discutir as competências dos agentes da educação.
Para Bento XVI, o desafio da educação nos meios de comunicação incide sobre
dois pontos: “O tema do 41º Dia Mundial das Comunicações Sociais, «As crianças e os
meios de comunicação social: um desafio para a educação», convida-nos a refletir
sobre dois assuntos de imensa importância. A formação das crianças é o primeiro. O
segundo, talvez menos óbvio mas não menos importante, é a formação dos meios de
comunicação social.”334 Em 2007 o Papa chamará a atenção para o facto de que a
ingerência da tecnologia pode deixar as famílias vulneráveis. O consumo da informação
sem qualquer sentido crítico exalta o mediatismo e o efémero, e traduz-se num consumo
de quantidade em vez de qualidade.
A família deste milénio é a família da globalização; os limites das próprias casas
e dos lares já não são territoriais. Hoje são poucas as famílias ocidentais que não têm
acesso à televisão e à internet, pelo que, sem saírem de casa, conseguem chegar a outras
casas, outras cidades, outros países, outros continentes.
A importância deste tema já tinha sido destacada e em 2005, na sua última Carta
Apostólica, João Paulo II reflete acerca da nova dimensão do lar e da sua relação com
os meios de comunicação social: “a nossa época é uma época de comunicação global,
onde muitos momentos da existência humana se desenrolam através de processos
mediáticos, ou pelo menos, se devem confrontar com eles. Limito-me a recordar a
formação da personalidade e da consciência, a interpretação e a estruturação dos
vínculos afetivos, o desenvolvimento das fases educativas e formativas, a elaboração e
a difusão de fenómenos culturais, o desenvolvimento da vida social, política e
económica.”335
Segundo Bento XVI, hoje a comunicação social exerce extrema influência sobre
a educação, em todos os sentidos formativos: “os complexos desafios que se
apresentam para a educação nos dias de hoje estão frequentemente vinculados à ampla
influência dos meios de comunicação social no nosso mundo. Como um dos aspetos do
fenómeno da globalização, e facilitados pelo rápido desenvolvimento da tecnologia, os
meios de comunicação social modelam profundamente o ambiente cultural. Com efeito,
algumas pessoas afirmam que a influência formativa dos meios de comunicação social
concorre com a da escola, da Igreja e talvez mesmo do lar.”336 A perceção da troca de
334
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 1.
335
JOÃO PAULO II, O rápido desenvolvimento, 2005, n. 3.
336
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 1.
99
papéis na incumbência da educação não pode ser vista somente como uma natural
evolução da tecnologia: está-se a abdicar de um direito fundamental, sendo esta
mudança de funções artificial porque se afasta tanto da própria natureza da família
como da sociedade. Bento XVI completa a introdução deste tema citando a Instrução
Pastoral Aetatis Novae de 1992: “para muitas pessoas, a realidade corresponde ao que
os mass-media definem como tal.”337 Se pensarmos que olhamos para o mundo não com
os nossos olhos, mas com uns óculos, que são os meios de comunicação,
compreendemos a necessidade de manter as lentes dos óculos limpas sem a sujidade da
mentira ou da corrupção
Bento XVI, por seu turno, destacou a importância da formação das consciências.
Será sempre neste sentido que se pronuncia a Igreja, confiando na liberdade e na
consciência reta e na capacidade dos cidadãos. Bastará assegurar esta formação de uma
forma ativa e permanente na comunidade, ou será necessário uma forte regulamentação,
até mesmo uma censura?
Bento XVI destacou dois aspetos desta formação das consciências: “a formação
das crianças por parte dos mass-media; e a formação das crianças para que
respondam apropriadamente aos mass-media. Sobressai um tipo de reciprocidade que
indica as responsabilidades dos meios de comunicação como indústria e a necessidade
de uma participação ativa e crítica dos leitores, dos espectadores e dos ouvintes. Nesta
perspetiva, formar-se no uso apropriado dos meios de comunicação é essencial para o
desenvolvimento cultural, moral e espiritual das crianças.”340
Uma vez que é indispensável educar no uso dos meios de comunicação, os pais
devem assumir essa responsabilidade: “a fecundidade do amor conjugal não se reduz
apenas à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua educação moral e à sua
formação espiritual. O «papel dos pais na educação é de tal importância que é
impossível substituí-los». O direito e o dever da educação são primordiais e
337
PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Aetatis novae, 1992, n. 4.
338
A investigação de John Condry fui considerada na introdução do pensamento o João Paulo II.
339
CONDRY John, “Ladra do tempo, criada infiel”…, p. 66.
340
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 2.
100
inalienáveis para os pais.”341. Desta forma “compete aos pais, escolher os valores que
consideram fundamentais na sua formação, incluindo a religião em que os desejam
iniciar. Estas escolhas estão, para além da ação do Estado”342. Claro está que os pais
podem e devem contar com apoios paralelos: “como é que se há-de salvaguardar e
promover o bem comum? Educar as crianças a serem judiciosas no uso dos mass-
media é uma responsabilidade que cabe aos pais, à Igreja e à escola. O papel dos pais
é de importância primordial. Eles têm o direito e o dever de assegurar o uso prudente
dos meios de comunicação, formando a consciência dos seus filhos a fim de que
expressem juízos sadios e objetivos, que sucessivamente há de orientá-los na escolha ou
rejeição dos programas disponíveis. Ao agir deste modo, os pais deveriam contar com o
encorajamento e a assistência das escolas e das paróquias, para garantir que este
aspeto difícil mas estimulante da educação é apoiado pela comunidade mais vasta.”343
Esta educação positiva vai para além de políticas educativas, consiste numa
formação humana e cultural, que comporta a excelência instrutiva. À partida as crianças
já estão habitualmente expostas ao que é mais frívolo ou fútil; para além de serem em
maior número, estes recursos são mais atrativos, e isso é notório tanto nos costumes,
comportamentos ou hábitos na literatura, música como nos programas de informação ou
de divertimento que nos proporcionam os meios de comunicação. Na educação positiva,
segundo o Papa, os pais e os educadores tem de elevar o nível quando se dirigem às
crianças, através de medidas muito concretas, a começar pela arte, ou inclusivamente
cuidando o nível da conversa que se tem diante dos filhos. Para isso é necessário
341
CIC, n. 2221.
342
VIEIRA E SOUSA, Francisco, “Estado, Liberdade e Educação”, Nova Cidadania, Ano VIII, n. 32,
Lisboa: Abril – Junho 2007.p. 14.
343
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 2.
344
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 2.
101
garantir a capacidade e a disposição dos pais, assim como contar com a colaboração das
escolas, com a formação dos professores.
345
CDSI, 2004, n. 135.
346
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 2.
102
cultural, requeridas para um justo exercício da liberdade, são com demasiada
frequência desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e de injustiça abalam a
vida moral e induzem tanto os fracos como os fortes na tentação de pecar contra a
caridade. Afastando-se da lei moral, o homem atenta contra a sua própria
liberdade.”347
347
CIC n.1739-1740.
348
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 3.
349
PONTIFICIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 4.
103
enfrentam «pressões psicológicas e dilemas éticos particulares», que por vezes veem a
concorrência comercial impelir os comunicadores para níveis mais baixos.”350
350
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 3.
351
PONTIFICIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Aetatis Novae, 1992, n. 19.
352
PONTIFICIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Aetatis Novae, 1992, n. 19.
353
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 3.
104
A Igreja pode, e deve, ter uma participação ativa na formação dos
comunicadores e na cooperação com os pais na educação. A Instrução Pastoral Aetatis
Novae dedica um capítulo às “Prioridades Pastorais e respetivos meios de resposta”,
no qual se afirma que o objetivo dessa participação é a “defesa das culturas humanas”:
“Dada a situação existente em numerosos lugares, a sensibilidade aos direitos e aos
interesses dos indivíduos pode, frequentemente, motivar a Igreja a favorecer outros
meios de comunicação. (…) A educação e a formação para a comunicação devem fazer
parte integrante da formação dos agentes pastorais e dos sacerdotes. São necessários
vários elementos e aspetos para esta educação e formação. No mundo atual, tão
influenciado pelos mass-media, é necessário, por exemplo, que as pessoas
comprometidas na Igreja tenham, pelo menos, uma visão de conjunto do impacto que as
novas tecnologias da informação e dos mass-media exercem sobre os indivíduos e a
sociedade. Devem ainda estar prontas a partilhar o seu ministério, tanto com aqueles
que são «ricos em informação» como com os que são «pobres em informação». Devem
também saber como convidar ao diálogo, evitando um estilo de comunicação suscetível
de sugerir domínio, manipulação ou o próprio proveito. Quanto aos que estarão
ativamente empenhados em trabalhos de comunicação para a Igreja, é necessário que
adquiram competência profissional em matéria de mass-media, assim como uma
formação doutrinal e espiritual.”354
Esta nova circunstância da vida comunitária traz outra visão da sociedade civil,
uma visão mais extensiva do modo de fazer e intervir na política. Ou seja, a política já
não está limitada aos parlamentos ou às câmaras, como também não está reduzida aos
jornais: fazer política no século XXI permanece ao alcance de todos, e assim, existe
uma nova forma de afirmar a democracia.
354
PONTIFICIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Aetatis Novae, 1992, n. 16 e 18.
355
BENTO XVI, XLI MDCS, 2007, n. 4.
105
Este facto torna-se evidente, primeiramente, nas estações televisivas, com o
aumento do número de programas de opinião pública em que a intervenção é feita
diretamente pelos usuários: telefonando ou comentando as notícias por mensagens. Mas
a maior participação dar-se-á com a internet, os blogs e as redes sociais, que qualquer
pessoa pode usufruir. Tecendo as suas próprias opiniões, um comum cidadão torna-se
um opinion maker e cada vez com mais influência. Hoje existe um grande número de
pessoas que se informa a partir dos blogs, ou seja existe uma leitura da informação a
partir de considerações já protagonizadas, assim como muitos dos atuais comentadores
políticos, económicos, desportistas ou até mesmo comediantes e especialistas em moda,
surgiram tanto dos blogs como das redes sociais. A influência que estes críticos
amadores exercem é incalculável. “Como é importante o papel destes instrumentos na
vida das pessoas e da sociedade. De facto, não existe âmbito da experiência humana,
sobretudo se enquadrada no vasto fenómeno da globalização, onde os mass-media não
se tenham tornado parte constitutiva das relações interpessoais e dos processos sociais,
económicos, políticos e religiosos. A tal propósito, escrevi na Mensagem para a
Jornada da Paz do passado dia 1 de Janeiro: «Os meios de comunicação social, pelas
potencialidades educativas de que dispõem, têm uma responsabilidade especial de
promover o respeito pela família, de ilustrar as suas expectativas e os seus direitos, de
pôr em evidência a sua beleza.»”356
356
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 1.
357
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 2.
106
também instrumentos ao serviço de um mundo mais justo e solidário.”358 Bento XVI
refere-se com entusiasmo às vantagens dos meios de comunicação, não como simples
instrumentos de difusão de informação, mas como embaixadores de um mundo mais
justo e solidário.
6. A encruzilhada do progresso
358
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 2.
359
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 2.
360
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 2.
361
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 2.
107
“A humanidade encontra-se hoje numa encruzilhada.”362 Este é o ponto de
partida de Bento XVI. O Papa aplica esta ideia também aos meios de comunicação: “A
humanidade encontra-se hoje numa encruzilhada. Vale também para os media aquilo
que escrevi, na Encíclica Spe salvi, sobre a ambiguidade do progresso, que oferece
inéditas potencialidades para o bem, mas ao mesmo tempo abre possibilidades abissais
de mal que antes não existiam.”363
362
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 3.
363
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 3.
364
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 3.
365
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 3.
108
grandes problemas de política que dependem da distribuição de tecnologia e produtos
sofisticados (quem serão os ricos de informação e os pobres de informação?). Estes
interrogativos indicam outras questões com implicações económicas e políticas para a
propriedade e o controle. Pelo menos nas sociedades abertas, dotadas de economia de
mercado, a principal questão ética pode dizer respeito ao modo de equilibrar o lucro
em relação ao serviço de interesse público, compreendido segundo uma conceção
global do bem comum.”366
366
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas Comunicações
Sociais, 2000, n. 20.
367
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 4.
368
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 4.
109
alterações no modo de ler e conhecer a realidade e a própria pessoa humana, torna-se
necessária uma atenta reflexão sobre a sua influência principalmente na dimensão
ético-cultural da globalização e do desenvolvimento solidário dos povos. Como
requerido por uma correta gestão da globalização e do desenvolvimento, o sentido e a
finalidade dos mass-media devem ser procurados no fundamento antropológico. Isto
quer dizer que os mesmos podem tornar-se ocasião de humanização, não só quando,
graças ao desenvolvimento tecnológico, oferecem maiores possibilidades de
comunicação e de informação, mas também e sobretudo quando são organizados e
orientados à luz de uma imagem da pessoa e do bem comum que traduza os seus
valores universais. Os meios de comunicação social não favorecem a liberdade nem
globalizam o desenvolvimento e a democracia para todos simplesmente porque
multiplicam as possibilidades de interligação e circulação das ideias; para alcançar
tais objetivos, é preciso que estejam centrados na promoção da dignidade das pessoas e
dos povos, animados expressamente pela caridade e colocados ao serviço da verdade,
do bem e da fraternidade natural e sobrenatural. De facto, na humanidade, a liberdade
está intrinsecamente ligada a estes valores superiores. Os mass-media podem constituir
uma válida ajuda para fazer crescer a comunhão da família humana e o ethos das
sociedades, quando se tornam instrumentos de promoção da participação universal na
busca comum daquilo que é justo.”369
8. Cooperadores da verdade
Como já referimos, Bento XVI não se revelou um homem apaixonado apenas
pela verdade escatológica, mas também por uma procura incessante da verdade em
todas as realidades humanas. É novamente na encíclica Caritas in Veritate que refere,
logo na introdução, esta perpétua aspiração: “todos os homens sentem o impulso
interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo
neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada
homem.”370
369
BENTO XVI, Caridade na Verdade, 2009, n. 73.
370
BENTO XVI, Caridade na Verdade, 2009, n. 1.
371
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 5.
110
modo algum, apenas como resignação perante incomensurabilidade da verdade, mas
define-se igualmente pela positiva, pelos conceitos de tolerância, de reconhecimento em
diálogo e de uma liberdade que seria restringida pela afirmação de uma verdade válida
para todos.”372
Para Bento XVI a comunicação social é também meio na luta contra a ditadura
do relativismo374, tornando-se assim cooperadora da verdade.
Inspirado por João Paulo II, Bento XVI desafia a tecnologia a repropor uma
adequada noção do humano ao próprio homem: “os novos mass-media, sobretudo
telefonia e internet, estão a modificar a própria fisionomia da comunicação, e talvez
esta seja uma ocasião preciosa para a redesenhar, ou seja, para tornar mais visíveis,
como disse o meu venerado predecessor João Paulo II, os traços essenciais e
irrenunciáveis da verdade sobre a pessoa humana.”376
111
anda à procura da verdade; demonstram-no nomeadamente a atenção e o sucesso
registados por muitas publicações, programas ou filmes de qualidade, onde são
reconhecidas e bem apresentadas a verdade, a beleza e a grandeza da pessoa,
incluindo a sua dimensão religiosa. Jesus disse: «Conhecereis a verdade e a verdade
vos libertará».”377
9. No impulso da cultura
O pensamento da doutrina social faz parte da cultura380 ocidental, aqui entendida
no sentido amplo de um conjunto de conhecimentos e práticas sociais que vão
construindo a história: os seus valores, as suas perspetivas económicas, as suas políticas,
tendo sempre como fim o encontro com a pessoa humana, porque não existe uma
cultura sem o homem: “o homem que, no mundo visível, é o único sujeito ôntico da
cultura, é também o seu único objeto e o seu termo. A cultura é aquilo pelo qual o
homem enquanto homem se torna mais homem, "é" mais, chega mais ao "ser".”381
377
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 6.
378
JOÃO PAULO II, Discurso no Congresso Parábolas mediáticas, 9, Novembro, 2002.
379
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 6.
380
Ver anexo L, p.176.
381
JOÃO PAULO II, Discurso na sede da organização das Nações Unidas – Para a Educação, ciência e
Cultura – UNESCO, n.7, Paris 2, Junho, 1980.
382
JOÃO PAULO II, Christifideles laici, 1988, n. 44.
112
Nesta Mensagem Bento XVI adota um tom mais educativo, apresentando-a
como uma espécie de manual que elucida o modo de aproveitar bem as novas
tecnologias e, sobretudo, de fazer o bem com as novas tecnologias: “com efeito, as
novas tecnologias digitais estão a provocar mudanças fundamentais nos modelos de
comunicação e nas relações humanas. Estas mudanças são particularmente evidentes
entre os jovens que cresceram em estreito contacto com estas novas técnicas de
comunicação e, consequentemente, sentem-se à vontade num mundo digital que
entretanto para nós, adultos que tivemos de aprender a compreender e apreciar as
oportunidades por ele oferecidas à comunicação, muitas vezes parece estranho. Por
isso, na mensagem deste ano, o meu pensamento dirige-se de modo particular a quem
faz parte da chamada geração digital: com eles quero partilhar algumas ideias sobre o
potencial extraordinário das novas tecnologias, quando usadas para favorecerem a
compreensão e a solidariedade humana.”383
Para o Papa as novas tecnologias são um dom no acesso à cultura e, mais uma
vez, têm de o ser de forma equitativa, assegurando a igualdade de oportunidades no
acesso a estes instrumentos. Sobretudo é necessário garantir esse acesso aos mais
carenciados pois para esses as disparidades têm consequências maiores: “Estas
tecnologias são um verdadeiro dom para a humanidade: por isso devemos fazer com
que as vantagens que oferecem sejam postas ao serviço de todos os seres humanos e de
todas as comunidades, sobretudo de quem está necessitado e é vulnerável.”384
O Papa apresenta alguns exemplos mais pontuais das vantagens das novas
tecnologias na cultura contemporânea: na família, na academia e no progresso social:
“desta nova cultura da comunicação derivam muitos benefícios: as famílias podem
permanecer em contacto apesar de separadas por enormes distâncias, os estudantes e
os investigadores têm um acesso mais fácil e imediato aos documentos, às fontes e às
383
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
384
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
385
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
113
descobertas científicas e podem por conseguinte trabalhar em equipa a partir de
lugares diversos; além disso a natureza interativa dos novos mass-media facilita formas
mais dinâmicas de aprendizagem e comunicação que contribuem para o progresso
social.”386
Pelas palavras do Génesis “Não é bom que o homem esteja só”387 exibe-se esta
imprescindibilidade das relações humanas, que pode ser considerada como
impulsionadora na espontânea evolução dos meios de comunicação: “a velocidade com
que as novas tecnologias evoluíram em termos de segurança e eficiência, não deveria
surpreender-nos a sua popularidade entre os utentes porque elas respondem ao desejo
fundamental que têm as pessoas de se relacionar umas com as outras.”388. Bento XVI
menciona o valor da amizade, que foi também bastante explorado por Agostinho de
Hipona, um dos filósofos com mais influência no pensamento ratzingueriano.
386
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
387
Gn 2,18.
388
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
389
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
390
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
391
Jo 4, 16.
392
BENTO XVI, Deus é Amor, 2005, n. 1.
114
complexas relações familiares, ou a temas como o casamento, mas também a outras
questões sociais, económicas e morais: “O termo «amor» tornou-se hoje uma das
palavras mais usadas e mesmo abusadas, à qual associamos significados
completamente diferentes.”393
Na visão da antropologia cristã, o homem é criado pelo amor, por amor e para
amar, e por isso o ser humano tem uma necessidade radical de amar e de ser amado,
sendo que o sentido do amor aponta para o conceito de entrega, de doação de si mesmo.
A Igreja recorda que se este sentido do amor estiver mais presente na
comunidade haverá mais sensibilidade para os problemas de justiça. O Papa
inclusivamente refere que a atual crise europeia, antes de ser uma crise financeira do
mercado, é uma crise da ausência do amor: “o amor tem diante de si um vasto campo de
trabalho e a Igreja, nesse campo, quer estar presente também com a sua doutrina
social, que diz respeito ao homem. (…) «Como é possível que ainda haja, no nosso
tempo, quem morra de fome, quem esteja condenado ao analfabetismo, quem viva
privado dos cuidados médicos mais elementares, quem não tenha uma casa onde
abrigar-se? E o cenário da pobreza poderá ampliar-se indefinidamente, se às antigas
pobrezas acrescentarmos as novas que frequentemente atingem mesmo os ambientes e
categorias dotadas de recursos económicos, mas sujeitos ao desespero da falta de
sentido, à tentação da droga, à solidão na velhice ou na doença, à marginalização ou à
discriminação social. (...) E como ficar indiferentes diante das perspetivas dum
desequilíbrio ecológico, que torna inabitáveis e hostis ao homem vastas áreas do
planeta? Ou em face dos problemas da paz, frequentemente ameaçada com o íncubo de
guerras catastróficas? Ou frente ao vilipêndio dos direitos humanos fundamentais de
tantas pessoas, especialmente das crianças?»”394
393
Idem, n. 2.
394
CDSI, n. 5.
395
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
115
chamadas a pôr em circulação. Desejo encorajar todas as pessoas de boa vontade,
ativas no mundo emergente da comunicação digital, a que se empenhem na promoção
de uma cultura do respeito, do diálogo, da amizade.”396
O empenho por fomentar esta cultura com base no amor é uma responsabilidade
da ação cívica; contudo pretende-se que as autoridades políticas assumam igualmente
estes ideais. O Catecismo da Igreja Católica retém também este apelo à
responsabilidade e à participação: “incumbe àqueles que exercem cargos de autoridade
garantir os valores que atraem a confiança dos membros do grupo e os incitam a
colocar-se ao serviço dos seus semelhantes. A participação começa pela educação e
pela cultura. «Pode-se legitimamente pensar que o futuro da humanidade está nas mãos
daqueles que souberem dar às gerações de amanhã razões de viver e de esperar.»”397
Bento XVI que intitulou o espaço virtual como a arena digital, acrescenta que
para esta arena ser eficaz tem de associar-se a três princípios na base do amor: o
respeito, o diálogo e a amizade.
396
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
397
CIC n.1917.
398
CDSI, n.6.
399
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
116
Não podemos, no entanto, esquecer que a própria morfologia de arena é clássica,
com a mesma raiz latina de areia - isto porque na época do antigo do Império Romano
os gladiadores lutavam em arenas, com uma praça coberta por areia, com o intuito de
absorver o sangue. Estes espetáculos caracterizavam-se por serem altamente populares
mas também por serem altamente cruéis. Ao intitular o mundo virtual como uma arena,
o Papa também poderá ter o objetivo de alertar para este sentido, se hoje as arenas são
espaço de divertimento, noutros tempos foram também lugares de uma enorme falta de
respeito pelo homem. Talvez hoje não esteja em causa uma barbaridade como a das
lutas macabras dos gladiadores, mas há o risco de fomentar uma cultura que, por
divertimento, também aprova a degradação humana e, tal como as lutas do circo
romano, não deixam de ser espetáculos famosos e com muita adesão popular.
117
humano. Por este motivo, é preciso prestar atenção a não banalizar o conceito e a
experiência da amizade.”401
Bento XVI não se apresenta como um cético. Acredita que a amizade não se
limita à arena digital, porque a amizade transcende a tecnologia, fazendo parte da
natureza do homem: “a amizade é um grande bem humano, mas esvaziar-se-ia do seu
valor, se fosse considerada fim em si mesma. Os amigos devem sustentar-se e
encorajar-se reciprocamente no desenvolvimento dos seus dons e talentos e na sua
colocação ao serviço da comunidade humana. Neste contexto, é gratificante ver a
aparição de novas redes digitais que procuram promover a solidariedade humana, a
paz e a justiça, os direitos humanos e o respeito pela vida e o bem da criação. Estas
redes podem facilitar formas de cooperação entre povos de diversos contextos
geográficos e culturais, consentindo-lhes de aprofundar a comum humanidade e o
sentido de corresponsabilidade pelo bem de todos.”403
401
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
402
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
403
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
118
Por fim, Bento XVI recorda mais uma vez que esta experiência do
multiculturalismo terá que contar com uma igual participação de todos, porque um
limitado acesso às tecnologias é, por si só, uma injustiça, correndo-se o risco de fazer do
multiculturalismo um ocidentalismo: “todavia devemo-nos preocupar por fazer com que
o mundo digital, onde tais redes podem ser constituídas, seja um mundo
verdadeiramente acessível a todos. Seria um grave dano para o futuro da humanidade,
se os novos instrumentos da comunicação, que permitem partilhar saber e informações
de maneira mais rápida e eficaz, não fossem tornados acessíveis àqueles que já são
económica e socialmente marginalizados ou se contribuíssem apenas para incrementar
o desnível que separa os pobres das novas redes que se estão a desenvolver ao serviço
da informação e da socialização humana.”404
404
BENTO XVI, XLIII MDCS, 2009.
405
Bento XVI, Discurso à Cúria Romana para a apresentação dos bons votos de Natal, 21 de Dezembro
de 2009.
119
enriquecedora diversidade civilizacional; ou seja uma igualdade na diversidade: “«esta
lei de solidariedade humana e de caridade», sem excluir a rica variedade das pessoas,
das culturas e dos povos, assegura-nos que todos os homens são verdadeiramente
irmãos.”406
Assim, em 2010, na 44ª Mensagem do Dia Mundial da Comunicação Social,
Bento XVI encoraja a uma ativa presença no mundo digital, na internet, que não se pode
reduzir a uma presença vazia, apática e sem objetivos concretos: “a divulgação dos
«multimédia» e o diversificado «espectro de funções» da própria comunicação podem
comportar o risco de uma utilização determinada principalmente pela mera exigência
de marcar presença e de considerar erroneamente a internet apenas como um espaço a
ser ocupado.”407
Desde 2005, na sua primeira encíclica, Deus é Amor, que o Papa vinha
denunciando uma certa parcialidade e neutralidade do cidadão perante os meios de
comunicação, considerando mesmo esta apatia como um perigo tão relevante como o da
presença negativa: “ligada ao desenvolvimento tecnológico está a crescente presença
dos meios de comunicação. Já é quase impossível imaginar a existência da família
humana sem eles. No bem e no mal, estão de tal modo encarnados na vida do mundo,
que parece verdadeiramente absurda a posição de quantos defendem a sua
neutralidade, reivindicando em consequência a sua autonomia relativamente à moral
que diria respeito às pessoas. Muitas vezes tais perspetivas, que enfatizam a natureza
estritamente técnica dos mass-media, de facto favorecem a sua subordinação a cálculos
económicos, ao intuito de dominar os mercados e, não último, ao desejo de impor
parâmetros culturais em função de projetos de poder ideológico e político.”408
Reconhecida esta importância, é necessário, em primeiro lugar, agir, envolver-
se, estar presente nestes meios de comunicação. Mas esta presença terá que ser
significativa. Trata-se novamente de um apelo à profundidade: as mensagens
comunicadas têm que ter conteúdo, têm de incitar à discussão e encorajar o pensamento,
é sobretudo necessário contornar aquilo que Lipovetsky identifica como característica
do homem da hipermodernidade, um comunicar sem objetivo e egocêntrico: “a
possibilidade e o desejo de expressão, seja qual for a natureza da «mensagem», o
direito e o prazer narcísico do indivíduo que se exprime para nada, para si apenas (…).
Comunicar por comunicar, exprime-se sem outro objetivo além do de se exprimir e ser
registado por um micropúblico, o narcisismo revela aqui como noutros lugares a sua
convivência com a dessubstancialização pós-moderna, com a lógica do vazio.”409
O desafio proposto pelo Magistério é utilizar a própria internet para combater a
impassibilidade da cultura do efémero. É certo que a própria internet é a provocadora,
em grande parte, desta mesma cultura, mas felizmente a internet tem vindo a demonstrar
ser não só a causa como também a solução.
Por isso, Bento XVI refere-se à internet como o pátio dos gentios, considerando-
a um lugar de debate, de união entre as várias religiões, e também de encontro entre os
406
CIC, n.361.
407
BENTO XVI, XLIV MDCS, 2010.
408
BENTO XVI, Deus é Amor, 2005, n. 73.
409
LIPOVETSKY, Gilles, A Era do Vazio, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1983.p.16.
120
crentes e os ateus, ou agnósticos: “não se poderá porventura prever que a internet
possa dar espaço – como o «pátio dos gentios».”410 Um átrio ao largo do templo, onde
todos se podem reunir, debater, mas sobretudo depararem-se com a verdade, de um
modo livre e amplo: “o desenvolvimento das novas tecnologias e, na sua dimensão
global, todo o mundo digital representam um grande recurso, tanto para a humanidade
no seu todo como para o homem na singularidade do seu ser, e um estímulo para o
confronto e o diálogo.”411
121
contexto, que a Igreja enquadra o seu papel perante os meios de comunicação: “oferecer
um contributo de verdade à questão do lugar do homem na natureza e na sociedade,
afrontada pelas civilizações e culturas em que se manifesta a sabedoria da
humanidade. Mergulhando as raízes num passado não raro milenar, estas se
manifestam nas formas da religião, da filosofia e do génio poético de todo o tempo e de
cada povo, oferecendo interpretações do universo e da convivência humana e
procurando dar um sentido à existência e ao mistério que a envolve. Quem sou eu? Por
que a presença da dor, do mal, da morte, malgrado todo o progresso? A que
aproveitam tantas conquistas alcançadas se o seu preço não raro é insuportável? O que
haverá após esta vida? Estas perguntas fundamentais caracterizam o percurso do viver
humano. Pode-se, a propósito, recordar a admonição «Conhece-te a ti mesmo»,
esculpida na arquitrave do templo de Delfos, que está a testemunhar a verdade basilar
segundo a qual o homem, chamado a distinguir-se entre todas as criaturas, se qualifica
como homem justo enquanto constitutiva mente orientado a conhecer-se a si
mesmo.”416
Apesar do Papa abordar este tema na sua última Mensagem, não deixará de
afirmar que a comunicação social deve satisfazer estas “aspirações profundas do ser
humano”, no “sentido de verdade e unidade”: “Como qualquer outro fruto do engenho
humano, as novas tecnologias da comunicação pedem para ser postas ao serviço do
bem integral da pessoa e da humanidade inteira. Usadas sabiamente, podem contribuir
para satisfazer o desejo de sentido, verdade e unidade que permanece a aspiração mais
profunda do ser humano.”417
Uma das formas propostas para concretizar estas transformações culturais na
revolução digital, é a partir do veículo de partilha. Ao longo dos últimos quarenta anos,
é evidente que o Magistério tenta introduzir profundidade nos modos da comunicação
social, fazendo ver que é o ato de comunicar não significa unicamente informar. Esta
ideia torna-se mais percetível quando se define a relação entre o produtor e o
consumidor.
Nem sempre a reciprocidade entre estes dois elementos da comunicação é a mais
apropriada. Por ser uma relação dominante e sujeita a inúmeras influências, subsiste
sempre uma certa vulnerabilidade à manipulação. Por outro lado, também muitas vezes
os operadores justificam a falta de qualidade cultural e intelectual dos seus programas
invocando o gosto da maioria dos consumidores.
Seria desejável que tanto os operadores, como os recetores, se regessem pela
qualidade intelectual e cultural, e sobretudo pela procura da verdade; observa-se, no
entanto, que o consumismo o único fator a ser considerado.
Na comunicação digital esta relação é distinta, levantando outras questões. O
mundo virtual permite que o consumidor atue de uma forma mais desumana. É comum,
por exemplo, o perigo de criar uma dupla identidade, de tal modo que a intervenção no
mundo real e no mundo virtual sejam díspares, pelo que as próprias consequências de
atos idênticos se percecionam como diferentes; é frequente, por exemplo, no mundo
416
CDSI, n.14.
417
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
122
virtual a tendência para não ter em conta os efeitos das próprias ações, como se estas
não existissem; promovendo esta ilusão, a internet afasta-se da verdade, criando um
mundo paralelo.
418
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
419
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
123
sobre as nossas opções e alimentar relações humanas que sejam verdadeiramente
profundas e duradouras? É importante nunca esquecer que o contacto virtual não pode
nem deve substituir o contacto humano direto com as pessoas, em todos os níveis da
nossa vida.”420
O mundo virtual torna-se uma ameaça quando se toma como um sucedâneo do
mundo real, afastado o homem da realidade e constituindo-se numa espécie de
subterfúgio que permite a fuga dos seus problemas. Não admira, por isso, que Bento
XVI exorte os cidadãos a interrogar-se sobre: “quem é o meu «próximo» neste novo
mundo?”. Os novos recursos permitem que a ideia do próximo e do distante sejam
coincidentes: a forma do homem contemporâneo estar no mundo virtual faz com que o
seu próximo se torne distante; e, apesar de proporcionar ao seu distante uma maior
proximidade, nunca o faz de forma absoluta. Na realidade, ameaça retirar intimidade às
relações humanas, mesmo que aparentemente o contacto humano pareça ter agora
dimensões extraordinárias. Tanto a nível cultural como social, as relações virtuais nunca
poderão ser equiparadas às relações humanas diretas e familiares, podendo ser um
complemento mas não uma substituição, pois isso seria negar ao homem a sua condição
natural de socialização. “Também na era digital, cada um vê-se confrontado com a
necessidade de ser pessoa autêntica e reflexiva.”421
É evidente que a comunicação nas redes sociais tem uma dinâmica própria, que
o Papa Bento XVI apresenta como um meio que envolve todo o homem que a utiliza.
As informações facultadas não são simples trocas de dados, são formas de se dar a
conhecer, de se dar a si próprio: “Aliás, as dinâmicas próprias da social network
mostram que uma pessoa acaba sempre envolvida naquilo que comunica. Quando as
pessoas trocam informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo,
as suas esperanças, os seus ideais.”422 A partilha não é somente de ideias, de opiniões
sociais ou políticas: é a partilha de si mesmo. Para combater o perigo de uma dupla vida
dividida entre a realidade e o mundo virtual, o Papa exorta à coerência da informação,
coerência naquilo que se diz e do que se mostra nas redes sociais.
Um dos perigos patentes na democracia foi o da quantificação da verdade.
Muitas vezes confunde-se a verdade de uma ideia com a sua popularidade, e esse erro é
corrente na internet, espaço onde tudo é perscrutado por opiniões. O Papa quando alerta
para esta questão, insiste que não se confunda a incorruptibilidade da verdade com
teorias transitórias: o conceito de verdade não depende de nenhum escrutínio ou da sua
aceitação, a verdade vale por si só. Muitas vezes, trata-se simplesmente de modas
passageiras, que fazem parte de ideologias políticas, mas têm o grave risco de
apresentar como efémeros e irrelevantes conceitos que são eternos.
O grande exemplo, é que as verdades acerca do homem são intemporais; mesmo
que outrora tenham sido debatida num areópago ou numa arena e que hoje seja debatida
numa espécie de areópago virtual: “antes de tudo, devemos estar cientes de que a
verdade que procuramos partilhar não extrai o seu valor da sua «popularidade» ou da
quantidade de atenção que lhe é dada. Devemos esforçar-nos mais em dá-la conhecer
420
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
421
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
422
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
124
na sua integridade do que em torná-la aceitável, talvez «mitigando-a». Deve tornar-se
alimento quotidiano e não atração de um momento.”423
A internet é uma componente presente na vida contemporânea, com
consequências determinante em todas as dimensões do homem, portanto também na
dimensão espiritual. Daí que o Papa defenda a conveniência da Igreja Católica estar
presente neste meio, fazendo sobretudo uma exigência à atitude e ao comportamento
dos cristãos leigos na internet: “O compromisso por um testemunho do Evangelho na
era digital exige que todos estejam particularmente atentos aos aspetos desta
mensagem que possam desafiar algumas das lógicas típicas da web”424, tendo mesmo
obrigação de se insurgirem em relação aos aspetos que possam contradizer o bem
comum e a dignidade do homem. “Quero convidar os cristãos a unirem-se
confiadamente e com criatividade consciente e responsável na rede de relações que a
era digital tornou possível; e não simplesmente para satisfazer o desejo de estar
presente, mas porque esta rede tornou-se parte integrante da vida humana. A web está
a contribuir para o desenvolvimento de formas novas e mais complexas de consciência
intelectual e espiritual, de certeza compartilhada.”425
Depois do Concílio Vaticano II, o Magistério apercebeu-se desta necessidade:
estimular a participação dos leigos no meio do mundo, sobretudo na comunidade
política, e essa participação é feita também a partir dos meios de comunicação. Em 2002
na Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento
dos católicos na vida política, pode-se ler que “Através do cumprimento dos comuns
deveres civis, «guiados pela consciência cristã» e em conformidade com os valores com
ela congruentes, os fiéis leigos desempenham também a função que lhes é própria de
animar cristãmente a ordem temporal, no respeito da natureza e da legítima autonomia
da mesma e cooperando com os outros cidadãos, segundo a sua competência específica
e sob a própria responsabilidade. (…) «Os fiéis leigos não podem de maneira nenhuma
abdicar de participar na ‘política’, ou seja, na multíplice e variada ação económica,
social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e
institucional o bem comum», que compreende a promoção e defesa de bens, como são a
ordem pública e a paz, a liberdade e a igualdade, o respeito da vida humana e do
ambiente, a justiça, a solidariedade.”426
Esta responsabilidade por assumir uma cidadania ativa torna-se igualmente
pertinente no mundo virtual. A participação dos cristãos na internet passa pela
coerência, pelo exemplo das suas vidas e pela defesa da dignidade de cada homem,
porque, apesar da distância do convívio no espaço virtual, o homem não deixa de o ser e
o respeito que lhe é devido não diminuiu: “os crentes, testemunhando as suas
convicções mais profundas, prestam uma preciosa contribuição para que a web não se
torne um instrumento que reduza as pessoas a categorias, que procure manipulá-las
emotivamente ou que permita aos poderosos monopolizar a opinião alheia. Pelo
423
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
424
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
425
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
426
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à
participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002.
125
contrário, os crentes encorajam todos a manterem vivas as eternas questões do homem,
que testemunham o seu desejo de transcendência e o anseio por formas de vida
autêntica, digna de ser vivida. Precisamente esta tensão espiritual própria do ser
humano é que está por detrás da nossa sede de verdade e comunhão e nos estimula a
comunicar com integridade e honestidade.”427
427
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
428
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
126
É neste sentido que o silêncio se torna um elemento fundamental para as
relações humanas serem mais íntegras: “o silêncio é parte integrante da comunicação e,
sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-
nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com
maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como
exprimir-nos. Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma, e
permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas
palavras e ideias. Deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se
possível uma relação humana mais plena.”429
Mas o ponto fulcral na defesa do silêncio como um meio para comunicar
melhor, é a comprovação de que é pelo silêncio que o homem pode manifestar os seus
sentimentos mais sublimes: o amor, a amizade ou até mesmo o sofrimento. O silêncio
torna-se essencial no ato de comunicar o mais profundo do si: “é no silêncio, por
exemplo, que se identificam os momentos mais autênticos da comunicação entre
aqueles que se amam: o gesto, a expressão do rosto, o corpo enquanto sinais que
manifestam a pessoa. No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que
encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Por
isso, do silêncio, deriva uma comunicação ainda mais exigente, que faz apelo à
sensibilidade e àquela capacidade de escuta que frequentemente revela a medida e a
natureza dos laços.”430
Devido ao aumento e à massificação dos meios de comunicação, a sociedade
contemporânea é constantemente, e às vezes abusivamente, bombardeada por
informações. O exemplo mais frequente é o da invasão da publicidade: torna-se
praticamente impossível não escutarmos ou não vermos a publicidade. O silêncio é
indispensável tanto para discernir as informações a que o homem está exposto, como
para formular uma hierarquia de interesses.
Mais ainda, é pelo silêncio que se pode chegar ao encontro da verdade no meio
do barulho: “Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial
o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório. Uma
reflexão profunda ajuda-nos a descobrir a relação existente entre acontecimentos que,
à primeira vista, pareciam não ter ligação entre si, a avaliar e analisar as mensagens;
e isto faz com que se possam compartilhar opiniões ponderadas e pertinentes, gerando
um conhecimento comum autêntico. Por isso é necessário criar um ambiente propício,
quase uma espécie de «ecossistema» capaz de equilibrar silêncio, palavra, imagens e
sons.”431
O silêncio torna-se assim parte natural do ecossistema do mundo da
comunicação, essencial para se compreender o conteúdo das informações e para nos
expressarmos: tornando a comunicação mais autêntica e mais exigente, aumenta a
sensibilidade e a compreensão para com o outro.
É evidente que a atuação dos meios de comunicação promove uma sociedade
extremamente exposta aos estímulos dos sentidos, ao ponto de criar dependências. Num
429
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
430
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
431
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
127
cenário de excesso de estímulos sensoriais, o ecossistema do silêncio teria como ponto
central o equilíbrio entre a palavra, a imagem e o som, ou seja a harmonia dos sentidos
na comunicação.
Como vimos referindo, segundo Bento XVI a comunicação social terá como
novo aliado o silêncio no seu objetivo central de procura da verdade: “grande parte da
dinâmica atual da comunicação é feita por perguntas à procura de respostas. Os
motores de pesquisa e as redes sociais são o ponto de partida da comunicação para
muitas pessoas, que procuram conselhos, sugestões, informações, respostas. Nos nossos
dias, a Rede vai-se tornando cada vez mais o lugar das perguntas e das respostas;
mais, o homem de hoje vê-se, frequentemente, bombardeado por respostas a questões
que nunca se pôs e a necessidades que não sente. O silêncio é precioso para favorecer
o necessário discernimento entre os inúmeros estímulos e as muitas respostas que
recebemos, justamente para identificar e focalizar as perguntas verdadeiramente
importantes.”432
Tradicionalmente, as grandes questões sobre o sentido da vida, que influenciam
o futuro do homem e das sociedades, encontram resposta no meio mais familiar e na
própria cultura, estimulando assim os cidadãos e a família a interrogar-se e a querer
saber mais. A transferência de abordagem para as redes sociais confere a estes
instrumentos uma enorme credibilidade, mas nem sempre as respostas são tão
determinadas como as perguntas, e nem sempre as respostas vão ao encontro da
realidade, sendo possível que muitas respostas sejam motivadas por interesses e por
tendências.
A comunicação social está sobrecarregada de informações acerca de tudo. Por
isso, o Papa aconselha que as fontes de investigação não se reduzam à pesquisa direta e
confiante nestes instrumentos, é preciso levar a cabo uma reflexão mais segura. Muitas
vezes, essa reflexão desenvolve-se com o pensamento, ou seja, mais uma vez alcança-se
pelo silêncio: “entretanto, neste mundo complexo e diversificado da comunicação,
aflora a preocupação de muitos pelas questões últimas da existência humana: Quem
sou eu? Que posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar? É importante acolher
as pessoas que se põem estas questões, criando a possibilidade de um diálogo
profundo, feito não só de palavra e confrontação, mas também de convite à reflexão e
ao silêncio, que às vezes pode ser mais eloquente do que uma resposta apressada,
permitindo a quem se interroga descer até ao mais fundo de si mesmo e abrir-se para
aquele caminho de resposta que Deus inscreveu no coração do homem.”433A ideia de
coração434 simboliza a conjugação da vontade435 e da liberdade, ou do querer e do dever
432
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
433
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
434
Cf. CIC, n. 2563: “O coração é a morada onde estou, onde habito (e segundo a expressão semítica ou
bíblica, aonde eu «desço»). É o nosso centro oculto, inapreensível, quer para a nossa razão quer para a
dos outros: só o Espírito de Deus é que o pode sondar e conhecer. E o lugar da decisão, no mais
profundo das nossas tendências psíquicas. É a sede da verdade, onde escolhemos a vida ou a morte. É o
lugar do encontro, já que, à imagem de Deus, vivemos em relação: é o lugar da aliança.”.
435
Pode-se ler no CIC, n. 1768, a relevância do conceito de vontade: “a vontade recta ordena para o bem
e para a bem-aventurança os movimentos sensíveis que assume; a vontade má sucumbe às paixões
desordenadas e exacerba-as. As emoções e os sentimentos podem ser assumidos pelas virtudes, ou
pervertidos pelos vícios.”
128
no homem. É também nesse sentido que Santo Agostinho fala do coração inquieto436,
conceito que marcará o pensamento de Bento XVI; esta inquietação que está desde
sempre inscrita no coração do homem converge no silêncio.
“No fundo, este fluxo incessante de perguntas manifesta a inquietação do ser
humano, sempre à procura de verdades, pequenas ou grandes, que deem sentido e
esperança à existência.”437 Assim, confiar a resolução das inquietações do coração do
homem a uma pesquisa num motor de busca na internet ou a um artigo de opinion
makers não é suficiente para preencher a dimensão e a grandeza da dúvida: “o homem
não se pode contentar com uma simples e tolerante troca de céticas opiniões e
experiências de vida: todos somos perscrutadores da verdade e compartilhamos este
profundo anseio, sobretudo neste nosso tempo em que, «quando as pessoas trocam
informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas
esperanças, os seus ideais.»”438
Bento XVI continua: “devemos olhar com interesse para as várias formas de
sítios, aplicações e redes sociais que possam ajudar o homem atual não só a viver
momentos de reflexão e de busca verdadeira, mas também a encontrar espaços de
silêncio.”439 O Papa dá o exemplo de “breves mensagens (…) podem exprimir
pensamentos profundos, se cada um não descuidar o cultivo da sua própria
interioridade.”440 Isto é, uma das formas dos operadores convidarem ao silêncio as
barulhentas redes sociais é viverem o próprio silêncio nas suas vidas pessoais e
profissionais.
Logo, parte importante da solução para elevar o nível nos meios de comunicação
digital é a incorporação do conceito do silêncio, porque “educar-se em comunicação
quer dizer aprender a escutar, a contemplar, para além de falar.”441 Uma vez que “a
contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há-de vir» ou «linguagem calada
do amor». Na contemplação, as palavras não são discursos, mas acendalhas que
alimentam o fogo do amor.”442
436
Cf. S. AGOSTINHO, Confissões, 1, 1: “Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive
inquieto enquanto não repousa em Vós - Tu excitas, ut laudare te delectet; quia fecisti nos ad te, et
inquietum est Cor nostrum, donec requiescat in te”.
437
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
438
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
439
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
440
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
441
BENTO XVI, XLVI MDCS, 2012.
442
CIC n. 2717.
129
das imagens, da informação e dos valores hedonistas, permissivos e psicologistas que
lhes tão ligados geraram, ao mesmo tempo que uma nova forma de controlo dos
comportamentos, uma diversificação incomparável dos modos de vida, uma flutuação
sistemática da esfera privada, das crenças e dos papéis, ou, por outras palavras, uma
nova fase na história do individualismo ocidental.”443
Lipovetsky irá caracterizar nos seguintes termos o imenso poder de que estão
revestidos os meios de comunicação: “corresponde à instalação de uma sociedade
flexível assente na informação e na estimulação das necessidades, cordialidade e do
humor. É assim que opera o processo de personalização, novo modo de a sociedade se
organizar e de se orientar, novo modo de gerir os comportamentos. Já não através da
tirania dos pormenores, mas com o mínimo possível de coação e o máximo possível de
opções, com o mínimo de autoridade e o máximo de desejo, com o mínimo de
constrangimento e o máximo de compreensão.”444
Ou seja, o individualismo que Lipovetsky reconhece na sociedade
contemporânea é um individualismo narcisista, no sentido de uma auto-proclamação de
si mesmo, que é também ao mesmo tempo um narcisismo intelectual, que se manifesta
por uma atitude de superioridade relativamente às instituições, aos costumes e às
tradições: “dando lugar a novos valores que visam permitir o livre desenvolvimento da
personalidade íntima, legitimar a fruição, reconhecer os pedidos singulares, modular
as instituições de acordo com as aspirações dos indivíduos.”445 Com um enorme acesso
à informação, os indivíduos autoproclamam-se superiores e ostentam as suas opiniões
como dogmas científicos.
Bento XVI encontra no silêncio, como já se indicou, uma forma de combater
este vazio individualista446 identificado por Lipovetsky, mas acentuará também a
convicção de que o homem terá de se reconhecer a si mesmo como homem espiritual.
2013, último ano do Pontificado de Bento XVI, foi proclamado pela Igreja Ano
da Fé. Mais do que uma recristianização da Europa ou do mundo ocidental, o Papa
propôs uma nova envangelização. Neste sentido, o Motu Proprio de Bento XVI Porta
Fidei, que marcou a preparação para o Ano da Fé, reconhece que “sucede não poucas
vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais,
culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um
pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir,
mas frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer
um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da
fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores
da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.”447
443
LIPOVETSKY, Gilles, A Era do Vazio, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1983, p.7.
444
Idem, p.8-9.
445
Idem, p.8.
446
Cf. Idem, p. 9: “Direito de o indivíduo ser absolutamente ele próprio, de fruir ao máximo a vida, é
inesperável de uma sociedade que erigiu o indivíduo livre em valor principalmente e não passa de uma
última manifestação da ideologia individualista; mas foi a transformação dos estilos de vida associada à
revolução do consumo que permitiu este desenvolvimento dos direitos e desejos do indivíduo”.
447
BENTO XVI, Porta Fidei, 2011.
130
Nesta última Mensagem, que dedicará à reflexão sobre o novo paradigma no
mundo: as redes sociais, que o Papa designa como o novo ágora, volta a considerar a
internet como uma praça pública ainda que virtual: “desejo oferecer-vos algumas
reflexões sobre uma realidade cada vez mais importante que diz respeito à maneira
como as pessoas comunicam atualmente entre si; concretamente quero deter-me a
considerar o desenvolvimento das redes sociais digitais que estão a contribuir para a
aparição duma nova ágora, duma praça pública e aberta onde as pessoas partilham
ideias, informações, opiniões e podem ainda ganhar vida novas relações e formas de
comunidade.”448
As redes sociais têm nos últimos anos um enorme impacto e uma profunda
influência na cultura ocidental, como se comprova ao observar que o número destes
utilizadores aumenta drasticamente449, tornando-se quase impensável não pertencer a
nenhuma rede social.
Desta forma, as redes sociais converteram-se não só num instrumento de lazer,
usufruído em muitos sectores da sociedade, mas num espaço aliado à cidadania, que
torna possível a organização de movimentos, de associações e de indivíduos, fazendo
com que os cidadãos tenham mais oportunidade de expressar a suas opiniões; deu
também outra dimensão às campanhas eleitorais. No mundo profissional desenvolveu-
se uma nova forma de procurar trabalho, abrindo o horizonte para fora do país, tornando
a relação com a profissão mais global. Contudo, as redes sociais alteraram a cultura da
informação, a função informativa dos jornais ou dos telejornais está ameaçada pelo
mundo virtual, baixando o seu consumo drasticamente, obrigando estes serviços a
adaptarem-se a uma nova realidade; as notícias nas redes sociais tornaram-se mais
seletivas e a rapidez de anunciar a novidade acabou por ser um dos fatores mais
importantes da comunicação, mais do que a sua própria veracidade; a publicidade
assumiu outras formas de criatividade e o movimento de informações adquiriu um fluxo
extraordinário, inimaginável noutros tempos: “Estes espaços, quando bem e
equilibradamente valorizados, contribuem para favorecer formas de diálogo e debate
que, se realizadas com respeito e cuidado pela privacidade, com responsabilidade e
empenho pela verdade, podem reforçar os laços de unidade entre as pessoas e
promover eficazmente a harmonia da família humana. A troca de informações pode
transformar-se numa verdadeira comunicação, os contactos podem amadurecer em
amizade, as conexões podem facilitar a comunhão.”450
O respeito pela dignidade do homem, nas redes sociais, introduz-se com o
respeito pela privacidade e pela intimidade tanto do outro como própria, e também com
o empenho na proteção da verdade. As redes sociais não se limitam a ser um meio de
partilha de informações ou de ideias, mas sim um espaço onde a pessoa se comunica-se
a si mesma: “se as redes sociais são chamadas a concretizar este grande potencial, as
pessoas que nelas participam devem esforçar-se por serem autênticas, porque nestes
448
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
449
O Twiter já anunciou que com 200 milhões de utilizadores ativos, o Facebook conta com mais de 1000
milhões em todo o mundo, em Portugal as estatísticas apontam 5 milhões de utilizadores ativos.
450
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
131
espaços não se partilham apenas ideias e informações, mas em última instância a
pessoa comunica-se a si mesma.”451
O pouco cuidado com a privacidade é uma tendência comum na geração das
redes sociais que introduz, muitas vezes de forma irrefletida, na intimidade pessoal e na
intimidade familiar estranhos, que de outro modo – não virtual – seria impensável
entrarem na esfera pessoal ou familiar452. O Magistério identificará outro perigo
igualmente comum: a banalização da pessoa na sua dimensão corporal, tornando muitas
vezes o corpo um instrumento egoísta e o centro das preocupações de muitos
utilizadores das redes sociais. Poder-se-ia comparar o comportamento nas redes sociais
com o Mito de Narciso: o herói da mitologia grega fica de tal maneira fechado em si
próprio que perde a sua vida.
Assim, estimulada pela comunicação virtual, a autopromoção tem vindo a
ganhar espaço. Este aspeto acentua-se sobretudo nos consumidores das redes sociais e
baseia-se no protagonismo de si próprio, naqueles mais que desejados 5 minutos de
fama. Mas esta postura conduz o homem contemporâneo a uma cultura egoísta. À
partida no panorama digital existe espaço para todos, qualquer pessoa tem acesso à
internet e esse espaço público é adquirido sem mérito. Isto permite criar celebridades
instantâneas: celebridades vazias e passageiras. “A distinção clara entre o produtor e o
consumidor da informação aparece relativizada, pretendendo a comunicação ser não
só uma troca de dados, mas também e cada vez mais uma partilha. Esta dinâmica
contribuiu para uma renovada avaliação da comunicação, considerada primariamente
como diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas. Por outro
lado, isto colide com alguns limites típicos da comunicação digital: a parcialidade da
interação, a tendência a comunicar só algumas partes do próprio mundo interior, o
risco de cair numa espécie de construção da auto-imagem que pode favorecer o
narcisismo.”453 Esta postura, comum nos utilizadores da comunicação digital, promove
uma forma de estar na internet com tendência a banalizar-se a sua própria intimidade, a
intimidade da sua família e a intimidade do outro, e com ela também a dignidade
própria e alheia.
Assiste-se também a uma transformação das novas amizades virtuais. Será nas
redes sociais que subsiste um constante incentivo à linguagem efémera e com baixo
nível intelectual. Manter um nível de desenvolvimento humano e intelectual exigente
poderá ser um dos desafios mais difíceis perante a massificação da cultura, mas que
depende de cada utilizador e, dos seus operadores. “o desenvolvimento das redes sociais
requer dedicação: as pessoas envolvem-se nelas para construir relações e encontrar
amizade, buscar respostas para as suas questões, divertir-se, mas também para ser
estimuladas intelectualmente e partilhar competências e conhecimentos.”454
O Papa retrata as redes sociais como parte do tecido social que une as pessoas a
partir dos sentimentos universais da amizade, da necessidade de comunicar e de
451
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
452
Por exemplo o Facebook possuiu mais ou menos 40 bilhões de imagens, ou seja este número é 10000
vezes superior ao maior banco de imagens impressas no mundo: a Biblioteca do Congresso Americano.
453
BENTO XVI, XLV MDCS, 2011.
454
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
132
partilhar as histórias de vida: “Assim as redes sociais tornam-se cada vez mais parte do
próprio tecido da sociedade enquanto unem as pessoas na base destas necessidades
fundamentais. Por isso, as redes sociais são alimentadas por aspirações radicadas no
coração do homem.”455
455
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
456
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
457
LIPOVETSKY, Gilles, A Era do Vazio, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1983, pp. 10-11.
458
CDSI, n.175.
459
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
133
“argumentação lógica”: “por conseguinte os meios de comunicação social precisam do
compromisso de todos aqueles que estão cientes do valor do diálogo, do debate
fundamentado, da argumentação lógica; precisam de pessoas que procurem cultivar
formas de discurso e expressão que façam apelo às aspirações mais nobres de quem
está envolvido no processo de comunicação.”460
O Papa propõe uma mesa redonda de “diálogo e debate podem florescer e
crescer mesmo quando se conversa e toma a sério aqueles que têm ideias diferentes das
nossas. «Constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que as pessoas não só
aceitem a existência da cultura do outro, mas aspirem também a receber um
enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem, de verdade e de
beleza» (Discurso no Encontro com o mundo da cultura, Belém).”461
Para alcançar e fomentar este diálogo respeitoso é necessário, em primeiro lugar,
que os utilizadores destes meios tenham unidade de vida. Não se devem tratar as
realidades digitais como se pertencessem a um mundo que é virtual e paralelo: são
realidades com consequências concretas nas vidas de cada um e desencadeando
alterações culturais. Torna-se fundamental conhecer e dominar estas realidades, tomar
medidas concretas, sobretudo em relação às gerações mais novas: “o ambiente digital
não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas faz parte da realidade quotidiana
de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens. As redes sociais são o fruto da
interação humana, mas, por sua vez, dão formas novas às dinâmicas da comunicação
que cria relações: por isso uma solícita compreensão por este ambiente é o pré-
requisito para uma presença significativa dentro do mesmo.”462
“No ambiente digital, a palavra escrita aparece muitas vezes acompanhada por
imagens e sons”463, produzindo muitas vezes uma dependência dos sentidos na
comunicação. Bento XVI volta a introduzir o argumento da linguagem da Igreja como
resposta: “Uma comunicação eficaz, como as parábolas de Jesus, necessita do
envolvimento da imaginação e da sensibilidade afetiva daqueles que queremos
convidar para um encontro com o mistério do amor de Deus. Aliás sabemos que a
tradição cristã sempre foi rica de sinais e símbolos: penso, por exemplo, na cruz, nos
ícones, nas imagens da Virgem Maria, no presépio, nos vitrais e nos quadros das
igrejas. Uma parte consistente do património artístico da humanidade foi realizado por
artistas e músicos que procuraram exprimir as verdades da fé.”464
Defende igualmente que a cultura do mundo ocidental deve reconhecer a
importância da fé no desenvolvimento humano e no pensamento. Reduzir a Igreja
Católica a uma realidade puramente teológica, menosprezando o seu papel na
sociedade, como se nota em alguns meios de comunicação, é um erro. É necessário
relembrar que o sentido religioso no homem foi um fator de mudanças culturais,
artísticas, tanto no pensamento como na pintura, escultura e música, e inclusivamente de
mudanças científicas ao longo da história da humanidade. O historiador americano
460
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
461
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
462
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
463
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
464
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
134
Thomas Woods queixava-se dos seus alunos “O máximo que os meus alunos sabem
sobre a Igreja – aqueles que ainda sabem alguma coisa – é que é «corrupta» (…) O
facto de a civilização ocidental dever à Igreja Católica o sistema universitário, as
obras de caridade, o direito internacional, as ciências, diversos princípios legais
importantes, e muito mais – este facto não lhes foi transmitido com grande zelo.
Acontece que a civilização ocidental tem para com a Igreja Católica uma divida muito
superior àquela que a maioria das pessoas se apercebe – incluindo muitos católicos. A
verdade é que foi a Igreja que erigiu a civilização ocidental.”465
Abandonar a tradição, e fomentar uma constante evolução tecnológica produz
uma falsa ideia de conforto no homem, levando ao que Gilles Lipovetsky descreve
como “o que se quer é viver já, aqui e agora, ser-se jovem em vez de forjar o homem
novo”466 Contudo a comodidade do já, aqui e agora, não consegue anular as
inquietações escatológicas sobre a vida e sobre a morte, que sempre estiveram presentes
no velho coração do homem.
Mesmo com a evolução da ciência e com a certeza da razão, o homem não deixa
de se interrogar sobre o fim último da sua existência, sendo muitas vezes estas questões
motoras do próprio progresso. Bento XVI justifica a constante procura de Deus na
internet467, e o diálogo religioso nas redes sociais comprova a necessidade do debate
aberto e livre acerca de Deus e da fé: “um modo particularmente significativo de dar
testemunho é a vontade de se doar a si mesmo aos outros através da disponibilidade
para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas suas questões e nas suas
dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido da existência humana. A
aparição nas redes sociais do diálogo acerca da fé e do acreditar confirma a
importância e a relevância da religião no debate público e social.”468
465
WOODS, Thomas, O que a civilização ocidental deve à Igreja Católica, Lisboa, Alêtheia, 2005, p. 7-
8.
466
LIPOVETSKY, Gilles, A Era do Vazio, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1983, p. 11.
467
Sendo God – Deus - uma das palavras mais procuradas nos motores de busca da internet.
468
BENTO XVI, XLVII MDCS, 2013.
135
CONCLUSÃO
Todavia este debate incide sobretudo nas consequências e nos benefícios dos
meios de comunicação na sociedade. Ainda assim, à medida que os instrumentos de
comunicação vão evoluindo tecnologicamente e se vão massificando, novos problemas
vão surgindo.
Embora esta matéria seja tema recorrente no debate público e político, poder-se-
ia dizer que as grandes questões continuam por esclarecer: como será o futuro dos meios
de comunicação? Mas sobretudo como será o futuro com os meios de comunicação?
Nos últimos meses surgiram notícias que tornam ainda mais urgente este debate
acerca da legislação e da intervenção na comunicação social: os EUA colocaram pelo
menos 35 líderes mundiais sob escuta. Outra notícia avançada pelo jornal The
Washington Post indica que “a cada dia que passa, a NSA recolhe e guarda cinco mil
milhões de dados sobre localização, referentes a centenas de milhões de telemóveis.”
469
NAVARRO-VALLS, Joaquín, “Iglesia y sociedad de la comunicación”, in, Ibáñez, Pedro J. Navarro
(coord.), Congreso Internacional el Magisterio de la Iglesia Católica, Iglesia y Medios de Comunicación
Social, Universidad Católica San Antonio, Regions de Murcia, Octubre de 2000, p. 14.
136
informações tenham sido realizadas num âmbito privado. É necessário ter em
consideração que, apesar da União Europeia querer consagrar o “direito ao
esquecimento”, toda a informação publicada na internet fica armazenada por tempo
indefinido, mesmo que tenha sido apagada.470
Outra ameaça que tem surgido, de uma forma quase invisível, é a da chamada
irrealidade governativa. A noção da irrealidade governativa é um dos maiores desafios
aplicados aos meios de comunicação: consiste em perceber quem é que governa
verdadeiramente, quem é que determina e prescreve o que é e o que não é notícia.
470
O jurista francês Jean-Emmanuel Ray refere-se, com certa audácia ao “direito à desconexão”; trata-se,
no entanto, de um direito que não é possível reivindicar, pois na internet não existe o botão de desligar.
471
BENTO XVI, XLII MDCS, 2008, n. 3.
137
O interesse de uma análise dos meios de comunicação a partir das perspetivas do
Magistério é que permite encontrar a visão de uma instituição milenar, que ao longo da
história manteve os seus princípios e critérios doutrinais, sobre a comunicação social
que se define precisamente pela sua permanente mudança: “a Igreja pode e deve
informá-los e ajudá-los, mas não pode substituir as suas decisões pessoais e coerentes.
A tarefa, como se vê, é complexa e muito exigente. Somente a generosa colaboração de
todos poderá fazer com que os meios de comunicação social não só abandonem
atitudes e expressões, muito frequentes, eivadas de violência, de erotismo, de
vulgaridade, de egoísmo e interesses injustificados, mas consigam oferecer uma
formação ampla, cuidadosa e verdadeira e, no que diz respeito aos espetáculos, uma
diversão sadia, cultural e espiritualmente, contribuindo assim de modo eficaz para a
instauração de um humanismo completo, que a Igreja sumamente aprecia.”472
472
PAULO VI, XII MDCS, 1978.
473
Em relação a esta interação pode ler-se no CDSI, n. 78: “Um significativo contributo à doutrina social
da Igreja provém das ciências humanas e sociais: pela parte de verdade de que é portador, nenhum
saber é excluído. A Igreja reconhece e acolhe tudo quanto contribui para a compreensão do homem na
sempre mais extensa, mutável e complexa rede das relações sociais. Ela é consciente do fato de que não
se chega a um conhecimento profundo do homem somente com a teologia, sem a contribuição de muitos
saberes, aos quais a própria teologia faz referência.
A abertura atenta e constante às ciências faz com que a doutrina social da Igreja adquira competência,
concretize e atualidade. Graças a elas, a Igreja pode para compreender de modo mais preciso o homem
na sociedade, de falar aos homens do próprio tempo de modo mais convincente e cumprir de modo eficaz
a sua tarefa de encarnar, na consciência e na sensibilidade social do nosso tempo, a palavra de Deus e a
fé, da qual a doutrina social «parte».
Este diálogo interdisciplinar compele também as ciências a colher as perspetivas de significado, de valor
e de empenhamento que a doutrina social desvela e «a abrir-se numa dimensão mais ampla ao serviço de
cada pessoa, conhecida e amada na plenitude da sua vocação.»”
138
constante aos deveres relativos de cada um e da sociedade e um melhoramento
contínuo que brote do confronto com os verdadeiros valores da vida humana, mas
também a colaboração indispensável de todos os que determinam o processo
comunicativo.”474
474
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
475
PAULO VI, XI MDCS, 1977.
139
paz, desafiando estes meios. Por outro lado, dando voz aos mais vulneráveis, o
Magistério reivindica, a partir destas Mensagens, uma autêntica liberdade, exigente e
fidedigna à verdade, no sentido em que os meios de comunicação constituem um
exercício da liberdade e no “exercício da liberdade, o homem põe atos moralmente
bons, construtivos da pessoa e da sociedade, quando obedece à verdade, ou seja,
quando não pretende ser criador e senhor absoluto desta última e das normas éticas. A
liberdade, com efeito, «não tem o seu ponto de partida absoluto e incondicionado em si
própria, mas na existência em que se encontra e que representa para ela,
simultaneamente, um limite e uma possibilidade. É a liberdade de uma criatura, ou
seja, uma liberdade dada, que deve ser acolhida como um gérmen e fazer-se
amadurecer com responsabilidade». Caso contrário, morre como liberdade, destrói o
homem e a sociedade.”476
Podemos concluir com as palavras de João Paulo II, dirigidas em 1998 aos
jovens de Cuba sob o regime de Fidel Castro: “a melhor herança que se pode
comunicar às futuras gerações é a transmissão dos valores superiores do espírito. Não
se trata apenas de salvar alguns deles, mas de favorecer uma educação ética e cívica
que ajude a assumir novos valores, a reconstruir o próprio carácter e a alma social
sobre a base de uma educação para a liberdade, a justiça social e a
responsabilidade.”479 E esta realização só será possível com o auxílio dos meios de
comunicação social.
476
CDSI, n. 138.
477
CONCÍLIO VATICANO II, Dignitatis humanae, 1965, n. 2.
478
CDSI, n. 415.
479
JOÃO PAULO II, Mensagem escrita aos jovens cubanos, Camagüey: 23 Janeiro 1998, n. 4.
140
meios de comunicação: “recordo que a vossa profissão, além de ser informativa é
também formativa, é um serviço público, ou seja um serviço ao bem comum. Um
serviço à verdade, um serviço à bondade e um serviço à beleza! (…) Em última análise,
a qualidade ética da comunicação é fruto de consciências atentas, não superficiais e
sempre respeitadoras das pessoas, tanto daquelas que são objeto de informação, como
dos destinatários da mensagem. Cada qual no próprio papel e com a sua
responsabilidade é chamado a vigiar para manter alto o nível ético da comunicação,
evitando aquilo que causa tanto mal: a desinformação, a difamação e a calúnia.
Manter alto o nível ético.”480
Talvez o futuro da comunicação social passe pela ambição humana que Bento
XVI exprimiu pertinentemente em Lisboa, no Encontro com o Mundo da Cultura no
Centro Cultural de Belém: “Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas
lugares de beleza.”481
480
PAPA FRANCISCO, Discurso aos dirigentes e funcionários da rádio e televisão italiana – Rai,
Vaticano: 18 Janeiro 2014.
481
BENTO XVI, Discurso do encontro com o Mundo da Cultura, Centro Cultural de Belém, Lisboa: 12
Maio 2010.
141
ANEXO A – DEMOCRACIA E DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
140
mundial, e da confiança apenas nas próprias forças. A recente experiência demonstrou
que os países que foram excluídos registraram estagnação e recessão, enquanto
conheceram o desenvolvimento aqueles que conseguiram entrar na corrente geral de
interligação das atividades económicas a nível internacional. O maior problema,
portanto, parece ser a obtenção de um acesso equitativo ao mercado internacional, não
fundado sobre o princípio unilateral do aproveitamento dos recursos naturais, mas
sobre a valorização dos recursos humanos.»”4
4
CDSI, n. 447.
5
CDSI, n. 447.
141
dos países africanos com mais rápido crescimento económico, que é no entanto um país
democrático, que é algo excecional no continente africano. Há que reconhecer, no
entanto, que os benefícios da liberdade e da democracia vão muito para além do
crescimento económico, e as suas implicações nos meios de comunicação social são
essenciais à defesa e aproveitamento das suas tecnologias.
1. Evita a tirania;
2. Direitos essenciais;
3. Liberdade para todos;
4. Autodeterminação;
5. Autonomia moral;
6. Desenvolvimento humano;
7. Proteção de interesses pessoais e essenciais;
8. Igualdade Política;
Além disso as modernas Democracias produzem:
9. Procura da Paz e
10. Prosperidade”6
6
DAHL, Robert, Sobre a democracia, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 56.
142
ANEXO B – CONCEITO DE ESTADO NA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
143
alma nacional. Se a psicologia positiva rejeitou definitivamente o conceito de alma
individual, deixando-o ao domínio das crenças religiosas não vemos como a política
possa manter o conceito de alma coletiva.”9
O novo protagonismo dos leigos terá de estar associado a uma maior formação, a
mais conhecimento, pois a ambição de alcançar a verdade deve fazer parte desta
condição de leigos, já que não é possível recomendar o bem, sem antes o conhecer:
“para escolher corretamente, é necessário conhecer as normas da ordem moral e
9
DUGUIT, Léon, Os elementos do Estado, 2º Edição Lisboa, Editorial Inquérito, 1937.
10
LEÃO XIII, Carta Encíclica, Rerum Novarum, 1981, n. 9.
11
LEÃO XIII, Carta Encíclica, Rerum Novarum, 1981, n. 9.
12
Para além destes serem em maior número, têm como missão e vocação próprias estar no meio do
mundo e, concretamente, nesta área da comunicação, até mais do que o próprio clero, que tem funções
específicas: “na promoção de uma autêntica cultura os fiéis leigos reservarão grande relevo aos meios
de comunicação de massa, considerando sobretudo os conteúdos das inúmeras escolhas realizadas pelas
pessoas: tais escolhas, mesmo variando de grupo para grupo e de indivíduo para indivíduo, possuem
todas um peso moral e sob este aspeto devem ser avaliadas.” In. CDSI, n. 560.
144
aplicá-las fielmente. A Igreja oferece uma longa tradição de sabedoria, enraizada na
Revelação Divina e na reflexão humana, cuja orientação teológica serve como
importante corretivo tanto no que se refere «à solução “ateia”, que priva o homem de
uma das suas componentes fundamentais, a espiritual, quanto no que diz respeito às
soluções permissivas e consumistas, que buscam, sob vários pretextos, convencê-lo da
sua independência de toda a lei e de Deus». Mais do que julgar os meios de
comunicação social, esta tradição coloca-se ao seu serviço: «a cultura eclesial da
sabedoria, própria da Igreja, pode salvar a cultura mediática da informação, a fim de
que não se torne um amontoar-se de fatos sem significado».13
13
CDSI, n. 560.
145
ANEXO C – A CONTEXTUALIZAÇÃO POLÍTICA NO INÍCIO DAS
MENSAGENS PARA O DIA MUNDIAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
A posição da Igreja Católica face aos direitos das colónias era muito clara, e não
poderia ser de outra forma. Desde 1648, com o Tratado de Vestefália, de máxima
importância não só para diplomacia moderna mas sobretudo para a interpretação
contemporânea do conceito Estado-Nação, reconheceu-se o direito à soberania, apesar
de este direito se limitar aos países da Europa. Já em 1945, no final da II Guerra
Mundial, o direito à soberania consagrou-se no âmbito do Direito Internacional,
designadamente na Carta das Nações Unidas. Este princípio de autodeterminação dos
povos, que definia a soberania das colónias, não deve ser confundido como um apoio a
qualquer tipo de revolução; consistia na proclamação do direito ao autogoverno, à
determinação das políticas internas e externas. Pretendia, como afirma a Carta das
Nações Unidas no capítulo 1, art. 1º: "Desenvolver relações amistosas entre as nações,
baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e autodeterminação dos
povos, e tomar outras medidas apropriadas para reforçar a paz universal". Em
Portugal atravessava-se um período árduo em relação à independência das colónias
ultramarinas, e a altivez política de Salazar sobre este processo influenciou a sua relação
com a Igreja.14
14
Quando no dia 4 de Outubro de 1965 Paulo VI se dirigiu à Assembleia da ONU, falou sobre a
necessidade de uma lógica da paz mundial: “esta Organização representa o caminho obrigatório da
civilização moderna e da paz mundial” e mais abaixo traduz essa paz mundial como o direito à
autodeterminação: “À pluralidade dos Estados, que já não podem ignorar-se uns aos outros, vós
propondes uma forma de coexistência extremamente simples e fecunda. Ei-la: em primeiro lugar,
reconheceis e distinguis uns e outros (…). Dais um reconhecimento de alto valor moral e jurídico a cada
comunidade nacional soberana e garantis-lhe uma honrosa cidadania internacional. É já um grande
serviço prestado à causa da humanidade: bem definir e honrar os súbditos nacionais da comunidade
mundial.”
E esta posição da Igreja Católica em relação ao direito de soberania foi mal aceite em Portugal.
O culminar desta má relação deu-se sobretudo com a manifestação hostil em 1964, quando o Papa Paulo
VI efetua a visita apostólica à India e a Goa. A viagem desagradou ao Professor Salazar: “O incidente,
porém deixara sequelas profundas. Salazar sente-se desconsiderado. (…) E quando, no Outono de 1964
se ventila a hipótese da vinda do Papa a Portugal Salazar chega a ordenar ao seu Ministro dos
Estrangeiros Franco Nogueira que diga ao Núncio que «espera morrer sem ver em Portugal um Papa
que tanto agravou o meu país», e que «enquanto for vivo o Papa não entra aqui». Chegou mesmo a
referir-se ao Cardeal Cerejeira como sendo um fraco», que «nunca teve a coragem de castigar ninguém»
(…) Mas no ano seguinte, Franco Nogueira sugere ao Embaixador Faria [embaixador de Portugal junto
146
Enquanto isso, na América Latina, os governos oscilavam entre o socialismo e
as juntas militares a Bolívia vivia em estado de emergência e no Chile o general
Pinochet tinha declarado estado de sítio.
É também durante os anos 70 que a cultura dos EUA, que terá uma enorme
influência internacional através dos meios de comunicação social, é marcada pelo
hedonismo social um pouco hollywoodesco, com estilos de vida inspirados pelo cinema
a que estará associado um certo esvaziamento das relações humanas.
da Santa Sé] que transmita ao Vaticano a «muita honra e muito júbilo» com que via que o Papa viesse a
Fátima, em 1967, no cinquentenário das aparições. Salazar emenda: «Talvez seja melhor ficar só pela
honra e não falar do júbilo»” in, BRAGA DA CRUZ, Manuel, O Estado Novo e a Igreja Católica, 2ª
Edição, Lisboa, Editorial Bizâncio, 1999, p. 174-175.
João Paulo II volta a este tema na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis. Cf. CDSI; n. 192: “O processo de
aceleração da interdependência entre as pessoas e os povos deve ser acompanhado com um empenho no
plano ético-social igualmente intensificado, para evitar as nefastas consequências de uma situação de
injustiça de dimensões planetárias, destinada a repercutir muito negativamente até nos próprios países
atualmente mais favorecidos”.
147
ANEXO D – CONCEITO DE LIBERDADE
Quando Paulo VI, João Paulo II ou Bento XVI falam da noção de liberdade de
expressão ou de informação, ou até mesmo da liberdade em sentido mais amplo, não
falam de uma pura liberdade, mas sim da liberdade alicerçada na responsabilidade.
Prova concreta disso é que na comunicação política a liberdade não justifica tudo, não
sendo legítimo servir-se da própria liberdade para denegrir a imagem de outrem, ou nos
meios de comunicação não é lícito justificar o baixo nível da programação com o
argumento da liberdade. Fazê-lo seria cair no “erro básico: o homem não é pura
liberdade. A liberdade apoia-se em alguém, em algo, onde ela sobrevive. Para saber o
raio de ação da liberdade eu tenho de conhecer esse apoio. Não posso usar a liberdade
para atirar-me do 30 andar e voar: seria desconhecer que a minha natureza não tem
asas. Neste caso absurdo, trata-se de uma limitação física facilmente detetável que
condiciona e orienta a liberdade. Mas há outros limites que também nos ensinam qual a
finitude da liberdade, entre que «balizas» ela pode exercitar.”17
15
PAULO VI, VI MDCS, 1972, n. 6.
16
JOÃO PAULO II, Veritatis splendor, 1993, n. 46- 86.
17
PIMENTEL, João Paulo, “Quem é o homem?”, Nova Cidadania, Ano IX, n. 36, Lisboa, Julho –
Setembro 2008, p. 49.
148
A liberdade é um conceito fundamental nos meios de comunicação social: sem
liberdade não há comunicação. Neste sentido, para Paulo VI o combate ao desgaste
moral da sociedade ocidental dos anos 60 e 70, que fazia da liberdade o seu estandarte,
passava pela própria liberdade, mas sobretudo pelo compromisso da liberdade com a
verdade, reforçando estes dois conceitos como uma simbiose social: “deve-se
reconhecer a liberdade do artista que, exatamente para exprimir "o belo" da realidade,
tem o direito de se servir do auxílio da fantasia dando, assim, vida a uma nova criação.
Esta criação, porém, mesmo não coincidindo com a realidade concreta e ordinária, não
pode ser absolutamente diversa dela; isto é, deve permanecer fiel à sua verdade e à
verdade dos valores a que está ligada. A arte, de fato, se é verdadeira, é uma das
expressões humanamente mais nobres da verdade. Para prestar, pois, um serviço ao
homem e ser discípulos e pesquisadores da verdade, ocorre contribuir para a busca e o
gozo do verdadeiro, que obviamente exclui toda exploração — pela especulação
comercial ou por outros fins censuráveis — da fraqueza humana, ou da preparação
insuficiente do público.”18
18
PAULO VI, VI MDCS, 1972, n. 4.
149
ANEXO E – AS INFLUÊNCIAS DA TELEVISÃO
19
Idem, p. 43.
20
JOÃO PAULO II, XIII MDCS, 1979.
21
CONDRY John, “ladra do tempo, criada infiel”…, p. 44.
150
com ela, a buscar o bem e a promovê-lo» Os pais têm ainda o dever de levar os filhos a
apreciar «tudo o que é verdadeiro, digno de respeito ou justo, puro, amável ou
honroso». Portanto, além de ser espectadores que podem discernir por si só, os pais
deveriam contribuir ativamente para formar nos próprios filhos, ao assistir a televisão,
hábitos que levem a um sadio desenvolvimento humano, moral, religioso. Os pais
deveriam, com antecedência, informar os próprios filhos sobre o conteúdo dos
programas e fazer, consequentemente, a escolha consciente para o bem da família,
sobre o que ver ou o que não ver.”22
22
JOÃO PAULO II, XXVIII MDCS, 1994.
151
ANEXO F – A PROMOÇÃO DOS VALORES DA FAMÍLIA É A PROMOÇÃO
DA PAZ
Neste novo milénio, grande parte dos países desenvolvidos trocou os conflitos
internacionais por conflitos internos: o conflito mais mortífero na União Europeia
deixou de ser a ameaça de invasão do país vizinho; esta mudança de paradigmas
tornaram as preocupações dos Estados mais regionais, nível de conflito interno. O
possível cenário da de uma guerra mundial na Europa diminuiu e, se excluirmos a
ameaça do terrorismo fundamentalista islâmico, o maior inimigo do cidadão ocidental,
com consequências diretas nas famílias: é a crise do mercado financeiro, o desemprego,
mas também o surgimento da cultura da morte que, em nome de uma certa liberdade,
aceita a autodestruição da família.
A defesa da família torna-se essencial para fortalecer a ordem e a paz.
23
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 4.
24
POPPER, Karl, “Uma lei para a televisão”…, 2º Edição, Editora Gradiva, Lisboa, 1999, p. 22.
152
A discussão acerca da família e do seu fundamento no matrimónio, normalmente
remete-se para uma esfera privada. Mas, se a mutação do conceito de família tem
importantes repercussões socais, não só é legítimo como necessário que seja suscetível
de uma análise crítica. Neste sentido o Magistério acredita que “as causas contrárias ao
matrimónio25 e à família são prejudiciais para o bem comum da sociedade.”26
Torna-se assim essencial que “as próprias autoridades públicas têm o sério
dever de promover o matrimónio e a família, para o bem da sociedade em geral.
Contudo, hoje muitas pessoas aceitam e agem segundo as argumentações libertárias
efémeras dos grupos que defendem práticas que contribuem para o grave fenómeno da
crise da família e para o debilitamento do próprio conceito de família.”28 João Paulo II
acrescenta que a base da regulação na defesa da família é a liberdade: “em recorrer à
censura, é imperativo que as autoridades públicas definam políticas de regulação e
procedimentos para garantir que os meios de comunicação não ajam contra o bem da
família. Os representantes da família deveriam fazer parte deste empreendimento
político.”29
25
O CDSI n. 216, refere-se à insolubilidade do matrimónio nos seguintes termos: “Nenhum poder pode
abolir o direito natural ao matrimónio nem lhe modificar as características e a finalidade. O matrimónio,
com efeito, é dotado de características próprias, originárias e permanentes. Não obstante as numerosas
mudanças que pôde sofrer no curso dos séculos, nas várias culturas, estruturas sociais e atitudes
espirituais, em todas as culturas, aliás, há um certo sentido da dignidade da união matrimonial, se bem
que não transpareça por toda parte com a mesma clareza. Tal dignidade deve ser respeitada nas suas
características específicas, que exigem ser salvaguardadas defronte a toda tentativa de deturpá-la. A
sociedade não pode dispor do laço matrimonial, com o qual os dois esposos prometem mútua fidelidade,
assistência e acolhimento dos filhos, mas está habilitada a disciplinar-lhe os efeitos civis.”
26
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004.
27
JOÃO PAULO II, XXVII Mensagem do dia Mundial da Paz, 1994, Da família nasce a paz da família
humana, n.5.
28
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 4.
29
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 4.
153
mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a
estabilidade e a vida de relações no seio da família constituem os fundamentos da
liberdade, da segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A família é a
comunidade em que, desde a infância, se podem aprender os valores morais, (…) fazer
bom uso da liberdade. A vida da família é iniciação à vida em sociedade.”30 Portanto
destruir ou adulterar a essência do conceito de família é pôr em causa a ordem social e,
consequentemente, a paz.
João Paulo II considera que o primeiro passo para a paz, tema que voltará a
introduzir nas suas Mensagens do Dia Mundial da Comunicação, é a tentativa de criar e
manter uma maior equidade no acesso às tecnologias. O desequilíbrio no acesso ao
progresso, para além de ser uma injustiça, aumenta sempre o fosso entre países ricos e
pobres e ameaça a capacidade de crescimento dos países mais desfavorecidos, e
aumenta a instabilidade. “Os responsáveis pela política nos mass-media e no sector
público devem trabalhar também por uma distribuição equitativa dos recursos
comunicativos a níveis nacional e internacional, enquanto respeitam a integridade das
culturas tradicionais.” Contudo acescenta o Papa: “Os meios de comunicação não
deveriam parecer ter uma agenda hostil aos valores familiares sólidos das culturas
tradicionais, ou a finalidade de substituir tais valores, como parte de um processo de
globalização, com os valores secularizados da sociedade consumista.”31
Seguidamente, torna-se evidente que a defesa da família nuclear por parte dos
instrumentos de comunicação é imprescindível para a existência de paz. A alteração do
conceito e das funções da família - que existe desde que existe o próprio homem -,
assim como a substituição do seu papel pelo do Estado, não se pode considerar um
fenómeno inevitável evolução da sociedade, mas deverá ser analisado como um
problema contemporâneo, com consequências na geração futura. Hoje em dia o conceito
da família não está sujeito apenas à influência da natural evolução histórica, é alvo
constante de uma mutação artificial do seu propósito original. Apercebe-se que parte da
atual crise nos países ocidentais se deve às consequências da restruturação da família.
Para o Magistério, será nas famílias que se encontrará solução para esta questão.
Claro está que o conceito de família não se reduz à ligação biológica, Contudo a
família como célula vital, ou seja, como a primeira sociedade natural, está fundada no
matrimónio: na união entre um homem e uma mulher, denominada família nuclear.
Neste sentido, compete aos pais a primária tarefa de propiciar a educação aos filhos,
segundo os seus princípios. Este é, aliás, um direito consagrado na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, artigo 26, número 3: “aos pais pertence a
prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos” é nesta
continuidade que João Paulo II defendeu que “os pais, como os educadores primários e
mais importantes dos seus filhos, são inclusivamente os primeiros a dar-lhes um
ensinamento acerca dos meios de comunicação. Eles são chamados a formar os seus
filhos no «uso moderato, crítico, atento e prudente dos mass-media» em casa. Quando
30
CIC, n. 2207.
31
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 4.
154
os pais o fazem de modo consistente e positivo, a vida familiar fica enormemente
enriquecida. Até mesmo as crianças muito jovens podem receber lições importantes
sobre os meios de comunicação: que os mesmos são produzidos por pessoas ansiosas
de transmitir mensagens; que estas são com frequência mensagens para agir de um
modo específico – para comprar um produto, para assumir um comportamento
ambíguo – que não corresponde aos melhores interesses da criança, nem está em
sintonia com a verdade moral; que as crianças não deveriam aceitar ou imitar sem
crítica aquilo que encontram nos mass-media.”32
32
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 5.
33
Cf. BORLADO, Fernando Rodríguez, “Os custos da desestruturação familiar”, Aceprensa:
http://www.aceprensa.pt/articulos/2013/jul/30/os-custos-da-desestruturao-familiar. Acedido: 30 Julho
2013.
155
Centre for Social Justice34 pediu-lhe que deixasse clara a opção preferencial pelo
casamento sobre as uniões de facto e que a fomentasse com uma política fiscal mais
favorável para as uniões com matrimónio.”35
34
Cf. Idem: “O Centre for Social Justice (CSJ) foi fundado em 2004 pelo antigo ministro do Trabalho e
Pensões do governo de Cameron, Iain Duncan Smith. Nos seus relatórios sobre a sociedade britânica,
dedicou particular atenção aos fatores sociais que provocam a pobreza. O relatório publicado
recentemente é o que com mais profundidade fixou o foco em como as diferentes estruturas familiares
influem no desenvolvimento da sociedade.”
35
Idem.
36
HASKINS, Ron, “Work over Welfare: The Inside Story of the 1996 Welfare Reform Law”, Brookings
Institution Press, Washington, D. C. 2006.
37
JOÃO PAULO II, Carta às famílias, 2 de Fevereiro de 1994.
38
Na sua obra Origem da Família da Propriedade e do Estado.
39
LEÃO XIII, Sapientiae Christianae, 1980, n. 42.
156
empenham a ajudar a família nestes campos40, privam-se de um recurso essencial ao
serviço da paz. De forma particular os meios de comunicação social, pelas
potencialidades educativas de que dispõem, têm uma responsabilidade especial de
promover o respeito pela família, de ilustrar as suas expectativas e os seus direitos, de
pôr em evidência a sua beleza.”41
40
Em relação a este tema pode-se ler num artigo de 1996, Building the Bridge: Ten Big Ideas to
Transform America, apresentado pelos centrista New Democrats: ““Em vez de gastar mais para mitigar
os danos sociais produzidos pela dissolução da família, uma nova estratégia para reforçar a ordem
social na América devia começar por reforçar a família. A sociedade não pode continuar a professar a
neutralidade acerca da estrutura familiar perante a esmagadora evidência empírica de que a maioria
das crianças se dá melhor quando cresce em famílias biparentais intactas.”
41
BENTO XVI, XLII Mensagem do dia Mundial da Paz, 2008, Família humana, comunidade de paz,
n.5.
42
CIC, n. 2211.
157
uma escolha por um laço mais amplo e durável, que requer apoio social, moral e legal.
A reconhecer a união pública entre homens e mulheres, a sociedade como um todo
ajuda os indivíduos a alcançarem os objetivos e os benefícios que o casamento
representa: um companheiro em quem podemos confiar; um local seguro para criar as
crianças.”43 Esta profundidade e a superioridade do matrimónio sobre a coabitação
ainda carece apoio institucional: “a importância da família na vida e no bem-estar da
sociedade implica uma responsabilidade particular desta no apoio e fortalecimento do
matrimónio e da família. A autoridade civil deve considerar como seu grave dever
«reconhecer e proteger a verdadeira natureza do matrimónio e da família, defender a
moralidade pública e favorecer a prosperidade doméstica.»”44
João Paulo II reforça a confiança nos meios de comunicação social quando
defende que estes “têm uma enorme potencialidade positiva para promover valores
humanos e familiares sólidos e, desta maneira, contribuir para a renovação da
sociedade”45: Por isso, continua o Papa, é fundamental ter sentido de responsabilidade
perante a família: “os comunicadores profissionais deveriam reconhecer que têm uma
responsabilidade moral não apenas para dar às famílias todo o encorajamento,
assistência e apoio possíveis, em vista desta finalidade, mas também para exercer a
sabedoria, o bom juízo e a justiça na sua apresentação das questões que dizem respeito
à sexualidade, ao matrimónio e à vida familiar.”46
Para João Paulo II, os meios de comunicação são como hóspedes que as famílias
albergam em suas casas: “os meios de comunicação são recebidos diariamente como
hóspedes familiares em muitos lares”.47 Porém ninguém quer acolher no seu lar um
hóspede desconhecido que promove a discórdia, que assume um lugar de liderança na
educação dos filhos e que contradize os valores e as tradições próprios da família, assim
“os pais, enquanto usuários, devem constituir-se parte ativa no seu uso moderado,
crítico, vigilante e prudente, individuando qual a repercussão tida nos filhos, e
exercendo mediação orientadora «de educar a consciência dos filhos a exprimir juízos
serenos e objetivos, que depois a guiem na escolha e na rejeição dos programas
propostos.»”48 Os meios de comunicação só serão um hóspede bem-vindo se sobre eles
for exercida uma exigência vigilante: “encorajo tanto os comunidades profissionais
como as famílias a reconhecer o privilégio e a responsabilidade singulares que isto
comporta. Que todas as pessoas comprometidas no campo das comunicações
reconheçam que são verdadeiramente «responsáveis e administradores de um poder
espiritual enorme, que pertence ao património da humanidade e que está destinado a
enriquecer toda a comunidade humana».”49
43
LINDA J., Waite and Maggie Gallagher, The Case for Marriage, 2000.
44
CIC, n. 2210.
45
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 6.
46
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 6.
47
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 6.
48
JOÃO PAULO II, Familiaris consortio, 1981, n. 76.
49
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 6.
158
Em 1981 na Exortação Apostólica sobre a família, João Paulo II defende
novamente que “o futuro da humanidade passa pela família!”50 Por isso é importante
“que as famílias sejam sempre capazes de encontrar nos mass-media uma fonte de
ajuda, de encorajamento e de inspiração, enquanto lutam para viver como comunidade
de vida e de amor, para formar os jovens nos valores morais sólidos e para fazer
progredir uma cultura de solidariedade, liberdade e paz.”51
50
JOÃO PAULO II, Familiaris Consortio, 1981, Conclusão.
51
JOÃO PAULO II, XXXVIII MDCS, 2004, n. 6.
159
ANEXO G – O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:
MATERNIDADE E A GENUÍNA EMANCIPAÇÃO
52
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
53
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
160
A genuína emancipação é caminho para uma justa igualdade e sobretudo para a
valorização do trabalho da mulher na sociedade. A mulher, pela sua condição feminina,
acaba por ter uma maior sensibilidade para os problemas sociais, para as disparidades:
“Em segundo lugar, o progresso da genuína emancipação da mulher é uma questão de
justiça, que não pode continuar a ser ignorada; é também uma questão de bem-estar
social. Felizmente, há uma consciência cada vez maior de que as mulheres devem poder
desempenhar o seu papel na solução dos graves problemas da sociedade e do seu
futuro. Em todos estes campos, "revelar-se-á preciosa uma maior presença social da
mulher, porque contribuirá para manifestar as contradições de uma sociedade
organizada sobre critérios de eficiência e produtividade, e obrigará a reformular os
sistemas a bem dos processos de humanização que caracterizam a «civilização do
amor».”54
54
JOÃO PAULO II, XXX MDCS, 1996.
161
ANEXO H – SOLIDARIEDADE E FRATERNIDADE: UM CAMINHO PARA
A PAZ
Desde Leão XIII, e em grande destaque com Paulo VI55, é notória a relevância
que o Magistério dá ao desenvolvimento, entendido como o novo nome da paz; isto é, a
argumentação de que o desenvolvimento só subsiste se estiver associado à manutenção
da paz. A doutrina social apresenta “o desenvolvimento como «a passagem de
condições menos humanas a condições mais humanas e especifica as suas
características». Esta passagem não está circunscrita às dimensões meramente
económicas e técnicas, mas implica para cada pessoa a aquisição da cultura, o respeito
da dignidade dos outros, o reconhecimento «dos valores supremos, e de Deus que é a
origem e o termo deles.» O desenvolvimento favorável a todos responde a uma
exigência de justiça em escala mundial que garanta uma paz planetária e torne possível
a realização de «um humanismo total», governado pelos valores.”56 Os meios de
comunicação social são meios do desenvolvimento, e pelas suas capacidades, é o
principal meio do desenvolvimento que mais pode contribuir para a paz.
55
PAULO VI, Populorum progressio, 1967.
56
CDSI, n. 98.
57
JOÃO PAULO II, XVI Mensagem do Dia das Mundial da Paz, 1987, Desenvolvimento e solidariedade
duas chaves para a paz, n. 6.
162
que podem promover ou podem degradar o verdadeiro bem da pessoa na sociedade.”58
Neste desafio, a comunicação pode e deve assumir um papel ativo. O Papa interpela os
comunicadores como todos os utilizadores dos meios de comunicação na Mensagem
para o dia Mundial da Comunicação, de1998, intitulada: Comunicações sociais e
promoção da solidariedade e fraternidade entre os homens e os povos.
58
JOÃO PAULO II, XVI Mensagem do Dia das Mundial da Paz, 1987, Desenvolvimento e solidariedade
duas chaves para a paz, n. 6.
59
Segundo a publicação de 2010 do Conselho Pontíficio Cor Unum:
“Principais organismos de assistência social e caridade que a Igreja Católica mantinha no mundo,
segundo apuração feita em 2010:
Na Ásia: 1076 hospitais, 3400 dispensários, 330 leprosários, 1685 asilo, 3900 orfanatos, 2960 jardins-
de-infância.
Na África: 964 hospitais, 5000 dispensários, 260 leprosários, 650 asilos, 800 orfanatos, 2000 jardins-de-
infância.
Na América: 1900 hospitais, 5400 dispensários, 50 leprosários, 3700 asilos, 2500 orfanatos, 4200
jardins-de-infância.
Na Oceânia: 170 hospitais, 180 dispensários, 1 leprosário, 360 asilos, 60 orfanatos, 90 jardins-de-
infância.
Na Europa: 1230 hospitais, 2450 dispensários, 4 Leprosários, 7970 asilos, 2370 jardins-de-infância.”
60
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 2.
61
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 2.
62
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 2.
163
De uma forma mais pragmática, João Paulo II esclarece a definição dos
conceitos de solidariedade e de fraternidade e enuncia nove noções práticas: “A
fraternidade e a solidariedade superam todo espírito de clã, de corporação, todo
nacionalismo, todo racismo, todo abuso de poder, todo fanatismo individual, cultural e
religioso. Cabe aos artífices da comunicação de massa utilizar as técnicas e os meios à
sua disposição com referência constante a uma consciência clara destes valores
primários”63:
63
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 3.
64
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 3.
164
possibilidade para todos os homens; assim a tecnologia deve “prever um
suplemento de igualdade entre as pessoas, enquanto facilitam o acesso a
estes meios de maior número delas, permitindo intercâmbios
verdadeiros.”
65
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 3.
66
JOÃO PAULO II, XXII MDCS, 1987, n. 4.
165
ANEXO I – A PAZ SEGUNDO O PAPA JOÃO XXIII: PELA LIBERDADE,
COM JUSTIÇA E CARIDADE
A paz não deve ser analisada como mero conceito abstrato e reduzido a uma
atitude cândida. A sua ação na comunidade política e nos meios de comunicação é
essencial para a sobrevivência do próprio homem. João Paulo II na Mensagem do Dia
67
JOÃO XXIII, Pacem in Terra, 1963, introdução.
68
JOÃO XXIII, Pacem in Terra, 1963, n. 110.
69
JOÃO XXIII, Pacem in Terra, 1963, n. 148.
166
Mundial da Paz de 1983 referiu que nenhum homem - subentendendo-se também os
partidários das teorias realistas ou belicista das relações internacionais - poderia ousar
não defender a paz: “quem ousaria, pois, continuar a fazer pouco caso dessas guerras,
das quais algumas ainda perduram, ou dos estados de guerra, ou das frustrações
profundas que as mesmas guerras deixam? Quem ousaria encarar, sem tremer, guerras
ainda mais vastas e bem mais terríveis, que continuam a ameaçar? Não será necessário
fazer todo o possível para evitar a guerra, mesmo a «guerra limitada», assim
denominada com um eufemismo, por aqueles a quem ela não diz respeito diretamente,
dado que o mal que constitui toda e qualquer guerra, o seu preço a pagar em vidas
humanas, em sofrimentos, em devastação daquilo que seria preciso para a vida e para
o desenvolvimento dos homens, sem contar já os transtornos da tranquilidade
indispensável, a deterioração do tecido social e o endurecimento na desconfiança e no
ódio em relação ao próximo, que as mesmas guerras cultivam? E hoje em dia, quando
até as chamadas guerras convencionais se tornam tão mortíferas, quando se conhecem
as consequências dramáticas que teria uma guerra nuclear, apresenta-se ainda mais
imperiosa por isso mesmo a necessidade de fazer cessar a guerra e de afastar a sua
ameaça. E, por consequência, aparece como mais vital a necessidade de recorrer ao
diálogo, à sua eficácia política, que há-de evitar que se chegue ao uso das armas.”70
Nos dias de hoje ainda há muito trabalho por fazer em prol desta paz mundial.
Ainda que aparentemente o mundo ocidental se encontre em paz, o receio de uma
Europa dividida em blocos ideológicos foi substituído pelo medo do terrorismo, das
graves consequências da crise financeira, como do aumento do desemprego, enquanto
os países menos desenvolvidos ainda recorrem ao conflito para encontrarem soluções
políticas.
Num mundo global, a guerra tem consequências globais, perante as quais não se
deve ficar indiferente, mesmo que seja num país longínquo. A comunicação social não
deve ser insensível quando a vida humana é desconsiderada na sua dimensão e
subjugada a valores económicos e políticos. Neste contexto, João Paulo II refere uma
atual exigência de paz: “a divisão dos povos em blocos opostos é sobretudo uma
recordação dolorosa do passado, mas ainda faltam paz, justiça e estabilidade social em
numerosas partes do mundo. O terrorismo e o conflito no Médio Oriente e noutras
regiões, as ameaças e as contra-ameaças, a injustiça, a exploração e os ataques contra
70
JOÃO PAULO II, XVI, n. 4.
71
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n.1.
167
a dignidade e a santidade da vida humana, tanto antes como depois do nascimento,
constituem algumas das realidades consternadoras do nosso tempo.”72
Esta noção de paz, ao longo dos textos de João XXIII, tem como pressuposto a
verdade, a liberdade, a justiça e a caridade: “paz autêntica «não se pode estabelecer
nem consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus», o Santo Padre
indicou a verdade, a justiça, a caridade e a liberdade como os pilares de uma
sociedade pacífica.”73
É evidente que “o poder que os mass-media têm de delinear os relacionamentos
humanos e de influenciar a vida política e social, tanto no bem como no mal, aumentou
enormemente.”74 Preocupado com a possibilidade de fazer parecer o mal mais atrativo,
mais fácil75, João Paulo II propõe à comunicação social este conceito de paz introduzido
por João XXIII: a paz com base na 1) Verdade; 2) Justiça; 3) Liberdade e 4) Caridade:
168
mass-media têm uma responsabilidade iniludível neste sentido, uma vez
que constituem o foro moderno em que as ideias são compartilhadas e as
pessoas podem crescer em compreensão mútua e em solidariedade. Este
é motivo pelo qual o Papa João XXIII defendia o direito «à liberdade na
pesquisa da verdade e, dentro dos limites da ordem moral e do bem
comum, à liberdade na manifestação e difusão do pensamento» como
condições necessárias para a paz social”.79Para o Magistério a liberdade
tem limites definidos pela lei moral e a lei natural. Contudo, esses limites
não são céticos, como é presente em alguns pensadores da filosofia
política, por exemplo o sociólogo inglês darwinista Hebert Spencer, que
imortalizou a máxima: “a liberdade de cada um termina onde começa a
liberdade do outro". Na Igreja existe uma confiança inabalável na
liberdade, enquanto tem como fim o sentido de bem comum.
Contudo, apesar desta confiança nos meios de comunicação, é necessário
não cair no erro da inocência, pelo que a defesa da verdade terá de ser
prioritária acima de qualquer interesse: “com efeito, os mass-media
prestam com frequência um serviço intrépido à verdade; contudo, às
vezes funcionam como agentes de propaganda e desinformação ao
serviço de interesses limitados, de preconceitos nacionais, étnicos,
raciais e religiosos, de avidez material e de falsas ideologias de vários
géneros. É imperativo que as pressões exercidas neste sentido sobre os
mass-media, em ordem a levá-los a cometer tais erros, sejam
contrastadas em primeiro lugar pelos homens e pelas mulheres dos
próprios meios de comunicação, mas também pela Igreja e pelos outros
grupos interessados.”80
79
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 3.
80
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 3.
81
CDSI, n. 201.
169
Neste sentido a justiça que se pretende no âmbito dos meios de
comunicação tem uma dimensão universal, por si só, a justiça para se
realizar tem que pretender chegar a todos; porém não é igualitária no
sentido de ser igual para todos, mas é no sentido universal, deve chegar a
todos: “na Pacem in terris, sobre o bem humano universal – ou seja, «o
bem comum universal» – em que cada indivíduo e todos os povos têm o
direito de participar.”82
Para que os meios de comunicação subsistam como este instrumento de
paz, são necessário que as suas capacidades tenham um autêntico
compromisso com a justiça: “o alcance mundial dos mass-media
acarreta consigo particulares responsabilidades a este respeito.
Enquanto é verdade que os mass-media pertencem com frequência a
grupos de interesse, particulares e públicos, a própria natureza do seu
impacto sobre a vida exige que eles não sirvam para pôr uns grupos
contra os outros – por exemplo, em nome da luta de classe, do
nacionalismo exasperado, da supremacia racial, da purificação étnica, e
assim por diante. Pôr uns contra os outros em nome da religião é uma
falta particularmente grave contra a justiça, da mesma forma que é o
tratamento discriminatório das crenças religiosas, dado que estas
pertencem à índole mais profunda da dignidade e da liberdade da pessoa
humana.”83
Aqui é fundamental transcender a definição legislativa de justiça, não
limitar o seu sentido à lei positiva, nem sempre a lei é justa. Nesse
sentido é fundamental que os meios de comunicação sejam porta-vozes
da verdadeira justiça. O Papa interpela os operadores a irem à origem da
justiça: “anunciando com fidelidade os acontecimentos, explicando
corretamente as problemáticas e apresentando de maneira imparcial os
vários pontos de vista, os mass-media têm o dever rigoroso de promover
a justiça e a solidariedade nos relacionamentos humanos, a todos os
níveis da sociedade. Isto não significa atenuar indevidamente as
injustiças e as divisões, mas ir até às suas origens, de tal maneira que as
mesmas possam ser compreendidas e emendadas.”84
Segundo João XXIII, para que haja justiça é necessário empenho em
aderir de verdade, com vontade e com obras: “se portanto queremos - e
quem não o há de querer? - reconduzir as ações humanas ao caminho da
justiça, é necessário, primeiro que tudo, reconduzir a razão e a vontade
a estes princípios.”85
82
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 4.
83
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 4.
84
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 4.
85
JOÃO XXIII, Pacem in Terra, n.18, 1963.
170
coisas externas ao homem, mas determina o crescimento do seu ser
pessoa, mediante escolhas conformes ao verdadeiro bem: desse modo, o
homem gera-se a si próprio, é pai do próprio ser, constrói a ordem
social.”86 Na doutrina social da Igreja a condição de liberdade tem de
estar vinculada a uma responsabilidade da verdade e com o dever do
bem.
Para se pretender a paz, é fundamental que os meios de comunicação
gozem de liberdade.
O Papa João Paulo II defende nos meios de comunicação uma analogia
entre a liberdade e a paz: “Os mass-media e a liberdade. A liberdade é
uma condição prévia para a paz verdadeira, assim como um dos seus
frutos mais preciosos. Os mass-media servem a liberdade, quando
servem a verdade: e impedem a liberdade, na medida em que se separam
da verdade, difundindo falsidades ou criando um clima de reação
emotiva malsã diante dos acontecimentos. Somente se tiverem acesso
livre às informações verdadeiras e suficientes, é que as pessoas poderão
procurar o bem comum e considerar as autoridades públicas
responsáveis.”87
Esta relação de interdependência, a liberdade é condição essencial para a
paz, e é também a liberdade fruto da própria paz, exige aos meios de
comunicação uma livre submissão à verdade: “se os mass-media
quiserem servir a liberdade, deverão ser eles mesmos livres e utilizar tal
liberdade corretamente. A sua condição privilegiada obrigam os mass-
media a elevar-se acima das solicitudes meramente comerciais e a servir
as verdadeiras necessidades e interesses da sociedade. Embora uma
certa regulamentação pública dos mass-media em relação aos interesses
do bem comum seja apropriada, o controle governamental não é
oportuno. Os jornalistas e, de modo particular, os comentadores, têm o
grave dever de seguir as instâncias da sua consciência moral e de
resistir às pressões de «adaptar» a verdade para satisfazer as exigências
da riqueza ou do poder político.”88
É no cenário da liberdade que se pode compreender o bem comum, e
consequentemente, trabalhar em prol dele. É indispensável o livre acesso
à informação para se gerar a capacidade de fazer escolhas e de aderir ao
bem de forma genuína, pela razão e não por obrigação. Também é
fundamental que o jornalista trabalhe em liberdade, o conveniente papel
do Estado é ajudar os jornalistas a possuírem uma consciência bem
formada, a reagirem perante as injustiças e a não se moverem por
interesses meramente comerciais ou políticos. É dever do jornalista ou do
operador da comunicação social defender a verdade - “no exercício da
liberdade, o homem põe atos moralmente bons, construtivos da pessoa e
86
CDSI, n. 135.
87
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 5.
88
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 5.
171
da sociedade, quando obedece à verdade, ou seja, quando não pretende
ser criador e senhor absoluto desta última e das normas éticas.”89
Mas, infelizmente também é notório que a liberdade é um dom
frequentemente deturpado nos meios de comunicação, sendo muito
comum justificar a má qualidade da programação, a injustiça e a
deturpação de valores com a defesa da liberdade. Mas, para além de
denunciar o erro comum que consiste no abuso da liberdade, é
fundamental que a liberdade se apoie noutros valores; segundo a doutrina
social, a liberdade “«não tem o seu ponto de partida absoluto e
incondicionado em si própria, mas na existência em que se encontra e
que representa para ela, simultaneamente, um limite e uma
possibilidade. É a liberdade de uma criatura, ou seja, uma liberdade
dada, que deve ser acolhida como um gérmen e fazer-se amadurecer com
responsabilidade». Caso contrário, morre como liberdade, destrói o
homem e a sociedade.”90
89
CDSI, n. 138.
90
CDSI, n. 138.
91
CDSI, n. 137.
92
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 6.
172
exige os mais elevados padrões de compromisso na verdade e na justiça.
Neste sentido, os homens e as mulheres que trabalham nos mass-media
devem contribuir de maneira especial para a paz em todas as partes do
mundo, rompendo as barreiras da desconfiança, promovendo a
consideração dos pontos de vista dos outros, procurando sempre
aproximar os povos e as nações na compreensão e no respeito
recíprocos e - para além da compreensão e do respeito – na
reconciliação e na misericórdia! «Onde predominam o ódio e a sede de
vingança, onde a guerra causa o sofrimento e a morte dos inocentes, é
necessária a graça da misericórdia para aplacar as mentes e os
corações, e para fazer reinar a paz.»”93
Introduzindo as exigências da caridade e as suas repercussões
ultrapassaram as relações humanas, introduzindo-se nas relações
internacionais, própria geopolítica como o exemplo da lógica do perdão,
do perdão sincero com esquecimento de culpa, pois assim se poderá
ultrapassar feridas originadas pelas guerras passadas.
O Magistério reconhece as dificuldades que existem na defesa dos
valores mais altruístas, tanto a sociedade como a comunidade política
tem tendência a reduzir o conceito de paz a um sentido vazio de
pacifismo, que faz parte de ideais da geração dos anos 60, tal como
reduzir a caridade a um conjunto de bons sentimentos.
93
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 6.
94
JOÃO PAULO II, XXXVII MDCS, 2003, n. 6.
173
ANEXO J – RELATIVISMO
95
RATZINDER, Joseph, Fé Verdade Tolerância – O Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2006, p. 107p. 107.
174
tornada injustiça. Sendo assim, não se pode negar ao relativismo uma
certa validade no campo político-social; o problema é que ele se quer
impor sem limites.”96
Na política é importante não assumir uma postura absoluta; essa atitude,
além de centralizar o Estado, tornando-o autoritário, pois não terá em
conta os problemas e os desafios políticos são mutáveis, variando com o
tempo e com as circunstâncias, tal como as suas soluções. Isto não
significa, no entanto, que a justiça admita também uma visão relativista;
porque aí existe uma enorme possibilidade dela própria desaparecer,
legitimando injustiças.
Na comunicação política é essencial fomentar as diferentes opiniões
políticas e, sobretudo, é importante uma incessante avaliação da
regulamentação e do comportamento do Estado.
96
RATZINDER, Joseph, Fé Verdade Tolerância – O Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2006, p. 107.
175
ANEXO L – A NATUREZA DA CULTURA
É pela natureza que o homem requer uma cultura: “é próprio da pessoa humana
necessitar da cultura, isto é, de desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar
a uma autêntica e plena realização. Por isso, sempre que se trata da vida humana,
natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas.”98 Este pensamento é de novo
retomado no Catecismo quando afirma que “certas sociedades, como a família e a
comunidade civil, correspondem de modo mais imediato à natureza do homem. São-lhe
necessárias. Para favorecer a participação do maior número possível de pessoas na
vida social, deve fomentar-se a criação de associações e instituições de livre iniciativa,
«com fins económicos, culturais, sociais, desportivos, recreativos, profissionais,
políticos, tanto no interior das comunidades políticas como a nível mundial». Esta
«socialização» exprime também a tendência natural que leva os seres humanos a
associarem-se, com vista a atingirem objetivos que ultrapassam as capacidades
97
CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes, 1965, n. 53.
98
CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes, 1965, n. 53.
176
individuais. Desenvolve as qualidades da pessoa, particularmente o sentido de
iniciativa e de responsabilidade, e contribui para garantir os seus direitos.”99
99
CIC n.1882.
100
BENTO XVI, Caridade na Verdade, 2009, n. 59.
101
CDSI, n. 558.
102
JOÃO PAULO II, Centesimus annus, 1991, n. 50.
177
importância a esta área, sendo mesmo o primeiro Pontífice a iniciar as Mensagens do
Dia Mundial da Comunicação Social: “no plano cultural, as diferenças, relativamente
aos tempos de Paulo VI, são ainda mais acentuadas. Então, as culturas apresentavam-
se bastante bem definidas e tinham maiores possibilidades para se defender das
tentativas de homogeneização cultural. Hoje, cresceram notavelmente as possibilidades
de interação das culturas, dando espaço a novas perspetivas de diálogo intercultural;
um diálogo que, para ser eficaz, deve ter como ponto de partida uma profunda noção
da específica identidade dos vários interlocutores. No entanto, não se deve descurar o
facto de que esta aumentada transação de intercâmbios culturais traz consigo,
atualmente, um duplo perigo. Em primeiro lugar, nota-se um ecletismo cultural
assumido muitas vezes sem discernimento: as culturas são simplesmente postas lado a
lado e vistas como substancialmente equivalentes e intercambiáveis umas com as
outras. Isto favorece a cedência a um relativismo que não ajuda o verdadeiro diálogo
intercultural; no plano social, o relativismo cultural faz com que os grupos culturais se
juntem ou convivam, mas separados, sem autêntico diálogo e, consequentemente, sem
verdadeira integração. Depois, temos o perigo oposto que é constituído pelo
nivelamento cultural e a homogeneização dos comportamentos e estilos de vida. Assim
perde-se o significado profundo da cultura das diversas nações, das tradições dos
vários povos, no âmbito das quais a pessoa se confronta com as questões fundamentais
da existência. Ecletismo e nivelamento cultural convergem no facto de separar a
cultura da natureza humana. Assim, as culturas deixam de saber encontrar a sua
medida numa natureza que as transcende, acabando por reduzir o homem a simples
dado cultural. Quando isto acontece, a humanidade corre novos perigos de servidão e
manipulação.”103
103
BENTO XVI, Caridade na Verdade, 2009, n.26.
178
de vida. «No seio da comunhão da Igreja existem legitimamente Igrejas particulares,
que gozam das suas tradições próprias». A grande riqueza desta diversidade não se
opõe à unidade da Igreja.”104
É certo que cada cidadão nasce e cresce numa cultura que é a sua, que lhe
oferece valores e ensinamentos elementares para a sua vida pessoal e intelectual.
Contudo, o homem não está integralmente determinado pela sua cultura, ultrapassa-a e
contribui sempre, de um modo ou outro para a transformar. Por isso é tão importante
promover uma cultura humanista, direcionada para o homem. “É mais difícil hoje do
que outrora fazer uma síntese dos vários ramos do saber e das artes. Porque ao mesmo
tempo que aumenta a multidão e diversidade dos elementos que constituem a cultura,
diminui para cada homem a possibilidade de os compreender e organizar; a figura do
«homem universal» desaparece assim cada vez mais. No entanto, cada homem continua
a ter o dever de salvaguardar a integridade da pessoa humana, na qual sobressaem os
valores da inteligência, da vontade, da consciência e da fraternidade”105. Como já se
referiu, o Papa Paulo VI alerta para o facto de que, quando os cidadãos negligenciam a
educação e a cultura, criam uma circunstância propícia à aparição dos regimes
autoritários. Também por isso, a Igreja exorta os leigos a erigir uma cultura humana,
vendo nela um aspeto fundamental da sua responsabilidade na defesa e promoção da
paz. “O empenho social e político do fiel leigo em campo cultural assume atualmente
algumas direções precisas. A primeira é a que procura garantir a cada um o direito de
todos a uma cultura humana e civil «de harmonia com a dignidade da pessoa humana,
sem distinção de raça, de sexo, de nação, de religião ou de condição social». Tal
direito implica o direito das famílias e das pessoas a uma escola livre e aberta; a
liberdade de acesso aos meios de comunicação social, pela qual deve ser evitada toda
forma de monopólio e de controlo ideológico; a liberdade de pesquisa, de expressão de
pensamento, de debate e de confronto. Na raiz da pobreza de tantos povos, há várias
formas de privação cultural e de falta de reconhecimento de direitos culturais. O
empenho pela educação e a formação da pessoa constitui desde sempre a primeira
solicitude da ação social dos cristãos.”106
104
CIC n.814.
105
II CONCÍLIO DO VATICANO, Gaudium et Spes, 1965, n. 61.
106
CDSI, n. 557.
107
Cf. Sobre este tema, o discurso de João Paulo II aos Bispos italianos da Lombardia em Visita Ad
Limina Apostolorum, 15 Janeiro 1982:
“A fé não mata a razão e não exclui, de facto, o que pela razão é conquistado. Mas a cultura que a fé
gera, quando é sinceramente vivida, não é só razão. Nasce da vida cristã, e da vida cristã traz o selo.
Torna-se mentalidade; exige coerência; reconhece o primado da contemplação; dilata-se na caridade;
faz-se atenta com a especial inclinação para cada homem e para todo o homem. Onde a causa do homem
179
Em 2002 a Congregação para a Doutrina da Fé - que tinha ainda como prefeito
o Cardeal Joseph Ratzinger - escreveu uma nota doutrinal acerca do comportamento dos
católicos na vida política, chamando a atenção para a necessidade dos leigos se
envolverem na cultura. Mais tarde esse documento será citado – pelo Compêndio da
Doutrina Social da Igreja - na tentativa de purificar os elementos culturais para irem ao
encontro de uma antropologia cultural: “Um campo particular de empenho dos fiéis
leigos deve ser o cultivo de uma cultura social e política inspirada no Evangelho. A
história recente tem mostrado a fragilidade e o radical falimento de perspetivas
culturais que foram por longo tempo compartilhadas e hegemônicas, sobretudo no
plano social e político. Neste âmbito, especialmente nos decênios posteriores à Segunda
Guerra Mundial, os católicos, em vários países, souberam desenvolver um empenho
alto, que testemunha, hoje com evidência cada vez maior, a consistência da sua
inspiração e do se património de valores. O empenho social e político dos católicos,
com efeito, nunca se limitou à mera transformação das estruturas, porque a sua base é
perpassada por uma cultura que acolhe e presta contas das instâncias que derivam da
fé e da moral, pondo-lhes como fundamento e objetivo de projetos concretos. Quando
esta consciência vem a faltar, os próprios católicos se condenam à diáspora cultural e
tornam insuficientes e redutivas as suas propostas. Apresentar em termos culturais
atualizados o património da Tradição Católica, os seus valores, os seus conteúdos, todo
o património espiritual, intelectual e moral do catolicismo é também hoje a urgência
prioritária. A fé em Jesus Cristo, que se definiu a Si próprio «o caminho, a verdade e a
vida», leva os cristãos a comprometer-se com empenho sempre renovado na construção
de cultura social e política inspirada no Evangelho.”108
Por conseguinte, a Igreja entende que a sua missão neste âmbito é contribuir
para que cada cultura, com as suas diferenças, salvaguarde a dignidade do homem,
fazendo isto conjuntamente com os meios de comunicação social, pois estes
instrumentos são os maiores e melhores difusores da cultura.
exige um empenho particular, para aquilo que o homem produz não se voltar contra ele, o papel de uma
cultura católica é fundamental por motivos não só religiosos, mas também civis e sociais.”
108
CDSI, n.555.
180
BIBLIOGRAFIA
1. Lista cronológica das Mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais
a) Papa Paulo VI (1967 – 1978)
I Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os meios de comunicação social, 1967.
II Dia Mundial das Comunicações Sociais, A imprensa, o rádio, a televisão e o cinema
para o progresso dos povos, 1968.
II Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicações sociais e família, 1969.
IV Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais e a juventude,
1970.
V Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os meios de comunicação social a serviço
da unidade dos homens, 1971.
VI Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais a serviço da vida,
1972.
VII Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais e a afirmação e
promoção dos valores espirituais, 1973.
VIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais e a
evangelização no mundo contemporâneo, 1974.
IX Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicação social e reconciliação,1975.
X Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais diante dos direitos
e deveres fundamentais do homem, 1976.
XI Dia Mundial das Comunicações Sociais, A publicidade nas comunicações sociais:
vantagens, perigos, responsabilidades, 1977.
XII Dia Mundial das Comunicações Sociais, O recetor da comunicação social:
expectativas, direitos e deveres, 1978.
181
XVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicações Sociais e promoção da
paz, 1983.
XVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais, instrumento
de encontro entre fé e cultura, 1984.
XIX Dia Mundial das Comunicações Sociais, As comunicações sociais e a promoção
cristã da juventude, 1985.
XX Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicações sociais e formação cristã
da opinião pública, 1986.
XXI Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicações sociais e promoção da
justiça e da paz, 1987.
XXII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicações sociais e promoção da
solidariedade e fraternidade entre os homens e os povos, 1988.
XXIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, A religião nos mass media, 1989
XXIV Dia Mundial das Comunicações Sociais, A mensagem cristã na cultura
informática atual, 1990.
XXV Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os meios de comunicação para a
unidade e o progresso da família humana, 1991.
XXVI Dia Mundial das Comunicações Sociais, A proclamação da mensagem de Cristo
nos meios de comunicação, 1992.
XXVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Videocassete e audiocassete na
formação da cultura e da consciência, 1993.
XXVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Televisão e família: critérios para
saber ver, 1994.
XXIX Dia Mundial das Comunicações Sociais, Cinema, veículo de cultura e proposta
de valores, 1995.
XXX Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os mass-media: areópago moderno para
a promoção da mulher na sociedade? 1996.
XXXI Dia Mundial das Comunicações Sociais, Comunicar o Evangelho de Cristo:
Caminho, Verdade e Vida, 1997.
XXXII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Sustentados pelo Espírito, comunicar a
esperança, 1998.
XXXIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Mass media: presença amiga ao lado
de quem procura o Pai, 1999.
XXXIV Dia Mundial das Comunicações Sociais, Proclamar Cristo nos meios de
comunicação social no alvorecer do Novo Milénio, 2000.
182
XXXV Dia Mundial das Comunicações Sociais, Anunciai-o do cimo dos telhados: o
Evangelho na era da comunicação global, 2001.
XXXVI Dia Mundial das Comunicações Sociais, Internet: um novo foro para a
proclamação do Evangelho, 2002.
XXXVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os meios de comunicação social ao
serviço da paz autêntica, à luz da Pacem in terris, 2003.
XXXVIII Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os mass media na família: um risco
e uma riqueza, 2004.
XXXIX Dia Mundial das Comunicações Sociais, Os meios de comunicação: ao serviço
da compreensão entre os povos, 2005.
183
2. Outros textos do Magistério:
BENTO XVI, Carta Encíclica, Caridade na Verdade, 2009.
BENTO XVI, Discurso à Cúria Romana para a apresentação dos bons votos de Natal,
21 de dezembro de 2009.
BENTO XVI, Motu Proprio, Porta Fidei – Porta da Fé, 2011.
BENTO XVI, XLII Mensagem para o Dia Mundial da Paz, Família Humana,
Comunidade de Paz, 2008.
II CONCÍLIO DO VATICANO, Declaração, Dignitatis humanae – Sobre a liberdade
religiosa, União Gráfica, Coleção Documentos Conciliares, Lisboa, 1966.
CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes - Sobre a Igreja no
Mundo Atual, in Documentos Conciliares, Lisboa, União Gráfica, 1966.
CONCÍLIO VATICANO II, Decreto Conciliar, Inter Mirifica – Sobre os Meios de
Comunicação Social, in Documentos Conciliares, Lisboa, União Gráfica, 1966.
CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Conciliar, Sacrosamctum Concilium - Sobre
a Sagrada Liturgia, in Documentos Conciliares, Lisboa, União Gráfica, 1966.
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota Doutrinal sobre algumas
questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, 2002.
CONSELHO PONTIFÍCIO JUSTIÇA E PAZ, Compêndio da Doutrina Social da
Igreja, Cascais, Editora Principia, 2005.
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Instrução
Pastoral Communio et Progressio, 1971.
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Ética nas
Comunicações Sociais, 2000.
CONSELHO PONTIFICIO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Pornografia e
violência nos meios de comunicação: uma resposta pastoral, 1989.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2º Edição,
1999.
JOÃO XXIII, Constituição apostólica, Humanae Salutis – Convocação do Concílio
Ecuménico Vaticano II, 1961.
JOÃO XXIII, Carta encíclica, Pacem in Terra – Paz na Terra, 1963.
JOÃO PAULO II, Carta apostólica - O rápido Desenvolvimento, 2005.
JOÃO PAULO II, Carta às famílias, 1994.
JOÃO PAULO II, Carta encíclica Centesimus annus, 1991.
JOÃO PAULO II, Carta encíclica Veritatis Splendor – O Esplendor da Verdade, 1993.
184
JOÃO PAULO II, “Discurso do Santo Padre no encontro com os trabalhadores no final
da concelebração eucarística”, 1° de Maio de 2000, L’Osservatore Romano, ed. em
Português, 6 de Maio de 2000.
JOÃO PAULO II, Discurso na sede da Organização das Nações Unidas, Para a
Educação, ciência e Cultura – UNESCO, Paris: 2 de Junho de 1980.
JOÃO PAULO II, Discurso no Congresso Parábolas mediáticas, 9 de Novembro de
2002.
JOÃO PAULO II, Exortação apostólica Familiaris Consortio, 1981.
JOÃO PAULO II, Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, 1988.
JOÃO PAULO II, Homilia do Santo Padre na cerimónia da coroação da imagem da
Virgem da Caridade do Cobre, Santiago de Cuba, 24 de Janeiro de 1998.
JOÃO PAULO II, XVI Mensagem do Dia das Mundial da Paz, O diálogo para a paz,
um desafio para o nosso tempo, 1983.
JOÃO PAULO II, XX Mensagem do Dia das Mundial da Paz, Desenvolvimento e
solidariedade duas chaves para a paz, 1987.
LEÃO XIII, Carta encíclica Rerum Novarum – Sobre as condições dos Operários, 1891
LEÃO XIII, Carta encíclica Sapientiae Christianae, 1890.
PAULO VI, Carta encíclica Humanae Vitae – Sobre a regulação da Natalidade, 1968.
PAULO VI, Carta encíclica Populorum progressio – Desenvolvimento dos povos, 1967.
PAULO VI, Carta apostólica Octogesima Adveniens, 1971.
PIO XII, Rádio Mensagem de Natal de 1944.
PIO XI, Carta encíclica Vigilanti Cura - Sobre o Cinema, 1936.
PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS, Instrução
Pastoral Aetatis novae, 1992.
185
3. Outros textos:
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Universitária, 1989.
BERNAYS, Edward, Propaganda, Lisboa, Editora Mareantes, 2006.
Para o Terceiro Milénio da Encarnação – Bíblia Sagrada, Lisboa/Fátima, Difusora
Bíblica, Franciscanos Capuchinhos, 4.ª edição revista, 2005.
BORGES DE MACEDO, Jorge, Viver a família hoje: 1994 Ano Internacional da
Família – Construir a mais pequena democracia no coração da sociedade, cadernos 1
Comissão para o Ano Internacional da Família, Editora Impressão e Acabamento,
1994.
BORLADO, Fernando Rodríguez, “Os custos da desestruturação familiar”, Aceprensa,
http://www.aceprensa.pt/articulos/2013/jul/30/os-custos-da-desestruturao-familiar/
Acedido: 30 Julho 2013.
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O’SULLIVAN, John, O Presidente, o Papa e a Primeira-Ministra, Lisboa, Alêtheia,
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POPPER, Karl, CONDRY John, A televisão: Um perigo para a democracia, 2º Edição,
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