Livro RodrigoNunes Tese

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“VAMOS BRINCAR DE HUMANIZAÇÃO?


O TRABALHO EDUCATIVO COM A BRINCADEIRA DE
PAPÉIS SOCIAIS EM UMA PERSPECTIVA
HUMANIZADORA

Rodrigo Lima Nunes

2
Página
A Télos Educativa é uma
iniciativa coletiva em
contribuir com a divulgação
democrática do
conhecimento científico
crítico em educação. Não
possuímos qualquer tipo de
fins lucrativos. Todas as
obras podem ser acessadas
em nosso site sem custo.

“[...] todo verdadeiro artista e


todo verdadeiro escritor é um
adversário instintivo de
qualquer alteração do
princípio do humanismo”.

G. Lukács
3
Página
Conselho Científico

Profa. Me. Aline Santana Rossi – GEFE/UFMS


Prof. Dr. Ângelo Antônio Abrantes – UNESP
Profa. Me. Camila de Oliveira da Silva – UFMS
Profa. Dra. Carolina Nozella Gama – UFAL
Prof. Dr. Diovany Doffinger Ramos – UFMS
Prof. Dr. Efrain Maciel e Silva – UFG
Profa. Dra. Flávia da Silva Ferreira Asbahr - UNESP
Prof. Dr. Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho – UNESP
Profa. Dra. Mariana de Cássia Assumpção – UFG
Prof. Dr. Newton Duarte – UNESP
Prof. Dr. Rafael Rossi – UFMS
Profa. Dra. Sandra Soares Della Fonte – UFES

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nunes, Rodrigo Lima


"Vamos brincar de humanização?" [livro eletrônico] : o trabalho educativo
com a brincadeirade papéis sociais em uma perspectiva humanizadora / Rodrigo
Lima Nunes. -- 1. ed. -- Campo Grande, MS: Télos Educativa, 2023.
PDF

ISBN 978-65-998898-4-4

1. Brincadeiras infantis 2. Brincadeiras na educação 3. Educação - Aspectos


sociais 4. Trabalho -Aspectos sociais I. Título.
23-184295

Índices para catálogo sistemático:


1. Brincadeiras como proposta pedagógica: Educação371.397

Bibliotecária Responsável: Tábata Alves da Silva – CRB-8/9253


4
Página
“VAMOS BRINCAR DE HUMANIZAÇÃO?”
O TRABALHO EDUCATIVO COM A BRINCADEIRA DE
PAPÉIS SOCIAIS EM UMA PERSPECTIVA
HUMANIZADORA

RODRIGO LIMA NUNES

1ª Edição

www.teloseducativa.wixsite.com/editora
Campo Grande, MS
5

2023
Página
© do autor:
Rodrigo Lima Nunes

1ª edição: 2023

Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica


TIS Publicidade e Propaganda

Revisão
A revisão linguística e ortográfica
é de responsabilidade dos autores

A grafia desta obra foi atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa, de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 2009.

Diagramação: Eliana Ayashi

Revisão e Capa: Aline Santana Rossi

ISBN: 978-65-998898-4-4
Versão digital Dezembro de 2023

Este livro está sob a licença Creative Commons, que segue


o princípio do acesso público à informação. O livro pode ser
compartilhado desde que atribuídos os devidos créditos de
autoria. Não é permitida nenhuma forma de alteração ou a
sua utilização para fins comerciais. br.creativecommons.org.
Atribuição-Não Comercial 4.0 Internacional.
6
Página
SUMÁRIO
Prefácio....................................................................................................... 09
Introdução.................................................................................................. 16
2. Fundamentos Epistemológicos, Metodológicos e Práticos da 26
Pesquisa: do Método à Unidade Mínima de Análise.............................
2.1 O Concreto Caótico: Primeiras aproximações metodológicas em 28
relação ao objeto..............................................................................
2.2 O Método Materialista Histórico Dialético........................................ 30
2.3 A Lógica Dialética e suas Categorias Gerais................................... 34
2.4 Premissas Fundamentais do Materialismo Histórico e 39
Dialético............................................................................................
2.5 A História, Caracterização e Sistematização da Pesquisa: Em 42
Busca do Desvelamento da Unidade Mínima de Análise do Objeto
Estudado...........................................................................................
2.6 O Delineamento Metodológico da Pesquisa.................................... 57

2.7 A Unidade Mínima de Análise da Pesquisa.................................... 61

2.8 Organização dos Dados e Caminhos para a Análise...................... 78

3. Apresentação e Análise das Categorias Integradoras do Objeto 81


em relação com a Unidade Mínima de Análise.......................................
3.1 A Atividade Dominante Brincadeira de Papéis Sociais em 89
Unidade com o Desenvolvimento do Psiquismo
Infantil..................................
3.2 Unidade entre Alienação Social Capitalista e o Processo de 120
Desenvolvimento da Consciência dos Indivíduos: Tendências
Alienadas no Processo de Desenvolvimento do Psiquismo
Individual...........................................................................................
3.3 Educação Escolar Hegemônica x Educação Escolar na 153
Perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica: Do Geral à
Singularidade da Educação no Período Pré-Escolar........................
7
Página
4. A Atividade de Brincar na Pré-Escola: Possibilidades de 200
Organização e Efetivação do Ensino da Brincadeira de Papéis
Sociais em uma direção Humanizadora..................................................
4.1 Ações Interventivas Diretas e Intencionais na Eleição, Ampliação 204
e Formação de Construção das Necessidades referentes aos
Temas que orientarão a Brincadeira da Criança em sua Forma e
Conteúdo...........................................................................................
4.2 Ações Interventivas a serem engendradas na Organização Prévia 228
da Brincadeira, tendo em vista Onde e Quais Objetos poderão ser
utilizados...........................................................................................
4.3 Possibilidades de Intervenção Pedagógica durante a realização 232
propriamente dita da Brincadeira de forma a orientar a dinâmica
da distribuição dos papéis sociais e da utilização dos objetos, bem
como, mediá-la em uma direção humanizadora, sem destruí-la de
suas características essenciais.........................................................
5. Considerações....................................................................................... 251

Referências................................................................................................. 257

8
Página
PREFÁCIO

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não


a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são
eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela
é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como
se encontram [...] (MARX, 2011, p.251)

Ao iniciar esse prefácio do livro “’Vamos brincar de humanização?’ O trabalho


educativo com a brincadeira de papéis sociais em uma perspectiva humanizadora”, do
professor e amigo Rodrigo Lima Nunes (nosso querido Rod), dou-me por conta do tempo
que passou e alegro-me por ter participado e compartilhado desse rico processo de
aprendizagem, desenvolvimento e humanização, ao lado do Rod e outros membros do Grupo
de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-cultural
(GEIPEEthc), que possibilitou a sistematização do trabalho coletivo de pesquisa que resultou
nesse belo livro.
Minhas lembranças retornam ao ano de 2008, logo após minha chegada como
docente na UNESP-Presidente Prudente quando o Rodrigo era estudante do 1º. Ano do curso
de Educação Física daquela universidade. Desde então, eu e Rodrigo, passamos a
compartilhar estudos, reflexões e projetos coletivos e juntos fundamos o GEIPEEthc, grupo
que nos respalda teórica e metodologicamente e nos mantém unidos pelo compromisso com
a construção de uma educação escolar histórico-crítica de natureza emancipatória.
Nossas reflexões coletivas como pesquisadores em educação avultam atividades
orientadas para o processo de desenvolvimento humano na perspectiva da Teoria histórico-
cultural, tendo como base teórico-metodológica o materialismo histórico e dialético; método
que vincula nossas ações de pesquisa intervenção-formativa à produção de conhecimentos
que indicam uma nova prática pedagógica na escola pública e potencializam a aprendizagem
e humanização dos estudantes no plano das esferas mais desenvolvidas conquistadas pela
humanidade.
9

1
MARX, K. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.
Página
O processo de apropriação e compreensão da realidade possibilita diferentes formas
de produção de conhecimentos, desde as artes, as filosofias, as religiões e as ciências, cada
qual objetivação interpretando a realidade segundo seus princípios, normas e métodos. A
ciência, por sua vez, possibilita a produção de conhecimentos sistematicamente organizados
e engendrados por meio das capacidades do pensamento objetivo do pesquisador sobre a
realidade e como resultado de um processo dialético repleto de contradições; processo esse
no qual os seres humanos estabelecem relações entre si e com a natureza por meio do
trabalho, e constituem-se como sujeitos sociais e históricos construtores da cultura.
Desde as primeiras páginas do livro, Rodrigo toma a concepção materialista histórica
e dialética como categoria fundamental para analisar e compreender a atividade do brincar
no processo de desenvolvimento da consciência das crianças na escola. E por assumir esse
princípio, Rodrigo entende as crianças em seu movimento dialético de formação e
transformação e toma as atividades ludo-pedagógicas como instrumentos essenciais para o
ensino no sentido de garantir um processo educativo emancipador no âmbito da educação
escolar no interior da escola pública.
O autor reconhece a atividade ludo-pedagógica a partir dos constructos Geipeeanos e
a assume como uma forma de “atividade lúdica e educativa, intencionalmente planejada e
orientada pelo professor, com a finalidade de construir consciências críticas e humanizadas
ou seja, não alienadas” (Viotto Filho, 2018, p.352).
Reitera que a concepção e conceituação de atividade ludo-pedagógica tem origem na
necessidade de superação do conceito de recreação e desenvolvimento espontâneo da
criança, muito presente na Educação escolar, visão que precisa ser superada considerando o
movimento histórico e dialético de desenvolvimento humano.
Ao ler o livro do professor Rodrigo, torna-se claro em cada uma de suas linhas o
compromisso do autor com a produção de conhecimento científico alicerçado no materialismo
histórico e seu esforço em superar a aparência dos fenômenos com os quais se depara na
escola. O autor deseja ir além do imediato empírico para desvelar as relações dinâmicas da
realidade pesquisada e captar as mediações que determinam o processo de construção da

2
VIOTTO FILHO, I.A.T. Processo grupal e construção coletiva do conhecimento: a história do GEIPEEthc.
10

In: VIOTTO FILHO, I.A.T.; NUNES, R.L.; SANTOS, A.A.N.; FELIX, T.S.P. (Orgs). Processo grupal e
práxis científica educativa: a história do GEIPEEthc. São Carlos: Pedro & João, 2018.
Página
consciência das crianças na escola, enfatizando a atividade do brincar nesse processo,
evidenciando o trabalho educativo do professor numa perspectiva histórico-cultural e
emancipatória.
É Marx (1845/2007, p.5353), em sua 11ª tese contra Feuerbach quem afirma que "os
filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-
lo” e salienta que não basta captar a realidade no plano do pensamento para contemplá-la,
mas, sim, compreendê-la nas suas múltiplas determinações para transformá-la. O filósofo
alemão enfatiza ainda que o pesquisador não pode se limitar à uma representação empírica
do objeto, mas deve avançar na sua análise e chegar na essência do objeto para
compreendê-lo na sua concreticidade, tal como afirma Kosik4 (2002).
O livro de Rodrigo Lima Nunes evidencia a construção de uma produção científica-
educativa, pressuposto fundamental das reflexões e produções do GEIPEEthc, pois volta-se
ao processo de aprendizagem, desenvolvimento e humanização de crianças que, desde a
mais tenra idade, precisam compreender a realidade de forma crítica e consciente e, claro,
considerando a sua situação social de desenvolvimento.
Rodrigo defende que é por meio da atividade do brincar na escola, que são criadas as
condições educativas lúdicas, como atividades orientadoras/guia e vitais para a efetivação do
processo de humanização das crianças, sendo que o trabalho educativo e crítico do professor
se torna imprescindível nesse processo.
Evidenciam-se os pressupostos do Materialismo histórico dialético e da Teoria
histórico-cultural desde as primeiras intervenções formativas realizadas na escola que
engendraram a tese de Doutorado que deu origem ao livro. O seu rigor conceitual e
metodológico apresenta-se como base para a construção de um trabalho de análise histórica
e crítica da sociedade e, simultaneamente, para a efetivação do processo de aprendizagem e
desenvolvimento das crianças sujeitos da pesquisa numa direção emancipatória.
Torna-se importante esclarecer que o trabalho de pesquisa do autor acontece desde o
chão da escola, em meio às relações sociais do mundo capitalista alienado e sob as
condições objetivas de vida de cada sujeito social, sendo que a educação escolar, tal como
evidencia Rodrigo, assume papel preponderante nesse processo, por possibilitar o acesso a
11

3
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
4
KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
Página
objetivações culturais genéricas (filosofia, arte, ciência, política, ética) essenciais para o
desenvolvimento do pensamento, sentimentos e consciência das crianças numa direção
crítica e humanizadora desde o interior da escola.
Embora as funções psíquicas superiores dos seres humanos, segundo a Teoria
histórico-cultural, conquistem uma forma mais elaborada em estágio tardio de
desenvolvimento, precisamos enfatizar o caráter processual e cumulativo desse processo,
fato que denota a importância do trabalho de pesquisa do professor Rodrigo Lima Nunes
com crianças na idade pré-escolar.
Torna-se importante enfatizar que a preocupação com a aprendizagem e
desenvolvimento da criança, desde o seu nascimento, é decisivo para a Teoria histórico-
cultural, sendo que o trabalho educativo do professor se apresenta necessário para que esse
processo seja exitoso na educação escolar.
Sem sombra de dúvida, o trabalho de pesquisa intervenção-formativa realizado
explicita o rigor teórico e compromisso ético-político com a humanização dos seres humanos
e toma a educação escolar como essencial e imprescindível na efetivação desse processo.
Compreender a atividade do brincar como fator educativo desenvolvente na escola
deve ser o compromisso de todos os pesquisadores e professores que prezam por uma
educação escolar de qualidade, laica e crítica para as crianças, com vistas à construção de
suas consciências na direção e compromisso com a emancipação humana e social.
Ao longo das páginas do livro, Rodrigo salienta a importância do trabalho educativo
crítico do professor no processo de construção de atividades educativas humanizadoras na
escola, com a finalidade de fortalecer a educação escolar e possibilitar a construção de novas
atividades educativas críticas, alimentando um ciclo virtuoso de aprendizagem e
desenvolvimento que enfatiza a importância da atividade do brincar como atividade vital da
criança na educação infantil.
Em consonância com os pressupostos da Teoria histórico-cultural, Rodrigo evidencia
que o brincar é a atividade vital e principal da criança, pois é nessa atividade que a criança
12
Página
consegue suprir necessidades e desejos importantes ao seu desenvolvimento, tal como
afirma Vigotski5 (2008, p.25) quando salienta que na idade pré-escolar:

Emerge uma série de tendências irrealizáveis, de desejos não-


realizáveis imediatamente, mas que, ao mesmo tempo, não se
extinguem como desejos; por outro lado, conserva-se, quase por
completo, a tendência para a realização imediata dos desejos. É disso
que surge a brincadeira, que deve ser entendida como uma realização
imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis.

Para reforçar o pressuposto fundamental de formação e desenvolvimento da criança


por meio da brincadeira, o autor remete-se a Duarte6 (2006, p.95), quando afirma:

A brincadeira de papéis sociais não se desenvolve espontaneamente,


ela requer ações educativas que promovam o seu surgimento, o
desenvolvimento e o direcionamento desse tipo de atividade. Se a
brincadeira de papéis sociais for deixada ao sabor da espontaneidade
infantil, o mais provável será que essa atividade reproduzirá
espontaneamente a alienação própria aos papéis sociais”.

Por fim, o professor Rodrigo reitera a necessidade de uma orientação precisa e


consciente por parte do adulto, para que a criança possa se apropriar dos objetos culturais,
se manifestar e se expressar conscientemente nos jogos e brincadeiras.
Nesse movimento de construção, Rodrigo defende a tese da necessidade da
atividade do brincar para que a criança possa avançar na construção de sua consciência na
escola e evidencia que o professor deve realizar um trabalho educativo de natureza ludo-
pedagógico, como forma coerente e cientificamente orientada de possibilitar o processo de
aprendizagem das crianças por meio da atividade do brincar na escola. Trata-se de uma tese
original e inovadora que contribui, sobremaneira, para que o processo de educação escolar
de crianças seja revisto e avance para além da visão assistencialista e adaptativa tão

5
VIGOTSKI, L.S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Tradução: Zoia
Prestes. Revista virtual de gestão de iniciativas sociais. Junho/2008.
6
DUARTE, N. Vamos brincar de alienação? A brincadeira de papéis sociais na sociedade alienada. In:
ARCE, A.; DUARTE, N. Brincadeira de papéis sociais na educação infantil: as contribuições de Vigotski,
Leontiev e Elkonin. São Paulo: Xamã, 2006.
13
Página
presente na escola de educação infantil, e seja orientado numa direção crítica, consciente,
humanizadora e emancipatória.
Para encaminhar a finalização desse prefácio, lembro o leitor que ao inicia-lo,
apresentei uma citação de Marx evidenciando as vicissitudes do processo histórico e sua
determinação na construção da humanidade nos seres humanos, e o concluo com outra
citação do mesmo livro do grande filósofo alemão, quando afirma que:

Uma pessoa que acabou de aprender uma língua nova costuma


retraduzi-la o tempo todo para a sua língua materna; ela, porém, só
conseguirá apropriar-se do espírito da nova língua e só será capaz de
expressar-se livremente com a ajuda dela quando passar a mover em
seu âmbito sem reminiscências do passado [...] (MARX, 2011, p.267).

Tomo a citação de Marx pois assim reconheço o processo histórico de formação e


desenvolvimento do autor deste livro, o professor Rodrigo Lima Nunes, e repleto de
satisfação e orgulho, vejo-me como um mestre que ensinou uma ‘nova língua’ ao seu
discípulo, o qual, por meio de muito estudo, trabalho e dedicação, aliado a compromisso
ético e político com a construção de uma educação escolar crítica e emancipatória, supera,
por incorporação o seu mestre, e avança àquilo que aprendeu, para expressar-se livremente
por meio dessa ‘nova língua’ e mover-se autonomamente sem ‘reminiscências do passado’.
Seu livro demonstra isso, caro Rodrigo e, diante dele, remeto-me, emocionado, para
determinado dia no ano de 2008, quando ministrava uma aula no curso de Educação Física
da UNESP-Presidente Prudente, e discorria sobre o texto ‘o homem e a cultura’ de Alexis
Leontiev (LEONTIEV, 19788).

Lembro-me que estava disposto a apresentar uma ‘nova língua’ aos estudantes, a
Teoria histórico-cultural de desenvolvimento humano, e foi naquele dia que observei os olhos
atentos e brilhantes daquele jovem estudante do 1º. ano do curso, que muito atento e
interessado, se apropriava e se objetivava daquela ‘nova língua’, aprendendo, ao longo do
tempo, a mover-se e expressar-se livremente, para hoje nos presentear com essa importante
14

7
MARX, K. O 18 de brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.
8
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimiento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário, 1978.
Página
obra autoral que acrescentará significativo valor a pesquisa científica e à prática pedagógica
do professor na educação escolar.

Parabéns, Rod!!!

Presidente Prudente, 25 de novembro de 2023


Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho9

9Professor Livre-docente em Educação e Desenvolvimento humano pela UNESP-Presidente Prudente; Pós-


doutoramento em Educação pela University of Bath (Inglaterra/UK); Doutor e Mestre em Psicologia da
Educação pela PUC-SP. Atualmente é docente do Departamento de Educação Física e do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UNESP-Presidente Prudente, Pesquisador Associado do CEETAS (Centro de
Estudos em Educação, Trabalho, Ambiente e Saúde) da UNESP-Presidente Prudente e Coordenador do
Grupo de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria histórico-cultural (GEIPEEthc). E-
15

mail: [email protected]
Página
INTRODUÇÃO

As discussões acerca da importância da brincadeira na infância há muito se fazem


presentes na história da humanidade. Vários são os estudiosos e teorias que tomam por
objeto tal atividade, tendo em vista o quanto a mesma, historicamente, está entrelaçada
com os condicionantes acerca da existência humana. Tamanha é sua prevalência e
coexistência que muitos chegam a considerá-la como processo natural referente a uma
condição genotípica necessária à reprodução, evolução e efetivação biológica da espécie
humana.
Tais visões corroboraram e ainda se mantém aninhadas no senso comum, no
sentido de enaltecer que as crianças sempre brincaram, independente das determinações
históricas de cada época em relação com as características singulares de cada indivíduo,
ocorrendo apenas pequenas mudanças em alguns traços superficiais, tais como, temas e
objetos que as crianças utilizavam e utilizam durante a realização de tal atividade. Estes
fatos deram base para construções teóricas pautadas, sobretudo, na lógica formal, ao
afirmarem a existência de um mundo específico da criança, repleto de fantasia,
imaginação suprema, aspirações, criações próprias, qualificando-as como produtoras e
reprodutoras de uma cultura específica, independente da “cultura adulta”, ou seja, como
responsáveis por uma cultura própria à infância.
Sobretudo no âmbito da educação escolar, o que permanece evidente são os
limites impostos por determinadas perspectivas que discutem o referido tema sob a ótica
de tais visões naturalizantes e pautadas em tendências espontaneístas, calcadas no
desenvolvimento biológico, na liberdade e fantasia espontâneas, apartadas do contexto
histórico e cultural que a brincadeira toma como representação da vida das crianças.
Tomemos, por exemplo, os trabalhos de Comenius, Rousseau e Pestalozzi,
analisadas por Brougère (1995), acerca de uma “nova visão de infância” que coloca a
criança como um ser que está vinculada a uma verdade que lhe é revelada somente de
modo espontâneo, sendo o contato social prejudicial a essa criação de sentido sobre o
16
Página
mundo. Apoiam-se, assim, em uma concepção de brincadeira que valoriza a criança
como indivíduo portador da verdade, enclausurada no inato, expressando-se de forma
natural, por excelência, desvinculada do contexto social e, também, da própria razão
quando do ato de brincar. Já para Stanley Hall (século XIX), sobretudo sob a base das
discussões de Rousseau (BROUGÈRE, 1995), a brincadeira era entendida como uma
atividade de natureza biológica, hereditária, que possibilita a expressão espontânea e da
natureza da criança (LIMA, 2008). Groos (século XX), em uma mesma linha, afirmou a
brincadeira como a expressão de uma ânsia impulsiva e inata da criança que a leva à
imitação das aptidões humanas; e Spencer, por fim, ainda no século XIX, expressa uma
outra função para a brincadeira, contudo, ainda em conformidade com a visão
naturalizante da mesma, qual seja, que ela é uma atividade na qual a criança gasta as
energias que ficam armazenadas quando da não realização de atividades utilitárias
(ELKONIN, 1998).
Estas representações, a nosso ver, apresentam-se como algo limitante e, até
mesmo, problemático, pois condicionam situações que impedem uma ação pedagógica
intencional com tal atividade, deixando-a ao sabor de uma falsa “liberdade infantil”,
sobretudo quando discutimos a importância da atividade de brincar para o
desenvolvimento do estudante que se encontra na educação infantil. Desta forma, essa
situação nos leva à necessidade de uma retomada do debate acerca desse tema, na
busca pelas reais condições, características e possibilidades que esta atividade pode
efetivar na vida da criança, tomando-a sob a base de uma perspectiva histórica e social e
que assume sua importância fulcral para o desenvolvimento do psiquismo infantil.
Assim, buscando contribuir com a efetivação de uma visão histórico-cultural e
histórico-crítica da brincadeira e da educação infantil, que efetive processos educativos
verdadeiramente desenvolventes das crianças que se encontram na situação social de
desenvolvimento referente ao período da infância pré-escolar, propomos, na presente
tese, o trabalho pedagógico com a brincadeira infantil em uma direção humanizadora.
Para tanto, tomamos como base as discussões teórico-metodológicas e espistemológicas
17

do Materialismo Histórico e Dialético, Teoria Histórico-cultural e Pedagogia Histórico-


Página
crítica, a fim de discorrer, a partir da realização e análise de uma pesquisa de caráter
interventivo-formativa (VIOTTO FILHO, 2018), sobre as principais características
inerentes ao desenvolvimento humano e a brincadeira de papéis sociais, assim como
sobre as possibilidades de ensino desta atividade, tendo em vista sua importância para o
processo de desenvolvimento da consciência e personalidade infantil.

Esclarecemos, então, que nossa pesquisa se pauta em uma práxis científica


educativa (VIOTTO FILHO; NUNES; SANTOS; FELIX, 2018), possibilitada a partir de
categorias científicas que se efetivam na prática social, teorização, intervenção
pedagógica (ensino-aprendizagem), desenvolvimento humanizador e produção de
conhecimentos científicos que tomam a realidade como critério de verdade. Nesse
movimento, investigamos possibilidades pedagógicas de ensino da brincadeira de papéis
sociais que visem o enfrentamento de tendências alienadas e alienantes que subjazem
tal atividade, sobretudo quando realizada de forma espontânea pela criança na pré-
escola, na busca de construção de consciências calcadas em processos humanizadores,
ou seja, que trazem em seu cerne possibilidades efetivas de desenvolvimento da
consciência, carregada de valores humano-genéricos como amizade, justiça, equidade,
respeito e etc., bem como, do ponto de vista estrutural do psiquismo propriamente
humano, em um sistema que que se efetive a partir das máximas possibilidades de
desenvolvimento dadas nesse período em específico.
Entendendo que esse conteúdo é fundamental na educação infantil, sobretudo, no
período pré-escolar, partimos assim da premissa de que a atividade da brincadeira de
papéis sociais, compreendida como atividade dominante, efetiva-se como essencial ao
processo de desenvolvimento das crianças nesse período de escolaridade, justamente
por colocar em processo de movimento e transformação qualitativa todo o sistema
interfuncional afetivo-cognitivo correspondente à consciência e personalidade (ELKONIN,
1998; LEONTIEV, 2006b; MARINO FILHO, 2012; MARTINS, 2006; PASQUALINI, 2011;
ROSSLER, 2006; VIGOTSKI, 1996, 2006, 2008; NUNES, 2013), contudo, desde que
orientada a partir de pressupostos humanizadores, contrários à alienação social
18

capitalista (DUARTE, 2006; NUNES; VIOTTO FILHO, 2016).


Página
Considerando que a brincadeira infantil, compreendida como reconstrução lúdica
pelas crianças dos modelos de relação social presentes na sociedade, assumimos que
essa atividade tem relação direta com os papéis sociais existentes e vivenciados
cotidianamente, sendo que tais papéis sociais, dentro da atual estrutura social, carregam
intrinsicamente tendências alienadas e alienantes necessárias à manutenção e
reprodução da sociedade capitalista. Podemos dizer que as atividades cotidianas na
atualidade têm por característica (conteúdo e forma) e são engendradas sob a imposição
de uma barreira entre aquilo que há de mais desenvolvido na cultura e aquilo que a
maioria da população possui como possibilidade de acesso (o menos desenvolvido). Além
disso, estabelece uma ruptura entre os significados sociais dos papéis sociais necessários
à reprodução da vida e o sentido que estes assumem para os indivíduos, sendo que na
reconstrução lúdica do mundo adulto pelas crianças, por meio dos modelos de relações
sociais alienados, radica, consequente e lamentavelmente, um desenvolvimento alienado
de suas consciências, tal como analisaremos em nossa tese.
Assim, torna-se fundamental a necessidade de realização do presente trabalho,
tomando por objeto a atividade de ensino da brincadeira de papéis sociais em unidade
com o desenvolvimento da consciência infantil em uma direção humanizadora, contrária
à alienação social, sob a perspectiva de uma prática pedagógica que engendre processos
de enfrentamento das tendências alienadas e alienantes presentes no cotidiano
capitalista e que caminhe na direção de formação humana verdadeiramente
emancipatória na escola de educação infantil.
Considerando a história como possibilidade de caminhada da aparência à essência
e de compreensão fidedigna da realidade, o tema proposto surge como interesse de
pesquisa em razão de alguns questionamentos realizados no grupo de estudos e
pesquisas do qual fazíamos parte, antes da criação e participação no GEIPEEthc (Grupo
de Estudos, Intervenção e Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-cultural),
ainda no primeiro ano da graduação em educação física (2007), quando nos deparamos
com uma discussão que enfatizava a necessidade da criança agir de forma “livre 10” ao
19

10
Entenda-se “livre”, no presente contexto, sinônimo de espontânea.
Página
realizar uma brincadeira, pois, assim, segundo a orientação daquela discussão, não
haveria a eliminação do lúdico, da fantasia, da autonomia, da liberdade, dentre outras
justificativas pautadas, sobretudo, nas definições que assumem a brincadeira numa
perspectiva naturalizante, conforme apresentamos no início da presente introdução.
Considerando os argumentos naturalizantes acerca da brincadeira discutidos
naquele momento em específico, uma questão, deste então, passou a ser considerada,
ainda que limitada ao incipiente conhecimento e desenvolvimento consciente que
apresentávamos sobre o tema, a qual tentamos reproduzir nos seguintes termos à época
empregados: “mas, se foi falado que as crianças brincam de ser adultos, isso quer dizer,
elas reproduzem as coisas do mundo atual, e se o mundo atual se mostra tão ruim, se as
deixarmos brincarem sozinhas, elas não irão reproduzir tudo o que há de ruim no
mundo, consequentemente, desenvolverem-se também de forma ruim?”. Eis, assim, o
nascimento do presente tema que, desde então, tornou-se objeto de preocupação e
projeto de vida do pesquisador, na busca de compreender a brincadeira de papéis sociais
em sua gênese filogenética e ontogenética humana, bem como suas possibilidades de
aplicação pedagógica na educação infantil.
Após a participação naquele primeiro grupo de estudos e a posterior construção
do GEIPEEthc, nossos estudos se ampliaram a partir da orientação do Professor Tuim,
sob a ótica da Teoria histórico-cultural, momento em que iniciamos efetivamente a nossa
caminhada, embora com discussões ainda bastante elementares e realizadas durante o
período da graduação em Educação física com o Trabalho de Conclusão de Curso
intitulado “Jogo de papéis sociais e sua relação com a alienação capitalista”. Já no
Mestrado em Educação, de uma forma mais aprofundada, buscamos entender as
características e consequências da alienação no desenvolvimento da consciência das
crianças durante a realização de brincadeiras de papéis sociais com características
espontaneístas, sendo que este produto tomou por título "Atividade do jogo e
desenvolvimento infantil: implicações sociais para a construção da consciência da criança
na escola", dissertação defendida em abril/2013.
20
Página
Na dissertação de mestrado pesquisamos o quanto a alienação se faz presente na
brincadeira infantil e, consequentemente, no desenvolvimento da consciência das
crianças, sobretudo, no que tange a ruptura entre o sentido pessoal e o significado social
dos conteúdos e formas referentes aos modelos de relações sociais expressos nos papéis
sociais, pois, ao brincar espontaneamente, as crianças reproduziam um sentido falseado
em relação ao significado do papel social representado11, pois oriundo de vivências
bastante restritas e limitadas à situações de individualismos, preconceitos, difusão de
estereótipos, manifestação de violência física e simbólica, coerção, subjugação, ameaças
e imposição em relação ao comportamento do outro, preferência por papéis que
envolviam maiores ganhos financeiros, dentre outras manifestações presentes nos papéis
sociais tendencialmente alienadas e alienantes. Observamos e discutimos na dissertação
que tais tendências influíam no desenvolvimento da consciência das crianças,
considerando que tal consciência, tendo em vista as possibilidades de desenvolvimento
da criança, é engendrada na ação do brincar (NUNES, 2013).
É importante enfatizar que tais relações alienadas e alienantes eram reproduzidas,
sobretudo, quando as atividades assumiam um caráter espontaneísta, nas quais as
crianças representavam os papéis sociais sem a devida intervenção de um indivíduo mais
desenvolvido tal como o professor na escola; fato que nos fez pensar, ainda durante o
mestrado, possíveis possibilidades de enfrentamento dessas relações alienadas
manifestas durante a atividade do brincar na escola. Contudo, considerando os limites
postos em uma dissertação, bem como, a falta, naquele momento, de uma orientação
teórica que abarcasse aspectos pedagógicos na busca por tal enfrentamento, apenas
tangenciamos algumas discussões, nos mantendo, ainda, na aparência do fenômeno.
Fato que se colocou como principal objeto de estudo e tese que defenderemos ao longo
deste trabalho de pesquisa de doutoramento.
Desta feita, buscamos na presente tese dar o devido aprofundamento quanto às
possibilidades de enfrentamento das tendências alienadas e alienantes que se
21

11
Por exemplo: A criança assumir que brinca de médico porque esta profissão proporciona mais dinheiro
do que atuar enquanto médico na brincadeira visando o cuidado do outro.
Página
apresentam no contexto infantil e que subjazem a construção da consciência das
crianças. Sob estas condições, buscaremos desvelar o contexto da educação pré-escolar
atual, tendo em vista que tal contexto se apresenta, na maioria das vezes enquanto um
espaço voltado ao assistencialismo e espontaneísmo das atividades (PASQUALINI, 2011).
Acreditamos que tal enfrentamento pode ser alcançado a partir de possibilidades
pedagógicas pautadas no Materialismo Histórico e Dialético, Pedagogia Histórico-Crítica e
Teoria Histórico-Cultural, como já anunciado, sendo que tal prática educativa com a
brincadeira infantil deve se configurar numa práxis revolucionária, isto é, numa relação
de caráter teórico-prático que busque as máximas possibilidades de desenvolvimento dos
indivíduos que se encontram neste período de desenvolvimento psicológico (MARSIGLIA,
2013; PASQUALINI, 2011).
Sendo assim, ao estudarmos e nos instrumentalizarmos para o enfrentamento das
relações alienadas postas a partir do ideário hegemônico capitalista presente na
educação infantil, sobretudo na pré-escola, podemos pensar sobre alguns aspectos, os
quais tais situações podem efetivar quando da utilização de brincadeiras no contexto
escolar, quais sejam: 1- Como os professores sistematizam e organizam as brincadeiras,
caso as utilizem enquanto conteúdo de aula; 2 – Como se dá a reconstrução pelas
crianças dos papéis sociais durante a realização da brincadeira, tendo em vista os
condicionantes sociais capitalistas?12; 3 – Como efetivar, caso seja possível, uma
atividade de ensino da brincadeira que contribua para um desenvolvimento infantil em
uma perspectiva humanizadora?; Esses aspectos tornaram-se problemas a serem
respondidos e orientadores da nossa análise do objeto estudado.
Apresentamos, assim, o problema central que orientou esta pesquisa, qual seja:
há a possibilidade de enfrentamento das tendências alienadas e alienantes que se
apresentam na realização da brincadeira de papéis sociais na pré-escola, a partir de uma
atividade de ensino realizada pelo professor de forma direta e intencional? Tal problema
nos levou à construção e defesa da seguinte tese: Uma atividade de ensino da

12
Importante esclarecer que mesmo com a presença desse problema já na dissertação de mestrado,
22

acreditamos que não foi possível o devido aprofundamento acerca dessa questão, o que nos levou à
necessidade de revisita-lo na pesquisa de doutorado ora discutida.
Página
brincadeira de papéis sociais, estruturada e efetivada a partir de uma prática pedagógica
direta e intencional e baseada em uma práxis científica educativa, que toma os
pressupostos do Materialismo Histórico e Dialético, Teoria Histórico-Cultural e Pedagogia
Histórico-Crítica, possibilita o enfrentamento das tendências alienadas e alienantes que
se fazem presentes no desenvolvimento da consciência dos alunos quando da realização
desta atividade, levando-os a um desenvolvimento humanizador, ou seja, pautado nas
máximas possibilidades de humanização dadas nesse período de desenvolvimento em
decorrência da apropriação de objetivações presentes na filosofia, nas ciências, nas
artes, na cultura corporal, na política, na ética e outras objetivações humano genéricas.
Enfatizamos, assim, a importância de uma educação escolar respaldada por
conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos os mais desenvolvidos, essenciais ao
processo pedagógico, organizados e mediados de forma direta e intencionalmente,
buscando o desenvolvimento da consciência dos indivíduos a partir de suas máximas
possibilidades, engendrando condições tendencialmente humanizadoras no processo de
humanização das crianças na escola (PASQUALINI, 2011; MARSIGLIA, 2013; NUNES,
2013; NUNES; VIOTTO FILHO 2016).
Lançados o problema e a tese a ser defendida, para consecução desse trabalho,
assumimos como objetivo geral “Engendrar possibilidades pedagógicas teórico-práticas
para o ensino da brincadeira de papéis sociais em uma direção humanizadora, com vistas
ao enfrentamento das relações sociais tendencialmente alienadas e alienantes que
subjazem o desenvolvimento dos educandos na pré-escola”. Como objetivos específicos:
“Elaborar e aplicar um programa de intervenção, respaldado na atividade do brincar e
considerando os pressupostos do Materialismo Histórico e Dialético, Pedagogia Histórico-
crítica e Teoria Histórico-cultural; Analisar os condicionantes presentes no processo
interventivo-formativo que dão base para uma atuação humanizadora da prática
pedagógica com a brincadeira; Desvelar e construir possibilidades teórico-práticas de
ensino da brincadeira de papéis sociais na pré-escola, no que tange a possibilidade de
enfrentamento das tendências alienadas e alienantes concernentes às relações sociais
23

capitalistas”.
Página
Salientamos que tal processo de pesquisa foi realizado em uma escola de
Educação Infantil e Ensino Fundamental I da cidade de Presidente Prudente/SP,
inicialmente com observações sistemáticas das aulas (cinco aulas) e, posteriormente,
efetivação de um processo interventivo-formativo (total de dezoito momentos com cerca
de uma hora) com crianças de um pré-dois (quatro-cinco anos de idade), realizada em
paralelo com o projeto de extensão já realizado pelo GEIPEEthc, contando com a ajuda
de outros integrantes do grupo, o que, sem sombra de dúvidas, levou a pesquisa à
proporções elevadas e profícuas de planejamento, execução e análise, como
demonstraremos neste relatório de pesquisa de tese de doutoramento.
Para a defesa da presente tese, portanto, estruturamos o trabalho em um formato
o qual acreditamos demonstrar o movimento teórico-prático que sintetiza o caminhar da
pesquisa de sua gênese à sua finalização, partindo do todo do objeto de estudo,
analisado em sua prática social desde o ponto do partida, inicialmente caótico, até o seu
ponto de chegada, configurado em uma expressão superior e requalificada (MARTINS,
2016), tendo como princípio norteador analítico a unidade mínima de análise ação ludo-
pedagógica humanizadora13 em direção ao desvelamento das múltiplas determinações do
fenômeno pesquisado.
Assim, iniciaremos a discussão apresentando uma seção que busca desvelar os
princípios epistemológicos, metodológicos e filosóficos do Materialismo Histórico
Dialético, em um esforço para apresentarmos as características de uma pesquisa
interventiva-formativa, bem como as nuances que nos levaram à elaboração da nossa
unidade mínima de análise; Explanaremos, em seguida, sobre as categorias
integradoras14 de nosso objeto de estudo, quais sejam: 1) A atividade dominante
brincadeira de papéis sociais em unidade com o desenvolvimento do psiquismo infantil;
2) A relação entre alienação social capitalista e o processo de desenvolvimento da
consciência dos indivíduos: tendências alienadas no processo de desenvolvimento do

13
Unidade mínima de análise a qual julgamos sintetizar a totalidade de nosso objeto de estudo. Iremos
apresentar a defesa de tal unidade enquanto microcosmo de nossa pesquisa na próxima seção.
14
Por “categorias integradoras do objeto” entenda-se as categorias teórico-práticas que, tomadas em
24

relação com a unidade mínima de análise, tornam possível a análise do objeto estudado.
Página
psiquismo individual; 3) Educação escolar hegemônica versus educação escolar na
perspectiva da Pedagogia Histórico-crítica: Do geral à singularidade da educação no
período pré-escolar. Consideramos que tais categorias gerais integradoras do objeto, a
partir de um movimento analítico pautado na unidade mínima de análise, nos leva à
categorias mais específicas que auxiliam a compreender as 'Possibilidades de intervenção
pedagógica durante a realização da brincadeira, de forma a orientar a dinâmica da
distribuição dos papéis sociais e da utilização dos objetos, bem como sua mediação em
uma direção humanizadora, sem destituí-la de suas características essenciais', discussão
estruturada no último capítulo de nossa tese.
Convidamos, assim, que seja realizada uma leitura de totalidade do nosso
trabalho, para que não sejam engendradas compreensões lineares, padronizadas e
fragmentadas acerca do fenômeno aqui tratado, o que ensejaria uma compreensão
formal de uma proposição teórica que se efetiva a partir da lógica dialética, desde a sua
efetivação como também de sua exposição. Os capítulos deste relatório de pesquisa
estão articulados, essencialmente, em movimento processual, dinâmico, objetivo,
contraditório e de totalidade, como pede o método materialista histórico dialético.

25
Página
2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS, METODOLÓGICOS E PRÁTICOS
DA PESQUISA: DO MÉTODO À UNIDADE MÍNIMA DE ANÁLISE

O tema referente à discussão sobre a possibilidade ou não de atuação pedagógica


com a brincadeira de papéis sociais na educação infantil situa-se entre aqueles que há
muito perpassam os horizontes científicos, escolares e de senso comum, como já
anunciado na introdução. Esse fato nos remete à necessidade de construção de um novo
olhar sobre tal discussão, conhecimento este que, em sua essência, carregue como
critério de verdade uma análise teórico-prática pautada na vivência concreta, calcada em
relações sociais reais, de crianças e professores reais, de possibilidades reais de
intervenção pedagógica na escola.
Nesse processo, portanto, defendemos a construção de um processo de pesquisa
pautado nas máximas possibilidades dadas neste momento histórico, concernentes com
o período de desenvolvimento das crianças presentes na pré-escola e que
instrumentalize o professor para o enfrentamento das mazelas impostas pela sociedade
capitalista. Tais condicionantes se configuram na efetivação de processos alienados e
alienantes que subjazem a vida e o desenvolvimento das crianças desde as relações
sociais fora do espaço escolar até aquelas construídas em seu próprio interior.
Realizar tamanha façanha (assim consideramos o processo de construção de uma
tese), ainda mais tomando como base pressupostos contra hegemônicos, ou seja,
revolucionários, tendo em vista que o próprio pesquisador também está relegado às
mazelas alienadas e alienantes desta sociedade, e não poderia ser diferente, já que é
esta a realidade colocada a todos nós cotidianamente, poderia tornar o trabalho
extremamente penoso e, até mesmo, impossível de ser realizado. Contudo, ao tomarmos
as contradições que se apresentam na realidade, o presente trabalho torna-se passível
de realização e efetivação, pois, sob a ótica da lógica dialética, o fenômeno ora discutido
pode ser compreendido e confrontado, desde que nos pautemos em uma teoria, ou
26

conjunto de, que tomem como critério de análise do objeto os pressupostos anunciados
Página
até o momento em relação com a confrontação prática desse objeto com a própria
realidade em que ele emerge.
Consideramos que não há outra possibilidade para tal estudo senão a utilização da
base epistemológica, metodológica e teórica do Materialismo Histórico Dialético, Teoria
Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica, pois, à nosso ver, são esses
conhecimentos que nos apresentam condições efetivas de apreensão do concreto caótico
ao concreto pensado, da aparência fenomênica à essência em suas múltiplas
determinações, da quietude à dinamicidade do real, da identidade irredutível às
contradições, ou seja, da heterogeneidade fragmentada e caótica colocada no cotidiano
em-si à uma miríade de determinações e inter-relações lógicas que só podem ser
desveladas quando elaboradas por processos de pensamentos altamente complexos, sob
a base de conhecimentos os mais elevados, entenda-se, aqueles que em seu âmago
conseguiram e conseguem, de fato, expressar no plano abstrato a essência da realidade
(NOVACK, 2006).
Desta feita, sem tergiversar acerca das abstrações teóricas que iremos realizar na
presente exposição, buscando a fidedignidade e a contraposição às atuais circunstâncias
que observamos nas várias construções científicas pautadas na lógica (alógica) do
relativismo formal, achamos conveniente, nesta segunda seção, apresentar de forma
explícita a base epistemológica, metodológica e filosófica, juntamente com a
apresentação do processo interventivo de pesquisa e a defesa e explicitação de nossa
unidade mínima de análise, antes de adentrarmos nas categorias teóricas integradoras
do objeto, nas quais nos respaldamos para a análise de nosso objeto de estudo, quais
sejam, atividade, consciência, alienação, brincadeira de papéis sociais, prática
pedagógica humanizador, pois, como afirma Marx (1996), há que se diferenciar
formalmente o método de exposição do método de investigação, sendo que ambos estão
voltados à explicitação e elucidação de determinado objeto que se apresenta ao
indivíduo pesquisador, desde a sua aparência fenomênica e que precisa ser desvelado
para se chegar à sua essência multideterminada.
27
Página
Assim sendo, discorreremos sobre os fundamentos do método Materialista
Histórico Dialético, com destaque as categorias totalidade, contradição e movimento;
relacionaremos tais categorias gerais de análise da realidade com o nosso objeto de
estudo, qual seja, a atividade de ensino da brincadeira de papéis sociais em unidade com
o desenvolvimento da consciência infantil em uma direção humanizadora, considerando o
movimento de construção presente na práxis científica educativa realizada para o
enfrentamento da alienação social capitalista que permeia as relações sociais de forma
geral e as atividades lúdicas estruturadas na escola de educação infantil. Caminharemos,
posteriormente, a uma descrição do processo interventivo da pesquisa, apresentando
suas características fundamentais, dando suporte a uma apreciação inicial do que foi
proposto na prática em direção ao desvelamento de nossa unidade mínima de análise, a
qual, permeará, todo o processo analítico do objeto.

2.1 O concreto caótico: primeiras aproximações metodológicas em relação ao


objeto

Como foi apresentado na introdução, nossa pesquisa tem como tema geral de
estudo a busca por possibilidades pedagógicas intencionais com a brincadeira de papéis
sociais com vistas ao enfrentamento das relações sociais alienadas e alienantes que se
apresentam na escola e em contraposição à realização de brincadeiras infantis pautadas
em pressupostos pedagógicos espontaneístas, ou seja, que não oferecem possibilidades
de uma intervenção pedagógica intencional e planejada antes e/ou durante a realização
desta atividade pela criança na escola.
Como estamos há aproximadamente 11 anos convivendo dentro de escolas,
intervindo com professores, gestores, alunos e pais, observamos, em diferentes
momentos da rotina de aula das crianças, a utilização de uma proposta que é
denominada, na maioria das vezes como “hora da brincadeira”, proposta esta que,
hegemonicamente, tem por característica geral, manter a criança sem nenhum tipo de
28

instrução, ou preparação anterior, realizando atividades diversas e espontaneamente da


Página
forma que lhe for conveniente. Por que afirmamos que são atividades diversas e não
brincadeiras, essas ações espontâneas das crianças nesses momentos? Pelo que
identificamos em nossas observações da 'hora da brincadeira' as crianças, quase sempre,
não brincavam efetivamente; ficavam sentadas sem fazer nada, conversavam, brigavam,
choravam, realizavam algumas ações lúdicas limitadas ao seu próprio e limitado universo
de ação. Contudo, algo recorrente e representativo começou a despertar em nós um
grande interesse ao longo das observações, qual seja, dentre as crianças que realizavam
algumas ações lúdicas, a maioria delas reproduzia situações que considerávamos
estranhas, talvez, inadequadas ao seu processo de desenvolvimento, tais como
reprodução de situações de preconceitos, discriminação, competição exacerbada,
violência simbólica, dentre outras situações muito presentes nas nossas vidas de
“adulto”, isto é, nas relações sociais vivenciadas em nossa vida cotidiana no interior da
estrutura social capitalista.
Essa situação nos gerou preocupação, pois, será a escola um espaço onde as
crianças podem reproduzir situações inadequadas, as quais observamos cotidianamente
na sociedade capitalista, sem que sejam orientadas quanto à isso? Essas situações
inadequadas não podem prejudicar o seu processo de desenvolvimento? Será que tal
concepção pedagógica espontaneísta não se encontra equivocada (caso seja de fato uma
concepção pedagógica)?15
Assumimos, assim, o conceito atividade de brincar na escola, em contraponto a tal
atividade da brincadeira espontânea, tendo em vista valorizarmos a atividade de brincar
na escola como responsável em promover a relação da criança com o mundo adulto e
por considerarmos que toda a criança precisa ter oportunidades de vivenciá-la, desde
que devidamente orientada pelo professor, e não deixada à própria sorte e nos limites do
aprender a aprender, como apregoam as tendências construtivistas em educação, as
quais, mormente, reproduzem as relações sociais cotidianas em-si e acabam por
contribuir para a manutenção e reprodução do status quo social capitalista.

15
Acreditamos que não seja necessário retomar nossa história com o presente objeto, tendo em vista que
29

o mesmo já foi realizado na introdução do presente trabalho.


Página
Segundo nossa compreensão a atividade de brincar deve ser intencionalmente
planejada e organizada, além de orientada durante a sua realização, com a finalidade de
proporcionar condições qualitativamente superiores de desenvolvimento das crianças na
escola. Mas, para superar essa apreciação inicial e engendrarmos tais possibilidades de
aprofundamento e análise do tema, precisamos adentrar naquilo que expressa o
movimento real de orientação geral e efetivação da tese, naquilo que norteou nosso
trabalho do início ao fim, ou seja, os pressupostos do método Materialista Histórico
Dialético.

2.2 O método Materialista Histórico Dialético

O método Materialista Histórico Dialético se constitui enquanto uma longa


elaboração teórica pautada nas formulações teórico-filosóficas elaboradas por Karl Marx
(1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). A pesquisa marxiana, tinha por objetivo
buscar a gênese, consolidação, desenvolvimento e as condições referentes à crise da
sociedade burguesa, desenvolvida no bojo do modo de produção capitalista (PAULO
NETTO, 2011). Neste caminho, tais formulações teóricas proporcionaram uma rica
análise da estrutura e dinâmica da sociedade burguesa, com vistas à sua superação,
além de desvelar uma lógica de interpretação da realidade qualitativamente superior à
todas as outras elaboradas no âmbito das ciências humanas até então.
Sob essa ótica é que foram estabelecidos os fundamentos centrais do método que
viabilizou à Marx e Engels uma análise fidedigna do fenômeno que buscaram estudar.
Sendo assim, tratar sobre método, é tratar sobre a forma pela qual iremos apreender do
fenômeno pesquisado as suas características, nuances, relações, interdependências,
aspectos fundamentais, processos, contradições, enfim, as inúmeras determinações que
configuram a realidade objetiva pesquisada. Neste sentido, o método assume a
finalidade de orientar e direcionar todo o processo de investigação, a compreensão dos
diferentes conceitos e concepções sobre a realidade e como podemos torná-la
30

cognoscível, para que possamos conhecê-la em sua veracidade (NASCIMENTO, 2014).


Página
O método configura-se enquanto instrumento fundamental para toda e qualquer
ciência, garantindo a ela a possibilidade de uma inserção e interpretação aprofundada da
realidade estudada. Este fato nos leva à necessidade de esclarecimento acerca dos
fundamentos centrais que subjazem o Materialismo Histórico Dialético, tendo em vista
elucidarmos acerca das possibilidades de sua aplicação e sua importância para a análise
dos fenômenos existentes na realidade que nos propomos estudar e investigar para
compreendê-la nas suas múltiplas determinações.
Por questões meramente didáticas iremos tratar separadamente da concepção de
materialismo histórico e de materialismo dialético, tendo em vista a necessidade de
explicitação e entendimento das nuances referentes a estes termos. Contudo, não
podemos perder de vista a relação fulcral existente entre essas concepções quando
tomadas do ponto de vista da obra marxiana, pois, a análise materialista histórica -
entendida enquanto teoria da história e, portanto, como instrumento lógico de
interpretação da realidade - só se efetiva em sua interdependência com a lógica dialética,
sendo impossível tomá-los de forma dissociada (MARTINS, 2008).
Antes de tudo, toda formulação filosófico-metodológica, necessariamente,
contempla uma determinada concepção de homem e de sociedade, a relação existente
entre estes diferentes polos e, sobretudo, as possibilidades de construção do
conhecimento. Dessa forma, devemos tomar por materialismo histórico o núcleo teórico-
filosófico “produzido pela decodificação materialista dialética dos fenômenos da
realidade, no que se inclui a natureza, a história, a vida social e o próprio homem”
(MARTINS, 2008, p. 40), sempre sob a análise e orientação da lógica dialética. Neste
caminho, é importante destacarmos quais são os significados atribuídos às expressões
materialismo e histórico, primeiramente, e, depois, à dialética, sob a ótica da concepção
marxista.
De acordo com Martins (2008, p. 41),

Marx e Engels partem do princípio de que a realidade; e todos os


fenômenos que a constituem; é material. Ou seja, existe objetiva e
independentemente da consciência. A matéria é, portanto, o dado
31

primário da existência e dela tudo depende, inclusive a consciência e o


Página
próprio pensamento humano. As sensações, as idéias, os conceitos, etc.
não emergem da consciência a partir de si mesma mas originam-se na
materialidade do real. O mundo objetivo é que será captado pelos
sentidos e representado pela consciência, a quem competirá torná-lo
cognoscível.

É nisto que se configura o termo materialismo. A realidade e os seus fenômenos


existem independentemente da consciência que temos deles. A realidade material deve
ser captada por nossos sistemas perceptivos e interpretada pela nossa consciência,
fazendo com que ela se torne conhecida por nós. É importante salientar que neste ponto
Marx e Engels estão se contrapondo a concepção filosófica idealista, que toma a
consciência como sendo um atributo anterior à existência, sendo a realidade uma
instância onde as ideias estão encarnadas, sendo elas, então, os condicionantes da
realidade (MARTINS, 2008).
Contudo, a realidade não pode ser tomada enquanto estática e muito menos
idêntica a si mesma; na verdade ela se apresenta enquanto “uma miríade de fenômenos
que resultam da matéria em movimento, de processos naturais e sociais que se
transformam continuamente, sendo assim: a realidade objetiva é a história de suas
mudanças”. E estas mudanças se dão na relação ativa entre homem e natureza
(MARTINS, 2008, p. 42).
A história é justamente o resultado dessa relação ativa, ou seja, “dos modos pelos
quais os homens organizam sua existência ao longo do tempo e diz respeito ao
movimento e as contradições do mundo, dos homens e de suas relações” (MARTINS,
2008, p. 42). Se, por assim dizer, a realidade é material e dinâmica, a dialética deve ser
entendida como a lógica que permite a sistematização dos princípios orientadores da
construção do conhecimento acerca dos fenômenos da realidade, tomados em suas
relações mútuas, interdependências e contradições, ou seja, em sua totalidade concreta.
Mas, então, como podemos situar qual é a concepção de homem e sociedade,
levando em consideração as premissas centrais referentes à análise materialista histórica
tecida por Marx? Este pensador coloca o trabalho no cerne de tal discussão filosófica.
Para ele, esta atividade deve ser tomada como a responsável em coordenar as
32

transformações históricas e sociais dos seres humanos e da própria sociedade. Sendo


Página
assim, deve ser entendida em seu sentido ontológico, ou seja, como a atividade em que
os homens se relacionam com a natureza, transformando-a de acordo com suas
necessidades. Nesse processo, ao modificar a natureza, os homens modificam também a
si mesmos, pois, para operar no trabalho é necessário antecipar mentalmente as
finalidades que serão alcançadas pelas ações humanas, criando novas necessidades,
para além daquelas dadas no plano imediato. É nesse processo dialético de
transformação da natureza e de si mesmos, que se efetiva a constituição do mundo
especificamente humano (SAVIANI, 2013b).
Sendo assim, o processo de humanização dos seres humanos, ou seja, o processo
de desenvolvimento singular de cada indivíduo em unidade com o desenvolvimento do
gênero humano, de acordo com Marx (1996), se dá sob a base do trabalho ou atividade
vital. Portanto, é no decorrer das atividades realizadas e concretizadas no desenrolar da
vida material e objetiva que o ser humano modifica a natureza e se apropria dela,
criando instrumentos e os meios de produção destes, com objetivo de suprir suas
necessidades mais básicas e caminhando na efetivação necessidades qualitativamente
superiores, consequentemente, produzindo e reproduzindo o gênero humano.
Contudo, de acordo com Martins (2008), esse processo de produção da existência
humana não é um ato isolado, individual, mas sim, coletivo, interdependente. Na
verdade, seria impossível um único indivíduo criar, isoladamente, todas as condições e
objetivações necessárias para manutenção de sua vida e, consequentemente, tornar-se
um ser dotado de características especificamente humanas. Neste caminho, a atividade
humana é sempre coletiva, de caráter social, sendo necessária uma organização
societária para que sejam produzidas as condições para a manutenção da vida, produção
e reprodução do gênero humano, além da transmissão dessas condições de uma geração
a outra.
Na base de todas as relações sociais estão as relações sociais de produção. Ou
seja, o trabalho por sua natureza é uma atividade coletiva e assim sendo, os homens
organizam-se em sociedade para produzirem suas condições de vida. E é exatamente no
33

bojo dessas relações de produção que os homens constroem não apenas os meios para
Página
sua sobrevivência, mas, sobretudo, edificam a si mesmos. Neste sentido, o aspecto
essencial em toda e qualquer sociedade é o modo de produção sobre o qual se erige. A
história de seu desenvolvimento se revela na história do desenvolvimento das forças
produtivas - modos e meios pelos quais o homem produz - e das relações que, assim,
estabelecem entre si (MARTINS, 2008, p. 46).
Este fato nos leva a entender que é a partir da análise do modo de produção que
sustenta determinada sociedade, que se faz possível caracterizar sua estrutura e
dinâmica do ponto de vista social, político e econômico. Portanto, para analisarmos o
desenvolvimento dos seres humanos, devemos levar em conta a sociedade da qual este
indivíduo faz parte, do mesmo modo que, para entendermos determinada sociedade,
devem ser levadas em conta as formas de relações sociais que são mantidas pelo modo
de produção que organiza e estrutura determinada sociedade.
Portanto, o materialismo dialético como método de análise da realidade, ofereceu
a base para que Marx e Engels chegassem às suas concepções de indivíduo e sociedade.
A concepção materialista histórica, que caracteriza suas discussões filosóficas, alicerça-se
na ideia de homem enquanto um ser constituído e determinado por questões históricas e
sociais e não somente biológicas, mas, sobretudo, considerando as forças produtivas e
relações de produção presentes na sociedade capitalista, demonstrando a necessidade
de superação desse modo de produção para que sejam possibilitadas condições efetivas
de humanização dos seres humanos. Tecidas estas considerações discutiremos agora as
premissas da lógica dialética.

2.3 A lógica dialética e suas categorias gerais

Quando falamos de lógica, estamos tratando de uma ciência responsável em


estudar os processos de pensamento (NOVACK, 2006). Sendo assim, tem por objeto o
pensamento no processo de formulação de princípios explicativos sobre os fenômenos da
realidade, tendo a ver, portanto, com determinado esquema subjetivo que dirige
34

determinada forma de raciocínio. Neste caminho, cabe aos estudiosos da lógica,


Página
investigarem como se dá a articulação interna do pensamento ao serem elaborados
conhecimentos sobre os diferentes fenômenos (MARTINS, 2008).
Em relação ao termo dialética, o mesmo advém do grego e tem por significado o
ato de “debater ou conversar para se chegar à verdade, descobrindo e superando a
contraditoriedade presente no raciocínio do interlocutor”. Foi Heráclito o seu proponente
na filosofia, sendo sua ideia retomada, posteriormente, por Hegel, filósofo responsável
em formulá-la enquanto método que enxerga a realidade a partir da contradição,
movimento e da transformação das ideias (dialética idealista) (MARTINS, 2008, p. 52).
Marx e Engels, que no início foram discípulos de Hegel, acabaram por causar uma
revolução quanto à formulação idealista da dialética daquele pensador, reinterpretando-a
a partir de uma base materialista. Para eles, as transformações e mudanças não se dão,
somente e por si só, na mente dos homens, a partir das mudanças em suas categorias
do pensamento, independentes de sua base material, como dizia Hegel 16 (NOVACK,
2006). Na verdade, o pensamento deve ser entendido como o reflexo subjetivo do
movimento existente no mundo real, sendo a realidade, por consequência, anterior à
consciência (MARTINS, 2008).
A partir disso, ressaltamos que a dialética sob a ótica Marxiana, necessariamente,
assenta-se no estudo da realidade a partir de seu movimento, contradição e das
mudanças que elas promovem. Dentre suas categorias gerais destacam-se, assim: a
totalidade; a contradição e a categoria movimento (MARTINS, 2008).
Considerar os fenômenos em sua totalidade é considerá-los enquanto síntese de
múltiplas determinações, sendo assim, é impossível construir conhecimentos objetivos da
realidade, levando-se em conta apenas as partes isoladas que a congregam. Faz-se
importante considerar a realidade, permeada por fenômenos que apresentam em sua
essência intervinculações e interdependências. Neste caminho, os dados, para serem

16
Marx e Engels não desconsideraram a importância de Hegel no que tange a evolução que o mesmo
efetivou no plano da lógica, contudo, foram capazes de enxergar os limites postos em sua formulação e
superá-la por incorporação, reformulando a lógica dialética sob a base materialista, deixando de lado os
35

condicionantes idealistas nas formulações de Hegel (NOVACK, 2006).


Página
compreendidos objetivamente, precisam ser analisados a partir dos condicionantes que
os cercam, das inter-relações que apresenta (MARTINS, 2008).

Existe uma diferença fundamental entre a opinião dos que consideram a


realidade como totalidade concreta, isto é, como um todo estruturado em
curso de desenvolvimento e de auto-criação, e a posição dos que afirmam
que o conhecimento humano pode ou não atingir a “totalidade” dos
aspectos e dos fatos, isto é, das propriedades, das coisas, das relações e
dos processos da realidade. No segundo caso, a realidade é entendida
como o conjunto de todos os fatos. Como o conhecimento humano não
pode jamais, por princípio, abranger todos os fatos – pois sempre é
possível acrescentar fatos e aspectos ulteriores – a tese da concreticidade
da realidade ou da totalidade é considerada uma mística. Na realidade,
totalidade não significa todos os fatos. Totalidade significa: realidade
como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser
racionalmente compreendido. Acumular todos os fatos não significa ainda
conhecer a realidade e todos os fatos (reunidos em seu conjunto) não
constituem, ainda, a totalidade. Os fatos são conhecimento da realidade
se são compreendidos como fatos de um todo dialético – isto é, se não
são átomos imutáveis, indivisíveis e indemonstráveis, de cuja reunião a
realidade saia constituída – se não entendidos como partes estruturais do
todo. O concreto, a totalidade, não são, por conseguinte, todos os fatos,
o conjunto dos fatos, o agrupamento de todos os aspectos, coisas e
relações, visto que a tal agrupamento falta ainda o essencial: a totalidade
e a concreticidade. Sem a compreensão de que a realidade é totalidade
concreta – que se transforma em estrutura significativa para cada fato ou
conjunto de fatos – o conhecimento da realidade concreta não passa de
mística, ou a coisa incogniscível em si (KOSIK, 2002, p.43-44).

A totalidade concreta, ou seja, a compreensão da realidade como um todo


dialético, que se transforma, permuta, cria e se recria, evolui e regride, que não se
resume a um agrupamento de fatos imutáveis, de uma somatória de aspectos que são
capazes de expressar a realidade em toda sua totalidade, é condição necessária para
compreendermos os limites, mas acima de tudo, as possibilidades inerentes à análise do
fenômeno a qual assumimos enquanto objeto de estudo. A realidade é totalidade
concreta, contraditória e dinâmica, pressupõe movimento, sendo assim impossível de ser
esgotada, o que nos permite enxergar o nosso objeto, como elemento da concreticidade,
carregada de condicionantes, relações, contradições, estrutura e desenvolvimento que
podem ser desveladas, desde que respeitadas as contradições e o movimento no qual a
36
Página
realidade como um todo se edifica. O objeto de estudo em específico é carregado de
múltiplas determinações, assim como a realidade em sua totalidade, contudo tais
múltiplas determinações são inesgotáveis, o que nos leva a uma feliz compreensão da
riqueza que a lógica dialética pautada na materialidade do fenômeno, permite ao
desenvolvimento do conhecimento da realidade. Enxergar a ciência nessa perspectiva,
não é assumi-la como relativa, como querem os pós-modernos, mas assumi-la como
uma miríade interminável de determinações que é cognoscível desde que respeitados os
limites quanto a análise das potências com a qual a contradição e o movimento
conduzem a totalidade. Tornar cognoscível o objeto é, portanto, enxerga-lo também em
suas contradições e movimento, em seus limites e possibilidades, nos elementos
possíveis de serem interpretados em um determinado momento, não estático, mas em
movimento, expressando, assim, a beleza e a complexidade na construção de um
conhecimento pautado na lógica dialética.
Já a categoria contradição tem por princípio que todos os fenômenos presentes na
realidade apresentam contradições internas que são fundamentais para sua análise.
Sendo assim, todas as coisas são e não são ao mesmo tempo, são opostos que se fazem
interiores a um determinado fenômeno e movimentam-no em direção a sua
transformação. Deste fato é que se postula que todo desenvolvimento se caracteriza pelo
movimento sintetizado na luta dos contrários (MARTINS, 2008).
“Uma coisa não só é ela mesma, mas ao mesmo tempo outra. A não é
simplesmente igual a A; também é, mais profundamente, igual a não A” (NOVACK, 2006,
p. 78-79). Ao falarmos dessa categoria unidade dos opostos, torna-se possível vislumbrar
possibilidades infinitamente maiores na caminhada em busca da essência do fenômeno
estudado, pois, é claro que, por exemplo, Maria, é ela mesma, ou seja, que Maria é
Maria, não há dúvidas que sim, mas, de uma forma mais aprofundada, Maria é diferente
e muito mais que só Maria, ela é uma mulher, parte da humanidade, um indivíduo, que
carrega em-si a história do gênero humano e, ao mesmo tempo, possui suas
especificidades únicas e irrepetíveis (NOVACK, 2006).
37
Página
Daí que podemos compreender a contradição posta entre aparência e essência de
determinado fenômeno, que, dialeticamente, como não poderia deixar de ser, também
não são estáticas, fazem parte do movimento da realidade, transformando-se. Como
afirma Novack (2006, p. 94), “A essência de uma coisa evolui e se realiza ao largo do
processo de evolução do objeto material em si. É um aspecto integral e inseparável do
objeto que compartilha todas as vicissitudes de sua história.
Desta feita, a contradição não é a negação do oposto, mas é condição para
compreensão da história da constituição do objeto (de estudo), tornando cognoscível a
essência por meio de seu oposto, ou seja, a aparência. Assim sendo a aparência não
exprime em totalidade a essência de um fenômeno, mas, por contradição, expressa em
síntese a totalidade dos elementos sem os quais não assumiria tal aparência, que, tendo
em vista o movimento da realidade, fator também fundamental para a dialética, estão
em constante transformação (NOVACK, 2006).
A categoria movimento, portanto, toma a realidade enquanto um processo
incessante de transformação e renovação de suas determinações compreendidas do
ponto de vista da realidade concreta e da dinâmica posta na contradição entre aparência
e essência. Assim, para se chegar a essência de um determinado fenômeno, há que
considerá-lo em constante movimento de transformação, superação e contradição, sendo
assim, faz-se necessário levar em consideração o seu estado atual, como era e como
poderá ser no futuro (MARTINS, 2008).

[...] A filosofia moderna revelou uma grande verdade: o homem não


nasce jamais em condições que lhe são próprias, ele é sempre jogado no
mundo, cuja autenticidade ou inautenticidade ele tem de comprovar por
si mesmo, na luta, na práxis, no processo da história da própria vida, no
curso do qual a realidade é possuída e modificada, reproduzida e
transformada (KOSIK, 2002, p. 86-87).

A totalidade é dinâmica, ou seja, possui um movimento resultante dos processos


de mediação que se efetiva historicamente a partir das contradições postas na realidade.
Dizer, pois, que a realidade possui movimento, corresponde a compreendê-la enquanto
um processo de transformação interminável, contudo, não linear, ou seja, contraditório.
38
Página
Essas considerações são fundamentais para continuarmos caminhando na elucidação
sobre o nosso “caminhar” metodológico, nossa história com o objeto estudado.

2.4 Premissas fundamentais do Materialismo Histórico e Dialético

Convém afirmar, primeiramente, que assumir o método materialista histórico


dialético é assumir uma postura revolucionária, sobretudo diante das mazelas impostas
pelo modo de produção capitalista, buscando sua superação. Marx foi um pensador que
colocou em sua obra a necessidade da busca pela análise da realidade em sua
veracidade, em prol da classe trabalhadora e da revolução socialista (PAULO NETTO,
2011).
Uma pesquisa que se paute no método materialista histórico dialético, tem como
necessidade precípua a busca pela verdade, independente das vontades e desejos do
pesquisador, sendo ele mesmo, elemento da pesquisa, colocando-se, a todo momento,
em contato com a realidade a qual busca abstrair e em contradição com as crenças e
limites impostos pela própria concreticidade na qual se constituiu. A relação do próprio
pesquisador com o seu objeto pressupõe contradição e movimento, haja vista um estudo
que busca o enfrentamento das relações sociais alienadas e que se realiza no bojo de
uma estrutura social que tem por princípio o fenômeno da alienação, o que,
necessariamente, acaba por corroborar com a construção de subjetividades alienadas,
inclusive a do próprio pesquisador. Como superar tamanha contradição? Mantendo-se na
materialidade, na historicidade, na contradição, no movimento e na busca pela essência
do fenômeno estudado, pois nada está pronto e acabado. Este método assume, em
última instância, o vir-a-ser, a transformação qualitativa da realidade; e o pesquisador
sendo elemento da realidade, também deveria e deve passar por um processo de
transformação qualitativa de sua subjetividade.
Nesse caminho, os fundamentos metodológicos do método materialista histórico
dialético em relação a construção do conhecimento, esclarece que,
39
Página
[...] o conhecimento teórico é o conhecimento do objeto – de sua
estrutura e dinâmica – tal como ele é em si mesmo, na sua existência real
e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e das
representações do pesquisador. A teoria é, para Marx, a reprodução ideal
do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o
sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto
que pesquisa. E esta reprodução (que constitui propriamente o
conhecimento teórico) será tanto mais correta e verdadeira quanto mais
fiel o sujeito for ao objeto (PAULO NETTO, 2011, p. 20-21).

Construir conhecimento, portanto, nesta concepção, é um movimento no qual o


pesquisador desvela a estrutura e dinâmica do fenômeno estudado, a partir de uma
abstração subjetiva pautada na realidade objetiva. Sendo assim, o conhecimento
representa o movimento real do objeto interpretado por aquele que pesquisa. Contudo,
para se chegar à estrutura e dinâmica de um dado fenômeno é necessário submetê-lo a
uma análise que vá para além de sua simples aparência imediata e empírica. Faz-se
necessário, como já foi discutido, alcançar sua essência.

Para o materialismo histórico dialético a construção do conhecimento


objetivo demanda a superação da apreensão aparente em direção à
apreensão essencial do fenômeno. Postula que o mundo empírico
representa apenas a manifestação fenomênica da realidade em suas
definibilidades exteriores, isto é, os fenômenos imediatamente
perceptíveis desenvolvem-se à superfície da essência do próprio
fenômeno. Fundamentando-se neste princípio marxiano, Kosik (1976,
p.168) afirma que a essência do fenômeno não está posta explicitamente
em sua pseudoconcreticidade (concretude aparente) e não se revela de
modo imediato, mas sim, pelo desvelamento de suas mediações e de
suas contradições internas fundamentais (MARTINS, 2008, p. 56).

Chegar à essência de um dado fenômeno, então, é alcançar a sua forma e


conteúdo carregado de mediações, contradições e movimento, a partir de abstrações as
mais complexas, que só será possível em um processo de abstração altamente complexo,
dadas no plano do pensamento teórico. Neste caminho, para superar a aparência dos
fenômenos em direção à sua essência, faz-se necessário o desvelamento das ligações
imanentes às intervinculações existentes em sua estrutura, isto é, torna-se necessário
caminhar em direção às suas múltiplas determinações (MARTINS, 2008).
40
Página
A divergência e coincidência da aparência e da realidade são
especialmente importantes para compreender como progride o
conhecimento da experiência diária à compreensão científica. As coisas,
tal como são, nos manifestam primeiramente com características
contraditórias e equívocas e que são por sua vez importantes e
secundárias. Seu aspecto imediato pode estar em conflito com seu ser,
real. Ao mesmo tempo, este fenômeno nos proporciona pistas que podem
mostrar o ilusório da manifestação exterior e abrir caminho a uma
compreensão de seu conteúdo básico, já que a essência se apresenta sob
diversas aparências e através delas (NOVACK, 2006, p. 104).

Alcançar tal nível analítico é o que se faz fundamental na pesquisa materialista


histórica dialética, para que seja possível, assim, o caminho do todo caótico às partes
integrantes do fenômeno e o retorno ao todo, não mais caótico, mas sim, pensado a
partir de suas múltiplas determinações (PAULO NETTO, 2011).
Em resumo, como nos explica Martins (2008, p. 57),

[...] a implementação do método marxiano pressupõe como ponto de


partida a apreensão do real empírico, imediato, que convertido em objeto
de análise por meio dos processos de abstração resulta numa apreensão
de tipo superior, expressa-se como concreto pensado. Porém, esta não é
a etapa final do processo, uma vez que as categorias interpretativas, as
estruturas analíticas constitutivas do concreto pensado serão contrapostas
em face do objeto inicial, agora captado não mais em sua imediatez, mas
em sua totalidade concreta. Este processo pode ser assim sintetizado:
parte-se do real aparente (empírico), procede-se à sua exegese analítica
(mediações do pensamento), retorna-se ao real, agora captado como real
concreto... como síntese de múltiplas determinações.

Caminhar, portanto, em direção as múltiplas determinações referentes a um


fenômeno, não é um trabalho simples. Tal investigação carrega em si a necessidade de
que o pesquisador tenha a capacidade de mobilizar um conjunto de conhecimentos os
mais complexos, colocá-los a prova da crítica, tendo como critério de verdade a própria
realidade, investigando-os e revisando-os sob a base de um conjunto de funções
psicológicas as mais desenvolvidas como imaginação, pensamento, memória, além de
uma densa criatividade. Sendo assim, para sair de uma apreciação do fenômeno em sua
forma mais aparente e alcançar a sua essência faz-se necessário analisar as mediações,
suas relações primordiais, demonstrando sua unidade dialética, resolvendo, assim, os
41

conflitos entre a forma externa e sua estrutura interna. Para tanto, há que serem
Página
desveladas a história de nossa pesquisa, fato que será objeto de discussão do próximo
item.

2.5 A história, caracterização e sistematização da pesquisa: em busca do


desvelamento da unidade mínima de análise do objeto estudado

A produção de ideias, de representações, da consciência, está, em


princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o
intercâmbio material dos homens, com a linguagem da vida real. (...) Os
homens são os produtores de suas representações, de suas ideias e assim
por diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por
um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo
intercambio que a ele corresponde, até chegar as suas formações mais
desenvolvidas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 93).

Se o método de investigação difere do método de exposição, como já foi citado


anteriormente, ou seja, se há a necessidade de caminhar por todo o processo
prático/real de pesquisa, para que assim seja possível alcançar aquilo que expressa de
forma sintética, em unidade, o que há de mais importante para o processo de construção
do conhecimento científico pautado no método ora discutido, acreditamos ser
conveniente expor, no presente momento, a história da pesquisa em seus
acontecimentos e nuances prático-teórico-metodológicos, tendo em vista que tal
caminho trilhado nos dará escopo para apresentarmos, no último subitem da presente
seção, a unidade mínima de análise.
Desta forma, este subitem retoma o objeto de nossa pesquisa, qual seja, a
atividade de ensino da brincadeira de papéis sociais em unidade com o desenvolvimento
da consciência infantil pautado em uma direção humanizadora e de enfrentamento da
alienação. Nesse sentido, demonstraremos os caminhos percorridos durante o processo
de pesquisa interventivo-formativo, realizado sob a base do método materialista histórico
dialético e considerando o processo de desenvolvimento humano a partir da teoria
histórico-cultural, assim como, discutindo as relações alienadas e alienantes presentes na
42

sociedade capitalista que se reproduzem na escola, propondo o seu enfrentamento pela


Página
via do trabalho educativo do professor embasado nos aportes da pedagogia histórico-
crítica, num caminho contrário à utilização espontânea da brincadeira na escola e
propondo uma atividade de brincar de natureza desenvolvente e humanizadora.
Há que se expor que a pesquisa interventiva-formativa, ora discutida, foi realizada
em uma escola pública de educação infantil e ensino fundamental I da periferia da
cidade de Presidente Prudente/SP. As crianças participantes, oriundas de classes
populares e residentes, sobretudo, nos arredores da referida escola, as quais
apresentavam inúmeras características correspondentes às dificuldades encontradas nas
regiões mais afastadas tais como, transporte deficitário, acesso dificultoso a sistemas de
saúde pública e saneamento básico, contato direto com situações de violência física e
simbólica dentro e fora de suas casas, bem como contato direto com relações sociais
pautadas em condições das mais alienadas e alienantes, como tráfico de drogas,
naturalização dos preconceitos às mulheres, dentre outras situações17.
Para a efetivação do processo de pesquisa foram realizadas, primeiramente, cinco
dias de observações sistemáticas18 das aulas de uma turma de pré-2 da referida
instituição (vinte e cinco crianças entre quatro e cinco anos), para que assim
pudéssemos ter uma apreciação inicial da rotina pedagógica efetivada com as crianças.
Além de dezoito momentos de intervenção formativa com as crianças da sala citada,
sendo que cada encontro de intervenção tinha, aproximadamente, uma hora de duração,
nos quais realizávamos atividades tanto em sala de aula, sala de informática, quadra,
parque, dentre outros espaços da escola. Ambas as atividades (observação e intervenção
formativa) ocorreram no primeiro semestre do ano letivo de 2017.
Afirmamos que a escolha de tal sala não se deu de forma aleatória, pois, tendo
como embasamento a teoria histórico-cultural, que coloca tal período enquanto
fundamental à efetivação da brincadeira de papéis sociais e como atividade dominante

17
Não queremos em momento algum afirmar que tais situações alienadas e alienantes são exclusivas das
regiões mais periféricas das cidades, mas que, predominantemente o que se observa, tais situações se
colocam de forma mais explícita nesses locais, sobretudo por conta do descaso social e econômico que
configura o cenário político atual diante deste nicho societário.
18
Assumimos o termo observações sistemáticas, tendo em vista que o pesquisador já foi para o ambiente
43

escolar a ser investigado, com um conjunto de categorias gerais a serem observadas durante as aulas da
professora com a turma participante da pesquisa.
Página
no processo de desenvolvimento individual da criança19, optamos pela presente sala,
além de outros condicionantes, como, bom relacionamento com o professor e a história
que o GEIPEEthc já vinha construindo em projetos que já estavam sendo realizados
anteriormente com tais estudantes.
No período inicial de observações sistemáticas das aulas regulares, foram
registradas em diário de campo as atividades pedagógicas, ações e falas das crianças,
professor e pesquisador tomando como base as seguintes categorias gerais de
observação: 1) Estrutura/conteúdos da aula; 2) Estratégias de ensino-aprendizagem; 3)
Relações interpessoais durante a aula entre estudantes–estudantes, estudantes–
professor e estudantes–pesquisador; 4) Ações e falas das crianças diante dos conteúdos
apresentados; 5) Outras situações relevantes.
Explicitamos que este primeiro momento de observação, pautado em tais
categorias gerais, foi embasado e sistematizado sob a base de anos de experiência que
carregamos na efetivação de outras pesquisas, projetos de extensão e atividades de
cunho pedagógico com professores, gestores e alunos, tanto na instituição em que foi
realizada a pesquisa, quanto em trabalhos que já foram efetivados em outras escolas de
Presidente Prudente/SP.
O objetivo dessas observações iniciais se caracterizou em podermos ter uma
primeira apreciação quanto à rotina semanal da realidade que seria, posteriormente,
objeto de intervenção. Um contato mais completo, diário, com a presença do
pesquisador durante a maior parte do período em que as crianças permaneciam na
escola, para que assim pudéssemos obter um conhecimento mais aprofundado das
atividades pedagógicas, formas de relações sociais, dentre outras situações que
poderiam vir a ocorrer durante tal rotina.
Essa primeira aproximação com a realidade dos estudantes do pré-2,
proporcionou-nos uma apreciação inicial em relação ao objeto de estudo da pesquisa,
sobretudo quanto a uma primeira análise se haviam momentos destinados ao ensino

19
A discussão acerca da caracterização da brincadeira de papéis sociais enquanto atividade guia no período
44

pré-escolar será efetivada na seção seguinte.


Página
com o conteúdo brincadeira de papéis sociais, ou ao menos, se haviam momentos
disponíveis para que as crianças brincassem. Esta apreciação inicial permitiu que ao
longo do processo de pesquisa pudéssemos caminhar da apreensão empírica e aparente
das relações escolares à sua essência, vislumbrando, então, possibilidades de
experimentação formativo-interventiva e daí, podermos retornar à totalidade discutindo-a
em suas múltiplas determinações, respeitando o movimento de análise proposto no
método materialista histórico e dialético.
Em relação ao período de intervenção-formativa, foram organizadas um conjunto
de dezoito momentos, tendo como base os objetivos propostos na pesquisa, os quais
serão expostos de forma sintética no quadro que segue:

Quadro 1 - Apresentação sintética dos dezoito momentos de intervenção

1 TEMA DA INTERVENÇÃO: Atividades carregadas com ações caracterizadas


pelo espontaneísmo;

OBJETIVO: Análise das ações e falas das crianças a partir de atividades


“espontâneas”, para uma apreciação inicial dos possíveis temas, conteúdos,
relações interpessoais, significados e sentidos durante a realização de
brincadeiras com tais características;

CONTEXTUALIZAÇÃO: Na sala de informática da escola, sala esta que possui


um grande espaço livre, foi disponibilizado vários materiais para as crianças,
como brinquedos (bonecas, carrinhos, instrumentos de construção e de
casinha), instrumentos musicais em miniatura, celulares (que não mais
funcionavam), tecidos, dentre outros. A única orientação dada pelo
pesquisador20 foi que todos poderiam fazer (brincar) o que desejassem,
podendo utilizar os materiais que quisessem.

20
Adotaremos o termo pesquisador para designar o autor principal da tese e interventores para os
45

auxiliares membros do GEIPEEthc nos momentos interventivos, já que em cada intervenção haviam o
pesquisador, 2 interventores auxiliares e mais um responsável pela filmagem.
Página
2 TEMA DA INTERVENÇÃO: Atividades carregadas com ações caracterizadas
pelo espontaneísmo - “O mestre mandou”21.

OBJETIVO: Análise das ações e falas das crianças a partir de atividades


“espontâneas”, para uma apreciação inicial dos possíveis temas, conteúdos,
relações interpessoais, significados e sentidos durante a realização de
brincadeiras com tais características;

CONTEXTUALIZAÇÃO: Novamente, na sala de informática da escola, foi


realizada a atividade “o mestre mandou”, na qual, o pesquisador, assumindo
o papel de “mestre”, ia orientando as crianças para que elas reproduzissem
inúmeros diversos papéis sociais, como os de professor, jogador de futebol,
rico, pobre, policial, motorista, médico e etc. Importante salientar que se nos
remetermos a um olhar superficial, parecerá que esta atividade se caracteriza
por uma simples imitação pelas crianças de determinados modelos, contudo,
se analisada de uma forma mais aprofundada, não havia nenhum modelo,
naquele momento, no qual as crianças poderiam se pautar para imitar de
forma mecânica o que estava sendo pedido, a não ser elas mesmas, pois nem
o pesquisador e nem os interventores reproduziam tais modelos. Sendo
assim, foi possível perceber que as crianças reproduziam aquilo que elas
carregavam de sentido acerca do papel social que era solicitado a ser
realizado.

3 TEMA DA INTERVENÇÃO: Desenho em vídeo de um episódio do “Chaves”22 e


primeiro momento de realização da brincadeira de papéis sociais
propriamente dita.

21
Extrema importância enfatizarmos que não categorizamos a atividade “o mestre mandou” como um tipo
de brincadeira de papéis sociais. Utilizamos tal atividade por acreditarmos que ela poderia nos mostrar,
ainda que de forma aparente, significações que as crianças poderiam possuir acerca de diferentes papéis sociais, o
que, para nós, auxiliaria no processo de análise da evolução de tais significações quando colocados à prova ao final do
processo interventivo-formativo.
22
Explicitamos que a escolha dos desenhos, vídeos, livros de histórias infantis, bem como outros materiais utilizados
no processo interventivo-formativo foram selecionados pelo pesquisador a partir de critérios que se pautaram em:
necessidade de ampliação quanto a diferentes papéis sociais para além daqueles que as crianças demonstraram nas
primeiras intervenções; qualidade dos significados com o qual tais papéis sociais eram retratados nesses materiais.
46

Esta qualidade dos significados respeitava os direcionamentos colocados por nós no que tange os aspectos valorativos
humanizadores contrários à alienação (discussão realizada na presente tese).
Página
OBJETIVO: A partir da utilização de um vídeo de um desenho do “Chaves”, no
qual estavam presentes a reprodução de inúmeros papéis sociais como os de
professor, mamãe, rico, pobre, aluno, papai, empresário e etc., levar os
alunos à possibilidade de construção de interesse no que tange ao tema e ao
conteúdo de modelos de relação social que os mesmos poderiam reconstruir
na brincadeira de papéis sociais.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Primeiramente, colocamos as crianças sentadas do


chão em frente do computador para que todos pudessem assistir o desenho.
O tema do desenho envolvia uma partida de beisebol e os personagens iam
se inter-relacionando de acordo com os papéis sociais característicos de cada
um. Após o vídeo, o pesquisador, que havia trazido impresso em folhas de
papel as imagens dos personagens presentes no episódio, foi retomando cada
um dos papéis sociais ali presentes e o que cada um deles apresentava
enquanto função social. Ao final, com os mesmos materiais (brinquedos) das
intervenções anteriores, mas agora com a participação dos interventores, que
participavam ou orientavam as crianças durante a brincadeira, o pesquisador
solicitou às crianças que elas brincassem do que haviam visto no desenho.

4 TEMA DA INTERVENÇÃO: Apresentação de inúmeros vídeos de desenhos com


variados papéis sociais.

OBJETIVO: Por meio da apresentação de vídeos que demonstravam a função


social, características e significados de vários papéis sociais, como bombeiro,
jogador e jogadora de futebol, mamãe, papai, cozinheiro, policial, médico e
etc., levar os alunos à possibilidade de construção de interesse no que tange
ao tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais.

CONTEXTUALIZAÇÃO: O pesquisador e os interventores colocaram as


crianças em frente ao computador para que todos pudessem assistir os
vídeos. Ao final de cada vídeo, o pesquisador, em posse de um papel
impresso que continha a imagem do personagem principal do vídeo (como o
bombeiro, por exemplo), retomava a função social, significados e
características dos modelos de relações sociais demonstrados em cada vídeo,
na tentativa de ampliação e aprofundamento da significação das crianças
acerca de diferentes papéis sociais.
47

5 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincadeira de papéis sociais tendo como base os


Página
temas e conteúdos dos vídeos da intervenção anterior.

OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais a partir dos


modelos de relação social disponibilizados às crianças por meio de vídeos.

CONTEXTUALIZAÇÃO: A sala foi dividida em vários quadrantes, com uma fita


adesiva no chão. Em cada quadrante foi colocado uma imagem com o
personagem referente aos papéis sociais mostrados nos vídeos anteriores e
alguns objetos que poderiam auxiliar na brincadeira, as imagens serviam para
que a criança recordasse qual era o papel social e a fita adesiva delimitando o
espaço tinha como objetivo a tentativa de organização da brincadeira. O
pesquisador, antes de iniciar a atividade, retomou cada um dos modelos de
relações sociais, explicando que em cada quadrante da sala que estavam
delimitados pela fita, as crianças deveriam brincar do papel social que ali
estava especificado. O pesquisador e os interventores orientavam e
participavam da brincadeira.

6 TEMA DA INTERVENÇÃO: Apresentação de vídeos com musicais carregadas


com as características de diferentes profissões.

OBJETIVO: Por meio da apresentação de vídeos musicais que demonstravam


as características, funções e significados pertencentes a várias profissões,
levar os alunos à possibilidade de construção de interesse no que tange ao
tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais.
Efetivar a brincadeira de papéis sociais a partir do proposto.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Por meio de vídeos musicais de profissões as quais os


alunos ainda não haviam manifestado conhecimento nas intervenções
anteriores, buscou-se a ampliação das possibilidades de modelos de relações
sociais para que as crianças pudessem reconstruí-los em forma de brincadeira
de papéis sociais. Agora os alunos além de assistirem os vídeos, junto com a
interventora, iam reproduzindo os movimentos expressivos corporais
apresentado nos vídeos, tais movimentos mantinham relação direta com os
conteúdos dos papéis sociais que representavam. Ao final dos vídeos, o
pesquisador solicitou aos alunos que brincassem do que haviam assistido. O
pesquisador e os interventores orientavam e participavam da brincadeira.
48
Página
7 TEMA DA INTERVENÇÃO: “Passeio pela cidade”.

OBJETIVO: Aprofundar as significações das crianças acerca das profissões por


meio de uma excursão imaginária por uma cidade (parquinho da escola),
buscando engendrar interesses nos alunos no que tange ao tema e ao
conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais. Efetivar a
brincadeira de papéis sociais a partir do proposto.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Pedimos as crianças para que imaginassem que


estavam em uma excursão e que íamos fazer um passeio pela cidade,
visitando cada um dos lugares onde os personagens dos vídeos musicais
exerciam sua função social. Casinha do parque virou a delegacia; roda-roda,
virou a nave do astronauta; as gangorras se tornaram aviões onde os pilotos
voavam com seus passageiros; o trepa-trepa se tornou o prédio ou montanha
que o alpinista ou escalador sobe; O escorrega se tornou a casa do bombeiro.
A caixa de areia se tornou o jardim do jardineiro; o balanço se tornou o salão
de belezas; e um espaço do parque se tornou um estádio de futebol. Em cada
um desses lugares o pesquisador “chefe da excursão” ia relembrando as
características dos modelos de relações sociais e orientando a reconstrução
pelas crianças de tais papéis. Ao final todos puderam brincar em cada um
desses lugares que foram visitados. Participação do pesquisador e
interventores em toda a atividade.

8 TEMA DA INTERVENÇÃO: Conhecendo outras profissões.

OBJETIVO: Por meio da apresentação de vídeos de desenhos que


demonstravam a função de outras profissões as quais os alunos ainda não
haviam tido contato, levá-los à possibilidade de construção de motivos no que
tange ao tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis
sociais.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Os alunos assistiram aos vídeos e ao final de cada um


o pesquisador retomava a profissão e a função social de cada um deles.

9 TEMA: Brincando das profissões.


49
Página
OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais retomando os
vídeos sobre as diferentes profissões e análise das formas de relações
engendradas durante as atividades.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Retomada de diferentes papéis sociais dos vídeos


musicais e orientação sobre as partes da cidade nas quais os papéis sociais
exerciam suas funções, além da busca em demonstrar a relação que existia
entre tais papéis. Dividimos a sala de informática como se fossem os
diferentes locais onde cada um dos personagens exercia sua função social,
distribuímos diferentes objetos que eles poderiam utilizar durante a atividade
e realizamos a brincadeira. Participação e orientação dos interventores e
pesquisador durante toda a atividade.

10 TEMA DA INTERVENÇÃO: “Partida de futebol”.

OBJETIVO: A partir de outro episódio do desenho “Chaves’ com o tema


“partida de futebol”, buscar o aprofundamento das significações dos alunos
acerca dos vários modelos de relações sociais existentes em uma partida de
futebol e levá-los à possibilidade de construção de interesse no que tange ao
tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Apresentação do desenho às crianças, ampliação das


significações pelas crianças dos papéis sociais existentes em uma partida de
futebol como torcedores, bilheteiro, vendedor de pipoca, árbitro e etc.,
superação de compreensões iniciais equivocadas, por exemplo, de que
meninas não podiam jogar futebol, já que no desenho haviam meninas
jogando com os meninos.

11 TEMA DA INTERVENÇÃO: “Excursão a um estádio de futebol”.

OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais acerca do tema


partida de futebol e análise das formas de relações sociais engendradas
durante a atividade.
50
Página
CONTEXTUALIAÇÃO: Pedimos as crianças para que imaginassem que estavam
em uma excursão à um estádio de futebol, orientando-os para que todos
fossem vivenciando os diferentes modelos de relação social existentes em
uma partida de futebol (bilheteiro, torcida, jogadores, árbitro, pipoqueiro e
etc.), sob intervenção direta do pesquisador e interventores.

12 TEMA DA INTERVENÇÃO: Contação de histórias - “O trenzinho do seu


Nicolau”.

OBJETIVO: Por meio de contação de uma história, a partir de um livro infantil,


levá-los à possibilidade de construção de interesses no que tange ao tema e
ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais a partir de
outros modelos de relação social, no caso, os que se apresentavam na
história.

CONTEXTUALIZAÇÃO: O pesquisador, tendo em vista o objetivo proposto, em


posse do livro infantil, utilizando métodos lúdicos de contação de história, foi
a contando para as crianças. Durante a contação o pesquisador ia
contextualizando as situações que se apresentavam, bem como explicando de
uma forma mais aprofundada cada um dos modelos de relação social que iam
surgindo no decorrer da história. Importante salientar que esta história, além
de apresentar papéis sociais diferentes dos trabalhados até então, como,
maquinista, lavadeiras de roupa, passageiros e etc., os conteúdos ali
presentes expressavam características pautadas em valores como respeito,
cooperação, valorização do outro e etc.

13 TEMA DA INTERVENÇÃO: Passeio no trem do seu Nicolau.

OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais acerca do tema


da história infantil e análise das formas de relações engendradas durante a
atividade.

CONTEXTUALIZAÇÃO; Preparamos a sala de computação, utilizando TNT,


como se fosse um trem e colocamos as cadeiras como se fossem os assentos
dos passageiros. Após a contação da história, levamos as crianças até tal sala
51

para que elas brincassem daquilo que haviam apropriado e com a participação
Página
direta dos interventores íamos revivendo a história e brincando dos papéis
sociais que lá estavam representados.

14 TEMA DA INTERVENÇÃO: Passeio à cozinha da escola.

OBJETIVO: Por meio de uma visita à cozinha da escola, levar os alunos a uma
ampliação e aprofundamento das possibilidades de construção de interesse no
que tange ao tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis
sociais a partir de outros modelos de relação social.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Pedimos as crianças para que imaginassem que


estavam em uma excursão, pois íamos viajar até a cozinha da escola. Quando
da visita, íamos mostrando cada um dos objetos existentes nesse espaço,
bem como a função do cozinheiro com tais objetos, as relações sociais que ali
eram construídas. As cozinheiras da escola acompanharam nossa “excursão”
e iam auxiliando na explicação.

15 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincando de cozinha.

OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais a partir do


passeio à cozinha da escola e análise das formas de relações engendradas
durante a atividade.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Organizamos a sala de informática como se fosse uma


grande cozinha de um restaurante, com diferentes objetos que eles pudessem
usar durante a brincadeira. As crianças brincaram, sob a intervenção do
pesquisador e interventores, do presente tema.

16 TEMA DA INTERVENÇÃO: Contação da história “tudo bem ser diferente”.

OBJETIVO: Por meio de contação de uma história a partir de um livro infantil,


levá-los à possibilidade de construção de interesse no que tange ao tema e ao
conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais a partir de
modelos de relação social que enfatizam o respeito as diferenças entre os
52

indivíduos, visando a superação de preconceitos e processos discriminatórios.


Página
CONTEXTUALIAÇÃO: Organizamos os alunos de forma que todos pudessem
observar o pesquisador e, de forma lúdica, o mesmo ia contando a história e
contextualizando cada uma de suas partes que retratavam vários indivíduos
com peculiaridades únicas. Além disso, enfatizávamos que não havia
problema em possuirmos diferenças, seja na cor da pele, seja no formato do
corpo, cor dos olhos, tipo de cabelo, medos e etc. Em sequência, eles
ganharam uma folha e criaram um personagem sob uma ótica diferente da
imagem que eles possuíam de si-mesmos, ou seja, retomando o conteúdo de
todas as intervenções anteriores, eles deveriam desenhar um personagem
com um nome diferente do seu próprio, com características diferentes, que
tivesse uma profissão que eles gostariam de exercer.

17 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincadeira de papéis sociais que buscou sintetizar


todo o processo interventivo.

OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais retomando todos


os modelos de relações sociais trabalhados durante todo o processo
interventivo com ênfase na superação dos preconceitos.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Colamos em um papel pardo com todos os papéis


sociais trabalhados durante todos os dezoito momentos interventivos.
Retomamos a função social de cada um deles. Em sequência, os colocamos
para pintar todos estes modelos em conjunto. Devolvemos os desenhos que
eles haviam feito na aula anterior e, com a retomada da história “tudo bem
ser diferente” pedimos para que eles pintassem, cada um, uma máscara de
um personagem que eles quisessem. Após essa atividade os levamos para a
sala de informática, onde estavam dispostos vários materiais para que eles
pudessem usar durante a brincadeira e, trajados com suas máscaras,
brincaram dos personagens que haviam criado sob a intervenção do
pesquisador e interventores.

18 TEMA DA INTERVENÇÃO: Retomada das atividades de caráter espontâneas


como forma de avaliação do processo interventivo.

OBJETIVO: Analisar se houve mudanças nas formas de relação social,


53

significações e ampliação dos papéis sociais, em comparação com os


Página
primeiros momentos interventivos.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Na sala de informática, local onde ocorreu as duas


primeiras intervenções, retomamos a atividade com características
espontâneas, na qual as crianças poderiam brincar “livremente” com os
materiais da caixa e sob a mesma organização do espaço, como nas primeiras
intervenções. Além disso, retomamos a atividade “o mestre mandou...” tendo
em vista analisar o processo de transformação das significações das crianças
em relação aos papéis sociais trabalhados durante todo o processo
interventivo.
Fonte: Dados da pesquisa (NUNES, 2019).

Há que ser salientado que nossos projetos de pesquisa, como o que culminou na
construção desta tese de doutorado, efetivam-se dentro de um projeto maior de
extensão universitária, projeto que denominamos guarda-chuva, sendo que o mesmo já
vem sendo desenvolvido pelos membros do GEIPEEthc desde o ano de 2016 na referida
escola, recebendo fomento do Programa Núcleo de Ensino da Pró-Reitoria de Graduação
da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP)23. Todas as
pesquisas realizadas sob tais circunstâncias são avaliadas e autorizadas pela escola,
Secretária Municipal de Educação e Comitê de Ética da FCT/UNESP – Presidente
Prudente.
Os momentos interventivos, citados no quadro 1, contaram com a participação de
quatro membros do GEIPEEthc, tendo em vista melhorarmos a qualidade e organização
das intervenções e facilitar a coleta de dados, que foi realizada por meio de filmagens e
gravação de áudios, assim como anotações em diário de campo. Os momentos de
intervenção eram dirigidos, geralmente, pelo pesquisador principal (no caso, o autor
desta tese), dois interventores auxiliares, que ajudavam na organização e orientações
durante as atividades de intervenção que foram realizadas e um outro membro do grupo
que auxiliava filmando o processo interventivo.

23
Objetivo do projeto: construir atividades educativas de caráter ludo-pedagógicas para o desenvolvimento
dos alunos numa direção humano-genérica, tendo em vista contribuir para o enfrentamento, a partir do
54

trabalho educativo do professor, das situações de violência presentes nas relações sociais escolares.
Página
Eram realizadas, também, reuniões periódicas, sob orientação do pesquisador, no
sentido de planejar as atividades, seus objetivos, bem como discutir acontecimentos
passados e passos a serem efetivados, melhorados, retomados, para que o objeto de
estudo da tese fosse sempre revisitado e colocado a todo momento como norteador das
atividades pedagógicas. Esses encontros coletivos também possibilitavam o
aprofundamento de estudos acerca da Teoria histórico-cultural, assim como das
metodologias de ensino adotadas no processo interventivo-formativo, definição dos
conteúdos ludo-pedagógicos (construção dos interesses para a brincadeira, organização
do espaço, mediações a serem realizadas, materiais e etc.), dentre outras questões
relativas à realização do processo de pesquisa-intervenção.
Considerando as afirmações de Toassa (2004, p.63), ao discutir a função do
educador no processo de mediação das atividades educativas, principalmente no que
tange à transformação qualitativa do desenvolvimento da consciência das crianças, já
que o nosso objeto apresenta esta especificidade, a autora salienta que,

A superação das estruturas de consciência mais primitivas demanda um


longo processo de acumulações quantitativas e saltos qualitativos. O
educador deve estar atento a estas condições, proporcionando atividades
de incentivo ao brincar e à atividade criadora autônoma da criança. À
educação cabe o papel de: 1) enriquecer as experiências culturais da
criança (já que esta é a principal determinação de sua personalidade); 2)
possibilitar a objetivação consciente e ativa da criança, mediando a
formação de sua individualidade; e 3) criar novos carecimentos, motivos
de ordem superior na mediação das atividades coletivas (inclusive a
motivação para a aprendizagem, essencial à apropriação das objetivações
para-si, e a necessidade de reflexão sobre valores como a universalidade
e a liberdade humanas como o fim das próprias atividades).

Como ficou evidente durante a apresentação dos momentos referentes ao


processo interventivo-formativo em seu todo, utilizamos como estratégia inicial a seleção
de temas e conteúdos partindo daquilo que os alunos nos apresentavam de possíveis
argumentos e significados acerca dos modelos sociais, sintetizadas nas ações que eram
realizadas por eles durante as atividades com características espontâneas. Depois, foi
elaborado um conjunto de intervenções que buscou ampliar a gama de modelos de
55

relações sociais e aprofundar suas significações em uma direção humanizadora. Desta


Página
feita, o processo interventivo pautou-se em alguns princípios norteadores que foram
base do início ao fim da pesquisa, sendo possível observar, a partir disso, tais tendências
organizacionais e mediadoras: 1 – O objeto “a atividade de ensino na brincadeira de
papéis sociais em unidade com o desenvolvimento da consciência dos alunos em uma
direção humanizadora, ou seja, em direção à superação da alienação” como central na
determinação geral das nuances organizativas e mediadoras nos momentos
interventivos; 2 – A prática social enquanto condição para efetivação de possibilidades
humanizadoras, pois é nela que se torna possível a efetivação de mediações
diferenciadas, além de estar nela, também, as condições para o desvelamento da
realidade em sua essência, desde que orientadas a partir das categorias pedagógicas
problematização, instrumentalização e catarse, buscando um desenvolvimento mais
elevado e viabilizando a seleção do que é essencial e o que é secundário; 3 – Não há que
ser imputada de forma direta e mecânica a prática na teoria, ou seja, tentar manipular a
realidade para que ela se encaixe nas formulações teórico-metodológicas elaboradas a
priori por quem pesquisa. Devemos ser interpretes, sujeitos do processo, e não meros
instrumentos de reprodução mecânica de conceitos construídos em momentos e
situações diferentes daquela em que seu estudo se encontra. A efetivação desse
processo vivo de construção demanda um grande esforço intelectual e uma relação
diametralmente elevada com a prática e com a realidade investigada; 4 – Dentro de todo
o processo de pesquisa, sobretudo quando do contato com os dados, saltou aos nossos
olhos a prevalência do que denominamos “ações ludo-pedagógicas humanizadoras”, ou
seja, de um lado, os estudos, a organização e a realização das atividades interventivas se
deram no bojo de ações pedagógicas. Palavra oriunda do grego paidagogikós, que
carrega o significado de processos de ensino/aprendizagem. Tais ações, assim,
envolviam a prática de ensino em unidade com a aprendizagem e desenvolvimento dos
indivíduos participantes da pesquisa, caracterizadas por ações de ensino/aprendizagem
que puderam ser sintetizadas em processos educativos do pesquisador e interventores
em unidade com as ações de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Por
56

outro lado, quando dos estudos, planejamento, organização e intervenção junto aos
Página
estudantes, as ações sempre foram calcadas no lúdico. Buscando a origem do termo
lúdico no latim, que se expressa no termo ludus, que significa jogo, exercício, estado
imaginário, ou ainda, como afirma Luckesi (2002), que toma a ludicidade enquanto a
expressão externa observável da vivência lúdica, sintetizada em ações criadoras,
imaginativas e ficcionais; saltou aos nossos olhos, sobretudo quando da mediação do
pesquisador na atividade em unidade com a vivência, com a ação lúdica da criança
durante as atividades, uma importante questão e consequente revelação, mesmo que
ainda inicial, de que essa situação lúdica e pedagógica com características
humanizadoras poderia se configurar como nossa unidade mínima de análise.
Acreditamos ainda não termos conseguido expor com a profundeza necessária os
condicionantes teórico-metodológicos para comprovar a indagação quanto à unidade
mínima de análise de nossa pesquisa, para tanto, ainda há que se apresentar outras
questões de caráter metodológico, orientadoras das atividades propostas na pesquisa,
para que alcancemos tal meta.

2.6 O delineamento metodológico da pesquisa

Quando falamos em processo de construção de conhecimento, podemos assumir


como caminhos, ou, bases epistemológicas, diferentes vertentes que nos levam,
indubitavelmente, a diferentes formas de realização de uma pesquisa, diferentes
resultados e diferentes possibilidades de direcionamentos a posteriori (para algumas,
nem isso). Positivismo, Fenomenologia, Materialismo Histórico e Dialético, são
possibilidades que se colocam na construção dos conhecimentos em ciências humanas,
mas como formas diferentes de enxergar, pensar, analisar e explicar a realidade
estudada.
Assim, tornou-se necessário diante dessas possibilidades, assumirmos um
posicionamento epistemológico. Este posicionamento envolveu história, questões político-
valorativas, dentre outras nuances, que direcionaram os caminhos por nós trilhados
57

neste trabalho de tese. Ao assumirmos, portanto, a base epistemológica-metodológica


Página
Materialista Histórica e Dialética, tomamos as categorias historicidade, movimento da
realidade e contradição para o processo de compreensão do objeto pesquisado, desde o
levantamento bibliográfico, até as possibilidades de categorização e análise dos dados
obtidos ao longo do processo de pesquisa interventiva-formativa (VIOTTO FILHO;
NUNES; SANTOS; FELIX, 2018).
Contudo, para que sejam alcançadas, de fato, a essência dos fenômenos, não nos
mantendo, assim, em uma análise linear de causa e efeito, ou pautados em uma visão
macroscópica, ou seja, gerenalista e não passível de generalizações 24, houve a
necessidade de nos pautarmos em determinadas metodologias, condizentes com o
método que assumimos.
Para que saíssemos, assim, da mera intuição, da tentativa e erro, buscamos o
escopo metodológico genético-causal e analítico de Vigotski (2010), bem como o
experimento formativo de Davidov (1988), para construirmos aquilo que denominamos
de pesquisa interventivo-formativa, possibilitando a construção e análise do objeto em
seu processo de gênese e desenvolvimento, alcançando sua síntese e retornando em sua
totalidade a partir de uma análise pautada em suas múltiplas determinações, além da
possibilidade de realizar uma pré-ideação (mesmo que de forma inicial e tateante, pois a
realidade é dinâmica e contraditória) das metas a serem alcançadas.
De acordo com Delari Junior (2000), os princípios do método “genético causal”
podem ser sintetizados como: a) a necessidade de tomar o objeto a ser analisado em
seu processo e não como objeto estanque; b) ir em direção a sua essência, superando
uma visão pautada somente na aparência do fenômeno; c) explicar as determinações a
partir das causas referentes à gênese e transformação do objeto estudado, não somente
descrevendo seus efeitos.

24
Sermos capazes de produzir generalizações acerca do objeto que nos propomos estudar é condição para
o método materialista histórico e dialético, pois são a partir delas que conseguimos colocar em movimento
a própria construção dos conhecimentos e analisarmos a veracidade das proposições alcançadas em nossa
pesquisa. Ao contrário, sermos generalistas corresponderia a nos mantermos em uma descrição geral,
superficial, aparente do fenômeno estudado, o que ocasionaria em idealismos, fato que desde o início da
exposição afirmamos enquanto sendo algo prejudicial ao processo de construção de conhecimentos
58

científicos.
Página
Nesta contenda, assumindo a atividade social educativa enquanto possibilidade de
apropriação e objetivação dos seres humanos das objetivações materiais e simbólicas,
tomamos o pressuposto Vigotskiano de que qualquer função de caráter superior se dá
primeiro no plano social, para assim fazer parte do plano individual dos indivíduos,
efetivando uma pesquisa de caráter interventivo-formativa, ou seja, uma pesquisa que
nos dê a possibilidade de compreender o fenômeno em seu processo de gênese e causa,
tendo como base as ações educativas que efetivam tal processo (VIGOTSKI, 2000).
Como afirma Davidov (1988), há a possibilidade de realização de atividades que
ensinem e promovam o desenvolvimento das funções mais complexas, de caráter
superior, específicas aos seres humanos, a partir do desvelamento da necessidade
necessária ao processo de constituição dos indivíduos na relação com a realidade, ou
seja, levando em consideração as atividades dominantes responsáveis em atrelar a
realidade às necessidades de determinado período de desenvolvimento de um indivíduo
singular. Isto se processa através da utilização de instrumentos e meios pedagógicos que
são especialmente elaborados para que tal ensino seja efetivado, sendo, portanto,
possibilitadas as condições efetivas de análise do fenômeno a ser desvelado em sua
essência, pois, conforme Viotto Filho (2018, p.32) o conceito de intervenção-formativa
relaciona-se "à uma forma diferenciada, consciente e crítica de ação coletiva de
pesquisadores, orientada pelo método materialista histórico e dialético, com objetivo de
transformar a realidade concreta dos sujeitos participantes do processo de pesquisa"25.
Na esteira do experimento formativo, na tentativa de corroborar com tal
proposição metodológica, Davidov (1988, p.196) afirma que,

Para o método do experimento formativo é característico a intervenção


ativa do investigador nos processos psíquicos que ele estuda [...]. Para
nós, se pode chamar ao experimento formativo experimento genético
modelador, o que plasma a unidade entre a investigação do
desenvolvimento psíquico das crianças e sua educação e ensino
(DAVIDOV, 1988 p.196).

25
Este processo que denominamos pesquisa interventiva-formativa, o qual, segundo Viotto Filho (2018)
volta-se à construção de conhecimentos científicos com objetividade social, porque decorrentes da
59

realidade objetiva encontrada na escola.


Página
Nossa preocupação mais premente, considerando o processo de investigação
interventivo-formativo, é a efetivação, então, de uma análise que de fato se aproxime, o
mais fidedignamente possível, de uma explicação aprofundada e coerente do fenômeno
estudado, não se limitando à uma mera descrição de elementos isolados, fato que levaria
o pesquisador à uma apreciação limitada do objeto, como afirma Vigotski (2010, p.5),

O primeiro método de análise psicológica poderia ser denominado


decomposição das totalidades psicológicas complexas em elementos. Ele
poderia ser comparado à análise química da água, que a decompõe em
hidrogênio e oxigênio. Um traço essencial dessa análise é propiciar a
obtenção de produtos heterogêneos ao todo analisado, que não contém
as propriedades inerentes ao todo como tal e possuem uma variedade de
propriedades que nunca poderiam ser encontradas nesse todo. [...] ao
tentar explicar cientificamente quaisquer propriedades da água - por
exemplo, por que a água apaga o fogo ou se aplica à água a lei de
Arquimedes -, acabasse dissolvendo a água em hidrogênio e oxigênio
como meio de explicação dessas propriedades. Ele veria, surpreso, que o
hidrogênio é autocombustível e o oxigênio conserva a combustão, e
nunca conseguiria explicar as propriedades do todo partindo das
propriedades desses elementos. No processo de análise eles evaporariam
e se tornariam voláteis, e ao pesquisador não restaria senão procurar
uma interpretação mecânica externa entre os elementos para, através
dela, reconstruir por via puramente especulativa aquelas propriedades
que desapareceram no processo de análise, mas que são suscetíveis de
explicação.

Desintegrar o objeto estudado em elementos fragmentados, incorreria em uma


apreciação equivocada daquilo que expressa de fato a realidade, as relações, a unidade,
a síntese, consequentemente, incorreríamos em uma análise equivocada se buscássemos
explicar a atividade de ensino da brincadeira de papéis sociais isolada do processo de
constituição da consciência das crianças que é proporcionada por tal atividade, somando
a isto uma descrição mecânica dos condicionantes alienados e alienantes presentes na
sociedade capitalista que incidem na construção de consciências com tendências
alienadas.

Achamos que um momento decisivo em toda a teoria do pensamento e


da linguagem foi a substituição dessa análise por outro tipo de análise.
Esta pode ser qualificada como análise que decompõe em unidades a
totalidade complexa. Subentendemos por unidade um produto da análise
60

que, diferente dos elementos, possui todas as propriedades que são


Página
inerentes ao todo e, concomitantemente, são partes vivas e
indecomponíveis dessa unidade. A chave para explicar certas
propriedades da água não é sua fórmula química, mas o estudo das
moléculas e do movimento molecular. De igual maneira, a célula viva, que
conserva todas as propriedades fundamentais da vida, próprias do
organismo vivo, é a verdadeira unidade de análise biológica (VIGOTSKI,
2010, p.8).

Qual seria, portanto, a unidade, o microcosmo, que possuiria todas as


propriedades que são inerentes ao objeto de pesquisa ora proposto? Qual seria a
unidade que expressaria de forma sintetizada as relações necessárias à defesa da tese
de que a atividade de brincar na escola, reconhecida como atividade educativa, efetivada
de forma direta e intencional, oferece possibilidades de enfrentamento da alienação
social capitalista e, consequentemente, engendra possibilidades para a construção da
consciência das crianças em uma direção humanizadora?

2.7 A unidade mínima de análise da pesquisa

Ao observarmos crianças em atividades com características lúdicas e


espontaneístas, ou seja, ao sabor do divertimento passageiro e de sua espontaneidade,
isto é, sem uma mediação intencional, a partir de uma análise superficial e aparente,
poderemos considerar que este momento se caracteriza como uma situação que sim,
lhes proporciona prazer, satisfação, regozijo. Teremos a impressão, também, que essa
atividade realizada sob tais condições pode ser um bom caminho para a liberdade,
autonomia e criatividade da criança, dentre outras possibilidades. Além disso, poderemos
até chegar a uma conclusão superficial de que a brincadeira é um atributo natural da
criança, resultado do seu processo de evolução biológica e/ou adaptação psicológica.
Contudo, como dito anteriormente, esta é somente a aparência do fenômeno, sendo que
para entendê-la em sua essência, há que se alcançar as múltiplas determinações que a
subjazem e para que seja possível tal alcance, há que ser desvelada a unidade mínima
de análise do objeto que envolve o ensino da brincadeira de papéis sociais em unidade
61
Página
com o desenvolvimento da consciência da criança carregada de tendências
humanizadoras.
Tarefa desafiante e, até mesmo, perigosa, buscaremos elucidar nossa unidade
mínima de análise a partir de uma elaboração teórico-prática pautada nos argumentos e
proposições discutidos até aqui, complementando com outras discussões que
acreditamos serem, também, fundamentais no movimento de revelação de tal unidade.
Comecemos tal viagem.
Tomando como base a discussão de trabalho vital engendrada por Marx (1996), o
desenvolvimento do gênero humano e de todo e qualquer indivíduo se dá sob a base de
determinadas atividades, calcadas em relações sociais vivenciadas e engendradas na vida
em sociedade, sendo o ser humano, então, um ser de natureza social.

[...] o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo


em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria
natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim
de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida.
Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao
modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX,
1996, p. 297).

Ao tomarmos como ponto de partida a discussão de Marx (1996), para nos


referirmos ao desenvolvimento humano por meio da atividade do trabalho, temos a
intenção de superar visões que acabam limitando a constituição dos seres humanos à
aspectos naturalizantes e biologizantes, pois, como discutido na citação anterior, o
trabalho é a atividade que carrega o primado ontológico humano. É a partir do trabalho
que o ser humano transforma a natureza, a modifica para suprir suas necessidades, fato
que leva ao surgimento de novas necessidades. Assim sendo, essa atividade sempre é
orientada por um objetivo a ser alcançado e, nesse processo de modificação da natureza,
ao mesmo tempo, ocorre também a transformação individual daquele que executa tal
atividade. Por estar orientada a um objetivo específico, o indivíduo que realiza a
atividade precisa estar pré-consciente do processo de execução, além de que, o processo
62

nunca se dá exatamente da forma como fora pré-ideado, assim, ocorre, uma


Página
transformação qualitativa do psiquismo do executante tendo em vista a dinâmica do
processo.
O processo de constituição histórica do gênero humano, aliado ao
desenvolvimento de cada indivíduo singular, ocorre, assim, sob a base da atividade vital.
De acordo com Marx (1996, p.297-298), o trabalho enquanto atividade exclusivamente
humana, diferente da atividade animal, apresenta características que nos remetem àquilo
que diferencia o primeiro do segundo,

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha


envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de
suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de
construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um
resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e,
portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma
da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu
objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de
sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa
subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que
trabalham, é exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta
como atenção durante todo o tempo de trabalho [...]. (MARX, 1996,
p.297-298).

Tornam-se, portanto, evidentes as características que colocam os seres humanos


enquanto produtores e produtos de sua atividade junto à natureza.
Quando falamos de atividade especificamente humana, estamos nos referindo a
possibilidade do ser humano antecipar, em sua consciência, as ações que o levarão a
produção de determinado produto necessário à satisfação de suas necessidades. Assim
sendo, é no decorrer das atividades realizadas e concretizadas no desenrolar da história,
que o ser humano ao agir transformando a natureza de acordo com suas necessidades,
cria instrumentos, os meios de produção destes, organizaram-se em grupo e
desenvolveram formas superiores de comunicação, ou seja, a linguagem articulada,
especificamente humana. Sob tais circunstâncias o ser humano se humaniza, produz
cultura, desenvolve o gênero humano e sua própria consciência (LEONTIEV, 2004).
Portanto,
63
Página
As características do gênero humano não são transmitidas pela herança
genética, porque não se acumulam no organismo humano. As
características foram criadas e desenvolvidas ao longo do processo
histórico, através do processo de objetivação, gerado a partir da
apropriação da natureza pelo homem. A atividade humana, ao longo da
história, vai construindo as objetivações, desde os objetos stricto sensu,
bem como a linguagem e as relações entre os homens, até as formas
mais elevadas de objetivações genéricas, como a arte, a filosofia e a
ciência. Cada indivíduo precisa se apropriar de um mínimo desses
resultados da atividade social, exigido pela sua vida no contexto social do
qual faz parte (DUARTE, 1996, p.40-41).

O processo de desenvolvimento dos indivíduos singulares se dá, então, sob a base


da atividade social, efetivando-se a partir da mediação dos instrumentos, relações sociais
e apropriação e objetivação da linguagem. Aquilo que se apresenta como
especificamente humano não está dado ao ser humano em seu aparato biológico. As
funções psíquicas superiores (especificamente humanas) se apresentam como produto
do processo de apropriação pelos indivíduos das objetivações humanas historicamente
construídas, a partir das ações que os mesmos realizam nas atividades efetivadas
durante a sua vida individual (DUARTE, 1996).
Portanto, abarcar o trabalho como atividade vital humana é tratá-lo como
condição sine qua non de constituição das características especificamente humanas em
cada indivíduo singular, em consonância com a construção das objetivações materiais e
simbólicas pertencentes ao gênero humano, que contribuem na construção da
individualidade de cada ser humano.
Nesse caminho, a teoria histórico-cultural assume a relação dialética presente na
categoria marxiana de trabalho, reconhecido como pressuposto fulcral da constituição do
psiquismo humano, generalizando-a à discussão sobre atividade, entendida enquanto
categoria explicativa do desenvolvimento da consciência humana (ASBAHR, 2011).
A atividade prática humana entendida como condição fundamental ao processo de
constituição das características especificamente humanas em cada indivíduo, bem como
como condição ao processo de construção do gênero humano, deve ser considerada o
ponto de partida e de chegada para a análise dos processos de constituição da
64

consciência. Esse fato nos leva a necessidade de discutir tal categoria, tendo em vista,
Página
como já foi apresentado em subseções anteriores, a unidade dialética existente entre a
estrutura e funcionamento da atividade e a estrutura e funcionamento do psiquismo
humano.
Desta feita, assumir a unidade dialética entre atividade e consciência, radica na
compreensão do psiquismo humano “como um processo no qual a atividade condiciona a
formação da consciência, e esta por sua vez a regula: ‘trata-se de firmar a
impossibilidade da separação entre ambas, ou seja, afirmar sua interconexão, sua
intercondicionalidade’” (MARTINS, 2001 apud PASQUALINI, 2006, p. 88).
O desenvolvimento da consciência pauta-se, assim, na análise da vida cotidiana
real de cada indivíduo singular, haja vista que o psiquismo especificamente humano se
estrutura no bojo das relações objetivas que os seres humanos vivenciam, a partir das
possibilidades dadas nas atividades realizadas e nos condicionantes sociais efetivados
dentro de tal atividade (LEONTIEV, 1983).
Assim sendo, o estudo da atividade que os indivíduos realizam a partir das
condições sociais dadas, as formas de produção dadas na sociedade, o sistema de
relações sociais e as circunstâncias com as quais se defrontam em seu cotidiano,
oferecem o caminho para a análise da constituição da consciência, pois,

[…] para que a imagem tátil, visual ou auditiva do objeto surja na cabeça
do ser humano, é necessário que uma relação ativa seja estabelecida
entre o ser humano e tal objeto. A educação e o caráter completo da
imagem ditam os processos que fazem essa relação. Isso significa que
para explicar cientificamente o surgimento e as particularidades da
imagem sensorial subjetiva [consciência], não basta estudar, por um lado,
o mecanismo e o funcionamento dos órgãos dos sentidos e, por outro, a
natureza física das influências exercidas sobre eles pelo objeto. É
necessário penetrar na atividade do sujeito em sua relação direta com o
mundo dos objetos (LEONTIEV, 1983, p.26. Tradução nossa).

De acordo com Leontiev (1983), a atividade não pode ser considerada apenas
enquanto uma simples reação do organismo, tampouco um conjunto de reações
naturais, mas sim, um sistema que possui uma estrutura específica e complexa,
conversões e mudanças internas, isto é, uma dinâmica posta estre o social e o individual.
65
Página
Na própria organização corporal dos indivíduos está implícita a
necessidade de estabelecer um contato ativo com o mundo externo. Para
sobreviver, deve agir, produzir os meios de que necessitam para a vida.
Ao influir no mundo exterior, eles o transformam e, com isso, também
transformam a si mesmos. Por isso, tudo o que são é determinado por
sua atividade, que por sua vez, é condicionado pelo nível de
desenvolvimento que os meios e formas de organização alcançaram.
(LEONTIEV, 1983, p.16. Tradução nossa).

Como citado anteriormente, a atividade do ser humano com a natureza está


sempre direcionada a satisfazer as necessidades que surgem no decurso histórico da vida
individual e do gênero, ou seja, a necessidade está voltada a um objeto que a satisfaça,
seja ele material ou simbólico, efetivando-se sua existência objetiva e/ou subjetiva.
Desta forma, como afirma Leontiev (2014), a característica básica que determina a
atividade é que ela tem um objeto. Assim, a principal diferença entre as atividades,
reside nas diferenças de seus objetos, isto é, naquilo que será buscado para suprir uma
determinada necessidade humana.
Ainda de acordo com Leontiev (2014, p.189), quando tratamos do objeto ou do
resultado da atividade que fora incitada por uma determinada necessidade, podemos
usar como terminologia o motivo, ou seja, o movimento da atividade se dá em
consonância com o motivo que faz com que o ser humano se coloque em atividade,
sendo que tal motivo, “pode ser tanto material quanto ideal; pode ser dado na percepção
ou pode existir somente na imaginação, na mente”. Assim, o motivo da atividade é
aquilo que incita o indivíduo a agir, não existindo, portanto, uma atividade sem motivo.
“Não existe tal coisa como atividade sem um motivo; atividade “desmotivada” não é
atividade que não possui motivo, mas atividade com um motivo subjetivamente e
objetivamente escondido”.
Mas, para que tais necessidades sejam supridas e a atividade se coloque em
movimento através de um determinado motivo, o seu caráter prático se expressa nas
ações e operações que são realizadas durante sua execução. As ações são, portanto, o
processo precedente à pré-ideação do resultado que pode ser atingido pela atividade, em
outras palavras, “o processo que obedece a um objetivo consciente”. Desta forma, as
66

ações ou conjunto de ações que compõem uma determinada atividade, estão ligadas
Página
diretamente aos fins conscientes (objeto de satisfação da necessidade) que poderão (ou
não) ser atingidos dentro de uma atividade que foi instigada por um motivo. Portanto,
“Assim como o conceito de motivo está correlacionado com o conceito de atividade, o
conceito de objeto é correlacionado com o de ação” (LEONTIEV, 2014, p.189).
Segundo Leontiev (2014), a atividade sempre estará diretamente ligada ao
motivo, sendo este o motor que colocará em relação as ações e o objeto de satisfação da
necessidade. A atividade, contudo, não pode ser decomposta em ações separadas, pois a
atividade não pode ser entendida como um processo de adição de várias ações, e nem
podem ser confundidas como sendo a mesma coisa. Pensemos numa simples divisão
técnica de trabalho, que se coloca como necessária para que a necessidade seja suprida.
Primeiro ponto a ser colocado é, as ações ou complexos de ações a serem realizadas
pelos indivíduos dentro da atividade não necessariamente correspondem, de forma
direta, ao motivo. Em uma atividade de caça, por exemplo, um indivíduo pode ser
responsável em realizar a ação de espantar o animal para que um outro grupo o apanhe
em um local mais apropriado. Com este exemplo podemos perceber que a ação deste
primeiro indivíduo durante a atividade da caça, não está em consonância, em sua
aparência, com o motivo, qual seja, matar a fome com a carne do animal, mas sim, com
o objeto, qual seja com o resultado final do processo da atividade, desta forma motivo e
ação só se colocam em relação, quando postos em uma análise aprofundada da
atividade (LEONTIEV, 2014).
Assim,

A separação das ações orientadas a um objetivo como componentes da


atividade humana, naturalmente levantam a questão de suas relações
internas. Como já dissemos, atividade não é um processo de adição.
Consequentemente, ações não são coisas separadas que são incluídas na
atividade. Atividade humana existe como ação ou uma corrente de ações.
Se fossemos subtrair mentalmente da atividade as ações que a realizam,
não sobraria nada da atividade. Isso pode ser expresso de outra forma.
Quando consideramos o desdobramento de um processo específico –
externo ou interno – a partir do ângulo do motivo, aparece como
atividade humana, mas quando consideramos como um processo
orientado a um objetivo, aparece como uma ação ou um sistema, uma
67

corrente de ações. Ao mesmo tempo, atividade e ação são ambas


genuínas e, além disso, realidades não coincidentes, porque uma e a
Página
mesma ação pode realizar várias atividades, pode passar de uma
atividade para outra, assim revelando sua relativa independência. Isso é
devido ao fato de que uma dada ação pode ter objetivos bastante
diferentes, pode realizar atividades completamente diferentes. E um e o
mesmo motivo pode gerar vários objetivos e assim várias ações
(LEONTIEV, 2014, p.190-191).

Já as operações, são os meios pelos quais se realizam as ações. Assim sendo, as


operações são a forma como as ações são efetivadas. Para tanto, como não podemos
deixar de analisar uma atividade sem analisar as ações implícitas a ela, as operações têm
que ser analisadas em consonância com as ações. Assim, as operações têm a ver com as
formas ou maneiras em que se efetivam as relações reais dos indivíduos diante de uma
determinada tarefa, ou seja, são determinadas pelas possibilidades objetivas de
realização pelo indivíduo de determinadas ações pertencentes a uma atividade
(LEONTIEV, 1983).
Em síntese, esses são os elementos da estrutura da atividade humana, a partir
disso,

A análise pelas quais elas são identificadas não é um processo de


desmembramento de atividade viva em elementos separados, mas de
revelar as relações que caracterizam essa atividade. Tal sistema de
análise simultânea exclui qualquer possibilidade de bifurcação da
realidade que está sendo estudada, desde que lida não com processos
diferentes, mas sim com planos diferentes de abstração. Assim, pode ser
impossível à primeira vista, por exemplo, julgar se estamos lidando, em
um caso dado, com ação ou com operação. Além disso, atividade é um
sistema altamente dinâmico, que é caracterizado por transformações
ocorrendo constantemente. Atividade pode perder o motivo que a evocou,
no caso em que torna-se uma ação que percebe talvez um
relacionamento bastante diferente do mundo, uma atividade diferente;
reciprocamente, ação pode adquirir uma força motivacional independente
e se tornar um tipo especial de atividade; e, finalmente, ação pode se
transformar em um meio de alcançar um objetivo capaz de realizar ações
diferentes (LEONTIEV, 2014, p.191)

Portanto, como afirma Leontiev (2014), estes elementos formam a estrutura da


atividade humana, que a partir de uma relação dialética, são responsáveis pela formação
subjetiva dos indivíduos, ou seja, de suas consciências.
68

E assim, a consciência individual como uma forma especificamente


humana do reflexo subjetivo da realidade objetiva, pode ser entendida
Página
apenas como o produto das relações e mediações que emergem no curso
do surgimento e do desenvolvimento da sociedade. A existência de um
psiquismo individual na forma de reflexo consciente não é possível fora do
sistema dessas relações – e fora da consciência social (LEONTIEV, 1983,
p.107. Tradução nossa).

Após discutir a estrutura e funcionamento da atividade especificamente humana,


tendo em vista elucidar os processos ativos que dão origem ao desenvolvimento das
objetivações culturais materiais e simbólicas da história humana e, consequentemente,
de cada indivíduo singular, há que se analisar a atividade em unidade dialética com o
desenvolvimento do psiquismo especificamente humano, para caminharmos à síntese,
isto é, no desvelamento de nossa unidade mínima de análise.
Nesse movimento, devemos analisar a atividade consciente tendo em vista sua
estrutura e funcionamento, a partir das ações e operações realizadas pelos indivíduos,
dentro das atividades práticas em que os mesmos se colocam ativos.
Considerando a possibilidade de partirmos de diferentes atividades, expressas em
determinadas ações/operações, de empregarmos significados a objetos ou situações
para que assim possamos guardá-los em nossas memórias, desenvolvermos a
capacidade de generalização e categorização das coisas e situações e, além disso, nos
comunicarmos, podemos entender que “a consciência individual do homem só podia
existir nas condições em que existe a consciência social. A consciência é o reflexo da
realidade, refratada através do prisma das significações e dos conceitos linguísticos,
elaborados socialmente” (LEONTIEV, 2004, p.94).
O reflexo consciente da realidade deve ser caracterizado, “pela presença de uma
relação interna específica, a relação entre o sentido subjetivo e significação”, relação
essa que se caracteriza enquanto conteúdo estrutural da consciência humana
(LEONTIEV, 2004, p.100).
Para Leontiev (2004, p.100), a significação é,

[...] aquilo que num objeto ou fenômeno se descobre objetivamente num


sistema de ligações, de interações e de relações objetivas. A significação
é refletida e fixada na linguagem, o que lhe confere a sua estabilidade.
69

Sob a forma de significações linguísticas, constitui o conteúdo da


consciência social.
Página
Assim, a significação pertence “ao mundo dos fenômenos objetivamente
históricos”, ou seja, constitui-se enquanto generalização da realidade representada em
palavras e pode ser considerada como a forma “ideal, espiritual da experiência e da
prática social da humanidade” (LEONTIEV, 2004, p.101).
Contudo, não podemos especificar a significação como fator relacionado, somente,
a “consciência social”, ou seja, àquilo que se refere ao gênero humano em geral, há que
se levar em conta que a mesma também se efetiva como fator fundamental da
consciência individual, pois, as ações em que ocorrem, se dão de forma única e exclusiva
em cada vivência,

O homem que percebe e pensa o mundo enquanto ser sócio-histórico,


está ao mesmo tempo armado e limitado pelas representações e
conhecimentos da sua época e da sua sociedade. A riqueza da sua
consciência não se reduz à única riqueza da sua experiência individual. O
homem não conhece o mundo como o Robinson da ilha deserta, fazendo
as próprias descobertas. No decurso da sua vida, o homem assimila as
experiências das gerações precedentes; este processo realiza-se
precisamente sob a forma da aquisição das significações e na medida
desta aquisição. A significação é, portanto, a forma sob a qual um homem
assimila a experiência humana generalizada e refletida (LEONTIEV, 2004,
p.101).

A significação é, portanto, fator de entrada na consciência, isto é, “o reflexo


generalizado da realidade elaborada pela humanidade” e efetivado sob a forma de
palavras e conceitos, “de um saber ou mesmo de um saber-fazer (“modo de ação”
generalizado, norma de comportamento etc.)”, mesmo que ela exista
independentemente da relação individual do ser humano com ela, pois nascemos num
mundo cheio de experiências precedentes, guardadas na cultura material e simbólicas
(LEONTIEV, 2004, p.102)
Contudo, um segundo fator se coloca enquanto essencial nesse processo de
estudo da estrutura e funcionamento da consciência em unidade com a atividade vital,
qual seja, o fato de que “eu me aproprie ou não, que eu assimile ou não uma dada
significação, em que grau eu a assimilo e também o que ela se torna para mim, para a
minha personalidade”. Desta feita, há que se verificar o sentido subjetivo pessoal que as
70

significações apresentam para cada indivíduo (LEONTIEV, 2004, p. 102).


Página
[...] este sentido consciente é criado pela relação objetiva que se reflete
no cérebro do homem, entre aquilo que o incita a agir e aquilo para o
qual a sua ação se orienta como resultado imediato. Por outras palavras,
o sentido consciente traduz a relação do motivo ao fim. Devemos apenas
sublinhar que não utilizamos o termo “motivo” para designar o
sentimento de uma necessidade; ele designa aquilo em que a
necessidade se concretiza de objetivo nas condições consideradas e para
as quais a atividade se orienta, o que a estimula (LEONTIEV, 2004, p.103-
104).

O sentido subjetivo pessoal, de acordo com Leontiev (2004), está ligado


diretamente à forma como se dá o reflexo consciente de cada indivíduo singular, entre o
que o leva a realizar uma ação e o resultado esperado desta ação, não estando dirigida,
portanto, a totalidade do conteúdo refletido, isto é, a uma simples reprodução direta da
realidade concreta à consciência individual, mas sim, relaciona-se com a ação a qual está
orientada a atividade do indivíduo. Com efeito, o sentido subjetivo pessoal refere-se,
especificamente, a ação realizada pelo indivíduo e a sua relação com a situação objetiva
conscientizada.
Assim, a forma como agimos se coloca como fator primordial ao processo de
desenvolvimento da consciência, pois é ela quem determinará como as significações e os
sentidos, por meio das informações externas, serão transmutados para o nível subjetivo
(LEONTIEV, 2004, p.105). Sendo a ação, portanto, via de acesso da análise entre
atividade e consciência.
Assim, a unidade entre a estrutura da atividade humana e a estrutura da
consciência não poderia ter outra relação senão as condições concretas, as ações, e
relações sociais as quais as pessoas vivenciam em seu cotidiano, ou seja, as
possibilidades de desenvolvimento do plano consciente está diretamente ligado as
relações que o indivíduo mantém durante toda a sua vida, sendo que o seu
desenvolvimento psicológico individual será orientado por determinadas atividades,
atividades estas caracterizadas por determinadas ações e que podem ser consideradas
dominantes em diferentes períodos do processo de constituição da consciência individual.
De acordo com Leontiev (2006b, p.64), essas atividades podem ser denominadas
71
Página
enquanto atividades principais ou atividades dominantes; conceito este que será objeto
de discussão pormenorizada na próxima seção.
Como discutido até aqui, o ser humano se desenvolve a partir da apropriação e
objetivação da cultura historicamente produzida pelo conjunto dos seres humanos,
vivenciando de forma ativa os conhecimentos existentes, sob a base da mediação de
processos educativos. Tal processo tem como consequência o desenvolvimento de
capacidades especificamente humanas em cada indivíduo singular, desde habilidades
psicomotoras básicas, até o desenvolvimento de funções psicológicas superiores,
exclusivamente humanas.
Assim, ao se considerar a criança em processo de formação, a atividade
dominante26, ou seja, aquela responsável em guiar o desenvolvimento individual no
período pré-escolar, é a brincadeira de papéis sociais (ELKONIN, 1998).
Sendo assim, essa atividade corresponde a um determinado período de
desenvolvimento dos indivíduos, premissa que evidencia a concepção materialista de ser
humano, o qual se desenvolve sob a base de atividades vitais, tendo como condicionante
sua vida em grupo, ou seja, as relações sociais, a linguagem e os instrumentos
construídos e vivenciados em sociedade, levando a construção da consciência. Além de
que no interior de cada período se efetiva “a formação e a reconstrução gradual das
ações e operações da criança, criando condições para a mudança do tipo dominante de
atividade na transição” de um período a outro (PASQUALINI, 2016, p.72), ou seja, as
ações expressadas nas operações que a constituem, mostram-se como fator primordial
para o processo analítico da atividade e suas transformações.
Podemos compreender que a brincadeira representa a forma pela qual a criança
se comunica com a sociedade, superando necessidades impostas pelos limites do seu
desenvolvimento biológico e psíquico. Sabemos que uma criança não pode dirigir um
carro tal e qual o pai faz, ou pilotar um avião como um piloto, ou andar à cavalo como o

26
De acordo com Facci (2006), em espanhol este termo é traduzido como “actividad rectora”, já no
português pode ser traduzido tanto por “atividade principal” ou por “atividade dominante”; optamos por
72

utilizar neste trabalho o termo atividade dominante.


Página
irmão mais velho, contudo, em tal atividade, ela consegue suprir tais necessidades, pois
brinca de dirigir um carro, brinca de pilotar um avião e etc., ou seja, na brincadeira
ocorre a superação da contradição existente entre a vontade de ser adulto, realizando
suas atividades e utilizando seus objetos, e a impossibilidade real, concreta, tendo em
vista os limites da criança, de fazer tais atividades, contradição que se torna possível ser
superada nas ações lúdicas (VIGOTSKI, 2008).
No entanto, segundo nossa compreensão, a brincadeira, sobretudo na escola,
precisa ganhar em qualidade, ou seja, tornar-se atividade de brincar, libertar-se do
espontaneísmo cotidiano e assumir-se como atividade educativa e com finalidades
críticas e humanizadoras, porque devidamente orientadas pelo professor. Como
sabemos, a partir de Heller (1977), as relações sociais capitalistas cotidianas mostram-se
eminentemente alienadas e alienantes e, consequentemente, podemos concluir,
também, que as brincadeiras orientadas por modelos de relação social calcadas na esfera
cotidiana alienada acabam por reproduzir tais tendências alienadas e alienantes.
A partir dessas considerações, precisamos ainda nos remeter a outras
determinações para abarcarmos, de fato, as múltiplas determinações referentes ao nosso
objeto, tendo em vista a sua complexidade e a busca pela sua unidade. Neste caminho,
defendemos que a atividade de brincar, por ser uma atividade constituída
historicamente, no bojo das relações sociais e de processos educativos, necessita ser
orientada e direcionada por adultos mais desenvolvidos, tendo como meta a transmissão
das objetivações materiais e simbólicas historicamente produzidas, buscando o
desenvolvimento dos indivíduos nas máximas possibilidades dadas nos diferentes
períodos psicológicos. Sendo assim, faz-se necessário na escola uma prática pedagógica
que proporcione tais possibilidades, fato que nos remete, sobretudo, a pensarmos como
se concebe a atual educação das crianças na educação infantil.
Questionamos, então, sob qual base e concepção pedagógica a brincadeira infantil
é tomada no contexto da educação infantil. Arce (2012) afirma que a educação infantil é
permeada e efetivada, atualmente, a partir de concepções pedagógicas construtivistas e
73

pós-modernas. Dessa forma, a Pedagogia da Infância é a principal teoria pedagógica que


Página
permeia os processos educacionais neste período, que, ainda de acordo com a autora,
pode ser denominada como “anti-escolar”.
Consideramos importante fazer essa reflexão, pois, a difusão do citado lema e sua
efetiva aplicação no que se refere a realização da brincadeira na escola, configuram-se
como uma situação que alimenta a ideologia dominante e permeia a efetivação dos
processos de alienação, fato que se efetiva pela difusão do senso comum alienado e
valorização de conhecimentos superficiais, além de levar em conta somente aquilo que o
indivíduo aprende por si mesmo.
Tais processos neoliberais, pautados na ação espontânea do educando, retiram da
escola e dos professores o papel de socialização do conhecimento sistematizado,
enxergando-os enquanto meros facilitadores do processo educativo no qual o aluno
deverá ser o protagonista, cerceando as possibilidades de acesso destes a tais
conhecimentos, mantendo-os, assim, na esfera das objetivações e pensamentos
cotidianos alienados (HELLER, 1977).
Como ficou evidente, tal concepção pedagógica se efetiva sob a égide de
determinada ideologia, referente a um determinado contexto social, questão que nos
leva a outro aspecto fundamental e, consequentemente, à elucidação de nossa unidade
mínima de análise. Neste sentido, é notório saber que vivemos no interior de uma
sociedade dividida em classes sociais e fragmentada pela divisão social do trabalho, fato
que engendra relações sociais, na maioria das vezes, mediadas por processos
tendencialmente alienados e alienantes (MARX; ENGELS, 2007).
Esse fenômeno, presente na sociedade capitalista, considerando as palavras de
Marx (2004, p.80), configura-se a partir do momento em que “[...] o trabalhador se
torna mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em
poder e extensão”. Ao vender sua força de trabalho, o trabalhador “[...] se torna uma
mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria”. Portanto, salienta o autor, ao
mesmo tempo em que se valoriza e se aprimora o “mundo das coisas”, a partir da
produção de bens materiais e imateriais, se desvaloriza o mundo dos seres humanos.
74

Desta forma, os indivíduos são impedidos, dada a supremacia das relações com as
Página
mercadorias, de se apropriar dos bens sociais produzidos pela humanidade, ou seja, das
objetivações materiais e simbólicas representadas em nível do gênero humano, fato que
imprime à alienação um caráter social, como também um caráter pessoal, influindo de
forma significativa e objetiva na formação da consciência dos indivíduos, por tornar as
relações sociais carregadas de processos alienados e alienantes (MARX, 1996;
MÉSZÁROS, 2006).
A escola, infelizmente, também está inserida nessa dinâmica, tendo em vista que
a mesma, na maioria das vezes, apresenta-se como uma instituição estruturada e
efetivada a partir dos preceitos da ideologia dominante, tomando como objetivo
precípuo, mesmo que implicitamente, para a efetivação e manutenção do status quo
(MÉSZÁROS, 2008).
Assim sendo, a compreensão acerca das concepções pedagógicas ligadas ao lema
anti-escolar e sua intimidade com determinada ordem social, como temos identificado,
pode efetivar-se na brincadeira que toma como premissa a espontaneidade, levando as
crianças a um desenvolvimento de suas consciências com tendências alienadas e
alienantes, pelo fato da brincadeira acabar, assim, reproduzindo modelos de relações
sociais do cotidiano alienado.
Acreditamos que tais determinações, contradições e intervinculações existentes no
nosso objeto de pesquisa, configura um importante caminho para a construção de um
conhecimento acerca da atividade de brincar na escola, pautado na realidade concreta e
não em idealismos falseadores da realidade.
A partir disso retomamos o fundamento inicial apontado na presente seção,
contudo, não mais em seu todo caótico, mas sim, tomado agora em sua concreticidade,
isto é, entendido em suas múltiplas determinações.
Considerando que a especificidade da brincadeira tem relação direta com os
papéis sociais existentes e vivenciados cotidianamente pelas crianças, sendo que tais
papéis sociais acabam reproduzindo tendências alienadas e alienantes presentes na
sociedade capitalista e que levam os indivíduos a um desenvolvimento de suas
75

consciências carregadas de tais tendências, defendemos, portanto, que essa situação


Página
precisa ser superada e para isso, enfatizamos a necessidade de uma concepção histórico-
social que respalde uma prática pedagógica crítica e dirigida diante do desenvolvimento
dos indivíduos, sendo que na escola de educação infantil, deve-se valorizar a atividade
de brincar como atividade educativa humanizadora.
Em síntese, a brincadeira de papéis sociais tem como especificidade uma relação
direta com os papéis sociais existentes e vivenciados cotidianamente pelas crianças em
suas vidas. As crianças durante a realização de tal atividade reconstroem, a partir de
suas possibilidades, ações presentes nos modelos de relações sociais concernentes,
sobretudo, ao mundo adulto, caracterizando-as como ações lúdicas. Sabemos que as
relações sociais atuais são pautadas em aspectos carregados de tendências alienadas e
alienantes, por ser uma condição intrínseca à manutenção do modo de produção
capitalista, sendo que essas tendências se efetivam de forma prática, na atividade
realizada pelos seres humanos, nas suas relações sociais, em suas ações dentro das
atividades, apresentando-se em todas as instâncias sociais atuais e, permeando assim,
também a vida das crianças.
Durante a infância, na busca em superar desejos, quais sejam, fazer parte do
mundo que as cerca, mundo esse cheio de objetos e relações dos adultos entre-si e com
tais objetos, as crianças na brincadeira, encontram as possibilidades de superarem tal
contradição, já que não podem realizar, tal como os adultos realizam, as ações que
observam nas atividades sociais. Assim, quando brincam de reconstruir esses modelos de
relações sociais que vivenciaram, ou seja, em ações lúdicas, as tendências alienadas e
alienantes acabam sendo reconstruídas pelas mesmas, levando assim, a um
desenvolvimento de suas consciências carregado dessas tendências. Contudo, como a
realidade é dinâmica e contraditória, possibilidades humanizadoras, isto é, contrárias às
tendências alienadas e alienantes, também podem ser efetivadas, vê-se, por exemplo, a
crítica tão eficaz de Marx em relação ao modo de produção capitalista, mesmo vivendo
sob a égide de tais condições.
Assim, considerando que a educação é responsável em possibilitar aos indivíduos
76

aquilo que é especificamente humano, isto é, colocar em processo de desenvolvimento o


Página
psiquismo especificamente humano, qual seja, a consciência, sistema interfuncional que
faz a mediação entre o mundo subjetivo e objetivo dos seres humanos e, ao ser
efetivada na escola uma atividade de ensino com a brincadeira de papéis sociais, a partir
de ações pedagógicas carregadas de tendências humanizadoras, acreditamos que nessa
atividade tornar-se-á possível o enfrentamento da alienação social capitalista desde a
mais tenra idade, vez que ao realizarem atividades de caráter humanizador, a partir de
mediações pedagógicas conscientes, distanciar-se-ão das brincadeiras espontâneas e
cotidianas carregadas de alienação.
É aí, portanto, que se encontra a nossa unidade mínima de análise, ou seja, nas
ações ludo-pedagógicas humanizadoras construídas e efetivadas durante as atividades
interventivas realizadas pelo pesquisador e interventores junto às crianças na escola e
que estão vivenciando um período de desenvolvimento pautado pela atividade dominante
“brincadeira de papéis sociais”. É nessa unidade que se encontra sintetizada a totalidade
do nosso objeto de pesquisa. Podemos afirmar, pois, que esse é o microcosmo para a
análise da atividade de ensino da brincadeira em unidade com o desenvolvimento da
consciência infantil em uma direção humanizadora.

Diagrama 1 – Apresentação gráfica do caminho à unidade mínima de análise da pesquisa.

77

Fonte: Dados da pesquisa (Nunes, 2019).


Página
2.8 Organização dos dados e caminhos para a análise

Caminhando para a finalização da presente seção, após a exposição


epistemológica-metodológica da tese e o desvelamento da unidade mínima que será
base da análise da nossa pesquisa, acreditamos ser conveniente uma exposição prévia
sobre a organização dos dados e dos caminhos que seguiremos para dar prosseguimento
à análise dialética, tanto dos momentos de observação sistemática das aulas regulares,
quanto dos momentos de intervenção-formativa junto aos participantes estudantes da
pesquisa.
Viabilizar um trabalho analítico que busque desvelar a estrutura e funcionamento
de determinado objeto de investigação, pressupõe, como foi apresentado anteriormente,
o encontro em uma unidade que sintetize as relações, intervinculações, contradições e
multideterminações contidas em uma totalidade objetiva, com a finalidade de, assim,
adentrar-se à sua essência. Tal unidade só pode ser alcançada - e não há outra
possibilidade - quando o pesquisador se debruça sobre os dados e, a partir de
sistematizações devidamente organizadas, encontra após muitos processos reflexivos e
analíticos, certos núcleos categoriais para uma compreensão aprofundada e científica do
objeto de investigação, engendrando, assim, um processo dialético de análise.
Tendo em vista o nosso objeto de estudo, em uma primeira organização dos
dados, foi possível formular, então, estes núcleos, que denominaremos como categorias
integradoras do objeto, que se expressam em unidade com a ação ludo-pedagógica
humanizadora, sob a base das categorias epistemólogicas totalidade, movimento e
contradição, sendo elas: a) atividade dominante brincadeira de papéis sociais em
unidade com o desenvolvimento do psiquismo infantil; b) tendências alienadas versus
tendências humanizadoras em unidade com o processo de desenvolvimento da
consciência infantil; c) a atividade de ensino da brincadeira de papéis sociais na pré-
escola em uma perspectiva pedagógica histórico-crítica.
Assim, na próximo seção, apresentaremos e analisaremos essas categorias
78

integradoras do objeto, tomando como base relacional nossa unidade mínima de análise,
Página
organizando os dados empíricos sob a estrutura de episódios de pesquisa, como nos
orienta Nascimento (2011, p.12), pois,

Os episódios, assim, contém uma classe de fatos capazes de explicitar


empiricamente os fenômenos, sintetizando um conjunto de fatos ou cenas
previamente organizadas e transcritas, que se articulam a uma temática
comum. Por isso mesmo, os episódios já assumem a forma de um modo
de exposição dos dados empíricos da pesquisa, ainda que obviamente
não seja capaz de – por si – analisar esses dados. [...] Os episódios,
deste modo, apontam-nos já para uma necessidade teórico-metodológica
das pesquisas científicas: analisar o processo de desenvolvimento das
situações a serem analisadas e não apenas um ou mesmo diversos
elementos que compõem essa situação.

Para tanto, baseados em Nascimento (2011), organizamos os episódios de acordo


com o quadro que segue:

Quadro 2 - Estrutura e organização dos episódios

Elementos dos episódios Descrição

Título Sintetiza o conteúdo geral discutido no


episódio em unidade com o objeto da
pesquisa

Contextualização do episódio Expressa os elementos centrais que


caracterizam a necessidade e justificam
a construção do episódio em
consonância com o objeto de estudo e a
unidade de análise

Cenas Explicitação do elemento que se


desdobrará nos cenários.

Cenários Momentos particulares que apresentam


as possibilidades para a visualização das
ações que levam a análise.

Personagens do episódio Crianças: receberão nomes fictícios

Autor da tese: Pesquisador


79
Página
Pesquisadores auxiliares nas
intervenções: Interventor e/ou
Interventora.

Transcrição dos dados nos cenários Deixaremos entre aspas as transcrições


literais das falas dos participantes da
pesquisa (Pesquisador, Interventores e
Crianças). As falas que necessitarem
destaque, as colocaremos em negrito.
Fonte: Nascimento (2011).

Esta formulação organizacional redundou, portanto, em uma possibilidade


analítica que, acreditamos ter viabilizado o processo de explicação do fenômeno em suas
relações, origem, nexos dinâmico-causais, contradições, ou seja, em suas múltiplas
determinações (VIGOTSKI, 1995). Nessas condições, construímos um caminho analítico
que apresenta os condicionantes empíricos e teóricos em sua essência, para
compreendermos e construirmos possibilidades pedagógicas prático-teóricas de ensino
da brincadeira de papéis sociais na educação infantil em uma perspectiva humanizadora,
tendo a realidade como critério de verdade.

80
Página
3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS CATEGORIAS INTEGRADORAS DO OBJETO
EM RELAÇÃO COM A UNIDADE MÍNIMA DE ANÁLISE

Se analisarmos a consciência da criança entendida como sua relação com


o meio e a considerarmos como produto das mudanças físicas e sociais do
indivíduo, como a expressão integral das peculiaridades superiores e mais
importantes da estrutura da personalidade, veremos que na transição de
uma idade a outra, crescem e se desenvolvem, não tanto os aspectos
parciais, isolados, da consciência ou algumas funções e modos de sua
atividade mas, em primeiro lugar se modifica a estrutura geral da
consciência que em cada idade se distingue por um sistema determinado
de relações e dependências entre seus aspectos distintos, entre as
distintas formas de sua atividade (VYGOTSKI, 2013, p.262-263, tradução
nossa).

Durante a vida de cada indivíduo singular há a necessidade de que estes, para


que desenvolvam as funções psicológicas especificamente humanas, estejam em relação
com a cultura, mediada pelos vários instrumentos postos nas relações sociais. O
desenvolvimento da consciência dos seres humanos não se dá numa relação direta com
os conteúdos do meio social, nem tão pouco se dá de forma natural, relegadas às
características hereditárias passadas de geração a geração. O desenvolvimento da
consciência dos indivíduos singulares se efetiva a partir de diferentes períodos, os quais
se distinguem, como apresentado por Vygotsky (2013) e explicitado na citação acima,
por um sistema determinado de relações e comunicação entre os indivíduos e as
objetivações materiais e simbólicas presentes na cultura, ou seja, mediado por
determinadas atividades e relações sociais entre os indivíduos. Para Martins (2016, p.14),

O processo de aquisição das particularidades humanas, isto é, dos


componentes complexos culturalmente formados, demanda a apropriação
do legado objetivado pela prática histórico-social. Os processos de
internalização, por sua vez, interpõem-se entre os planos das relações
interpessoais (interpsíquicas) e das relações intrapessoais (intrapsíquicas),
o que significa dizer: instituem-se baseados no universo de objetivações
humanas disponibilizadas para cada indivíduo por meio da mediação de
outros indivíduos, ou seja, por processos educativos.

Cada período do desenvolvimento humano está ligado, dialeticamente, com uma


determinada atividade, a qual, sob a mediação de indivíduos que já possuem as
81

características especificamente humanas, guia o processo de desenvolvimento da


Página
consciência e personalidade, pois são essas atividades as responsáveis, sob a base das
relações sociais, em possibilitar a comunicação dos indivíduos com o mundo o qual ele
está se apropriando, efetivando as mudanças mais importantes em sua consciência e
personalidade (PASQUALINI, 2011).
De acordo com Leontiev (2006b), essas atividades responsáveis em guiar o
desenvolvimento individual nos diferentes períodos, podem ser denominadas como
atividades dominantes, ou seja, aquelas que condicionam, possibilitam, engendram a
comunicação dialética, ativa, entre o indivíduo e a realidade que o cerca.
Faz-se importante esclarecer que ao tratarmos da atividade dominante, ainda de
acordo com Leontiev (2006b, p.64), não devemos considerá-la enquanto aquela que os
indivíduos mais realizam em seu dia a dia, mas sim, como a atividade que proporciona
“as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da
personalidade dos indivíduos, em certo estágio de seu desenvolvimento”.
Desta feita, para que uma atividade seja considerada dominante em um
determinado período de desenvolvimento psicológico individual de um sujeito singular, a
mesma deve apresentar três atributos essenciais,

1. Ela é a atividade em cuja forma surgem outros tipos de atividade e


dentro da qual eles são diferenciados. Por exemplo, a instrução no
sentido mais estreito do termo, que se desenvolve em primeiro lugar já
na infância pré-escolar, surge inicialmente no brinquedo, isto é,
precisamente na atividade principal deste estágio do desenvolvimento. A
criança começa a aprender de brincadeira, 2. A atividade principal é
aquela na qual processos psíquicos particulares tomam forma ou são
reorganizados. Os processos infantis da imaginação ativa, por exemplo,
são inicialmente moldados no brinquedo e os processos de pensamento
abstrato, nos estudos [...] Certos processos psíquicos não são
diretamente modelados e reorganizados durante a atividade principal,
mas em outras formas de atividade geneticamente ligadas a ela. 3. A
atividade principal é a atividade da qual dependem, de forma íntima, as
principais mudanças psicológicas na personalidade do indivíduo,
observadas em um certo período de desenvolvimento. É precisamente no
brinquedo que a criança, no período do pré-escolar, por exemplo, assimila
as funções sociais das pessoas e os padrões apropriados de
comportamento [...] e este é um momento muito importante de
modelagem de sua personalidade. (LEONTIEV, 2006b, p.64).
82
Página
Nessa perspectiva, o ser humano, a partir das atividades que realiza no desenrolar
das condições concretas de sua vida, atua na realidade, manipula e se apropria dos
objetos culturais, apropria-se das relações humanas com esses objetos, além das
relações sociais entre os próprios seres humanos e, assim, efetiva-se as condições para
seu desenvolvimento. É por meio dessas atividades consideradas dominantes, portanto,
que as crianças se relacionam com o mundo, sentem-se partícipes da realidade que
vivenciam, o que acarreta, em cada período de seu desenvolvimento singular, na criação
de necessidades específicas em termos psíquicos (FACCI, 2006).
Esses períodos, de acordo com Leontiev (2006b), além de possuírem conteúdos
precisos, tendo em vista o conteúdo e forma de cada atividade dominante, possuem,
também, uma certa sequência temporal. Contudo, nem o conteúdo dos períodos de
desenvolvimento, nem sua sequência, podem ser dados de forma estática e imutável.
Cada indivíduo nasce em diferentes períodos históricos da humanidade e em cada um
desses existem especificidades dadas pela sociedade em que ele está inserido, sendo
que estas condições produzem modificam os conteúdos da atividade, ou até elas
mesmas, e, consequentemente, determinam o desenvolvimento do psiquismo individual.
Desta forma, a periodização do desenvolvimento possui um caráter histórico e social.
Outro ponto relevante, coloca-se na relação dialética entre movimento e
estabilidade. Como afirma Pasqualini (2016), mesmo que a realidade não se dê de forma
estática e imutável (princípio materialista histórico e dialético), há uma relativa
estabilidade. Portanto, para que seja efetivado um curso do desenvolvimento psicológico,
há que se identificar os momentos em que ocorrem a predominância de uma certa
estabilidade e, por outro lado, momentos em que o movimento prevalece, isto é, por
meio das quais ocorrem as mudanças qualitativas dos fenômenos, ou seja, momentos de
crise, de superação por incorporação do velho pelo novo.
Assim sendo, conforme Pasqualini (2016, p.71) o desenvolvimento do psiquismo é
caracterizado pela alternância dialética entre períodos nos quais ocorrem uma certa
estabilidade e períodos nos quais ocorrem mudanças bruscas, ou seja, períodos de crise.
83

Segundo a autora "a transição a um novo período do desenvolvimento configura-se,


Página
assim, como salto qualitativo que resulta do acúmulo (quantitativo) de mudanças
graduais no interior de cada período estável do desenvolvimento", sendo que nos
períodos de transição, efetivam-se mudanças bruscas em um curto espaço de tempo,
como nos orienta Vigotsky (1996).
Portanto, as mudanças das atividades dominantes de um período a outro,
intercaladas pelos períodos críticos, que são os saltos qualitativos em um curto espaço de
tempo no desenvolvimento do psiquismo humano, representam mudanças qualitativas
que se efetivam a partir do “acúmulo gradual de formação, aprimoramento e
requalificação de ações e operações”, configurando-se, assim, como processo de
modificação de conteúdo e estrutura da consciência de cada indivíduo singular
(PASQUALINI, 2016, p. 72).
Mas, como ocorrem as mudanças de atividade dominante de um período a outro?
De acordo com Pasqualini (2016, p. 78),

Cada nova atividade é gestada no interior da atividade dominante de um


dado período, progressivamente se diferenciando e se emancipando (da
mesma maneira que diferentes formas de atividade tiveram relação
genética com o trabalho na história humana). A atividade dominante vai
esgotando-se como fonte de desenvolvimento de novas capacidade
psíquicas e uma nova atividade desponta como guia na transição ao novo
período.

Assim, no processo de passagem de um período a outro, as atividades dominantes


vão sendo superadas por incorporação, contudo, isso não quer dizer que elas são
eliminadas, mas sim, “incorporam-se como conquistas do psiquismo infantil e se
requalificam em virtude das novas capacidades conquistadas, realocando-se na
hierarquia das atividades”. As atividades que em um determinado período foram
dominantes, através de um processo dialético, deixam de ser dominantes e tornam-se
auxiliares, secundárias, para o desenvolvimento do psiquismo. Desta feita, segundo
Pasqualini (2016),

A transição a um novo período do desenvolvimento representa a


modificação da estrutura geral da consciência, que em cada período se
distingue por um sistema determinado de relações e dependências entre
84

seus aspectos particulares. Articulando o princípio das relações entre


Página
quantidade e qualidade e compreensão dialética do todo-parte, podemos
compreender que cada novo período de desenvolvimento psíquico
representa uma mudança qualitativa que envolve a reestruturação do
psiquismo como um todo, produzindo um novo tipo de relação entre
crianças e realidade social que tem como lastro a reorganização das
relações interfuncionais entre os processos psíquicos.

Contudo, temos que levar em consideração, também, as transformações que


ocorrem no processo interior de cada um dos períodos, que conduzem ao processo de
superação do velho em direção ao novo, isto é, aos saltos qualitativos representados
pelos momentos críticos. Esse processo é caracterizado por transformações
microscópicas do ponto de vista quantitativo acerca da apropriação pelos indivíduos das
objetivações materiais e simbólicas produzidas pela humanidade. Assim, de acordo com
Pasqualini (2016, p.73), é na contradição que se efetivam essas transformações,

A contradição encerra duas forças que se opõem, e, portanto, se


combatem, mas ao mesmo tempo são inseparáveis, estabelecendo entre
si uma relação de reciprocidade. Não se trata, assim, de mera oposição,
mas de unidade dos contrários, de uma contradição que é interna aos
fenômenos. Essa contradição interna, como luta entre forças opostas que
se desenvolve no tempo, é que forjará a formação do novo.

Nesse caminho, a periodização do desenvolvimento psíquico dos indivíduos no


decorrer de sua vida, considerando as condições atuais colocadas pelo momento
histórico em que vivemos, tem por atividades dominantes: Na Primeira infância -
Comunicação emocional direta entre a criança e o adulto e Atividade objetal
manipulatória; Infância - Brincadeira de papéis socais e Atividade de estudo;
Adolescência - Comunicação íntima pessoal e Atividade vocacional ou orientada para o
trabalho; Na idade adulta: Trabalho27 (MARTINS; ABRANTES; FACCI, 2016).
Desta feita, durante o período do primeiro ano de vida do bebê, a atividade
dominante, como fora citado anteriormente, caracteriza-se pela comunicação emocional
direta do bebê com o adulto, ou seja, essa é a atividade responsável em fazer a

27
Tendo em vista as especificidades desse trabalho, discutiremos a periodização do desenvolvimento até a
atividade dominante de brincadeira de papéis sociais, objeto de estudo da presente tese. Para um
aprofundamento maior sobre todo o processo de periodização do desenvolvimento intelectual ver: Facci
85

(2006), Elkonin (2012) ou Martins; Abrantes; Facci (2016).


Página
intermediação entre o indivíduo e a realidade social. Como afirma Vigotski (1996), esse é
um período no qual evidencia-se uma contradição diametral entre a necessidade que o
bebê tem de se relacionar com o adulto, pois essa é uma condição para a manutenção
de sua própria vida, e a falta de possibilidades de efetivação de comunicaçãopor meio da
fala dada a inexistência, nesse primeiro período, da linguagem articulada. “O
desenvolvimento do bebê no primeiro ano de vida se baseia na contradição entre sua
máxima sociabilidade, tendo em vista a situação em que se encontra, e suas mínimas
possibilidades de comunicação” (VIGOTSKI, 1996, p.286).
Os bebês, nessa perspectiva, apresentam uma forma de atividade especial do
ponto de vista comunicativo, sendo esta de natureza emocional, ou seja, o choro, que
pode ser considerada uma forma de comunicação emocional em um primeiro momento,
serve como representação de condições que envolvem fome e dor, por exemplo. Como
afirma Elkonin (2012, p.162), tendo em vista as formas de mediação calcadas na
animação, desenvolvida dialeticamente na própria relação social com o adulto, o bebê
começa a demonstrar durante o terceiro mês de vida “uma atividade complexa com o
objetivo de fazer contato com o adulto, empregando seus próprios meios especiais”.
No bojo do primeiro ano de vida, ou seja, nas relações sociais entre bebê e adulto
e com a mudança do caráter da comunicação emocional que se torna mais complexa
(por exemplo, no início se dava estritamente por necessidades biológicas e ao fim do
período começa a se expressar a partir de necessidades sociais, isto é, a criança começa
a chorar quando quer algum objeto e etc.), os processos relacionados à atividade objetal
manipulatória vão sendo gestados, retendo os significados e conteúdo específicos que
foram executados em atividades conjuntas com os adultos, os quais apresentam os
objetos aos bebês, estimulam a sua manipulação, dando as condições necessárias para
formação sensório-motora manipulativa (PASQUALINI, 2016).
Assim, já no segundo período, a atividade objetal manipulatória assume seu papel
de atividade dominante e é responsável em mobilizar o desenvolvimento do psiquismo
infantil em suas máximas possibilidades, sendo responsável, assim, pela produção das
86

transformações psíquicas mais importantes nesse segundo período (PASQUALINI, 2016).


Página
De acordo com Elkonin (2012, p.163), neste período se dá,

[...] a atividade propriamente objetal, isto é, [...] a aquisição de modos de


ação socialmente evoluídos com objetos. Uma aquisição dessas ações é,
evidentemente, impossível sem a participação de adultos que as
demonstrem à criança e executem-nas com ela. O adulto é apenas um
elemento – embora um elemento chefe – na situação da atividade
objetal. O contato emocional direto com o adulto diminui para um papel
subordinado; o papel dominante é agora assumido pela cooperação
estritamente prática na atividade presente. A criança está absorvida pelo
objeto e nas suas manipulações com esse.

Ocorre, portanto, nesse período de desenvolvimento, um intensivo processo de


aquisição sensório-motora da criança a partir das ações operacionais que realiza com os
objetos que lhes são proporcionados pelos adultos. Contudo, essas ações não se dão de
forma estrita à experimentação manipulativa da criança com tais objetos, as atividades
de manipulação de objetos pelas crianças ocorrem em comunidade com o adulto, ou
seja, efetivam-se sob a influência da comunicação que começa a ser desenvolvida.
Portanto, é na comunicação do adulto com a criança que a manipulação de objetos
ocorre, sendo que a fala compartilhada entre ambos influencia sobremaneira esse
processo e representa o gérmen do período seguinte. Diante disso, o adulto direciona a
criança no processo de apropriação dos primeiros signos/símbolos e significados dos
objetos, levando-as à superação do velho em direção à transformação qualitativa de seu
psiquismo, o que a encaminha ao período seguinte (ELKONIN, 2012).
Nesse novo período, considerado como infância pré-escolar, efetivado no bojo do
desenvolvimento sensório-motor da criança em consonância com o desenvolvimento da
linguagem e a tomada de consciência dos signos/símbolos e significados dos objetos
proporcionadas nas relações com os adultos, a brincadeira de papéis sociais assume sua
dominância. Tal atividade se apresenta como fundamental para as mudanças mais
significativas do desenvolvimento da consciência infantil, sendo que sua primazia está
assentada no fato de que, ao brincar, a criança reconstrói as relações humanas as quais
ela toma contato em seu cotidiano (ELKONIN, 2012).
Como afirma Elkonin (2012, p. 164), na brincadeira, a criança assume o papel
87

adulto,
Página
[...] as funções e trabalho do adulto na sociedade, reproduz ações
objetais generalizando-as em pensamento representacional; transfere
significado de um objeto para outro etc. Uma ação objetal, tomada
isoladamente, não tem “inscritas nela” as respostas a questões como:
para que isso foi feito? Qual é seu significado social? Qual é seu motivo
real? É somente quando uma ação objetal se torna incorporada em um
sistema de relações humanas que podemos descobrir seu verdadeiro
significado social, suas proposições enquanto relacionadas a outras
pessoas. Esse tipo de “incorporação” também tem lugar no brincar. O
jogo de papéis é uma atividade na qual a criança se torna orientada para
significados mais universais, mais fundamentais, da atividade humana.
Sobre essa base, a criança começa a despertar para atividades
socialmente valiosas e significativas, que é o indicador chave da sua
prontidão para a escola.

Portanto, é no bojo das atividades dominantes presentes nos diferentes períodos


de desenvolvimento que se efetivam as condições para a constituição e transformação
qualitativa da consciência, fator que deve ser associado às condições em que se efetivam
os processos educativos formais que podem (ou não) ser potencializadores, já que tal
processo é conduzido a partir da mediação das relações sociais e das condições
históricas postas na conjuntura social e escolar em que são efetivadas.
Segundo Martins (2016, p.26) o ensino escolar incide de forma decisiva na
formação e desenvolvimento do psiquismo humano e, nesse sentido,

Trata-se, pois, de destacar a escolarização como um processo histórico-


social cujo alcance na vida das pessoas ultrapassa em muito a
unilateralidade das esferas referentes à preparação ocupacional futura
das crianças e jovens e/ou qualificação ocupacional de adultos. O que se
impõe de modo central na educação escolar assim concebida é a
necessária luta pela formação omnilateral dos indivíduos, haja vista que
essa formação se impõe como uma das condições para que eles, de fato,
construam-se como sujeitos históricos, aptos à superação das condições
de exploração do homem pelo próprio homem (MARTINS, 2016, p. 26).

Destarte, buscaremos a partir de agora adentrar na especificidade da análise das


categorias integradoras de nosso objeto, com objetivo de elucidar sobre as nuances
relacionadas à atividade pedagógica de ensino da brincadeira de papéis sociais com a
finalidade de promover o desenvolvimento da consciência infantil em uma direção
humanizadora, voltada ao enfrentamento da alienação social intrínseca à sociedade
88

capitalista.
Página
3.1 A atividade dominante brincadeira de papéis sociais em unidade com o
desenvolvimento do psiquismo infantil

[...] a brincadeira de papéis sociais não se desenvolve espontaneamente,


ela requer ações educativas que promovam o surgimento, o
desenvolvimento e o direcionamento desse tipo de atividade. Se a
brincadeira de papéis sociais for deixada ao sabor da espontaneidade
infantil, o mais provável será que essa atividade reproduzirá
espontaneamente a alienação própria aos papéis sociais [...] (DUARTE,
2006, p. 95).

Tomando como base as discussões da Teoria Histórico-cultural, buscaremos


apresentar a partir de agora, as principais características inerentes ao desenvolvimento
humano em relação com a brincadeira de papéis sociais28, sobretudo pela importância
que ela assume em relação ao desenvolvimento cognitivo/afetivo/social/motor da criança
que se encontra no período da infância pré-escolar. Atividade esta que avance em uma
direção humanizadora, ou seja, contrária às relações alienadas e alienantes tão
presentes na sociedade capitalista e que são, lamentavelmente, reproduzidas também na
escola.
Para tanto, iniciamos com duas assertivas as quais julgamos fundamentais para a
consecução da tarefa proposta, sendo elas: “o homem é um ser de natureza social e
tudo o que tem de humano, provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada
pela humanidade” (LEONTIEV, 2004, p.261); e a brincadeira de papéis sociais é “[...]
uma atividade em que se reconstroem, sem fins utilitários diretos, as relações sociais”
(ELKONIN, 1998, p.19).
Esses dois excertos apresentados, presentes nas elaborações teóricas de Alexis N.
Leontiev e Danill B. Elkonin são fulcrais, ao nosso ver, na busca por uma discussão que
abarque a história do fenômeno investigado em sua concretude, assim como os

28
Utilizaremos nesse texto o termo brincadeira de papéis sociais para designar a atividade dominante no
período da infância, como já foi discutido quando da apresentação da periodização do desenvolvimento
89

intelectual. Ressaltamos tal informação tendo em vista as várias traduções utilizadas por inúmeros autores
quando dos estudos de tal atividade do ponto de vista da Teoria Histórico-cultural.
Página
processos dinâmicos e contraditórios que são necessários serem compreendidos tendo
em vista uma análise coerente de tal atividade.
Como sabemos, o ser humano só se humaniza, isto é, adquire as funções, as
características especificamente humanas, a partir de atividades que realiza sob a égide
das relações sociais, apropriando-se das objetivações culturais materiais e simbólicas
produzidas histórica e coletivamente pela humanidade. Sendo assim, as funções
especificamente humanas não estão dadas geneticamente, mas são adquiridas no âmbito
das relações sociais, ou seja, através de processos educativos.
Na infância pré-escolar, como já dito anteriormente, a brincadeira de papéis
sociais se apresenta como atividade dominante para o processo de humanização infantil
(efetivação das funções especificamente humanas), tendo em vista que é ela a
responsável em proporcionar possibilidades diferenciadas de relacionamento da criança
com o mundo que a cerca, ou seja, torna possível as condições de apropriação das
objetivações materiais e simbólicas pertencentes ao gênero humano.
Nesse movimento histórico e social, a mediação de outros seres humanos, como
nas atividades dominantes anteriores e posteriores, é condição imprescindível para as
apropriações e objetivações29 humano genéricas necessárias que irão efetivar a
superação desse período de desenvolvimento psíquico em direção ao próximo, qual seja,
o período no qual a atividade de estudo assume a dominância. Como afirma Nascimento
(2014, p.71), a brincadeira de papéis sociais, “permite à criança se relacionar e se
apropriar de muitas formas embrionárias das relações sociais, dos modos de ação do
homem no mundo, com os outros e consigo, objetivados nas diferentes esferas das
atividades humanas”.
Assim, é na brincadeira de papéis sociais que surgem e se diferenciam tipos novos
de atividades, por exemplo, a atividade de estudo, dominante no período posterior,
assim como, o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores,

29
De acordo com Elkonin (1998), a base da brincadeira de papéis sociais são as relações que os homens
mantêm entre si. Portanto, as relações homem-homem, reconstruídas pelas crianças na brincadeira, são o
90

motor da apropriação pelas crianças das objetivações culturais materiais e simbólicas, sendo este, então, o
aspecto fundamental de tal atividade.
Página
movimenta-se, toma novas formas e nesse processo todo o sistema psíquico da criança
se reorganiza. Portanto, essa atividade é responsável pelas mudanças mais significativas
no sistema psíquico das crianças em idade pré-escolar, ou seja, na estruturação e
transformação de sua consciência e personalidade (LEONTIEV, 2006b).
Ao observarmos o papel que a brincadeira de papéis sociais apresenta no
processo de desenvolvimento infantil, tendo em vista a unidade dialética entre atividade
e desenvolvimento da consciência, há a necessidade da realização de três discussões que
se colocam como centrais para a compreensão aprofundada desta atividade, quais
sejam: as suas premissas históricas no processo de ontogênese humana; suas nuances
caracterizadas pela necessidade / motivo / conteúdo-forma; e as transformações
psíquicas que ocorrem na criança a partir da realização dessa atividade.

3.1.1. A origem histórica da forma evoluída da brincadeira no processo de ontogenético

Quando tratamos do termo jogo, é possível identificar a existência de


diversificados significados que o conceituam a partir de diferentes referenciais ou épocas
em que o mesmo foi ou é empregado. De acordo com Elkonin (1998, p.12), tendo como
base a discussão de Petróvski,

O conceito de ‘jogo’ apresenta algumas diferenças entre os diversos


povos. Assim, para os antigos gregos, a locução ‘jogo’ significava as ações
próprias das crianças, e expressava o que entre nós se denomina hoje
‘fazer traquinices’. Entre os judeus, a palavra ‘jogo’ correspondia ao
conceito de gracejo e riso. Para os Romanos, ‘ludo’ significava alegria,
regozijo, festa buliçosa. Em sânscrito, ‘kliada’ era brincadeira, alegria.
Entre os germanos, a palavra arcaica ‘spilan’ definia um movimento ligeiro
e suave como o pêndulo que produzia um grande prazer. Posteriormente,
a palavra ‘jogo’ começou a significar em todas essas línguas um grupo
numeroso de ações humanas que não requerem trabalho árduo e
proporcionam alegria e satisfação. Assim, nesse amplo círculo, adequado
aos conceitos modernos, começou a entrar tudo, desde o jogo pueril com
soldadinhos de chumbo até a representação trágica no palco dos teatros,
desde o jogo infantil com bolas de gude até o jogo da Bolsa para ganhar
dinheiro etc.
91
Página
Respaldando-nos, assim, em uma análise quanto a temporalidade histórica em
que os significados desse termo eram ou são aplicados, bem como seus contextos,
podemos observar que este assume conotações específicas e, até mesmo, distintas,
condizentes com as necessidades do povo e da época em que foram ou são empregados.
A partir disso, torna-se condição, como nos mostra Elkonin (1998), a efetivação de uma
análise histórica mais aprofundada acerca da origem de tal termo, para que assim seja
possível designar o que podemos caracterizar como a forma evoluída de atividade lúdica
da criança (brincadeira de papéis sociais), assim como os processos e suas
características fundamentais.
Elkonin (1998, p.17), sob a base de uma leitura materialista histórica e dialética,
começa tal análise lançando hipóteses sobre a gênese histórica do jogo protagonizado30,
tomando como referência a concepção marxista de trabalho vital. Segundo o autor,

Podemos imaginar que um grupo de caçadores regressou de uma caçada


infrutífera (atividade vital). O fracasso foi devido à discordância nas ações
coletivas. Para garantir o êxito, faz-se necessário um ensaio prévio, uma
orientação sobre as condições e a organização da próxima expedição. O
homem ainda não está capacitado para realizar um ensaio mental e
esquemático: os participantes da projetada caçada reconstituem de modo
prático e concreto a situação e a organização da futura expedição. Um
dos caçadores representa o astuto animal e imita-lhe os gestos; os
demais, o processo de organização da caça. Trata-se de uma espécie de
“manobra” em que se reconstroem as missões fundamentais de cada um
dos participantes das ações conjuntas. Esse ensaio geral da próxima
caçada não possui determinadas características da caçada propriamente
dita, sobretudo no aspecto técnico-operativo do processo autêntico.

Por se tratar de um “ensaio da caçada” e não a caçada propriamente dita, tal


atividade realizada pelos caçadores assume características de reconstrução lúdica dos
aspectos centrais presentes na realidade. Assim, por reproduzir algumas situações, ou,
generalizações representativas, esta situação pode ser encarada como uma encenação,

30
Lembrando que devido as diferentes formas encontradas na literatura quanto a aplicação do termo que
designa a forma evoluída da atividade lúdica da criança, optamos em utilizar, na presente tese, o termo
brincadeira de papéis sociais para a atividade que Elkonin (1998) designa como “jogo protagonizado”.
92

Assim sendo, para nós, são sinônimos.


Página
sobretudo por não apresentar os resultados utilitários diretos os quais a caçada
forneceria, qual seja, a carne do animal para matar a fome da tribo (ELKONIN, 1998).
Apresentemos uma segunda situação para corroborar com a premissa levantada,

Os caçadores regressam com a presa. A tribo recebe-os com júbilo e os


caçadores descrevem como transcorreu a caça, reproduzindo seu
andamento e o comportamento de cada caçador. A narração teatralizada
culmina em festança geral. Com uma reconstituição tão singular, os
membros da tribo abstraem-se do mero aspecto técnico-operativo e
traçam um esquema geral das ações, da organização e do sistema de
relações que levaram o empreendimento ao êxito (ELKONIN, 1998, p.17).

Levando em consideração os aspectos psicológicos expressos em ambas as


situações apresentadas, há algo de essencial a ser destacado, qual seja, que do conjunto
geral da atividade de trabalho a ser executada, ocorre a representação (reconstrução
consciente) da mesma em momentos distintos que podem ser considerados como
acontecimentos que, quando antecede, visa a orientação para uma realização bem
sucedida da atividade em si, sendo, portanto, diferente da atividade laboral real e, no
segundo momento, uma representação precedente com o intuito de demonstrar
(encenar) o êxito da atividade. Assim, tanto no primeiro, quanto no segundo caso, esse
momento de separação da atividade de trabalho “converte-se em objeto de reconstrução
e logo se consagra e se transforma num rito mágico. Esses ‘ensaios mágicos’ adquirem
autonomia própria” (ELKONIN, 1998, p.18).
Essas atividades que se distinguem da atividade “original”, ou seja, da atividade
utilitária, ao se separarem, começam a se relacionar com outras situações da vida dos
indivíduos, adquirindo uma evolução lógica própria, dando origem, então, a novas formas
de atividade (ELKONIN, 1998).
Por isso Elkonin (1998) define a forma evoluída da atividade lúdica da criança, ou
seja, a brincadeira de papéis sociais, como uma atividade que não traz resultados
utilitários diretos, mas sim, uma atividade na qual ocorre a reconstrução pelas crianças
das relações sociais. Nesta atividade estão intrínsecas regras presentes no contexto
social que possibilitam à criança um modo diferenciado e fundamental de vivência e
93

superação de desejos próprios ao cotidiano apreendido em sociedade.


Página
Esse fato, portanto, da base para inferirmos a veracidade da análise realizada pelo
autor, tendo em vista a comprovação do pressuposto marxista acerca do trabalho
reconhecido como atividade fundante do processo de evolução histórica do gênero
humano, inclusive acerca da origem do jogo a partir desta atividade (ELKONIN, 1998).
Como afirma Plekhánov (1985, p.342 apud ELKONIN, 1998, p.40) “Em primeiro lugar, a
guerra verdadeira e a necessidade, por ela criada, de boas guerras; e logo depois, os
jogos de guerra para satisfazer essa necessidade”.
Já em um ponto de vista filogenético, o surgimento da brincadeira de papéis
sociais como atividade relegada à infância, está ligada às condições sociais concretas de
vida da criança em sociedade, isto é, ao papel que este indivíduo assume diante do
modo de produção representativo do momento organizacional e estrutural societário em
que a mesma está inserida, sobretudo tendo em vista o processo histórico de
complexificação do trabalho e, consequentemente, das objetivações materiais e
simbólicas, as quais vão sendo revistas, transformadas e complexificadas (ELKONIN,
1998). Assim,

Com a passagem para formas de produção mais elevadas – a agricultura


e a pecuária, com a maior complexidade das formas de pesca e de caça,
tornaram-se desnecessárias a coleta de alimentos naturais e as formas
primitivas de caça e pesca. Com a mudança do caráter da produção na
sociedade, operou-se uma nova divisão do trabalho. “O desenvolvimento
da produção”, escreve Kosven, “manifestado na passagem para a
agricultura de arado, e o início da pecuária, tiveram o importantíssimo
resultado socioeconômico que Engels denominou a primeira grande
divisão social do trabalho, ou seja, a divisão entre agricultores e criadores
de gado, com todas as suas consequências, concretamente, com o
desenvolvimento da indústria doméstica e do intercâmbio regular
(ELKONIN, 1998, p.60).

A partir da transformação e complexificação do modo de produção, bem como das


relações inerentes aos grupos sociais que passam por esses processos de mudança, que
acabam por definir diferenças na divisão social do trabalho e, sobretudo, considerando o
processo de redistribuição e complexificação dos meios e modos de produção, ocorre,
necessariamente uma mudança na participação das crianças nas atividades laborais.
94

Quando as atividades de trabalho ainda eram muito simples, com instrumentos os mais
Página
simples, a criança era inserida na atividade de trabalho (vital) desde muito cedo,
contudo, a partir do desenvolvimento histórico social da humanidade, uma nova
realidade se apresenta e as crianças, por conta de suas condições de desenvolvimento,
vão sendo paulatinamente afastadas das atividades adultas. Desta feita, torna-se
necessário que ela, em um momento histórico intermediário, comece aprendendo a
manipular, o mais cedo possível, esses objetos que vão se tornando mais complexos
tendo em vista a superação de novas necessidades humanas que vão surgindo e se
efetivando a partir do próprio trabalho, objetos estes inacessíveis a ela em seu formato
real e em seu modo real de execução, aparecendo, assim, os primeiros equipamentos
em tamanho e complexidade menores (ELKONIN, 1998).
De acordo com Elkonin (1998), é preciso esclarecer que nas etapas iniciais de
desenvolvimento da humanidade, quando as forças produtivas eram ainda primitivas e
elementares, as ferramentas de trabalho permitiam incluir as crianças nesse processo de
produção próprio dos adultos, sem qualquer preparação prévia, sendo que nesse período
não existiam sequer exercícios para o manejo das ferramentas de trabalho e ainda
menos, o jogo protagonizado, pois, segundo o autor,

As crianças entravam na vida dos mais velhos, aprendiam o manejo das


ferramentas e todas as relações, participando diretamente no trabalho
deles. Em outro grau superior de desenvolvimento, a inclusão das
crianças nas esferas mais importantes da atividade laboral exigia uma
preparação especial sob a forma de aprendizagem do manejo das
ferramentas mais simples. Essa aprendizagem do manejo das ferramentas
começava em idade muito precoce e fazia-se com exemplares reduzidos
(ELKONIN, 1998, p. 79).

Contudo, com a evolução ainda maior das objetivações humanas, decorrentes do


desenvolvimento histórico do modo de produção e complexificação cada vez maior dos
instrumentos de trabalho, dentre outros elementos referentes às novas relações que
vinham sendo engendradas, tornaram ainda mais impraticáveis a utilização pelas
crianças até dessas ferramentas reduzidas, surgindo o objeto social brinquedo, fato que
promove duas mudanças importantíssimas ao processo de aprendizagem da criança,
conforme esclarece Elkonin (1998, p.79-80),
95
Página
[...] primeira – necessidade de desenvolvimento de algumas faculdades
gerais para manipulação dos instrumentos do trabalho como,
desenvolvimento das coordenações visomotoras, movimentos leves e
precisos, destreza e etc. Segundo – A segunda mudança baseia-se no
aparecimento do brinquedo simbólico. As crianças reconstituem com ele
as esferas da vida e da produção a que aspiram.

Assim, a brincadeira de papéis sociais se originou no transcurso histórico do


desenvolvimento da sociedade, tendo em vista a mudança de lugar que a criança ocupa
no bojo do sistema de relações sociais das diferentes estruturas societárias que foram se
modificando, com o consequente processo de comlexificação dos meios e modos de
trabalho. Desta feita, a brincadeira infantil é de natureza social e não instintiva
(ELKONIN, 1998).
Nesse processo histórico de complexificaçao da humanidade e de suas formas de
relações sociais, inicia-se uma nova fase referente à infância, qual seja, a presença da
brincadeira de papéis sociais como atividade que torna possível a superação de
necessidades sociais destes indivíduos, ou seja, superar o desejo de fazer parte do
mundo que a cerca, sendo esta atividade, portanto, a responsável pelas transformações
mais significativas do psiquismo da criança (ELKONIN, 1998).

3.1.2. As principais características e nuances da atividade dominante no período pré-


escolar

Discutido o surgimento da atividade de brincadeira de papéis sociais do ponto de


vista filogenético, entendida como atividade fundamental e responsável pelas mudanças
mais significativas no desenvolvimento psíquico da criança, faz-se necessário
apresentarmos as suas principais características, nuances, origem na ontogenia, sendo
que tal discussão é condição indispensável para a compreensão das intervenções, por
nós realizadas, durante o processo de pesquisa intervenção-formativa.
Como primeiro fator, basilar e representativo da unidade estruturante da
brincadeira de papéis sociais temos, necessariamente, as relações entre os próprios
96

homens, isto é, as relações que os seres humanos estabelecem e mantêm entre si,
Página
considerando a sua vida em sociedade e as atividades realizadas no dia a dia. Sabemos
que as situações sociais objetivas oferecem, portanto, as bases para a atuação
(reconstrução dos papéis sociais) da criança na brincadeira, vez que a ação lúdica
realizada pela criança está pautada na realidade concreta por ela vivenciada em
sociedade.
Considerando a reconstrução pelas crianças, dos papéis sociais e,
simultaneamente, a apropriação do conteúdo dessa atividade de forma lúdica, cuja
origem encontra-se no trabalho social do adulto, podemos afirmar que na relação entre o
papel assumido (atividade portadora de um tema de trabalho) e as ações (que explicitam
os argumentos vivenciados pelas crianças referentes a esse trabalho), encontra-se a
chave para o conteúdo desta importante atividade, conforme nos orienta Elkonin (1998).
Segundo o autor,

Os dados coletados mostram, sobretudo, que com um mesmo tema ou


argumento do jogo, quer dizer, ao ser reconstituída pelas crianças uma
mesma esfera de atividade, o lugar central no jogo infantil é ocupado, de
fato, por diversos aspectos da realidade. A esfera da atividade que se
reflete no jogo é o seu tema ou argumento, e o que dessa esfera se
reflete precisamente no jogo é aquilo que chamamos o seu conteúdo
(ELKONIN,1998, p.295).

Contudo, como qualquer período de desenvolvimento, o mesmo começa a ser


gestado em períodos antecedentes. Leontiev (2006a) nos mostra que tal processo ocorre
a partir da constante expansão da tomada de consciência (desenvolvimento da
consciência a partir das atividades guia) pelas crianças, sobre o mundo dos objetos e
relações humanas à sua volta. O processo inicia-se, assim, na atividade objetal
manipulatória, situação anterior ao jogo de papéis sociais e na qual encontra-se o
gérmen da brincadeira. Tanto os objetos que a crianças tem condições de operar
(objetos mais simples), como aqueles que os adultos operam (objetos mais complexos) e
que a criança ainda não tem condições de operar, fazem parte desse processo. Embora a
criança ainda não tenha condições de atividade teórica abstrata, é justamente no agir
com os objetos, em ações orientadas pelos adultos, que a criança adentrará no processo
97

de construção de representações e desenvolvimento de sua consciência. Deste modo,


Página
Para a criança neste nível de desenvolvimento físico, não há ainda
atividade teórica abstrata, e a consciência das coisas, por conseguinte,
emerge nela, primeiramente, sob forma de ação. Uma criança que
domina o mundo que a cerca é a criança que se esforça para agir neste
mundo (LEONTIEV, 2006a, p. 120).

Assim, como afirma Elkonin (1998, p. 216-217),

A origem do jogo protagonizado possui uma relação genética com a


formação, orientada pelos adultos, das ações com os objetos na primeira
infância. Denominamos ações com os objetos os modos sociais de utilizá-
los que se formaram ao longo da história e agregados a objetos
determinados. Os autores dessas ações são os adultos. Nos objetos não
se indicam diretamente os modos de emprego, os quais não podem
descobrir-se por si sós à criança durante a simples manipulação, sem a
ajuda e direção dos adultos, sem um modelo de ação. O desenvolvimento
das ações com os objetos é o processo de sua aprendizagem, sob a
direção imediata dos adultos. [...] A forma fundamental é a de atuarem
em conjunto crianças e adultos a fim de, paulatinamente, estes
transmitirem àquelas os modos planejados pela sociedade para utilizar os
objetos. Nesse trabalho conjunto, os adultos organizam, em conformidade
com um modelo, as ações da criança e, em seguida, estimulam e
controlam a evolução de sua formação e execução (ELKONIN, 1998, p.
216-217).

Da íntima relação existente entre atividade e a tomada de consciência dos objetos


e do “mundo” adulto, remetemo-nos ao fato de que tal relação se expressa na vida da
criança através da contradição entre a vontade de satisfação de determinados desejos,
considerando a vivência dela com os objetos e relações sociais presentes no mundo
adulto e, contraditoriamente, diante da impossibilidade de satisfazer tais desejos tendo
em vista os limites impostos pela sua situação biológica, psicológica e social de
desenvolvimento (VIGOTSKI, 2008). A criança, por exemplo, observa sua mãe dirigindo
um carro e quer agir como tal, contudo, tendo em vista os limites de seu
desenvolvimento, não pode satisfazer este desejo tal e qual a mãe o faz, ou seja, não
pode pegar o carro de sua mãe e dirigi-lo para satisfazer sua vontade, vontade esta que
fica reprimida no momento em que surge, que, depois, poderá ser suprimida. Como? A
brincadeira surge, então, como possibilidade de superação de tal necessidade que foi
98

criada em uma vivência social.


Página
Como afirma Vigotski (2008, p.25),

[...] na idade pré-escolar, surgem necessidades específicas, impulsos


específicos que são muito importantes para o desenvolvimento da criança
e que conduzem diretamente à brincadeira. Isso ocorre porque, na
criança dessa idade, emerge uma série de tendências irrealizáveis, de
desejos não-realizáveis imediatamente, mas que, ao mesmo tempo, não
se extinguem como desejos; por outro lado, conserva-se, quase por
completo, a tendência para a realização imediata dos desejos. É disso que
surge a brincadeira, que deve ser entendida como uma realização
imaginária e ilusória de desejos irrealizáveis [...]”.

É na brincadeira de papéis sociais, portanto, que se apresenta a possibilidade de


superar a contradição vivida pela criança, pois, na atividade lúdica protagonizada, ela
poderá, através da situação fictícia, dirigir um carro, pilotar um avião, andar a cavalo,
enfim, realizar os mais diferentes desejos que atendam diferentes necessidades; isso por
conta da ampliação e entendimento das vivências que a criança apreende em sua vida
cotidiana, do mundo dos objetos e das relações sociais com os adultos.
Outra importante condição a ser explicitada é que não podemos interpretar a
brincadeira lúdica como uma reprodução exata e linear da atividade adulta; na verdade,
tal atividade deve ser entendida como uma reconstrução sintética do que foi vivido,
apreendido e sentido pela criança quando da construção da necessidade, pois, tal
reconstrução apresenta-se como uma combinação de diferentes impressões e uma nova
representação daquilo que fora vivenciado ou, poderíamos dizer, representa a síntese
das impressões e vivências da criança (VIGOTSKI, 2008).
Vejamos a expressão prática dessa discussão a partir da situação interventivo-
formativa:

Quadro 3 - Episódio 1: A brincadeira de papéis sociais enquanto possibilidade de satisfação de


desejos e necessidades e expressão sintética dos modelos de relação social.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO EPISÓDIO: A brincadeira de papéis sócias expressa, em


seu cerne, a possibilidade de superação de desejos e necessidades sociais das
crianças que são criadas nas relações sociais e vivenciadas por elas com os
adultos, com outras crianças, dentre outros tipos de relações sociais. Essa
superação se dá a partir da reconstrução sintética dos modelos de relação social os
99

quais tem o desejo de realizar, já que tal reconstrução se dá a partir das


Página
impressões que são possíveis à percepção e apreensão da criança que se encontra
em um processo inicial de desenvolvimento de sua consciência, bem como a
impossibilidade real na execução da atividade adulta tal e qual ela se efetiva. A
superação dessas necessidades podem ser vislumbradas a partir de cenários
presentes no processo interventivo-formativo, expressadas a partir da unidade
ação ludo-pedagógica humanizadora. Observemos, assim, momentos nos quais as
crianças expressam os seus desejos e necessidades quanto aos papéis sociais que
querem assumir e reconstroem-nas na brincadeira, de forma sintética, a partir de
ações lúdicas.

CENA: Desejos e necessidades em unidade com os modelos de relação social.

Cenário um (Intervenção um) – Pesquisador: Eu e a Interventora trouxemos


algumas coisas para vocês brincarem. Uma criança levantou no centro da
roda e disse que queria brincar de cavalinho e começou a brincar como
se estivesse montado em um cavalo imaginário. As crianças começaram a
brincar com os brinquedos da caixa pela sala de informática. (a proposta da
atividade era que eles brincassem do que quisessem com os materiais que haviam
dentro de uma caixa de brinquedos que trouxemos). Duas crianças pegam uma
bolinha de tênis e dizem que estão brincando de jogar futebol.
Pesquisador pergunta que jogador eles são, um dos alunos responde que é o
Neymar. Durante um momento eles param de focar na bolinha e
começam a chutar uma bola imaginária, depois começam a chutar as
pernas um do outro. Um outro aluno coloca um óculos escuro e diz que
vai brincar de espião. Dois alunos pegam dois violões em miniatura
começam a fazer de conta que estão tocando e falam que são cantores
sertanejo, ambos estão com chapéus de cowboy. Interventora chega na
roda das meninas e pergunta do que elas estão brincando, elas dizem que é de
salão de beleza – uma menina está em pé e fica pegando materiais
coloridos e começa a enfeitar as outras meninas que estão sentadas, a
princípio, parece que ela é a dona do salão e as outras são clientes. A
interventora começa a brincar com elas e começa a ser enfeitada. Uma criança
pega um chapéu de cowboy e começa a realizar movimentos como se
estivesse montando um boi. Uma menina pega o telefone que levamos e
começa a falar nele como se fosse uma secretária e fica durante um bom
tempo brincando com o telefone. Durante um momento da intervenção o
pesquisador chega até a aluna que está com o telefone e começa a conversar com
ela sobre o que ela estava brincando (secretária). Quando começam a chegar
outras alunas, ai elas dizem que vão brincar de escola. A mesma aluna
que era secretaria começa a organizar as outras três meninas para que
elas se sentassem no chão e depois pega uma cadeira para ficar mais
100

alta que elas, afirmando que será a professora, mas a brincadeira acaba
rapidamente. Depois a mesma menina (secretária e professora), diz que
Página
vai brincar de médico e começa a ajeitar a cadeira para que uma outra
menina (sua paciente) deite e ela possa “atendê-la” e começa colocar a
mão na cabeça da amiga medindo a febre, mas logo a atividade também
acaba. - Duas meninas começam a brincar de casinha cuidando de duas
bonecas como se fossem suas filhas. Dizem que as cadeiras da sala são o
berço das crianças.

Cenário dois (Intervenção dois) - Pesquisador pegou a caixa de brinquedos da


intervenção passada e começou a tirar os brinquedos da caixa e disse que as
crianças poderiam brincar do que quisessem. As crianças pegaram um brinquedo e
começaram a brincar com seus amiguinhos de diversas brincadeiras. Alguns
brincaram de delegacia, outros, futebol com a bola de tênis, outras de
modelo com as bonecas. João fala para Jorge ao pegar o telefone na mão
“vamos brincar de delegacia?” e ele responde que sim, mas não iniciam a
atividade e começam a chutar a bolinha de tênis jogando futebol. Duas meninas
pegam as serpentinas coloridas e dizem que vão brincar de mamãe e
filhinho. Cristina diz que é a mamãe e Ana é a filha. Joaquim está com o
telefone na mão e diz que está falando com a mãe dele. Fernando está com o
chapéu de cowboy e com o violão e diz que está brincando de cowboy e
que o violão é uma chave de fenda e que ele ia arrumar as coisas.
Algumas meninas começaram a brincar de família, mamãe e filhinhas
com as bonecas usando as cadeiras como se fosse o berço. Ana dá um
nome para a boneca que é sua filhinha. Duas detetives chamam a
interventora, que está com a câmera de vídeo, e mostram que acharam
uma formiga morta. Ana e Cristina continuam a brincar de mamãe e filhinha, só
que agora uma boneca é a filha. Interventora pergunta se está tudo bem e Ana
responde “está tudo bem”. Logo após fala “mas teve um tubarão que
mordeu minha filhinha” a interventora pergunta se ela já levou sua filha
ao médico e ela “sim, mas tá demorando”. A interventora então fala para
elas que em outro espaço da sala onde outras meninas estavam
brincando de hospital, que lá tem médico para elas levarem a filhinha.
Cristina chama a Amy que é a médica e diz “ela morreu” (a boneca
filhinha) e Amy sai dizendo que então não tem mais jeito. Ana continua
dizendo que vai deixar a filha no hospital para ela melhorar.

Cenário três (Intervenção cinco): Um grupo de meninas brinca de médico.


Interventor pergunta quem é a médica... Uma aluna responde ser ela e finge
estar fazendo um curativo. Há cerca de sete alunas que estão na atividade e a
médica afirma que todas elas são pacientes. Outro grupo brinca de
bombeiros, junto ao interventor. Ele relembra qual a função do bombeiro e eles
pegam uma corda e fingem ser uma mangueira e estão dentro do carro
101

do bombeiro, começam a fazer o barulho da sirene e saem andando em


fila como se fossem apagar o fogo de algum lugar. Outro grupo de alunos,
Página
meninas e um menino, brincam de cozinheiro, e alimentam uma boneca.

Cenário quatro (Intervenção quinze): Pesquisador: “Vamos brincar de cozinha?”


Crianças com entusiasmo: “simmmm!”. Entramos então na sala de informática na
qual organizamos o espaço como se fosse uma cozinha, com vários objetos para
que eles pudessem reconstruir o que haviam visto na realidade. Interventor:
“Vamos fazer paçoca”. Duas crianças dizem que vão fazer paçoca, também.
Na cozinha tem um fogão em miniatura, copos, talheres, arrumamos a mesa para
que eles pudessem brincar. Eles entram na sala e se espalham pela nossa cozinha
imaginária. Pesquisador: “Quem vai ser cozinheiro ergue a mão?” Todas as
crianças erguem a mão e dizem “euuuu...”. Pesquisador: “Então vamos brincar de
cozinha. Olha aqui o nosso forno (apontando para o fogão de brinquedo.
As crianças, meninos e meninas começam a pegar panelas, pratos,
talheres e fazerem de conta que estão misturando ingredientes para
cozinhar.” Interventor: “que comida vocês vão fazer? Miojo?” Jorge: “Eu
também vou fazer miojo.” Interventor: “Eu quero miojo.” Pesquisador: “Gente,
os bebezinhos estão com fome (apontando para bonecas que havíamos trazido),
ninguém vai dar comida para eles? Mas primeiro precisa fazer comida.” E todas as
crianças brincam na cozinha. Interventor pergunta para alguns meninos o
que eles estão fazendo e, eles mexendo os ingredientes imaginários,
dizem que é miojo. Pesquisador: “quantos cozinheiros!”.
Fonte: Pesquisa de campo (2017)

Fica visível a partir dos cenários apresentados no episódio 1 uma intervinculação


entre aquilo que as crianças expressam em suas ações de fala sobre o que desejam ser e
a reconstrução dessa ação em ação lúdica sintética quando da efetivação da brincadeira,
o que corrobora com a afirmação de que, na brincadeira de papéis sociais há a
possibilidade de superação da contradição entre necessidade e desejo de ser ou realizar
aquilo que a criança vivencia em seu cotidiano, mas que não pode realizar de forma
efetiva, por conta de suas condições de desenvolvimento, sendo que a ação lúdica
possibilita a superação deste, mesmo que de forma abreviada, como foi evidenciado.
A atividade da brincadeira apresenta um aspecto fundamental para analisarmos o
processo de desenvolvimento do psiquismo infantil no que se refere à construção do seu
pensamento, representação e imaginação, a partir da situação fictícia proporcionada na
atividade de brincar de papéis sociais. Esse fato pode ser observado quando, na
102

brincadeira, os objetos utilizados pelas crianças tomam sentidos diferentes de seus


Página
verdadeiros significados, mesmo que, do ponto de vista concreto, a criança já tenha se
apropriado do significado (ela já sabe que uma vassoura serve para varrer, por exemplo.
No entanto, na brincadeira, utiliza-a como um cavalo).
É importante esclarecer que essa ruptura entre sentido e significado do objeto
(quando uma criança se utiliza de uma vassoura como se fosse um cavalo, por exemplo),
demonstra que o objeto está subordinado à ação e não o contrário, ou seja, há uma
situação fictícia presente na ação da criança, tendo em vista que o objeto ganhou um
significado diferente no bojo das ações realizadas durante a atividade lúdica, o que
expressa, assim, o enredo da brincadeira de papéis sociais.
Nesse sentido,

O objeto do brinquedo retém seu significado, isto é, a vara permanece


uma vara para a criança. Suas propriedades são conhecidas da criança, o
modo de seu possível uso e da possível ação a ser executada com ela é
conhecido. É isto que forma o significado da vara. Ocorre, porém, que o
significado não é simplesmente concretizado no processo lúdico. No
brinquedo [na brincadeira], as operações com a vara fazem parte de uma
ação bastante diferente daquela para a qual elas são adequadas. Da
mesma forma, a vara, conservando seu significado para a criança,
adquire para ela, ao mesmo tempo, um sentido muito especial nesta
ação, um sentido que é tão estranho a seu significado, quanto a ação
lúdica da criança o é para as condições objetivas nas quais ela ocorre; a
vara adquire o sentido de um cavalo para a criança. Este é um sentido
lúdico. A ruptura entre o sentido e o significado de um objeto no
brinquedo [na brincadeira] não é dada antecipadamente, como um pré-
requisito da brincadeira, mas surge realmente no próprio processo de
brincar (LEONTIEV, 2006a, p.120).

Essa atividade pode ser interpretada como o gérmen do desenvolvimento da


imaginação enquanto função psicológica superior, portanto, “é um processo psicológico
novo para a criança; representa uma forma especificamente humana de atividade
consciente [...] Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação”
(VIGOTSKI, 1999, p. 106).
A imaginação entendida deste modo, ou seja, como função da consciência que é
engendrada na atividade de brincar, elimina a premissa tão permeada pelo senso comum
103

e por algumas teorias naturalizantes, de que a criança é um ser com um alto grau de
criatividade e desenvolvimento imaginativo, até maior que a do próprio adulto. Na
Página
verdade, como fica evidente, tal função surge na ação, em processo inicial, e não o
contrário, apresentando-se neste início ainda de forma rudimentar, contudo, já superior
à expressão elementar. Consequentemente, essa função psicológica, aliada à outras
funções, vai se complexificando no decorrer da vida objetiva dos indivíduos, atingido um
alto grau de desenvolvimento somente na idade adulta (ELKONIN, 1998).

Quadro 4 - Episódio 2: A mudança dos significados dos objetos como aspecto para a
efetivação da brincadeira em unidade com o desenvolvimento da imaginação infantil.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO EPISÓDIO: Uma das principais condições apontadas por


Elkonin (1998) para que possamos observar se a atividade que está sendo
realizada é, de fato, brincadeira de papéis sociais, está diretamente ligada com a
possibilidade da criança transmutar o significado de determinados objetos, que
possuem seus significados sociais próprios e construídos historicamente, por outros
significados, ligados à necessidade da brincadeira, a ação lúdica a ser realizada,
não ligado à condição utilitária real do próprio objeto. Sendo este um dos fatores
que demonstram o desenvolvimento da função psicólogica da consciência
“imaginação”. Observemos, assim, diferentes cenas que expressam esta
fundamental análise para o nosso objeto de pesquisa.

CENA: Mudança do significado do objeto perante a situação fictícia.

Cenário um (Intervenção um) - Duas meninas começam a brincar de casinha


cuidando de duas bonecas como se fossem suas filhas. Dizem que as cadeiras
da sala são o berço das crianças.

Cenário dois (Intervenção dois) - Fernando está com o chapéu de cowboy e


com o violão e diz que está brincando de cowboy e que o violão é uma
chave de fenda e que ele ia arrumar as coisas. Fernando ainda continua com
o chapéu, um óculos escuro e usa o violão agora como se fosse uma arma. E
finge estar atirando nas pessoas. Interventora pergunta o que ele está
fazendo e ele afirma “matando pessoas”. Interventor está participando da
brincadeira de hospital e a médica começa a fazer exames nele. Primeiro na boca e
depois começa a tocar a barriga dele. A médica pega um pedaço de madeira
fina, palito de churrasquinho e coloca no braço dele como se fosse uma
seringa aplicando remédio, ele representa que está doendo e uma outra
paciente o abraça dizendo que já ia parar de doer.

Cenário três (Intervenção cinco) - Outro grupo brinca de bombeiros, junto ao


104

pesquisador. Ele relembra qual a função do bombeiro e eles pegam uma corda
e fingem ser uma mangueira e estão dentro do carro do bombeiro,
Página
começam a fazer o barulho da sirene e saem andando em fila como se
fossem apagar o fogo de algum lugar. Interventor junta-se as crianças que
estão brincando de médico e propõe fazer exame no Charlie que já estava com um
curativo no braço e explica que antes de colocar o curativo tem que fazer exame,
a médica pega o telefone e finge ser a máquina de exame. Jorge vai até o
hospital, Charlie que é o médico pergunta o que aconteceu, Jorge explica que ele
estava andando e caiu e quebrou a perna. O médico pega o telefone fingindo
ser a máquina de exame e começa a examinar o joelho.

Cenário quatro (Intervenção nove) - No salão de cabelereiro, sob mediação do


pesquisador, organizando os papéis e lembrando-os sobre a função do
cabeleireiro, Gustavo seca o cabelo do João e Joaquim arruma o cabelo e penteia o
cabelo de uma menina, também seguindo a orientação do pesquisador.
Pesquisador pergunta o que eles são. Eles dizem que são cabeleireiros e fazem
barulho com a boca e utilizam materiais substitutos para realizarem os
movimentos. Na nave espacial os Interventores 1 e 2 brincam com mais seis
crianças. Interventor 2: Vamos viajar, vai... coloquem os capacetes... os alunos
pegam cones de plástico e colocam na cabeça como se fossem capacetes.
Todos: 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1. E todos fingem que estão subindo para o
espaço, fazendo o barulho da nave e fazendo caras como se estivessem dentro de
algo viajando muito rápido. Três meninas e um menino mexe nos cabelos do
interventor e pesquisador passando o pente, secando o cabelo, fazendo a barba,
usando materiais simulados. Usam uma caneta como se fosse uma
maquininha de cortar o cabelo.

Cenário cinco (Intervenção quinze) - Pesquisador: “oh, tem gente com fome ainda!
Olha que gostoso... O que os bonitos estão fazendo aí atrás? O que vocês estão
fazendo?” Criança: “apertando o botão que sai macarrão.” Pesquisador:
“apertando botão que sai macarrão?!” “Cadê a máquina que sai macarrão?”
Criança: “aqui!” Pesquisador: “deixa eu ver. Cadê a máquina de fazer macarrão?
Cadê o botão de fazer macarrão?” Criança: “aqui.” Isso tudo embaixo da mesa,
fingindo que ali tinha uma máquina de macarrão.
Cenário seis (Intervenção dezessete) – Charlie e Ana fazem de conta que
estão cozinhando alimentos, pegam ingredientes imaginários e começam
a mexer como se tivesse fazendo comida no restaurante e começam a
decidir o que será cada um dos instrumentos que eles tem... “vamos fazer
macarrão”, diz Ana e Charlie concorda. Interventor 2 continua preso na delegacia.
Jorge o colocou embaixo da mesa como se lá fosse a prisão da delegacia.
Cristina pega uma colher como se fosse uma pazinha e continua
brincando de jardinar, fazendo os movimentos de plantar, jogar água. Joaquim
começa a brincar de cabelereiro junto com as outras meninas... uma menina
105

pega uma caneta e começa a fingir que é uma maquininha de cortar o


cabelo e passa na cabeça da amiga. Pesquisador vai até o cabelereiro e
Página
Fernando e Rômulo pegam uma caneta e fingem ser uma máquina de
cortar o cabelo e começou a passar na cabeça do pesquisador...
Fonte: Pesquisa de Campo (2017)

A modificação do significado do objeto em prol do modelo de relação social é,


portanto, condição para a efetivação da brincadeira de papéis sociais e, ao mesmo
tempo, expressa, de forma analítica, circunstâncias que demonstram a relação entre a
ação lúdica e a função psicológica imaginação como função psicológica superior.
No entanto, esclarece Elkonin (1998), seria errôneo considerar que ela (a
atividade do brincar) permanece a mesma ao longo do processo histórico de evolução de
tal período. Esclarece o autor que a atividade lúdica não apresenta uma linear e imutável
durante o decorrer do período da infância pré-escolar. A brincadeira de papéis sociais,
portanto, vai mudando, de acordo com as condições em que se coloca o plano subjetivo
das crianças. Inicialmente, está vinculada diretamente aos objetos, responsáveis em
orientar as ações da criança, para, no final, descolarem-se dos objetos e estarem
subordinadas aos modelos de relações sociais que orientarão a atividade (ELKONIN,
1998).
Isso quer dizer que, no início de dito período, o que se observa são brincadeiras
nas quais as crianças reconstroem determinados modelos de ação, com vistas ao
domínio dos objetos sociais, imperando a lógica de manipulação desses objetos, em vista
da função dos mesmos no interior do mundo adulto, atividade na qual, paulatinamente
e, em movimento contraditório, vai tornando o objeto subordinado à relações sociais
estabelecidas entre os indivíduos adultos e os sentidos que estas atividades apresentam,
expressando, assim, a síntese das relações reais entre os seres humanos em sociedade
(ELKONIN, 1998).
Mas então, o que são os papéis sociais, tão importantes para a realização e
efetivação da brincadeira infantil? Segundo Duarte (2006, p. 90), os papéis sociais “[...]
são uma síntese de atitudes, procedimentos, valores, conhecimentos e regras de
comportamento”, responsáveis por todo o processo de “[...] mediação entre o indivíduo
106

e as demais pessoas em determinadas circunstâncias sociais”, podendo relacionar-se


Página
com atividades profissionais, familiares, de classe social, gênero, dentre outras,
apresentando assim um caráter distinto, diverso, e que pode ser reproduzido nas
relações sociais.
Aqui se apresenta outro fato fundamental para o entendimento das características
e nuances da atividade lúdica. Este fato se apresenta como ponto central para
adentrarmos à discussão acerca das transformações mais importantes nos traços
psíquicos das crianças que são efetivadas na brincadeira, qual seja, a questão das regras
implícitas aos papéis sociais.
Nesse sentido,

O papel que a criança interpreta e a sua relação com o objeto, caso este
tenha seu significado modificado, sempre decorrem das regras, ou seja, a
situação imaginária, em si mesma, sempre contém regras. Na brincadeira,
a criança é livre. Mas essa liberdade é ilusória (VIGOTSKI, 2008, p.28).

Quadro 5 - Episódio 3: A brincadeira enquanto reconstrução de modelos de relação social nos


quais estão implícitas regras seguidas pelas crianças

CONTEXTUALIZAÇÃO: Como foi discutido por Elkonin (1998), a principal


característica que a brincadeira infantil assume é que nela são reconstruídas, sem
fins utilitários, as relações sociais. Desta forma, tais papéis sociais assumem
determinados modelos que são carregados de regras implícitas para sua realização
que subjazem a reconstrução pelas crianças das ações neles existentes.
Poderíamos apresentar inúmeros momentos durante o processo interventivo
formativo que demonstram essa situação, tanto do ponto de vista da ação
pedagógica para a construção do interesse que leva a brincadeira (tema e
argumentos), quanto durante a realização propriamente dita da atividade
(carregadas das regras dos modelos sociais). Apresentaremos aquelas que
acreditamos apresentarem de forma mais marcante a assunção dos modelos de
relação presentes nos papéis sociais e suas regras implícitas.

CENA: Mediação do professor e assunção pelas crianças das regras implícitas aos
modelos de relação social reconstruídos na brincadeira.

Cenário um (Intervenção quatro) – Pesquisador: “Eu trouxe um monte de


desenho, em vídeo, para vocês assistirem cada um desses empregos que vocês
estão vendo, dessas funções. Mas antes, vou mostrar mais figuras pra vocês”.
Mostra uma figura e as crianças respondem que é o bombeiro.
Pesquisador: “Nossa, vocês estão muito rápidos. E o que o bombeiro
107

faz?” Crianças: “Apaga o fogo”; Pesquisador: “Só isso? Só apaga o fogo?”


Crianças: “Não, ele salva gatos na árvore, cachorros também”.
Página
Pesquisador: “E o que mais?” Criança: “Ele salva pessoas”; Pesquisador:
“Muito bem!! E vocês já viram o carro do bombeiro?” Crianças
respondem que sim. “E o carro do bombeiro? Tem uma escada bem
grande!!” Crianças começam a conversar e dizer que a casa pegou fogo...
Pesquisador escuta e retoma, pergunta as funções do bombeiro e
crianças vão repetindo... que ele salva vidas, cachorros, apaga o fogo...
Pesquisador: “Agora trouxe um vídeo sobre bombeiro, para vocês assistirem.
Vamos prestar atenção.” Crianças assistem o vídeo com atenção e o interventor
vai comentando durante o desenho dando ênfase as várias atuações do
bombeiro. Pesquisador: “O que mais que vocês viram, que além de salvar
bichos e ajudar pessoas, o que mais eles fazem?” Crianças: “Salva as
pessoas que se afogam... na piscina, no mar, no rio, no lago”. Criança:
também quando acontece um acidente. Pesquisador: Isso, muito bem... e
quando acontece um acidente, o que eles fazem? Criança: Ele vai ajudar
a salvar. Pesquisador diz que agora que conheceram o bombeiro, irão ver a
próxima profissão e mostra o desenho. Crianças respondem que é o médico.
Pesquisador: “O que o médico faz?” Crianças: “Cuida das pessoas, dá
remédio, cura as pessoas, da injeção, tira o bebê (Pesquisador
incentivando e questionando)”; Pesquisador: “E o que mais o médico
faz? Além de tudo isso que já falaram?” Crianças: “Examina, cura
crianças”. Pesquisador: “Isso, muito bem... e ele faz exames?” Crianças:
“Faz raio-x”. Crianças: “Isso, tira o sangue...” Pesquisador: “Muito bem!!”
Pesquisador: “E agora vamos ver o vídeo sobre o médico”. Pesquisador mostra o
próximo desenho em folha sulfite; crianças respondem que é o jogador de
futebol... Pesquisador: “Muito bem! E o que o jogador de futebol faz?”
Crianças: “Joga bola; joga bola no campo...” Pesquisador diz que
mostrará outro desenho para finalizarem essa atividade. Mostra o
desenho e crianças respondem que é “mamãe e filhinha” e “papai e
filhinho”. Pesquisador: “E o que o papai e a mamãe fazem?” Crianças:
“Cuida da gente, dá banho, da comida, faz compra, trabalha”.
Pesquisador: “Muito bem! E quem trabalha, papai ou mamãe?” Crianças:
A maioria responde que os dois trabalham. E o Pesquisador enfatiza que
os dois trabalham. Pesquisador: “E o papai e a mamãe também cuidam
dos filhos né? Mas, mais alguém pode cuidar?” Crianças respondem que
sim e citam: “titia, vovó, vovô, madrinha”. Pesquisador afirma
novamente a função dos pais... e crianças vão citando: “lavam louça,
lavam roupa”.

Cenário dois (Intervenção cinco) – Pesquisador: “Agora, vocês viram que tem
muitas coisas no chão? Colocamos um monte de brinquedo né? Mas, antes de
deixar vocês brincarem...” Relembra os vídeos assistidos na intervenção anterior,
108

bombeiro, médico, marta e neymar, mamãe e papai... Pesquisador mostra um


desenho e crianças respondem que é um cozinheiro. Pesquisador: “O que
Página
o cozinheiro faz?” Crianças: “Comida”. Pesquisador: “E para fazer comida
ela usa o que?” Crianças: “Ingredientes, panela, colher.” “Faz comida
para matar o que na gente?” Crianças: “Matar a nossa fome”. Pesquisador:
“E o último vídeo, para depois a gente brincar”. Mostra o desenho e crianças
respondem que é o policial. Pesquisador: “Muito bem, e o que o policial faz?”
Crianças: “Prende bandido, usa arma”. Pesquisador: “E o que ele faz com
a arma?” Crianças: “atira, mata”; Pesquisador: “Mas, além de prender e
atirar o que ele faz?” Crianças não respondem. Pesquisador: “Ele
também ajuda a gente né? Ajuda a proteger”. Jorge: “Ele ajuda pessoas
que são roubadas”. Criança: “Ele para o carro”. Pesquisador: “Então, os
policias também protegem a gente, né?!” Uma criança grita: “Eu sou um
policial”. Vamos assistir ao vídeo do policial, então.

Cenário três (Intervenção cinco) - Interventor pergunta quem é a médica...


uma aluna responde ser ela e finge estar fazendo um curativo. Sempre é a
mesma aluna que assume o papel de médica. Há cerca de sete alunas que
estão na atividade e a médica afirma que todas elas são pacientes.
Somente meninos brincam de futebol. Eles fazem movimentos de fazer falta,
chutar a bola (mesmo sem bola), se auto denominam diferentes
jogadores, a maioria Neymar. Outro grupo brinca de bombeiros, junto com o
interventor. Ele relembra qual a função do bombeiro e eles pegam uma
corda e fingem ser uma mangueira e estão dentro do carro do bombeiro,
começam a fazer o barulho da sirene e saem andando em fila como se
fossem apagar o fogo de algum lugar. Outro grupo de alunos, meninas e
um menino, brincam de cozinheiro, e alimentam uma boneca.
Interventor se junta ao grupo de crianças que estão brincando de
médico. Organiza, dizendo que algumas serão médicas e outras
pacientes. E as médicas começam a atender os pacientes. Depois
invertem na organização dos papéis. Gustavo é médico e examina a
colega e começam a brincadeira, fazem curativos, fazem exames.
Pesquisador junta-se a duas meninas que estão brincando de policial.
Uma está com o chapéu de cowboy e outra com um óculos escuros. Ele
pergunta se elas irão prender, elas respondem que sim... Pesquisador
foge, e elas correm e conseguem prender. Levam para prisão... Ele
pergunta o que farão, e um menino diz que vai trancar com uma chave
que não dá pra abrir. Interventor pergunta para crianças que estão
brincando de cozinheiro e elas dizem estar cozinhando para quem está
doente, fingindo estarem cozinhando em panelas e utilizando os
talheres. Interventor junta-se as crianças que estão brincando de médico
e propõe fazer exame no Charlie que já estava com um curativo no braço
e explica que antes de colocar o curativo tem que fazer exame, a médica
109

pega o telefone e finge ser a máquina de exame. E faz curativo no braço,


depois diz que precisa ficar em repouso e ir buscar comida com o
Página
cozinheiro para ficar forte de novo. João também diz que sofreu uma
falta no futebol e é atendido por outra médica, como o interventor havia
feito. Jorge vai até o hospital, Charlie que agora é o médico pergunta o
que aconteceu, Charlie explica que ele estava andando e caiu e quebrou
a perna. O médico pega o telefone fingindo ser a máquina de exame e
começa a examinar o joelho.

Cenário quatro (Intervenção nove) - Três meninas e um menino mexe nos


cabelos do interventor e pesquisador passando o pente, secando o
cabelo, fazendo a barba, usando materiais simulados. “Óh, quem falou que
eu tinha que ir no cabelereiro? Quem vai arrumar meu cabelo? Você é
cabelereira?” Criança ao fundo: “Sou!!” Pesquisador: “aaah, que legal! Então vai.
Olha o secador aqui. Que gostoso mexendo no meu cabelo...” Interventor 1:
“estou gostando, podem continuar!” Pesquisador: “vocês estão deixando bonito?”
Criança: “tá!!” Interventor 1: “não quero ficar careca não, hein!” Cristian
(cabeleireiro): “tá careca!” Interventor 1: “careca não”. Pesquisador: “você tá
secando o meu cabelo?” Cristian: “já ficou careca!” Criança: “já secou...”
Pesquisador: “você também é cabelereiro?” Interventor 1: “cadê o meu cabelo??”
Pesquisador: “hein, você é cabelereiro também?” Criança: “olha seu cabelo”.
Pesquisador: “vocês estão fazendo o que agora? Já acabou?” Crianças: “já!”
Criança: “Cristina, sai!” Pesquisador: “senta aqui no salão de espera, você fica para
próxima, senta aqui”. João: “shampoo, shampoo!” Pesquisador: “aqui é cadeira de
espera, senta aqui, espera”. João: “shampoo!” Pesquisador: “o João também é
cabelereiro!”

Cenário cinco (Intervenção quatorze) – Pesquisador: “Esse lugar que a gente


vai é muito especial porque é lá que a gente faz nossa comida. Onde que
é?” Miguel: “Na cozinha!” Pesquisador: “Ele descobriu aonde é. Mas pra
gente conhecer a cozinha... O que a gente faz na cozinha?” Crianças:
“Come”. Pesquisador: “Come na cozinha? Mas o que é mais importante
fazer na cozinha?” Crianças: “Fazer comida”. Pesquisador: “E quem faz a
comida na cozinha?” Crianças: “Cozinheiro; A mamãe; O papai, a titia, o
titio. A vovó”. Pesquisador: “Isso!!” “Vocês lembram da nossa fila mais bonita do
mundo?” Pesquisador (ao chegar na cozinha): “Como que é o nome disso
aqui?” Crianças: “Cozinha!” Pesquisador: “E quem fez comida na
cozinha?” Crianças: “Cozinheiro”. Pesquisador: “Vocês querem
conhecer?” Crianças: “Sim!” E as crianças entram em fila na cozinha da
escola. Pesquisador: “O que é isso daqui?” Crianças: “Fogão!”
Pesquisador: “E isso daqui?” Crianças: “Panela!” Pesquisador: “Panela! É
onde faz a comida... O feijão. O que é isso daqui?” Crianças: “Caneca.”
“Caneca para?” Crianças: “Beber suco”. Pesquisador: “Olha que cozinha
110

grande, olha que fogãozão grande! Olha aqui que panelão grande.”
Pesquisador: “Quem são essas pessoas lindas aqui? São as?” Crianças:
Página
“Cozinheiras”. Pesquisador: “Elas querem um abraço de vocês também (e
as crianças abraçam as duas cozinheiras da escola com muita alegria.
Elas são importantes para nós porque, o que elas fazem para a gente?”
Crianças: “Comida!” Pesquisador: “Comida, para matar a nossa?”
Crianças: “Fome!” Pesquisador: “Gente, essa cozinha é grandona?”...
Cenário seis (Intervenção quinze) - Pesquisador: “Cristina, o que você tá
fazendo? Você tá cozinhando? Você é cozinheira?” Cristina: “sim”.
Pesquisador: “o que você tá fazendo, comidinha?” Cristina: “comidinha”
Pesquisador: “você é o cliente, Jorge?” Jorge: “eu quero comida”.
Pesquisador: “olha, o Jorge falou que é o cliente, quem mais é cliente
que quer comida?” Criança: “eu”. Pesquisador: “então vamos sentar para
esperar a comida! Quem é o cliente, vai. Quem é o cliente senta para
esperar a comida. Vem Sophia, vem para cá. Quer puxar a cadeirinha?
Vem!” Pesquisador: “quem é o cliente? Vem Jorge... você pediu para o
João a comida?” Jorge: “aham!” Pesquisador: “então senta lá para
esperar que eu vou levar, senta lá para esperar. Eles são os clientes, eles
estão esperando a comida. Gente, oh, eles são os clientes do restaurante.
Eles querem comida, quem vai levar a comida para eles?” Jorge: “eu
quero pizza.” Pesquisador: “o Jorge quer pizza agora. Quem vai fazer
pizza para ele? Cadê o Fernando que é o pizzaiolo? O Fernando, o Jorge
quer uma pizza. Faz uma pizza pra ele, você é pizzaiolo. Leva lá pra ele,
pra ele comer.” João: “eu fiz macarrão com sopa.” Pesquisador: “vê se
ele quer macarrão com sopa. Gente, quem quer macarrão com sopa?”
Três crianças: “eu!” Pesquisador: “ele fez oh, o João fez. Vai Fernando,
vai levar a pizza para o Jorge. Fernando, assa uma pizza. O Jorge, oh sua
pizza. O Fernando fez, ele é pizzaiolo, né? Você é pizzaiolo, Fernando?”
Fernando: “sim”. Pesquisador: “ah, que legal! Oh, os clientes estão com
fome ainda, tem que acelerar essa comida!” Criança: “acabou tudo!”
Pesquisador: “vocês já deram comida para os bebezinhos?” Criança: “já!”
Pesquisador: “tá fazendo eles dormirem agora? E essa comida, sai ou
não sai Gustavo?” Fernando: “falta o prato!” Pesquisador: “falta o
prato?! Pega o prato para levar. O que os bonitos estão fazendo aí atrás?
O que vocês estão fazendo?” Criança: “apertando o botão que sai
macarrão”. Pesquisador: “apertando botão que sai macarrão?! Cadê a
máquina que sai macarrão?” Criança: “aqui!” Pesquisador: “deixa eu
ver... cadê a máquina de fazer macarrão? Cadê o botão de fazer
macarrão?” Criança: “aqui. Isso tudo embaixo da mesa”, fingindo que ali
tinha uma máquina de macarrão. Pesquisador: “e da onde sai o
macarrão?” Criança: “daqui, desse buraco”. Pesquisador: “ah... então
vocês têm que entregar o macarrão para a cozinheira. Que legal! Entrega
o macarrão pra ela!” Criança: “gente, vamos acelerar a cozinha porque
111

os clientes já estão gritando”. Pesquisador: “o que foi?” Criança: “eles


estão gritando porque eles estão com fome”. Pesquisador: “eles estão
Página
com fome? Gente, os clientes estão com fome, vamos acelerar essa
cozinha”. Criança: “eles estão pedindo mais macarrão!” Pesquisador:
“mais macarrão gente, eles estão com fome! Vai Cristina! Os clientes
estão com fome! Olha, vocês estão usando o forno... brigadeiro de forno?
Como que você faz, Gustavo?” Gustavo: “assim ó!” E começa a fingir que
está misturando ingredientes em cima da mesa e colocando para fazer
na panela.
Fonte: Pesquisa de Campo (2017)

Como ficou evidente, dois momentos se mostram fundamentais em relação a


reconstrução pelas crianças do modelo social quanto sua forma e conteúdo, quais sejam,
a ação ludo-pedagógica humanizadora quando da construção dos interesses para a
realização da brincadeira, ou seja, no momento em que são trabalhados o tema e os
argumentos acerca dos papéis sociais a serem representados de forma lúdica pelas
crianças, bem como as regras implícitas aos papéis durante a efetivação da brincadeira
propriamente dita.
Sendo assim, quando a criança brinca, reconstruindo diferentes situações, ela está
sob o domínio de regras implícitas aos aos modelos de relação social representados, ou
seja, suas ações estão subordinadas as regras existentes nos papéis sociais presentes no
seu cotidiano, sendo esse fator primordial para a análise do desenvolvimento dos traços
psicológicos da criança (ELKONIN, 1998).
A partir dos episódios apresentados até aqui, em consonância com o nosso objeto
de pesquisa, algumas análises podem ser engendradas as quais contribuirão quando da
discussão acerca das possibilidades efetivas de ensino da brincadeira em unidade com o
desenvolvimento da consciência infantil em uma direção humanizadora, menos alienada.
Uma primeira análise a ser realizada é que a partir dos dados levantados nos
momentos interventivos, hegemonicamente, estiverem presentes aspectos estruturais e
de conteúdo que possibilitam a afirmação de que, nas crianças do pré-2 em que foram
efetivadas as intervenções, a atividade dominante era, de fato, a brincadeira de papéis
sociais, situada em um período de evolução no qual os objetos estavam subordinados
112

aos papéis reconstruídos pelas crianças, ou seja, elas se encontravam em uma situação
social de desenvolvimento na qual realizavam tal atividade em sua forma mais evoluída,
Página
com predominância dos modelos de relações sociais carregadas de detalhes, como nos
mostra Elkonin (1998). Contudo, há que ser observado que o processo interventivo
também colaborou efetivamente com essa transformação qualitativa da atividade, fato
que poderá ser vislumbrado mais adiante.
Evidenciamos, também, momentos nos quais as crianças, durante o processo
interventivo, atribuíam significados diferentes aos objetos e brinquedos que
disponibilizávamos a elas, fator primordial para análise do processo de desenvolvimento
da consciência infantil, tendo em vista a relação entre substituição dos significados dos
objetos e desenvolvimento da função psicológica imaginação, expressa na situação
fictícia (ELKONIN, 1998; MARTINS, 2006).
Por fim, as regras inerentes aos papéis sociais ditavam os modelos de relações
que eram reconstruídos pelas crianças durante as intervenções. Tais regras puderam ser
apresentadas e complexificadas durante o processo interventivo, seja nos momentos de
construção dos interesses e motivos (tema e conteúdo) das brincadeiras, seja durante a
realização da atividade propriamente dita. Essas regras eram o tempo todo avaliadas
pelos próprios alunos em relação aos papéis que assumiam dentro da atividade, fator
que pôde ser vislumbrado pelo pesquisador a partir da análise das ações ludo-
pedagógicas, além de observarmos, também, a avaliação do outro, do colega
personagem na atividade, assim como do pesquisador e interventores, sobre a forma
coerente de realização de tais modelos, sem causar comprometimento das características
fundamentais que caracterizam a brincadeira de papéis sociais; fator fundamental para a
análise do desenvolvimento da consciência infantil no que tange o autocontrole de sua
conduta e para uma primeira apreciação acerca das possibilidades interventivas no
interior desta atividade.
Em síntese, o que fica evidente é o quanto a brincadeira de papéis sociais se
apresenta como uma cadeia de complexos processos e relações que deve ser
compreendida e desvelada, tendo em vista a sua imprescindibilidade para o
desenvolvimento das crianças, sobretudo àquelas que encontram-se vivenciando o
113

período de desenvolvimento pré-escolar. Não podemos deixar de destacar, portanto, a


Página
importância da mediação do adulto nesse processo e, na escola, do professor, pois são
esses sujeitos que possibilitam as apropriações e objetivações que a criança realizará no
decorrer da brincadeira, sendo que nesta mediação a criança integrará física, cognitiva e
emocionalmente as regras sociais (MARTINS, 2006).

3.1.3. As influências da brincadeira no processo de constituição do psiquismo infantil no


período pré-escolar

Na brincadeira a criança reconstrói as relações sociais e as atividades realizadas


pelos adultos, efetivando determinantes transformações qualitativas em sua
personalidade; ela brinca não só por ser divertido, embora também o seja, mas também
para atender a necessidade de sentir-se participante do mundo que começa a tomar
consciência (MARTINS, 2006).
No plano do desenvolvimento da consciência, afirma Martins (2006, p.42),

A brincadeira de papéis inscreve-se dentre as atividades que possibilitam


à criança superar o nível de consciência limitado ao imediatamente
presente, isto é, permite-lhe a atividade abstrata (teórica). Com isso, o
alvo de suas ações vai deixando de ser o conteúdo do ato específico,
deslocando-se para o processo que articula várias ações a vários objetos,
presentes ou simbolizados. Consequentemente, a amplitude e
complexidade do mundo humano são percebidas pela criança,
desafiando-a para seu domínio e culminando numa total reestruturação
de sua consciência.

Em conformidade com o que expusemos até o momento sobre a atividade vital e


o processo de humanização (desenvolvimento da consciência), fica evidente que na
brincadeira radica a reestruturação qualitativa da consciência que a criança terá do
mundo e de si mesma, inferindo, também, na transformação de sua personalidade,
quando esta se encontra em situação social de desenvolvimento correspondente ao
período referente a idade pré-escolar (MARTINS, 2006).
Na dinâmica de tal reestruturação do sistema interfuncional humano, uma
114

importante função psicológica desponta, qual seja, a imaginação, que se constitui e se


desenvolve no processo de apropriação dos significados sociais dos objetos e é
Página
influenciada e influencia diretamente na construção e efetivação da atividade guia
correspondente à brincadeira de papéis sociais (MARTINS, 2006).
A brincadeira surge, então, da ampliação das ações concretas que as crianças
realizam com os objetos sociais, em direção à compreensão desta acerca da atividade
dos adultos com tais objetos, saindo dos limites concernentes não se constitui a partir de
objetos irreais e fantásticos, embora no processo ficcional engendrado pela atividade de
brincar, a criança reconfigure, reconstrua fantasiosamente a realidade, sendo essa uma
condição para a realização da brincadeira. O que ocorre, de fato, é que as crianças
realizam ações e operações, a partir de imagens reais de objetos reais e sociais,
reconfigurando-os no plano dos seus pensamentos e imaginação (MARTINS, 2006).
Podemos afirmar, portanto, que não se encontra na imaginação o gérmen da
brincadeira, mas sim, nas ações reais com os objetos, sendo que a imaginação é
possibilitada nesse processo, evidenciando um movimento dialético entre ação e
imaginação. É na estrutura da atividade lúdica que se estrutura a situação fictícia e
imaginária, possibilitando a mudança de significado de objetos e o ato de assumir o
papel social e reproduzir ludicamente os comportamentos de outras pessoas. Como
afirma Rossler (2006, p.58) “a imaginação, a fantasia, tornam-se necessárias e se
originam mediante as condições das ações que a criança executa durante a brincadeira”.
Além disso, Elkonin (1998) destaca quatro características que configuram esse
processo de constituição, quais sejam: o jogo e a evolução da esfera das motivações e
necessidades; o jogo e a superação do “egocentrismo cognitivo”; o jogo e a evolução
dos atos mentais; o jogo e a evolução da conduta arbitrada.
Quando tratamos da atividade lúdica como atividade que produz mudanças
significativas na esfera das motivações e necessidades da criança, o que se destaca é
que, em tal atividade opera uma organização e controle primário, já numa forma
superior (especificamente humana) e representativa da esfera afetivo-emocional da
criança, tendo em vista os desejos suscitados dos significados presentes nas atividades
humanas (ELKONIN, 1998).
115
Página
Sendo assim, a brincadeira proporciona a percepção pela criança do lugar limitado
que ela ocupa nas relações sociais do mundo o adulto, fazendo com que ela sinta
(deseje) necessidade de agir como adulto, sendo dominada emocionalmente por tal
desejo, o qual será satisfeito na atividade de brincar. Nesse contexto, como afirma
Elkonin (1998, p.406) “se dá a transição das razões com forma de desejos imediatos
impregnados de emotividade pré-consciente, para as razões com forma de desígnios
sintéticos próximos da consciência”.
Já, em relação à brincadeira e a superação do individualismo cognitivo ou do
“egocentrismo cognitivo”, Elkonin (1998) destaca duas características centrais que
efetivam uma evolução no processo de desenvolvimento do psiquismo da criança. O
primeiro é que ao assumir papéis de adulto, ou seja, ao deixar de lado a si própria e “se
tornar outra pessoa”, a criança muda radicalmente sua posição em face ao mundo
circundante, o que lhe causa um “descentramento”, superando limites individuais que se
colocavam até então.
Questão importante a salientar é que, na brincadeira, a criança não brinca sozinha
pois, quando nela se apresentam diferentes papéis, por conta do tema desenvolvido, há
a necessidade de a criança operar em consonância com outras crianças, ou seja, ela
necessita se submeter às regras implícitas aos papéis assumidos por ela e pelos outros
participantes da atividade de brincar. Assim, ela supera os limites de sua individualidade
e alcança um novo patamar no desenvolvimento de seu aparato psíquico, qual seja, da
consciência coletiva (ELKONIN, 1998).
Do ponto de vista da brincadeira e a evolução dos atos mentais, o que fica
evidente é que a utilização, pela criança, de objetos substitutivos e as ações (regras
presentes no papel social), vão se tornando cada vez mais complexas no decorrer do
desenvolvimento da atividade lúdica. Como afirma Elkonin (1998, p.415), em relação às
ações lúdicas e seu caráter intermediário, “se no início do desenvolvimento das ações
lúdicas se requer um objeto substitutivo e uma ação relativamente desenvolvida com
ele”, no decorrer do processo, as ações lúdicas, “vão adquirindo paulatinamente o
116

caráter de atos mentais com significação de objetos que se realizam no plano da fala em
Página
voz alta e ainda se apoiam em ações externas, que, não obstante, já adquiriram um
caráter de gesto-indicação sintético”. Este fator representa, como podemos deduzir, a
indicação do desenvolvimento do pensamento como organizador da atividade, levando a
criança à uma situação na qual, sua “consciência”, deixa de estar limitada somente pela
ação, desenvolvendo assim, as primeiras formas de abstração.
Por último, quando tratamos da evolução da conduta arbitrada, estamos nos
referindo, ainda respaldados em Elkonin (1998), à relação que a brincadeira apresenta
com as diferentes regras de comportamento implícitas ao papel social que ela reconstrói.
Nesse sentido, a criança ao assumir o papel de um adulto, dentro da atividade, buscará
agir de uma forma coerente com as regras que estruturam tal papel, ocorrendo também,
necessariamente, uma necessidade de avaliar, o tempo todo, se suas ações estão
condizentes com tal conteúdo. Este fato representa uma condição essencial para a
criança, tendo em vista a tomada de consciência das regras implícitas ao papel social e a
possibilidade de controle de sua própria conduta, isso diante da necessidade de auto
avaliação contínua de sua função no decorrer da atividade.
Essa tomada de consciência das regras sociais e o paulatino controle de sua
conduta, expressa, também, de forma implícita, uma condição para a estruturação dos
valores morais da criança durante a brincadeira, pois este processo representa uma
constante elaboração e reelaboração das regras contidas nos papéis sociais e respectiva
avaliação da própria conduta pela criança. Esta reprodução das regras implícitas aos
papéis sociais, requer unidade entre aspectos cognitivos, significados sociais e aspectos
afetivo-motivacionais, situação que envolve os sentidos pessoais, estando, portanto,
ligados, necessariamente, à conteúdos morais, fato que possibilita o desenvolvimento de
valores que consolidam os traços de personalidade da criança (MARTINS, 2006).
Além dessas importantes contribuições oferecidas por Elkonin (1998) acerca da
brincadeira e o desenvolvimento psicológico das crianças, também Martins (2006)
apresenta discussão importante a ser considerada no processo de constituição da
consciência e personalidade da criança e relacionados à atividade de brincar. Podemos
117

afirmar, portanto, a necessidade de pesquisas voltadas ao processo de desenvolvimento


Página
das capacidades e traços de caráter e personalidade das crianças por meio da
brincadeira e, nesse sentido, a necessidade de pesquisas relacionadas ao trabalho
educativo do professor por meio dessa atividade na escola.
Os argumentos e conteúdos utilizados pela criança para efetivação da brincadeira
exigirá dela uma série de habilidades, tais como: eleição do que é mais importante na
realidades que a rodeia, utilização de diferentes formas de comunicação, interpretação
de semelhanças e diferenças, elaboração sobre as causas e consequências de seus atos,
reorganização de suas ações, etc. Nesta miríade, a criança estará em ação a partir de
uma gama enorme de traços de caráter humanos, dentre eles, “o coletivismo, a
autenticidade, o humanismo, o individualismo, a iniciativa pessoal, a negligência, [...]
autocrítica, auto-estima, prepotência, segurança / insegurança pessoal, expansividades,
timidez, etc”. Desta feita, torna-se necessário compreender que a brincadeira influi
decisivamente na evolução dos traços de caráter e personalidade das crianças, pois a
brincadeira conduz a criança às formas cada vez mais elaboradas de estabelecer relações
consigo mesma, com os outros e com a realidade que a rodeia (MARTINS, 2006, p.46).
Para Elkonin (1987, p.84) torna-se importante a prática da educação pré-escolar,
assim como investigações experimentais especiais sobre a realidade da criança nesse
nível de escolaridade pois,

A importância da brincadeira de papéis sociais não se reduz na


exercitação de processos psíquicos isolados. Sua significação para o
desenvolvimento da criança em idade pré-escolar está determinada
porque afeta os aspectos mais importantes do desenvolvimento psíquico
da personalidade do pequeno e em conjunto, o desenvolvimento de sua
consciência (ELKONIN, 1987, p.84).

Enfim, como demonstramos durante a apresentação dos dados e sua análise,


pesquisar a brincadeira e sua natureza lúdica, sua importância no processo de
desenvolvimento da criança, implica na explicação do fenômeno a partir da unidade ação
ludo-pedagógica humanizadora, desde a construção de sua imaginação, consciência e
personalidade, bem como das possibilidades de atuação do professor para a efetivação
118

desse processo. Torna-se crucial esta análise, pois a atividade de brincar, por ser vital e
Página
mover a criança numa direção humano-genérica, precisa ser compreendida e explorada
em suas características educativas humanizadoras.

3.1.4 A unidade entre brincadeira e o desenvolvimento da consciência tendo em vista as


relações sociais na atualidade

Afirmamos que os seres humanos se humanizam vivendo em sociedade, se


apropriando das objetivações historicamente produzidas pela humanidade,
proporcionadas pelas relações sociais. Esse processo efetiva-se sob a orientação de
indivíduos que já estão apropriados destas objetivações, a partir de determinadas
atividades que são responsáveis pela comunicação dos seres humanos com o mundo,
sendo essas atividades essenciais e orientadoras do processo de desenvolvimento da
criança, dentre elas, destacamos a atividade de brincar de papéis sociais.
Desta feita, ao brincar, a criança aprende a ser e a agir no mundo, interagindo
com os objetos e com as pessoas, pois é a partir das ações objetivas e realizadas na
atividade de brincar que a criança estruturará e ampliará seus processos psíquicos
internos, fato que possibilitará mudanças qualitativas na formação de sua consciência e
personalidade. Ocorre, porém, que não podemos deixar de levar em consideração um
fator primordial para a efetivação e qualificação dessa vivência, qual seja a mediação do
adulto, sujeito responsável pela organização das apropriações e objetivações necessárias
à humanização das crianças em direção a sua emancipação, conforme nos orienta
Martins (2006).
Este fato coloca no cerne da discussão uma questão primordial: quais são as
formas de relações sociais que são reconstruídas pelas crianças durante a brincadeira
espontânea, quando fazemos uma análise da sociedade atual e seu modo de produção e
reprodução da vida? Ou seja, vivemos em uma sociedade pautada pelas relações de
exploração do homem pelo homem, que leva os indivíduos a um processo alienado e
119

alienante de suas consciências por conta das atividades e relações alienadas


mantenedoras do processo metabólico capitalista.
Página
Assim, faz-se necessário analisar as condições e atividades alienadas e alienantes
presentes na sociedade capitalista, para entendermos as possíveis conexões entre tal
processo e o desenvolvimento da consciência da criança, sobretudo quando as mesmas
estão realizando brincadeiras espontâneas de reprodução de papéis sociais na escola,
para se colocar em seu lugar, a atividade educativa de brincar, devidamente planejada,
organizada e dirigida pelo professor, no sentido de se criar condições humanizadoras
para as crianças e não a mera reprodução de atividades e relações sociais alienadas e
alienantes, como normalmente acontece durante a realização de brincadeiras
espontâneas e sem a orientação do professor na escola.
Salientamos que a brincadeira na escola deve fazer parte do processo educativo
intencional das crianças, sendo o professor o responsável pelo planejamento,
organização e execução dessa atividade com seus estudantes, isso desde a pré-escola
até as séries iniciais do Ensino Fundamental, sobretudo porque é a atividade de brincar
que possibilita condições favorecedoras para a aprendizagem e desenvolvimento até que
as mesmas adentrem na esfera da atividade de estudo.
Desta forma, temos evidenciado que a brincadeira tornar-se-á atividade de brincar
educativa e humanizadora, porque pensada e planejada intencionalmente pelo professor
e voltada à crítica das relações sociais alienadas e alienantes presentes na sociedade
capitalista e dirigidas para o processo de emancipação humana na escola.

3.2 Unidade entre alienação social capitalista e o processo de


desenvolvimento da consciência dos indivíduos: tendências alienadas no
processo de desenvolvimento do psiquismo individual

Se o que importa é o lucro, para isso, a fome deve ser mantida apesar de
se poderem produzir alimentos para todos; a ignorância deve ser
mantida, apesar de se poder erradicá-la; muitos devem ficar sem casa e
sem assistência médica apesar de existirem os meios para abolir esses
sofrimentos; para acumular o capital, é necessário levar a humanidade à
beira de uma catástrofe nuclear, ou, ainda, destruir a natureza e romper
o equilíbrio ecológico, tudo isso é feito em nome do capital e em
120

detrimento das necessidades humanas (LESSA; TONET, 2004, p.60).


Página
Tudo é feito em nome do capital e em detrimento as necessidades humanas, eis a
realidade a qual nós, na atualidade, vivenciamos diuturnamente. Uma realidade que forja
indivíduos alienados dos valores humano-genéricos, mas inseridos no mercado dos
valores monetário, uma realidade que valoriza o mundo das coisas em detrimento do
mundo humano como salientou Marx (2004).
Torna-se evidente a esquizofrenia social que cerca as nossas vidas no sistema
capitalista, realidade que nos coloca uns contra os outros, levando a violência, ao
preconceito, ao consumo exacerbado, ao individualismo e egoísmo, a competição sem
limites, dentre outras tendências que subjazem a constituição do nosso ser e que nos
aliena uns dos outros e da própria humanidade que foi construída nas relações sociais,
sendo que isso nos é imposto desde a mais tenra idade.
As condições dinâmicas e estruturais impostas pelo modo de produção capitalista,
para que o mesmo mantenha-se em constante processo metabólico de transformação e
progresso, perduram e se potencializam, cada vez com maior profundidade, sendo que o
modo de produção e as relações sociais capitalistas influem de forma incisiva, na
formação da consciência e personalidade humana de forma quase que inescapável,
sobretudo junto aos indivíduos submetidos e sob jugo do mercado de trabalho neoliberal
e distantes de uma educação de natureza crítica.
Mas, como a realidade é movimento, é contradição, ao mesmo tempo em que se
acirram as condições que nos levam a tendências alienadas e alienantes as mais
perversas, são, também, criadas condições de enfrentamento e combate dessa situação,
pressupondo, possibilidades de humanização do ser humano a partir de tendências
emancipadoras, pautadas em relações sociais valorativas do ponto de vista humano-
genérico, como respeito, equidade, igualdade, amizade, reconhecimento do coletivo
como fator essencial de ação e transformação humana e social; enfim, vivenciamos uma
luta de contrários, que só pode ser vencida coletivamente e por indivíduos conscientes
de sua condição humana, social e de classe, desde que sejam possibilitadas condições,
sobretudo no plano das relações sociais e educacionais, para o enfrentamento e
121

superação da alienação imposta pelo sistema capitalista.


Página
Desta feita, realizaremos uma discussão acerca da alienação presente na
sociedade capitalista e suas implicações na brincadeira de papéis sociais na escola,
retomando a primazia dessa atividade na reconstrução pelas crianças dos modelos de
relações sociais para salientarmos sua importância educativa e sua natureza
revolucionária, sobretudo quando reconhecida como atividade vital e humanizadora das
crianças na escola.
Nessa perspectiva, uma análise crítica da sociedade capitalista torna-se
necessária, tendo em vista que as relações e atividades sociais nela efetivadas,
principalmente pelos adultos, tornam-se conteúdo das brincadeiras realizadas pelas
crianças, as quais, quando não devidamente orientadas pelo professor na escolas e
deixadas ao sabor do cotidiano e da espontaneidade, podem reproduzir relações próprias
da alienação social e, desta forma, veicular a exclusão, a discriminação, a injustiça,
preconceitos de variadas ordens, dentre outras tendências, significados e ações alienadas
e alienantes presentes na sociedade.
Se é na infância que a criança reconstrói as relações sociais vivenciadas em seu
cotidiano a partir da brincadeira de papéis sociais, vivenciando experiências do mundo
adulto em suas atividades, suprindo assim a necessidade de se sentir parte desta
realidade, nela, ao mesmo tempo, podem estar presentes tendências alienantes ou
humanizadoras, tudo depende do caráter da mediação que é efetivada pelo indivíduo
que se coloca nesse processo (LEONTIEV, 2006b).
O professor, indivíduo responsável em mediar as relações sociais no interior da
escola a partir das relações que constrói com as crianças no processo educativo, ao
trabalhar com a brincadeira na pré-escola, deve assumir a importante tarefa de criação
de possibilidades efetivas de desenvolvimento e considerando formas as mais evoluídas
de atividade de brincar. Nesse sentido, deverá ter como objetivo o processo de
socialização e superação das necessidades que a situação de desenvolvimento social da
criança apresenta, para que possam avançar, a cada dia, em seu processo de
desenvolvimento e humanização, num caminho contrário às tendências alienadas e
122

alienantes presentes na sociedade capitalista (MELLO, 2006).


Página
Em uma sociedade dividida em classes e fragmentada pela divisão técnica do
trabalho, ou seja, uma divisão entre os que pensam e os que executam a atividade, as
relações sociais se constituirão a partir de processos alienados e alienantes (MARX;
ENGELS, 2007). Como afirma Marx,

[...] O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privação


para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador.
Produz beleza, mas deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho
por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores de volta a um
trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, mas
produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador (MARX, 2004, p.82).

O trabalho que deveria ser atividade vital de humanização, na sociedade


capitalista, perde seu caráter humanizador, tornando-se apenas um meio, uma mediação
de segunda ordem, que assume por função apenas a manutenção de condições mínimas
de vida dos trabalhadores (MÉSZÁROS, 2006).
Aos que não possuem os meios de produção, só lhes restam a possibilidade de
venda de sua força de trabalho, assim como, aos que detém tais modos, só lhes restam
manter as condições para tal exploração. Assim, o trabalho, que deveria se configurar
enquanto mobilizador do processo de apropriação e objetivação do gênero humano em
suas máximas possibilidades, fica relegado, de um lado, à uma função secundária, qual
seja, como possibilidade de manutenção de condições mínimas de vida, de outro, a uma
atividade que possibilita a exploração do homem pelo próprio homem. Desta forma, esta
atividade assume tendências alienadas e alienantes, influindo no processo de
desenvolvimento da consciência dos indivíduos em uma direção também alienada e
alienante. Assim, com o trabalho alienado,

Chega-se, por conseguinte, ao resultado de que o homem (o trabalhador)


só se sente como [ser] livre e ativo em suas funções animais, comer,
beber e procriar, quando muito, ainda habitação, adornos etc., e em suas
funções humanas [se sente] como animal. O animal se torna humano, e o
humano, animal (MARX, 2004, p.83).

Entendemos, portanto, que a sociedade capitalista, ao mesmo tempo em que


123

possui condições diametrais de produção do gênero humano em todos os âmbitos,


considerando toda a evolução tecnológica, possibilidades de produções culturais
Página
materiais e simbólicas nunca antes vistas, impede, a partir da alienação, que esses
benefícios e possibilidades de humanização estejam disponíveis para serem apropriados
e objetivados pelos indivíduos.
A alienação de acordo com Markus (1974, p.61) é,

[...] essa discrepância na qual a evolução histórica da humanidade


discrepa da evolução dos indivíduos, e o efeito auto-configurador do
indivíduo, fator de auto desenvolvimento da atividade humana só aparece
no plano social global e não como configurador do indivíduo, e elemento
de desenvolvimento da personalidade na atividade do próprio indivíduo.

Esse processo alienado e alienante que se dá somente no plano geral e não no


plano individual, de acordo com Marx (2004), efetiva-se de modo prático a partir de
alguns aspectos concernentes à forma de trabalho e suas relações na atualidade. O
primeiro deles é que o trabalhador, mesmo sendo ele o responsável pelo ato de
produção dos bens materiais, não pode se apropriar dos resultados do seu próprio
trabalho.
Esses sujeitos trabalhadores, os quais ficam impedidos, portanto, de se apropriar
dos próprios produtos que produzem, primeiro aspecto prático da alienação do trabalho,
tornam-se alienados desses resultados por não possuírem as condições necessárias
(dinheiro) para usufruir de tal bem, ou seja, acabam por não enxergar o produto
efetivado como resultado do seu próprio trabalho, atividade esta que deixa de ser vital e
se torna apenas um meio para sua sobrevivência e de sua família, quando do
recebimento do salário em troca da venda do trabalho (MARX, 2004).
Mas no modo de produção capitalista, que submete os seres humanos a esse
trabalho destituído de sua vitalidade, outros aspectos emergem em meio a esta
realidade, pois, além de serem alienados dos produtos de seu trabalho (do resultado de
sua atividade), também o seu próprio trabalho, o processo de produção ativo, que
deveria ser responsável pelo seu desenvolvimento qualitativo, atividade vital,
transformadora da realidade externa e psicológica, torna-se alienada. Isso acontece
porque o trabalhador só participa de uma parte da produção, ou seja, na cisão imposta
124

pela divisão social do trabalho no qual o trabalhador só participa de parte do ato de


Página
criação, ocorre uma fragmentação também no plano da própria atividade e consciência
do trabalhador, fragmentando assim a sua visão do processo produtivo em sua
totalidade, fato que desvincula o seu trabalho de sua vida genérica, relegando-a,
novamente e infelizmente, a um mero meio de subsistência. Coloca-se aqui, o segundo
aspecto relacionado ao trabalhado alienado, qual seja, o trabalhador está alienado de
sua própria atividade (MARX, 2004).
Na medida em que a alienação estranha o ser humano do seu produto, isto é,
impede que o trabalhador se aproprie do próprio produto do seu trabalho e também o
aliena do próprio ato de produção, do processo de produção, esse ser humano torna-se
alienado, também, do seu ser genérico. Não vivencia possibilidades de relação com o
próprio gênero humano que carrega todos os resultados materiais e simbólicos de
produção histórica da humanidade, tornando-o alienado da própria construção da
humanidade, reduzindo-o à mero objeto da sociedade capitalista. Como afirma Marx
(2004, p.84),

Na medida em que o trabalho estranhado 1) estranha do homem a


natureza, 2) [e o homem] de si mesmo, de sua própria função ativa, de
sua atividade vital; ela estranha do homem o gênero [humano]. Faz-lhe
da vida genérica apenas um meio da vida individual. Primeiro, estranha a
vida genérica, assim como a vida individual. Segundo, faz da última em
sua abstração um fim da primeira, igualmente em sua forma abstrata e
estranhada. Pois primeiramente o trabalho, a atividade vital, a vida
produtiva mesma aparece ao homem apenas como um meio para a
satisfação de uma carência, a necessidade de manutenção da existência
física, A vida produtiva é, porém, a vida genérica. É a vida engendradora
de vida. No modo da atividade vital encontra-se o caráter inteiro de uma
species, seu caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter
genérico do homem. Â vida mesma aparece só como meio de vida.

Assim sendo, o trabalho alienado torna estranho o objeto que o trabalhador


produz, aliena, também, o trabalhador da atividade e, a partir disso, aliena o indivíduo do
gênero humano, vez que, torna a sua atividade apenas um meio de sua existência
individual, alienando os seres humanos da essência humana nas suas máximas
possibilidades (MARX, 2004).
125

Como consequência desses três primeiros aspectos, surge um quarto, que leva os
Página
seres humanos a uma das piores condições possíveis de relação social, qual seja,
enxergam-se, dentro dessa cadeia interacional, enquanto mercadorias, objetos, que
devem ser possuídos ou podem ser destruídos facilmente, dependendo da qualidade da
relação (MARX, 2004). Assim,

[...] o homem estar estranhado do produto do seu trabalho, de sua


atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem pelo
[próprio] homem. Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se
com ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com o
seu trabalho, produto de seu trabalho e consigo mesmo, vale como
relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto do
trabalho de outro homem (MARX, 2004, p.85-86).

A forma pela qual se efetiva o trabalho alienado ou, “estranhado, exteriorizado”,


como afirma Marx (2004), realiza-se num plano prático, real, concreto, tornando a
atividade de trabalho apenas um meio de vida e não mais atividade vital. “Através do
trabalho estranhado o homem engendra, portanto, não apenas sua relação com o objeto
e o ato de produção enquanto homens que lhe são estranhos e inimigos”, através desse
trabalho alienado e alienante o ser humano, “engendra também a relação na qual outros
homens estão para a sua produção e o seu produto, e a relação para qual ele está para
com estes outros homens”. Desta forma, “assim como ele [engendra] à sua própria
produção para a sua desefetivação, para o seu castigo, assim como [engendra] o seu
próprio produto para a perda, um produto não pertencente a ele”, o ser humano constrói
também o domínio daquele que não é responsável pela produção, sobre o produto do
trabalho e sobre o próprio ato de produção. “Tal como estranha de si a sua própria
atividade, ele apropria para o estranho a atividade não própria deste” (MARX, 2004,
p.87).
Nessa miríade de relações concernentes à alienação do trabalho, ou seja, desse
processo perverso que transforma a atividade vital em alienada, que torna o ser humano
estranho ao seu próprio trabalho, transmuta-o a uma mera mercadoria, pois suas
propriedades humanas são reconhecidas pelo capital somente como propriedades
produtoras de lucro (MARX, 2004). Contudo, como afirma Marx (2004, 92-93):
126

A produção produz o homem não somente como uma mercadoria, a


Página
mercadoria humana, o homem na determinação respectiva, precisamente
como um ser desumunizado tanto espiritual quanto corporalmente –
imoralidade, deformação, embrutecimento de trabalhadores e capitalistas.
Seu produto é a mercadoria consciente-de-si e auto–ativa, ... a
mercadoria humana...

Esse é o processo de estranhamento que torna o ser humano mero objeto de


exploração. Um sistema de relações sociais estruturado sob a égide da valorização das
coisas, das mercadorias, em detrimento da valorização do próprio ser humano, fato que,
infelizmente, também se apresenta na brincadeira das crianças, inclusive na escola,
sobretudo quando as mesmas efetivam em tal atividade lúdica a reprodução e
reconstrução de modelos de relações sociais carregadas de tendências alienadas e
alienantes próprias à sociabilidade capitalista, fator que sim, está presente na brincadeira
de papéis sociais, e que precisa ser combatido, como defendemos na presente tese. Mas,
para que esta análise se torne possível, há que ser aprofundada a discussão acerca das
características da alienação que se tornam intrínsecas aos papéis sociais que são
vivenciados diuturnamente pelos indivíduos nessa cadeia de relações da sociedade
capitalista.

3.2.1 A alienação da vida cotidiana

A vida cotidiana é a vida de todo ser humano, vez que estamos, todos,
indistintamente, submetidos às relações sociais do nosso dia-a-dia que são próprias da
vida em sociedade e, no bojo dessas relações cotidianas nos constituímos humanos.
Salienta Heller (1977) que diante da sociedade capitalista, o indivíduo singular, membro
de uma determinada classe social, estabelece relações cotidianas face a face, as quais
são definidas pela organização e modo de produção social estruturados pelos próprios
homens.
Os diferentes grupos sociais cotidianos, família, escola, igreja, trabalho, etc.,
127

segundo Heller (1977), por estruturarem-se por meio de relações próprias da sociedade
de classes, apresentam contradições e impõem ao indivíduo singular, o sistema de
Página
exigências próprio dessa forma de sociedade. Desta forma, não restam muitas
possibilidades de construção humana para além daquelas vividas no interior desses
próprios grupos, fato que caracteriza, portanto, a esfera das relações sociais cotidianas.
Podemos compreender, portanto, que a vida cotidiana preenche a vida de todo
indivíduo singular e, como afirma Duarte (2000), na sociedade de classes, fundada em
relações sociais de dominação e alienação, quando os seres humanos são deixados ao
sabor do cotidiano, acabam submetidos à um perverso processo de esvaziamento de sua
maneira de ser, isso por meio do esvaziamento das possibilidades de desenvolvimento
intelectual, afetivo e moral que se apresenta na estrutura social atual.
As formas de consciência construídas nas relações cotidianas e, portanto, a partir
de atividades e relações sociais alienadas e alienantes, levam os indivíduos a uma
compreensão imediata e pragmática da realidade, ou seja, sem a devida reflexão crítica
sobre a própria realidade (ROSSLER, 2006), fato que pode levá-los a decisões
equivocadas na esfera das relações sociais.
Heller (1977) afirma que todo indivíduo pertencente ao gênero humano, sendo
assim, inicia a sua vida apropriando-se, pela mediação de outros indivíduos, das
objetivações genéricas em-si, vez que necessita dos objetos e utensílios cotidianos, da
linguagem, dos usos e costumes do contexto social, histórico e cultural, para poder viver
e se adaptar à vida cotidiana.
Podemos compreender que cada sociedade define e carrega consigo através dos
hábitos, usos e costumes, o que é necessário para que os indivíduos sejam capazes de
viver a sua cotidianidade. Ser um sujeito social é ser considerado como aquele sujeito
que consegue viver a sua cotidianidade e nela objetivar-se como sujeito social, como
esclarece Rossler (2006).
Obviamente que, no movimento de apropriação dos objetos, linguagem, costumes
e outras objetivações cotidianas, desde o significado social de um prato, uma colher e
outros objetos domésticos, como também de objetos de trabalho como o computador, o
telefone, etc., o indivíduo, no caso, a criança em processo de aprendizagem social,
128

necessita, obrigatoriamente, da mediação de um outro sujeito mais desenvolvido,


Página
geralmente o pai, a mãe, um irmão (ã) mais velho (a) ou um cuidador (a) adulto, pois
sozinha a criança não consegue apropriar-se das objetivações cotidianas.
É importante lembrar, como enfatiza Rossler (2006, p.29), que se as apropriações
cotidianas “são essencialmente mediadas por outros indivíduos e implicam a apropriação
de certas relações sociais”, torna-se imprescindível, portanto, para a efetivação desse
processo, a realização de atividades que condicionem esse processo de internalização
dos costumes e valores de determinado grupo da vida cotidiana.
Nesse sentido, é Heller (1977) quem afirma que a vida cotidiana é a vida de todo
indivíduo singular, vez que não existe sociedade que não apresente essa esfera de
objetivação e, muito menos, indivíduos que vivam em sociedade e que não tenham se
apropriado de um mínimo dessas objetivações cotidianas em-si, para poderem garantir a
sua vida, sobrevivência e reprodução da sociedade.
Segundo Rossler (2006), as objetivações genéricas em-si, ou seja, cotidianas,
“constituem-se nos elementos ontológicos, ou seja, nos elementos essenciais, básicos e
necessários a qualquer processo de formação da individualidade humana”. Esse processo
de apropriação, esclarece o autor, acompanha o indivíduo ao longo de toda a sua vida,
pois a apropriação das relações cotidianas não requer, do indivíduo, qualquer
qualificação que não seja participar do cotidiano e viver em sociedade.
Heller (2000, p.17) esclarece que a vida cotidiana é inescapável, embora não
exista nenhum ser humano que viva tão somente a cotidianidade, embora “todos a
vivam, sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho
intelectual e físico”. A autora afirma ainda que “ninguém consegue identificar-se com sua
atividade humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade”.
Complementando sua afirmação, Heller (2000, p.17) reitera que “a vida cotidiana é a
vida do homem inteiro [que] participa da vida cotidiana com todos os aspectos de sua
individualidade, de sua personalidade” pois é na esfera da cotidianidade que o indivíduo
singular desenvolve e coloca em ação todos os seus sentidos, capacidades intelectuais,
habilidades físicas, sentimentos, paixões, ideias e ideologias.
129

Outra questão importante apontada por Heller (2000) é que não há vida cotidiana
Página
sem heterogeneidade e hierarquia, ou seja, torna-se necessário a realização de diversas
atividades cotidianas de diferentes naturezas, para que o indivíduo possa viver em
sociedade e, nesse processo, há uma hierarquização, desde as mais simples até as mais
complexas, desde aquelas voltadas à reprodução, até aquelas relacionadas à criação,
desde as diárias e frequentes, até as eventuais, caracterizando, assim, uma
fragmentação hierarquizada das atividades da vida cotidiana.
Para a autora, a heterogeneidade torna-se imprescindível para que a cotidianidade
aconteça e os indivíduos possam viver e se organizar socialmente e, simultaneamente,
torna-se importante, também, o funcionamento de uma hierarquia espontânea e
necessária para que as atividades heterogêneas da vida se mantenham em movimento.
Nesse processo heterogêneo e hierarquizado, quando a maioria dos indivíduos são
obrigados a permaneceram presos somente a atividades que reproduzam o cotidiano em
sua imediaticidade e pragmatismo, surge assim a alienação, fenômeno social que separa
os indivíduos de atividades de natureza homogênea, tais como o estudo rigoroso, a
reflexão e análise crítica, a ação coletiva consciente com finalidades criativas e
transformadoras (HELLER, 2000).
É importante que se diga que a efetivação de um processo de homogeneização
precisa levar os indivíduos à estabelecerem relações com as objetivações não-cotidianas,
por meio de processos que garantam a eles possibilidades de reflexões críticas a partir
do acesso das objetivações genéricas para-si, tal como afirmam Duarte (1996) e Rossler
(2006), sendo que a escola deveria ser espaço que possibilita essas condições, tal como
defende Viotto Filho (2005; 2009; 2014), ao afirmar que a escola, entendida do ponto de
vista escola-comunidade, deve ser o lugar de homogeneização da vida cotidiana, espaço
de apropriação das objetivações humano-genéricas.
No entanto, como esclarece Heller (2000, p.37), "a alienação é sempre alienação
em face de alguma coisa e, mais precisamente, em face das possibilidades concretas de
desenvolvimento genérico da humanidade" e, segundo nossa compreensão, alienar o
indivíduo das possibilidades de apropriação de objetos humano-genéricos é apartá-lo das
130

possibilidades de humanizar-se, relegando-o à alienação cotidiana, é condição própria da


Página
sociedade capitalista.
Rossler (2006, p.37) esclarece que tanto as objetivações genéricas em-si
cotidianas como as objetivações genéricas para-si não-cotidianas, existem e precisam ser
apropriadas pelos indivíduos, no entanto, como sabemos, o fenômeno da alienação
impede que a maioria desses sujeitos, submetidos às relações alienadas e alienantes,
cheguem a apropriar-se das objetivações para-si, um fenômeno próprio da sociedade
capitalista. Para o autor,

Há, portanto, uma diferença fundamental no tipo de relação que os


homens estabelecem em suas vidas para com as objetivações que
compõem o gênero humano, conforme sejam elas objetivações em-si ou
para-si (...) há também uma diferença fundamental nas relações
que os indivíduos mantêm, mediadas por tais objetivações, para com as
atividades que realizam em sua existência, conforme sejam elas
pertencentes aos âmbitos cotidianos ou não-cotidianos (...) podemos
então, considerar a existência de uma linguagem em-si e de uma
linguagem para-si; de uma forma de pensamento e ação cotidiana, em-si,
e outra não-cotidiana, para-si; de uma atividade em-si, e de outra para-si.
E, consequentemente, poderíamos falar de uma individualidade em-si
e de uma individualidade para-si, de acordo com o modo e a esfera de
objetivação genérica com a qual o indivíduo mantém relação, num dado
momento, e conforme a natureza das relações que aí se estabelecem"
(ROSSLER, 2006, p.37-38).

A reflexão de Rossler (2006) nos possibilita pensar na criança que cresce, aprende
e se desenvolve no bojo das relações cotidianas alienadas, desde as relações
encontradas junto à sua família, parentes e amigos, como também, a partir de relações
sociais na escola, lugar que, a princípio, deveria ser responsável pela efetivação de
relações educativas não-cotidianas. Nesse movimento, retomamos a importância da
brincadeira de papéis sociais como atividade orientadora do processo de aprendizagem e
desenvolvimento das crianças e reconhecemos, que em seu cotidiano, as crianças
realizam brincadeiras que reproduzem relações, interações e papéis sociais próprios da
vida cotidiana, inevitavelmente, situação que implica, portanto, a reprodução de relações
alienadas e alienantes presentes na sociedade.
Assim sendo, se na escola forem possibilitadas às crianças condições pautadas
131

somente nas objetivações e relações cotidianas em-si, a partir da realização de


Página
brincadeiras espontâneas, por exemplo, as tendências alienadas e alienantes serão as
que dominaram as ações lúdicas e, consequentemente, o desenvolvimento da
consciência desses indivíduos. No entanto, como defendemos nesta tese, qual seja, que
na escola, a brincadeira deverá ser diferente e tornar-se atividade educativa de brincar,
em sua forma e conteúdo deve estar presente, o quanto for possível, modelos de
relações sociais pautadas em tendências humanizadoras, fato que só poderá ser
concretizado sob a mediação de um professor consciente e objetivado com os
conhecimentos necessários para efetivar tal processo. Ou seja, sob orientação do
professor, sujeito que fará a mediação entre a esfera cotidiana de objetivações em-si à
esfera humano-genérica carregada de conteúdos e valores qualitativamente superiores,
deverá proporcionar um brincar humanizador, crítico, em um caminho verdadeiramente
emancipatório, que evite e vá contra a reprodução de tendências valorativas pautadas
em modelos de relações sociais alienadas e alienantes durante tal atividade.
Considerando as reflexões até aqui realizadas, torna-se evidente a existência de
uma brincadeira cotidiana em-si, permeada por objetivações do senso comum,
pragmáticas e que reproduzem as tendências alienadas da sociedade e, ainda, a
existência de uma brincadeira não cotidiana e realizada na escola, reconhecida como
atividade de brincar para-si, porque permeada por reflexões e apropriações de
conhecimentos humano-genéricos como a história, a filosofia, as artes, a ética e outras
objetivações, como temos defendido desde o nosso trabalho de mestrado (NUNES,
2013).
É importante salientar, portanto, que a formação das crianças em nossa sociedade
é, necessariamente, mediada pelos adultos, desde os pais e familiares em casa, até os
professores na escola, os quais assumem responsabilidades diferentes no processo de
humanização das crianças. Se, conforme aponta Duarte (1996), a formação da
individualidade em-si ocorre, inevitavelmente, na vida cotidiana, de forma espontânea,
heterogênea e pragmática, as brincadeiras em-si também fazem parte desse processo.
Por outro lado, a individualidade para-si não se estrutura nesse movimento cotidiano,
132

mas sim, pela via das apropriações genéricas para-si, tais como os conhecimentos
Página
científicos, históricos, filosóficos, éticos e políticos, objetivações que precisam ser
apropriadas no interior da escola, sendo que, para a criança, tais objetivações, segundo
nossa defesa, podem e devem fazer parte de uma brincadeira para-si e configurada
como atividade de brincar. O professor, portanto, é o responsável pela efetivação desse
processo educativo humanizador na escola, mas, para isso, há que serem desveladas as
possibilidades de intervenção pedagógica com esta atividade.

3.2.2 Consequência da alienação social para o plano psicológico individual

Como consequência desse processo de estranhamento, próprio da alienação


social, efetivado no bojo da estrutura e dinâmica da sociedade capitalista, o plano
psicológico individual, ou seja, o desenvolvimento de cada indivíduo singular, por meio
das condições que lhes são impostas e, sobretudo, a formação de sua consciência,
limita-se às tendências alienadas o que torna qualitativamente pobres o seu processo de
desenvolvimento psicológico.
Se o que diferencia os seres humanos dos outros animais é o trabalho e a
atividade consciente, permeada pelas relações sociais, linguagem e fabrico dos
instrumentos de trabalho, tais processos, quando vivenciados no interior da sociedade
capitalista, engendram vivências que se efetivam sob a base de condições alienadas e
alienantes. Esse fato, intrínseco ao processo de produção e reprodução do metabolismo
social atual, promove, então, o desenvolvimento de um tipo de consciência que
qualificamos como carregada de tendências alienadas, ou seja, fragmentada, efêmera,
pautada no cotidiano em-si, pelas formas mais imediatas de captação da realidade
objetiva no plano subjetivo, além de permeadas por um conjunto de valores contrários à
efetivação de condições humanizadoras, tais como a violência física e simbólica, como
possibilidade de resolução das situações cotidianas, preconceitos vários, discriminação
individual e social, esquizofrenia social e individualismo/egoísmo, competição exacerbada
133

e excludente, desvalorização de atividades relacionadas à determinados gêneros,


Página
necessidade supérflua de produtos e consumismo exagerado, dentre outras mazelas da
sociedade do capital.
Mas, como se dá o processo de efetivação de uma consciência carregada de
tendências alienadas e alienantes?
Tudo o que é produzido pelo conjunto dos homens, ou seja, aquilo que é
responsável pela humanização dos indivíduos em suas máximas possibilidades, torna-se
estranho à grande maioria, podendo ser usufruído apenas por uma pequena parcela da
sociedade, isto é, aqueles que detêm o capital. Sabemos que à grande maioria das
pessoas são possibilitadas, apenas, relações e atividades sociais fragmentadas, trabalho
alienado e alienante, processos educacionais desqualificados e acessos a conhecimentos
cotidianos em-si, pautados no senso comum, o que os leva, inevitavelmente, a um
desenvolvimento qualitativamente pobre de suas consciências. Enfim, precisamos
entender e transformar esse perverso processo de alienação presente na vida da maioria
das pessoas em nossa sociedade e, para isso precisamos agir de acordo com as nossas
possibilidades como pesquisadores educadores e como sujeitos sociais conscientes, na
busca de efetivação de uma nova sociabilidade que supere as relações sociais próprias
do modo de produção capitalista.
Todo esse processo apresenta como cerne as mazelas da desumanização social
capitalista, sobretudo, pela forma como as atividades e relações sociais na atualidade
estão carregando em-si características empobrecedoras da consciência, fator necessário
à manutenção do controle de uma minoria detentora do capital em relação a maioria dos
indivíduos, efetivando assim as condições para a atual barbárie social (MÉSZÁROS,
2006).
Segundo Mészáros (2006), retomando as ideias trazidas anteriormente, a
alienação é caracterizada pela universalização do mercado, em que tudo é transformado
em mercadoria, tudo passa a ter valor de troca, e isso leva também à conversão dos
seres humanos em objetos a serem comprados e comercializados. Dada a fragmentação
social e o fenômeno da alienação, são criadas as condições para a construção do
134

individualismo, fenômeno social atual, que decorre de um processo de construção de


Página
consciência que aparta o indivíduo do outro e da necessidade do outro em sua vida,
fenômeno que engendra a construção de um sujeito abstrato, um ser idealizado, que
consegue, sob o discurso da meritocracia, conquistar seu lugar na sociedade por esforço
próprio e dadas as suas particularidades e características individuais.
O trabalho que deveria representar ao trabalhador a manifestação de sua própria
vida, ou seja, a atividade vital humana, torna-se uma atividade na qual o indivíduo vende
a sua força de trabalho, como meio de suprir suas necessidades básicas e garantir a
manutenção das condições mínimas de vida para sua família. Portanto, o trabalho passa
a ser para o trabalhador apenas um meio de existência, não mais a expressão de sua
vida (MARX, 2004).
Nesse perverso movimento de trabalho alienado, a vida dos sujeitos trabalhadores
não é enxergada no trabalho, ela só se realiza parcialmente e fora dele, nos momentos
de “lazer”, de “ociosidade”, de “sono”, fazendo com que essas pessoas se alienem das
condições de emancipação humana e da efetivação de um desenvolvimento
humanizador, tornando-se meros instrumentos, objetos e peças da engrenagem do
capital (MÉSZÁROS, 2006).
Mészáros (2006), a partir de estudos das obras de Marx, sobretudo dos
Manuscritos Econômico-filosóficos (MARX, 2004), constrói um sistema analítico dos
quatro aspectos da alienação do trabalho, já apresentados, analisando-os sob uma ótica
pautada em questões econômicas, políticas, ontológicas, morais e estéticas, o que,
acreditamos, nos dá base para entendermos o desenvolvimento das tendências alienadas
empobrecedoras da consciência na sociedade capitalista, condições que são reproduzidas
também no interior da escola dessa mesma sociedade.
Em relação ao resultado da alienação no que tange as questões econômicas, a
mesma pauta-se nas condições em que o ser humano não se enxerga em seu trabalho e
nem têm a possibilidade de se apropriar do produto que é por ele construído. Este fato
leva a uma consequência que gira em torno do fator “propriedade privada”, ou seja,
quando o trabalhador está alienado da atividade e do produto do seu trabalho, sua
135

satisfação se concentra no recebimento de um salário, como pagamento de sua força de


Página
trabalho, sendo que os produtos resultantes da sua produção, tornam-se mercadorias,
bens privados do detentor do capital e ao trabalhador inacessível. Essas mercadorias, por
sua vez, serão consumidas e usufruídas por outros indivíduos, fato social que alimenta o
consumo e à manutenção da lógica efetivada pelo e no trabalho alienado. Além do
individualismo já discutido, o consumismo é um outro fenômeno que tem origem e se
desenvolve no bojo das relações sociais alienadas e alienantes próprias do sistema
capitalista (MÉSZÁROS, 2006).
Quanto ao fator “divisão social do trabalho” no qual, ainda segundo Marx (2004),
os trabalhadores, que possuem somente a sua “mão-de-obra”, realizam atividades cada
vez mais fragmentadas, fato que não permite que os mesmos se enxerguem como
sujeitos da produção e no produto final de seu trabalho, tornando os seus atos de
produção também alienados, leva à conhecida divisão entre a realização das atividades
materiais e as atividades intelectuais do trabalho.
Nesse processo em que a maioria da população somente tem a oferecer sua força
de trabalho e a minoria, que possui os meios de produção, decidem o que os
trabalhadores devem produzir e, além disso, pensam a forma de se produzir, pois são os
chamados detentores do capital e “donos” da força de trabalho e dos produtos do
trabalho. Essa situação, portanto, engendra mais uma das possibilidades de
encaminhamento do processo de construção da consciência do trabalhador numa
perspectiva carregada de tendências alienadas. Tal situação, como esclareceu Marx
(2004) mantém o trabalhador sob julgo do trabalho alienado, moldando a sua
consciência para a reprodução dessa atividade a qual se manterá enquanto o modo de
produção capitalista persistir (MARX; ENGELS, 2007).
Do ponto de vista da condição política que é efetivada na sociedade capitalista, a
mesma tem como papel, criar e efetivar situações voltadas ao controle ideológico do
trabalhador. Este controle no plano político e ideológico busca convencer a grande
maioria da população a aceitar como natural, ou como responsabilidade/culpa individual,
as condições de trabalho e vida a que tem acesso. Além de também desenvolver
136

características na consciência social voltada a necessidade de consumo de bens muitas


Página
vezes supérfluos, para que assim a geração de lucro para a minoria persista e se
mantenha num nível razoável e quantitativamente significativo. Essas situações também
engendram as condições impossibilitadoras para a criação de necessidades sociais que
elevam o desenvolvimento dos indivíduos em uma direção humanizadora, sobretudo
quando destituem os indivíduos das possibilidades de apropriação e objetivação das
formas mais evoluídas de arte, cinema, literatura, conhecimentos científicos e filosóficos,
etc. Estas situações levam os indivíduos a sofrerem por tais condições e se culparem por
não conseguirem melhores possibilidades de vida, ideia inculcada também sob a base da
ideologia meritocrática, influenciando no desenvolvimento de tendências
empobrecedoras, alienadas, da consciência individual (MÉSZÁROS, 2006).
Outra face da alienação social essencial a ser discutida, trata-se das questões
ontológicas e morais de produção do ser humano e relacionadas à alienação do homem
em relação ao seu ser genérico. Esse processo envolve os aspectos de desenvolvimento
humano relacionados à constituição histórico-cultural da sociedade e do gênero humano
e as implicações disso no plano das apropriações humano-genéricas e atividades
humanizadoras que são possibilitadas no processo de construção do psiquismo dos
indivíduos. Como afirma Mészáros (2006, p. 137),

[...] Ele (Marx) nega que o homem seja um ser essencialmente egoísta,
porque não aceita algo como uma natureza humana fixa (e, na realidade,
não aceita nada fixo). Na visão de Marx, o homem não é, por natureza,
nem egoísta nem altruísta. Ele se torna, por sua própria atividade, aquilo
que é num determinado momento. E assim, se essa atividade for
transformada, a natureza humana hoje egoísta se modificará, de maneira
correspondente.

Assim, a sociedade capitalista e seu modo de produção, assim como sua principal
conquista, a propriedade privada, engendram relações sociais fragmentadas e alimentam
fenômenos tais como o consumismo, o individualismo, bem como outros fatores
característicos de um psiquismo alienado.
Capital tem relação com o dinheiro, pagamento de salários, consumo de
mercadorias, poder econômico e financeiro, aspectos próprios do sistema capitalista. À
137

medida que em nossa sociedade o dinheiro possui o “poder” de tudo comprar, esse
Página
elemento ganha forças metafísicas, onipresença, torna-se objeto de desejo para a
conquista de “liberdade” dos seres humanos. O objeto dinheiro ganha tamanha forma
que se sobrepõem ao próprio indivíduo, gerando a necessidade de ser substituído de
forma rápida e, muitas vezes, descontrolada, por mercadorias, situação que coloca o
consumo desses bens como condição de satisfação moral e sentimental (MÉSZÁROS,
2006).
Por fim, Mészáros (2006) apresenta a relação entre alienação e estética na
atualidade, em que o homem é avaliado somente pela sua forma aparente, isto é, o
homem se aliena do próprio homem, deixando de lado sua essência, ou, até mesmo,
tornando-a submissa às condições da aparência. A alienação em relação as diferentes
formas de arte e manifestações subjetivas, conforme afirma Vigotski (2001),
comprometem o processo de desenvolvimento dos sentimentos e emoções humanas.
Na sociedade capitalista, não por acaso, à grande maioria da população, torna-se
possível, somente, o acesso, por exemplo, no que tange aspectos estéticos, a objetos
artísticos produzidos de forma superficial, um tipo de arte empobrecida, destituída, na
maioria dos casos de um caráter crítico, muito menos emancipadora e,
consequentemente, desenvolvente de uma forma de consciência em uma direção
também superficial, fragmentada e efêmera (MÉSZÁROS, 2006).
Desta feita, para Rossler (2004, p.110), como consequência dessas condições, o
processo de alienação efetiva-se,

[...] quando a estrutura da vida cotidiana se hipertrofia, tornando-se a


única forma de vida do indivíduo; quando sua vida se resume num
conjunto de atividades voltadas essencialmente para a sua reprodução,
para a reprodução de sua particularidade, apresentando, assim, modos
rígidos de pensar, sentir e agir, isto é, determinando um modo de
funcionamento psíquico (intelectual e afetivo) cristalizado, que não pode
ser rompido mesmo nas situações que o exigem; nesses casos, estamos
diante de um fenômeno de alienação. Trata-se, portanto, de uma
estrutura social alienada, de um cotidiano alienado e, conseqüentemente,
de um psiquismo cotidiano alienado.

Diante de tantas contradições presentes na sociedade capitalista, decorrentes do


138

processo de alienação imposto pela relação de dominação entre capital-trabalho,


Página
compreendemos que, a partir do momento em que um trabalhador não se reconhece no
que faz, tão pouco com o produto que produz, como também não reconhece a si mesmo
e torna-se distanciado do gênero humano, sendo forçado a obter um salário para
garantir a sua sobrevivência física e de sua família, institui-se uma relação injusta com
esse sujeito a, qual, evidentemente, precisa ser superada. O trabalhador alienado, ao ser
excluído de muitas possibilidades de desenvolvimento e humanização, torna-se mero
objeto de exploração e impedido de desenvolver sua consciência em uma direção
humanizadora, ou seja, fica restrito a viver e reproduzir o cotidiano em-si ao longo de
sua existência.

3.2.3 Processo e características da construção de consciências com tendências alienadas

A partir das discussões realizadas até o momento nesta tese e acerca da origem e
estrutura da consciência humana, considerando o emprego dos instrumentos de
trabalho, assim como a divisão técnica da atividade laboral, podemos pensar que o
processo de alienação da consciência estrutura-se, em uma primeira análise, na
separação entre sentido pessoal e significado social (LEONTIEV, 2004).
Compreendemos que a partir da complexificação das operações na atividade do
trabalho e dos instrumentos de trabalho, institui-se a primeira transformação
fundamental para o alargamento da consciência humana. Isto se dá pelo fato de que,

A produção exige cada vez mais, de cada trabalhador, um sistema de


ações subordinadas umas às outras e, por consequência, um sistema de
fins conscientes que por outro lado, entram num processo único, numa
ação complexa única. Psicologicamente, a fusão de diferentes ações
parciais numa ação única constitui a sua transformação em operações.
Por este fato, o conteúdo que outrora ocupava, na estrutura, o lugar de
fins conscientes de ações parciais, ocupa doravante, na estrutura da ação
complexa, lugar de condições de realização da ação. Isto significa que
doravante as operações e condições de ação também elas podem entrar
no domínio do consciente (LEONTIEV, 2004, p.109-110).
139

De acordo com Leontiev (2004), as ações de trabalho devem organizar-se


Página
subordinadas umas às outras, de forma a constituírem um sistema com fins conscientes
e envolvendo todos que realizam o trabalho. Se uma ação e seu fim consciente tornam-
se fragmentados, fragmenta-se, simultaneamente, a representação da atividade na
consciência daqueles que a estão executando. As ações que se completam nas
operações, ocupam lugar no sistema consciente e podem estar presentes, diretamente,
na consciência daqueles que executam a ação e operações conscientes. Este fato
acarreta um alargamento considerável da consciência dos indivíduos e possibilita o
surgimento de operações de natureza conscientes, condição fundamental para o
processo de complexificação da consciência humana. É justamente nesta condição que
reside o surgimento de “um conteúdo controlado conscientemente”, juntamente como
aquele que se apresenta diretamente na consciência e na correlação existente entre um
e outro (LEONTIEV, 2004, p.113).
Tendo em vista, portanto, todo esse processo de alargamento e complexificação
da esfera do consciente, a partir da integração das “condições concretas, dos meios e
dos modos de ação”, outro fato importante deve ser destacado em relação à atividade, o
qual está ligado à condição de que não só a produção imediata se apresenta
conscientemente, mas também todas as outras relações humanas envolvidas na
atividade, resultado no “necessário aparecimento de uma divisão técnica do trabalho” e,
diga-se, compreendido conscientemente por parte daqueles que participam da atividade.
Sendo assim, da mesma forma que ações podem engendrar operações
conscientes, também podem se tornar atividades, apresentando assim um novo e próprio
motivo (LEONTIEV, 2004, p.113). O processo de tomada de consciência dos motivos,
entendido como mecanismo geral da consciência, numa etapa mais avançada do
desenvolvimento histórico da sociedade, nos leva a duas questões fundamentais. A
primeira diz respeito à uma determinada fase histórica do desenvolvimento humano que
“ascendem à consciência o reflexo não apenas da esfera da produção material imediata,
mas também o da esfera das outras relações humanas” e, em segundo plano, a
passagem “dos motivos para os fins das ações”, o que nos permite analisar
140

cognitivamente o surgimento de novas necessidades (LEONTIEV, 2004, p.115).


Página
Sendo assim, no plano psicológico,
[...] a satisfação de uma necessidade por intermédio de objetos novos –
objetos de consumo – só pode conduzir e dar um sentido biológico
adequado a estes objetos e fazer de modo que futuramente a sua
percepção suscite uma atividade que visa a sua posse. Trata-se da
produção que serve para satisfazer uma necessidade. Para o fazer, o
consumo – sob qualquer forma que se produza – deve conduzir ao reflexo
dos meios de consumo, como sendo o que deve ser produzido.
Psicologicamente, isso significa que os objetos – meio de satisfazer as
necessidades – devem aparecer à consciência na qualidade de motivos,
ou seja, devem manifestar-se na consciência como imagem interior, como
necessidade, como estimulação e como fim. (LEONTIEV, 2004, p.115).

Juntamente com este fato, podemos relacionar, assim, o surgimento de


conhecimentos, isto é, da produção de conhecimentos a partir dos produtos que foram
construídos para suprir as necessidades humanas. Consequentemente, engendra-se a
necessidade de se conhecer as coisas, o que justifica o processo de ampliação das
necessidades humanas, por meio do desenvolvimento histórico e produção de objetos
culturais e das relações humanas. (LEONTIEV, 2004)
No plano do psiquismo do trabalhador, a integração de diferentes ações da
atividade e suas respectivas operações, torna-se veículo de compreensão da estrutura,
objetivo e conteúdo da atividade, sendo que a sua fragmentação, todavia, compromete
esse processo. O conteúdo que outrora ocupava, na estrutura da atividade, o lugar de
fins conscientes, a partir de ações parciais fragmentadas que redundam em operações
fragmentadas, passa a ocupar um lugar de mera reprodução individual, fato que implica
a fragmentação da consciência.
Sabemos que, de acordo com a concepção marxiana, são as condições sociais e
econômicas de produção que engendram o processo de desenvolvimento humano, sendo
que, a divisão social do trabalho e a fragmentação dela decorrente, apresenta uma nova
estrutura da consciência no que tange seus principais componentes, “os sentidos e as
significações” desintegrando-os. Podemos compreender que na sociedade de classes, a
relação entre esses dois componentes se tornou uma relação de “exterioridade”, tendo
141

como principal característica a sua desintegração e o comprometimento para o processo


de construção da consciência (LEONTIEV, 2004, p.122). Assim, a partir das
Página
tendências alienadas, intrínsecas a sociedade de classes,

A análise do processo de desenvolvimento histórico do homem mostra


que a vida humana pode ter por conteúdo principal, e mesmo, em certas
condições, por conteúdo único, uma atividade ideal, teórica. O homem
cria neste caso produtos ideais teóricos que se transformam para ele em
objetos que satisfazem as suas necessidades práticas: alimento,
vestuário, alojamento etc. As relações sociais, no seio das quais se opera
esta metamorfose, separam a atividade ideal da atividade material prática
que incumbem aos outros homens. Se, ao fazê-lo, a sua atividade teórica
perder o seu sentido próprio e revestir o sentido vulgar de salário, o
homem procurará afirmar-se ainda mais numa outra atividade intelectual.
A sua nova atividade mais lhe parecerá agora pertencer a um mundo
particular, mundo que pode ser considerado o único real. Quanto mais
rápido o trabalho intelectual se separa do trabalho físico, a atividade
espiritual da atividade material, menos capaz é o homem de reconhecer,
no primeiro, a marca do segundo e perceber a comunidade das estruturas
e das leis psicológicas das duas atividades. (LEONTIEV, 2004, p.125-126)

Dessa forma, configura-se uma das mudanças primordiais para o desenvolvimento


da consciência alienada, qual seja, a dicotomia existente entre atividade intelectual e
atividade material, a qual torna-se condição e importante fator para a análise e
compreensão da formação de consciências com tendências alienadas.
Contudo, não podemos deixar de considerar outra mudança importante que se
apresenta, considerando as palavras de Leontiev (2004), a transformação mais
importante para o entendimento do processo de desenvolvimento das consciências no
interior das relações sociais capitalistas, qual seja, a mudança que ocorre na estrutura da
própria atividade, que implica uma fratura interna do psiquismo, explicitando, também,
uma ruptura entre o sentido e as significações. Para Leontiev (2004, p.128),

A grande massa dos produtores separou-se dos meios de produção e as


relações entre os homens transformaram-se cada vez mais em puras
relações entre as coisas que se separam (“se alienam”) do próprio
homem. O resultado é que a sua própria atividade deixa de ser para o
homem o que ela é verdadeiramente. (LEONTIEV, 2004, p.128)

Tal alienação, segundo Leontiev (2004), se deve às formas de desenvolvimento e


relações mantidas com as propriedades (nesse caso, propriedades privadas) e a partir
142

das relações de troca. Este fato pode ser comprovado se considerarmos que na origem
das sociedades comunitárias não havia separação entre o trabalho e as condições
Página
concretas dos indivíduos, sendo que a atividade social se encontrava em total equilíbrio
com as necessidades para manutenção da vida.

Mas o desenvolvimento das forças produtivas desagrega inevitavelmente


esta relação, o que se traduz pelo desenvolvimento das formas de
propriedade. A ligação inicial do trabalhador à terra, aos instrumentos de
trabalho, ao próprio trabalho encontra-se destruída. Finalmente, a grande
massa dos produtores transforma-se em operários assalariados cuja única
propriedade é a capacidade de trabalho. As condições objetivas da
produção opõe-se-lhes doravante enquanto propriedade estranha. Para
viver, para satisfazer suas necessidades vitais, vêem-se, portanto
coagidos a vender a sua força de trabalho, a alienar o seu trabalho.
Sendo o trabalho o conteúdo mais essencial da vida, devem alienar o
conteúdo da sua própria vida. (LEONTIEV, 2004, p.129)

Ocorre assim uma discordância entre o resultado da atividade humana e o motivo


que ela apresenta, isto é, o trabalho que deveria ser a atividade fundamental para o
desenvolvimento dos indivíduos, acaba por se tornar uma atividade alienada, conferindo
“traços psicológicos particulares à consciência” (LEONTIEV, 2004, p.130).

Na produção capitalista, o operário assalariado procura, ele também,


subjetivamente, a satisfação das suas necessidades de alimento,
vestuário, a sua atividade de trabalho transforma-se, para ele em
qualquer coisa de diferente daquilo que ela é. Doravante, o seu sentido
para o operário não coincide com a sua significação objetiva. (LEONTIEV,
2004, p.130)

Portanto, a presença fundamental dessas relações na consciência dos indivíduos,


apresenta-se, no que tange os aspectos psicológicos, pela “desintegração da sua
estrutura geral que caracteriza o aparecimento de uma relação de alienação entre os
sentidos e as significações”, sendo assim, o mundo se apresenta aos homens de forma
refratada, difusa, configurando assim a constituição de uma consciência alienada
(LEONTIEV, 2004, p.133)
Como afirma Vigotski (2008, p.31), “eu vejo o mundo não apenas de cores e
formas, mas vejo-o como um mundo que possui significado e sentido. Vejo, não algo
redondo, negro, como dois ponteiros, mas vejo o relógio” e, esclarece, o problema reside
no fato da desintegração que possa se configurar nessa relação, pois se a fragmentação
143

se apresenta na leitura de um fenômeno ou um objeto, a compreensão de sua totalidade


Página
ficará comprometida, tendencialmente alienada.
Considerando então a realidade apresentada e o fato de que na brincadeira de
papéis sociais as crianças reconstroem de forma sintética as atividades do mundo adulto,
a partir dos modelos de relações sociais que a configura, esta condição mantida na
brincadeira, segundo nossa compreensão, engendra condições para o desenvolvimento
de suas consciências. No entanto, dada a fragmentação posta na sociedade e nas
relações sociais, pautada na ruptura entre sentido e significado das ações, leva-nos a
afirmar que a consciência da criança, desde a mais tenra idade, no interior da sociedade
capitalista, dada a existência da alienação, acaba por se desenvolver também de forma
alienada.
Leontiev (2004, p.139), ao discutir a ruptura entre sentido e significado na
atividade engendrada nas relações sociais e de trabalho da sociedade capitalista, afirma
que,

Sabemos que a ideologia dominante, na sociedade de classes, é a da


classe dominante, que reflete e reforça as relações que escravizam o
homem, submetem a sua vida e nela criam contradições internas. Tal
como a vida humana não se encarna totalmente nestas relações, assim os
sentidos engendrados pela atividade humana não se encarnam
totalmente, nem de maneira autêntica, nas significações que refletem
estas relações estranhas à vida. É esta a causa da imperfeição e da
inadequação da consciência e da conscientização. (LEONTIEV, 2004,
p.139)

O autor nos ajuda a pensarmos no quanto o processo de construção da


consciência humana, na sociedade capitalista, está modelado, conformado, formatado
pelas relações sociais que os indivíduos estabelecem, sendo que os significados e
sentidos das atividades humanas estão submetidas a esse movimento oriundo da própria
sociedade.

3.2.4. A especificidade do desenvolvimento da consciência infantil sob a égide das


relações alienadas e alienantes
144

[...] para a abordagem histórico-cultural a consciência não é tida como


uma instância metafísica, existente a priori com relação à vida humana,
Página
sendo assim não há consciência que não seja consciência de um
determinado ser humano vivo. De modo que a consciência não é coisa,
não é instância, nem tem vida própria, não existe aparte da materialidade
do ser: a consciência é o ser humano consciente (DELARI JUNIOR, 2000
p.62).

Partimos dessa citação acreditando que nela estejam presentes os aspectos


concernentes à discussão acerca do que é consciência a partir da Teoria histórico-cultural
de desenvolvimento humano, fato que se configura enquanto importante aspecto para o
entendimento e discussão acerca do objeto que nos propomos a discutir nesta tese.
Sendo assim,

[...] para Vigotski, a consciência não é um movimento que surge


individualmente, mas que só pode se realizar no indivíduo na medida em
que ele passa a se relacionar consigo, do mesmo modo pelo qual se
relaciona com os outros, no contexto de uma dada cultura. Ou seja, a
consciência não existe senão enquanto consciência de determinados seres
humanos vivos, não pode surgir para eles senão mediante uma relação
social. Além disso, também temos dito que o caráter desta mesma relação
social, no humano, é histórico e cultural, pois os seres humanos não se
unem em grupos apenas por ‘instintos gregários’, nem por leis instintivas
tais como aqueles presentes em outras espécies animais que vivem em
‘grupos’ e/ou se organizam ‘coletivamente’. A relação social humana é
constituída historicamente – mediante lutas sociais e relações de poder –
e, de modo indissociável, culturalmente – mediante diversas tradições e
contradições constituídas como diferentes tramas de linguagem e/ou
processos de significação. Portanto, a consciência como processo que não
pode se dar fora de um ser humano individual particular, não é possível
senão, como função de relações sociais, as quais, por sua vez, também
não são possíveis senão como práticas coletivas mediadas pela linguagem
(DELARI JUNIOR, 2000, p.62)

Considerando então essa compreensão acerca da consciência como resultado de


todo um processo histórico de desenvolvimento efetivado a partir das relações sociais e
da relação dos homens com a natureza, questionamos: Como se dá o desenvolvimento
da consciência da criança a partir da atividade responsável por tal processo?
Devemos primeiramente ressaltar uma discussão que já foi apresentada
anteriormente, a qual enfatiza que a brincadeira deve ser considerada como a atividade
dominante no período de desenvolvimento psicológico da criança pré-escolar, ou seja,
145

esta é a atividade que causará as mudanças mais significativas e qualitativas no processo


Página
de desenvolvimento da consciência e personalidade das crianças. Deste modo, a função
da brincadeira, para o processo de desenvolvimento das crianças, consiste no fato de
que essa atividade,

[...] cria uma zona de desenvolvimento iminente na criança. Na


brincadeira, a criança está sempre acima da média da sua idade, acima
de seu comportamento cotidiano; na brincadeira, é como se a criança
estivesse numa altura equivalente a uma cabeça acima da sua própria
altura. A brincadeira em forma condensada contém em si, como na
mágica de uma lente de aumento, todas as tendências do
desenvolvimento; ela parece tentar dar um salto acima do seu
comportamento comum (VIGOTSKI, 2008, p.35).

A partir da brincadeira, como apresentado e discutido na seção anterior, a criança


alcança um patamar acima do seu nível efetivo de desenvolvimento, o que, a partir dos
conteúdos e formas de brincar e das mediações planejadas e intencionalmente realizadas
pelo professor, de fato, contribui sobremaneira para o processo de desenvolvimento de
sua consciência.
Segundo Vigotski (2008),

A relação entre a brincadeira e o desenvolvimento deve ser comparada


com a relação entre a instrução e o desenvolvimento. Por trás da
brincadeira estão as alterações das necessidades e as alterações de
caráter mais geral da consciência. A brincadeira é fonte do
desenvolvimento e cria a zona de desenvolvimento iminente. A ação num
campo imaginário, numa situação imaginária, a criação de uma intenção
voluntária, a formação de um plano de vida, de motivos volitivos – tudo
isso surge na brincadeira, colocando-a num nível superior de
desenvolvimento, elevando-a para a crista da onda e fazendo dela a onda
decúmana do desenvolvimento na idade pré-escolar, que se eleva das
águas mais profundas, porém relativamente calmas (VIGOTSKI, 2008,
p.35).

Fato importante a ser ressaltado diz respeito ao movimento de evolução de tal


atividade, tendo em vista a mudança existente na própria situação imaginária envolvida
na brincadeira. Pois, de acordo com Vigotski (2008, p.35),

É interessante o fato de que a criança começa pela situação imaginária,


sendo que essa situação, inicialmente, é muito próxima da situação real.
146

Ocorre a reprodução da situação real. Digamos que, ao brincar de


boneca, a criança quase repete o que sua mãe faz com ela: o doutor
acaba de examinar a garganta da criança; ela sentiu dor, gritou, mas,
Página
assim que ele foi embora, no mesmo instante, a criança enfia uma colher
na boca da boneca. Então, na situação inicial, a regra está num estágio
superior, em forma comprimida, amarfanhada. O imaginário na situação
também é extremamente pouco imaginário. É uma situação imaginária,
mas ela torna-se compreensível em sua relação com a situação real que
acabou de ocorrer, ou seja, ela é a recordação de algo que aconteceu. A
brincadeira lembra mais uma recordação do que uma imaginação, ou
seja, ela parece ser mais a recordação na ação do que uma nova situação
imaginária. À medida que a brincadeira se desenvolve, temos o
movimento para o lado no qual se toma consciência do objetivo da
brincadeira.

Portanto, se considerarmos o processo de evolução da brincadeira, as qualidades


que se mantinham presas no início do processo, ao final, saltam a frente e vice-versa,
ocorrendo assim um processo de desenvolvimento da individualidade da criança. Nesse
contexto, a criança aprende os significados e sentidos de suas próprias ações, das ações
dos adultos e dos objetos que são por eles utilizados nas diferentes atividades sociais.
Sendo assim, essa relação entre sentido e significado na brincadeira também se faz
enquanto questão importante, sobretudo, para entendermos a formação das
consciências a partir das relações sociais capitalistas.
É importante considerar a afirmação de Elkonin (1998, p. 35), quando salienta
que,

[...] o caráter concreto das relações entre as pessoas representadas no


jogo é muito diferente. Essas relações podem ser de cooperação, de
ajuda mútua, de divisão de trabalho e de solicitude e atenção de uns com
os outros; mas também podem ser relações de autoritarismo, até de
despotismo, hostilidade, rudeza etc. tudo depende das condições sociais
concretas em que vive a criança (ELKONIN, 1998, p.35).

Diante da afirmação acima, devemos pensar no quanto se faz necessário


compreender a qualidade dos significados dos modelos de relações sociais que são
apropriados pelas crianças a partir de tal atividade, tendo em vista a unidade entre
atividade e desenvolvimento humano.
Em relação as tendências alienadas que podem estar presentes na brincadeira de
papéis sociais, podemos observar:
147
Página
Quadro 6 - Episódio 4: Tendências alienadas presentes nas ações ludo-pedagógicas quando da
realização do processo interventivo31

CONTEXTUALIAÇÃO: O que fica evidente quando da análise das situações de


brincadeira de papéis sociais é que nelas estarão presentes tendências alienadas e
alienantes, pois, se os modelos de relações sociais que as crianças reconstroem
nesta atividade estão permeados por processos alienados e alienantes das
atividades realizadas pelos adultos que são próprias às condições de manutenção
da estrutura social capitalista, consequentemente, a reconstrução sintética se dará,
também, nesta direção, o que radica na necessidade de desvelamento de quais
são estas tendências, para que possam ser efetivadas condições de ensino da
brincadeira de papéis sociais que busquem o enfrentamento desse sistema de
relações em-si alienados, caracterizados pela ruptura entre sentido pessoal e
significado social. Observemos tais tendências a partir da unidade ação ludo-
pedagógica humanizadora, tanto nos momentos de atividade propriamente dita,
quanto da construção dos motivos para a sua realização:

CENA: Representação dos modelos sociais carregados de tendências alienadas e


alienantes durante a realização das intervenções

Cenário um (Intervenção um) - As crianças começaram a brincar com os


brinquedos da caixa pela sala de informática. Duas crianças pegam uma bolinha de
tênis e dizem que estão brincando de jogar futebol. Interventor pergunta que
jogador eles são, um dos alunos responde que é o Neymar. Durante um
momento eles param de focar na bolinha e começam a chutar uma bola
imaginária, depois começam a chutar as pernas um do outro. As meninas
sentam todas juntas em roda, enquanto os meninos todos estão em pé
realizando atividades que, aparentemente, são mais dinâmicas.
Interventora chega na roda das meninas e pergunta do que elas estão brincando,
elas dizem que é de salão de beleza – uma menina está em pé e fica pegando
materiais coloridos e começa a enfeitar as outras meninas que estão
sentadas, à princípio, parece que ela é a dona do salão e as outras são
clientes. Um menino pega as serpentinas que as meninas estavam
usando para se enfeitar no salão de beleza e começa a andar fazendo
movimentos como se estivesse rebolando, quando um outro menino
aponta para ele e dá risada, então ele tira rapidamente a serpentina e as
joga no chão, parando o que estava fazendo. Dois alunos meninos ficam
durante toda a intervenção brincando de futebol. Duas meninas começam a
brincar de casinha cuidando de duas bonecas como se fossem suas filhas. Dizem
que as cadeiras da sala são o berço das crianças. As crianças demonstram
muita dificuldade em brincarem de forma conjunta, sobretudo para
148

31
Mais dados nessa direção podem ser vislumbrados na dissertação de mestrado de Nunes (2013) e no
livro de Nunes e Viotto Filho (2016).
Página
dividir os brinquedos durante a brincadeira, chegando, em alguns
momentos, a brigarem pelo material.

Cenário dois (Intervenção dois) – Pesquisador: “O mestre mandou vocês fazerem


um policial”. Algumas crianças começaram a imitar sirene da polícia, outras
correram de crianças que faziam uma arma com a mão. Pesquisador: “Estátua,
o mestre mandou vocês fazerem uma pessoa pobre”; As crianças
começaram a andar com a cabeça triste, as mãos para trás. Uma criança
deitou no chão, Pesquisador perguntou o porquê, ela respondeu que
“morre”. Pesquisador: “Por que ela morre?”. Aluno: “Porque elas passam
fome”. Pesquisador: “Estátua, agora quero que imitem uma pessoa rica”
As crianças começaram a pular e gritar demonstrando alegria.
Pesquisador: “Porque vocês ficaram felizes?” Criança: “Porque a gente
tem dinheiro” Criança: “Uuuu eu tenho dinheiro!!!” Pesquisador: “Façam
um jogador de futebol”; As crianças começaram a chutar o vento e fazer pose
de jogador. Jorge cai no chão como se tivesse recebido uma falta. Pesquisador
pergunta as meninas porque elas não estão fazendo e elas não
responderam nada. Pesquisador: “estátua, quero ver fazerem uma
mulher”; Os meninos não queriam fazer uma mulher, depois fizeram e
começaram a gritar e fazer voz fina, correr pela sala. Alguns alunos falam
que mulher só faz comida, cuida de casa e fica no celular. Pesquisador:
“Estátua, quero ver vocês fazerem um homem”. Os meninos começaram
a se bater e discutir, as meninas ficaram paradas em volta do
Pesquisador. Depois começaram a bater umas nas outras também. Uma
aluna diz que não pode imitar um homem e fica parada.

Cenário três (Intervenção quatro) - Pesquisador mostra o próximo desenho em


folha sulfite; crianças respondem que é o jogador de futebol... Pesquisador: Muito
bem! E o que o jogador de futebol faz? Crianças: Joga bola; joga bola no campo...
João fica entusiasmado. Pesquisador: E existe só jogador homem? Uma
menina responde que sim. Outras crianças respondem que não;
Pesquisador: Tem menino e menina né? Vocês conhecem o jogador
Neymar? Quem conhece ele? Todos os meninos levantam a mão...
Pesquisador: E quem conhece a Marta, jogadora da seleção? Dois
meninos e nenhuma menina levantam a mão. Mostra o desenho e crianças
respondem que é “mamãe e filhinha” e “papai e filhinho”. Pesquisador: E o que o
papai e a mamãe fazem? Crianças: Cuida da gente, dá banho, da comida, faz
compra, trabalha. Pesquisador: Muito bem! E quem trabalha, papai ou mamãe?
Crianças: A maioria responde que os dois trabalham. E o Pesquisador enfatiza que
os dois trabalham. Pesquisador: E o papai e a mamãe também cuidam dos filhos
né? Mas, mais alguém pode cuidar? Crianças respondem que sim e citam: titia,
149

vovó, vovo, madrinha. Pesquisador afirma novamente a função dos pais... e


crianças vão citando: lavam louça, lavam roupa. Jorge: abandona o filho.
Página
Pesquisador: Sim, infelizmente tem alguns que abandonam, é triste.
Criança: batem nos filhos. Criança: Tem pai e mãe que bate forte no
filho.

Cenário quatro (Intervenção cinco) - Um grupo de meninas brinca de médico.


Interventor pergunta quem é a médica... uma aluna responde ser ela e finge estar
fazendo um curativo. Sempre é a mesma aluna que assume o papel de médica. Há
cerca de sete alunas que estão na atividade e a médica afirma que todas elas são
pacientes. Interventor pergunta porque ela sempre brinca de médica.
Aluna: Porque ganha muito dinheiro. Somente meninos brincam de
futebol. Eles fazem movimentos de fazer falta, chutar a bola (mesmo sem bola),
se auto denominam diferentes jogadores, a maioria Neymar. Pesquisador
pergunta do que Gustavo está trabalhando e ele responde “para pagar”.
Pesquisador “pra você receber dinheiro?” Ele responde “sim” com a
cabeça. Pesquisador: “pra trabalhar recebe dinheiro?” Ele responde que
sim, com a cabeça. Pesquisador pergunta por que recebe e Gustavo diz
“Porque sim”. Interventor pergunta o que ele faz com o dinheiro e ele
diz que não faz nada e depois diz que compra as coisas.

Cenário cinco (Intervenção seis) - Pesquisador: Solta o vídeo e todos começam a


dançar, olhando a Pesquisador e o vídeo ao mesmo tempo e tentam reproduzir os
movimentos. Gustavo fica de braços cruzados e não dança, o interventor
vai até ele e pergunta por que ele não está dançando. Gustavo: Homem
não dança.

Cenário seis (Intervenção dezesseis) - Tem problema chegar por último? Vozes:
Não. Interventora: O importante é participar, não é? Tudo bem, chegar por último?
Tem problema? Gustavo: Sim. Pesquisador: Por que sim? Gustavo: Porque
perde e o negócio é ganhar. Pesquisador: mas qual é o problema em
perder? Gustavo: Porque o negócio é chegar na faixa (de chegada) e já
ganhar. Pesquisador: Mas se perder, qual é o problema? Gustavo: Não
ganha trofeú. Mas ele continua a discordar.

Cenário sete (Intervenção dezessete) - Fernando: Pesquisador eu não usei o


preto porque é feio. Pesquisador pergunta o que é feio. Fernando:
Porque a cara a pele, tudo preto, fica feio. Apontando para seu próprio
rosto e seu braço.
Fonte: Pesquisa de campo (2017)

Primeiro ponto a ser levantado a partir da análise dos dados apresentados no


150

presente episódio é a presença hegemônica de tendências alienadas nas ações das


crianças, sobretudo nos primeiros momentos interventivos, o que pressupõe uma relação
Página
cotidiano-pragmática mais marcante nas primeiras formas de intervenção que
realizamos; relações essas que foram se modificando até o final do processo interventivo
(mais a frente apresentaremos esse processo).
Segundo ponto a ser levantado é que a alienação da vida cotidiana, quando da
realização da construção dos motivos (temas e conteúdo) e da realização da brincadeira
propriamente dita, é notória, sobretudo quando das brincadeiras espontâneas que foram
realizadas no início do processo interventivo, as quais denotam os limites e um número
muito pequeno de possibilidades, de modelos e de relações sociais nesse processo, fato
que exprime os limites impostos pela manutenção da espontaneidade das crianças
quando da realização da atividade, situação que as mantém em um mundo restrito e de
limitadas representações lúdicas.
Terceiro ponto e, acreditamos ser o mais importante, é que durante o processo
interventivo, as tendências alienadas presentes nos modelos de relações sociais
reconstruídos pelas crianças durante a realização da brincadeira ou quando da
construção dos motivos para a realização dela, estavam carregadas de significações
sociais e sentidos pessoais equivocados, empobrecidos, fragmentados, em relação aos
verdadeiros significados que as atividades e os papéis sociais nelas presentes deveriam
apresentar. Identificamos esse fato quando uma aluna afirma que "brinco de médico
porque ele ganha mais dinheiro", fala que reproduz o significado presente
hegemonicamente na sociedade, ao invés de enfatizar a importante função social que o
médico assume no que tange ao cuidado e cura daqueles que estão passando por
situações de sofrimento e doença. Torna-se claro o quanto essa visão distorcida do papel
social do médico integra-se ao processo de desenvolvimento da consciência das crianças
em nossa sociedade, sendo que essas situações carregam a ruptura entre significado
social e sentido pessoal acerca da função do médico na sociedade. Situações como essa,
dentre outras que identificamos, engendram, como resultado valorativo nas ações das
crianças, tendências alienadas tais como: expressão de violência simbólica e física; da
necessidade de consumo de produtos diversos; de manifestação de preconceito e
151

discriminação; de incentivo ao individualismo; de competição exacerbada e excludente


Página
entre os indivíduos; de ênfase em atividades sexistas e destinadas exclusivamente a
homens e outras a mulheres, dentre outras tendências alienadas expressas nas relações
sociais presentes e próprias da sociedade capitalista.
Estes três fatores levantados são imprescindíveis de serem analisados e
compreendidos quando da realização da brincadeira reconhecida como atividade de
brincar, pois dão base aos professores sobre quais aspectos poderão atuar, de forma a
efetivarem o enfrentamento das relações sociais alienadas e alienantes que poderão
apresentar-se na realização das brincadeiras de papéis sociais no âmbito escolar.

3.2.5 Síntese da relação entre a alienação e o desenvolvimento da consciência alienada


das crianças a partir da brincadeira de papéis sociais

Enfim, é fato notório que a alienação social capitalista, tendo em vista os seus
aspectos práticos referentes ao processo de trabalho, influi diretamente na vida dos
indivíduos e em suas relações sociais. Esse fenômeno torna os papéis sociais carregados
de tendências alienadas e alienantes como temos dito, relações e ações fragmentadas,
caracterizadas por um rompimento entre o verdadeiro significado de cada atividade e
resumindo-se a um sentido pessoal pautado sob a égide da propriedade privada e pela
divisão social do trabalho, fato que leva à efetivação de expressões e ações egoístas,
individualistas, competitivas e excludentes por parte dos indivíduos em sociedade.
Assim, sabendo que a realidade apresenta tais características alienadas e
alienantes e, na brincadeira, quando a criança reconstrói modelos e assume papéis
presentes e próprios das relações sociais cotidianas, sobretudo quando essa atividade
não é pautada por uma ação educativa crítica que busque o enfrentamento dos aspectos
oriundos das relações e atividades alienadas e alienantes, elas viverão experiências
espontaneamente e, desta forma, vivenciarão um processo de reprodução da alienação
social, que redundará consequentemente, no desenvolvimento de suas consciências em
152

uma direção alienada e alienante.


Página
Contudo, outro ponto precisa ser explicitado. O planejamento da atividade e sua
aplicação intencional não pressupõe de forma direta condições efetivamente
humanizadoras que vão contra as tendências alienadas e alienantes. Os conteúdos e
formas de atuação durante a brincadeira, bem como, o caráter das mediações a serem
realizadas, quando planejadas, precisam ir além daquilo que é dado pelo conhecimento
cotidiano a partir da realidade capitalista, ou seja, este processo precisa ser efetivado por
um professor consciente de tais relações e as melhores formas de enfrentá-las, com
conteúdos que de fato apresentam tendências humanizadoras contrárias à alienação e
uma atuação pedagógica crítica no que tange possibilitar que tais tendências alienadas
que mesmo assim possam emergir, sejam superadas através da mediação do mesmo.
Para tanto, há que serem desveladas possibilidades pedagógicas que pressupõem tal
planejamento e atuação crítica e revolucionária.

3.3 Educação escolar hegemônica x educação escolar na perspectiva da


Pedagogia histórico-crítica: do geral à singularidade da educação no período
pré-escolar

A relação de dependência ontológica nos mostra como a educação possui


sua origem histórico-ontológica vinculada aos atos de trabalho e como
que ela irá transmitir os conhecimentos, valores, comportamentos,
habilidades etc. necessários para a reprodução social de uma forma de
sociedade fundada num determinado tipo de trabalho. Por exemplo: o
campo de possibilidades inerentes à sociabilidade feudal – fundada no
trabalho servil – impunha ao complexo educacional a transmissão dos
comportamentos e habilidades necessários para a reprodução daquela
ordem societária baseada na relação de suserania e vassalagem entre os
servos e os senhores feudais, ou seja, a educação era limitada pela
reprodução daquela forma típica de propriedade privada baseada no
trabalho dos servos (ROSSI, 2018, p.36-37).

Não há como negar que toda instituição social está vinculada intrinsecamente a
uma determinada estrutura societária, funcionando a partir de determinadas demandas
desta sociedade e, também, contribuindo, de maneira direta, com a produção,
153

reprodução e manutenção da mesma. Nela, estarão presentes, de forma geral, os


Página
valores, as necessidades, as relações, os conteúdos, as condições, as possibilidades
inerentes e necessárias à manutenção de tal sociedade.
Falar, portanto, de educação institucionalizada na atualidade é falar sobre uma
educação que se paute nas mazelas capitalistas, ou seja, que a escola, na atualidade,
reproduzirá as necessidades para a manutenção do status quo. Isto pode parecer óbvio à
princípio, mas, se analisado mais profundamente, podemos questionar sobre como,
dentro dessas mesmas instituições, podem surgir possibilidades de atividades educativas
que vão contra esta realidade tão desumanizadora? Como, em meio a toda burocracia,
materiais, conteúdos ideológicos, desvalorização, ingerências político-educacionais, etc.,
são criadas possibilidades diferenciadas de educação que caminham em direção ao
enfrentamento de todos estes condicionantes alienados e alienantes capitalistas?
Estas questões tornam-se pertinentes tendo em vista a tentativa e possibilidades
de concretização de uma educação que se paute, de fato, em uma direção
verdadeiramente humanizadora. Este é o papel que a Pedagogia Histórico-crítica assume
quando se coloca como possibilidade para a efetivação de uma práxis científica
educativa, que lute contra a reprodução da alienação em âmbito educacional, ou seja,
numa direção contra hegemônica. Tal situação só se torna possível quando analisamos o
espaço escolar enquanto um emaranhado de contradições o qual pode, não só reproduzir
aquilo que é imposto pela ideologia capitalista, mas, também, na luta entre contrários
que se complementam, caminhar na direção do enfrentamento das relações alienadas e
alienantes.
Reconhecer a escola, exclusivamente, como instrumento ideológico do Estado
Capitalista, mesmo que ela seja, de fato, um instrumento, desconsidera-se o movimento
dialético presente em seu interior, ou seja, desconsidera-se a história, o movimento e a
contradição inerente à todas as formas e possibilidades de relações que são engendradas
em seu interior. Portanto, tomando a categoria contradição como elemento de análise,
mesmo que esta instituição se configure como um instrumento ideológico alienado e
alienante, ela pode ser, também, um espaço de enfrentamento de tais mazelas, ou seja,
154

com elementos humanizadores, desde que isso seja possibilitado por alguém que tenha a
Página
consciência desse processo e de como superá-lo. Assim sendo, acreditamos que seja
necessário discutirmos ambas condições, para buscar as múltiplas determinações
condizentes com uma análise explicativa da realidade escolar.

3.3.1 A escola enquanto reprodutora da alienação social capitalista

De acordo com Rossi (2018, p.37),

[...] o capital é a potência que exerce influência na orientação de todos os


complexos sociais, inclusive na educação. Cabe a ela a transmissão dos
conteúdos e conhecimentos que atendam às necessidades de expansão
deste sistema social.

Busquemos mais exemplos para podermos enxergar de forma ainda mais clara a
influência do capital nos complexos sociais que o constituem. Pensemos na ciência, pois
hoje temos uma ciência altamente desenvolvida, com inúmeros avanços em diversas
áreas do conhecimento, contudo, mesmo com tamanho desenvolvimento, ainda existe a
fome, a miséria, a exclusão social, a ignorância, os preconceitos, dentre outras formas de
relações de precarização humana e social que levam os indivíduos até à morte. Assim, as
relações de produção capitalistas determinam os caminhos a serem seguidos pela ciência
e, embora tenhamos um desenvolvimento nunca antes visto até então, nem por isso são
minimizadas as inúmeras desigualdades existentes na atual estrutura social (ROSSI,
2018). Caminhemos um pouco mais em tal análise. Rossi (2018, p.37) nos mostra,
também,

Outro exemplo que podemos mencionar para dar concretude ao que


estamos falando, são os dados levantados por Ziegler (2011) de que há
hoje uma produção de alimentos no mundo capaz de alimentar duas
vezes a população mundial e, mesmo assim, 100 mil pessoas morrem de
fome por dia. A perspectiva reformista observa esta informação e conclui
que o problema é a distribuição. Apenas a perspectiva revolucionária
instaurada por Marx é capaz de esclarecer que a distribuição é desigual,
já que as relações sociais de produção capitalistas são estruturalmente
desiguais, a partir do sistema de assalariamento e da extração de mais-
155

valia.
Página
Ou seja, o modo de produção capitalista ao mesmo tempo em que possui
possibilidades imensuráveis de desenvolvimento da sociedade e do gênero humano,
coloca entraves, de forma intencional, para que tais possibilidades estejam alienadas da
grande maioria da população, pois, o que vale para o capitalismo é o lucro através da
extração da mais-valia humana, como foi apresentado na citação anterior. A escola na
atualidade, como sabemos, está inserida nesse processo, como uma instituição
necessária à produção e reprodução da ideologia capitalista e, consequentemente, à
efetivação da alienação em suas relações estruturais e funcionais.
A partir dessa conjuntura é que se analisa a crise do sistema público de ensino, o
qual se encontra esmagado pelas demandas sociais que são exigidas pela sociedade
capitalista e pelos cortes de recursos para as instituições de ensino. Tudo isso caracteriza
de forma clara, a realidade instaurada pelo “neoliberalismo”, onde “tudo se vende, tudo
se compra”, “tudo tem preço”, ficando constatado também a “mercantilização da
educação” (MÉSZÁROS, 2008, p.16).
Uma forma de sociedade respaldada nesses ideais que obstaculizam o processo de
humanização dos indivíduos, acaba por transformar os espaços educacionais em
“shopping centers”, onde a lógica que impera é a de mercado, isto é, extração de lucro e
reprodução ideológica (MÉSZÁROS, 2008, p.16).
Com isso, a “especificidade da educação”, que para Saviani (2013b, p.22) deveria
estar pautada em “conhecimentos, ideias, valores, conceitos, atitudes, hábitos,
símbolos”, isto é, embasada em aspectos essenciais à formação “dos indivíduos
singulares” de forma humanizada, intencional e consciente, está, por outro lado, a patir
da atual conjuntura social, pautada nas necessidades e ideologia voltadas à manutenção
de uma pequena parte da população no poder, isto é, respaldada em uma educação
produtora e mantenedora da lógica do capital e de seus detentores.
A partir de uma análise histórica, Segundo Mészáros (2008), a instituição escola
há muito serve diretamente aos interesses da sociedade capitalista. Esse propósito, está
marcado tanto pelo papel da escola em fornecer conhecimento e mão-de-obra necessária
156

para movimentar a máquina capitalista, como também para engendrar e transmitir


Página
valores que legitimem os interesses da classe dominante, seja na forma de dominação
dos processos de ensino-aprendizagem, seja na forma de uma dominação estrutural
hierarquizada a partir de relações de poder que colocam o outro em um processo de
submissão violenta.
Os pensadores da classe dominante, desde o início, culpabilizavam a classe
trabalhadora por sua própria situação de pobreza. Esta situação, para eles, representava
nada mais que o relaxamento disciplinar e a deturpação dos hábitos das pessoas, sendo
que todos que passavam por isto e, aí se mantinham, pelo fato de não gostarem de
trabalhar, desfrutando somente dos vícios e da ociosidade mundana. Para que
trabalhassem e gerassem o lucro necessário, tornar-se-ia necessário a criação de leis que
fossem contra tais deturpações mundanas (MÉSZÁROS, 2008).
Esses ideólogos, a favor da manutenção das relações capitalistas, propunham a
criação de escolas profissionalizantes para os filhos dos menos favorecidos, de forma a
convencê-los de que suas intenções eram as melhores possíveis. Contudo, no geral, o
que se verificou foi a efetivação de relações de poder caracterizadas pela dominação,
impostas de forma brutal e violenta, no início da sociedade capitalista (MÉSZÁROS,
2008).
Os interesses da classe dominante sempre permaneciam intactos e, mesmo as
mais “nobres utopias educacionais”, como afirma Mészáros (2008), eram formuladas a
favor da manutenção e perpetuação do domínio capitalista, como única possibilidade de
construção social e, consequentemente, desenvolvimento dos seres humanos.
Portanto ao se alcançar o nível mais desenvolvido dessa sociedade, isto é, quanto
mais avançada à sociedade de classes, de acordo com Mészáros (2008, p.80),

[...] mais unilateralmente centrada na produção de riqueza reificada como


um fim em si mesmo e na exploração das instituições educacionais em
todos os níveis, desde as escolas preparatórias até as universidades –
também na forma de “privatização” promovida com suposto zelo
ideológico pelo Estado – para a perpetuação da sociedade de
mercadorias.
157

Enfim, observa-se que, em todas as instâncias, inclusive na escola, o sistema


capitalista, a partir de relações pautadas em ideologias e práticas reais e efetivas de
Página
alienação, busca manter-se como a única e última forma de estrutura social possível,
desenvolvendo na maioria da população uma consciência pautada em tendências
alienadas e alienantes. Essa forma de consciência, formatada de forma fragmentada, que
não consegue sair das particularidades imediatas, torna possível o poder de manutenção
do controle social nas mãos de uma pequena parcela de seres humanos, a elite
capitalista que encontra-se no poder, a qual, por meio da extração da mais-valia e,
consequentemente, obtenção do “lucro”, forjado na exploração da força de trabalho da
grande massa, gozam do privilégio de apropriação das formas mais elevadas de
produção do gênero humano, relegando à maioria da população apenas as condições
mínimas para a manutenção da sua sobrevivência.
Diante das questões levantadas acima e acreditando na importância do
enfrentamento das relações alienadas e alienantes, tomando a escola como espaço de
contradições, que pode contribuir nesse processo32, torna-se fundamental, portanto,
construir junto aos participantes da escola, protagonizados pelos professores, as
condições de efetivação de uma escola-comunidade (VIOTTO FILHO, 2014).
Para o autor, a escola atual, pensada e organizada pelos educadores como escola-
comunidade, deverá ser pautada por “valores axiológicos positivos, próprios de uma
integração social consciente, pois somente nessa condição, é que o próprio homem,
como totalidade social, poderá avançar em seu desenvolvimento e atingir o humano-
genérico” (VIOTTO FILHO, 2014, p.75).
Para que isso ocorra, há que se construir coletivamente, a partir e de dentro da
escola atual, as condições objetivas para que os educadores possam orientar os seus
estudantes e demais sujeitos participantes da escola, numa direção ativa e não alienada,
para que internalizem e desenvolvam afetiva-cognitivamente as várias
habilidades/capacidades impregnadas em objetos culturais essenciais tais como os
conhecimentos científicos, filosóficos, artísticos, dentre outros objetos humano-genéricos,

32
Já que, como apresentado no início da presente subseção, tendo em vista as contradições inerentes a
158

realidade, existem possibilidades de enfrentamento dessas condições alienadas e alienantes dentro da


própria escola.
Página
para que suas consciências sejam construídas, ampliadas e complexificadas a partir de
mediações carregadas de sistemas conceituais valorativos humano-genéricos os mais
desenvolvidos possíveis nesse momento histórico (VIOTTO FILHO, 2014).
Há que ser posto em evidência que, mesmo imersos em condições alienadas e
alienantes diuturnamente, os professores podem, a partir de um processo de formação
inicial ou continuada carregado de conteúdos valorativos diferenciados pautados nos
conhecimentos mais elaborados e valores humano-genéricos qualitativamente
superiores, desenvolverem suas consciências em uma direção menos alienada, pois, não
podemos afirmar categoricamente que as tendências alienadas e alienantes são
absolutas e irreparáveis, como já vimos discutindo na presente tese. Novamente,
tomando as categorias da dialética contradição e movimento, devemos considerar que
existem níveis diferenciados de alienação, portanto, mesmo que um indivíduo tenha que
se submeter às condições alienadas inerentes ao metabolismo capitalista em seu
cotidiano, por exemplo, vender sua força de trabalho em troca de um salário, condição
indispensável à manutenção da vida na atualidade, este mesmo indivíduo pode se tornar
consciente de tais mazelas e engendrar possibilidades diferenciadas de humanização, ou
seja, constituir-se e efetivar em sua atuação condições humanizadoras de
desenvolvimento, contribuindo, assim, com o enfrentamento das tendências alienadas e
alienantes capitalistas, consequentemente, possibilitando a construção de consciências e
de sua própria, menos alienadas.
Torna-se importante lembrar Paro (2000) quando afirma que parece haver poucas
possibilidades de o Estado (nas mãos dos capitalistas) empregar esforços na direção da
democratização do saber, sobretudo nas escolas públicas, sem que esse processo seja
compelido e alavancado pela sociedade civil e no âmbito da unidade escolar, ou seja, os
sujeitos participantes da escola, apoiados em movimentos sociais em defesa da escola,
deverão se organizar e protagonizar esse processo de construção da escola-comunidade,
desde a defesa de seus direitos, bem como a partir de práticas educativas
humanizadoras, como defende Viotto Filho (2014).
159

Viotto Filho (2014) finaliza suas reflexões afirmando que a escola-comunidade,


Página
como possibilidade de transformação da escola atual, deverá ser um espaço estruturado
e organizado onde educadores e educandos tenham voz para se manifestar de forma
livre e autêntica, não limitados às imposições da estrutura burocrática, sendo que essa
escola, ao ser reconhecida pelos seus sujeitos como escola-comunidade, tornar-se-á
espaço de vida significativa e de atividade vital.
Enfim, mesmo sabendo que a escola na atual estrutura social reproduz a ideologia
da classe dominante, sabemos também, a partir da lógica dialética, que no seu interior
manifestam-se contradições e que essa mesma escola que reproduz a alienação poderá
estar permeada por processos humanizadores. Então, pela via da possibilidade de acesso
ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, tomando como via
práticas educativas que tenham como objetivo uma ação intencional e direta na
construção da segunda natureza humana em suas máximas possiblidades em cada
indivíduo singular, como apregoa a Pedagogia histórico-crítica, vislumbramos as
possibilidades para o enfrentamento das tendências alienadas e alienantes a partir de
processos educativos pautados em um desenvolvimento humano verdadeiramente
emancipatório.

3.3.2 O lema “aprender a aprender” enquanto lógica prático-teórica da produção e


reprodução da alienação dentro das escolas

Principiamos nossa discussão destacando que a origem do termo “aprender a


aprender” pauta-se numa concepção pedagógica que se embasou nos constructos
teóricos de desenvolvimento humano realizados, sobretudo, por Jean Piaget (1896-
1980), em sua teoria psicológica conhecida como “epistemologia genética”. Ele, a partir
disso, é considerado o pai do construtivismo33, concepção pedagógica que vem
influenciando a educação brasileira desde os primórdios do século XX, sob o aporte do
160

33
Concepção pedagógica gestada no bojo das discussões psicológicas piagetianas.
Página
movimento Escolanovista, surgido com o intuito de superação da proposta educacional
tradicional que imperava até então (FACCI, 2012). De acordo com Facci (2012, p. 122),

Piaget (1978, p.225) afirma que “o ideal da educação não é aprender ao


máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a
aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a continuar se
desenvolver depois da escola” Ele dá sustentação científica à escola ativa
(FERREIRO, 2001; PARRAT-DAYAN & TRYPHON, 1998, VASCONCELOS,
1996), pregando o respeito à atividade do aluno, defendendo a
importância da cooperação e da solidariedade, da autonomia e do
trabalho em grupo.

Considerando as reflexões de Saviani (1991), tal lema desloca o eixo do processo


educacional do plano lógico para o psicológico, dando ênfase aos métodos de construção
do psiquismo, deixando em um plano secundário os conhecimentos e conteúdos já
construídos pelos seres humanos, tirando o professor do centro do processo e colocando
tal papel central no aluno, focando no interesse pessoal e não no esforço repetitivo
intelectual, passando da disciplina para a característica espontaneísta do processo
educativo.
Em um mesmo caminho, de acordo com Duarte (2001), esta característica
pedagógica espontaneísta pautado no lema “aprender a aprender” que se apresenta na
educação escolar atual permeia a formação e atuação dos professores, apresentando
quatro aspectos valorativos essenciais nesse processo,

1) aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos


educativos e sociais, àquilo que ele aprende através da transmissão por
outras pessoas e 2) o método de construção do conhecimento é mais
importante do que o conhecimento já produzido socialmente. 3) a
atividade do aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser
impulsionada e dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança
e 4) a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a
sociedade em acelerado processo de mudança [...] a nova educação deve
pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as
transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez
mais provisórios (DUARTE, 2001, p.37).

Tal afirmativa pode ser verificada, por exemplo, quando analisamos o Relatório
161

para a Unesco, produzido em 2010, sobre os quatro pilares que deverão sustentar a
educação no século XXI,
Página
A educação ao longo da vida baseia-se em quatro pilares: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. -
Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente
ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, um número
reduzido de assuntos, ou seja: aprender a aprender, para beneficiar-se
das oportunidades oferecidas pela educação ao longo da vida. - Aprender
a fazer, a fim de adquirir não só uma qualificação profissional, mas, de
uma maneira mais abrangente, a competência que torna a pessoa apta a
enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Além disso,
aprender a fazer no âmbito das diversas experiências sociais ou de
trabalho, oferecidas aos jovens e adolescentes, seja espontaneamente na
sequência do contexto local ou nacional, seja formalmente, graças ao
desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. - Aprender a
conviver, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das
interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para
gerenciar conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da
compreensão mútua e da paz. - Aprender a ser, para desenvolver, o
melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma
capacidade cada vez maior de autonomia, discernimento e
responsabilidade pessoal. Com essa finalidade, a educação deve levar em
consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória,
raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-
se. - No momento em que os sistemas educacionais formais tendem a
privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento das outras formas
de aprendizagem, é mister conceber a educação como um todo. Essa
perspectiva deve no futuro inspirar e orientar as reformas educacionais,
seja na elaboração dos programas ou na definição de novas políticas
pedagógicas (DELORS, et al., 2010).

Ou seja, torna-se papel das “futuras” reformas educacionais retirarem, ainda mais,
o foco da busca por uma educação pautada em um processo que trabalhe com os
conhecimentos mais elaborados, de forma direta e intencional, enfatizando e
institucionalizando programas que valorizem o espontaneísmo e os conhecimentos
cotidianos em-si, sob a falsa máscara de que isso é caminho para a autonomia e
liberdade dos estudantes.
Consideramos importante fazer essa reflexão, pois, a difusão do citado lema e sua
efetiva aplicação na escola, tendo em vista a organização e orientação em relação a
brincadeira de papéis sociais, por exemplo, configura-se como uma situação que
alimenta a ideologia dominante, efetivando a construção de tendências alienadas e
162

alienantes no plano do psiquismo infantil, a partir da reprodução do senso comum, do


Página
cotidiano em-si, valorizando conhecimentos superficiais e, até mesmo, falseadores da
realidade, além do fato de construir possibilidades educativas nas quais o indivíduo
aprende por si só. Sendo assim, são atividades que retiram da escola e dos professores a
tarefa de socialização do conhecimento sistematizados, cerceando as possibilidades dos
estudantes de acesso aos conteúdos não-cotidianos, às objetivações para-si, mantendo-
os na esfera das relações e condições alienadas e alienantes de desenvolvimento de suas
consciências (HELLER, 1977).

3.3.3 O lema “aprender a aprender” na educação infantil a partir da pedagogia “anti-


escolar”

Ao fazermos uma análise breve da história da educação infantil, podemos


observar que sua compreensão se dá de inúmeras formas, o que a leva a uma certa falta
de identidade, hora como equipamento de caráter assistencialista do estado, como as
creches que assumem a função de depósito de crianças a serem assistidas, hora
entendida como estratégia de combate à pobreza, proporcionando o mínimo de
condições de alimentação e cuidado das crianças. Por outro lado, entendida enquanto
forma de prevenção ao atual fracasso escolar, ou seja, como forma de preparação ou
antecipação do ensino fundamental (PASQUALINI, 2011).
Assim, em um contexto geral, tendo em vista as condições em que se apresenta a
educação escolar desde o início do século XX, Arce (2012) afirma que a educação infantil
na atualidade assume como pilar central a dita concepção pedagógica construtivista,
respaldada, assim, no lema “aprender a aprender”, como foi discutido no item anterior.
Apreendemos, desta feita, que o que impera na educação infantil hoje, sob tal
base construtivista, pode ser denominada como “Pedagogia da Infância”, que, ainda de
acordo com Arce (2012), pode ser considerada uma pedagogia que assume uma
característica “anti-escolar”. De acordo com a autora, esta perspectiva tem encantado e
seduzido vários educadores mundo a fora, inclusive os brasileiros, sendo que esta
163

atração se dá pelo fato dessa proposta unir ideias que são contrárias a uma atuação
Página
pedagógica direta e intencional a qual a educação escolar como um todo deveria possuir,
facilitando, assim, o trabalho a ser realizado em tal nível educacional.
Dentre as ideias permeadas por tal pedagogia, dentro da linha construtivista
“aprender a aprender”, destaca-se que,

O foco do trabalho educativo está na aprendizagem provinda das


construções individuais; a inversão da ideia de que o adulto humaniza a
criança, portanto, a infância passa a ser portadora de todas as virtudes e
de todas as forças que humanizariam os adultos; o princípio de que o
lúdico, isto é, [entendido como] o prazeroso, deve ser o eixo central da
prática educativa; a ausência de planejamento, a criança dita o ritmo do
trabalho e o professor apenas a segue; a crença de que conhecimento
provindo da prática e retirado do cotidiano das crianças e professores vale
mais do que qualquer livro; a defesa do lema “aprender a aprender”, ou
seja, o professor não ensina, apenas acompanha, orienta, estimula,
partilha (ARCE, 2012, p.136).

Essa concepção pedagógica toma como discurso principal a necessidade de


desvincular a educação infantil como parte integrante da educação básica escolar no que
tange a ideia do ato de ensino em tal nível, por ser algo inviável e prejudicial, retirando,
consequentemente, a imagem do professor como um indivíduo responsável e necessário
na transmissão de conhecimentos às crianças de 0 a 5 anos (ARCE, 2012).
Os programas referentes à educação infantil, sob tal ótica, devem ter como
primazia a ludicidade, de um ponto de vista que impera o prazer das atividades que as
crianças irão realizar de forma espontânea. Sendo assim, nesta concepção, o lúdico
acaba sendo assumido enquanto e somente sinônimo de prazer, pois as brincadeiras
realizadas de forma espontânea pela criança devem ser consideradas enquanto um
escudo contra os processos de escolarização que tornariam monótona esta realidade, e
acabaria, por consequência, com a “criatividade” e a “liberdade” imperativas na infância
(ARCE, 2012).
Observemos algumas dessas situações a partir dos dados obtidos quando do
processo de observação sistemático realizado durante cinco dias na escola em que foi
realizada a pesquisa:
164
Página
Quadro 7 - Episódio 5: A presença de momentos de brincadeiras espontâneas na rotina das
crianças e a inexistência de brincadeiras de papéis sociais minimamente organizadas pelo
professor.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Durante a realização das observações sistemáticas dos cinco


dias de aulas regulares da classe de pré-2 participante da pesquisa, evidenciou-se
momentos nos quais as crianças realizavam de forma espontânea atividades de
brincadeira as mais diversas; como no dia do brinquedo, dia no qual cada criança
podia levar à escola um brinquedo e durante certo momento da aula, brincar de
forma espontânea com tal objeto; momento de utilização do parquinho da escola,
no qual as crianças também realizavam atividades espontâneas em tal espaço; e o
momento da quadra, que também eram realizados momentos de atividades
espontâneas.

CENA: A inexistência de momentos com brincadeira de papéis sociais organizadas


e mediadas pelo professor e a presença de momento de atividades lúdicas
espontâneas.

Cenário um (Observação sistemática da Aula do dia 20/03) - 1)


Estrutura/conteúdos da aula: - Oração, Ajudantes, Roda, história, músicas,
Atividades (1ª números; 2ª desenhar uma coisa dentro do círculo e pintar (indicar
número 1 ao final do desenho), 3º professora explica a lição de casa; 4º projeto
sobre identidade pessoal (desenho para pintar) (vai ter altura, peso e idade)), Dia
do brinquedo (brincar de forma espontânea com tal objeto). 2) Estratégias
de ensino-aprendizagem desenvolvidas: Momento do brinquedo (eles vão
brincar com os brinquedos que levaram para a escola), as crianças que
não tinham brinquedo, a professora disponibilizava alguns para eles
escolhessem e brincassem. Antes de começar a professora orienta que
eles não podem brigar e é para dividir os brinquedos. Brinquedos: 5
meninos com carrinhos; 4 meninos com bonecos de heróis; 9 meninas
com bonecas com formato de bebês. 3) Relações interpessoais mantidas
durante a aula entre estudantes – estudantes, estudantes – professor e estudantes
– pesquisador: Eles emprestam os brinquedos uns para os outros com
certa dificuldade. Os meninos que estão com os bonecos de heróis e os
carrinhos ficam brincando entre si, alguns deles me envolvem na
brincadeira fingindo estarem jogando teias de aranha e eu participo
(pesquisador). 4) Ações/comportamentos e falas das crianças diante dos
conteúdos apresentados: Hora do brincar: as meninas brincam de cuidar de
suas “filhinhas” e os meninos com carrinhos e bonecos de heróis. Alguns
meninos brincam de “lutinha” imaginária com os bonecos. Os que estão
com os carrinhos, ficam os empurrando pelo chão, como se estivessem
em uma estrada, fazendo o som da derrapagem dos carros. Uma menina
165

fala: cada um com o seu brinquedo. As meninas dão comidinha para as


bonecas, arrumam os cabelos delas, escovam os dentes. Uma aluna
Página
começa a brincar de “pato-ganso” (quando um grupo de 15 crianças
(meninos e meninas) brincam juntos. Começam a cantar uma das
músicas que haviam cantado no início da aula. Pergunto (pesquisador)
para uma aluna do que ela está brincando (ela está com uma boneca),
ela diz “mamãe e filhinha”. Eles investem em começar a brincar de
“escolinha”, mas a atividade não acontece. Alguns meninos dizem que
estão brincando de super-heróis, capitão América, homem aranha... 4
crianças brincam sozinhas, sem interagir com ninguém (total de 22).
Uma criança brinca de corrida de fórmula 1 (coloca um boneco em cima
de um caminhão de brinquedo e diz que ele é piloto de fórmula 1) e diz
“ele ganhou a medalha de ouro”. 8 meninas começam a brincar de
escolinha. Uma que está de óculos assume o papel de professora e fica
sentada na carteira, organizando os seus “alunos” (as crianças brincam
de serem alunos). A “professora” quando não é ouvida, grita com os
alunos para prestarem atenção. Surge uma segunda professora, uma
delas diz para os alunos “vamos escolher uma musiquinha”. A professora
diz para um aluno que ele ia ficar de castigo ao não se comportar
corretamente durante a atividade. Uma das professoras da brincadeira
pergunta para a outra “meu nome é pro?”, a outra responde “é Fani”
(nome fictício da professora da sala). Todo o momento uma das
professoras da brincadeira manda os alunos ficarem em seu lugar.
Começam a cantar as musiquinhas. Uma menina começa a brincar com
um carrinho sozinha. Um menino começa a pentear o cabelo das pessoas
e das bonecas. Outra menina começa a brincar com um super-herói.

Cenário dois (Observação sistemática da Aula do dia 21/03) - 1)


Estrutura/conteúdos da aula: Perguntei para a professora se as crianças haviam
feito alguma atividade relacionada a brincadeiras e ela me falou que neste dia
os levou até quadra para brincarem. Atividades realizadas: arranca rabo;
Alerta; e o mestre mandou (disse-me que eles já sabiam realizar as
atividades por si mesmos, só disponibilizou os materiais). 4)
Ações/comportamentos e falas das crianças diante dos conteúdos apresentados: A
professora relatou que houve apenas um momento no qual dois estudantes
brigaram pela bola e ela teve que intervir.

Cenário três (Observação sistemática da Aula do dia 24/03) - 1)


Estrutura/conteúdos da aula: 1-oração 2-ajudantes 3-roda de combinados 4-
chamadinha (11 meninos e 9 meninas) 5- história “João e o pé de feijão” 6-
músicas 7-Atividades (1ª atividade com a vogal i – pintar os desenhos que
começam com i e circular as palavras que começam com i; 2ª atividade – escrever
os nomes dos amigos da sala que tenham a letra i; brincar de montar o
166

alfabeto) 8-lanche 9-parquinho. 2) Estratégias de ensino-aprendizagem


desenvolvidas: Parquinho: eles estão brincando no parquinho e os meninos
Página
que quiserem podem chutar bola. Eles brincam de forma espontânea. 4)
Ações/comportamentos e falas das crianças diante dos conteúdos apresentados: A
professora diz que vai falar as regras do parquinho e uma menina começa a dizer
quais são, sem a autorização da professora. Um menino pergunta se eu quero
jogar bola com eles (só meninos jogam). 4 meninos ficam com a bola
jogando futebol, o mesmo menino diz que quer ser o juiz. Três meninos
são os jogadores. Menina: “a gente brinca no trepa-trepa de escalador”.
Um menino começa a cantar quando estão escalando e as outras
crianças começam a acompanha-lo na cantoria. Aluna: “Tio (nome do
Pesquisador), não deixa ninguém pular do alto do trepa-trepa pra não
machucar”. Duas meninas brincavam de polícia e ladrão dentro de uma
casinha que tem no parque. Eles começam a brincar de polícia e ladrão
(alguns meninos e meninas). Os policias correm atrás dos ladrões e
quando os pegam levam para a casinha que é a delegacia. Aluno diz:
nossa que medo dos ladrão. Um menino sai gritando “o ladrão tá
fugindo”, indicando para outra criança, que saiu correndo e quando o
pega o joga no chão de maneira ríspida e depois leva para a “prisão”.
Eles ficam brincando de polícia e ladrão a maior parte do tempo. Uma
menina diz que é gostoso descer no escorregador porque “bate um
ventinho” (estava muito calor neste dia). - A casinha é a delegacia e
quem é pego tem que estar dentro dela (ficar preso). Um aluno diz que é
o chefão (delegado), pergunto o que o chefão faz, ele “chefão faz os
empregados fazerem o que ele manda”. Aparece um detetive na
brincadeira. Eles fingem estar trancando os amigos dentro da cadeia. A
atividade polícia e ladrão continua durante todo o parque, mesmo eles
indo brincar em outros brinquedos, eles ficam conversando sobre quem é
quem dentro da brincadeira.
Fonte: Pesquisa de campo (2017)

Como verificamos, as atividades de brincadeira se resumiam nas crianças,


realizadas por ela mesmas e de forma espontânea aquilo que lhes convinha e durante os
momentos disponibilizados para tais atividades. Esse fato, que demonstra uma falta de
sistematização e percepção desse importante momento de brincadeira de papéis sociais,
que era minimamente organizado, somente para garantir a manifestação espontânea das
crianças, reconhecendo a importância da atividade livre e lúdica para a aprendizagem da
criança pré-escolar, na busca do aprender a aprender por si mesma, apregoa, portanto,
uma perspectiva “anti-escolar” em que as crianças mantém-se à sua própria sorte nos
167

momentos disponibilizados a atividades lúdicas.


Página
Diante do exposto, alguns questionamentos se colocam contra tal ideario, quais
sejam: “É possível haver educação sem ensino?”, vez que os pensadores de tal
perspectiva assumem tal lema enquanto uma teoria pedagógica; “Se as instituições de
educação infantil não tiverem por objetivo último o ensino e a apropriação e objetivação
dos conhecimentos humanos sistematizados por parte das crianças, o que caracterizaria
a especificidade dessas instituições perante outras, como, por exemplo, um clube?”, na
qual a criança realizaria, da mesma forma, atividades espontâneas e divertidas; “não
seria a própria negação do princípio educativo básico que é a humanização da criança,
fazendo com que ela cresça e se transforme em um ser humano adulto?”, ou seja, não
seria instaurada um paradoxo impossível de ser superado? (ARCE, 2012, p.139).
Portanto, há que se considerar que tal perspectiva educacional, pautada no lema
construtivista “aprender a aprender”, estaria contribuindo diretamente com o processo
de efetivação das tendências alienadas e alienantes capitalistas nas atividades a serem
realizadas pelas crianças em nível pré-escolar. Pois, tomadas pela espontaneidade em
uma brincadeira de papéis sociais, por exemplo, seria exposta às crianças uma arma
importante ao metabolismo capitalista para inculcar, desde a mais tenra idade, tendo em
vista a importância de tal atividade ao processo de desenvolvimento psicológico infantil,
valores, hábitos, conhecimentos e etc., que coadunam com os princípios alienados e
alienantes presentes nas relações sociais capitalistas, necessárias para a sua manutenção
e reprodução.
Assim sendo, considerando o movimento dialético e a contradição da realidade, há
que se construir possibilidades pedagógicas humanizadoras com a brincadeira de papéis
sociais que busquem o enfrentamento das tendências alienadas e alienantes que
subjazem os modelos de relações sociais reconstruídos pelas crianças, pois, é nesta
atividade que estão postas as possibilidades de efetivação das mudanças mais
importantes na consciência e personalidade do indivíduo que encontra-se na situação
social de desenvolvimento referente ao período da infância pré-escolar.
168
Página
3.3.4 A prática pedagógica histórico-crítica enquanto prática revolucionária

Para entender se uma prática pedagógica contribui, de fato, com a transformação


qualitativa da sociedade e dos indivíduos que a constituem, é necessário analisá-la em
sua essência, levando em consideração os aspectos históricos que envolvem sua
estrutura e dinâmica. Neste caminho, acreditamos que a Pedagogia Histórico-crítica é a
que melhor expressa, atualmente, as condições para tal reflexão, prática e
transformação, sendo assim, apresentaremos os pressupostos fundamentais que a
orientam, com objetivo de evidenciar uma prática pedagógica que contribua para com
uma educação efetivamente emancipatória.
A Pedagogia Histórico-crítica começou a ser gerada teoricamente no final da
década de 1970, a partir de discussões realizadas na primeira turma de doutorado
formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no ano de 1979,
avançando em suas discussões e sistematização a partir do texto “Escola e democracia:
para além da curvatura da vara”, publicado em 1982. Neste texto está integrada a obra
“Escola e democracia” de Dermeval Saviani, na qual foram abordadas quais são as
principais concepções pedagógicas e suas contribuições e limitações para o campo da
educação. Propõe, a partir daí, uma pedagogia que incorpora e supera os elementos
existentes nas escolas tradicional e nova (MARSIGLIA, 2011a).
De acordo com Saviani (2013b, p. 55-56), a pedagogia proposta assume que,

Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a


escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará
emprenhada em que a escola funcione bem; portanto, estará interessada
em métodos de ensino eficazes. Tais métodos situar-se-ão para além dos
métodos tradicionais e novos, superando por incorporação as
contribuições de uns e de outros. Serão métodos que estimularão a
atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do
professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor,
mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada
historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de
aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista
a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação
169

para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos


cognitivos.
Página
Como ficou evidente, tal perspectiva se compromete com um projeto educativo
revolucionário, tendo como base uma visão de ser humano e sua relação com o trabalho
pautado nos pressupostos epistemológicos do Materialismo Histórico e Dialético. Assim
sendo, considera que os homens se desenvolvem a partir da relação que mantém com a
natureza, transformando-a de acordo com suas necessidades (trabalho vital). Ao
modificar a natureza, os homens modificam, também, a si mesmos, pois para operar no
trabalho é necessário antecipar mentalmente as finalidades que serão alcançadas em
suas ações. Nesse processo dialético de transformação da natureza e de si mesmos, se
dá o processo de constituição do mundo especificamente humano, isto é, o mundo da
cultura (SAVIANI, 2013b).
Nesse sentido o trabalho humano pode ser considerado tanto trabalho material,
quanto, trabalho não material, isto é, produz, ao mesmo tempo, bens materiais para
garantia da subsistência humana, quanto, ideias, valores e etc.. É no âmbito do trabalho
não material que está a Educação. A ela cabe a produção de ideias, valores, conceitos,
símbolos etc., aspectos estes que contribuem diretamente para com a constituição da
segunda natureza dos indivíduos, ou seja, a natureza especificamente humana (SAVIANI,
2013b).
Sendo assim,

Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao homem, mas
é por ele produzida sobre a base da natureza bio-física.
Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens (SAVIANI,
2013b, p.13).

Na perspectiva da Pedagogia Histórico-crítica, o trabalho educativo é, portanto,


uma atividade intencionalmente dirigida por determinados fins, qual seja, desenvolver a
humanidade historicamente produzida em cada indivíduo singular, sendo ela, então,
responsável direta pela humanização dos seres humanos. Sendo assim, diferencia-se de
formas espontâneas de educação, que também são determinados por certos fins,
170

contudo, não se preocupam com a necessidade de uma atividade que produza, direta e
Página
intencionalmente, estes fins, além de engendrarem dicotomias que prejudicam o ato
educacional (DUARTE, 1996).
À educação escolar cabe, portanto, o papel de transmissão de conteúdos que
levem os indivíduos a compreenderem e participarem da sociedade em que vivem de
forma crítica. Para isso, considera o diálogo entre professores e educandos, o respeito
em relação ao desenvolvimento psicológico dos alunos e a superação do senso-comum,
como os pontos fundamentais do processo educativo. Isso nos leva a entender que o
conhecimento trazido de fora pelos alunos também se faz importante, contudo, somente
como ponto de partida. No ponto de chegada espera-se que os alunos ascendam à
expressão elaborada, sistemática, dos conhecimentos mais elaborados (SAVIANI,
2013b).
Para que tal objetivo seja alcançado, fica evidente que os conhecimentos a serem
transmitidos pelos professores no ato educativo, apresentam um grau maior de
complexificação que a apreciação da realidade pautada no senso-comum. É importante
salientar que o conhecimento cotidiano, ou, de senso-comum, está implícito no
conhecimento erudito, correspondendo à expressão aparente, superficial, heterogênea,
pragmática da realidade. Já os conhecimentos sistematizados são aqueles que estão para
além do cotidiano, correspondendo à apreciação da essência dos fenômenos postos na
realidade objetiva, sendo assim, apresentam um alto grau de abstração e sistematização,
sendo muito mais difíceis de serem construídos e apropriados.
Nesse caminho, a escola deve socializar o conhecimento mais elaborado,
sistematizado, ou seja, deve trabalhar com os conhecimentos científicos, filosóficos e
artísticos, tomados em suas expressões mais elevadas (SAVIANI, 2013b) e, nessa
direção histórico-crítica, como defende Viotto Filho (2014, p.76), a “escola, mesmo sob
as condições do sistema capitalista, poderá contribuir para a superação de valores
individualistas e para a construção de sujeitos que tenham consciência do nós”. Esclarece
o autor que essa forma de consciência histórico-crítica, a ser desenvolvida na escola-
comunidade será “uma consciência que tenha condições de avaliar criticamente a
171
Página
realidade, reprimir características e aspectos particulares, individualistas e alienados que
distanciam o sujeito da genericidade” (VIOTTO FILHO, 2014, p.76).
A prática pedagógica histórico-crítica assume, assim, em relação ao método de
ensino, cinco momentos dialeticamente interdependentes que permeiam o ato
educacional, quais sejam, prática social, problematização, instrumentalização, catarse e
prática social requalificada (MARTINS, 2016). A autora frisa que tais momentos, em suas
articulações dinâmicas entre ensino e aprendizagem, referem-se à organização lógica do
ensino, expressando-se, desta feita, como abstrações a orientarem as ações concretas
da realidade, não sendo, portanto, procedimentos didáticos, o que romperia com um
constructo pedagógico pautado no materialismo histórico e dialético.
Como pôde ser observado, a prática social deve ser assumida como ponto de
partida e ponto de chegada, sendo ela o substrato real em que são efetivados os
processos lógico-abstratos de problematização, instrumentalização e catarse, atos de
pensamento que possibilitam uma percepção e compreensão mediata daquilo que é
captado de forma imediata pelos órgãos sensitivos (MARTINS, 2016; SAVIANI, 1991).
Tomar a prática social como ponto de partida e chegada do ato de ensino,
remete-se à uma condição dialética na qual, inicialmente, os alunos apresentam um
conhecimento sincrético de determinado conteúdo e o professor apresenta uma síntese,
ainda precária, do mesmo conteúdo. Isto quer dizer que, o professor já está apropriado
dos níveis mais elaborados do conteúdo tratado, mas, precisa levar em consideração as
apropriações em-si que os alunos apresentam. Contudo, esse conhecimento, do ponto de
vista do professor, como já fora dito, ainda não é sintético em sua plenitude, pois, além
de não existirem conhecimentos absolutos e estanques sobre as coisas, ele ainda não foi
colocado a prova do contexto do alunado com os quais irá trabalhar, intentando objetivar
neles a expressão mais elaborada de tal conteúdo. Sendo assim, como ponto de partida,
o professor deve levar em consideração os conhecimentos que os alunos trazem sobre
determinados conteúdos, levando-os, ao final do ato educativo, a uma objetivação
qualitativamente superior, a partir das abstrações lógicas do pensamento
172

problematização, instrumentalização e catarse (MARSIGLIA, 2013; SAVIANI, 1991).


Página
A problematização corresponde ao momento em que o professor coloca em xeque
a forma e o conteúdo das respostas dadas pelos alunos em relação ao conteúdo que está
sendo trabalhado, questionando, apontando insuficiências e incompletudes,
demonstrando os diversos elementos que se interligam em tal realidade estudada e os
diversos procedimentos e ações que precisam ser discutidos. Nesse sentido, a
problematização deve conduzir o aluno do senso-comum à expressão mais elaborada de
tal conhecimento, reestruturando qualitativamente o domínio acerca das questões
suscitadas dentro da prática social e evidenciando a importância de tal conhecimento
para o seu desenvolvimento, isto é, fazendo-o ter sentido para ele (MARSIGLIA, 2011b;
SAVIANI, 1991).
Na instrumentalização, vê-se o momento em que são oferecidos aos alunos os
instrumentos culturais produzidos pela humanidade, que irão dar subsídio para a
compreensão da prática social em suas implicações mais complexas. Portanto, neste
momento, deve ser disponibilizada aos alunos a possibilidade de tomar contato com as
expressões mais elaboradas que foram desenvolvidas acerca do conteúdo (livros, obras
artísticas, filmes, artigos e etc.). É o momento no qual os alunos irão se apropriar dos
instrumentos físicos e psicológicos que irão dar base à sua objetivação, sendo assim se
apresenta enquanto momento fundamental de mediação do professor (MARSIGLIA,
2011b; SAVIANI, 1991).
A catarse é o momento no qual vislumbra-se o aluno deixando de ter uma visão
parcial e fragmentada do fenômeno e passa a uma compreensão mais qualitativa,
complexa e contextual do conteúdo trabalhado. É o momento que expressa a mudança
qualitativa no qual o aluno ascende de uma compreensão sincrética de determinado
conteúdo à uma compreensão mais sintética, fato que o leva a enxergar o mundo de
uma forma diferente da que via anteriormente, isto é, não mais na sua imediaticidade e
pragmatismo, mas sim, em sua complexidade (MARSIGLIA, 2011b; SAVIANI, 1991).
Novamente, retomamos a prática social, agora vista sob a ótica de ponto de
chegada do processo de ensino, correspondendo ao momento em que pode ser
173

observado no aluno uma compreensão do conteúdo estudado qualitativamente superior


Página
daquela observada no início do processo. Sendo assim, vislumbra-se o aluno evoluindo
da síncrese à síntese, estando no caminho para uma compreensão do fenômeno em sua
criticidade (MARSIGLIA, 2011b; SAVIANI, 1991). Em síntese,

A compreensão da natureza da educação enquanto um trabalho não-


material cujo produto não se separa do ato de produção nos permite
situar a especificidade da educação como referida aos conhecimentos,
ideias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de
elementos necessários à formação da humanidade em cada indivíduo
singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz, deliberada e
intencionalmente, através de relações pedagógicas historicamente
determinadas que se travam entre os homens (SAVIANI, 2013b, p. 20).

Ou seja, tomando a prática social, por um lado, como base do processo


pedagógico, quando a tratamos sob o enfoque da ação educacional, ou, por outro lado,
a mesma se coloca como critério de verdade para a averiguação quanto a veracidade do
conhecimento produzido em um processo de pesquisa.
Como ficou evidente a partir do exposto, a prática pedagógica histórico-crítica tem
por objetivo levar os indivíduos, de forma direta e intencional, às máximas possibilidades
de seu desenvolvimento, a partir da apropriação das expressões mais elevadas dos
conhecimentos construídos pelos homens. É importante salientar que, em termos
dialéticos, tal concepção não desconsidera a teoria colocando em evidência a prática,
nem privilegia a prática em detrimento da primeira, pois ambas fazem parte de um
mesmo processo, sendo assim, supera a dicotomia existente entre teoria e prática,
buscando engendrar uma educação que se efetive a partir de uma práxis efetivamente
revolucionária.

3.3.5 A prática pedagógica histórico-crítica na educação infantil

Tendo em vista caracterizar a unidade entre ensino e desenvolvimento infantil,


tomando a educação infantil enquanto nível educacional fundamental ao processo de
desenvolvimento da consciência da criança, desde que, tais atividades sejam mediadas
174

de forma direta e intencional pelo professor, como afirma Pasqualini (2011), o primeiro
Página
ponto a ser defendido é o ensino como elemento fundante da atividade pedagógica do
professor na educação infantil.
Como já foi discutido anteriormente, o desenvolvimento das capacidades
especificamente humanas não se dá de forma natural e espontânea por meio de
processos maturacionais do córtex cerebral, mas sim, encontra-se ligada as condições e
possibilidades objetivas da sociedade em que os indivíduos estão inseridos, assim, o
processo de desenvolvimento especificamente humano não se dá de outra forma, senão,
por processos educativos (PASQUALINI, 2011).
Assim o vínculo entre a criança e a sociedade em que ela está inserida se dá
através de atividades que são fundamentais ao processo de constituição de sua
consciência e personalidade, ou seja, as atividades dominantes, atividades estas que
formam uma unidade com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
dentro de um determinado período de vida psíquica (PASQUALINI, 2011).
Desta feita, a transição de uma atividade a outra no processo de periodização do
desenvolvimento psicológico individual ocorre a partir de mudanças, transformações,
saltos qualitativos, que se efetivam a partir de uma contradição correspondente ao modo
de reprodução da vida da criança e as potencialidades que superam este modo de vida
dado. Assim, ocorre a mudança de atividade, representando um novo estágio de
desenvolvimento da criança (LEONTIEV, 2006b).
Essas primeiras constatações influem diretamente na atuação do professor quanto
à organização de sua atividade de ensino, pois como afirma Pasqualini (2011, p. 69),

Podemos afirmar que não basta expor a criança a estímulos diversos, não
basta disponibilizar a ela os objetos da cultura; mais que isso, é preciso
organizar sua atividade [...]. Logo, fica evidente a pertinência da
intervenção intencional do educador no processo de desenvolvimento da
criança [...]”.

Assim sendo, o fim a ser alcançado pela educação escolar infantil deve
estar pautado na tarefa do professor em fazer com que a criança se aproprie do
patrimônio cultural construído historicamente pelo conjunto dos seres humanos como
175

condicionante ao processo de desenvolvimento infantil (PASQUALINI, 2011).


Página
O professor de educação infantil não deve, portanto, ‘seguir as crianças’,
mas dirigir o processo educativo. Deve ensinar, entendendo-se por ensino
toda intervenção intencional e consciente do educador que visa garantir a
apropriação do patrimônio humano-genérico pela criança, promovendo,
assim, seu desenvolvimento psíquico (PASQUALINI, 2011, p.87).

Assim sendo, como condição ao processo de apropriação pelas crianças da cultura


humana em âmbito escolar, o professor precisa, em primeira instânica, organizar de
forma intencional a atividade a ser realizada, explicitando os traços da atividade humana
com os objetos culturais materiais e simbólicos. Precisa realizar sua prática pedagógica
levando em consideração as atividades dominantes que guiam o desenvolvimento das
crianças em determinadas períodos psicológicos, qualificando, sobremaneira, a forma
como os conteúdos escolares serão apropriados pelas crianças (PASQUALINI, 2011).
Além disso, o professor na educação infantil precisa criar as condições para a
superação paulatina das funções psicológicas elementares em direção à constituição das
funções psíquicas superiores, inserindo em sua atividade pedagógica os conteúdos
científicos, garantindo assim o desenvolvimento pela criança de pseudoconceitos em
suas máximas possibilidades (PASQUALINI, 2011).
Assim, em segunda instância, o professor precisa ter clareza quanto as
possibilidades de ação pedagógica intencional que poderão ser realizadas durante o ato
educativo, ou seja, assumir como lógica da prática social educativa as abstrações do
pensamento que se expressam na problematização, instrumentalização e catarse.
O que nos leva à necessidade de explicitação dessas nuances e lógica dentro do
processo interventivo-formativo efetivado em nossa pesquisa. Esclarecemos que por uma
necessidade meramente didática, dividiremos a apresentação dos dados em dois
momentos. Um que demonstrará a prática social em seu ponto de partida e chegada da
prática educativa realizada por nós com a brincadeira de papéis sociais (sob a base das
características discutidas até aqui), demonstrados a partir da exposição dos dados dos
dois primeiros momentos interventivos (que tiveram como objetivo essa apreciação
inicial da prática social) e o último momento interventivo (que teve como objetivo uma
176

análise do processo de evolução da prática social em seu ponto de chegada; e um outro


no qual buscaremos apresentar, também a partir da prática social, ações ludo-
Página
pedagógicas as quais poderão ser vislumbradas de um ponto de vista lógico-abstrato os
momentos de problematização, instrumentalização e catarse do processo educativo
efetivado.

Quadro 8 - Episódio 6: A prática social tomada em seu ponto de partida e chegada dentro do
ato educativo com a brincadeira de papéis sociais.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Esclarecemos que o ato educativo se efetiva dentro de uma


mesma prática social, ou seja, não há como dividir tais momentos de forma
meramente metodológica em procedimentos didáticos. Como discutido pelo
Materialismo Histórico e dialético e pela própria Pedagogia Histórico-crítica, há que
ser assumido uma postura analítica dialética da prática social que se efetiva
processualmente pautada na contradição posta na superação do velho pelo novo,
novo este em uma forma qualitativamente superior do que aquela que se dava no
início de dito processo, ou seja, poderíamos apresentar aqui o ponto de partida e
de chegada da prática social a partir de uma análise mais geral calcada nos dezoito
momentos interventivos, poderíamos demonstrar, também, uma análise da prática
social em seu ponto de partida e chegada a partir de um conjunto de momentos
interventivos caracterizados por um mesmo tema, poderíamos, ainda, demonstrar
a prática social em seu ponto de partida e chegada em um único momento
interventivo; e dentro de todas essas situações, apresentar os aspectos
problematizadores, instrumentalizadores e catárticos... Para efeito de análise,
demonstraremos a prática social em seu ponto de partida e chegada fazendo uma
exposição, primeiramente, do processo interventivo analisado a partir das duas
primeiras intervenções em relação com a última, para que possamos observar o
processo de evolução da intervenção de modo geral (CENA UM). Depois,
apresentaremos cenas que demonstrarão, também, a prática social do ponto de
partida ao ponto de chegada, revelando os aspectos problematizadores,
instrumentalizadores e catárticos a partir da especificidade de determinados temas
que apresentam com maior relevância esses aspectos (CENA DOIS).

CENA UM – Prática social inicial e final do processo interventivo como um todo.

Cenário um - Intervenção um - (prática social inicial) - Interventora: “Quem gosta


de brincar?” - Todas as crianças levantaram a mão e disseram “Eu”. Uma criança:
“Eu gosto de brincar com ele, apontando para um amiguinho de sala”. Pesquisador
colocou uma caixa colorida fechada no meio do círculo com um chapéu de cowboy
em cima. Uma criança levantou para pegar o chapéu. Pesquisador disse para se
acalmarem e se sentarem nos seus lugares para ele explicar a atividade. Eles
pareceram ansiosos. Interventora: Já que todo mundo gosta de brincar aqui, o que
177

a gente vai fazer hoje? Uma criança disse que iriam brincar de cowboy, pois tinha
um chapéu em cima da caixa. Pesquisador disse que poderiam brincar do que eles
Página
quisessem, porém, haviam algumas regras que eles deveriam respeitar.
Pesquisador: Eu e a pro (Interventora) trouxemos algumas coisas para vocês
brincarem. Uma criança levantou no centro da roda e disse que queria brincar de
cavalinho e começou a brincar como se estivesse montado em um cavalo
imaginário. Pesquisador: A gente quer que vocês brinquem com as coisas que a
gente trouxe, que nem vocês brincam com os brinquedos que vocês trazem para a
escola. Mas tem as regras que vocês têm que respeitar, vocês lembram quais as
regrinhas? Uma criança vai até o meio da roda e diz: Mas tem que brincar sem
brigar - Pesquisador: Então antes da gente começar, vamos entender as regrinhas,
a primeira já foi falada, qual é? Crianças: Brigar. Uma criança fala “não mexer nos
computadores” (pois estávamos realizando a atividade na sala de computação da
escola). Pesquisador a parabeniza e enfatiza essa regra a todos os alunos. Os
próprios alunos iam falando e o Pesquisador enfatizando, não pode xingar, não
estragar os brinquedos e nem chutar eles. - Interventora: “Pesquisador
(Pesquisador), a gente pode inventar brincadeira? Pode usar quantos brinquedos
quiser da caixa? Pesquisador responde que sim. Pesquisador pegou a caixa e
perguntou: “vamos ver o que tem aqui dentro?” - Todas as crianças saíram dos
seus lugares na roda e correram para olhar o que tinha dentro da caixa e
começaram a pegar os brinquedos de forma desordenada e empurrando um a
outro. Pesquisador: “Voltem para os seus lugares, voltem, voltem” - Interventora:
“Mas vocês disseram que não pode empurrar?” Interventora: “Vamos fazer uma
brincadeira? Quando o Pesquisador colocar a caixa no centro da roda, vamos
brincar de estátua, ninguém pode sair do seu lugar.” Pesquisador colocou a caixa
no centro da roda e começou a tirar os brinquedos da caixa e colocá-los no chão.
Pesquisador: “Olha o tanto de coisa na caixa”. Algumas crianças se aproximaram
para ver os brinquedos. Uma criança pegou o brinquedo e ficou olhando.
Pesquisador: “Voltem para os seus lugares, é pra ficar brincando agora?” - As
crianças responderam que não. Pesquisador diz: Vamos brincar, então? E eles
começam a pegar os brinquedos. Interventor enfatiza que é para dividir os
brinquedos. As crianças começaram a brincar com os brinquedos da caixa pela sala
de informática. Duas crianças pegam uma bolinha de tênis e dizem que estão
brincando de jogar futebol. Pesquisador pergunta que jogador eles são, um dos
alunos responde que é o Neymar. Durante um momento eles param de focar na
bolinha e começam a chutar uma bola imaginária, depois começam a chutar as
pernas um do outro. Um outro aluno coloca um óculos escuro e diz que vai brincar
de espião. Dois alunos pegam dois violões em miniatura começam a fazer de conta
que estão tocando e falam que são cantores sertanejo, ambos estão com chapéus
de cowboy. As meninas sentam todas juntas em roda, enquanto os meninos todos
estão em pé realizando atividades que, aparentemente, são mais dinâmicas. Um
aluno está com um chapéu e uma lupa de brinquedos e diz que é um detetive,
contudo não apresenta características de que está de fato realizando o papel.
178

Interventora chega na roda das meninas e pergunta do que elas estão brincando,
elas dizem que é de salão de beleza. Uma menina está em pé e fica pegando
Página
materiais coloridos e começa a enfeitar as outras meninas que estão sentadas, à
princípio, parece que ela é a dona do salão e as outras são clientes. A interventora
começa a brincar com elas e começa a ser enfeitada. (esta atividade já dura cerca
de 12 minutos da intervenção). Depois elas começam a se dispersar. Uma criança
pega um chapéu de cowboy e começa a realizar movimentos como se estivesse
montando um boi. Uma menina pega o telefone que levamos e começa a falar nele
como se fosse uma secretária e fica durante um bom tempo no telefone. Um
menino pega as serpentinas que as meninas estavam usando para se enfeitar no
salão de beleza e começa a andar fazendo movimentos como se estivesse
rebolando, quando um outro menino aponta pra ele e dá risada, então ele tira
rapidamente a serpentina e as joga no chão, parando o que estava fazendo. Há
um aluno que fica durante toda a intervenção brincando de carrinho. Enquanto
dois alunos meninos ficam durante toda a intervenção brincando de futebol.
Parece-me que o interesse maior está no papel de ser Neymar e Messi do que de
fato chutar ou jogar a bola, pois o jogo se dá de forma aleatória e eles conversam
o tempo todo como se fossem tais jogadores. Durante um momento da aula o
Pesquisador chega até a aluna que está com o telefone e começa a conversar com
ela sobre o que ela estava brincando (secretária). Quando começam a chegar
outras alunas. Aí elas dizem que vão brincar de escola. A mesma aluna que era
secretária começa a organizar as outras três meninas para que elas se sentassem
no chão e depois pega uma cadeira para ficar mais alto que elas afirmando que
será a professora, mas a brincadeira acaba rapidamente. Depois a mesma menina
(secretária e professora), diz que vai brincar de médico e começa a ajeitar a
cadeira para que uma outra menina (sua paciente) deite e ela possa “atendê-la” e
começa colocar a mão na cabeça da amiga medindo a febre, mas logo a atividade
também acaba. Duas meninas começam a brincar de casinha cuidando de duas
bonecas como se fossem suas filhas. Dizem que as cadeiras da sala são o berço
das crianças, mas a brincadeira não se dá de forma efetiva, pois a todo momento
elas se dispersam para olhar os outros amigos e parecem mais tentar organizar os
brinquedos a serem utilizados do que de fato brincar de casinha. Dois meninos e
uma menina acham um material que dá para tapar os olhos e começam a brincar
de cabra-cega, mas sem respeitar, de fato, as regras da atividade. A menina está
com os olhos tapados. As crianças demonstram muita dificuldade em brincarem de
forma conjunta, sobretudo para dividir os brinquedos durante a brincadeira,
chegando, em alguns momentos, a brigarem pelo material. Chegando ao fim da
intervenção quase metade dos alunos já estão sentadas nas cadeiras da sala sem
realizar nenhuma atividade. As crianças brincaram com todos os brinquedos que
tinha na caixa. Pesquisador: “Vamos guardas as coisas na caixa?” Uma criança
estava saindo da sala antes da intervenção acabar. Pesquisador: Vamos fazer o
círculo de novo. Interventora: “Calma não terminamos ainda a aula, vamos
conversar” Interventora: “Vou fechar o olho e quando eu abrir quero ver uma roda
179

bem bonita” Interventora pergunta várias vezes se podia abrir os olhos para as
crianças rapidamente se organizarem em círculo, para começar a conversa final da
Página
intervenção. Criança: “Abre mais a roda”. Criança: “Pode abrir”. Pesquisador: “O
que vocês acharam dessa aula?” Todas as crianças levantaram a mão para poder
dizer algo para o Pesquisador, pois uma das regrinhas era não falar junto com
todos e esperar sua vez para dar uma opinião. Pesquisador: “Posso perguntar para
cada um de vocês, do que vocês brincaram?” - Em sequência da roda, as crianças
foram dizendo sobre quais brinquedos brincaram - Criança: Pokémon - Criança:
Carrinho - Criança: Detetive - Criança: Carrinho - Criança: Carrinho - Criança:
Pokémon - Criança: Boneca e médico - Criança: Boneca - Criança: Mamãe e
filhinha – Interventora: “Do que vocês brincaram? - Criança: Brinquei como eu
brinquei na minha casa - Criança: Médica e cobra cega - Criança: Médico - Criança:
Médica Criança: Futebol - Criança: Médico - Criança: Cabra cega, bate-bate, espião
- Criança: Pizzaiolo. Pesquisador perguntou se gostaram das brincadeiras e se
poderia voltar na próxima semana para brincar mais. As crianças responderam que
sim. Interventora organizou a fila das crianças todos misturados para voltarem
para a sala.

Cenário dois - Intervenção dois - (prática social inicial) - As crianças entram na sala
para começar a intervenção e sentaram no círculo. Pesquisador: “Deixa eu
perguntar uma coisa pra vocês, vocês sabem brincar de o mestre mandou?”;
Crianças: “Simmm”; Pesquisador: A primeira atividade que a gente vai fazer hoje
é: O mestre mandou. Sabe quem vai ser o mestre? Eu. Pesquisador: “Então todo
mundo de pé”; As crianças levantaram animadas e saltitando para começar a
brincadeira. Pesquisador começou a explicar a atividade com perguntas: “Quem é
o mestre?”, “quem vocês têm que obedecer?” “Quero ver se sabem fazer tudo que
eu falar, será que sabem?”. Começaram a andar pela sala sob orientação do
interventor e assim a atividade começa. Pesquisador: “O mestre mandou vocês
fazerem um policial”. Algumas crianças começaram a imitar sirene da polícia,
outras correram de crianças que faziam uma arma com a mão. Pesquisador:
“Estátua, nossa vocês estão craques em. O mestre mandou vocês fazerem um
motorista”. As crianças começaram a fazer barulho de carro com a boca, imitar
uma buzina, correr como se estivesse com as mãos no volante, bater uma nas
outras. Todos os alunos estavam participando da atividade. Pesquisador: “Estátua,
o mestre mandou vocês fazerem uma pessoa pobre”; As crianças começaram a
andar com a cabeça triste, as mãos para trás. Uma criança deitou no chão,
Pesquisador perguntou o porquê, ela respondeu que “morre”. Pesquisador: “Por
que ela morre?”. Aluno: “Porque elas passam fome”. Pesquisador: “Estátua, agora
quero que façam uma pessoa rica” As crianças começaram a pular e gritar
demonstrando alegria. Pesquisador: “Porque vocês ficaram felizes?” Criança:
“Porque a gente tem dinheiro” Criança: “Uuuu eu tenho dinheiro!!!”. Pesquisador:
“Estátua, agora quero que vocês façam um médico”. Algumas crianças começaram
a imitar o som da sirene da ambulância com a boca. Outras ficaram sem fazer
180

nada. Pesquisador: “O que o médico faz?”; Criança: “Cuida das pessoas”;


Pesquisador: “Estátua, vamos mais um? Quero ver vocês fazerem um bombeiro”;
Página
As crianças começaram a imitar o som da sirene do caminhão pipa com a boca e
imaginar que estava com a mangueira na mão apagando fogo, fazendo o barulho
da água com a boca. Pesquisador: “estátua, agora é difícil, quero ver fazerem um
professor”. As crianças não sabiam o que fazer. Pesquisador: O que a professora
de vocês faz?”; As crianças começaram a correr pela sala e apontar umas para as
outras mandando os outros fazerem a atividade” “vai sentar”. Pesquisador:
“Estátua, quero ver fazerem alunos”. Criança: “Ai meu deus do céu”. Criança:
fazendo lição; Pesquisador: “Façam um vendedor”. As crianças começaram a
vender algo uma para as outras, correrem e gritarem. Parece-me que quando um
estudante não sabe o que fazer, eles usam o outro como modelo para a
representação. Pesquisador: “Façam um jogador de futebol”; As crianças
começaram a chutar o vento e fazer pose de jogador. Jorge cai no chão como se
tivesse recebido uma falta. Pesquisador pergunta às meninas porque elas não
estão fazendo e elas não responderam nada. Pesquisador: “Quero ver vocês
fazerem o presidente”; Jorge começa a apontar o dedo para os colegas da sala,
falando como se estivesse mandando eles fazerem coisas, de modo incisivo.
Pesquisador: “Estátua, vamos descansar um pouco na estátua, todo mundo
levanta e façam um soldado”. As crianças começaram a marchar pela sala e
algumas começaram a cantar marcha soldado, Jorge novamente faz uma arma
com a mão e finge estar atirando. Pesquisador: “estátua, quero ver fazerem uma
mulher”; Os meninos não queriam fazer uma mulher, depois começaram a gritar e
fazer voz fina, correr pela sala. Alguns alunos meninos falam que mulher só faz
comida, cuida de casa e fica no celular. Pesquisador: “Estátua, quero ver vocês
fazerem um homem”. Os meninos começaram a se bater e discutir, as meninas
ficaram paradas em volta do Pesquisador. Depois começaram a bater umas nas
outras, também. Uma estudante diz que não pode imitar um homem e fica parada.
Pesquisador: “Quero ver um círculo bem bonito, posso abrir o olho?”; Crianças:
sim; Pesquisador: “Qual a atividade que vamos fazer agora?”; Pesquisador pegou a
caixa de brinquedos da intervenção passada e começou a tirar os brinquedos da
caixa e disse que as crianças poderiam brincar do que quisessem. Lembrou das
regrinhas de não brigar, não chutar o amigo e nem os brinquedos. As crianças
pegaram um brinquedo e começaram a brincar com seus amiguinhos de diversas
brincadeiras. Alguns brincaram de delegacia, outros futebol com a bola de tênis,
outras de modelo com as bonecas, outros não sabiam o que brincar pois não
tinham pegado brinquedo ainda. João fala para Jorge ao pegar o telefone na mão
“vamos brincar de delegacia?” e ele responde que sim, mas não iniciam a atividade
e começam a chutar a bolinha de tênis jogando futebol. Duas meninas pegam as
serpentinas coloridas e dizem que vão brincar de mamãe e filhinho. Cristina diz
que é a mamãe e Ana é a filha. Joaquim está com o telefone na mão e diz que
está falando com a mãe dele. Cerca de 6 meninos continuam brincando com a
bolinha de tênis simulando estarem jogando futebol. Fernando está com o chapéu
181

de cowboy e com o violão e diz que está brincando de cowboy e que o violão é
uma chave de fenda e que ele ia arrumar as coisas. Romulo está novamente
Página
brincando de carrinho (mesma coisa da aula anterior). As meninas estão com as
serpentinas no pescoço, como se estivessem arrumadas e uma delas está com a
lupa na mão e diz que está brincando de detetive e que está tentando achar uma
formiga. Uma criança queria brincar com um brinquedo que o outro estava
brincando (Um carrinho) e a outro brigou dizendo que não queria dividir.
Interventora disse que o brinquedo pode ser dividido e não precisa brigar por isso.
Algumas meninas começaram a brincar de família, mamãe e filhinhas com as
bonecas usando as cadeiras como se fosse o berço. Ana dá um nome para a
boneca que é sua filhinha, mas no vídeo não dá para ouvir qual era. Duas
detetives chamam a Interventora, que está com a câmera de vídeo e mostram que
acharam uma formiga morta. Cristina e Ana continuam a brincar de mamãe e
filhinha, mas agora estão embaixo das cadeiras e afirmam que ali é a casinha
delas. Na casa tem as bonecas, filhinhas que estão dormindo, um violão, um
chapéu de cowboy e elas começam a enfeitar a casinha com as serpentinas.
Romulo, Joaquim e Gustavo estão com o telefone e tratores em miniatura e dizem
que estão brincando de sítio. Gustavo fica no telefone recebendo ligações de
pedidos de comida e Joaquim e Romulo brincam com os tratores como se
estivessem em uma colheita. De uma hora para outra Gustavo diz “estou ligando
para a mãe dele. Interventora pergunta, “Por que?”, Gustavo diz: Porque o Romulo
quer falar com ela. Gustavo passa o telefone para Romulo que começa a conversar
como se estivesse mesmo falando com a própria mãe e Gustavo começa a dar
risada. Cerca de 5 meninos ainda continuam com a bola de futebol. Interventora
pergunta para o Cristian do que eles estão brincando e ele fala “de futebol”.
Interventora pergunta quem é seu time e ele “Atlético Mineiro”. Amy pega a lupa e
outras três meninas estão sentadas nas cadeiras como se fossem pacientes, ela
afirma para a interventora que está brincando de médica e começa a fazer de
conta que está examinando suas pacientes. Coloca uma das pacientes deitada,
juntando mais cadeiras como se fosse uma maca. Cristina e Ana continuam a
brincar de casinha embaixo das cadeiras e chamam a interventora para ver como a
casa estava enfeitada com as serpentinas. Fernando ainda continua com o chapéu,
um óculos escuro e usa o violão como se fosse uma arma agora. E finge estar
atirando nas pessoas. Interventora pergunta o que ele está fazendo e ele afirma
“matando pessoas”. Romulo e Gustavo continuam com o telefone e dizem que
agora estão brincando de corpo de bombeiro. Romulo está com o telefone e finge
estar recebendo chamadas de emergência. João e Jorge continuam a jogar futebol
e afirmam ao interventor que são o Neymar, quando Jorge diz que também é o
Neymar, João fica triste. Cristian começa a falar que tem também é o Messi. Ana e
Cristina continuam a brincar de mamãe e filhinha, só que agora uma boneca é a
filha. Interventora pergunta se está tudo bem e Ana responde “está tudo bem”.
Logo após fala “mas teve um tubarão que mordeu minha filhinha” a interventora
pergunta se ela já levou sua filha ao médico e ela “sim, mas tá demorando”. A
182

interventora então fala para elas que em outro espaço da sala onde outras
meninas estavam brincando de hospital, que lá tem médico para elas levarem a
Página
filhinha. Cristina chama a Amy que é a médica e diz “ela morreu” (a boneca
filhinha) e Amy sai dizendo que então não tem mais jeito. Ana continua dizendo
que vai deixar a filha no hospital para ela melhorar. As atividades que estão
ocorrendo neste momento são o futebol com cerca de 5 meninos, dois grupos de
meninas brincando de casinhas, três meninos brincando de corpo de bombeiro e 4
meninas brincando de hospital. Todos estão participando. Interventora pergunta
para os meninos que estão brincando de corpo de bombeiro se eles estão
recebendo muitas chamadas, Gustavo responde que “sim, estamos trabalhando
muito”, logo após pega o telefone e começa a fingir que está conversando,
recebendo uma chamada para resgate. Pesquisador está participando da
brincadeira de hospital e a médica Amy começa a fazer exames nele. Primeiro na
boca e depois começa a tocar a barriga dele. A médica pega um pedaço de
madeira fina, palito de churrasquinho e coloca no braço dele como se fosse uma
seringa aplicando remédio, ele finge que está doendo e uma outra paciente o
abraça dizendo que já ia parar de doer. Depois pede para o paciente interventor
abrir os olhos para que fosse examinado e novamente a boca. Agora, no jogo de
futebol, Cristian finge dar um carrinho em João que cai como se tivesse se
machucado. Miguel finge ser árbitro e aplica várias vezes o cartão apontando para
ele dizendo “expulso”. Cristian coloca a mão no rosto como se estivesse
decepcionado e diz “nãoooo”. Cristian que foi expulso vai se sentar numa cadeira
como se fosse o banco de reserva. Duas meninas estão sentadas na sala de espera
e dizem que demora muito para serem atendidas (no hospital). Fernando agora
vira matador de zumbi, ainda usando o violão como arma. Ana diz que agora está
brincando de médico, interventora pergunta se ela está esperando para ser
atendida e ela diz que não, “eu sou a gata da Amy” (a médica). Charlie, Romulo e
Gustavo entram embaixo das carteiras e dizem estar brincando ainda de corpo de
bombeiro, contudo Charlie fala para interventora quando ela pergunta quem eles
são “Eu sou o papai, o Romulo é meu filho e o Gustavo é o cachorro” e o mesmo
começa a latir como um cão. Pesquisador: “Agora é hora de?” As crianças
responderam: “Guardar!!!” Todas as crianças começaram a guardar os brinquedos
dentro da caixa. Pesquisador: “Todos guardando as coisas dentro da caixa, agora
quero ver o círculo de novo, vou fechar o olho, cadê o círculo?”. As crianças
começaram a gritar e correr para formarem o círculo. Pesquisador: “Quem gostou
das atividades de hoje?”. Todas as crianças levantaram a mão e gritaram “EEEU”.
Pesquisador: “Por que que gostaram?”. Criança: Porque a gente brincou.
Pesquisador: “Brincou do que?”. Criança: De médico. Criança: de Futebol. Criança:
de família, tia, mãe, irmão, filha, pai. Criança: Eu era o Cristiano Ronaldo no
futebol. Criança: Eu era o Neymar. Criança: Eu era o Kazin do Corinthians.
Pesquisador: “Teve mais brincadeiras além dessas?”. Fernando: Matador de Zumbi.
Pesquisador: “Quem brincou de policial?”. Criança: Eu brinquei de policial no
mestre mandou. Romulo diz “eu brinquei de bombeiro, o Charlie era o pai, eu era
183

o filho e o Gustavo o cachorro. Pesquisador pergunta: Mas o que o bombeiro faz?


Ele responde que apaga o fogo e outra criança diz que salva pessoas e ele diz que
Página
fiz isso também. Pesquisador: “O que eu pedi pra vocês fazerem no mestre
mandou?”; Criança: policial. Criança: mamãe e filhinha. Pesquisador: Quem era a
mamãe, filhinha?”. Criança: Eu era a mamãe e a boneca a filhinha”. Pesquisador:
“Teve gente que não dividiu o material”. Criança: Abaixou a cabeça como um SIM
(Gustavo). Pesquisador: “Semana que vem vamos brincar de novo?”. Crianças:
Sim. Pesquisador: “Então vamos fazer a fila pra vocês irem pra sala”.

Cenário três - Intervenção dezoito - (ponto de chegada da prática social) -


Interventora: pode abrir os olhos? Formando o círculo com as crianças para
iniciarmos a última intervenção. Crianças: sim! Pode! Não! Interventora: vou abrir!
Agora eu vou sentar com vocês, dá uma bundinha para trás. Criança: hoje a gente
não vai brincar? Pesquisador: vamos! Interventora: olha a bomba, olha a bomba...
Crianças e Pesquisador: ooooh, bum!! Interventor: ó, depois da bomba “xi”.
Pesquisador: Jorge, cadê o círculo? Assopra a velhinha. Crianças: “xiiii”.
Pesquisador: gente, vocês lembram da brincadeira que a gente fez faz muito
tempo atrás? Criança: qual? Jorge: no pré I? Pesquisador: não, vocês estavam no
pré II já.... Mas a gente fez no pré I também, boa Jorge, verdade! Vocês lembram
da brincadeira... Criança: do bambolê? Pesquisador: posso falar? Criança:
astronauta. Pesquisador: vou falar bem baixinho... “O mestre mandou”. Crianças: o
que? Pesquisador: o mestre mandou... vocês lembram...? Criança: sim.
Pesquisador: que a gente fez... cadê o círculo, Jorge? Vocês querem brincar de “o
mestre mandou”? Crianças: sim! Pesquisador: olha a bomba. Crianças: ooooh,
bum! Pesquisador: a vela acendeu, apaga a vela. Crianças: “xi”. Pesquisador: sabe
quem é o mestre? Eu! Crianças: eu, eu quero ser o mestre, eu. Pesquisador: não,
vai ser eu. Todo mundo em pé vai, todo mundo em pé. Como que é a brincadeira
do mestre mandou? O mestre manda e vocês? Crianças: Faz!! Pesquisador: vocês
fazem, vocês obedecem, combinado?! Crianças: sim! Pesquisador: o mestre
mandou vocês erguerem a mão... O mestre mandou vocês sentarem... O mestre
mandou vocês levantarem... O mestre mandou vocês correrem... O mestre
mandou vocês pararem! O mestre mandou correr de novo... O mestre mandou
fazer estátua! Cadê as estátuas? Tem gente que não está estatua... vamos ver
quem aguenta ficar mais na estátua. Interventor fazendo junto a atividade: ai
minhas pernas estão doendo. Pesquisador: o mestre mandou correr de novo.
Estátua de novo! Pesquisador: vamos Cristina. O mestre mandou vocês fazerem
um policial... (barulho de sirene, “pou pou pou”). Jorge diz: preso em nome da
lei... outras crianças começam a dizer, também. A maioria faz com a mão o
movimento para os “bandidos” pararem, só poucos continuam fazendo armas com
a mão... Pesquisador: Estátua! Cristian: eu sou o policial. Criança: estátua.
Pesquisador: O mestre mandou vocês fazerem um professor. Crianças começam a
fingir estrem fazendo lição... algumas crianças sentam nas cadeiras da sala de
informática e fingem fazer lição, duas meninas fingem ser a professora e dizem o
184

abecedário. Pesquisador: estátua! Senta no chão! Levanta! Senta no chão! Faz


uma estátua bem louca. Vai Jorge, segura vai! O mestre mandou vocês fazerem
Página
um médico. Você tá cuidando, Hana? Vacina, injeção? Fazendo ressuscitação. Cadê
os médicos, cadê os médicos? Crianças deitam no chão enquanto outras fazem
exames, fingindo utilizar aparelhos. Pesquisador: Estátua! (uma criança faz barulho
de sirene com a boca). O mestre mandou vocês fazerem um jogador de futebol...
Menina: Toca ai parceiro. Criança: gol! Pesquisador e crianças: gol! Cadê o jogador
de futebol? Vai, Ana! Crianças fingem chutar uma bola e fazem movimentos dando
“carrinho”, outros comemoram como se fossem torcedores, dois meninos fingem
ser árbitros. Pesquisador: Estátua! Criança: que?! Pesquisador: estátua não fala. O
mestre mandou vocês fazerem um cabelereiro. Crianças começam a fingir que
estão arrumando o cabelo umas das outras. Pesquisador: Estátua! Estátua não
fala! O mestre mandou vocês fazerem um piloto de corrida. Eles estão imitando
todos... (barulho do carro de corrida) fingindo que estão dirigindo. Pesquisador:
Estátua! Quero ver se vocês lembram dessa... O mestre mandou vocês fazerem
uma pessoa muito rica. Olha, como que é o nosso dinheiro mesmo? Crianças e
interventor: abraço! Duas crianças fingem estar dando dinheiro na mão dos
amigos. Pesquisador: estátua! Todo mundo senta, todo mundo levanta... O mestre
mandou... eu sou o mestre vai, estou com o chapéu! O mestre mandou vocês
fazerem uma pessoa pobre. Pesquisador: que pessoa pobre é essa? Pesquisador: a
pessoa pobre quer dinheiro, o que a gente dá? Algumas fingem dar dinheiro e
outras dão abraços. Pesquisador: Estátua! Todo mundo senta! Todo mundo
levanta! Todo mundo abaixa! Todo mundo levanta! O mestre mandou vocês
fazerem o presidente da república. Crianças: hã? Criança: a gente não sabe.
Pesquisador: vocês não sabem? Jorge: vai roubar dinheiro!!! Pesquisador: vão
roubar dinheiro? Crianças fingem estarem roubando dinheiro umas das outras.
Pesquisador: Estátua! Criança: estátua! Pesquisador: todo mundo abaixa, todo
mundo levanta, todo mundo abaixa... levanta! O mestre mandou vocês fazerem
um bandido. Crianças: “pou pou pou pou” fingindo estarem atirando umas nas
outras imitando uma arma com as mãos. Pesquisador: olha a bomba, ooooh, bum!
Quando eu fechar o olho eu quero ver o círculo, vai! Vocês vão brincar mais agora!
Criança: o tio, eu tô tonto agora. Pesquisador: você tá tonto? Olha a bomba,
ooooh, bum! Gente, posso falar? Crianças: sim! Pesquisador: vocês querem
brincar? Crianças: sim! Pesquisador: sim?! Olha, tem uma surpresa muito boa para
vocês... Vocês vão brincar agora, espera ai, o Pesquisador já vai falar!
(suspense)... Vocês lembram da nossa caixa da surpresa? Crianças: sim! Não!
Renan: é da prô (interventora). Pesquisador: isso, é da prô (interventora), sabe
demais hein! Olha, alguns combinados antes de eu abrir a caixa da surpresa.
Criança; não brigar! Pesquisador: pode brigar? Crianças: Não! Pesquisador: é pra
emprestar o brinquedo para o amigo? Crianças: sim! Pesquisador: é Gustavo? É
Joaquim? É né! Gustavo: sim. Pesquisador: então tá bom! Vamos abrir a caixa da
surpresa! Podem brincar! Espera aí que o Pesquisador vai virar no chão, calma aí,
espera! Vocês podem brincar do que vocês quiserem! Criança: eu sou o Neymar!
185

Pesquisador: ela tá brincando de fazer sorvete. Hana, você tá brincando de


cozinha? Cristina: Hana, não! Pesquisador: Cristina! Você tá brincado do que,
Página
Cristina? Cristina: comidinha. Pesquisador: tá brincando do que, Jorge? Jorge: de
construir o campo de futebol. Pesquisador: que legal! Quem vocês são? Cristian:
eu sou o Neymar. Pesquisador: quem mais é Neymar? O Romulo... Messi?
Crianças: eu sou o neymar, eu sou o neymar. João: Cristiano Ronaldo. Ana: eu sou
a Marta. Pesquisador: quem que é a professora? Criança: a Clara. Crianças: eu...
Pesquisador: tem três professores? Que legal! Ai que cabelereira mais linda.
Criança: Pesquisador, Pesquisador, Pesquisador, dá o passe, dá o passe.
Pesquisador: aí parceiro, toca pra mim. Eita! Tirou a bola. Gustavo, o que você é?
Gustavo: eu estou brincando de carrinho. Pesquisador: você é motorista? E essa
luva aqui, é de pilota! Que luva bonita! Toca pra mim parceiro, é eu e você,
parceiro! Tá falando com quem? Eu preciso falar com o médico, eu tô doente!
Criança: oi, ele tá doente, tá? Pesquisador: oi? Não entendi! Criança: médico, ele
tá doente. Você tá com dor de cabeça? Pesquisador: estou com dor de cabeça.
Criança: ele tá com dor de cabeça. Falando ao telefone. Pesquisador: você vai
chamar o médico pra mim? Criança: ele disse pra você marca uma sessão.
Pesquisador: marcar uma sessão pra mim? Criança: ele chegou. Pesquisador: é o
médico? Fala, médico. O que você é secretária?! Pode mexer. Vai médico, me
examina! Você que é a medica? Criança: eu sou. Pesquisador: sarou! Criança: você
tá enfermado. Pesquisador: hã? Criança: você tá enfermado, pronto. Pesquisador:
Que bom! O que você é Miguel? Cristian, o que você é? Maitê: tô com dor de
barriga. Pesquisador: o médico, a Maitê tá com dor de barriga. É muita ou pouca
dor? Ele tá perguntando pra você, o que eu falo? Maitê: fala que tem que tomar
um remédio. Pesquisador: mas você tá com muita dor? Ela tá com muita dor, ela
quer tomar remédio. Maitê: remédio químico. Pesquisador: remédio químico. Cadê
o médico dela? Ela tá doente! Vai Cristian, ela precisa de um remédio. Jorge: eu
dou o remedinho. Pesquisador: o Jorge te deu remédio. Agora tem que sarar!
Jorge: tem que tomar 10 dias esse remédio. Maitê: já tomei 10 dias. Maitê:
médico, médico, eu tô com dor de garganta. Jorge: tá bom! Pesquisador: o Jorge
tá pondo remédio, toma esse comprimido! (repetindo o que o Jorge estava falando
para a Maitê). Jorge: o telefone tá passando mal. Pesquisador: ó, sabe como que a
gente paga o médico? Abraçando, é o abraço. Dá um abraço no médico. Vem
Jorge, ela vai te pagar, vai! Ae! O Cristian também, o Cristian também é médico. E
eu? Maitê: também! Pesquisador: então me dá um abraço! Coisa gostosa. Criança:
o que é isso? Pesquisador: esse é o remédio. Laura: eu servi todos que tem fome.
Pesquisador: você ajuda todos que tem fome? Laura: eu passo comida.
Pesquisador: eu tô morrendo de fome, eu sou pobre. A Laura falou que ela serve
todos que tem fome. Eu não tenho dinheiro, eu posso te pagar com abraço? Tem
que pagar ela com abraço também, é o nosso dinheiro. Isso! Criança: tô te
benzendo tio. Pesquisador: você tá me benzendo? Me benze! O que você é,
Gustavo? A gente tá precisando de um policial. Vocês estão brincando do que?
Interventor: olha Rod (Pesquisador), o que você é? Milene: jardineira. Pesquisador:
186

que bom Milene que você é jardineira. Milene: toma pra você. E dá uma flor
imaginária para o interventor. Interventor: nossa, obrigado. Pesquisador: O que as
Página
professoras estão ensinando? Criança: copiar. Pesquisador: o que é isso? Criança:
é um coração e uma estrela. Pesquisador: vocês estão copiando? Miguel, Laura,
vocês tem que copiar. Olha o Jorge cabelereiro, que lindo! Olha o Jorge arrumando
o cabelo da pro, que lindo! Você é cabelereiro, Jorge? Jorge: sim! Pesquisador: ele
tá fingindo que é um cabelereiro. O que você é, minha linda? Criança: eu sou
médica. Pesquisador: você vai cuidar de quem? Eu tô doente! Criança: prô, você tá
doente? Vem cá que eu sou médico. Pesquisador: estátua! Quero um círculo bem
lindo aqui no centro, todo mundo!

CENA 2 – Da prática social inicial à final com diferentes temas.


Cenário um - Da prática social inicial à final com o tema Futebol34:
Intervenção um - As crianças começaram a brincar com os brinquedos da caixa
pela sala de informática. - Duas crianças pegam uma bolinha de tênis e dizem que
estão brincando de jogar futebol. Interventor pergunta que jogador eles são, um
dos alunos responde que é o Neymar. Durante um momento eles param de focar
na bolinha e começam a chutar uma bola imaginária, depois começam a chutar as
pernas um do outro. Enquanto dois alunos meninos ficam durante toda a
intervenção brincando de futebol. Parece-me que o interesse maior está no papel
de ser neymar e messi do que de fato chutar ou jogar a bola por si, pois o jogo se
dá de forma aleatória e eles conversam o tempo todo como se fossem tais
jogadores. Intervenção dois - Pesquisador: “Façam um jogador de futebol”; As
crianças começaram a chutar o vento e fazer pose de jogador. Jorge cai no chão
como se tivesse recebido uma falta. Pesquisador pergunta as meninas porque elas
não estão imitando e elas não responderam nada. Cerca de 6 meninos continuam
brincando com a bolinha de tênis simulando estarem jogando futebol. Agora, no
jogo de futebol, Cristian finge dar um carrinho em João que cai como se tivesse se
machucado. Miguel finge ser árbitro e aplica várias vezes o cartão apontando para
ele dizendo “expulso”. Cristian coloca a mão no rosto como se estivesse
decepcionado e diz “nãoooo”. Cristian que foi expulso vai se sentar numa cadeira
como se fosse o banco de reserva. Intervenção quatro - Pesquisador mostra o
próximo desenho em folha sulfite; crianças respondem que é o jogador
de futebol... Pesquisador: Muito bem! E o que o jogador de futebol faz?
Crianças: Joga bola; joga bola no campo... João fica entusiasmado.
Pesquisador: E existe só jogador homem? Uma menina responde que sim.
Outras crianças respondem que não; Pesquisador: Tem menino e menina
né? Vocês conhecem o jogador Neymar? Quem conhece ele? Todos os
meninos levantam a mão... Pesquisador: E quem conhece a Marta,
jogadora da seleção? Dois meninos e nenhuma menina levantam a mão.

34
Para efeito de análise e exposição de ações que podem ser vislumbradas a partir da problematização,
instrumentalização e catarse dentro do processo educativo com a brincadeira, deixaremos os dados os
187

quais acreditamos exprimir situações problematizadoras em negrito, instrumentalizadoras em Itálico e


catárticas sublinhadas.
Página
Pesquisador: Muito bem, e sabem o que o Prof. trouxe para vocês? Um vídeo para
gente conhecer o Neymar, e o outro da Marta, para vocês conhecerem os dois que
jogam futebol muito bem. João diz: a Marta eu sei quem é, mas esqueci e agora
lembrei. Pesquisador confirma e diz que vão assistir o vídeo. Pesquisador: Primeiro
é o vídeo do Neymar. Crianças assistem. Pesquisador diz que irá mostrar o vídeo
da Marta, que é jogadora da Seleção Brasileira. Crianças dizem que ela é muito
boa e joga bem. Ficam muito atentos ao vídeo. Durante o vídeo, Cristina ao ver
um gol da Marta grita: gollll e bate palma com muito entusiasmo e mostrando-se
impressionada. Pesquisador: Vocês viram como a Marta é boa? Crianças
respondem que sim... Pesquisador: E o que mais jogador de futebol faz?
Crianças: joga bola, faz gol. Pesquisador confirma e vai ajudando a dizer
mais funções: dribla, chuta, marca o adversário... Charlie fala que tem
um palco e aí descobrimos que ele estava falando da torcida que fica na
arquibancada. Pesquisador: Então, o Neymar joga bem? Crianças
respondem que sim. Pesquisador pergunta quem agora conhece o
Neymar e todas as crianças levantam a mão. Pesquisador: Quem conhece
a Marta agora? Levanta a mão... Crianças levantam a mão... E
Pesquisador pergunta se eles jogam bem, crianças afirmam que sim.
Intervenção cinco - Interventora orienta o grupo de crianças que escolheu o
espaço do futebol, brincando junto. Ela propõe que o time vencedor irá ganhar
dinheiro e doar para um orfanato. Crianças falam que querem ganhar um milhão
para doar para hospital também. Logo após dizem que querem viajar, e um
menino diz que vai doar. E aí com a intervenção da interventora, todos começam a
afirmar que vão doar. Parece que com a intervenção dos interventores tanto na
organização quanto na participação durante a atividade, a mesma permanece por
mais tempo e assume uma maior complexidade. Pesquisador junta-se aos
meninos que estão brincando de futebol e pergunta se pode ser a Marta,
os meninos dizem que sim e eles continuam jogando junto ao
Pesquisador. Jorge pede para ser Juiz. Pesquisador pergunta se alguém quer ser
a Marta e ninguém quer. Pesquisador diz novamente que será a Marta.
Começam a jogar. Um aluno sofre uma falta e com o auxílio do interventor o Juiz
apita fingindo que está com o apito e marca a falta. Pesquisador finge sofrer falta
e pede para chamar o bombeiro. As crianças chamam o bombeiro após o
interventor pedir para chamar o bombeiro. As crianças que estavam brincando de
bombeiro, vem ajudar. A brincadeira de partida de futebol continua somente com
meninos, contudo os papéis se mantém estáveis, ainda há o juiz e os diferentes
jogadores que eles estão se auto denominando. Pesquisador leva a Milene para
jogar futebol, diz que ela quer jogar e será a Marta. Pesquisador pergunta se ela é
a Marta, ela responde que sim... e ele fala que também vai ser a Marta e
começam a jogar. Outra menina se junta e diz ser a Marta. Começam a jogar e
Interventora também começa a participar. Um aluno finge receber a falta e a
188

interventora fala, leva para o hospital e as crianças se juntam e levam ele para o
hospital. Agora são três meninas brincando de futebol dizendo ser a Marta e a
Página
interventora participa da atividade. Interventora orienta que sempre que alguém
sofrer uma falta forte, tem que levar para o hospital. As meninas continuam
participando da brincadeira de futebol com o incentivo do interventor. Relembram
sobre os jogadores de futebol e que conheceram o Neymar a Marta. Pesqisador
pergunta se menino e menina podem brincar e todos dizem que sim. Pede para
que levantem a mão, quem brincou, e os meninos e as meninas levantam a mão.
Intervenção sete - Pesquisador: A gente vai visitar agora um estádio de futebol. As
meninas ficam de boca aberta, e levanta as mãos falando “Timão”. Pesquisador:
Olha o nosso estádio aqui, Apresentando um gramado. Pesquisador: Vamos jogar
bola então? A interventora joga a bola. E todos saem correndo atrás da bola,
meninos e meninas. Pesquisador: Vamos jogar bola então. Todo mundo corre atrás
da bola, trombando nos amigos. Pesquisador pega a bola. Pesquisador: Quem é o
Neymar? Todos os meninos levantam a mão. Pesquisador: Quem quer ser
a Marta? Todas as meninas levantam a mão. Pesquisador: Eu quero ser a
Marta. Eu posso ser a Marta. Maioria: Não. Pesquisador: Mas eu vou ser a
Marta. As crianças dão risada. Pesquisador: Então, vamos jogar. Tem um cano
ao longo do campo. A bola vai em direção a esse cano. Pesquisador: Aí é fora.
Cristian pega a bola e lança por cima da cabeça. Pesquisador: Isso, cobra lateral.
Todos saem correndo atrás da bola. Algumas meninas ficam olhando distante da
bola. Pesquisador: Cadê as martas? As meninas tentam ir em direção da bola.
Mas ficam com receio, pois todos os meninos estão correndo atrás da bola. A bola
vai em direção ao cano novamente. Cristian: A bola saiu. Pesquisador: Saiu, aí é
fora. Charlie sai correndo para pegar a bola, enquanto as outras crianças esperam.
Pesquisador: Traz para o campo. Em um outro momento de intervenção.
Pesquisador: Agora precisamos ficar quietinhos para assistir o desenho. Desenho
do Chaves sobre uma partida de futebol. Pesquisador: Todos vão ficar quietinhos
para assistir o desenho. Todos: Sim. Pesquisador: Vamos lá, vou soltar o desenho
então. Todas as crianças assistem o desenho, com os olhos fixos na tela.
Pesquisador: Gente, ó, fica no lugar ainda. Vou fazer uma pergunta para vocês,
vamos ver se vocês prestaram atenção no desenho. Pesquisador: Quero que
vocês respondem quem é essa pessoa que estava no desenho?
(apresenta uma folha com um desenho). Todos: o jogador de bola.
Pesquisador: É o? Vozes aleatórias: futebol, é o jogador. E esse?
Pesquisador: é a jogadora de. Todos: Futebol. Pesquisador: Então
menino e menina podem jogar futebol? Todos: Siim. Pesquisador: E esses?
Quem são esses gente? Vozes aleatórias: Torcida. Pesquisador: o que a torcida
faz? Voz aleatória: Torce. Pesquisador: E como que ela torce? Vamos torceer.
Todos: Eeeeeeee, levantando os braços. Pesquisador: Comemora quando sai um
gol, saiu um gol, como vamos comemorar? Todos: Levantaram os braços e
gritaram: EEEEEEE Pesquisador: E esse? Jorge quero que você descobre qual é
esse? Jorge: Juiz. Charlie: Juiz. Todos: Juiz. Pesquisador: O que o Juiz faz? Voz
189

aleatória: Dá cartão, apita. Pesquisador: Ele apita o jogo, ele que controla as
regras do jogo. Pesquisador: E essse? Todos: vendedor. Pesquisador: É o
Página
vendedor de? Todos: Sorvete. Pesquisador: Tem vendedor de sorvete dentro do
estádio. Maioria: Não. Pesquisador: Tem sim, vocês não viram o Kiko comprando
sorvete dentro do estádio. Todos: Sim. Pesquisador: Quem vendeu o sorvete para
ele? Todos: O vendedor de sorvete. Pesquisador: Isso, o sorveteiro, vendendor de
sorvetes. E... o que é isso aqui? Maioria: Estádio. Pesquisador: É o estádio, onde o
jogador joga, a jogadora joga. É onde o Juiz apita. Intervenção onze -
Pesquisador: Sabe o que nós vamos fazer agora? Maioria: Brincar? Pesquisador:
Nós vamos visitar um estádio de futebol; Todos as crianças ficam felizes, pulando
de alegria. Pesquisador: Vamos fazer a fila. Todas as crianças organizam a fila.
Pesquisador: Gente, gente vamos lá: Estádioo. Todos: Estádioooooo.
Pesquisador: Para entrar no estádio, o que precisa fazer? ...Pagar a?
Entrada para o bilheteiro (pesquisador se finge de bilheteiro)
Pesquisador: Sabe como que paga a entrada? (antes do Pesquisador falar,
Jorge já vai e o abraça) Com abraço. Quem me der um abraço pode entrar. As
crianças abraçam o pesquisador e correm para a quadra. Pesquisador: Vamos todo
mundo para a arquibancada, vem todo aqui. Todas as crainças correm para a
arquibancada. Pesquisador: Agora que estamos na torcida, vamos torcer. Todas
as crainças levantam as mãos e gritam: AEEEEE, BRASIIIL, BRASIIIL. Pesquisador:
Olha o que têm no estádio? Tem o jogador e a Jogadora, tem o que mais?
Pesquisador: A torcida. João grita: Juiz. Pesquisador: Tem o Juiz e têm o
vendedor de sorvete. Quem vai se o jogador? Maioria levanta a mão. Pesquisador:
E as jogadoras? A maioria das meninas levantam a mão, e todos que querem ser
jogadores correm para fazer uma fila à frente do Pesquisador.Pesquisador: Quem
vai ser torcida, nem todos podem ser jogadores. Algumas crianças vão para a
arquibancada. Pesquisador: Quem vai ser o vendedor de sorvete? Duas crianças
levantam a mão. Pesquisador: Quem vai ser a marta? As meninas levantam a mão.
Pesquisador: Quem vai ser o Neymar? Os meninos levantam a mão. Pesquisador:
Vai vem cá, os jogadores. Um pouco para esse lado, um pouco para outro lado.
Pesquisador: Quem vai ser o goleiro? Vai lá Jorge, ser o goleiro. Há cerca de 5
meninas e 6 meninos para brincarem de jogar futebol. Pesquisador: Pesquisador
fica com a bola nas mãos, as crianças ficam esperando ele soltar, todas ficam com
olhos fixos olhando para as mãos do Pesquisador à espera dele soltar a bola.
Pesquisador: Cadê a torcida? A torcida grita: EEEEEEE. E o pesquisador solta a
bola e uma menina grita que é a Marta. Todas as crianças saem correndo atrás da
bola, aglomerando-se tudo em cima da bola. Pesquisador: Bola é do goleiro.
Pesquisador diz que vai ser o Juiz. E o goleiro pega a bola na mão. Pesquisador:
Pode soltar a bola goleiro, solta a bola. O goleiro joga a bola para frente e a Clara
sai correndo dominando a bola e todas as crianças correm atrás da bola.
Pesquisador: Dá a bola para o goleiro, eu sou o juiz agora. As crianças entregam a
bola para o goleiro e em seguida ele solta chutando a bola para frente. Todos
saem correndo atrás da bola, do gol à outro Gol. João domina a bola e direciona
190

para o gol, até que o goleiro vai pegar a bola na mão, João chuta a bola para
dentro do Gol e grita Cristiano Ronaldoooo. Interventor: Foi falta, o João chutou a
Página
bola que estava na mão do goleiro. Foi cobrado a falta. Pesquisador: Juiz apitou,
Intervalo de jogo. Interventora: Senta lá todo mundo de novo. É o seguinte,
Interventor fica em pé aqui do meu lado. Interventora: Eu vou fazer uma
pergunta, presta bastante atenção. Quem quer ser torcedor levanta a mão? Três
crianças levantaram a mão. Interventora: Sabe porquê? Dá para brincar de tudo,
quem quer ser torcedor,será um pouco, depois será jogador . Nós vamos trocando.
Interventora: Quem quer ser torcedor vem aqui com o interventor. Nisso foram
nove crianças com o interventor. Interventora: Agora eu preciso de duas pessoas
para ser vendedor. Quem quer ser vendedor? Duas crianças levantam o braço e
junto com o pesquisador começam a fazer de conta que estão fabrincado o sorvete
para ser vendido. Uma aluna se torna a vendedora e o pesquisador e outro aluno
são os ajudantes. Pesquisador: Ai, Gustavo está entregando o sorvete...
Pesquisador: a Sophia está entregando, e eles estão pagando com abraço...
Interventor: quero sorvete. Pesquisador: Quer do que, Pesquisador? interventor:
chocolate. Criança: chocolate. Pesquisador: ele quer de chocolate, entrega um de
chocolate. Interventor: Obrigado! Me dá um abraço... pesquisador: Isso, dá um
abraço. Interventora: Pesquisador o jogo vai começar. Pesquisador: Ta, a torcida
está comprando sorvetes. Agora a gente vai ser torcida junto com vocês.
Pesquisador: Vamos torcer agora?? Crianças: Vamos!! Pesquisador: Brasil!!
Crianças: Brasil! Brasil! Brasil! Brasil... Pesquisador: vem torcer... vem torcer!
(falando com outras crianças). Pesquisador e crianças: Brasil! Brasil... Gustavo:
agora eu vou jogar bola. Pesquisador: óh, o Gustavo quer ser jogador agora, prô!
Gustavo: quem vai ser juiz? Pesquisador: hã? ... Vamos fazer a “ola” agora, vocês
lembram da “ola”? Vai, vai, vai... Oooooh (fazendo a “ola” com as crianças)...
Aee!!! Vai, de novo vai...1 2 3 eee ooooh (novamente fazendo a “ola”)... Aee!!
Agora precisamos fazer dois times de futebol. Interventora: Agora temos nove
crianças e precisamos fazer dois times. Interventora: Vamos lá, hein. E ela solta a
bola. Com um time reduzido, as crianças correm atrás da bola, direcionando ela
para o Gol. 3 meninas e 4 meninos são os jogadores. Durante a partida, parece-
me que o centro da atenção está em reproduzir o papel do jogador assumido do
que de fato jogar a bola, pois eles fazem os barulhos de como se estivessem
jogando, gritam o nome dos jogadores que assumiram. Alguns nem utilizam a bola
do jogo. Realizam a atividade como se estivessem fazendo movimentos de uma
partida de futebol fingindo estar com uma bola. O goleiro pega a bola e joga para
frente. Todas as crianças correm atrás da bola e direciona para o outro gol. Ao
chutar dentro do Gol, tem cinco crianças como goleiro dentro do Gol. No Gol
oposto tem quatro crianças. As crianças correm atrás da bola, ao domina-la e
correr com ele em direção ao gol. Pesquisador: Apita, Final de Jogo. Pesquisador:
Vem todo mundo aqui na torcida de novo. Todas as crianças correm para
arquibancada. Pesquisador: Quem gostou de brincar no estádio levanta a mão?
Todos levantam a mão. Pesquisador: Quem foi jogador de futebol levanta a mão.
191

Todos levantam a mão. Pesquisador: Quem foi o Neymar? Os meninos levantam a


mão. Pesquisador: Quem foi a Marta levanta a mão? As meninas e o interventor
Página
levantam a mão. Pesquisador: Eu também fui a Marta. Alguns meninos dão
risada. Quem foi vendedor de sorvete? Eu tbm fui. Pesquisador: Foi eu, o Everson
e a Sophia. Pesquisador: Quem chupou sorvete na torcida? Maioria levanta a mão.
Pesquisador: Quem foi torcedor? Ergue a mão! Intervenção dezesseis -
Pesquisador: O que você vai ser Cristina? Cristina: jogador, Astronauta.
Pesquisador: Você vai ser jogadora e astronauta? Cristina: balança a cabeça
dizendo que sim. Pesquisador: E qual será o nome da jogadora de futebol e
astronauta? Cristina: Emily. Pesquisador: Então escreve. Cristina escreve o nome
dela. Pesquisador: posso escrever o que ela vai ser? Cristina balança a cabeça
afirmativamente. Pesquisador escreve jogadora de futebol e astronauta no papel.
Cristina: O que está escrito. Pesquisador: A profissão dela, jogadora de futebol e
astronauta. Intervenção dezessete - Na sala dividimos em várias estações a partir
dos vários papéis sociais que havíamos brincado com as crianças desde o começo
das intervenções e eles começam a se dividir a partir da suas máscaras e de seus
poderes em cada uma dessas estações. No campo de futebol está o João, uma
menina e outro menino, que pegam uma bolinha e gritam: gol!!! Pesquisador está
na partida de futebol e diz que vai ser espectador e vai assistir o jogo... uma
menina se junta novamente, mas dizendo que agora será a Marta e que vai jogar.
Intervenção 18 - O mestre mandou vocês fazerem um jogador de futebol...
Menina: Toca ai parceiro. Criança: gol! Pesquisador e crianças: gol! Cadê o jogador
de futebol? Vai, Ana! Crianças fingem chutar uma bola e fazem movimentos dando
“carrinho”, outros comemoram como se fossem torcedores, dois meninos fingem
ser árbitros... Pesquisador: tá brincando do que, Jorge? Jorge: de construir o
campo de futebol. Pesquisador: que legal!

Cenário dois - Da prática social inicial à final com o tema hospital/médico:


Intervenção um - Depois a mesma menina (secretária e professora), diz que vai
brincar de médico e começa a ajeitar a cadeira para que uma outra menina (sua
paciente) deite e ela possa “atende-la” e começa colocar a mão na cabeça da
amiga medindo a febre, mas logo a atividade também acaba. Intervenção dois -
Pesquisador: “Estátua, agora quero que vocês façam um médico”. Algumas
crianças começaram a fazer o som da sirene da ambulância com a boca. Outras
ficaram sem fazer nada. Pesquisador: “O que o médico faz?”; Criança: “Cuida das
pessoas”... Amy pega a lupa e outras três meninas estão sentadas nas cadeiras
como se fossem pacientes, ela afirma para a interventora que está brincando de
médica e começa a fazer de conta que está examinando suas pacientes. Coloca
uma das pacientes deitada, juntando mais cadeiras como se fosse uma maca. Ana
e Cristina continuam a brincar de mamãe e filhinha, só que agora uma boneca é a
filha. Interventora pergunta se está tudo bem e Ana responde “está tudo
bem”. Logo após fala “mas teve um tubarão que mordeu minha filhinha”
a interventora pergunta se ela já levou sua filha ao médico e ela “sim,
192

mas tá demorando”. A interventora então fala para elas que em outro espaço da
sala onde outras meninas estavam brincando de hospital, que lá tem médico para
Página
elas levarem a filhinha. Cristina chama a Amy que é a médica e diz “ela morreu” (a
boneca filhinha) e Cristina sai dizendo que então não tem mais jeito. Ana continua
dizendo que vai deixar a filha no hospital para ela melhorar. As atividades que
estão ocorrendo neste momento são o futebol com cerca de 5 meninos, dois
grupos de meninas brincando de casinhas, três meninos brincando de corpo de
bombeiro e 4 meninas brincando de hospital. Interventor está participando da
brincadeira de hospital e a médica começa a fazer exames nele. Primeiro na boca e
depois começa a tocar a barriga dele. A médica pega um pedaço de madeira fina,
palito de churrasquinho e coloca no braço dele como se fosse uma seringa
aplicando remédio, ele finge que está doendo e uma outra paciente o abraça
dizendo que já ia parar de doer. Intervenção quatro - Pesquisador: agora que
conheceram o bombeiro, irão ver a próxima profissão e mostra o
desenho. Crianças respondem que é o médico. Pesquisador: O que o
médico faz? Crianças: Cuida das pessoas, dá remédio, cura as pessoas,
da injeção, tira o bebê (Pesquisador incentivando e questionando);
Jorge: Eu sei, ele cuida de filhotes. Pesquisador: Isso, tem um médico só
de animais e esse chama-se veterinário. Pesquisador: E o que mais o
médico faz? Além de tudo isso que já falaram? Crianças: Examina, cura
crianças. Pesquisador: Isso, muito bem... e ele faz exames? Crianças: Faz
raio-x. Crianças: Isso, tira o sangue... Pesquisador: Muito bem!! E médico
pode ser mulher também? Crianças respondem que sim!! Pesquisador: E
agora vamos ver o vídeo sobre o médico. Pesquisador: Enquanto veem o vídeo
pergunta o que o médico receitou para a moça... Criança responde: fruta e
Pesquisador explica que é sal de fruta, um remédio que ajuda a melhorar dor de
estômago. Eles prestam muita atenção no desenho. Pesquisador: Então, o que
médico faz mesmo? Crianças retomam: cura, faz exame, da vacina,
examina, faz curativo. Pesquisador: E o médico é legal também? Ajuda
bastante a gente? Crianças respondem que sim. Intervenção cinco - Um
grupo de meninas brinca de médico. Interventor pergunta quem é a
médica... uma aluna responde ser ela e finge estar fazendo um curativo.
Sempre é a mesma aluna que assume o papel de médica. Há cerca de
sete alunas que estão na atividade e a médica afirma que todas elas são
pacientes. Interventor pergunta porque ela sempre brinca de médica.
Aluna: Porque ganha muito dinheiro. Interventora se junta ao grupo de
crianças que estão brincando de médico. Organiza, dizendo que algumas serão
médicas e outras pacientes. E as médicas começam a atender os pacientes. Depois
invertem na organização dos papéis. Gustavo é médico e examina a colega e
começam a brincadeira, fazem curativos, fazem exames. Interventor junta-se as
crianças que estão brincando de médico e propõe fazer exame no Charlie que já
estava com um curativo no braço e explica que antes de colocar o curativo tem
que fazer exame, a médica pega o telefone e finge ser a máquina de exame. E faz
193

curativo no braço, depois diz que precisa ficar em repouso e ir buscar comida com
o cozinheiro para ficar forte de novo. João também diz que sofreu uma falta no
Página
futebol e é atendido por outra médica, como o interventor havia feito. Interventora
orienta que sempre que alguém sofrer uma falta forte, tem que levar para o
hospital. Pesquisador está brincando de médico e Gustavo diz que ele terá que
pagar pelo exame que fez. E Pesquisador pergunta se podem fazer caridade,
e crianças dizem que sim. Depois Pesquisador explica que fazer caridade
é quando não precisa pagar, porque faz pra ajudar, não pra receber
dinheiro de volta. As crianças dizem que precisa pagar, Pesquisador diz que
está muito caro e crianças dizem que não precisará. Jorge vai até o hospital,
Charlie que é o médico pergunta o que aconteceu, Jorge explica que ele estava
andando e caiu e quebrou a perna. O médico pega o telefone fingindo ser a
máquina de exame e começa a examinar o joelho. As duas brincadeiras que
continuam a serem realizadas são a de partida de futebol e de hospital e elas
mantém uma relação de quem machuca no jogo vai ao hospital para ser
examinado e cuidado. O interventor participando da atividade e duas crianças
caem no chão como se estivessem se machucado, eles dizem que são o Neymar e
o Cristiano Ronaldo. O interventor começa a chamar os médicos e eles pegam
essas crianças e colocam em cima de duas cadeiras como se fosse uma maca para
que fossem examinados. Interventor pergunta se ele está bem, se está muito
doentinho e ele balança a cabeça dizendo que sim. Crianças que brincam de
médico: fingem que uma quebrou a perna e a médica ajuda a engessar.
Interventora pega uma vassoura e diz que ia limpar o hospital para que ficasse
limpinho, uma aluna finge estar com uma vassoura e começa a varrer o chão
também. Pesquisador retoma a profissão médico e pergunta quem brincou. As
crianças levantam a mão e dizem o que fizeram: curativo, passou remédio, ajudou
o jogador. Disseram que usaram o telefone para marcar médico e fizeram exames.
Pesquisador pergunta o que é mais importante em ser médico, ganhar dinheiro, ou
cuidar das pessoas? Todos respondem que é cuidar das pessoas. Intervenção seis
- Pesquisador: Vocês gostam de dançar? Todos: Sim. Pesquisador: Então todo
mundo de pé, vai. Interventora: Eu vou aqui na frente, hein! Pesquisador: É para
vocês acompanharem, tá? Jorge: Eu vou ficar em fileira. E eles se organizam em
duas fileiras. Interventora: Olha, vamos prestar atenção na música para dançar.
Pesquisador: Mas tem uma coisa, no final do vídeo vocês terão que descobrir qual
profissão que é. Combinado? Todos: Sim. Interventora organiza todas as crianças
atrás dela, e fala: “Ninguém pode passar dessa linha”. Delimitando o espaço para a
dança. Pesquisador: Solta o vídeo e todos começam a dançar, olhando a
Pesquisador e o vídeo ao mesmo tempo e tentam reproduzir os movimentos.
Gustavo fica de braços cruzados e não dança, o pesquisador vai até ele e
pergunta por que ele não está dançando. Gustavo: Homem não dança.
Interventor afirma que sim, que homem dança e ele pode dançar
também e ele começa a dançar. Ao final da música. Jorge: Eu sei é de médica.
Pesquisador: Qual é a primeira profissão? Jorge: Eu sei é de médica Todos:
194

Médica... Pesquisador: vocês lembram do médico? Todos: Sim. Pesquisador: O que


o médico faz? Charlie: Cuida. Pesquisador: Ele cuida da saúde das pessoas, então
Página
ele ajuda as pessoas a não ficar? Todos: doentes. Pesquisador: Vocês lembram
qual foi a primeira profissão que passou no vídeo. Maioria: Sim, Médico.
Pesquisador: Foi o? Todos: Médico. Pesquisador: Mostra o desenho do médico. E
pergunta “o que o médico faz mesmo?” João: Cuida das pessoas. Maioria: Cuida
das pessoas. Pesquisador: Quem está com o braço quebrado? João: Eu fui no
médico. Pesquisador: E a Hana também está com o braço quebrado. Quem cuidou
deles? Jorge: O médico. Pesquisador: Foi o médico que cuidou deles, parem eles
não sentirem dor. Médico é legal? Todos: Sim. Pesquisador: Tem médica mulher
também? Todos: Sim. Pesquisador: Isso, tem médica homem e mulher, também.
João: Foi uma médica que cuidou do meu braço. Intervenção dezoito - O mestre
mandou vocês fazerem um médico. Você tá cuidando, Hana? Vacina, injeção?
Fazendo ressuscitação. Cadê os médicos, cadê os médicos? Crianças deitam no
chão enquanto outras fazem exames, fingindo utilizar aparelhos... Pesquisador: Tá
falando com quem? Eu preciso falar com o médico, eu tô doente! Criança: oi, ele
tá doente tá? Pesquisador: oi? Não entendi! Criança: médico, ele tá doente. Você
tá com dor de cabeça? Pesquisador: estou com dor de cabeça. Criança: ele tá com
dor de cabeça. Falando ao telefone. Pesquisador: você vai chamar o médico pra
mim? Criança: ele disse pra você marcar uma sessão. Pesquisador: marcar uma
sessão pra mim? Criança: ele chegou. Pesquisador: é o médico? Fala médico. O
que você é, secretária?! Pode mexer. Vai médico, me examina! Você que é a
médica? Criança: eu sou. Pesquisador: sarou! Criança: você tá enfermado
Pesquisador: hã? Criança: você tá enfermado, pronto. Pesquisador: Que bom! O
que você é Fernando? Cristian, o que você é? Maitê: tô com dor de barriga.
Pesquisador: o médico, a Maitê tá com dor de barriga. É muita ou pouca dor? Ele
tá perguntando pra você, o que eu falo? Maitê: fala que tem que tomar um
remédio. Pesquisador: mas você tá muita dor? Ela tá com muita dor, ela quer
tomar remédio. Maitê: remédio químico. Pesquisador: remédio químico. Cadê o
médico dela? Ela tá doente!. Vai Cristian, ela precisa de um remédio. Jorge: eu dou
o remedinho. Pesquisador: o Jorge te deu remédio. Agora tem que sarar! Jorge:
tem que tomar 10 dias esse remédio. Maitê: já tomei 10 dias. Maitê: médico,
médico, eu tô com dor de garganta. Jorge: tá bom! Pesquisador: o Jorge tá pondo
remédio, toma esse comprimido! (repetindo o que o Jorge estava falando para a
Maitê). Pesquisador: ó, sabe como que a gente paga o médico? Abraçando, é o
abraço. Dá um abraço no médico. Vem Jorge, ela vai te pagar, vai! Ae! O Cristian
também, o Crisitian também é médico. E eu? Maitê: também! Pesquisador: então
me dá um abraço! Coisa gostosa. Criança: o que é isso? Pesquisador: esse é o
remédio.
Fonte: Pesquisa de campo (2017)

A partir do episódio apresentado, alguns pontos importantes podem ser


195

desvelados em relação a uma prática pedagógica com a brincadeira de papéis sociais que
caminhe no sentido do enfrentamento da alienação social capitalista, ou seja, em uma
Página
direção humanizadora. Identificamos que os pressupostos da prática pedagógica
histórico-crítica quando assumidos e efetivados em um processo interventivo com a
brincadeira na pré-escola, contribuem com o enfrentamento da alienação social em três
âmbitos, quais sejam, primeiro, na ampliação da gama de possibilidades temáticas a
serem trabalhadas com as crianças quando da construção dos motivos que levam à
realização desta atividade, tirando-as dos limites impostos pela sua cotidianeidade,
sobretudo quanto a limitação de modelos de relações sociais à serem utilizados por elas
como forma de representação.
Segundo, também quando da construção do motivos que levam à brincadeira, tais
pressupostos pedagógicos mencionados, contribuem com a construção dos conteúdos
dos modelos de relações sociais pautados em significados os mais qualitativos,
superando apreensões tendencialmente alienadas e alienantes que subjazem as
atividades na sociedade capitalista e sintetizadas em relações sociais empobrecidas e
relegadas à fragmentação quanto ao verdadeiro papel das funções sociais humanas;
funções essas necessárias à manutenção de qualquer estrutura societária.
Terceiro, verifica-se que tendências humanizadoras, isto é, colocadas
contraditoriamente àquelas tendências alienadas e alienantes já apresentadas
anteriormente, e que podem ser expressas a partir de conteúdos humano-genéricos
como cooperação, amizade, superação da individualidade e enaltecimento do trabalho
em grupo, respeito, equidade, igualdade e diálogo, são colocadas como possibilidades de
reconstrução pelas crianças, nas brincadeiras de papéis sociais, isso, quando da
realização desta atividade, ocorrerem processos interventivos dos professores a partir de
ações ludo-pedagógicas conscientes e contrárias às tendências alienadas e alienantes,
contribuindo com a construção da consciência das crianças em uma direção
humanizadora.
Assim sendo, tendo como base os cinco momentos da prática pedagógica
histórico-crítica, ficou evidente o quanto tal prática contribui, de fato, para a ascensão de
um conhecimento embasado no contidiano em-si à um que esteja em um patamar mais
196

elevado, de natureza crítica, para-si e voltado à construção de uma consciência do nós,


Página
como afirma Viotto Filho (2014). Diante dessas reflexões, ainda que se questionem as
possibilidades de efetivação de ações pedagógicas histórico-críticas na educação infantil
e junto à criança pré-escolar, como temos visto nas teorias do aprender a aprender, em
que muito se questiona as possibilidades de atuação do professor, isso por conta dos
limites colocadas pela situação social de desenvolvimento da criança, defendemos a sua
importância e necessidade de implementação na escola de educação infantil e o papel
imprescindível do professor que ensina as crianças e cumpre a sua função social de
educador.
A partir da análise dos dados apresentados em relação ao processo interventivo-
formativo com a brincadeira de papéis sociais, acreditamos ter ficado evidente a
possibilidade de atuação nas máximas possibilidades de desenvolvimento dadas nesse
período, tendo como base a utilização, pelo professor, dos conhecimentos mais
elaborados acerca da organização e efetivação desta atividade. Identificamos, quando da
construção dos motivos que engendram as necessidades de atuação da criança, a partir
de determinados modelos de relação social, contribuições importantes, tanto pela
ampliação quantitativa, bem como, também, pelo processo de transformação qualitativo
na direção do enfrentamento das tendências alienadas e alienantes presentes nos
modelos de relação social cotidianos em-si e carregados de funções sociais com
significados empobrecidos e fragmentados, intrínsecos às relações sociais da sociedade
capitalista. Entendemos que, seja na construção dos motivos, seja na intervenção
pedagógica, torna-se necessário a superação da perspectiva espontaneísta na efetivação
de atividades de caráter humanizador, em contraposição à atividades de caráter
alienador na escola.
É importante salientar que observamos, no início do processo, quando da prática
social inicial, a presença marcante de tendências vinculadas à alienação presentes na
sociedade, as quais, de certa forma, são engendradas na consciência das crianças desde
a mais tenra idade, tendo em vista as relações cotidianas alienadas das quais as mesmas
participam e vivenciam na sua vida cotidiana e que, ao longo do tempo, são reproduzidas
197
Página
de geração a geração, seja no interior das famílias, seja junto aos amigos do bairro e
também no interior das escolas.
O não conhecimento de certos conteúdos, desde os mais básicos e relacionados
às relações humanas, bem como a reprodução de relações individualistas, egoístas, de
discriminação de gênero, que a princípio estavam presentes, no decorrer do processo
interventivo-formativo, a partir de abstrações calcadas em momentos de problematização
e instrumentalização, possibilitou ao professor levar os sujeitos da pesquisa a
vivenciarem processos catárticos e, consequentemente, ascenderem à compreensões,
valores, ações, mais qualitativas, ou seja, na direção da construção de consciências mais
humanizadas quando no ponto de chegada da prática social, requalificada, como afirma
Martins (2016).
Portanto, defendemos a tese de que, o professor pode criar condições educativas
para o enfrentamento das tendências alienadas e alienantes capitalistas que se
apresentam nas brincadeiras de papéis sociais, sobretudo quando realizadas de forma
espontânea pelas crianças, a partir da efetivação de uma atividade de brincar, ou seja,
atuando por meio de um ensino, direto e intencional, da brincadeira infantil, levando as
crianças à apropriação e objetivação de conteúdos e formas mais evoluídas de relações
sociais e objetos culturais humano-genéricos produzidos historicamente pela
humanidade.
Como afirma Saviani (2013a), o ser humano não nasce ser humano, ele se torna
um ser humano. Não nasce sabendo produzir-se enquanto ser humano, precisa aprender
a ser um ser humano, precisa passar por um processo educativo que o leve a aprender a
desenvolver sua própria existência. O desenvolvimento do ser humano, para o autor, é
produto da educação,

Portanto, é pela mediação dos adultos que num tempo


surpreendentemente muito curto, a criança se apropria das forças
essenciais humanas objetivadas pela humanidade tornando-se, assim, um
ser revestido das características humanas incorporadas à sociedade na
qual ele nasceu (SAVIANI, 2013a, p.250).
198
Página
No entanto, há que ser pensada, também, em que direção essa educação das
crianças caminhará e, como afirma Pasqualini (2015, p.202),

O horizonte da prática pedagógica na educação infantil deve ser o de


promover o desenvolvimento omnilateral da criança em suas máximas
possibilidades, tomando como referência as máximas possibilidades de
humanização da criança pequena objetivamente existentes para o gênero
humano.

É nessa direção que orientamos nossas reflexões para a elaboração do processo


de intervenção formativo realizado junto aos sujeitos da nossa pesquisa, com o objetivo
de defendermos a atividade de brincar como atividade ludo-pedagógica imprescindível,
desde que devidamente pensada, elaborada e ensinada pelo professor na sua forma e
conteúdo, para o processo de humanização das crianças na educação infantil.

199
Página
4 A ATIVIDADE DE BRINCAR NA PRÉ-ESCOLA: POSSIBILIDADES DE
ORGANIZAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO ENSINO DA BRINCADEIRA DE PAPÉIS
SOCIAIS EM UMA DIREÇÃO HUMANIZADORA

Todo pedagogo sabe que é muito mais difícil organizar e estimular a


brincadeira criativa das crianças pré-escolares do que qualquer outra
atividade. Estas dificuldades estão ligadas, antes de tudo, com o fato de
que a organização da brincadeira, o papel e as funções do pedagogo não
são tão claros e não estão tão definidos como em outras tarefas
(ELKONIN, 1987, p. 84-85. Tradução nossa).

Iniciamos a presente seção com esta citação de Elkonin com o intuito de


demonstrarmos o quão desafiadora se colocou a tarefa que assumimos na presente tese,
mas ao mesmo tempo, o quão importante se mostraram os caminhos para desvelarmos
a chave e dominarmos o processo da brincadeira de papéis sociais, sobretudo quando
nos posicionamos como educadores no sentido de proporcionar aos nossos alunos de
forma geral e, especificamente aqueles que se encontram na educação infantil, as
condições mais elevadas de desenvolvimento, buscando, assim, contribuir com a
superação de uma estrutura social tão desumana e desumanizadora como essa em que
nos encontramos atualmente, sobretudo quando nos referimos especificamente à
situação vivida no Brasil nessa era Bolsonariana (DUARTE; SAVIANI, 2019).
Será esta uma utopia a busca da humanização? Um paradoxo, impossível de
superação a alienação capitalista? Acreditamos que não. Por isso nos pautamos no
Materialismo Histórico e Dialético como base epistemológico-metodológica-filosófica, bem
como nos pressupostos teórico-metodológicos da Teoria Histórico-cultural e Pedagogia
Histórico-Crítica, para a efetivação da presente tese. Contudo, não temos a intenção de
somente replicar os conhecimentos elaborados por tais aportes teóricos, assumimos
enquanto condição sine qua non para a construção do presente trabalho, desde seu
início, no bojo destas formas de leitura, atuação e transformação da realidade, incidirmos
na construção de um conhecimento que contribua, de fato, com o desenvolvimento de
uma ciência revolucionaria em educação, considerando todos os limites temporais,
200

afetivos e cognitivos presentes em tal elaboração.


Página
Desta feita, quais são as possibilidades de ensino da brincadeira de papéis sociais,
considerando a atual conjuntura histórico-social, movimento e contradição presentes na
realidade, que contribua com o desenvolvimento da consciência da criança em idade pré-
escolar em uma direção humanizadora, ou seja, menos alienada?
Vários são os estudos que assumiram tarefa parecida e contribuíram,
sobremaneira, com uma compreensão crítica de tais possibilidades. Salientamos, na
atualidade, por exemplo, os estudos realizados por Marcolino (2013) e Lazaretti (2016),
que giram em torno das teses levantadas por Elkonin (1987), acerca das possibilidades
de direção pedagógica da brincadeira de papéis sociais, quais sejam: Na eleição do tema,
estimulando as possibilidades de introdução de conteúdos que excluam dessa atividade
tudo que tenha uma influência educativa negativa; Na direção da brincadeira, deve ser
possibilitada a saturação do rol de ações com regras de comportamento pelas crianças,
que não sejam somente convencionais; Na direção da brincadeira, também, há que ser
atentada a distribuição dos papéis entre as crianças, cuidando para que aquelas que
sempre assumem papéis secundários venham a assumir papéis centrais, bem como,
aquelas que sempre estão em papéis centrais, venham a assumir papéis secundários; e,
quando da eleição dos acessórios para a utilização pelas crianças na brincadeira, não se
deve sobrecarregar com objetos que apresentam detalhes supérfluos, há que se limitar
aos objetos indispensáveis e suficientes para cumprir as ações que se desprendam do rol
oferecido.
Serão dentro dessas condições, portanto, que analisaremos as possibilidades de
ensino da brincadeira de papéis sociais, situando-a como atividade de brincar na
educação infantil, indispensável ao processo de desenvolvimento de consciências em
uma direção humanizadora, menos alienada.
Tomando como base, assim, a unidade mínima de análise assumida por nós como
o microcosmo que sintetiza o todo referente ao nosso objeto de estudo, qual seja, a ação
ludo-pedagógica humanizadora, afirmamos que, em um processo de ensino com a
brincadeira de papéis sociais em uma direção humanizadora, há que serem assumidas
201

enquanto fundamentais: ações interventivas diretas e intencionais na eleição, ampliação


Página
e formas de construção das necessidades referentes aos temas que orientarão a
brincadeira da criança em sua forma e conteúdo; bem como, ações interventivas a serem
engendradas na organização prévia da brincadeira, tendo em vista onde e quais objetos
poderão ser utilizados; e, sobretudo, como o professor pode atuar durante a realização
propriamente dita da brincadeira de forma a orientar a dinâmica da distribuição dos
papéis sociais e da utilização dos objetos, bem como, mediá-la em uma direção
humanizadora, sem destituí-la de suas características essenciais.
Retomemos, de forma sintética, os 18 momentos intervetivo-formativos realizados
no processo de pesquisa, para facilitar a construção do processo analítico explicativo das
categorias levantadas no parágrafo anterior:

Quadro 9 - Síntese do processo interventivo-formativo.

1 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincadeiras realizadas sem intervenção;


OBJETIVO: Análise das ações lúdicas das crianças a partir de brincadeiras
“espontâneas” para uma apreciação inicial dos possíveis temas, conteúdos,
relações interpessoais durante a realização de tal atividade;
2 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincadeiras espontâneas e atividade “O mestre
mandou...”
OBJETIVO: Análise das ações e falas das crianças a partir de brincadeiras
“espontâneas” para uma apreciação um pouco mais aprofundada dos
possíveis temas, conteúdos, relações interpessoais durante a realização de
tais atividades;
3 TEMA DA INTERVENÇÃO: Desenho em vídeo de um episódio do “Chaves” e
realização de brincadeira.
OBJETIVO: A partir da utilização de um vídeo de um desenho no qual estava
presente a reprodução de inúmeros papéis sociais como o professor, mamãe,
rico, pobre, aluno, papai, empresário e etc., levar os alunos à possibilidade de
construção de motivos no que tange ao tema e ao conteúdo para a realização
da brincadeira de papéis sociais.
4 TEMA DA INTERVENÇÃO: Apresentação de vídeos de desenhos com papéis
sociais variados.
OBJETIVO: Por meio da apresentação de vídeos que demonstravam a função
de vários papéis sociais, como bombeiro, jogador e jogadora de futebol,
mamãe, papai, cozinheiro, policial, médico e etc., levar os alunos à
possibilidade de construção de motivos no que tange o tema e o conteúdo
202

para a realização da brincadeira de papéis sociais.


5 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincadeira com os temas e conteúdos dos vídeos
Página
da intervenção anterior.
OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais a partir dos
modelos de relação social disponibilizados às crianças por meio de vídeos.
6 TEMA DA INTERVENÇÃO: Apresentação de vídeos musicais de diferentes
profissões.
OBJETIVO: Por meio da apresentação de vídeos musicais que demonstravam
a função de várias profissões, levar os alunos à possibilidade de construção
de motivos no que tange ao tema e ao conteúdo para a realização da
brincadeira de papéis sociais.
7 TEMA DA INTERVENÇÃO: “Passeio pela cidade”.
OBJETIVO: Aprofundar as significações das crianças acerca das profissões
através de uma excursão imaginária pela cidade (parquinho da escola),
levando os alunos à possibilidade de construção de motivos no que tange o
tema e o conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais.
8 TEMA DA INTERVENÇÃO: Conhecendo outras profissões.
OBJETIVO: Por meio da apresentação de vídeos de desenhos que
demonstravam a função de outras profissões as quais os alunos ainda não
haviam tido contato, leva-los à possibilidade de construção de motivos no que
tange ao tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis
sociais.
9 TEMA: Brincando das profissões.
OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais retomando os
vídeos sobre as diferentes profissões e análise das formas de relações
construídas por eles durante as atividades.
10 TEMA DA INTERVENÇÃO: Partida de futebol.
OBJETIVO: A partir de outro episódio do desenho “Chaves’ com o tema
“partida de futebol”, buscar o aprofundamento das significações dos alunos
acerca dos vários modelos de relações sociais existentes em uma partida de
futebol, leva-los à possibilidade de construção de motivos no que tange ao
tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais.
11 TEMA DA INTERVENÇÃO: “excursão a um estádio de futebol”
OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais acerca do tema
partida de futebol e análise das formas de relações construídas por eles
durante a atividade.
12 TEMA DA INTERVENÇÃO: Contação de histórias - “o trenzinho do seu
Nicolau”.
OBJETIVO: Por meio de contação de uma história a partir de um livro infantil,
levá-los à possibilidade de construção de motivos no que tange ao tema e ao
conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais a partir de outros
modelos de relação social.
13 TEMA DA INTERVENÇÃO: Passeio no trem do seu Nicolau.
203

OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais acerca do tema


da história infantil e análise das formas de relações construídas por eles
Página
durante a atividade.
14 TEMA DA INTERVENÇÃO: Passeio à cozinha da escola.
OBJETIVO: Por meio da visitação à cozinha da escola, levar os alunos a uma
ampliação e aprofundamento das possibilidades de construção de motivos no
que tange ao tema e ao conteúdo para a realização da brincadeira de papéis
sociais a partir de outros modelos de relação social.
15 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincando na cozinha.
OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais acerca do passeio
à cozinha da escola e análise das formas de relações construídas por eles
durante a atividade.
16 TEMA DA INTERVENÇÃO: Contação da história “tudo bem ser diferente”.
OBJETIVO: Por meio de contação de uma história a partir de um livro infantil,
levá-los à possibilidade de construção de motivos no que tange ao tema e ao
conteúdo para a realização da brincadeira de papéis sociais a partir de
modelos de relação social que enfatizam o respeito as diferenças entre os
indivíduos.
17 TEMA DA INTERVENÇÃO: Brincadeira de papéis sociais que busca sintetizar
todo o processo interventivo.
OBJETIVO: Intervenção com a brincadeira de papéis sociais retomando todos
os modelos de relações sociais trabalhados durante todo o processo
interventivo com ênfase na superação dos preconceitos.
18 TEMA DA INTERVENÇÃO: Retomada das brincadeiras espontâneas e o
“mestre mandou...”.
OBJETIVO: Analisar se houve mudanças nas formas de relação apresentadas
nos primeiros momentos interventivos.
Fonte: Dados da pesquisa (2019)

4.1 Ações interventivas diretas e intencionais na eleição, ampliação e formas


de construção das necessidades referentes aos temas que orientarão a
brincadeira da criança em sua forma e conteúdo

Assim, pois, se queremos que as crianças brinquem de aviadores,


soldados, condutores, se queremos que um ou outro papel seja assumido
pela criança, ele deverá, antes de tudo, generalizar as correspondentes
funções sociais e as regras de comportamento. Se isto não ocorre, isto é,
se uma ou outra profissão, uma ou outra personalidade possuir um
determinado atrativo, mas suas funções sociais, sua profissão, suas
normas de conduta não estão claras para a criança, tal papel não será
assumido por ela. Em consequência, uma das condições obrigatórias para
que a criança assuma um ou outro papel é a individualização das normas
204

sociais de comportamento da pessoa cujo papel assumirá a criança


(ELKONIN, 1987, p. 92; tradução nossa).
Página
Como ficou evidente até aqui, a partir das discussões realizadas, o ponto central
referente à brincadeira de papéis sociais é que nela, justamente, as crianças reconstroem
de forma sintética, ou seja, a partir dos sentidos que ela apreendeu dos significados
presentes nos modelos de relações sociais os quais ela teve contato e geraram uma
necessidade de realizar esta atividade, mesmo sem ela ter consciência de tal processo.
Para que seja criada tal condição de realização de determinado papel social é necessário
que a criança individualize e generalize as correspondentes funções sociais e regras de
comportamentos dos indivíduos que ela irá representar (ELKONIN, 1987).
Os papéis sociais são formas de relações e funções que assumem condição para
que nós, seres humanos, possamos conviver em sociedade e contribuir para que ela se
mantenha em um processo dialético de manutenção e transformação, tais papéis sociais
carregam diferentes significados sociais, valores, condições técnicas de realização, dentre
outras características que se expressam em regras, que, quando apreendida pelas
crianças, são reproduzidas nas ações lúdicas durante brincadeira de papéis sociais.
Sendo assim, esses modelos de relações sociais estão carregados de regras que
mobilizam a consciência da criança e a colocam em um processo de transformação
quantitativa e qualitativa de apropriação e objetivação dos significados presentes nas
relações sociais, quando as mesmas se colocam em ação dentro de tal atividade
criadora, já que a consciência da criança em idade pré-escolar é dada e transformada na
ação dentro da atividade.
Contudo, tendo em vista os condicionantes capitalistas dados cotidianamente nas
relações sociais, condicionantes estes carregados de conteúdos alienados e alienantes,
que nos levam em direção à barbárie diuturnamente, radicam na produção e reprodução
de significados presentes nos modelos de relações sociais pautados em tendências
alienadas e alienantes, no que tange a construção de sentidos empobrecidos, ou até
mesmo contrários, aos verdadeiros significados que as funções humanas apresentam em
seu cerne – veja-se quando se assume a profissão de médico de um ponto de vista
somente monetário e não em seu significado mais desenvolvido de indivíduo responsável
205

em preservar qualitativamente a vida dos seres humanos; veja-se quando se assume a


Página
função do policial enquanto um indivíduo que ao invés de proteger os cidadãos, exerce o
papel de instrumento repressor do estado capitalista, atuando contra os próprios
cidadãos -, ou, também no que tange a imposição de uma barreira entre àquilo que há
de mais desenvolvido, os conhecimentos não-cotidianos para-si, em relação aos
conhecimentos cotidianos em-si, os quais, muitas vezes, são os únicos que os indivíduos
têm possibilidade de vivenciar durante toda a sua vida; esses significados quando
apropriados pelas crianças em suas brincadeiras influem na construção de sentidos
(consciência) que também se apresentam tendencialmente alienados e alienantes, por
um lado, limitados às barreiras impostas entre o cotidiano em-si e o para-si, de outro,
pela ruptura entre os significados mais evoluídos das relações sociais, em contraste com
significações carregadas de situações negativas e prejudiciais ao seu desenvolvimento.
Por isso, a escolha dos temas e conteúdos das brincadeiras, para além daqueles
que as crianças já apresentam de forma efetiva, bem como as formas de construção dos
motivos/necessidade em quantidade e qualidade para a sua realização pela criança, são
condições fulcrais para uma atuação de ensino com a brincadeira em um plano
humanizador. Vejamos:

Quadro 10 - Episódio 7: Ações interventivas, eleição, ampliação e possibilidades de construção


dos interesses que levam à atividade de brincar.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Para que seja possível a demonstração dos aspectos


concernentes ao presente episódio a partir dos dados dos processos interventivos,
apresentaremos, inicialmente, a partir da prática social tomada em seu ponto de
partida e chegada, a evolução dos temas e conteúdos das brincadeiras realizadas
pelas crianças. Em um segundo momento, tomando como base as abstrações
pautadas nos momentos de problematização, instrumentalização e catarse, as
possibilidades engendradas na construção dos interesses nas crianças de temas e
conteúdos pautados em tendências humanizadoras.

CENA UM: Evolução dos temas e conteúdos das brincadeiras a partir da prática
social tomada em seu ponto de partida e chegada.

Cenário um (prática social inicial) - Interventora: “Quem gosta de brincar?” - Todas


as crianças levantaram a mão e disseram “Eu”. Uma criança: “Eu gosto de brincar
206

com ele, apontando para um amiguinho de sala”. Pesquisador colocou uma caixa
colorida fechada no meio do círculo com um chapéu de cowboy em cima. Uma
Página
criança levantou para pegar o chapéu. Pesquisador disse para se acalmarem e se
sentarem nos seus lugares para ele explicar a atividade. Eles pareceram ansiosos.
Interventora: Já que todo mundo gosta de brincar aqui, o que a gente vai fazer
hoje? Uma criança disse que iriam brincar de cowboy, pois tinha um chapéu em
cima da caixa. Pesquisador disse que poderiam brincar do que eles quisessem,
porém, haviam algumas regras que eles deveriam respeitar. Pesquisador: Eu e a
pro (Interventora) trouxemos algumas coisas para vocês brincarem. Uma criança
levantou no centro da roda e disse que queria brincar de cavalinho e começou a
brincar como se estivesse montado em um cavalo imaginário. Pesquisador: A
gente quer que vocês brinquem com as coisas que a gente trouxe, que nem vocês
brincam com os brinquedos que vocês trazem para a escola. Mas tem as regras
que vocês têm que respeitar, vocês lembram quais as regrinhas? Uma criança vai
até o meio da roda e diz: Mas tem que brincar sem brigar - Pesquisador: Então
antes da gente começar, vamos entender as regrinhas, a primeira já foi falada,
qual é? Crianças: Brigar. Uma criança fala “não mexer nos computadores” (pois
estávamos realizando a atividade na sala de computação da escola). Pesquisador a
parabeniza e enfatiza essa regra a todos os alunos. Os próprios alunos iam falando
e o Pesquisador enfatizando, não pode xingar, não estragar os brinquedos e nem
chutar eles. - Interventora: “Pesquisador (Pesquisador), a gente pode inventar
brincadeira? Pode usar quantos brinquedos quiser da caixa? Pesquisador responde
que sim. Pesquisador pegou a caixa e perguntou: “vamos ver o que tem aqui
dentro?” - Todas as crianças saíram dos seus lugares na roda e correram para
olhar o que tinha dentro da caixa e começaram a pegar os brinquedos de forma
desordenada e empurrando um a outro. Pesquisador: “Voltem para os seus
lugares, voltem, voltem” - Interventora: “Mas vocês disseram que não pode
empurrar?” Interventora: “Vamos fazer uma brincadeira? Quando o Pesquisador
colocar a caixa no centro da roda, vamos brincar de estátua, ninguém pode sair do
seu lugar.” Pesquisador colocou a caixa no centro da roda e começou a tirar os
brinquedos da caixa e colocá-los no chão. Pesquisador: “Olha o tanto de coisa na
caixa”. Algumas crianças se aproximaram para ver os brinquedos. Uma criança
pegou o brinquedo e ficou olhando. Pesquisador: “Voltem para os seus lugares, é
pra ficar brincando agora?” - As crianças responderam que não. Pesquisador diz:
Vamos brincar, então? E eles começam a pegar os brinquedos. Interventor enfatiza
que é para dividir os brinquedos. As crianças começaram a brincar com os
brinquedos da caixa pela sala de informática. Duas crianças pegam uma bolinha de
tênis e dizem que estão brincando de jogar futebol. Pesquisador pergunta que
jogador eles são, um dos alunos responde que é o Neymar. Durante um momento
eles param de focar na bolinha e começam a chutar uma bola imaginária, depois
começam a chutar as pernas um do outro. Um outro aluno coloca um óculos
escuro e diz que vai brincar de espião. Dois alunos pegam dois violões em
miniatura começam a fazer de conta que estão tocando e falam que são cantores
207

sertanejo, ambos estão com chapéus de cowboy. As meninas sentam todas juntas
em roda, enquanto os meninos todos estão em pé realizando atividades que,
Página
aparentemente, são mais dinâmicas. Um aluno está com um chapéu e uma lupa de
brinquedos e diz que é um detetive, contudo não apresenta características de que
está de fato realizando o papel. Interventora chega na roda das meninas e
pergunta do que elas estão brincando, elas dizem que é de salão de beleza. Uma
menina está em pé e fica pegando materiais coloridos e começa a enfeitar as
outras meninas que estão sentadas, à princípio, parece que ela é a dona do salão
e as outras são clientes. A interventora começa a brincar com elas e começa a ser
enfeitada. (essa atividade já dura cerca de 12 minutos da intervenção). Depois elas
começam a se dispersar. Uma criança pega um chapéu de cowboy e começa a
realizar movimentos como se estivesse montando um boi. Uma menina pega o
telefone que levamos e começa a falar nele como se fosse uma secretária e fica
durante um bom tempo no telefone. Um menino pega as serpentinas que as
meninas estavam usando para se enfeitar no salão de beleza e começa a andar
fazendo movimentos como se estivesse rebolando, quando um outro menino
aponta pra ele e dá risada, então ele tira rapidamente a serpentina e as joga no
chão, parando o que estava fazendo. Há um aluno que fica durante toda a
intervenção brincando de carrinho. Enquanto dois alunos meninos ficam durante
toda a intervenção brincando de futebol. Parece-me que o interesse maior está no
papel de ser Neymar e Messi do que de fato chutar ou jogar a bola, pois o jogo se
dá de forma aleatória e eles conversam o tempo todo como se fossem tais
jogadores. Durante um momento da aula o Pesquisador chega até a aluna que
está com o telefone e começa a conversar com ela sobre o que ela estava
brincando (secretária). Quando começam a chegar outras alunas. Aí elas dizem
que vão brincar de escola. A mesma aluna que era secretária começa a organizar
as outras três meninas para que elas se sentassem no chão e depois pega uma
cadeira para ficar mais alto que elas afirmando que será a professora, mas a
brincadeira acaba rapidamente. Depois a mesma menina (secretária e professora),
diz que vai brincar de médico e começa a ajeitar a cadeira para que uma outra
menina (sua paciente) deite e ela possa “atendê-la” e começa colocar a mão na
cabeça da amiga medindo a febre, mas logo a atividade também acaba. Duas
meninas começam a brincar de casinha cuidando de duas bonecas como se fossem
suas filhas. Dizem que as cadeiras da sala são o berço das crianças, mas a
brincadeira não se dá de forma efetiva, pois a todo momento elas se dispersam
para olhar os outros amigos e parecem mais tentar organizar os brinquedos a
serem utilizados do que de fato brincar de casinha. Dois meninos e uma menina
acham um material que dá para tapar os olhos e começam a brincar de cabra-
cega, mas sem respeitar, de fato, as regras da atividade. A menina está com os
olhos tapados. As crianças demonstram muita dificuldade em brincarem de forma
conjunta, sobretudo para dividir os brinquedos durante a brincadeira, chegando,
em alguns momentos, a brigarem pelo material. Chegando ao fim da intervenção
quase metade dos alunos já estão sentadas nas cadeiras da sala sem realizar
208

nenhuma atividade. As crianças brincaram com todos os brinquedos que tinha na


caixa. Pesquisador: “Vamos guardas as coisas na caixa?” Uma criança estava
Página
saindo da sala antes da intervenção acabar. Pesquisador: Vamos fazer o círculo de
novo. Interventora: “Calma não terminamos ainda a aula, vamos conversar”
Interventora: “Vou fechar o olho e quando eu abrir quero ver uma roda bem
bonita” Interventora pergunta várias vezes se podia abrir os olhos para as crianças
rapidamente se organizarem em círculo, para começar a conversa final da
intervenção. Criança: “Abre mais a roda”. Criança: “Pode abrir”. Pesquisador: “O
que vocês acharam dessa aula?” Todas as crianças levantaram a mão para poder
dizer algo para o Pesquisador, pois uma das regrinhas era não falar junto com
todos e esperar sua vez para dar uma opinião. Pesquisador: “Posso perguntar para
cada um de vocês, do que vocês brincaram?” - Em sequência da roda, as crianças
foram dizendo sobre quais brinquedos brincaram - Criança: Pokémon - Criança:
Carrinho - Criança: Detetive - Criança: Carrinho - Criança: Carrinho - Criança:
Pokémon - Criança: Boneca e médico - Criança: Boneca - Criança: Mamãe e
filhinha - Interventora: “Do que vocês brincaram? - Criança: Brinquei como eu
brinquei na minha casa - Criança: Médica e cobra cega - Criança: Médico - Criança:
Médica Criança: Futebol - Criança: Médico - Criança: Cabra cega, bate-bate, espião
- Criança: Pizzaiolo. Pesquisador perguntou se gostaram das brincadeiras e se
poderia voltar na próxima semana para brincar mais. As crianças responderam que
sim. Interventora organizou a fila das crianças todos misturados para voltarem
para a sala. Intervenção dois - (prática social inicial) - As crianças entram na sala
para começar a intervenção e sentaram no círculo. Pesquisador: “Deixa eu
perguntar uma coisa pra vocês, vocês sabem brincar de o mestre mandou?”;
Crianças: “Simmm”; Pesquisador: A primeira atividade que a gente vai fazer hoje
é: O mestre mandou. Sabe quem vai ser o mestre? Eu. Pesquisador: “Então todo
mundo de pé”; As crianças levantaram animadas e saltitando para começar a
brincadeira. Pesquisador começou a explicar a atividade com perguntas: “Quem é
o mestre?”, “quem vocês têm que obedecer?” “Quero ver se sabem fazer tudo que
eu falar, será que sabem?”. Começaram a andar pela sala sob orientação do
interventor e assim a atividade começa. Pesquisador: “O mestre mandou vocês
fazerem um policial”. Algumas crianças começaram a imitar sirene da polícia,
outras correram de crianças que faziam uma arma com a mão. Pesquisador:
“Estátua, nossa vocês estão craques em. O mestre mandou vocês fazerem um
motorista”. As crianças começaram a fazer barulho de carro com a boca, imitar
uma buzina, correr como se estivesse com as mãos no volante, bater uma nas
outras. Todos os alunos estavam participando da atividade. Pesquisador: “Estátua,
o mestre mandou vocês fazerem uma pessoa pobre”; As crianças começaram a
andar com a cabeça triste, as mãos para trás. Uma criança deitou no chão,
Pesquisador perguntou o porquê, ela respondeu que “morre”. Pesquisador: “Por
que ela morre?”. Aluno: “Porque elas passam fome”. Pesquisador: “Estátua, agora
quero que façam uma pessoa rica” As crianças começaram a pular e gritar
demonstrando alegria. Pesquisador: “Porque vocês ficaram felizes?” Criança:
209

“Porque a gente tem dinheiro” Criança: “Uuuu eu tenho dinheiro!!!”. Pesquisador:


“Estátua, agora quero que vocês façam um médico”. Algumas crianças começaram
Página
a imitar o som da sirene da ambulância com a boca. Outras ficaram sem fazer
nada. Pesquisador: “O que o médico faz?”; Criança: “Cuida das pessoas”;
Pesquisador: “Estátua, vamos mais um? Quero ver vocês fazerem um bombeiro”;
As crianças começaram a imitar o som da sirene do caminhão pipa com a boca e
imaginar que estava com a mangueira na mão apagando fogo, fazendo o barulho
da água com a boca. Pesquisador: “estátua, agora é difícil, quero ver fazerem um
professor”. As crianças não sabiam o que fazer. Pesquisador: O que a professora
de vocês faz?”; As crianças começaram a correr pela sala e apontar umas para as
outras mandando os outros fazerem a atividade” “vai sentar”. Pesquisador:
“Estátua, quero ver fazerem alunos”. Criança: “Ai meu deus do céu”. Criança:
fazendo lição; Pesquisador: “Façam um vendedor”. As crianças começaram a
vender algo uma para as outras, correrem e gritarem. Parece-me que quando um
estudante não sabe o que fazer, eles usam o outro como modelo para a
representação. Pesquisador: “Façam um jogador de futebol”; As crianças
começaram a chutar o vento e fazer pose de jogador. Jorge cai no chão como se
tivesse recebido uma falta. Pesquisador pergunta às meninas porque elas não
estão fazendo e elas não responderam nada. Pesquisador: “Quero ver vocês
fazerem o presidente”; Jorge começa a apontar o dedo para os colegas da sala,
falando como se estivesse mandando eles fazerem coisas, de modo incisivo.
Pesquisador: “Estátua, vamos descansar um pouco na estátua, todo mundo
levanta e façam um soldado”. As crianças começaram a marchar pela sala e
algumas começaram a cantar marcha soldado, Jorge novamente faz uma arma
com a mão e finge estar atirando. Pesquisador: “estátua, quero ver fazerem uma
mulher”; Os meninos não queriam fazer uma mulher, depois começaram a gritar e
fazer voz fina, correr pela sala. Alguns alunos meninos falam que mulher só faz
comida, cuida de casa e fica no celular. Pesquisador: “Estátua, quero ver vocês
fazerem um homem”. Os meninos começaram a se bater e discutir, as meninas
ficaram paradas em volta do Pesquisador. Depois começaram a bater umas nas
outras, também. Uma estudante diz que não pode imitar um homem e fica parada.
Pesquisador: “Quero ver um círculo bem bonito, posso abrir o olho?”; Crianças:
sim; Pesquisador: “Qual a atividade que vamos fazer agora?”; Pesquisador pegou a
caixa de brinquedos da intervenção passada e começou a tirar os brinquedos da
caixa e disse que as crianças poderiam brincar do que quisessem. Lembrou das
regrinhas de não brigar, não chutar o amigo e nem os brinquedos. As crianças
pegaram um brinquedo e começaram a brincar com seus amiguinhos de diversas
brincadeiras. Alguns brincaram de delegacia, outros futebol com a bola de tênis,
outras de modelo com as bonecas, outros não sabiam o que brincar pois não
tinham pegado brinquedo ainda. João fala para Jorge ao pegar o telefone na mão
“vamos brincar de delegacia?” e ele responde que sim, mas não iniciam a atividade
e começam a chutar a bolinha de tênis jogando futebol. Duas meninas pegam as
serpentinas coloridas e dizem que vão brincar de mamãe e filhinho. Cristina diz
210

que é a mamãe e Ana é a filha. Joaquim está com o telefone na mão e diz que
está falando com a mãe dele. Cerca de 6 meninos continuam brincando com a
Página
bolinha de tênis simulando estarem jogando futebol. Fernando está com o chapéu
de cowboy e com o violão e diz que está brincando de cowboy e que o violão é
uma chave de fenda e que ele ia arrumar as coisas. Romulo está novamente
brincando de carrinho (mesma coisa da aula anterior). As meninas estão com as
serpentinas no pescoço, como se estivessem arrumadas e uma delas está com a
lupa na mão e diz que está brincando de detetive e que está tentando achar uma
formiga. Uma criança queria brincar com um brinquedo que o outro estava
brincando (Um carrinho) e a outro brigou dizendo que não queria dividir.
Interventora disse que o brinquedo pode ser dividido e não precisa brigar por isso.
Algumas meninas começaram a brincar de família, mamãe e filhinhas com as
bonecas usando as cadeiras como se fosse o berço. Ana dá um nome para a
boneca que é sua filhinha, mas no vídeo não dá para ouvir qual era. Duas
detetives chamam a Interventora, que está com a câmera de vídeo e mostram que
acharam uma formiga morta. Cristina e Ana continuam a brincar de mamãe e
filhinha, mas agora estão embaixo das cadeiras e afirmam que ali é a casinha
delas. Na casa tem as bonecas, filhinhas que estão dormindo, um violão, um
chapéu de cowboy e elas começam a enfeitar a casinha com as serpentinas.
Romulo, Joaquim e Gustavo estão com o telefone e tratores em miniatura e dizem
que estão brincando de sítio. Gustavo fica no telefone recebendo ligações de
pedidos de comida e Joaquim e Romulo brincam com os tratores como se
estivessem em uma colheita. De uma hora para outra Gustavo diz “estou ligando
para a mãe dele. Interventora pergunta, “Por que?”, Gustavo diz: Porque o Romulo
quer falar com ela. Gustavo passa o telefone para Romulo que começa a conversar
como se estivesse mesmo falando com a própria mãe e Gustavo começa a dar
risada. Cerca de 5 meninos ainda continuam com a bola de futebol. Interventora
pergunta para o Cristian do que eles estão brincando e ele fala “de futebol”.
Interventora pergunta quem é seu time e ele “Atlético Mineiro”. Amy pega a lupa e
outras três meninas estão sentadas nas cadeiras como se fossem pacientes, ela
afirma para a interventora que está brincando de médica e começa a fazer de
conta que está examinando suas pacientes. Coloca uma das pacientes deitada,
juntando mais cadeiras como se fosse uma maca. Cristina e Ana continuam a
brincar de casinha embaixo das cadeiras e chamam a interventora para ver como a
casa estava enfeitada com as serpentinas. Fernando ainda continua com o chapéu,
um óculos escuro e usa o violão como se fosse uma arma agora. E finge estar
atirando nas pessoas. Interventora pergunta o que ele está fazendo e ele afirma
“matando pessoas”. Romulo e Gustavo continuam com o telefone e dizem que
agora estão brincando de corpo de bombeiro. Romulo está com o telefone e finge
estar recebendo chamadas de emergência. João e Jorge continuam a jogar futebol
e afirmam ao interventor que são o Neymar, quando Jorge diz que também é o
Neymar, João fica triste. Cristian começa a falar que tem também é o Messi. Ana e
Cristina continuam a brincar de mamãe e filhinha, só que agora uma boneca é a
211

filha. Interventora pergunta se está tudo bem e Ana responde “está tudo bem”.
Logo após fala “mas teve um tubarão que mordeu minha filhinha” a interventora
Página
pergunta se ela já levou sua filha ao médico e ela “sim, mas tá demorando”. A
interventora então fala para elas que em outro espaço da sala onde outras
meninas estavam brincando de hospital, que lá tem médico para elas levarem a
filhinha. Cristina chama a Amy que é a médica e diz “ela morreu” (a boneca
filhinha) e Amy sai dizendo que então não tem mais jeito. Ana continua dizendo
que vai deixar a filha no hospital para ela melhorar. As atividades que estão
ocorrendo neste momento são o futebol com cerca de 5 meninos, dois grupos de
meninas brincando de casinhas, três meninos brincando de corpo de bombeiro e 4
meninas brincando de hospital. Todos estão participando. Interventora pergunta
para os meninos que estão brincando de corpo de bombeiro se eles estão
recebendo muitas chamadas, Gustavo responde que “sim, estamos trabalhando
muito”, logo após pega o telefone e começa a fingir que está conversando,
recebendo uma chamada para resgate. Pesquisador está participando da
brincadeira de hospital e a médica Amy começa a fazer exames nele. Primeiro na
boca e depois começa a tocar a barriga dele. A médica pega um pedaço de
madeira fina, palito de churrasquinho e coloca no braço dele como se fosse uma
seringa aplicando remédio, ele finge que está doendo e uma outra paciente o
abraça dizendo que já ia parar de doer. Depois pede para o paciente interventor
abrir os olhos para que fosse examinado e novamente a boca. Agora, no jogo de
futebol, Cristian finge dar um carrinho em João que cai como se tivesse se
machucado. Miguel finge ser árbitro e aplica várias vezes o cartão apontando para
ele dizendo “expulso”. Cristian coloca a mão no rosto como se estivesse
decepcionado e diz “nãoooo”. Cristian que foi expulso vai se sentar numa cadeira
como se fosse o banco de reserva. Duas meninas estão sentadas na sala de espera
e dizem que demora muito para serem atendidas (no hospital). Fernando agora
vira matador de zumbi, ainda usando o violão como arma. Ana diz que agora está
brincando de médico, interventora pergunta se ela está esperando para ser
atendida e ela diz que não, “eu sou a gata da Amy” (a médica). Charlie, Romulo e
Gustavo entram embaixo das carteiras e dizem estar brincando ainda de corpo de
bombeiro, contudo Charlie fala para interventora quando ela pergunta quem eles
são “Eu sou o papai, o Romulo é meu filho e o Gustavo é o cachorro” e o mesmo
começa a latir como um cão. Pesquisador: “Agora é hora de?” As crianças
responderam: “Guardar!!!” Todas as crianças começaram a guardar os brinquedos
dentro da caixa. Pesquisador: “Todos guardando as coisas dentro da caixa, agora
quero ver o círculo de novo, vou fechar o olho, cadê o círculo?”. As crianças
começaram a gritar e correr para formarem o círculo. Pesquisador: “Quem gostou
das atividades de hoje?”. Todas as crianças levantaram a mão e gritaram “EEEU”.
Pesquisador: “Por que que gostaram?”. Criança: Porque a gente brincou.
Pesquisador: “Brincou do que?”. Criança: De médico. Criança: de Futebol. Criança:
de família, tia, mãe, irmão, filha, pai. Criança: Eu era o Cristiano Ronaldo no
futebol. Criança: Eu era o Neymar. Criança: Eu era o Kazin do Corinthians.
212

Pesquisador: “Teve mais brincadeiras além dessas?”. Fernando: Matador de Zumbi.


Pesquisador: “Quem brincou de policial?”. Criança: Eu brinquei de policial no
Página
mestre mandou. Romulo diz “eu brinquei de bombeiro, o Charlie era o pai, eu era
o filho e o Gustavo o cachorro. Pesquisador pergunta: Mas o que o bombeiro faz?
Ele responde que apaga o fogo e outra criança diz que salva pessoas e ele diz que
fiz isso também. Pesquisador: “O que eu pedi pra vocês fazerem no mestre
mandou?”; Criança: policial. Criança: mamãe e filhinha. Pesquisador: Quem era a
mamãe, filhinha?”. Criança: Eu era a mamãe e a boneca a filhinha”. Pesquisador:
“Teve gente que não dividiu o material”. Criança: Abaixou a cabeça como um SIM
(Gustavo). Pesquisador: “Semana que vem vamos brincar de novo?”. Crianças:
Sim. Pesquisador: “Então vamos fazer a fila pra vocês irem pra sala”.

Cenário dois – Intervenção dezoito - (ponto de chegada da prática social) -


Interventora: pode abrir os olhos? Formando o círculo com as crianças para
iniciarmos a última intervenção. Crianças: sim! Pode! Não! Interventora: vou abrir!
Agora eu vou sentar com vocês, dá uma bundinha para trás. Criança: hoje a gente
não vai brincar? Pesquisador: vamos! Interventora: olha a bomba, olha a bomba...
Crianças e professores: ooooh, bum!! Interventor: ó, depois da bomba “xi”.
Pesquisador: Jorge, cadê o círculo? Assopra a velhinha. Crianças: “xiiii”.
Pesquisador: gente, vocês lembram da brincadeira que a gente fez faz muito
tempo atrás? Criança: qual? Jorge: no pré I? Pesquisador: não, vocês estavam no
pré II já.... Mas a gente fez no pré I também, boa Jorge, verdade! Vocês lembram
da brincadeira... Criança: do bambolê? Pesquisador: posso falar? Criança:
astronauta. Pesquisador: vou falar bem baixinho... “O mestre mandou”. Crianças: o
que? Pesquisador: o mestre mandou... vocês lembram...? Criança: sim.
Pesquisador: que a gente fez... cadê o círculo, Jorge? Vocês querem brincar de “o
mestre mandou”? Crianças: sim! Pesquisador: olha a bomba. Crianças: ooooh,
bum! Pesquisador: a vela acendeu, apaga a vela. Crianças: “xi”. Pesquisador: sabe
quem é o mestre? Eu! Crianças: eu, eu quero ser o mestre, eu. Pesquisador: não,
vai ser eu. Todo mundo em pé vai, todo mundo em pé. Como que é a
brincadeira do mestre mandou? O mestre manda e vocês? Crianças: Faz!!
Pesquisador: vocês fazem, vocês obedecem, combinado?! Crianças: sim!
Pesquisador: o mestre mandou vocês erguerem a mão... O mestre
mandou vocês sentarem... O mestre mandou vocês levantarem... O
mestre mandou vocês correrem... O mestre mandou vocês pararem! O
mestre mandou correr de novo... O mestre mandou fazer estátua! Cadê
as estátuas? Tem gente que não está estatua... vamos ver quem aguenta
ficar mais na estátua. Interventor fazendo junto a atividade: ai minhas
pernas estão doendo. Pesquisador: o mestre mandou correr de novo.
Estátua de novo! Pesquisador: vamos Cristina. O mestre mandou vocês
fazerem um policial... (barulho de sirene, “pou pou pou”). Jorge diz:
preso em nome da lei... outras crianças começam a dizer, também. A
maioria faz com a mão o movimento para os “bandidos” pararem, só
213

poucos continuam fazendo armas com a mão... Pesquisador: Estátua!


Cristian: eu sou o policial. Criança: estátua. Pesquisador: O mestre
Página
mandou vocês fazerem um professor. Crianças começam a fingir estrem
fazendo lição... algumas crianças sentam nas cadeiras da sala de
informática e fingem fazer lição, duas meninas fingem ser a professora e
dizem o abecedário. Pesquisador: estátua! Senta no chão! Levanta! Senta
no chão! Faz uma estátua bem louca. Vai Jorge, segura vai! O mestre
mandou vocês fazerem um médico. Você tá cuidando, Hana? Vacina,
injeção? Fazendo ressuscitação. Cadê os médicos, cadê os médicos?
Crianças deitam no chão enquanto outras fazem exames, fingindo
utilizar aparelhos. Pesquisador: Estátua! (uma criança faz barulho de
sirene com a boca). O mestre mandou vocês fazerem um jogador de
futebol... Menina: Toca ai parceiro. Criança: gol! Pesquisador e crianças:
gol! Cadê o jogador de futebol? Vai, Ana! Crianças fingem chutar uma
bola e fazem movimentos dando “carrinho”, outros comemoram como se
fossem torcedores, dois meninos fingem ser árbitros. Pesquisador:
Estátua! Criança: que?! Pesquisador: estátua não fala. O mestre mandou
vocês fazerem um cabelereiro. Crianças começam a fingir que estão
arrumando o cabelo umas das outras. Pesquisador: Estátua! Estátua não
fala! O mestre mandou vocês fazerem um piloto de corrida. Eles estão
imitando todos... (barulho do carro de corrida) fingindo que estão
dirigindo. Pesquisador: Estátua! Quero ver se vocês lembram dessa... O
mestre mandou vocês fazerem uma pessoa muito rica. Olha, como que é
o nosso dinheiro mesmo? Crianças e interventor: abraço! Duas crianças
fingem estar dando dinheiro na mão dos amigos. Pesquisador: estátua!
Todo mundo senta, todo mundo levanta... O mestre mandou... eu sou o
mestre vai, estou com o chapéu! O mestre mandou vocês fazerem uma
pessoa pobre. Pesquisador: que pessoa pobre é essa? Pesquisador: a
pessoa pobre quer dinheiro, o que a gente dá? Algumas fingem dar
dinheiro e outras dão abraços. Pesquisador: Estátua! Todo mundo senta!
Todo mundo levanta! Todo mundo abaixa! Todo mundo levanta! O
mestre mandou vocês fazerem o presidente da república. Crianças: hã?
Criança: a gente não sabe. Pesquisador: vocês não sabem? Jorge: vai
roubar dinheiro!!! Pesquisador: vão roubar dinheiro? Crianças fingem
estarem roubando dinheiro umas das outras. Pesquisador: Estátua!
Criança: estátua! Pesquisador: todo mundo abaixa, todo mundo levanta,
todo mundo abaixa... levanta! O mestre mandou vocês fazerem um
bandido. Crianças: “pou pou pou pou” fingindo estarem atirando umas
nas outras imitando uma arma com as mãos. Pesquisador: olha a bomba,
ooooh, bum! Quando eu fechar o olho eu quero ver o círculo, vai! Vocês
vão brincar mais agora! Criança: o tio, eu tô tonto agora. Pesquisador:
você tá tonto? Olha a bomba, ooooh, bum! Gente, posso falar? Crianças:
sim! Pesquisador: vocês querem brincar? Crianças: sim! Pesquisador:
214

sim?! Olha, tem uma surpresa muito boa para vocês... Vocês vão brincar
agora, espera ai, o Pesquisador já vai falar! (suspense)... Vocês lembram
Página
da nossa caixa da surpresa? Crianças: sim! Não! Renan: é da prô
(interventora). Pesquisador: isso, é da prô (interventora), sabe demais
hein! Olha, alguns combinados antes de eu abrir a caixa da surpresa.
Criança; não brigar! Pesquisador: pode brigar? Crianças: Não!
Pesquisador: é pra emprestar o brinquedo para o amigo? Crianças: sim!
Pesquisador: é Gustavo? É Joaquim? É né! Gustavo: sim. Pesquisador:
então tá bom! Vamos abrir a caixa da surpresa! Podem brincar! Espera aí
que o Pesquisador vai virar no chão, calma aí, espera! Vocês podem
brincar do que vocês quiserem! Criança: eu sou o Neymar! Pesquisador:
ela tá brincando de fazer sorvete. Hana, você tá brincando de cozinha?
Cristina: Hana, não! Pesquisador: Cristina! Você tá brincado do que,
Cristina? Cristina: comidinha. Pesquisador: tá brincando do que, Jorge?
Jorge: de construir o campo de futebol. Pesquisador: que legal! Quem
vocês são? Cristian: eu sou o Neymar. Pesquisador: quem mais é
Neymar? O Romulo... Messi? Crianças: eu sou o neymar, eu sou o
neymar. João: Cristiano Ronaldo. Ana: eu sou a Marta. Pesquisador:
quem que é a professora? Criança: a Clara. Crianças: eu... Pesquisador:
tem três professores? Que legal! Ai que cabelereira mais linda. Criança:
Pesquisador, Pesquisador, Pesquisador, dá o passe, dá o passe.
Pesquisador: aí parceiro, toca pra mim. Eita! Tirou a bola. Gustavo, o que
você é? Gustavo: eu estou brincando de carrinho. Pesquisador: você é
motorista? E essa luva aqui, é de pilota! Que luva bonita! Toca pra mim
parceiro, é eu e você, parceiro! Tá falando com quem? Eu preciso falar
com o médico, eu tô doente! Criança: oi, ele tá doente, tá? Pesquisador:
oi? Não entendi! Criança: médico, ele tá doente. Você tá com dor de
cabeça? Pesquisador: estou com dor de cabeça. Criança: ele tá com dor
de cabeça. Falando ao telefone. Pesquisador: você vai chamar o médico
pra mim? Criança: ele disse pra você marca uma sessão. Pesquisador:
marcar uma sessão pra mim? Criança: ele chegou. Pesquisador: é o
médico? Fala, médico. O que você é secretária?! Pode mexer. Vai médico,
me examina! Você que é a medica? Criança: eu sou. Pesquisador: sarou!
Criança: você tá enfermado. Pesquisador: hã? Criança: você tá
enfermado, pronto. Pesquisador: Que bom! O que você é Miguel?
Cristian, o que você é? Maitê: tô com dor de barriga. Pesquisador: o
médico, a Maitê tá com dor de barriga. É muita ou pouca dor? Ele tá
perguntando pra você, o que eu falo? Maitê: fala que tem que tomar um
remédio. Pesquisador: mas você tá com muita dor? Ela tá com muita dor,
ela quer tomar remédio. Maitê: remédio químico. Pesquisador: remédio
químico. Cadê o médico dela? Ela tá doente! Vai Cristian, ela precisa de
um remédio. Jorge: eu dou o remedinho. Pesquisador: o Jorge te deu
remédio. Agora tem que sarar! Jorge: tem que tomar 10 dias esse
215

remédio. Maitê: já tomei 10 dias. Maitê: médico, médico, eu tô com dor


de garganta. Jorge: tá bom! Pesquisador: o Jorge tá pondo remédio,
Página
toma esse comprimido! (repetindo o que o Jorge estava falando para a
Maitê). Jorge: o telefone tá passando mal. Pesquisador: ó, sabe como
que a gente paga o médico? Abraçando, é o abraço. Dá um abraço no
médico. Vem Jorge, ela vai te pagar, vai! Ae! O Cristian também, o
Cristian também é médico. E eu? Maitê: também! Pesquisador: então me
dá um abraço! Coisa gostosa. Criança: o que é isso? Pesquisador: esse é
o remédio. Laura: eu servi todos que tem fome. Pesquisador: você ajuda
todos que tem fome? Laura: eu passo comida. Pesquisador: eu tô
morrendo de fome, eu sou pobre. A Laura falou que ela serve todos que
tem fome. Eu não tenho dinheiro, eu posso te pagar com abraço? Tem
que pagar ela com abraço também, é o nosso dinheiro. Isso! Criança: tô
te benzendo tio. Pesquisador: você tá me benzendo? Me benze! O que
você é, Gustavo? A gente tá precisando de um policial. Vocês estão
brincando do que? Interventor: olha Rod (Pesquisador), o que você é?
Milene: jardineira. Pesquisador: que bom Milene que você é jardineira.
Milene: toma pra você. E dá uma flor imaginária para o interventor.
Interventor: nossa, obrigado. Pesquisador: O que as professoras estão
ensinando? Criança: copiar. Pesquisador: o que é isso? Criança: é um
coração e uma estrela. Pesquisador: vocês estão copiando? Miguel,
Laura, vocês tem que copiar. Olha o Jorge cabelereiro, que lindo! Olha o
Jorge arrumando o cabelo da pro, que lindo! Você é cabelereiro, Jorge?
Jorge: sim! Pesquisador: ele tá fingindo que é um cabelereiro. O que você
é, minha linda? Criança: eu sou médica. Pesquisador: você vai cuidar de
quem? Eu tô doente! Criança: prô, você tá doente? Vem cá que eu sou
médico. Pesquisador: estátua! Quero um círculo bem lindo aqui no
centro, todo mundo!

CENA 2: Processo interventivo de construção dos argumentos e interesses para a


realização da atividade de brincar.

Cenário um (Intervenção três): Pesquisador: E agora, sabem o que vamos fazer


hoje? Crianças respondem que não... Pesquisador: Nós vamos fazer uma coisa
diferente. A gente trouxe um desenho muito legal para vocês assistirem. E, depois
de assistir, vamos brincar um montão. Vocês querem assistir o desenho e brincar?
Todos respondem que sim. Pesquisador explica que irão assistir o desenho no
computador e pede para as crianças se organizarem para que todos possam
enxergar. Após assistirem o vídeo, Pesquisador explica a atividade: O que a
gente vai fazer? Eu vou perguntar e vou ver se vocês sabem quem são
esses personagens. Mostra uma folha com o desenho do chaves e
pergunta quem é... Crianças respondem que é o chaves. E Pesquisador
pergunta quem é o chaves no desenho. Crianças respondem que ele é o
216

chaves. Pesquisador: Ele é um menino pobre, que não tem dinheiro.


Lembram a semana passada que pedi para vocês imitarem um menino
Página
pobre? O que vocês fizeram? Ficaram tristes, lembram? Então, o chaves
é um menininho pobre, tá? Esse é o chaves. Pesquisador: E esse? –
Mostra outra folha com desenho de outro personagem Crianças: É o
Kiko; Pesquisador: E quem é o Kiko na história, alguém sabe? Nesse caso
eles souberam responder que era o menino o rico... Algumas crianças
respondem: Rico; Pesquisador: Ele é pobre? Crianças respondem que não
e dizem que ele é rico. Pesquisador: Isso, a mãe dele dá um monte de
brinquedos pra ele e o chaves não tem nenhum brinquedo. Pesquisador
mostra outro desenho e pergunta quem é, crianças respondem que é a
Chiquinha... Pesquisador: Ela é filha do Senhor Madruga, daqui a pouco
vamos ver quem é ele na história. E a Chiquinha é uma menina muito
espertinha, né? Pesquisador mostra outro desenho e pergunta quem é e
crianças respondem que é o Nhonho. Pesquisador pergunta quem é o
Nhonho na história e diz que ele também é um menino rico. Interventora
complementa e diz que ele é filho do Sr. Barriga que é dono da vila.
Pesquisador mostra outro desenho e crianças respondem que é o Sr
Madruga. Pesquisador: E vocês sabem que é o Sr Madruga na história?
Crianças não sabem responder. Pesquisador: Ele é uma pessoa
desempregada. O que é uma pessoa desempregada? Criança: que não
trabalha. Pesquisador: Isso, que está sem emprego! Criança: E por que a
mãe do Kiko bate nele!? Outra criança: Porque ela acha que ele é pobre e
bate nele! Pesquisador: Isso, porque ela acha que ele não faz nada e o
chama de gentalha, só porque é pobre... Olha que coisa feia, né?
Crianças concordam. Pesquisador: Então o senhor Madruga também é
pobre. Por quê? Porque não tem emprego, né?! Crianças confirmam.
Pesquisador mostra outro personagem e crianças respondem que é a
Dona Florinda. Pesquisador pergunta quem é e as crianças dizem que é a
mãe do Kiko. E, pergunta se as crianças sabem mais sobre ela na
história. Crianças respondem que ela é rica. Pesquisador: Isso, ela é rica
e dá um monte de dinheiro e brinquedos pra ele, não é verdade? Crianças
afirmam que sim. Interventora explica que tem a parte da história que
conta que o pai do Kiko, que era rico, morreu e deixou a herança e que
então a dona Florinda não trabalha e vive com o dinheiro da herança.
Pesquisador: Olhem...a Dona Florinda tem um outro papel na história. Ela
é dona de casa. O que é dona de casa? Criança: ela cuida da casa.
Pesquisador: Isso, muito bem! Cuida da casa, trabalha em casa.
Pesquisador mostra outro desenho e pergunta quem é... crianças
respondem que é o Sr. Barriga. Mas, Interventora diz ser o professor
linguiça. Crianças dão risada. Pesquisador explica que o nome dele é
Girafales, mas o apelido é Prof. linguiça, porque ele é muito alto.
Pesquisador: E o que ele é na história? Crianças não respondem e
217

Pesquisador diz que ele é um professor. O professor de todas as crianças


da escola. Mostra outro desenho e crianças dizem que é o Sr. Barriga.
Página
Pesquisador pergunta quem é e diz que é o pai do Nhonho. Pesquisador:
Ele é o pai do Nhonho, e o dono da Vila. Ele é rico, tem muito dinheiro.
Criança: Eu quero ser rico igual a ele. Umas 5 crianças levantam a mão
dizendo que queriam ser ricas igual a ele, uma delas é o João.
Pesquisador: A é? Por que você quer ser rico igual a ele? João: Porque
quero comprar bastante coisa. E várias crianças dizem que querem ser
ricas para comprar um monte de coisa. Pesquisador mostra outro
desenho e crianças dizem que é o lixeiro. Pesquisador explica que é o
carteiro e diz que o nome dele é Jaiminho. Vocês nunca ouviram a frase
que ele fala “Ai quero evitar a fadiga”? Crianças dão risada. Pesquisador:
Ele é o carteiro. E o que o carteiro faz? Vocês já viram um carteiro? Que
usa uma roupa azul e amarela... Crianças respondem que ele entrega
carta e dizem já ter visto um carteiro. Pesquisador mostra outra
personagem e pergunta se as crianças conhecem. Um garoto responde
que é a Bruxa do 71. Pesquisador diz que é a Dona Clotilde. Que ela não
apareceu na história, mas que ela faz parte. Durante todo o momento da
explicação dos personagens, as crianças permaneciam prestando
atenção no que estava sendo falado. Pesquisador: Vocês lembram o que
falava na história? O que foi principal? Crianças responde contando
cenas do desenho; Pesquisador: Mas, o principal da história, sabe o que
foi? Falou sobre o valor da amizade. O que é amizade pra vocês?
Crianças: é amar... Pesquisador: é respeitar o amigo, não bater... E
crianças vão falando juntamente com ele...

Cenário dois (Intervenção quatro): Pesquisador: Então o que faremos hoje? Eu


trouxe um monte de desenho, em vídeo, para vocês assistirem cada um desses
empregos que vocês estão vendo, dessas funções. Mas antes, vou mostrar figuras
pra vocês. Mostra uma figura e as crianças respondem que é o bombeiro.
Pesquisador: Nossa, vocês estão muito rápidos. E o que o bombeiro faz?
Crianças: Apaga o fogo; Pesquisador: Só isso? Só apaga o fogo? Crianças:
Não, ele salva gatos na árvore, cachorros também. Pesquisador: E o que
mais? Criança: Ele salva pessoas; Pesquisador: Muito bem!! E vocês já
viram o carro do bombeiro? Crianças respondem que sim. E o carro do
bombeiro? Tem uma escada bem grande!! Crianças começam a conversar
e dizer que a casa pegou fogo... Pesquisador escuta e retoma, pergunta
as funções do bombeiro e crianças vão repetindo... que ele salva vidas,
cachorros, apaga o fogo... Pesquisador: bombeiro pode ser só homem ou
mulher também? Crianças: Mulher, também! Pesquisador: Então mulher
também pode ser bombeiro? Crianças respondem que sim... e
Pesquisador confirma. Pesquisador: Agora trouxe um vídeo sobre
bombeiro, para vocês assistirem. Vamos prestar atenção. Crianças
218

assistem o vídeo com atenção e o interventor vai comentando durante o


desenho dando ênfase as várias atuações do bombeiro. Pesquisador: O
Página
que mais que vocês viram, que além de salvar bichos e ajudar pessoas, o
que mais eles fazem? Crianças: Salva as pessoas que se afogam... na
piscina, no mar, no rio, no lago. Criança: também quando acontece um
acidente. Pesquisador: Isso, muito bem... e quando acontece um
acidente, o que eles fazem? Criança: Ele vai ajudar a salvar. Pesquisador:
Então os bombeiros são legais? Crianças respondem que sim. E assim a
intervenção continua... Pesquisador: Diz que agora que conheceram o
bombeiro, irão ver a próxima profissão e mostra o desenho. Crianças
respondem que é o médico. Pesquisador: O que o médico faz? Crianças:
Cuida das pessoas, dá remédio, cura as pessoas, da injeção, tira o bebê
(Pesquisador incentivando e questionando); Jorge: Eu sei, ele cuida de
filhotes. Pesquisador: Isso, tem um médico só de animais e esse chama
veterinário. Pesquisador: E o que mais o médico faz? Além de tudo isso
que já falaram? Crianças: Examina, cura crianças. Pesquisador: Isso,
muito bem... e ele faz exames? Crianças: Faz raio-x. Crianças: Isso, tira o
sangue... Pesquisador: Muito bem!! E médico pode ser mulher também?
Crianças respondem que sim!! Pesquisador: E agora vamos ver o vídeo
sobre o médico. Pesquisador: Enquanto veem o vídeo pergunta o que o
médico receitou para a moça... Criança responde: fruta e Pesquisador
explica que é sal de fruta, um remédio que ajuda a melhorar dor de
estômago. Eles prestam muita atenção no desenho. Pesquisador: Então,
o que médico faz mesmo? Crianças retomam: cura, faz exame, da vacina,
examina, faz curativo. Pesquisador: E o médico é legal também? Ajuda
bastante a gente? Crianças respondem que sim. Pesquisador mostra o
próximo desenho em folha sulfite; crianças respondem que é o jogador
de futebol... Pesquisador: Muito bem! E o que o jogador de futebol faz?
Crianças: Joga bola; joga bola no campo... João fica entusiasmado.
Pesquisador: E existe só jogador homem? Uma menina responde que
sim. Outras crianças respondem que não; Pesquisador: Tem menino e
menina né? Vocês conhecem o jogador Neymar? Quem conhece ele?
Todos os meninos levantam a mão... Pesquisador: E quem conhece a
Marta, jogadora da seleção? Dois meninos e nenhuma menina levantam
a mão. Pesquisador: Muito bem, e sabem o que o Prof. trouxe para
vocês? Um vídeo para gente conhecer o Neymar, e o outro da Marta, para
vocês conhecerem os dois que jogam futebol muito bem. João diz: a
Marta eu sei quem é, mas esqueci e agora lembrei. Pesquisador confirma
e diz que vão assistir o vídeo. Pesquisador: Primeiro é o vídeo do
Neymar. Crianças assistem. Pesquisador diz que irá mostrar o vídeo da
Marta, que é jogadora da Seleção Brasileira. Crianças dizem que ela é
muito boa e joga bem. Ficam muito atentos ao vídeo. Durante o vídeo,
Cristina ao ver um gol da Marta grita: gollll e bate palma com muito
219

entusiasmo e mostrando-se impressionada. Pesquisador: Vocês viram


como a Marta é boa? Crianças respondem que sim... Pesquisador: E o que
Página
mais jogador de futebol faz? Crianças: joga bola, faz gol. Pesquisador
confirma e vai ajudando a dizer mais funções: dribla, chuta, marca o
adversário...

Cenário três (Intervenção cinco): Pesquisador: E o último vídeo, para depois a


gente brincar. Mostra o desenho e crianças respondem que é o policial.
Pesquisador: Muito bem, e o que o policial faz? Crianças: Prende
bandido, usa arma. Pesquisador: E o que ele faz com a arma? Crianças:
atira, mata; Pesquisador: Mas, além de prender e atirar o que ele faz?
Crianças não respondem. Pesquisador: Ele também ajuda a gente né?
Ajuda a proteger. Jorge: Ele ajuda pessoas que são roubadas. Criança:
Ele para o carro. Pesquisador: Então, os policias também protegem a
gente, né?! Uma criança grita: Eu sou um policial. Vamos assistir ao
vídeo do policial, então. Crianças assistem e ao final, começam a imitar
algumas situações que viram no vídeo e junto com o interventor
pontuam novamente as funções relacionadas a este papel social.
Pesquisador mostra novamente os desenhos para retomar os papéis
sociais que viram.
Intervenção 6 - Pesquisador: Olhem aqui para o Pesquisador.
Pesquisador: cadê o círculo?. Pesquisador: Deixa eu fazer uma pergunta
para vocês... Pesquisador: vocês sabem o que é profissão? Todos: não.
Pesquisador: não?? Jorge: Sim. Pesquisador: o que que é? Pesquisador:
O que é profissão? Jorge: É, quem trabalha. Pesquisador: Isso, é quem
vai trabalhar, o que vocês querem ser quando crescer? Vozes: Polícia;
Todos falam ao mesmo tempo. Pesquisador: Policial, que mais?
Pesquisador: Olha ela quer ser professora, e o pesquisador aponta para a
criança ao lado. Pesquisador: Enfermeira, nossa que legal. Todos:
continuam falando alto. Uma aluna afirma que quer ser jogadora de
futebol e pesquisador fala parabéns para ela. Pesquisador: Sabe o que
nós vamos fazer hoje? Pesquisador: Vocês estão ouvindo o Pesquisador?
A maioria fala, Sim. Pesquisador: Quem tá ouvindo ergue a mão. Todos:
Ergueram as mãos. Pesquisador: tudo bem, hoje nós vamos assistir um
monte de vídeos sobre as diferentes profissões, tudo que vocês podem
ser quando crescer, só que é assim, vocês vão dançar junto com a Prof.
Interventora. Jorge: Hã? E começaram a soltar vários hã? De dúvida.
Pesquisador: A gente vai colocar o vídeo lá na parede, para vocês
assistirem e dançarem, igual o que estiver na parede e a Interventora vai
ajudar vocês a dançarem. Jorge: O tio eu não sei se dá para dançar igual.
Pesquisador: Vamos tentar? Pesquisador: Vocês gostam de dançar?
Todos: Sim. Pesquisador: Então todo mundo de pé, vai. Interventora: Eu vou
aqui na frente, hein! Pesquisador: É para vocês acompanharem, tá? Jorge: Eu vou
220

ficar em fileira. E eles se organizam em duas fileiras. Interventora: Olha, vamos


prestar atenção na música para dançar. Pesquisador: Mas tem uma coisa,
Página
no final do vídeo vocês terão que descobrir qual profissão que é.
Combinado? Todos: Sim. Interventora, organiza todas as crianças atrás
dela, e fala: “Ninguém pode passar dessa linha”. Delimitando o espaço
para a dança. Pesquisador: Solta o vídeo e todos começam a dançar,
olhando a Interventora e o vídeo ao mesmo tempo e tentam reproduzir
os movimentos. Pesquisador: E esse? Vamos ver se vocês sabem?
Pesquisador solta outro vídeo. E Todos dançam com a Interventora. Ao
final do vídeo. Pesquisador: Quem sabe essa profissão? Jorge: é do
avião. Maioria: chega perto do Pesquisador e fala que é avião.
Pesquisador: Sabe como se chama essa profissão? Alguns alunos
respondem: espacial. Pesquisador: Essa profissão se chama astronauta,
vocês nunca viram um astronauta? João: Eu já vi. Pesquisador: o que o
astronauta faz? Um aluno: Ele voa no espaço. Pesquisador: Ele voa no...
Espaço, ele explora o espaço. Vamos lá que está acabando. O
Pesquisador solta o outro vídeo. E todos começam a prestar a atenção na
Interventora e começam a imitá-la. Ao final do Vídeo. Pesquisador: E ai,
quem vai me falar o nome dessa profissão? Uma menina: Fazendeiro.
Pesquisador: Quem que cuida das plantinhas? Uma menina: Fazendeiro.
Pesquisador: É o jardineiro, cuida das flores. Três meninos começam a
fazer flexões e dizem que estão fazendo ginástica e começam a contar a
cada flexão. Pesquisador: Olha mais um... E solta o vídeo, e dançam. Ao
final do vídeo. Pesquisador: Qual que é essa profissão, vocês sabem o
nome? Jorge: Eu sei, cabeleireiro. Pesquisador: isso, Cabelereiro... vamos
fazer um círculo, rapidinho.... Pesquisador: Está bom o círculo. Todos:
Não. Todos começam a organizar o círculo. Pesquisador: Vocês lembram
qual foi a primeira profissão que passou no vídeo. Maioria: Sim, Médico.
Pesquisador: Foi o? Todos: Médico. Pesquisador: Mostra o desenho do
médico. E pergunta “o que o médico faz mesmo? João: Cuida das
pessoas. Maioria: Cuida das pessoas. Pesquisador: Quem está com o
braço quebrado? João: Eu fui no médico. Pesquisador: E a Hana também
está com o braço quebrado. Quem cuidou deles? Jorge: O médico.
Pesquisador: Foi o médico que cuidou deles, parem eles não sentir dor.
Médico é legal? Todos: Sim. Pesquisador: Tem médica mulher também?
Todos: Sim. Pesquisador: Isso, tem médica homem e mulher, também.
João: Foi uma médica que cuidou do meu braço. Pesquisador: Qual foi o
segundo vídeo? Maioria: Professora. Pesquisador: Foi o? Todos:
Professor. Pesquisador: É o professor ou a Professora. Pesquisador: O
que o Professor faz? João: Ajuda a fazer a lição. Pesquisador: O professor
ens...: Ensina. Pesquisador: Professor e Professora é legal? Maioria: Sim.
Pesquisador: Apresenta o desenho e pergunta qual era aquela profissão?
Maioria: Bombeiro. Pesquisador: O que o bombeiro faz? João: Apaga o
221

fogo. Pesquisador: Ele salva as pessoas. João: Pegam os bichinhos na


arvoré. Jorge: Salva pessoas. Pesquisador: E o bombeiro pode ser mulher
Página
também? Todos: Sim. Pesquisador: E esse? Apresentando um novo
desenho. Maioria: Policial. Pesquisador: No vídeo é policial homem ou
policial mulher? Maioria: Mulher. Pesquisador: O que o policial faz? Falas
aleatórias: Prende bandido, salva. Pesquisador: Salva as pessoas.
Pesquisado: Onde os policiais ficam? Jorge: Na delegacia. Charlie: esses
dias eu vi uma delegacia, com o policial dentro. Pesquisador: que legal,
Charlie. Pesquisador: E esse, como é o nome? Maioria: Astronauta.
Pesquisador: O que o Astronauta faz? Charlie e João: Voaaa.
Pesquisador: Voa pelo? Charlie e João: Espaço. Pesquisador: Mas para
voar no espaço, o astronauta vai do que? Maioria: Foguete. Pesquisador:
Foguete ou uma nave. Pesquisador: Vocês já viram um astronauta?
Todos: não. Pesquisador: Mas vocês sabiam que existe a profissão
astronauta tanto para homem quanto para mulheres. E os alunos
demonstram entusiasmo. Pesquisador: E esse? Apresentando outro
desenho. Voz de menina aleatória: Jardinheiro. Pesquisador: O que o
jardineiro faz? Alunos: Joga água nas plantas. Aluna: planta cenouras
para fazer comida. Pesquisador: Que mais? Menina: Planta semente.
Pesquisador: Que mais? Planta árvore. Pesquisador: E o último? Vozes:
Hã, dúvida. Pesquisador: Cabelereiro. Pesquisador: O que o cabelereiro
faz? Charlie: Corta o cabelo. Pesquisador: Corta nosso? Todos: cabelo.
Pesquisador: E cabelereiro só tem mulher? Ou tem homem também? A
maioria fala que só mulher e 3 meninos falam que não. Tem homem,
também. Pesquisador: É só mulher? Everson mexe a cabeça, alegando
que não. Charlie: não. Pesquisador: Tem homem e mulher também,
né...todo mundo aqui corta o cabelo. Todos: Sim. Hana: Pesquisador só
corto as pontinhas. Pesquisador: Eu tbm só corto a pontinhas.

Cenário quatro (Intervenção dez) - Pesquisador: Gente, vamos fazer atividade,


hoje? Todos: sim. Pesquisador: Vamos fazer aquela fila nossa. Todos levantam de
sua cadeira para realizar a fila. Pesquisador os levou eles para a sala de vídeo.
Interventora: Todo mundo está sentado em sua cadeira? Todos: Sim.
Interventora: Agora, quem gosta de assistir desenho. Todos: levantam a mão e
falam: Euuu. Interventora: Agora precisamos ficar quietinhos para assistir o
desenho. Desenho do Chaves sobre uma partida de futebol. Pesquisador:
Todos vão ficar quietinhos para assistir o desenho. Todos: Sim.
Pesquisador: Vamos lá, vou soltar o desenho então. Todas as crianças
assistem o desenho, com os olhos fixos na tela. Pesquisador: Gente, ó,
fica no lugar ainda. Vou fazer uma pergunta para vocês, vamos ver se
vocês prestaram atenção no desenho. Pesquisador: Quero que vocês
respondem quem é essa pessoa que estava no desenho? (apresenta uma
folha com um desenho). Todos: o jogador de bola. Pesquisador: É o?
222

Vozes aleatórias: futebol, é o jogador. E esse? Pesquisador: é a jogadora


de. Todos: Futebol. Pesquisador: Então menino e menina podem jogar
Página
futebol? Todos: Siim. Pesquisador: E esses? Quem são esses gente?
Vozes aleatórias: Torcida. Pesquisador: o que a torcida faz? Voz
aleatória: Torce. Pesquisador: E como que ela torce? Vamos torceer.
Todos: Eeeeeeee, levantando os braços. Pesquisador: Comemora quando
sai um gol, saiu um gol, como vamos comemorar? Todos: Levantaram os
braços e gritaram: EEEEEEE Pesquisador: E esse? Jorge, quero que você
descobre qual é esse? Jorge: Juiz.. Todos: Juiz. Pesquisador: O que o Juiz
faz? Voz aleatória: Dá cartão, apita. Pesquisador: Ele apita o jogo, ele
que controla as regras do jogo. Pesquisador: E essse? Todos: vendedor.
Pesquisador: É o vendedor de? Todos: Sorvete. Pesquisador: Tem
vendedor de sorvete dentro do estádio. Maioria: Não. Pesquisador: Tem
sim, vocês não viram o Kiko comprando sorvete dentro do estádio.
Todos: Sim. Pesquisador: Quem vendeu o sorvete para ele? Todos: O
vendedor de sorvete. Pesquisador: Isso, o sorveteiro, vendendor de
sorvetes. E... o que é isso aqui? Maioria: Estádio. Pesquisador: É o
estadio, onde o jogador joga, a jogadora joga. É onde o Juiz apita.

Cenário cinco (Intervenção doze): Pesquisador: Pessoal, vocês estão conseguindo


me ouvir. Maioria: Sim. Pesquisador: Eu vou contar uma história muito legal.
Pesquisador: Vocês gostam de histórinha? Clara: História não. E os outros dizem
que sim. Pesquisador: É uma história muito legal. Vocês sabem do que é essa
história. Mostrando a capa do livro. Voz aleatória: De trem. Pesquisador: mas de
quem será que é esse trem? Pesquisador: Sabe como que chama essa histórinha?
Maioria: Não. Pesquisador: O trenzinho do Nicolau. Vamos ouvir a históra,
então? Todos: Sim. Pesquisador conta a história para os alunos.
Pesquisador: Então vamos começar a história. Olha o trenzinho do seu
Nicolau. Como é o barulho do trem, mesmo? Crianças; piuiiiii.
Pesquisador: E o trem anda por onde? Pelo? Trilho. Olhem que trilho
grande. Vocês sabem o que é isso aqui? João: É uma casa do Trem.
Pesquisador: Sabe como chama isso aqui? É a estação do trem. Charlie:
Onde compra a passagem. Onde pega as pessoas. Pesquisador depois de
explicar a imagem do livro, lê a história e sempre vai explicando a
imagem e o texto, contextualizando. E continua a História... Pesquisador:
Vocês gostaram da história: Crianças: sim. Pesquisador: Vocês sabem o
que o senhor Nicolau é? Como que chama a pessoa que dirige o trem?
Aluna: Motorista. Pesquisador: Maquinista! E mostra uma imagem de um
maquinista em uma folha sulfite. As crianças começam a fazer o barulho
do trem “Piuiiii”. Pesquisador: O que o maquinista usa? Alunos: Chapéu,
roupas... Pesquisador: E ele usa o que também? Luva. Ele usa luva para
não queimar a mão na caldeira do motor do trem porque é muito quente.
Aluno: Ele usa sapato, também. Pesquisador: E o trem passa por vários
223

lugares, certo? Crianças: sim. E eles vão relembrando os lugares pelos


quais o trem passou.
Página
Cenário seis (Intervenção quatorze): Pesquisador: Esse lugar que a gente vai é
muito especial porque é lá que a gente faz nossa comida. Onde que é? Fernando:
Na cozinha! Pesquisador: Ele descobriu aonde é. Mas pra gente conhecer a
cozinha... O que a gente faz na cozinha? Crianças: Come. Pesquisador: Come na
cozinha? Mas o que é mais importante de fazer na cozinha? Crianças: Fazer
comida. Pesquisador: E quem faz a comida na cozinha? Crianças: Cozinheiro; A
mamãe; O papai, a titia, o titio. A vovó. Pesquisador: Isso!! Vocês lembram da
nossa fila mais bonita do mundo? A Interventora vai lá na porta e vocês vão fazer
a fila. Crianças: Eba eba! Pesquisador: A gente vai numa excursão agora,
para visitar a cozinha! Só que vocês têm que ficar na fila tá bom?! Jorge:
Tchau meu irmão! (Acenando para a câmera). Pesquisador (ao chegar na
cozinha): Como que é o nome disso aqui? Crianças: Cozinha!
Pesquisador: E quem fez comida na cozinha? Crianças: Cozinheiro.
Pesquisador: Vocês querem conhecer? Crianças: Sim! Pesquisador: Vocês
estão felizes? Crianças: Sim! Pesquisador: Vamos conhecer?!. E as
crianças entram em fila na cozinha da escola. Pesquisador: O que é isso
daqui? Crianças: Fogão! Pesquisador: E isso daqui? Crianças: Panela!
Pesquisador: Panela! É onde faz a comida... O feijão. O que é isso daqui?
Crianças: Caneca. Caneca para? Crianças: Beber suco. Pesquisador: Olha
que cozinha grande, olha que fogãozão grande! Olha aqui que panelão
grande. Pesquisador: Quem são essas pessoas lindas aqui? São as?
Crianças: Cozinheiras. Pesquisador: Elas querem um abraço de vocês
também (e as crianças abraçam as duas cozinheiras da escola com muita
alegria. Elas são importantes para nós porque, o que elas fazem para a
gente? Crianças: Comida! Pesquisador: Comida, para matar a nossa?
Crianças: Fome! Gustavo: Por que a gente tá aqui, vamos brincar?
Pesquisador: Estamos aqui para podermos conhecer bem o que acontece
em uma cozinha. Gustavo: isso não é uma cozinha, é uma sala.
Pesquisador: Essa é a cozinha da escola. Gustavo: Hannnn...
Pesquisador: Gente, essa cozinha é grandona? Crianças: é enorme.
Pesquisador: É enorme né, João. Aqui tudo é grandão, olha que
panelona, fogãozão. Pesquisador: vamos conhecer a outra parte da
cozinha? E eles seguem em fila como se estivessem em uma excursão de
verdade. Crianças: nossa, quanta comida. Pesquisador: Olha tem uma
mesa na cozinha, também. O que é aquilo ali? Crianças: Uma geladeira.
Pesquisador: O que a gente coloca dentro da geladeira? Crianças:
Comida. Pesquisador: isso, para a comida não estragar. Uma aluna
aponta e fala para o pesquisador que tem armário na cozinha, também...
e beterraba. Pesquisador: isso, beterraba... e cenouras. Todos olham
entusiasmados aquela parte da cozinha cheia de comida. Pesquisador:
224

Vocês gostaram de visitar a cozinha? Quem gostou ergue a mão? Todos


erguem a mão. Importante salientar que as cozinheiras estiveram
Página
presentes em todo o passeio. Cozinheira: Já que todos gostaram do
passeio, todos vão ganhar um docinho. Crianças comemoram. E entrega
um para cada um. E finalizamos o passeio na cozinha.

Cenário sete (Intervenção dezessete): Pesquisador: vocês estão felizes? vocês


estão me ouvindo? Crianças respondem que sim. Pesquisador: O que é isso que
estou na mão? Ele está com uma máscara branca na mão e coloca no rosto.
Crianças respondem que é uma máscara. Pesquisador: sim, é uma máscara e ela
tem super poderes e cada um de vocês vai poder ter super poderes... Só que pra
ela ter super poderes, vocês vão ter que fazer uma coisa nela... vocês viram que
ela é branca, sem nada? Crianças: sim! Pesquisador: então, cada um de vocês
vai ganhar uma máscara e vocês vão ter que pintar ela de uma maneira
que tem que ser diferente do que você já é, por exemplo, se você tem a
pele Clarinha você vai ter que pintar a pele com qual cor? Crianças:
Escuro... um aluno responde que tem a pele escura “eu tenho a pele
escura”. Pesquisador: então, vocês vão ter que pintar a máscara para
que ela tenha super poderes... e continuou explicando que a
característica na máscara deve ser diferente do que o do aluno que a
está pintando. Pesquisador: a máscara tem cabelo? a máscara tem
cabelo? Alunos: não. Pesquisador: então, vocês vão ter que pintar o
cabelo diferente do que o seu cabelo já é... ela tem cor da pele? Alunos:
não! Pesquisador: então vocês vão ter que pintar de uma cor diferente da
pele de vocês. Interventores começam a dividir as máscaras uma para
cada aluno. Pesquisador: só tem mais um segredo para a máscara ganhar
super poderes... cada um de vocês vai ter que pintar a máscara de acordo
com o personagem que vocês desenharam no outro desenho, por
exemplo, o Romulo desenhou um jogador, então vai ter que fazer uma
máscara como se fosse a de um jogador, Cristian também, então vai ter
que pintar, criar como se fosse um jogador... a Laura desenhou uma
cozinheira, então vai ter que fazer uma máscara de uma cozinheira...
Então o pesquisador pede para que eles comecem a pintar suas máscaras
de acordo com as regras estabelecidas. Durante a atividade,
pesquisador: gente, lembra que tudo bem ser diferente?! então podem
pintar do jeito que vocês quiserem, pois tudo bem ser diferente, então
pintem da cor que vocês quiserem, pode ser de cor diferente que vocês...
Menina: meu cabelo eu estou pintando de laranja porque meu cabelo não
é laranja de verdade, mas eu quero laranja, Pesquisador. Pesquisador fez
uma máscara, pintou com a pele preta e cabelo diferente da dele e fala
que se transforma em Pesquisador quando põe a máscara. Eles
continuam pintando suas máscaras. Pesquisador: Quando vocês
terminarem, tragam a máscara para um dos Interventores para a gente
225

colocar o elástico. Pesquisador: está todo mundo acabando? porque


daqui a pouco a gente vai brincar com a máscara e vocês vão ganhar o
Página
super poder... alunos parecem se divertirem ao pintar seus desenhos,
suas máscaras. Charlie pergunta para o pesquisador: está certo pro? e
pesquisador parabeniza ele dizendo que “sim, está certo” e eles
começam a colocar as máscaras terminadas. Uns começam a pedir para
ver a máscara do outro. Uma aluna que tem a pele bem clara pinta a sua
máscara da cor preta. Jorge pinta a sua máscara de marrom e ele tem a
pele bem clara, eles parecem estar obedecendo as regras colocadas.
Jorge disse que a máscara dele tem a pele escura e é poder de policial.
Pesquisador: nossa que legal. Fernando: o meu tenho poder de pizzaiolo.
Clara disse que o poder dela é de professora, porque ela quer ser
professora. Pesquisador repete: quero ver todo mundo terminando pra
dar tempo da gente brincar. E crianças começam acelerar e pedem para
os pesquisadores amarrarem as máscaras. João disse que pintou Neymar
e professor disse “nossa, está parecido mesmo com o Neymar parabéns
vai fazer vários gols”. Uma aluna diz: Pesquisador eu vou ser pilota.
Pesquisador: nossa, você vai ser pilota de carro? Aluna: sim, porque eu
gosto de correr muito. Sentados em roda, interventora começa a contar a
história do filme máscara: vocês lembram que quando o máscara coloca
aquela máscara de madeira ele fica verde e ganha super poderes? Jorge
responde: ele fica doidão. Interventora: então quando a gente colocar
essa máscara, ela gruda na nossa cara e a gente vira o que a gente
desenhou. Pesquisador: Então cada um de vocês vão virar o que cada um
de vocês desenhou... o que você desenhou Charlie? Charlie diz: desenhei
um cozinheiro. Pesquisador: eu desenhei Professor, João desenhou
jogador... e cada um começa falar o que desenhou.
Fonte: Pesquisa de campo (2017)

Estiveram presentes durante todo o processo interventivo momentos de


construção dos motivos e necessidades pautados em temas e conteúdos os mais
variados e os mais desenvolvidos em qualidade, o que demanda um esforço intelectual,
espacial e material gigantesco por parte do professor na efetivação deste elemento tão
necessário para a efetivação de uma atividade de brincar. Assim, a partir da exposição
dos dados em suas diferentes cenas, algumas análises podem ser realizadas.
A) Do ponto de vista de uma análise pautada na prática social interventiva
levando em consideração o seu ponto de partida e de chegada, observamos que no início
os temas e conteúdos eram, de fato, limitados em relação a cotidianeidade referente as
226

vivências em-si que os alunos tinham fora da escola, além dos conteúdos estarem,
hegemonicamente, pautados em sentidos carregados das tendências alienadas e
Página
alienantes, citadas anteriormente. Já no fim do processo interventivo, pôde ser
observado uma ampliação em quantidade dos temas representados pelas crianças
durante as brincadeiras, além de uma evolução qualitativa quanto às significações que
elas demonstravam acerca dos significados presentes nos modelos de relações sociais,
apresentando características mais estáveis e pautados em tendências huanizadoras.
Desta forma, afirmamos que a intervenção contribuiu quanto a esse primeiro aspecto.
Mas para que isso ocorresse, foi necessário todo um conjunto de atividades, com
inúmeras ações ludo-pedagógicas que proporcionassem tal evolução.
B) Assim sendo, tendo em vista ações ludo-pedagógicos pautadas na utilização,
desde vídeos com imagens reais, desenhos, contação de história, até visita à lugares,
além da utilização de materiais impressos com imagens para ajudar no processo,
apresentaram-se como possibilidades de construção dos motivos/necessidades,
ampliação e complexificação dos sentidos pelas crianças das regras presentes em tais
modelos de relação – há que se considerar que cada uma das ações pedagógicas
utilizadas em tal construção apresentaram diferentes níveis de influência, pois, como
ficou evidente, a visita aos locais e a explicação pelo professor dos papéis sociais e seus
conteúdos referentes a tal espaço, tiveram uma representatividade muito maior do que a
utilização de desenhos em vídeo, por exemplo. Contudo, há que se levar em
consideração, também, que dentro dos limites e possibilidades que se colocam quanto às
questões de autorização para realização de visitas e manutenção da segurança das
crianças, a repetição quantitativa de momentos de vídeo com características qualitativas
acerca da exposição do tema e dos conteúdos, por exemplo, também é um fator de
importante construção desses motivos e necessidades que levam à brincadeira de papéis
sociais.
Como afirma Elkonin (1987, p. 92; tradução nossa),

Claro, a criança, antes de assumir um determinado papel, sabe algo sobre


as funções sociais daquelas pessoas que ela representará no jogo. Seus
conhecimentos provem dos encontros diretos com essas pessoas, do que
sobre elas relata o professor, dos livros. Nesse sentido as fontes dos
227

conhecimentos que adquirem as crianças são múltiplas.


Página
C) Terceiro ponto importante, que envolve tanto a eleição e ampliação dos temas
e conteúdos, quanto na construção de possibilidades humanizadoras de apropriação
desses temas e conteúdos, o professor precisa, de forma intencional, selecionar
possibilidades que demonstrem em seu conteúdo e forma os significados que vão contra
às tendências alienanadas e alienantes tão presentes nas relações sociais cotidianas
capitalistas, pois, desta forma, além de ampliar quantitativamente as possibilidades de
temas que demonstrem regras que superam circunstâncias alienadas do ponto de vista
das barreiras impostas pelo cotidiano em-si alienado, também possibilitarão uma
apreensão pelas crianças das regras de modelos de relações sociais com significados os
mais elevados, contribuindo, assim, em seu processo de desenvolvimento em uma
direção humanizadora.
Ou seja, do ponto de vista da eleição, ampliação dos temas e conteúdos, bem
como dos significados os quais esses conteúdos carregarão, devem ser considerados
enquanto situações pedagógicas fundamentais no processo de ensino da brincadeira de
papéis sociais, sendo que tais possibilidades poderão ser criadas a partir das condições
de tempo, espaço e material que o professor tem disponível, bem como, a necessidade
de que ele tenha uma consciência crítica que o possibilite selecionar e ampliar os temas
e seus conteúdos de uma maneira contrária às tendências alienadas e alienantes.

4.2 Ações interventivas a serem engendradas na organização prévia da


brincadeira, tendo em vista onde e quais objetos poderão ser utilizados

A tarefa do professor consistirá em não manter artificialmente as crianças


nos estágios já superados [aquilo eu elas já estão objetivadas], pelo
contrário, deverá favorecer a diferenciação da regra dentro do rol
existente, por meio da retirada paulatina da situação lúdica que se
caracteriza na diminuição dos acessórios utilizados (sua redução a um
mínimo para logo prescindir deles por completo (ELKONIN, 1987, p. 89).

Em relação à atuação pedagógica do professor do ponto de vista de ações


interventivas quando da organização prévia do local onde ocorrerá a brincadeira, bem
228

como os objetos a serem utilizados, estão subordinadas aos aspectos concernentes à


Página
eleição e ampliação quantitativa e qualitativa dos temas e conteúdos a serem
trabalhados e, também, as condições que envolvem os processos de intervenção quando
da realização propriamente dita da brincadeira de papéis sociais.
Pudemos observar, por exemplo, que a escolha do espaço onde será realizada a
brincadeira propriamente dita, pressupõe, A) um entendimento inicial se naquele lugar
há espaço suficiente para que as crianças realizem a atividade; B) Uma preparação
prévia do espaço no que tange a utilização de elementos visuais e sonoros, para que as
crianças tenham condições orientadoras de se organizarem nos diferentes espaços
destinados à brincadeira, em consonância como auxílio para o professor em efetuar de
maneira mais qualitativa as ações ludo-pedagógicas durante a realização da atividade
propriamente dita; C) Em contraponto, há que serem tomadas os devidos cuidados de
não tornar tais locais demasiadamente carregados de elementos supérfluos, como afirma
Elkonin (1987), para que não haja prejuízo no processo criativo da criança durante a
realização da brincadeira. Há que serem selecionados materiais suficientes para que as
crianças possam realizar a reconstrução dos papéis sociais de uma forma o mais
qualitativa possível, sobretudo, quanto a possibilidade de substituição dos significados
dos objetos diante dos condicionantes dos modelos de relação social representados de
forma lúdica, em detrimento, portanto, da necessidade de tornar o espaço carregado de
materiais que podem, na verdade, mais prejudicar do que ajudar no processo criativo,
contrapondo um aspecto pedagógico construtivista de que quanto mais rico o espaço em
materiais e estímulos, maior e melhor o desenvolvimento da criança.
Quanto ao presente item, durante o processo interventivo, como foi dito no início,
a organização prévia do espaço e os materiais a serem utilizados pelas crianças, estavam
diretamente subordinados aos temas e conteúdos elegidos por nós a serem trabalhados,
bem como as possibilidades de auxílio quando de nossa ação ludo-pedagógica
humanizadora na atividade propriamente dita. Utilizamos, basicamente, uma caixa de
porte médio com alguns materiais variados e diferentes brinquedos 35(Imagem A);
229

35
Esclarecemos que não utilizávamos a caixa em todos os momentos interventivos, mas sim, os materiais
que haviam nela os quais achávamos conveniente utilizar na brincadeira proposta.
Página
Quanto a escolha dos espaços, a mesma era realizada levando em conta àquilo que
havíamos de possibilidades na escola: Sala de informática (Imagem B), Parquinho
(Imagem C) e quadra (Imagem D); Por último, em relação à organização do espaço,
utilizamos, basicamente, fitas adesivas para demarcarmos no chão os locais onde as
crianças brincariam de papéis sociais determinados (estratégia pedagógica), elementos
visuais como papéis impressos com o desenho do papel social a ser representado em
determinado espaço (Imagem E) e elementos sonoros como caixinha de som, ou,
durante todos os momentos a utilização do diálogo para manter a organização da
brincadeira.
Imagem 1

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).


Imagem 2

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).


230
Página
Imagem 3

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).

Imagem 4

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).


Imagem 5

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).


231
Página
4.3 Possibilidades de intervenção pedagógica durante a realização
propriamente dita da brincadeira de forma a orientar a dinâmica da
distribuição dos papéis sociais e da utilização dos objetos, bem como, mediá-
la em uma direção humanizadora, sem destituí-la de suas características
essenciais

Chegamos, assim, no ponto crucial de nossa pesquisa, tendo em vista as várias


discussões já construídas no âmbito da intervenção com a brincadeira de papéis sociais,
acerca das possibilidades ou não da atuação do professor nesta atividade. Há que ser
retomado, para efetivação de tal análise, os aspectos fundamentais que são
característicos de uma cena de brincadeira de papéis sociais propriamente dita, quais
sejam, “(i) a definição de papéis pelas crianças; (ii) a execução de ações lúdicas com
objetos verdadeiros ou substitutos; (iii) interpretação das relações sociais de um papel”
(MARCOLINO, 2013).
Um segundo aspecto importante, afirmado por Elkonin (1987), é que na
brincadeira de papéis sociais do pré-escolar existe finalidades e resultados, sendo que
elas consistem na realização pela criança do papel assumido. Para isso há a necessidade
de que em seu conteúdo interno (da criança), estejam saturadas as funções e normas
das condutas existentes na função social assumida. Assim, o professor assume a
importante tarefa de fazer com que tal condição seja efetivada dentro da brincadeira. A
partir de uma mediação consciente ajudar com que criança sature as funções e normas
de conduta.
Além disso, como afirma Elkonin (1987, p.99-100; tradução nossa),

Sua grande importância [da brincadeira de papéis sociais] para o


desenvolvimento da personalidade do pré-escolar não reside em que nela
seja colocada em movimento processos isolados; pelo contrário, os
processos psíquicos isolados se elevam a uma escala superior graças ao
que a brincadeira desenvolve, a totalidade da personalidade da criança,
sua consciência. Na brincadeira de papéis sociais o pequeno toma
consciência de si mesmo, aprende a desejar e a subordinar a seus
232

desejos seus impulsos afetivos passageiros; aprende a atuar


Página
subordinando suas ações a um determinado modelo, a uma norma de
comportamento.

Retomamos tais conceito por considerarmos fundamental a explicitação de que


durante as ações interventivas que por nós foram realizadas quando da realização da
brincadeira de papéis sociais propriamente dita, não houve prejuízo em relação a perda
de nenhuma dessas características, pois, se assim o fosse, nossa tese cairia por terra.
Quanto ao primeiro aspecto, orientação da dinâmica da distribuição dos papéis
sociais e objetos a serem utilizados, verificamos que esta situação ocorre de duas
formas: A) No início da atividade, quando da distribuição inicial dos papéis a serem
assumidos pelas crianças, algo que não se mostra tão dificultoso, mas se coloca
enquanto importante ação interventiva; B) Durante a realização da atividade
propriamente dita, houveram possibilidades da orientação por parte do pesquisador em
alternar os papéis sociais e os objetos utilizados de acordo com a dinâmica da própria
atividade prática, sendo que ela continuava a se desenrolar, sem prejuízos, ou perda de
suas características centrais.
Quanto ao segundo aspecto, qual seja, mediação a partir de ações ludo-
pedagógicas durante a realização da atividade propriamente dita, pudemos analisar que
este fator pode se dar em dois âmbitos: A) Com o professor assumindo, também, um
papel lúdico durante a brincadeira; B) Com o professor atuando de forma a
problematizar ou mesmo instrumentalizar as ações lúdicas a partir de orientações
medidoras às crianças, sem necessariamente assumir um papel lúdico. Observemos:

Quadro 11 - Episódio 836: Ações ludo-pedagógicas durante a brincadeira quanto a organização


e distribuição dos papéis sociais, dos objetos utilizados pelas crianças e mediação direta do
professor.

CONTEXTUALIZAÇÃO: Como afirma Elkonin (1987), o professor deve assumir


durante a realização da brincadeira de papéis sociais o papel de organizar e
distribuir os papéis sociais a serem reconstruídos pelas crianças, bem como os

36
Neste episódio traremos para análise àquelas intervenções as quais julgamos demonstrarem com maior
clareza a discussão analisada. Tendo em vista a quantidade de dados que poderíamos utilizar, julgamos
233

necessário esse recorte. Esclarecemos que não colocaremos em Negrito as partes mais importantes por
todas elas se mostrarem importantes para a análise desse episódio.
Página
objetos, de modo a fazer com que aquelas crianças que muitas vezes se colocam
em papéis centrais assumam papéis secundários e aquelas que se colocam em
papéis secundários, assumam, também, em determinados momentos, papéis
centrais. Acreditarmos que tal alternância se mostra fulcral quanto à condição de
interiorização dos significados das regras presentes nos modelos de relação social,
por nós construídos quando da intervenção dos motivos que levam a brincadeira,
por todas as crianças que faziam parte do processo interventivo. Além, também,
da possibilidade do professor atuar durante a brincadeira mediando as ações das
crianças de forma a construir possibilidades diferenciadas de desenvolvimento de
suas consciências, seja assumindo um papel lúdico da brincadeira, sendo atuando
enquanto orientador durante o processo, efetivando a apropriação e objetivação
pelas crianças de tendências humanizadoras.

CENA: Possibilidades de intervenção do Professor durante a realização da


brincadeira de papéis sociais em uma perspectiva humanizadora.

Cenário um (Intervenção nove): Pesquisador: Vamos retomar o que aprendemos,


então? O primeiro vídeo foi o do? Maioria: Astronauta. Pesquisador: Depois do
astronauta? Maioria: Cabelereiro. Pesquisador: Depois do Cabelereiro foi o?
Maioria: Padeiro. Pesquisador: E depois o? Maioria: Dj. Pesquisador: Vocês sabem
o que esses quatro fazem? Maioria: Sim. Pesquisador: Então vamos brincar, agora?
Todos: sim. Pesquisador: Então, todo mundo atrás da Interventora. Todas as
crianças saem correndo para a fila. Pesquisador: Sabe onde nós vamos, agora?
Nós vamos na padaria, no salão de festas. Charlie: nós vamos comer bolo.
Pesquisador: Não, nós vamos no salão de beleza, onde corta o? Todos: Cabelo.
Pesquisador: E nós vamos sabe onde? Jorge: No espaço. Pesquisador: Nós vamos
ver uma nave para viajar no espaço, vamos? Pesquisador: Vem cá todo mundo,
sabe o que é esse lugarzinho aqui? O chão está separado por fitas. (Trouxemos
objetos simples) para que eles utilizassem durante as brincadeiras). Maioria: não.
Pesquisador: É o salão de festa onde o Dj pode tocar. Não mexe ainda.
Pesquisador: Sabe o que é ali? Todo mundo olha para o Pesquisador, aqui é a
nossa nave espacial, olha o capacete. Jorge sai correndo para pegar o capacete e
colocar na cabeça. Pesquisador: Jorge não é para mexer ainda. Pesquisador: E
aqui, o que vocês acham que é? Todos: Cabelereiro. Pesquisador: Cabelereiro,
para vocês sentarem, arrumarem o cabelo de vocês. Pesquisador: E aqui? É a
Pada?? Todos: Padariaaa. Pesquisador: Onde tem o padeiro ou a padeira e eles
fazem o que? Vozes aleatórias: pão. Pesquisador: Agora vocês podem brincar onde
vocês quiserem. Interventora: Vamos dividir, hein (os materiais). 10 crianças
foram brincar de DJ. Interventor: João, vamos brincar de Astronauta? No padeiro
três meninas brincam de colocar os ingredientes no vasilhame, enquanto tem
apenas dois meninos mexendo num pote como se fosse uma batedeira. No salão
234

de cabelereiro, sob mediação do interventor, organizando os papéis e lembrando-


os sobre a função do cabeleireiro, Gustavo seca o cabelo do João e Joaquim
Página
arruma o cabelo e penteia o cabelo de uma menina, também seguindo a
orientação do interventor. Interventor pergunta o que eles são? Eles dizem que
são cabeleireiros e fazem barulho com a boca e utilizam materiais substitutos para
realizarem os movimentos. Joaquim sai do cabelereiro e vai para a padaria.
Começa a mexer na panela com a colher e uma menina fala: Joaquim aqui é só
pão. Joaquim aponta para a figura de padeiro. Interventor: Joaquim quem é esse?
Joaquim: é o que faz pão. Pesquisador: é o padeiro. Joaquim: É. Pesquisador: O Dj
coloca a música o que acontece? Todo mundo tem que? Charlie: Tem que dançar.
Charlie reproduz os movimentos de um Dj com as mãos, balançando a cabeça. Na
nave espacial os interventores brincam com mais seis crianças. Interventora:
Vamos viajar, vai... coloquem os capacetes... os alunos pegam cones de plástico e
colocam na cabeça como se fossem capacetes. Todos: 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1.
E todos fingem que estão subindo para o espaço, fazendo o barulho da nave e
fazendo caras como se estivessem dentro de algo viajando muito rápido. Chegam
na lua e começam a andar como astronautas (passos largos e devagar). Na
padaria o pesquisador alega que não tem dinheiro para comprar. Assumindo um
papel de uma pessoa com fome. Pesquisador: O que vocês estão fazendo?
Criança: Pão. Pesquisador: Pão para quem? Criança: Para você... Pesquisador: Por
que eu estou com fome? Criança: Ta! Pesquisador: Huum... mas vocês vão vender
ou vocês vão me dar o pão? Criança: Te dar... Pesquisador: aaah... por que vocês
são boazinhas? Eu sou uma pessoa muito pobre, não tenho dinheiro. Criança:
depois que você comer, você vai ter que ir no cabelereiro. Pesquisador: depois que
eu comer vou ter que ir no cabelereiro? Ah, é? Criança: É! Criança: Não é aí, é na
canequinha... Pesquisador: então vai, quero ver vocês fazendo o pão, vamos fazer
o pão.... Vocês estão fazendo o pão? Olha o Gustavo fazendo o pão. Pesquisador:
oh, você é padeiro? Responde para mim... você é padeiro? É? Ana: padeiro não faz
tudo rápido... : padeiro não faz tudo rápido a Ana falou, você está fazendo
errado... Gustavo, você está fazendo errado! Gustavo: Agora come a massa.
Pesquisador: Com o que? Eu não tenho dinheiro para comprar. Ana: Nossa...
massa pura Gustavo, você tem que assar! Pesquisador: eu não tenho dinheiro para
comprar, vocês vão me dar? Hein, eu não tenho dinheiro para comprar, vocês vão
me dar? Gustavo: Vamos! Ana: Sim! Pesquisador: Vocês não querem dinheiro em
troca? Crianças: não... não precisa pagar. Pesquisador: então me dá o pão para eu
comer porquê eu estou com muita fome. Ana: se você tiver dinheiro...
Pesquisador: huuuuum... Ana: se você tiver dinheiro vai ganhar uma sobremesa.
Pesquisador: ah, mas eu não tenho. Ana: de 50 centavos. Pesquisador: mas eu
não tenho. Criança: sorvete... Ana: é sorvete. Pesquisador: eu posso ganhar sem
ter dinheiro...? Gustavo: esse é seu. Pesquisador: ...só porque você está me
ajudando? Aeeee, brigado!! Huuuum... Mas quanto padeiro tem nessa padaria...
oh, o padeiro pode comer o pão também, porque vocês não comem o pão
também? Gustavo: eu vou colocar para assar. Pesquisador: vai colocar para assar,
235

Gustavo? Você está colocando para assar o pão? Oh Interventor, o Gustavo vai
colocar o pão dele para assar, deixa ele por, aí é o forno Gustavo? Tem que
Página
esperar, não tem? Vamos esperar o pão ficar pronto, então. Oh, vocês são muito
bonzinhos! Vocês me deram o pão sem eu precisar comprar. Gustavo: agora
compra! Pesquisador: não, eu não tenho dinheiro, eu sou pobre. Criança: tó,
dinheiro! Pesquisador: vocês estão me dando dinheiro? Para comprar o pão?
Criança: tó! Tó! Pesquisador: aah, brigado!! Crianças: tô...tô...tô. Pesquisador: um
monte de dinheiro para mim... um monte de dinheiro pra mim! Posso devolver
agora para vocês. Cadê o meu pão agora? Oh, e se ao invés de vocês me darem
dinheiro, eu tenho uma ideia... eu tenho uma ideia. Ana e Gustavo, eu tenho uma
ideia: eu posso comprar o pão dando um abraço? Posso pagar o pão dando um
abraço em vocês? Gustavo: tem que ter moeda também! Pesquisador: não, mas
eu só tenho um abraço para dar... Ana: mas eu te dei moeda. Pesquisador: ah não
Ana, aceita um abraço do Pesquisador? Ana: tá! Pesquisador: aceita!? Então vai,
eu vou comprar um pão com um abraço... dá um abraço. Aee!! Cadê meu pão
agora? Huum... que gostoso!! Gustavo: quer mais? Ana: você não deu um abraço!
Pesquisador: vem me dar um abraço para eu comprar o pão então! Pronto,
comprei três pães! Dei três abraços. Um... cadê o segundo? ... dois, e agora o do
Gustavo... huum (comendo os pães). Que gostoso!! Já enchi a barriga, agora
tenho que ir no cabelereiro. Três meninas e um menino finge que estão mexendo
os ingredientes no vasilhame. No cabeleiro... Interventor: você é cabeleireira?
Sophia: Eu sou. E pega o secador para secar o cabelo do menino. Interventor:
Quem vai cuidar do meu cabelo? Sophia Faz silêncio e continua mexendo no
cabelo, finalizando o penteado com o pente. Pesquisador e Interventor sentam na
cadeira para serem atendidos no salão. Três meninas e um menino mexe nos
cabelos dos inetrventores, passando o pente, secando o cabelo, fazendo a barba,
usando materiais simulados. Usam uma caneta como se fosse uma maquininha de
cortar o cabelo. Óh, quem falou que eu tinha que ir no cabelereiro? Quem vai
arrumar meu cabelo? Você é cabelereira? Criança ao fundo: Sou!! Pesquisador:
aaah, que legal! Então vai. Olha o secador aqui. Que gostoso mexendo no meu
cabelo... Interventor: estou gostando, podem continuar! Pesquisador: vocês estão
deixando bonito? Criança: tá!! Interventor: não quero ficar careca não, hein!
Cristian (cabeleireiro): tá careca! Interventor: careca não. Pesquisador: você tá
secando o meu cabelo? Cristian: já ficou careca! Criança: já secou... Pesquisador:
você também é cabelereiro? Interventor: cadê o meu cabelo?? Pesquisador: hein,
você é cabelereiro também? Criança: olha seu cabelo. Pesquisador: vocês estão
fazendo o que agora? Já acabou? Crianças: já! Criança: Cristina, sai! Pesquisador:
senta aqui no salão de espera, você fica para próxima, senta aqui. João: shampoo,
shampoo! Pesquisador: aqui é cadeira de espera, senta aqui, espera. João:
shampoo! Pesquisador: o João também é cabelereiro! Interventor: quantos
cabelereiros tem na minha cabeça? Crianças: vários! Pesquisador: que é isso que
vocês estão usando? Criança: cadê, eu preciso de... Pesquisador: o que é isso?
Criança: eu preciso de shampoo. Criança: cortador! Pesquisador: ah! É a
236

maquininha de cortar o cabelo. O Interventor tá ficando careca já! Olha o Joaquim


também é cabelereiro. Criança: mais careca ainda. Pesquisador: hum, que
Página
gostoso! Tá lavando meu cabelo agora. Criança: olha aqui! Criança: Pesquisador, a
Isabele não deixa eu cortar o cabelo. Pesquisador: deixa sim! Ajuda ela! Criança:
depois você vai lá comer um pouco. Pesquisador: tá bom, depois eu vou lá comer.
Criança: Isabele, pode ser de menino e de menina. Pesquisador: menino e? Fala
para mim de novo, por que você tá chorando? Criança: menino e menina.
Pesquisador: Pode ser cabelereiro? Criança: é. Pesquisador: é?! Já tá pronto?
Criança: não! Pesquisador: ainda não?! Criança: ó, eu vou mostrar apra você.
Pesquisador: tá bom, olha aqui o espelho. Criança: peguei! Pesquisador: eu tô
careca, vem cá! Eu não tenho dinheiro para pagar, posso pagar com abraço?
Criança: não! Criança: sim! Pesquisador: você aceita um abraço como pagamento?
Criança: sim. Pesquisador: você não aceita um abraço como pagamento? Você
aceita um abraço como pagamento, eu não tenho dinheiro, pode ser? Olha, ele
aceitou um abraço! Vai agora outra pessoa vai cortar o cabelo, quem vai cortar o
cabelo agora? Crianças: eu, eu, eu! Pesquisador: corta o cabelo dele. Quantos
cabelereiros, meninas e meninos! O Everson, quem mais é cabelereiro? Criança:
mais ninguém. Pesquisador: você não é cabelereiro. Criança: eu sou. Pesquisador:
ah...Criança: eu também sou! Pesquisador: olha, o Gustavo veio me trazer comida!
Gustavo, você não quer ir arrumar o cabelo agora, você já trabalhou bastante de
padeiro. Olha, o Gustavo agora vai cortar o cabelo! Gente, o Charlie! Deixa o
Gustavo, ele trabalhou bastante de padeiro, ele precisa arrumar o cabelo dele
agora. Charlie: ah, mas eu estou na espera. Pesquisador: então senta na cadeira
de espera, vem cá! Interventor pergunta para o Gustavo se está pronto o pão e ele
diz que ainda está fazendo, fingindo mexer os ingredientes, colocando em uma
vasilha e esquentando no forno. Outra aluna é sua auxiliar (de acordo com o
próprio aluno). Interventor: O que foi Jorge? Vai, vamos para a Lua. Jorge coloca o
chapéu e senta na cadeira. Interventor: quem vai para a lua comigo? Cinco
meninos: EUUU. Interventor: Então, vamos sentar que nós vamos para a Lua. Vai
começa a contar. Os cinco meninos: 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1... fingem que estão
indo para a lua fazendo o barulho e se segurando como se estivessem em alta
velocidade. Interventor: Chegamos na Lua, vamos andar na lua. E todos andam na
Lua. Todos os cinco saem correndo para a Nave e deixam o Interventor na Lua.
Interventor: Você vai me deixar na Lua? Jorge: Você vai ficar na Lua. Dizem que
não tem espaço para o Pesquisador e que vão deixá-lo na lua. Milene brinca de Dj
colocando os fones de ouvido e fazendo os movimentos como se estivesse
mexendo no disco. A Milene é Dj?! Põem uma música aí para gente ouvir. O que o
dj faz? Criança: eu vou cantar. Pesquisador: você vai cantar? Põem uma música
Dj, para ela cantar. A Milene tá fazendo de conta... Olha a Milene mexendo no
dedo... alá, já colocou! Criança: eu vou cantar uma música de você. Pesquisador:
então vai, o que você vai fazer? Criança: vou cantar uma música de você.
Pesquisador: você vai ser cantora? Criança: eu vou cantar uma música de você.
Pesquisador: então vai, canta! Criança: “o tio é careca”. Pesquisador: o tio é
237

careca?! Criança: “não tem cabelo”. Criança: eu vou cantar uma música bonitinha
com ela. Pesquisador: ela tá cantando já! A Milene ta pedindo para você começar.
Página
Solta o som DJ! Ó, vocês vão ser Dj e eu vou dançar tá? Põem a música Dj, vai!
Olha elas tocando e eu tô dançando. Criança: eu tô cantando a música da Elsa!
Pesquisador: então canta vai, para eu dançar! Criança: “a neve...”! Pesquisador:
com o microfone ela tá cantando... vai, vai Hana. Vai Milene, canta! Vem, Charlie!
Vamos dançar eu e você que elas vão pôr a música! Vamos? Charlie: não quero.
Pesquisador: por que você não quer? Charlie: eu não vou dançar com você.
Pesquisador: então vai lá Dj, vai lá! Faz de conta que você é Dj, vai lá! Só um
pouquinho, por favor, ela tá pedindo! Ela tá querendo dividir com você. Então
deixa só um Dj só vai, vamos dançar! Vai, a gente vai dançar enquanto vocês
põem a música! Charlie: eu não sou... Pesquisador: hã? Charlie: eu não sou dj!
Pesquisador: por que você não é dj? Charlie: eu não quero. Pesquisador: você não
quer?! Ela (Milene) está oferecendo as coisas, mas ele não quer. Milene: tio, eu
quero tocar a música dos “cinco patinhos”. Pesquisador: dos cinco patinhos?! Vai,
o tio Interventor vai ser... ah, não precisa, chegou outro Dj, vem! Vamos dançar!
Criança: não quero. Pesquisador: mas você não falou que ia dançar comigo?
Criança: eu quero cortar meu cabelo. Pesquisador: depois você vai cortar o cabelo,
vem, vamos dançar. Solta a música Dj, canta Milene! Milene: eu não estou
ouvindo! Pesquisador: eu tô vai, faz de conta! Interventor: como tá alta a música,
você não tá ouvindo?! Pesquisador: a música tá alta, eu não estou nem ouvindo,
olha o Dj tocando! Que bonito o Dj tocando!Vocês estão tocando dj? A Milene tá
cantando? Ai que linda! Vamos dançar, vamos dançar, vamos dançar! Ai cansei!
Acabou a música dj? Acabou? Criança: acabou. Pesquisador: acabou?! Parou?! No
salão de cabelereiro tinham 9 crianças querendo mexer no cabelo apenas de uma
criança. O pesquisador estava ao lado, conversando. Pesquisador: Deixa um
pouquinho cada um. Pesquisador: Como vocês vão pagar o cabelereiro? As
crianças se abraçam. Pesquisador: Pagou com abraço? As duas crianças que se
abraçaram disseram: Sim. Você não quer cortar o cabelo agora? Vamos lá cortar o
cabelo. Ó, tem uma escova perdida aqui dos cabelereiros, todos! Agora alguns
começaram a brincar de pega-pega. Ó, a Hana vai cortar o cabelo agora! Eu sou o
ajudante do cabelereiro, vai! Cristian: cadê o shampo? cadê o shampo? cadê o
shampoo? Pesquisador: cadê o shampoo? Ali o shampoo, ó! Criança: ali o
shampoo! Pesquisador: isso! Gente, como que vocês vão pagar para o cabelereiro?
Criança: eu tenho mil reais. Pesquisador: você tem o que? Criança: mil reais.
Pesquisador: mas, sabe como que paga nesse cabelereiro? Criança: eu sei.
Pesquisador: com abraço! Criança: não! Não é não. Pesquisador: é sim, não é com
abraço que paga aqui? É água, é água! Tá bom, tá bom, já passou bastante!
Cristian: é água de verdade! Pesquisador: é creme. Olha como tá ficando bonito o
cabelo dele, e cheiroso. Ó, tá pronto, sabe como que paga aqui? Tem que ser com
abraço. Já acabou, agora eu sou o próximo. Ele vai ter que pagar vocês com
abraço! Pagou com abraço? Pagou com abraço? Criança: é! Pesquisador: tá
pagando com abraço também? Agora sou eu! Cristian: agora sou eu. Pesquisador:
238

aé, é ele! Agora é o Cristian. Criança: cadê o shampo? Cadê o shampo? Criança:
pode pôr mais água? Pesquisador: mas não, já acabou. Faz de conta que tem! Na
Página
padaria. Interventor pergunta se o pão já está pronto, Ana diz que só daqui 6
horas e continua fingindo estar colocando os ingredientes em uma vasilha, junto
com um auxiliar. Na parte do Dj, Hana pega um objeto e começa a fingir que é um
microfone dizendo ser uma cantora e que iria cantar. Começa então a fazer
movimentos com a boca, mas sem som, e começa a dançar como se estivesse se
apresentando. Interventor novamente na Padaria. Os alunos avisam que o pão
está pronto. Dão a vasilha para ele como se tivesse pão dentro, ele faz que vai
pegar com a mão, mas as crianças dizem que é para ele pegar com a colher. Uma
Aluna diz: To fazendo canjica, também, você quer? Outra aluna que se juntou a
brincadeira diz que vai fazer cupcake para o Pesquisador e ele finge estar
comendo, Ana diz para o Pesquisador: é para comer sentado. Duas meninas e um
menino estão brincando de padaria nesse momento. Interventor: Faz aquele
cupcake para a Pesquisador. É muito bom. Interventora: Chocolate, açucar...
Colocando os ingredientes no vasilhame. Pesquisador: Estátua. As crianças param
onde estavam. Pesquisador: Vamos fazer um círculo rapidinho. Pesquisador: eu
vou fechar o olho e quero todos sentados. Pode abrir o olho? Todos: não
Pesquisador: Vocês gostaram de brincar hoje? Todos: sim. Pesquisador: Do que
vocês brincaram? João: cabelereiro. Os demais: Cabelereiro. Pesquisador: Que
mais? Vozes aleatórias: Dj, padaria, nave. Pesquisador: Vocês gostaram de brincar.
Todos: Sim. Pesquisador: Vocês vão brincar mais ainda.

Cenário dois (Intervenção treze): Pesquisador: Gente, vocês querem conhecer um


lugar muito legal? Crianças fazem cara de curiosas. Pesquisador: A estação de
trem do Senhor Nicolau? Todos: Sim. De forma alegre. Pesquisador: Vocês agora
vão conhecer o trem, a estação do Senhor Nicolau, vocês querem conhecer? Voz
Aleatória: É de verdade? Todos ficam curiosos. Pesquisador: Será? E faz cara de
feliz. Crianças se entusiasmam. Pesquisador: Então vamos fazer a fila com a
Interventora. Interventora: primeiro vamos guardar as caderias. Na sala de
informática foi montado um trem com TNT e enfileiradas cadeiras no seu interior,
além de trazermos outros objetos para simular os papéis sociais relacionados com
uma estação de trem. Pesquisador entrega um papel para cada aluno afirmando
que aquele era o bilhete para que eles entrassem no trem. As crianças, uma a
uma, o abraça em forma de pagamento do bilhete. A Interventora é a maquinista
(usa luvas e chapéu) e cada criança vai até ela, entrega o bilhete e entra no trem.
Os alunos entram no trem. Interventora: Todos estão assentos nos seus acentos?
Todos: Sim. Interventora: Então eu vou fechar o vagão, para dar início a viagem
Mágica. Vozes aleatórias: Ai, que da hora. Interventora: Tripulantes estão
preparados? Todos olham pela janela e dão tchau. Interventora: Todos comigo,
fazem o barulho do Treeeem. E todos cantam com ela “Piui, tique-taque”.
Interventora: Chegamos na primeira parada, aqui as crianças estavam fazendo o
que? João: Jogando Bola. Interventora: Vamos dar tchau para os meninos que
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estavam jogando bola. Todos: Tchauuu. Os outros interventores fingem estar


jogando bola do lado de fora do trem. Interventora: Agora nós vamos voltar para a
Página
nossa viagem. Me ajudem, hein. Todos: Piuuui. Tic tac. Eles dão tchau. Aluno: Pro,
olha uma vaca! E aponta para fora do trem. Interventora: Chegamos a próxima
parada, o que estão vendo lá fora? Vozes aleatórias: as senhoras estão lavando
roupas no lago. Interventora: Vamos dar tchau para as senhoras? E todos dão
tchau para elas. Interventora: Vamos voltar para a viageeem, ajuda eu. Todos:
Piuuuuui tic tac. Interventora: Chegamos na próxima parada, alguém sabe oq tem
nessa paradaaa? João: Temos que dar tchau para a vaca. Interventora: Então
vamos dar tchau para a vaca. Todos: Tchau vacaaa. Dois interventores fingem ser
vacas fazendo Muuuuu. Interventora: Vamos seguir viageem, me ajudemm.
Todos: Piuuui tic tac. Interventora: Próxima paradaaa, qual foi a próxima paradaa
do livro. Pesquisador: O trenzinho chegou aonde? Clara: Na estação. Interventora:
Então vamos descer do treem e vamos para a estação. Todos saeem pela frente
do trem. Pesquisador: Espera eles na porta e diz eu sou um vendedor de pipoca
agora, Cadê a fila para comprar pipoca? As crianças começam a fazer a fila.
Pesquisador: Cadê o dinheirinho de vocês para comprarem pipoca? Todos vão até
a Interventora para pegar dinheiro (pedaço de papel), ao pegarem o dinheiro
voltam para a fila para comprar pipoca. Pesquisador: Qual é o seu pedido? Clara:
Quero uma pipoca. Ela entrega o dinheiro e o pipoqueiro entrega a pipoca para
ela. Pesquisador: Qual é o seu pedido? Charlie: quero uma pipoca. Jorge quer ser
o pipoqueiro, assim o pesquisador deixa ele ser o pipoqueiro. Jorge: qual é o seu
pedido? Ana: Eu quero uma pipoca. Jorge deixa de ser pipoqueiro e começa outro
aluno a ser pipoqueiro. João pega a sua pipoca e fingee que está comendo.
Comprando as pipocas as crianças voltaram para o Trem, elas mesmas dizem que
tem que voltar para o trem quem já comprou. Interventora: Todo mundo no seu
assento, pq o tripulante Jorge agora vai ser o maquinista. Criança: Tem que fechar
a porta para a gente poder viajar. Interventora: Jorge para onde você vai? pode
ser qualquer lugar. Interventora mantem-se em pé mediando a atividade sem
assumir um papel em específico. Jorge: parquinho. Clara: Aee, parquinho. As
próprias crianças começam a assumir os papéis da atividade. Jorge: Piuuuu, tic
tac. Todos: Piuuui Tic tacccc. Jorge: Chegueii. Interventora: Nós chegamos no
parquinhoo, qual será a nossa parada? Voz aleatória: eu sei. Pesquisador: Nós
vamos descer no parquinho para brincar? Interventora: Vocês querem descer no
parquinho para brincar? Todos: Siiim. Pesquisador: Então vamos descer no
parquinho para brincar. Todos descem do trem e começam a fingir que estam
brincando no parquinho, pulando, correndo, brincando de rela-rela. Pesquisador:
vamos voltar para o Trem? Todos voltam para o trem. Pesquisador: Olha, o
Everson é o senhor Nicolau agora. Pesquisador: Para onde vamos agora? Everson
diz que é a quadra. Interventora: Prestem atenção, a próxima parada é a quadra.
Todos: AEEEEE. Everson: Piuuui Tic tac. Todos: Piuuui tic tac. Interventora:
Chegamos a próxima paradaa. Todos descem do trem e começam a brincar na
quadra, jogando futebol na quadra, meninos e meninas, fingindo estarem
240

chutando uma bola. Pesquisador: Vamos voltar para o treem. Todos saem
correndo para voltar para o trem. Interventora: Agora quem vai pilotar o trem é a
Página
Milene. Milene qual é a próxima parada? Milene: Pizzaria. Pesquisador: Posso falar
uma ideia, e se a gente for na padaria. Vozes aleatórias: pizza, pizzaria.
Pesquisador: Vocês querem ir na pizzaria? Todos: Pizzariaaaaa. Milene: Piuuui tic
tac e finge dirigir o trem segurando cones redondos. Milene: Já chegamos na
pizzariaaa. Todos descem correndo, sentam na mesa e começam a comer a pizza
imaginaria. Pesquisador: Vou fazer a pizza, Pizza para você, pizza para você. E as
crianças começam a comer a pizzaa. Pesquisador: Me ajudem a fazer a pizza
agora. As crianças começam a fingir que estão amassando a massa junto com o
pesquisador. Pesquisador: Agora comam a pizza que vocês fizeram... e todos
fingem comer. Pesquisador: Já encheram a barriga? Todos: Sim. Pesquisador:
Então vamos voltar para o trem. Todos voltam para os seus lugares. Interventora:
Agora a maquinista será a Cristina. Para onde você vai levar a gente? Pesquisador:
Esse é o último lugar que a gente vai, então tem que ser especial. Interventora h:
E se a gente for em uma festa, onde tem DJ bem maneiro? Cristina: vamos a
festa. Cristina: PUIUUU TIC TAC. Todos: Piuui tic tac. Interventora: Chegamos.
Pesquisador: Vamos para a festa. Todos descem loucamente do trem para ir para
a festa, ao descer eles começam a dançar. Pesquisador: quem vais ser o Dj. O
João será o Dj... e ele faz de conta que está usando um fone e começa a fazer
movimentos com a mão como se estivesse mexendo em um disco. Pesquisador:
Vamos dançar... e todos dançam. Pesquisador: Todo mundo volta para o Trem,
todos voltem para o trem. Todas as crianças voltam para o trem. Pesquisador:
Essa foi a última viagem que fizemos no trem do Nicolau. Pesquisador: Mas, como
é a nossa viagem, acho que temos que ir para o salão de beleza também.
Interventora: Eu também. Alunos: tambémmm... Isabella se torna a maquisnista.
Pesquisador: piuuui tic tac. Todos: Piuuui Tic tac. Pesquisador: Chegamos. Todos
descem e começam a mexer no cabelo do amigooo. Pesquisador: Todos venham
aqui com o Pesquisador. Todas as crianças chegam próximo ao Pesquisador.
Pesquisador: Todos dão tchau ao trem do SR Nicolau. Todos: Tchauuu.
Pesquisador: Agora vamos para a sala de aula. E todos voltam para a sala de aula.
Pesquisador: Quero um círculo bem bonito aqui no fundo, posso abrir o olho?
Todos: não. E coemçam a organizar o círculo. Pesquisador: Um, dois, três eeee...
possso abrir? Vou abrir... Pesquisador: Vamos abrir um pouco amis a roda. Quem
gostou de passear no trem od Sr nicolau? Todos: Siim. Pesquisador: vocês
gostaram de ir para os lugarem que nós visitamos? Todos: Sim. Pesquisador: A
gente foi para onde? Vozez aleatórias: parquinho, quadra, pizzaria, cortar o cabelo,
pipoca, dj. Pesquisador: vocês gostaram da viagem? Todos: siim. Interventora: E
também vimos um monte de gente no meio do caminho. Pesquisador: quem vocês
viram no meio do caminho? Vozes aleatórias: A vaca, a estação, senhora, crianças
jogando bola. Pesquisador: para onde mais? Criança: pipoca. Pesquisador: para
pipoca! Que mais? Criança: Dj! Pesquisador: e para festa onde o dj toca! Vocês
gostaram da viagem? Crianças: sim! Interventora: e também a gente viu um
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monte de pessoas no caminho, não viu? Criança: a vaca. Pesquisador: o que mais
vocês viram no caminho? Criança: a estação. Pesquisador: que mais? Criança: as
Página
meninas. Pesquisador: as meninas jogando bola, que mais? As meninas lavando
roupa também? Não? Vocês não viram?!

Cenário três (Intervenção quinze): Pesquisador: vocês gostaram de passear na


cozinha? Crianças respondem que sim. Pesquisador: O que a gente faz na cozinha
mesmo? Faz a? Crianças respondem comida. Pesquisador: Adivinha o que vamos
fazer agora?! Vamos brincar de cozinha? Crianças com entusiasmo: simmmm! E
entramos então na sala de informática na qual organizamos o espaço como se
fosse uma cozinha, com vários objetos para que eles pudessem reconstruir o que
haviam visto na realidade. Interventor: Vamos fazer paçoca. Duas crianças dizem
que vão fazer paçoca, também. Na cozinha tem um fogão em miniatura, copos,
talheres, arrumamos a mesa para que eles pudessem brincar. Eles entram na sala
e se espalham pela nossa cozinha imaginária. Pesquisador: Quem vai ser
cozinheiro ergue a mão? Todas as crianças erguem a mão e dizem euuuu...
Pesquisador: Então vamos brincar de cozinha. Olha aqui o nosso forno (apontando
para o fogão de brinquedo. As crianças, meninos e meninas começam a pegar
panelas, pratos, talheres e fazerem de conta que estão misturando ingredientes
para cozinhar. Interventor: que comida vocês vão fazer? Miojo? Jorge: Eu também
vou fazer miojo. Interventor: Eu quero miojo. Pesquisador: Gente, os bebezinhos
estão com fome (apontando para bonecas que havíamos trazido), ninguém vai dar
comida para eles? Mas primeiro precisa fazer comida. E todas as crianças brincam
na cozinha. Interventor pergunta para alguns meninos o que eles estão fazendo e
eles mexendo os ingredientes imaginários dizem que é miojo. Pesquisador:
quantos cozinheiros! Gustavo, você não é cozinheiro? Gustavo: não. Pesquisador:
não é para bater no bebe! Milene, deixa o bebezinho sentadinho! Ele precisa
comer. Nossa Gustavo, que chato! Você pisou no bebe. Você não vai dar comida
para o bebe? Criança: não! Pesquisador: alá, dá comidinha para o bebe, Milene. Ai
que bonito! Interventor, Interventor, Interventor (interventor), olha a Milene
dando comidinha... quem que fez a comida? Criança: a cozinheira. Pesquisador:
ah, que legal! A cozinheira fez a comida. Vai fazer a comida Biel! Hum... que
gostoso! João traz comida para o pesquisador. Pesquisador: Obrigado João, pela
comida. Pesquisador: Cristina, o que você tá fazendo? Você tá cozinhando? Você é
cozinheira? Cristina: sim. Pesquisador: o que você tá fazendo, comidinha? Cristina:
comidinha Pesquisador: você que fez comidinha pra dar comida pra bebe?! Foi
né?! A Cristina que fez... O que vocês estão fazendo? Em Fernando? Você tá
brincando de cozinheiro? Você vai fazer o que? Fernando: arroz, feijão e salsinha!
Pesquisador: arroz, feijão e salsinha, você gosta? Oh, eu estou com uma colher,
quem que vai cozinhar? Ai que gostoso, dando comidinha para o bebê... você tá
dando comidinha pra ela, é a filhinha de quem essa? Da Milene? É a filhinha da
Milene? E você é o que, é a amiga dela? Criança: não, é a tia . Pesquisador: então
da comidinha pra ela. Criança: ela já comeu. Pesquisador: ela já comeu?! Então
242

tem que fazer ela dormir agora? Essa daqui tá com fome também, ninguém vai dar
comida pra ela? Uma criança começa a dar comida imaginária para a outra boneca.
Página
Pesquisador: Ai que gostoso! Hum, hum, hum!Vamos Sophia brincar, vamos? Em,
vamos? Você quer conhecer a cozinha comigo, vamos? Oh, a Sophia quer
conhecer a cozinha: aqui é onde os bebezinhos estão com fome. Olha a filhinha da
Milene, ela quer comer! Você não quer ajudar a dar comidinha, hã? Não? Então
vamos lá conhecer onde eles estão fazendo a comida. Oh, aqui é onde as pessoas
estão fazendo a comida, olha que legal! Você não quer fazer comida? Não?! Então
vamos ali no outro. Gente, o que vocês estão fazendo? Criança: cozinhando.
Criança: comidinha. Criança: eu tô cozinhando sal! Pesquisador: tá o que? Criança:
cozinhando sal. Pesquisador: cozinhando sal? Criança: aham! Pesquisador: mas sal
é ruim pra comer, não é? Vem Sophia, Vem! Gente, a Sophia quer brincar, ajuda a
Sophia brincar de cozinheiro. Jorge: eu sou a cliente, tá? Pesquisador: hein? Jorge:
eu sou o cliente. Pesquisador: você é o cliente, Jorge? Jorge: eu quero comida.
Pesquisador: olha, o Jorge falou que é o cliente, quem mais é cliente que quer
comida? Criança: eu. Pesquisador: então vamos sentar para esperar a comida!
Quem é o cliente, vai. Quem é o cliente senta para esperar a comida. Vem Sophia,
vem para cá. Quer puxar a cadeirinha? Vem! Pesquisador: quem é o cliente? Vem
Jorge! Jorge... Jorge... você pediu para o João a comida? Jorge: aham!
Pesquisador: então senta lá para esperar que eu vou levar, senta lá para esperar.
Eles são os clientes, eles estão esperando a comida. Gente, oh, eles são os clientes
do restaurante. Eles querem comida, quem vai levar a comida para eles? Jorge: eu
quero pizza. Pesquisador: o Jorge quer pizza agora, Jorge? Jorge: aham.
Pesquisador: dá comida para eles comerem... Jorge: eu quero pizza. Pesquisador:
olha, o Romulo tá fingindo que tá comendo, que legal... você comeu o que
Romulo? Jorge: Pesquisador, eu quero pizza. Pesquisador: gente, o Jorge quer
uma pizza. Quem vai fazer pizza para ele? Cadê o Fernando que é o pizzaiolo? O
Fernando, o Jorge quer uma pizza. Faz uma pizza pra ele, você é pizzaiolo. Leva lá
pra ele, pra ele comer. João: eu fiz macarrão com sopa. Pesquisador: vê se ele
quer macarrão com sopa. Gente, quem quer macarrão com sopa? Três crianças:
eu! Pesquisador: ele fez oh, o João fez. Vai Fernando, vai levar a pizza para o
Jorge. Fernando, assa uma pizza. O Jorge, oh sua pizza. O Fernando fez, ele é
pizzaiolo, né? Você é pizzaiolo, Fernando? Fernando: sim. Pesquisador: ah, que
legal! Nossa, que panelão... João: eu tô ficando rico... eu tô ficando rico.
Pesquisador: tá esperando ficar quente? João: eu tô ficando rico... Pesquisador: tá
ficando rico?! Por que João? João: porque eu tô vendendo, osh! Pesquisador: mas
você tá vendendo com o que? Você lembra o nosso dinheiro, como que é? Um
abraço! Tem que pedir um abraço em troca! Oh, os clientes estão com fome ainda,
tem que acelerar essa comida! Criança: acabou tudo! Pesquisador: vocês já deram
comida para os bebezinhos? Criança: já! Pesquisador: tá fazendo ele dormir agora?
E essa comida, sai ou não sai Gustavo? Gustavo: não, não tem comida aqui não!
Pesquisador: gente, oh, os bebezinhos estão com fome de novo... O Charlie, os
bebezinhos estão com fome também. Olha o Fernando entregando as comidas
243

para os clientes! Criança: tô com fome! Pesquisador: gente, vira aqui pra mim, vira
aqui pra mim. Vamos todo mundo gritar junto “tô com fome?” Jorge: tô com fome!
Página
Pesquisador: 1, 2, 3, e... Pesquisador e crianças: tô com fome! Criança: tô com
fome! João: toma, suco de uva! Dando para o interventor um copo. Pesquisador: o
Fernando, você tá fazendo pizza? Fernando: tô! Pesquisador: aé?! Bastante pizza?
Fernando: falta o prato! Pesquisador: falta o prato?! Pega o prato para levar. Olha
a Ana Clara, trouxe um monte de comida... Olha, tem comida... pra você!
(Pesquisador fingindo comer) Ana Clara: já comeu? Pesquisador: você come
sozinha? Já comeu tudo João, da panela? João: rapei tudo. Pesquisador: rapou a
panela? Tá com fome ainda? Criança: tô. Pesquisador: oh, tem gente com fome
ainda! Olha que gostoso... O que os bonitos estão fazendo aí atrás? O que vocês
estão fazendo? Criança: apertando o botão que sai macarrão. Pesquisador:
apertando botão que sai macarrão?! Cadê a máquina que sai macarrão? Criança:
aqui! Pesquisador: deixa eu ver... cadê a máquina de fazer macarrão? Cadê o
botão de fazer macarrão? Criança: aqui. Isso tudo embaixo da mesa, fingindo que
ali tinha uma máquina de macarrão. Pesquisador: e da onde sai o macarrão?
Criança: daqui, desse buraco. Pesquisador: ah... então vocês têm que entregar o
macarrão para a cozinheira. Que legal! Entrega o macarrão pra ela! Olha, isso ai
Cristina! Vai pegar mais macarrão? Vocês estão apertando para descer o
macarrão? Criança: gente, vamos acelerar a cozinha porque os clientes já estão
gritando. Pesquisador: o que foi? Criança: eles estão gritando porque eles estão
com fome. Pesquisador: eles estão com fome? Gente, os clientes estão com fome,
vamos acelerar essa cozinha. Criança: eles estão pedindo mais macarrão!
Pesquisador: mais macarrão gente, eles estão com fome! Vai Cristina, faz Cristina!
Os clientes estão com fome! Gustavo: quer brigadeiro? Pesquisador: eu quero!
Você fez? Gustavo: sim. Pesquisador: cadê? Gustavo: brigadeiro com coco.
Pesquisador: ah, eu quero! Cadê o brigadeiro? Olha, vocês estão usando o forno...
brigadeiro de forno? Gustavo: é brigadeiro de coco! Pesquisador: ai que gostoso!
Eu quero brigadeiro de coco! Como que você faz, Gustavo? Gustavo: assim ó! E
começa a fingir que está misturando ingredientes em cima da mesa e colocando
para fazer na panela. Pesquisador: posso tirar uma foto de você fazendo?
Brigadeiro de coco! Cadê o brigadeiro de coco? Ai que fome que eu estou para
esperar esse brigadeiro! Ana: tem que pagar o brigadeiro com abraço.
Pesquisador: tem que pagar o brigadeiro com abraço, Ana? Gustavo: não tem,
não. Pesquisador: tem sim, a Ana falou. Gustavo: não tem não, tem que pagar
sem abraço. Pesquisador: não, com abraço... mas vocês falaram que não precisava
pagar. Ana: tem que pagar com abraço. Pesquisador: a hora que vocês me derem,
eu pago com abraço! Igual a Ana falou... Interventor: a Sophia quer cozinhar
agora. Pesquisador: a Sophia quer cozinhar também! Já tá pronto? Ajuda ele a
fazer brigadeiro para mim. Olha... a Sophia está ajudando o Gustavo a fazer o
brigadeiro. Hum, mas que brigadeiro gostoso... o Interventor também quer!
Interventor: eu também quero, cadê meu brigadeiro? Pesquisador: Ana, deixa eu
pagar o brigadeiro, vem cá! Deixa eu te dar um abraço, vem Gustavo! Vou dar um
244

abraço para pagar o brigadeiro... no Gustavo... Sophia, eu quero pagar o


brigadeiro também, vem cá! Dá um abraço gostoso. Interventora: eles estão
Página
consertando a máquina de macarrão que quebrou, aí ela tá esperando pra levar
comida para ele e eles estão consertando a máquina de macarrão. Pesquisador:
eles estão consertando a máquina... vocês estão consertando? Criança: esqueceu
de pôr o parafuso. Pesquisador: tem que pôr o parafuso para consertar a máquina.
Oh, a Ana tá esperando, cadê esse macarrão gente? Cadê esse macarrão gente?
Criança: eu quero comer. Pesquisador: você quer comida?! Olha, é o fogão?! Olha
o fogão novo Interventor, que eles inventaram... Gente, oh, como que os clientes
vão pagar a comida? Criança: abraço. Pesquisador: com um? Crianças: abraço!
Pesquisador: como que os clientes vão pagar as comidas? Crianças: abraço!
Pesquisador: vamos abraçar os cozinheiros? Vamos lá, vem, vem, vem! Os clientes
vão abraçar os cozinheiros agora! Vamos abraçar os cozinheiros para pagar as
comidas... hum, que gostoso! Vamos abraçar os cozinheiros... a Ana também é
cozinheira... Oh, o Gustavo e Ana também é! A Ana Também é cozinheira, vamos
dar um abraço na Ana? Que ela fez comidinha para todo mundo... hum, que
gostoso. Criança: eu também sou cozinheiro. Pesquisador: você também foi
cozinheiro? Dá um abraço. Criança: eu também. Pesquisador: dá um abração
aqui... Jorge: eu sou cozinheiro. Pesquisador: o Jorge é cozinheiro... vocês
também merecem um abraço de pagamento. Dá um abração, dá um abração no
Pesquisador seus coisinhos gostosos. Estátua! Vamos fazer um círculo rapidinho.
Crianças: sim! Pesquisador: posso abrir? Crianças: não! Pesquisador: 1, 2,3, e...
abri! Olha que lindo! Menos o Gustavo né. Gente, vocês gostaram de fazer
comida? Crianças: sim! Pesquisador: vocês gostaram de comer a comida?
Crianças: sim! Pesquisador: e vocês gostaram de receber o abraço em troca?
Crianças: sim! Pesquisador: é gostoso né. Criança: ninguém abraçou a Cristina.
Pesquisador: ela recebeu sim, eu dei um abraço nela, que ela era... ela fazia o
macarrão. Cristina: e eu consertava a máquina. Pesquisador: e ela consertou a
máquina e fez... Cristian: eu também! Criança: eu também! Pesquisador: vocês
dois né? Vocês consertaram a máquina e fizeram macarrão. Criança: eu fiz miojo e
paçoca. Pesquisador: você fez miojo e paçoca para todo mundo comer? Vocês
gostaram da brincadeira? Crianças: sim!
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Como evidenciado a partir dos dados das intervenções, houve a possibilidade real
de organização e distribuição dos papéis sociais e dos objetos no início e durante a
realização das brincadeiras de papéis sociais, quando tomados os devidos cuidados pelo
professor de não agir de forma autoritária e impositiva, mas sim a partir do diálogo e
criação de motivos para que tal distribuição ocorra. Esse diálogo pode ocorrer a partir de
perguntas problematizadoras ou a partir de ações motivadoras pautadas em uma
245

afetação calcada em valores positivos, como, alegria, diversão, satisfação, levando assim
Página
a criança a assumir diferentes papéis sociais, quando ela mesma não o faz, ou dividir e
trocar os objetos com outras crianças.
Além disso ficou evidente que o professor durante a brincadeira pode, tanto
assumir um papel lúdico dentro da atividade e ajudar as crianças no processo de
organização e efetivação das regras presentes nos papéis que elas assumiram, o que não
deixa de ser uma importante forma de mediação pedagógica, sobretudo ao poder
apresentar significações contrárias às tendências alienadas e alienantes que poderão
estar presentes, ou, considerando a dinâmica da realidade e da própria atividade, em
diferentes momentos, o professor também poderá atuar de forma pedagógica sem
necessariamente assumir um papel, desde que tal mediação se dê, também, sob os
moldes de uma ação ludo-peagógica humanizadora. Retomemos a cena da intervenção
13, com o tema “passeio no trem do Sr. Nicolau” para observarmos melhor esse fato:
Pesquisador entrega um papel para cada aluno afirmando que aquele era o bilhete para
que eles entrassem no trem. As crianças, uma a uma, o abraça em forma de pagamento
do bilhete. A Interventora é a maquinista (usa luvas e chapéu) e cada criança vai até ela,
entrega o bilhete e entra no trem. Os alunos entram no trem. Interventora: Todos estão
assentos nos seus acentos? Todos: Sim. Interventora: Então eu vou fechar o vagão, para
dar início a viagem Mágica. Vozes aleatórias: Ai que da hora. Interventora: Tripulantes
estão preparados? Todos olham pela janela e dão tchau. Interventora: Todos comigo,
fazem o barulho do Treeeem. E todos cantam com ela “Piui, tique-taque”. Interventora:
Chegamos na primeira parada, aqui as crianças estavam fazendo o que? João: Jogando
Bola. Interventora: Vamos dar tchau para os meninos que estavam jogando bola. Todos:
Tchauuu. Os outros interventores fingem estar jogando bola do lado de fora do trem.
Interventora: Agora nós vamos voltar para a nossa viagem. Me ajudem, hein. Todos:
Piuuui. Tic tac. Eles dão tchau. Aluno: Pro, olha uma vaca! E aponta para fora do trem.
Interventora: Chegamos a próxima parada, o que estão vendo lá fora? Vozes aleatórias:
as senhoras estão lavando roupas no lago. Interventora: Vamos dar tchau para as
senhoras? E todos dão tchau para elas. Interventora: Vamos voltar para a viageeem,
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ajuda eu. Todos: Piuuuuui tic tac. Interventora: Chegamos na próxima parada, alguém
Página
sabe oq tem nessa paradaaa? João: Temos que dar tchau para a vaca. Interventora:
Então vamos dar tchau para a vaca. Todos: Tchau vacaaa. Dois interventores fingem ser
vacas fazendo Muuuuu. Interventora: Vamos seguir viageem, me ajudemm. Todos:
Piuuui tic tac. Interventora: Próxima paradaaa, qual foi a próxima paradaa do livro.
Pesquisador: O trenzinho chegou aonde? Clara: Na estação. Interventora: Então vamos
descer do treem e vamos para a estação. Todos saeem pela frente do trem. Pesquisador:
Espera eles na porta e diz eu sou um vendedor de pipoca agora, Cadê a fila para
comprar pipoca? As crianças começam a fazer a fila. Pesquisador: Cadê o dinheirinho de
vocês para comprarem pipoca? Todos vão até a Interventora para pegar dinheiro
(pedaço de papel), ao pegarem o dinheiro voltam para a fila para comprar pipoca.
Pesquisador: Qual é o seu pedido? Criança: Quero uma pipoca. Ela entrega o dinheiro e
o pipoqueiro entrega a pipoca para ela. Pesquisador: Qual é o seu pedido? Charlie: quero
uma pipoca. Jorge quer ser o pipoqueiro, assim o pesquisador deixa ele ser o pipoqueiro.
Jorge: qual é o seu pedido? Ana: Eu quero uma pipoca. Jorge deixa de ser pipoqueiro e
começa outro aluno a ser pipoqueiro. João pega a sua pipoca e fingee que está
comendo. Comprando as pipocas as crianças voltaram para o Trem, elas mesmas dizem
que tem que voltar para o trem quem já comprou. Interventora: Todo mundo no seu
assento, pq o tripulante Jorge agora vai ser o maquinista. Criança: Tem que fechar a
porta para a gente poder viajar. Interventora: Para onde você vai, pode ser qualquer
lugar? Interventora mantem-se em pé mediando a atividade sem assumir um papel em
específico. Jorge: parquinho. Clara: Aee, parquinho. As próprias crianças começam a
assumir os papéis da atividade. Jorge: Piuuuu, tic tac. Todos: Piuuui Tic tacccc. Jorge:
Chegueii. Interventora: Nós chegamos no parquinhoo, qual será a nossa parada? Voz
aleatória: eu sei. Pesquisador: Nós vamos descer no parquinho para brincar?
Interventora: Vocês querem descer no parquinho para brincar? Todos: Siiim.
Pesquisador: Então vamos descer no parquinho para brincar. Todos descem do trem e
começam a fingir que estam brincando no parquinho, pulando, correndo, brincando de
rela-rela. Pesquisador: vamos voltar para o Trem? Todos voltam para o trem.
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Pesquisador: Olha, o Everson é o senhor Nicolau agora. Pesquisador: Para onde vamos
Página
agora? Everson diz que é a quadra. Interventora: Prestem atenção, a próxima parada é a
quadra. Todos: AEEEEE. Everson: Piuuui Tic tac. Todos: Piuuui tic tac. Interventora:
Chegamos a próxima paradaa. Todos descem do trem e começam a brincar na quadra,
jogando futebol na quadra, meninos e meninas, fingindo estarem chutando uma bola.
Pesquisador: Vamos voltar para o treem. Todos saem correndo para voltar para o trem.
Interventora: Agora quem vai pilotar o trem é a Milene. Milene qual é a próxima parada?
Milene: Pizzaria. Pesquisador: Posso falar uma ideia, e se a gente for na padaria. Vozes
aleatórias: pizza, pizzaria. Pesquisador: Vocês querem ir na pizzaria? Todos:
Pizzariaaaaa. Milene: Piuuui tic tac e finge dirigir o trem segurando cones redondos.
Milene: Já chegamos na pizzariaaa. Todos descem correndo, sentam na mesa e
começam a comer a pizza imaginaria. Pesquisador: Vou fazer a pizza, Pizza para você,
pizza para você. E as crianças começam a comer a pizzaa. Pesquisador: Me ajudem a
fazer a pizza agora. As crianças começam a fingir que estão amassando a massa junto
com o pesquisador. Pesquisador: Agora comam a pizza que vocês fizeram... e todos
fingem comer. Pesquisador: Já encheram a barriga? Todos: Sim. Pesquisador: Então
vamos voltar para o trem. Todos voltam para os seus lugares. Interventora: Agora a
maquinista será a Cristina. Para onde você vai levar a gente? Pesquisador: Esse é o
último lugar que a gente vai, então tem que ser especial. Interventora h: E se a gente
for em uma festa, onde tem DJ bem maneiro? Cristina: vamos a festa. Cristina: PUIUUU
TIC TAC. Todos: Piuui tic tac. Interventora: Chegamos. Pesquisador: Vamos para a festa.
Todos descem loucamente do trem para ir para a festa, ao descer eles começam a
dançar. Pesquisador: quem vais ser o Dj. O João será o Dj... e ele faz de conta que está
usando um fone e começa a fazer movimentos com a mão como se estivesse mexendo
em um disco. Pesquisador: Vamos dançar... e todos dançam. Pesquisador: Todo mundo
volta para o Trem, todos voltem para o trem. Todas as crianças voltam para o trem.
Pesquisador: Essa foi a última viagem que fizemos no trem do Nicolau. Pesquisador:
Mas, como é a nossa viagem, acho que temos que ir para o salão de beleza também.
Interventora: Eu também. Alunos: tambémmm... Isabella se torna a maquisnista.
248

Pesquisador: piuuui tic tac. Todos: Piuuui Tic tac. Pesquisador: Chegamos. Todos descem
Página
e começam a mexer no cabelo do amigooo. Pesquisador: Todos venham aqui com o
Pesquisador. Todas as crianças chegam próximo ao Pesquisador. Pesquisador: Todos dão
tchau ao trem do SR Nicolau. Todos: Tchauuu.
Primeiro ponto: no início do passeio no “trem do Sr. Nicolau”, a interventora
assume o papel de maquinista, direcionando quais serão os locais que eles iriam visitar,
utilizando como instrumentos um boné, um cone circular como guia e luvas de frio. Há
papéis sociais na realização da atividade? Sim! Há a maquinista (interventora), os
tripulantes (alunos) e os personagens que vão surgindo fora do trem conforme a história
contada a partir do livro. Há substituição de significado de objetos? De maneira indireta,
sim, pois os alunos se imaginavam em um trem, além do instrumento utilizado pelo
maquinista não ser próximo à realidade, vê-se a utilização do cone como guia do trem.
Há regras? Sim. Tanto aquelas relacionadas ao papel do maquinista, quanto a dos
passageiros que tinham que se manter sentados em seus assentos, além das regras
presentes nos papéis que iam surgindo durante o passeio. Portanto, havia brincadeira de
papéis sociais? Sim.
Segundo ponto: em um determinado momento da brincadeira a interventora deixa
de ser maquinista e uma outra criança assume tal papel, contudo, ela (interventora) não
desaparece da atividade, continua nela, mas agora sem um papel definido. A atividade
deixou de ser brincadeira de papéis sociais? Não, pois continuou carregando suas
características essenciais. A interventora mesmo deixando de ter um papel definido,
continuou orientando a atividade? Sim! A partir de uma ação ludo-pedagógica
humanizadora, ou seja, ela continuou na atividade enquanto indivíduo responsável em
enriquecer e mediar os acontecimentos referentes à história contada, além de manter a
dinâmica da organização dos papéis sociais. Quais eram as características de tal ação
mediadora ludo-pedagógica, por um lado, a interventora possuía as objetivações
pedagógicas necessárias para assumir uma mediação pautada em uma linguagem
acessível à compreensão da criança, possibilidades teórico-práticas de enriquecer a
atividade com novas possibilidades de conteúdos e regras, por outro, fazia isso com
249

entusiasmo, não se colocava de forma autoritária e assumia uma postura calcada em


Página
uma afetação positiva das crianças, de forma divertida, mas, controlada. Aí que se
encontra a possibilidade de atuar na brincadeira, sem, necessariamente, ter que assumir
um papel lúdico durante sua realização. É justamente em uma ação mediadora ludo-
pedagógica que se encontra esta possibilidade, podendo caminhar, assim, em direção às
possibilidades de desenvolvimento da consciência das crianças pautadas em tendências
humanizadoras.
Este caminho, portanto, só se tornará possível em um sistema de relações
carregados de significados pautados, portanto, em modelos de relação humanizadores,
nas quais levem a crianças, posteriormente, ao estudo e ao trabalho de uma forma em
que tais atividades não se coloquem contrárias à personalidade e consciência efetivada
no bojo das tendências humano-genéricas, como uma força estranha, externa,
fragmentada, mas que constituam a vida dos indivíduos em sua totalidade (ELKONIN,
1987).

Diagrama 2 - Síntese das condições postas ao professor que efetivam a brincadeira de papéis
sociais entendida como atividade de brincar.

250

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).


Página
5 CONSIDERAÇÕES

Será este um momento que representa o começo do fim, ou o início de um novo


começo? Se nos pautarmos em uma análise dialética, temos que responder que ambos
estão corretos, pois, ao apresentar as conclusões engendradas na presente pesquisa,
abrem-se novas oportunidades para que sejam construídas outras possibilidades e
desvelamento das multideterminações relacionados ao objeto de estudo aqui assumido,
qual seja, a atividade de ensino da brincadeira de papéis sociais em unidade com o
desenvolvimento de uma consciência infantil permeada por tendências humanizadoras,
não-alienadas.
Nesse caminho defendemos que a tese de que uma prática pedagógica
estruturada e efetivada de forma intencional e direta, baseada nos pressupostos do
Materialismo Histórico e Dialético, Teoria Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica,
pode contribuir com o enfrentamento das tendências alienadas e alienantes que se
fazem presentes nos modelos de relação social reconstruídos pelas crianças durante a
brincadeira de papéis sociais, possibilitando o desenvolvimento da consciência dos alunos
na escola, pautado nas máximas possibilidades de humanização dadas nesse momento
histórico, em uma direção humanizadora, mostrou-se real, sobretudo, ao tomarmos a
prática como critério de verdade.
Portanto, acreditamos que um estudo que tenha por princípio uma análise crítica
do processo de construção da consciência da criança na atualidade, considerando que
vivemos em uma sociedade pautada por relações alienadas e alienantes enquanto
expressão do cotidiano em-si, justifica-se pelo compromisso social em direção à
construção de possibilidades diferenciadas de educação escolar, enfatizando o trabalho
do professor como fundamental nesse processo e voltado para a concretização de ações
educativas numa direção humanizadora.
Para tanto, discutir possibilidades de atividades diretas e intencionais na escola de
251

educação infantil e voltadas ao ensino por meio da atividade de brincar, torna-se


Página
condição de humanização, considerando a necessidade de superação das concepções
pedagógicas atuais e hegemônicas que reconhecem esse espaço como local de
assistencialismo e combate à pobreza, sendo que a pré-escola, ora é vista como espaço
de prevenção do fracasso escolar com a preparação ou mesmo forma de antecipação do
ensino fundamental, ora como local que assume um caráter anti-escolar, pautado no
espontaneísmo das atividades.
Durante a realização do nosso trabalho ficou evidente o quanto o fenômeno da
alienação acaba por prejudicar o processo de desenvolvimento da consciência dos
indivíduos numa direção humano-genérica, fenômeno esse que contribui para a
manutenção da situação contraditória alimentada na sociedade capitalista, sendo que,
desde a infância, tais tendências alienadas e alienantes tais como: expressão de violência
simbólica e física; da necessidade de consumismo; da expressão de preconceitos e
discriminação; da manifestação do individualismo/egoísmo; da competição exacerbada
que coloca uns contra os outros; assim como de atividades sexistas e destinadas
exclusivamente para homens ou mulheres, dentre outras tendências alienadas e
alienantes que permeiam a formação do psiquismo dos indivíduos e a escola,
infelizmente, insere-se nesse processo, quando, ao assumir perspectivas pedagógicas
pragmáticas, espontaneístas e neoliberais, não vislumbra um desenvolvimento de fato
desenvolvente e humanizador.
Desde o início de nossa pesquisa na escola, quando da observação de brincadeiras
realizadas pelas crianças, atividade essa que sabemos ser fundamental ao processo de
constituição da consciência desses sujeitos, tendo em vista ser considerada a atividade
dominante no período pré-escolar, identificamos muitas situações que expressavam
tendências alienadas e alienantes, a partir de ações que apresentavam uma
fragmentação entre os verdadeiros significados dos papéis sociais e os sentidos pessoais
demonstrados pelas crianças, significados e sentidos falseados pela ideologia da classe
dominante capitalista presente na escola, dentre outras relações e aspectos considerados
por nós enquanto fundantes de consciências alienadas, situações várias que nos fizeram
252
Página
pensar possibilidades de enfrentamento e superação dessa condição de formação
humana alienada e alienante na escola.
No entanto, é importante salientar que no interior dessa realidade existem
inúmeras contradições, fatos e condições que nos permitem vislumbrar possibilidades de
transformação e enfrentamento da realidade alienada e alienante presente na escola,
sobretudo quando se tornam possíveis mediações prático-teóricas educativas numa
perspectiva humanizadora e engendradas a partir de atividades e discussões/ações
críticas e conscientes, por meio do acesso a relações sociais humanizadoras e valorização
da apropriação de conhecimentos humano-genéricos, como procuramos realizar em
nosso trabalho.
Assim, se por um lado, o objeto da educação corresponde à identificação dos
conhecimentos, dos elementos culturais, que precisão ser apropriados e objetivados
pelos seres humanos, para que eles se tornem, de fato, humanos, e de outro,
corresponde a descoberta das formas adequadas de trabalho pedagógico, para a
transmissão aos alunos desses conhecimentos mais elevados, acreditamos que na
educação infantil, torna-se necessário que o professor domine elementos essenciais que
se articulem dialeticamente por meio da unidade ação ludo-pedagógica humanizadora,
com o objetivo de efetivar brincadeiras de papéis sociais que sejam reconhecidas como
atividade de brincar, porque lúdicas, educativas e humanizadoras, a contrapelo das
atividades espontâneas de brincar que reproduzem a alienação social.
Desta forma elencamos dois elementos que se intervinculam e que são
necessários para a efetivação desse processo, quais sejam:

Quadro 12 - Pressupostos teórico-práticos para organização e efetivação do ensino da


brincadeira de papéis sociais com tendências humanizadoras.

Conhecimento do conteúdo disciplinar relacionado à brincadeira de


papéis sociais que o professor precisa dominar
A) A brincadeira de papéis sociais entendida enquanto atividade dominantes no
período pré-escolar;
B) A brincadeira de papéis sociais enquanto possibilidade de satisfação de
253

desejos e necessidades e expressão sintética dos modelos de relação social;


C) A mudança dos significados dos objetos como aspecto para a efetivação da
Página
brincadeira em unidade com o desenvolvimento da imaginação infantil;
D) A brincadeira enquanto reconstrução de modelos de relação social nos quais
estão implícitas regras seguidas pelas crianças;
E) Tendências alienadas x Tendências humanizadoras presentes nas ações
ludo-pedagógicas quando da realização da brincadeira;
F) A Prática pedagógica histórico-crítica como possibilidade orientadora da
análise da prática social tomada em seu ponto de partida e chegada dentro
do ato educativo com a brincadeira de papéis sociais e, também, condição
para efetivação de uma brincadeira pautada em tendências humanizadoras
(momentos da prática pedagógica histórico-crítica);
Conhecimentos didático-curriculares acerca do processo de ensino da
brincadeira de papéis sociais reconhecida como atividade de brincar
A) Possibilidades de ações interventivas no que tange o conhecimento dos
temas e conteúdos que as crianças já estão objetivadas, eleição, ampliação
e possibilidades de construção dos motivos/necessidades que levam à
realização pela criança da brincadeira de papéis sociais entendida enquanto
atividade de brincar (problematização/instrumentalização/catarse).
B) Possibilidades de ações interventivas durante a brincadeira no que tange a
organização e distribuição dos papéis sociais e dos objetos utilizados pelas
crianças, bem como a mediação direta do professor a partir de ações ludo-
pedagógicas (seja assumindo um papel lúdico, seja na orientação da
atividade) (problematização/instrumentalização/catarse).
Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).

Acreditamos que nesta tabela estão sintetizados os elementos necessários para a


construção de momentos interventivos com a brincadeira de papéis sociais que
contribuam com o desenvolvimento da consciência da crianças em uma direção
humanizadora, enfrentando, assim, as tendências alienadas e alienantes presentes nos
modelos de relação social que podem por elas serem representados, construindo
possibilidades de ações pautadas em relações sociais valorativas do ponto de vista
humano-genérico, como respeito, equidade, igualdade, amizade, valorização do coletivo,
competitividade não-excludente, empatia, etc.
Além da necessidade de objetivação prévia dos conhecimentos pelo professor
acerca das nuances referentes a uma atividade de brincar humanizadora, as quais foram
discutidas no capítulo das categorias gerais integradoras do objeto, a construção dos
254

motivos/necessidades que levam a criança a brincar de determinado tema e conteúdo, a


análise e organização prévia do espaço e dos materiais a serem utilizados durante a
Página
atividade, bem como a organização e distribuição dos papéis sociais, assim como a
mediação direta e intencional durante a realização da brincadeira propriamente dita, seja
como personagem lúdico, seja como orientador que se paute em ações ludo-pedagógicas
mediadoras, são possibilidades que se colocam em um caminho contrário a reprodução
de tendências alienadas e alienantes que contribuem para o desenvolvimento alienado
da consciência infantil.

Diagrama 3 - Processo humanizador na atividade de brincar.

Fonte: Dados da Pesquisa (NUNES, 2019).

Desta feita, defendemos que na escola de educação infantil há que se superar a


realização de brincadeiras espontâneas, que reproduzem as relações alienadas e
alienantes intrínsecas ao modo de produção e reprodução da vida no cotiadiano em-si da
sociedade capitalista. Para a efetivação dessa tarefa e construção de novas possibilidades
de humanização, há que se assumir uma prática pedagógica que se respalde, tendo em
vista o plano lógico-abstrato do professor, nos cinco momentos da prática pedagógica
255

histórico-crítica (prática social inicial/ problematização/ instrumentalização/ catarse/


Página
prática social requalificada), enfatizando o papel do professor no planejamento,
organização e realização, ao lado dos seus alunos, ensinando-os atividades de brincar de
papéis sociais de forma direta e intencional, levando as crianças na escola a se
apropriarem de conhecimentos não-cotidianos, objetivações para-si, desenvolvendo
assim consciências humanizadas e numa direção humano-genéricas.
Assim sendo, respaldados pelas discussões teórico-metodológicas e
epistemológicas do Materialismo Histórico e Dialético, Teoria Histórico-cultural e
Pedagogia Histórico-crítica, acreditamos ser possível, ainda na escola atual, o
enfrentamento das relações alienadas e alienantes por meio de um trabalho pedagógico
pautado na construção de um processo grupal e em uma práxis científica educativa
(VIOTTO FILHO; NUNES; SANTOS; FELIX, 2018), uma prática crítica e consciente, que
promova o desenvolvimento da consciência dos indivíduos, desde a mais tenra idade, em
uma direção verdadeiramente emancipatória porque humano-genérica.
Entendemos que nossa pesquisa contribuiu, não somente quanto à análise acerca
das relações sociais alienadas presentes nas brincadeiras na escola, mas também no
sentido de alertar e orientar os profissionais responsáveis pela educação, a respeito
dessas condições de alienação, para que esse fenômeno, próprio à sociedade capitalista,
seja objeto de preocupação e investigação com vistas ao seu enfrentamento, situação
que pode auxiliar, mesmo que de forma inicial, para com o processo histórico de
superação de uma sociedade tão desigual que caminha a passos largos em direção à
barbárie total.

256
Página
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Este livro foi editorado com as fontes Tahoma e Arial Black.


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