Versões de Nós - Maria Luisa G. Silva
Versões de Nós - Maria Luisa G. Silva
Versões de Nós - Maria Luisa G. Silva
Todos os direitos reservados. Este ebook não pode ser reproduzido de forma
alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor.
NOTA DA AUTORA
Caro leitor,
Em maio de 2023, um mês particularmente difícil da
minha vida, decidi que se não escrevesse um livro, desistiria da
minha carreira de escritora. Eu só tinha uma ideia em mente,
uma cena específica, e o sonho de terminar uma história.
Foi então que Versões de Nós (VDN), nasceu.
Apesar de estar empolgada para que você desfrute
desta história, alguns avisos se fazem necessários. Por favor,
leia com atenção.
VDN possui cenas de crises de pânico e ansiedade,
cenas com teor sexual +18, menções à abandono
parental, homofobia e palavras de baixo calão. Se algum
desses temas é um gatilho para você, leia com atenção e
cuidado.
Se você está lendo esse livro pela Amazon, desejo, de
coração, que goste da história e aproveite ao máximo. Mas se
você escolheu baixar ilegalmente, meus mais sinceros vai se
f****, pelo menos deixa uma avaliação.
Com amor, Mari.
para todos os corações cheios de cicatrizes e
que ainda estão se curando.
VDN conta uma playlist exclusiva, disponível no Spotify.
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si=ec0e36f71b2e4380
— Obrigada, Pia!
— Eu trabalho a semana toda, não tenho tempo para
isso.
— Mas segunda-feira é a nossa folga — Angela se
inclinou na mesa, com um sorriso maquiavélico — E Sancia
estava me dizendo agora mesmo sobre essa festa que ela foi
convidada…
— Vai ser ótima. — Sancia assentiu — Posso conseguir
convites para você também.
— Vamos, menina, diga sim! — Pia sorriu, empolgada.
Mas que grande droga.
Amélia apertou os lábios, a mesa inteira encarando-a
com expectativa e animação. Tinha certeza de que se
arrependeria amargamente das próximas palavras, apesar
disso não conseguiria negar coisa alguma com todos aqueles
olhares sobre ela.
— Tudo bem, eu vou.
— Eu vou pegar o vinho para comemorar! — Pia riu.
— Vai ser uma noite maravilhosa, você vai amar.
Angela disse, com um sorriso satisfeito no rosto.
— É, vai ser legal.
Por dentro, Amélia duvidava muito disso.
***
O homem beijava bem e era empolgado demais, mas
Vincent não estava no clima.
Ele sentiu os dedos dele em seus cabelos, a boca do
outro descendo para o pescoço e conteve um suspiro de
prazer. Segurou o rosto bonito do homem, os lábios inchados,
e sorriu.
— Acho melhor parar por aqui.
— Mas…
— Não tô a fim hoje.
— Tudo bem, então — O modelo deu um selinho
demorado na boca de Vincent e se afastou. — Foi bom o
bastante para eu conseguir seu número?
Vincent riu.
— Foi ótimo, mas ainda não vou te dar meu número.
Quando quiser te encontrar, não vou precisar disso, Benedict.
— Pelo menos deu para confirmar as fofocas.
— Qual das?
— Que você beija bem e é um puta arrogante.
— Informação básica sobre mim.
Benedict vestiu a camisa branca de volta, tirando a visão
de Vincent do peitoral musculoso do rapaz.
— Vejo você depois, pelo menos?
Ele perguntou tímido. Vincent sorriu, foi até ele e o
beijou sem gentileza alguma, segurando os quadris do homem
com força, a língua enrolando-se na dele de maneira sensual.
— Quem sabe. Agora vaza, antes que te peguem aqui e
sua reputação de galã heterosexual seja arruinada.
Quando Benedict se foi, Vincent soltou um suspiro
cansado e se jogou na cama.
Nem eram nove da noite de um sábado e ele se sentia
exausto, pronto para dormir pelo fim de semana inteiro.
Achava que não era assim que os jovens normais de vinte e
cinco anos passavam suas folgas, contudo não era como se ele
tivesse muita experiência no assunto vida comum para
comparar.
Quando seu celular tocou, ele fez uma careta e atendeu.
— Comprei nossas passagens, saímos amanhã cedo.
— Passagens?
Uma pausa e um xingamento baixinho.
— Eu não acredito que você esqueceu, Vincent.
— Você é o meu assistente. É sua função me lembrar
das coisas, Stefano.
— O casamento de Antonia, Vince. É nesse domingo.
Merda.
Vincent fechou os olhos, sentindo-se péssimo. Sua
prima favorita, Antonia, vinha comentando sobre o evento há
mais de um ano e ele simplesmente esquecera.
— Droga, preciso comprar um presente.
— Para a sua sorte, eu sabia que você ia esquecer,
então comprei um daqueles conjuntos de talheres de prata.
Mandei gravar o nome deles e tudo o mais.
— Você é o melhor.
— Eu sei. Saímos cedo, não se atrase.
— Obrigado, Stefano.
Vincent levantou, foi até o bar, e se serviu de uma dose
generosa de whisky inglês. Não era sua bebida favorita, o
gosto amargo demais, mas ele não achava que merecia algo
bom no momento. Digitou uma mensagem para Antonia,
desejando boa sorte e garantindo sua presença no dia
seguinte.
Colocou a culpa do esquecimento no volume de trabalho
absurdo dos últimos dias. Ser o atual vencedor da Fórmula 1
não lhe deu folga alguma, pelo contrário, os pedidos de
comerciais, aparições na televisão e eventos haviam duplicado.
Desde a corrida final, em novembro, ele não teve um minuto
sequer para respirar, ver a família ou se divertir.
O máximo que conseguia ter eram momentos roubados
com outras pessoas, na calada da noite, nos quartos dos hotéis
em que se hospedava durante as viagens. Às vezes, modelos
famosas e pilotos que, também iam para eventos grandes,
faziam-lhe companhia ou apenas pessoas que capturavam seu
interesse.
Vincent gostava da discrição e, principalmente, a regra
de nunca manter um relacionamento com alguém por muito
tempo.
Vinha funcionando muito bem. Apesar dos blogs de
fofoca adorarem especular sobre sua vida amorosa, inventando
affairs que jamais existiram, ele mantinha-se longe de
namoros.
O que, para sua mãe, era uma grande lástima e a
transformou em algo perigoso: uma casamenteira. No dia do
casamento de Antonia, ela resolveu exercitar seus dons.
— Aquele menino que você namorou, meu amor, está
aqui. Por que não vai dizer "oi" a ele?
— Mãe, eu nunca namorei. E o Pierre está com o marido
dele, que não parece gostar muito de mim.
— Ah, não sabia que ele tinha casado.
Vincent pressionou os lábios para não rir quando sua
mãe murchou um pouco.
O sol da manhã era forte, mesmo para o começo de
dezembro, mas o vento estava gelado o bastante para que
Vincent usasse um casaco em cima do terno vermelho sangue.
Os botões de ouro, com entalhes discretos, estavam abertos,
de forma mais despojada, e ele colocou os anéis dourados e
finos nos dedos.
— Você está ótimo.
— E você está linda — Vincent beijou a bochecha dela
com carinho — Pare de bancar o cupido por hoje, mãe.
Ela suspirou dramaticamente.
— É demais querer um genro ou uma nora?
Vincent apenas riu e deu o braço à Anna Di Castelli,
impecável em um vestido de renda azul-escuro, em contraste
com sua pele branca. As pessoas diziam que mãe e filho se
pareciam e o piloto ficava feliz ao constatar que era verdade.
Eles tinham o mesmo cabelo castanho escuro, ondulado, as
maçãs do rosto alta, lábios grossos e o com arco do cupido
marcado.
A única coisa que Vincent não havia herdado eram os
olhos. Enquanto os dele eram castanhos claros, vindos de um
pai que não se lembrava, os da mãe eram verdes e luminosos.
Os dois caminharam pela imensa casa de campo, em
direção aos jardins, transformados especialmente para o
casamento. Flores e pequenos cristais decoravam os arcos
erguidos no terreno, em tons de laranja, vermelho e branco. O
altar era uma plataforma simples de madeira com um padre
impaciente que aguardava os noivos.
— Antonia fez um trabalho incrível.
— Não seria melhor dizer que ela pagou para fazerem
um trabalho incrível?
— Vincent, não seja assim — Anna franziu a testa —
Quanto tempo você vai ficar?
— A semana toda. Stefano conseguiu liberar minha
agenda. Trabalho antes do natal, mas volto para cá para passar
o restante das festas de fim de ano.
— Bom. Estou planejando reunir a família toda no Natal,
não falte.
— Eu nem sonharia em fazer isso, mãe.
Vincent se sentou com ela ao lado dos outros parentes.
Ele não era o maior fã de casamentos, mas admitia que
o evento trouxe uma emoção ao seu peito. Quando Antonia
entrou, vestida luxuosamente em branco, ele sorriu para a
prima preferida e melhor amiga de infância. E a expressão em
seu rosto permaneceu durante o restante da cerimônia,
enquanto os noivos declaravam o amor que sentiam um pelo
outro.
— Você está linda.
Ele disse a ela, na hora de cumprimentar os noivos.
— Não acredito que você veio mesmo.
Antonia sorriu, felicidade brilhando em seu rosto.
— Não perderia seu casamento por nada, Ninha —
Vincent a chamou pelo apelido carinhoso — Guarde uma dança
para mim, está bem?
— Claro!
Antes de poder comer e beber como gostaria, o piloto
se submeteu ao ritual de cumprimentar todas as suas tias e
tios, pedindo a benção, como um bom garoto italiano. Ouviu
parabenizações pelas corridas, conversou com os primos e
escutou todas as recentes fofocas da família.
Deus, como ele sentia falta daquilo! Quando abraçou a
avó, apertado, soltou um suspiro pesado, como se libertasse
um peso de suas costas.
— Está magro demais, Vince — Teodora disse,
estreitando os olhos verdes — Você está mesmo comendo?
Aquelas corridas estão acabando com você.
— Está dizendo que estou feio, nonna?
— Não me provoque garoto — Ela apertou a bochecha
dele com um sorriso — Como é a vida de um super piloto?
— Cansativa para caralho.
— Olha a boca!
Vincent ergueu as mãos, em rendição.
— Tudo bem, tudo bem, desculpe. Estou cansado, mas
bem. Ser campeão mundial pela segunda vez não é nada fácil.
— Pobre, Vincent, bicampeão mundial, rico e cansado —
Uma voz conhecida disse, apoiando-se no ombro dele — Que
tragédia.
— Oi para você também, Emma.
Ele se virou para a garota de vestido verde escuro do
seu lado, os cabelos loiros soltos cheirando a shampoo caro.
Emma Torrisi era sua prima mais nova, além de atuar como
pedra em seu sapato quando queria.
— Bom saber que você lembrou do casamento de
Antonia.
— Eu nunca esqueceria…
— Stefano me contou — Emma o interrompeu — Mas
perdoamos você pelo título desse ano.
Teodora suspirou.
— O que seria de você sem Stefano, garoto? Preciso
pedir que ele marque um tempo para mim na sua agenda?
— Sempre tenho tempo para você, nonna.
Ele beijou a testa enrugada da senhora e foi falar com
os outros.
Os Torrisi eram uma grande família italiana tradicional,
daquelas que tinham raízes antigas e registros históricos
extensos. Eram donos de terras e mais terras, empresas
milionárias ao redor do mundo, detentores do maior patrimônio
artístico do país, queridinhos da mídia e os principais
patrocinadores de causas sociais importantes.
Mas havia um segredo entre toda a fama e o poder que
um Torrisi exalava: eram extremamente carinhosos e
acolhedores. Enquanto os jornais adoravam noticiar os incríveis
números faturados pelos integrantes da família ou os
escândalos que se envolviam, eles estavam muito ocupados
realizando festas e reuniões para se importarem.
Vincent aprendeu desde cedo, no momento em que se
assumiu pansexual para a mãe, que jamais encontraria um
espaço onde pudesse ser ele mesmo tão bem quanto com sua
família. Porque, com a mesma intensidade que um Torrisi
amava, eles defendiam os seus com unhas e dentes.
— Obrigado por ter comprado o presente de Antonia —
Vincent disse para Stefano, assim que o encontrou.
— Não foi nada. Ela é importante para mim também.
— O que você deu?
— Uma coleção de quadros antigos, de um pintor que
ela gosta.
Vincent o encarou, chocado.
— Isso é muito mais legal que um faqueiro de prata.
— Vai mesmo reclamar de um presente comprado de
última hora que te salvou?
O piloto revirou os olhos e bebeu seu champanhe.
Stefano Braccia e ele eram melhores amigos há anos e
os Torrisi tinham o acolhido quando a mãe dele morreu e
Vincent exigiu que o garoto viesse morar com a família. Ao
decorrer do tempo, aquele menino magricelo, que vivia com
medo de tudo, tinha se transformado em mais do que um
agregado.
Vincent podia confirmar que o clichê de “quase irmãos”
se aplicava a Stefano.
De soslaio, inspecionou o melhor amigo. Stefano usava
um terno bege claro, clássico, simples e elegante. O cabelo
crespo e preto estava cortado para cima, armado, fazendo com
que ele parecesse mais alto do que realmente era. Os olhos
castanhos refletiam as luzes do fim de tarde em Mancia, o
dourado característico da golden hour.
— Eu vi um convite interessante no meu e-mail e só
posso deduzir que ou você deixou passar sem querer ou quer
muito ir.
Stefano crispou os lábios grossos.
— Hum…
— Sério, Stefano, uma festa em Mancia?
— Tem uma pessoa que eu queria ver e o convite
chegou para você, não para mim.
— Quem?
— Não vou te contar.
Vincent cruzou os braços.
— Se eu vou ser obrigado a abrir mão de uma noite
com a minha família, não mereço saber quem é?
— Vincent.
— Não me venha com Vincent. Quem é?
Stefano suspirou.
— Certo, é Toni La Fratta. Por um grande acaso do
destino, eu descobri que ele vai estar por lá.
O piloto riu baixinho.
— Toni La Fratta, o cara que você vive suspirando pelos
cantos desde o colegial? Achei que tivesse tomado coragem e
finalmente pedido o número dele.
— E fiz isso, mas quero que pareça natural, caralho!
Como se não esperasse encontrar ele lá…
— E acabar enfiando a língua na garganta dele. Entendi.
Stefano engasgou.
— Pelo amor de Deus, dá para falar baixo?
Vincent riu e bebeu o resto do seu champanhe.
— Eu vou aceitar o convite, mas só porque tô te
devendo uma por hoje. Além disso, Stefano, Emma e eu não
aguentamos mais as mensagens de lamentação por esse cara.
— Dependendo de como a festa acabar, talvez eu não
precise mais mandar nada no grupo.
Stefano sorriu maliciosamente.
— Só preciso saber se vai acabar tudo bem, me poupe
dos detalhes.
— Mas eles são importantes para a história.
Stefano riu da expressão de nojo de Vincent e o piloto
pegou mais bebida.
Os sacrifícios que fazemos pelas amizades, meu Deus.
02.
Dezembro
— Tem certeza?
— Eu…
A voz dela tremeu e Vincent se alarmou. Ela parecia
prestes a chorar e ele não tinha certeza se conseguia lidar bem
com uma completa estranha chorando.
— Olha, eu vou até aí, tudo bem?
Ela assentiu e ele se aproximou. A luz do poste foi o
bastante para ver que a garota estava mesmo chorando,
lágrimas grossas e pesadas, o lábio inferior tremendo,
tentando controlar o choro.
— Qual o seu nome?
— Amélia.
— Sou o Vincent. Quer que eu chame alguém?
Aconteceu alguma coisa grave?
Possibilidades bem ruins passaram pela cabeça do piloto
e ele rezou para que não fosse nada daquilo.
— Eu não… Eu não tenho ninguém.
Amélia tirou os óculos do rosto e enxugou as lágrimas.
Ela falou outra palavra e Vincent achou ser português.
Foi o tom de voz dela, entretanto, que o incomodou. A
voz quebrada, vazia e sem esperança, uma frase com tanto
peso atrelado, que o fez engolir em seco.
— Vamos sentar ali, pode ser?
Ele indicou o parquinho perto deles e Amélia assentiu.
Sentaram-se em um dos bancos de ferro, encarando os
brinquedos vazios. Vincent deixou que Amélia chorasse o
quanto quisesse, as leves fungadas dela cortando o silêncio.
— Nossa, me desculpe de novo. — Ela disse, enxugando
o rosto molhado. — Eu não queria mesmo incomodar.
— Não incomodou. O que aconteceu? Se quiser contar
para um completo estranho, é claro.
Amélia o encarou e Vincent percebeu que, mesmo com
o rosto levemente inchado e vermelho, ela era linda. Os olhos
castanhos escuros estavam úmidos, o cabelo da mesma cor,
ondulado, preso embaixo da touca, caindo no rosto. As maçãs
do rosto marcadas e altas, queixo redondo, o nariz levemente
achatado na ponta.
— Interessado em ouvir uma história triste e meio
patética?
— Olha só, eu também tenho uma dessas. Você
primeiro.
— É aniversário da minha irmã mais nova e eu…
esqueci, simplesmente esqueci. Ela está bem, com a
namorada, comemorando, tentei mandar uma mensagem
agora de noite, mas a internet tá uma droga. Me senti a pior
pessoa do mundo, nem sequer estou lá.
— E por que você não foi?
— Hum… Tem uma coisa que você pode ajudar, mas não
é para mim.
***
Vincent Di Castelli amava e odiava estar com a família.
Amava porque conseguia relaxar, ser ele mesmo e
descansar. Odiava porque os Torrisi se achavam no direito de se
intrometer na sua vida.
Ele dormia, ainda com a ressaca do Natal no corpo,
quando a porta foi aberta com força e o barulho de sapatos o
tirou de um sono tranquilo. Vincent não precisou de muito para
saber quem era, só uma pessoa utilizava Dior como se fosse
parte dela.
— Emma, pelo amor de Deus — Ele murmurou, fechando
os olhos.
— Bom dia para você também, Vince. Ou boa tarde, você
escolhe.
— Vá embora.
— Já são quase duas.
— E eu estou de férias e de ressaca. Tenho direito de
dormir até tarde hoje.
Tudo ficou em silêncio e Vincent estava quase voltando
para inconsciência de novo, quando ouviu um suspiro alto.
— Emma, o que você quer?
— Sabe, você podia me tratar melhor, seu babaca. Eu
poderia ser uma prima terrível e não te contar que todas as
nossas tias estão reunidas no brunch desde cedo. E estão
começando a falar da sua namorada.
— Eu não tenho nenhuma…
Vincent se ergueu em um pulo, como um gato assustado.
Emma sorria, as mãos nos bolsos do macacão jeans.
— Parece que você acordou?
— Quem está lá?
***
Quando Amélia disse que queria estar preparada para
conhecer a família dele, Vincent não achou que ela estivesse
falando tão sério, mas estava.
Desde o último encontro, Amélia mandava mensagens
para perguntar sobre os parentes dele. E nem sequer eram
perguntas como “onde ele trabalha?”, ela questionava sobre
gostos pessoais, lugares onde morou, coisas que costumavam
fazer e o que Vincent achava sobre cada um.
Ele nunca tinha pensado tanto na família como na
última semana.
Quando as mensagens dela começaram a se tornar
textos longos, Vincent perdeu a paciência e fez uma chamada
de vídeo.
— Sua mãe gosta de animais?
— Cavalos.
— Você tem cavalos? Espera, é claro que você tem
cavalos, esqueça que eu perguntei isso.
— Por que é claro isso?
— Família rica para caramba que mora no interior, em
uma propriedade gigantesca. Os cavalos são o clichê mais
típico.
Vincent riu, balançando a cabeça.
— Você anda lendo muito livro de romance, Palhares.
Ela estreitou os olhos por trás dos óculos, o aro dourado
refletindo a lâmpada. Amélia vestia um casaco vermelho, os
cabelos ondulados presos em um coque bagunçado, rosto
limpo e sem a maquiagem leve que costumava usar no
trabalho.
Linda para caralho.
Vincent relaxou contra a cabeceira da cama de hotel,
cruzando as pernas.
— Pior que não. Minha tese de mestrado não deixa que
eu leia nada além de teoria sobre pintura italiana no século
XIX. É bem chato, se você quer saber.
— Então por que escolheu esse tema?
— É chato, mas eu gosto. E não me olhe com essa cara,
eu sei que você vai me chamar de…
— Nerd. — Vincent a interrompeu. — Você é uma nerd,
Amélia, nem adianta negar.
— Mas eu não estou negando.
Ela revirou os olhos.
— O que você tá fazendo com toda a informação sobre
minha família? Planejando um plano de vilã de livros de
fantasia?
— Primeiro, que se eu fosse uma vilã de livros de
fantasia, você nem perceberia quando eu atacasse, meu plano
seria ótimo. Segundo, eu tô montando um perfil.
Ela ergueu um caderno com diversos post-its, anotações
coloridas de caneta e marca-texto. Vincent piscou e não teve
outra reação possível a não ser rir.
— Caralho, Amélia, quando eu achei que você não podia
me surpreender mais… É muito esforço para uma namorada de
mentira, sabia? Acho que nem uma de verdade faria isso tudo.
— Eu quero ser a melhor namorada de mentira, Di
Castelli. — Vincent lembrou do comentário de Anna sobre a
determinação de Amélia. — E quero que sua família goste de
mim, mesmo que seja só um contrato.
— Eles vão gostar de você, não precisa de tudo isso.
Ela mordeu o lábio inferior e Vincent lutou contra um
sorriso. A ideia de Amélia estar nervosa para conhecer os
Torrisi era um pouco encantadora para ele.
— Por que você não usa o sobrenome Torrisi, também?
— Ela perguntou, depois de alguns segundos em silêncio.
— Minha mãe continuou usando o nome de casada
mesmo depois que meu pai morreu e eu não vi motivos
nenhum para mudar. — Ele deu de ombros. — Não faz muita
diferença para mim. Continuo sendo um Torrisi no fim das
contas.
— Você ainda se sente daquele jeito? Sobre o seu pai.
Vincent sabia ao que ela estava se referindo, sobre a
noite em Londres. Ele pensou um pouco.
— Hum, eu diria que sim. Às vezes, eu penso demais
nisso, mas não tanto como naquela época. Depois de um
tempo eu só percebi que não sabia se ele estaria orgulhoso de
mim e a dúvida me matava. Bom, eu nunca vou ter como
saber.
— Ele está orgulhoso de você — Amélia respondeu,
rabiscando alguma coisa no seu caderno — Não tem nada que
os pais desejem mais do que ver os filhos fazendo sucesso e
conquistando coisas. Então, eu tenho certeza de que ele está.
Vincent soltou uma respiração pesada e alguma coisa se
aqueceu dentro dele. Amélia sempre dizia coisas assim, com
uma certeza tão inabalável, que ele acreditaria em qualquer
coisa que ela falasse.
Quando se despediram, com a brasileira sonolenta,
Vincent pensou sobre as palavras dela. Procurou no celular a
foto que tinha do pai, Matteo Di Castelli, um florista que
conquistou sua mãe pela gentileza sem tamanho.
Ele analisou a foto, o homem magro usando um avental
sujo de terra, abraçando uma versão jovem e sorridente de
Anna.
Quando criança, ele tentava achar traços parecidos com
o pai, mas tinha herdado a maior parte das suas feições dos
Torrisi. Ao ficar mais velho, porém, Anna comentava como
alguns gestos de Vincent eram iguais aos de Matteo. O revirar
de olhos, a cabeça inclinada enquanto analisava alguma coisa,
o sorriso de canto.
A lembrança do pai que nunca conheceu ficou em sua
mente até o dia seguinte e ele mal percebeu quando Arthur
chamou seu nome, no meio da reunião com a Redemptio.
— Vincent, você tá ouvindo?
— Desculpe, eu tava pensando em outra coisa — Ele
pigarreou — Pode dizer.
— Precisamos que faça alguns testes no carro desse
ano, para ver se está confortável com o novo motor. Fizemos
muitas mudanças e não queremos bater o martelo sem você e
Satake testarem.
Vincent trocou um olhar com Satake e assentiu. Ele não
era um especialista na engenharia automotiva de um carro de
Fórmula 1, mas a Redemptio só determinava mudanças
quando os pilotos aprovavam na prática.
Arthur falou sobre prestar atenção nos freios, que
sofreram alterações drásticas. Os engenheiros chefes da
Redemptio apresentaram moldes em 3D das novas peças e
Vincent estudou, atento. Ele lembrou de Emma e pensou em
convidá-la para um passeio dentro da equipe, quem sabe uma
conversa com as mentes por trás dos carros que dirigia.
— Bom, encerramos por aqui — Arthur se levantou —
Satake e Vincent, vocês ficam.
Os dois pilotos se aproximaram do brasileiro. De pé, o
diretor da Redemptio organizava os papéis da mesa de vidro
redonda.
Vincent esticou as pernas, tirou o boné da equipe e
penteou os cabelos castanhos com os dedos. Ele espiou para
as janelas do prédio, vendo o céu azul e claro do lado de fora.
Era sempre chocante que no Brasil estivesse fazendo calor,
quando ele vinha diretamente do inverno italiano.
— Fizemos o terceiro shakedown dos carros desse ano.
Mandei as filmagens para vocês dois por e-mail. Sobre a
Corrida de Erco Santinelli, está tudo pronto. Vamos voar para
Ímola uma semana antes, não se atrasem.
— Minha casa está aberta para vocês. — Vincent
comentou. — Minha mãe vai adorar receber a equipe.
— Ele me convidou. Vou levar Henrique e as crianças
para conhecerem esse ano.
Arthur sorriu e tocou a aliança prateada na mão direita.
Ele fazia isso inconscientemente, sempre que falava do marido.
— Eu faço o sacrifício de aguentar Vincent antes da
temporada se eu puder comer aqueles doces maravilhosos. —
Satake disse em um sorriso divertido.
— Confesse que você me ama, Satake.
— Prefiro que você continue se iludindo.
Arthur riu baixinho.
— Temos algumas fotos para tirar, com o uniforme da
equipe e os patrocinadores oficiais, entrevistas e material para
produzir. Passei a agenda oficial para as assistentes de vocês,
confiram, por favor. Ah, o jantar hoje é na minha casa.
Satake ficou tenso na mesma hora e colocou as mãos
no bolso da calça jeans.
— E quem vai cozinhar, só por curiosidade?
Arthur estreitou os olhos castanhos.
— Vai ser o Henrique. Que jeito mais sutil de dizer que
eu cozinho mal.
— Ei, não sou eu que estou dizendo — O japonês deu
de ombros.
— Não vou dizer nada porque a comida do meu marido
é mesmo muito boa.
Eles riram.
Enquanto Arthur conversava com Satake sobre a agenda
pessoal do principal piloto, Vincent se despediu e aproveitou
para visitar as instalações da Redemptio. Era um dos seus
lugares preferidos no mundo e ele adorava estar ali, onde a
mágica de desenvolver um carro potente de Fórmula 1
acontecia.
A equipe mais nova na competição era gerida com muito
esforço por Arthur, mas exalava modernidade e excelência.
Fosse nos resultados apresentados nas pistas ou no incentivo
ao esporte, ninguém negava a solidez e talento da Redemptio.
O piloto italiano cumprimentou os funcionários com um
sorriso e tirou algumas fotos, alegre. Era bom ver como
aquelas pessoas se esforçavam em suas funções, da limpeza
até os engenheiros. Vincent fez questão de ser o mais acessível
possível, nem que fosse em uma conversa rápida.
Ele enviava uma mensagem para Satake, quando uma
movimentação estranha chamou sua atenção.
Vincent estava em frente às portas que davam para a
sala de desenvolvimento dos carros, as mais bem guardadas
da Redemptio. Ali ficava o super motor novo, além dos projetos
da equipe. Poucas pessoas tinham autorização para entrar,
sabia bem.
Quando o piloto percebeu, congelou.
Ansel Bellini, usando uma camisa polo azul escura,
conversava com um segurança mais alto que ele. O ex-piloto
gesticulou com as mãos, irritado, apontando o dedo para o
funcionário. As pessoas que passavam pararam para ver o que
acontecia, tentando entender o que era toda aquela confusão.
Vincent travou o maxilar e resolveu se meter.
— Olá, Bellini, tudo bem por aqui?
— Ora se não é o jovem Vincent Di Castelli. — Ansel
sorriu, aqueles odiosos olhos azuis se voltando para Vincent. —
Como tem estado?
— Muito bem, obrigado por perguntar. Posso saber o
que está acontecendo?
— Nada que seja do seu interesse, rapaz.
O desprezo na voz do mais velho era evidente e Vincent
precisou reunir seu autocontrole para não mandar aquele
homem se ferrar.
— Tudo o que acontece dentro da Redemptio é do meu
interesse, Ansel. Essa é minha equipe.
— Que seja. Eu só estou dando um passeio pelas
instalações daqui, assim como faço todos os anos nas outras
equipes. E esse segurança não me deixa passar para ver a sala
dos engenheiros.
Vincent assentiu para o segurança, compreensivo. É,
cara, eu também detesto esse homem.
— Por que não conversamos em outro lugar?
Ansel acompanhou Vincent para uma área mais vazia do
andar, um pequeno pavilhão que dava acesso à área de
descanso dos funcionários. As paredes, de vidro escurecido,
garantiam um pouco de privacidade.
— O que está fazendo aqui, Ansel? Seu papel de grande
campeão da Fórmula 1 não é verificar o desempenho dos
carros e projetos, pelo que eu saiba.
— Mas o que você sabe sobre vencer, garoto? Só tem
dois títulos na conta, é o mais novo no jogo e age como um
merdinha mimado na maior parte do tempo.
— Tem certeza de que está falando de mim? Essa
descrição parece ser sobre você, na verdade é bem pior do que
isso.
Ansel deu um passo para frente. O maxilar marcado do
ex-piloto travou, os olhos irritados, a veia na testa saltando.
— Gosta de me provocar, não é, Di Castelli? Se acha
superior porque está nessa equipe de idiotas, com supostos
bons ideais, que deixam qualquer pessoa participar desse
esporte. Olhe só para você, Vincent. Pode ter ganhado dois
títulos, mas não vai muito longe.
Vincent semicerrou os olhos.
— E o que você tem a ver com isso, Ansel? É só um ex-
piloto de merda que acha que tem algum poder supremo e
gosta de intimidar os outros. Você é uma vergonha para esse
esporte, não eu.
Ansel riu, afastando-se. Ele passou a mão pelos cabelos
grisalhos e sua pose voltou a ser controlada, o sorriso nojento
nos lábios finos.
— Eu moldei esse esporte como é hoje, seu idiota.
Posso fazer e dizer o que eu quiser e meu nome ainda vai estar
em primeiro lugar, esse é o poder que tenho.
— Continue agindo como a porra de um rei, vai ser mais
divertido acabar com você.
— Você é só um viadinho de merda, assim como todos
os seus amigos. Sabe o que você pode fazer? Nada. E isso
nunca vai mudar.
Ele saiu, ereto, como se não tivesse dito nada. Vincent
cerrou os punhos, fúria percorrendo seu corpo, mas relaxou os
dedos segundos depois.
Ansel estava certo. Quem era Vincent Di Castelli? Um
piloto iniciante com dois títulos, uma reputação questionável e
o apelido de promissor. E promessas podem ter o futuro
estilhaçado com facilidade.
Ele virou-se, a testa encostada no vidro morno. Vincent
se sentia como a porra de um anti-herói, em queda livre, na
mira de um arqueiro cruel. Seu coração doía tanto, que jurou
sentir a flecha atravessando o peito, a ponta afiada rasgando
carne, tecidos, pensamentos e o que visse pela frente.
Viu Ansel sair da Redemptio, com óculos de sol e
postura impecável. Respirou fundo e a voz suave de Amélia
surgiu no fundo de sua mente, aquele tom firme e resoluto,
proferindo verdades universais distraidamente.
“Você se importa. E isso é muita coisa.”
Arrumando a postura, cansado demais de torcer pela
própria sina de anti-herói, ele decidiu que acharia um jeito de
derrubar Ansel Bellini. E estava disposto a arriscar-se por isso.
09.
Três anos atrás
Outubro, 20:50, Londres.
Uma das primas preferidas de Vincent, Antonia, dizia
que ele tinha as características perfeitas da pansexualidade:
era viciado em videogame e sabia todas as fofocas das
celebridades.
Vincent, porém, não era só um viciado em videogames.
Era um verdadeiro aficionado pelos jogos antigos e por isso,
conhecia todos os Arcades famosos das cidades onde corria,
porque quando precisava se distrair, sabia onde ir.
Geralmente, era um passeio solitário. Levava um saco
de moedas e gastava algumas horas tentando bater recordes
consagrados, ganhando fichas de papel para trocar por
prêmios na recepção. Nunca ficava com os brinquedos, doando
todos para crianças que encontrava no lugar.
Era uma das coisas que mais gostava de fazer, então ele
não conseguia disfarçar um sorriso animado ao ver Amélia
Palhares apertar os botões freneticamente, concentrada. A
máquina de Street Fighter mexeu um pouco com os
movimentos, a luta entre Sakura e Ryu seguia feroz.
Vincent riu quando ela perdeu e soltou um suspiro de
frustração.
— Foi uma luta boa. — Ela disse para o seu oponente,
um garotinho de 10 anos.
— Mas você perdeu muito feio.
— Mesmo assim, obrigada por jogar comigo.
Ela sorriu e o menino ficou atordoado. Vincent não o
culpava, ele próprio se sentia assim. Eles trocaram um aperto
de mão civilizado e Amélia caminhou até o piloto, flexionando
os dedos.
— Isso é mais difícil do que eu pensei.
— Eu disse.
— Te devo desculpas por ter subestimado uma máquina
de fliperama. — Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da
orelha. — O que você quer jogar?
— Só tenho mais três fichas. Quer tentar Asteroids?
— Por que você não vai dessa vez?
Vincent assentiu e eles foram para a máquina.
O Arcade era dividido entre uma área do fliperama e
uma lanchonete, a iluminação neon das máquinas chamando
atenção de longe. Lá dentro, o som dos jogos e das risadas
infantis era como uma música animada e Vincent se sentiu à
vontade, apresentando alguns dos seus brinquedos preferidos.
A nave piscou na tela do jogo e logo, Vincent controlava
um pequeno triângulo que atirava em asteroides.
— Por que você gosta tanto desse lugar?
— Eu comecei a vir porque minha mãe disse que era
uma coisa que meu pai gostava, mas depois ficou divertido
demais. Não precisa pensar, é só destruir asteroides no espaço
ou pular dentro de canos sem sentido.
— Hum…
Com o canto dos olhos, Vincent viu que ela mordia o
lábio.
— Pergunte logo o que você quer saber, Amélia, dá para
ver seus pensamentos daqui.
— Como seu pai morreu?
— Foi morte súbita. Eu tinha dois meses, ele se sentiu
cansado e foi dormir cedo. Nunca mais acordou.
— Caramba.
Vincent deu de ombros, apertando os botões com força.
— Não tenho muito o que dizer dele, não me lembro de
nada. Só sei do meu pai pelos outros. — Vincent pensou antes
de perguntar. — Quando você disse que era só você e sua
irmã…
— Ah, sim. Minha mãe morreu quando eu tinha
dezessete e meu pai está em algum lugar do mundo, mas não
faço ideia de onde. Sendo honesta, espero nunca saber.
— Você o conheceu?
— Muito pouco. Eu só lembro de coisas como a cor do
cabelo dele, a mesma que a minha, e que ele tinha um carro
vermelho. Não faz diferença para mim, de qualquer forma. Por
que eu iria me importar tanto com uma pessoa que não quis
estar na minha vida?
Vincent assentiu, os dedos velozes sob os botões
endurecidos da velha máquina de fliperama. A pequena nave
atirava mais projéteis, acertando os obstáculos que surgiam de
todos os lugares. A tela ficou abarrotada de asteroides, Vincent
acabou sendo atingido por um deles e perdeu.
Eles se sentaram em uma das mesas da lanchonete, a
iluminação avermelhada deixando difícil de enxergar rostos
com clareza. As caixas de som tocavam uma música da Amy
Winehouse e Vincent cantarolou baixinho, batucando no tampo
de plástico.
— Você sente falta? Do seu pai.
Amélia perguntou, arrumando os óculos com o
indicador.
— Como sentir falta de alguém que nunca conheci? É
como você disse, ele não fez parte da minha vida em nenhum
momento, então não sobrou espaço para isso. Mas sinto falta
das coisas que podia ter tido com ele. Sempre imagino meu pai
assistindo minhas primeiras voltas em um kart, uma corrida de
Fórmula 2, essas coisas.
— Engraçado, eu fico feliz porque o meu pai não esteve
presente na minha vida, nem na da minha irmã. Tudo o que eu
e ela somos hoje foi graças a minha mãe, não a ele.
Vincent assentiu e estreitou os olhos.
— Por que eu sinto que tem um “mas” aí?
— Mas tudo seria muito mais fácil com um pai. Alguém
que amasse minha mãe, que cuidasse dela e que me deixasse
crescer como uma criança normal, sem me preocupar com o
mundo inteiro o tempo todo. — Ela suspirou. — Patético ou
triste?
— Realista. Todo mundo precisa ser um pouco egoísta,
Amélia.
A mulher deu de ombros, cabisbaixa. Vincent desviou os
olhos, percorrendo a lanchonete para procurar um novo tópico.
Uma ideia passou pela sua mente.
— Está vendo aquele casal duas mesas daqui? Não,
depois da mesa do cara de azul. Eles parecem em um primeiro
encontro, mas ela tá doida para ir embora, não para de olhar
para a porta. Patético ou triste?
— Triste. Mas vamos concordar que o cara de azul ter
pedido o número da garçonete, quando ela claramente namora
a menina que trabalha com ela, é patético.
— Justo. Vamos lá, escolha quem merece ser o próximo
patético da noite.
Amélia encarou o Arcade e escolheu o senhor que
brigava na recepção, exigindo um prêmio que suas fichas não
podiam comprar. E a atendente que estava na situação, levou o
próximo triste.
O jogo do “patético ou triste” seguiu, dando prêmios
merecidos aos diversos fregueses. Eles riam tanto, que a
barriga de Vincent doía, lágrimas nos cantos dos olhos. Uma
gota de suor escorreu pela testa do piloto e ele a limpou com
as costas das mãos, aproveitando para arrumar os fios escuros.
— Tudo bem, a última. — Vincent respirou fundo e
encarou Amélia. — Quero te levar em um terceiro encontro da
noite, mas não sei se você vai aceitar ou me mandar embora.
Patético ou triste?
Amélia arqueou a sobrancelha e Vincent se preparou
para o pé na bunda.
— Corajoso. E eu aceito, Vincent.
Ele sorriu. O seu nome nos lábios dela lhe dava arrepios
que o piloto não sabia explicar. Vincent se levantou e estendeu
uma mão para ela, em um convite.
— Muito bem, Amélia, deixe-me te impressionar com as
minhas habilidades de conseguir ótimos encontros.
Ela riu e entrelaçou os dedos nos dele.
10.
Janeiro
Quando Amélia voltou de Roma, logo após as fotos
vazarem, soltou a bomba do contrato em cima de Angela. O
que ela não percebeu, foi que sua melhor amiga estava em
uma chamada de vídeo com Sofia.
Enquanto a francesa tinha uma crise de riso, a escritora
ruiva parecia empolgada demais com os acontecimentos.
— Posso escrever um livro sobre isso? Imagina um
sáfico com essa história, seria mil vezes melhor.
— Não! Sofia eu não devia te contar, Vincent vai me
matar e o contrato nem foi assinado ainda.
— Até parece que você ia conseguir esconder isso de
mim por muito tempo, amora.
E Sofia estava certa.
Ela e Amélia eram faces opostas da mesma moeda,
dividiam uma conexão construída ao longo dos anos,
ultrapassando os limites da amizade e irmandade. Por muito
tempo, foram as únicas presenças na vida da outra,
atravessando os tempos sombrios da partida de Dora Palhares
e vibrando pelas conquistas alcançadas.
Até mesmo nas loucuras, categoria ideal da confusão
em que Amélia se meteu. Para seu alívio, Sofia embarcou nisso
de cabeça.
— Não.
— Mas porque?! É formal, bonito…
— E careta. Você consegue ser mais estilosa que isso.
— Certo, esquadrão da moda.
— Você pediu minha opinião, amora! Use o azul.
Amélia suspirou e tirou o vestido cinza que usava.
Ligou para a irmã cedo, desesperada sobre a roupa que
usaria para conhecer a família de Vincent. O problema, era a
criticidade extrema da ruiva.
— Onde tá a Angela? — A mais nova perguntou,
prendendo os cachos em um rabo de cavalo.
— Com Sancia, em Nápoles. Elas estão em um tipo de
fim de semana romântico e de jeito nenhum quero interromper
isso.
— Então você me ligou porque sou a última opção?
Magoou.
Amélia riu, vestindo a próxima peça.
— Ela é a ex-rica, esqueceu? Tem experiência com
gente assim.
— Mas não em conhecer uma família rica do seu
namorado de mentira.
Sofia provocou.
— E nem você, amora.
— Caso isso aconteça comigo um dia, vou usar o seu
caso de exemplo. Tu parece que tá gostando demais dessa
história, visse?
A estudante de arte revirou os olhos.
— Sim, amando ter que conviver com aquele cara
insuportável.
— Um cara insuportável que você beijou.
Amélia foi obrigada a contar a história inteira para
Angela e Sofia, sobre a noite de Londres.
— Isso foi há muito tempo.
— E beijaria de novo?
— Claro que não!
— Hum… Vou fingir que acredito nesse seu haters to
lovers forçado.
A estudante de arte fingiu que não ouviu. Pensar em
seus sentimentos em relação ao piloto era uma área perigosa e
ela não estava interessada em explorar aquilo no momento.
— O azul ficou bom — Trocou de assunto, encarando a
irmã pelo celular.
— Ainda muito formal.
— Mas passa uma imagem profissional. Pelo amor de
Deus, eu quero que eles gostem de mim, Sofia.
Amélia desviou os olhos para a pilha de anotações sobre
os Torrisi. As informações coletadas ainda pareciam muito
pouco para ajudá-la a entender os mais ricos da Itália, e ela
estava se remoendo em nervosismo.
O que faria se a família do seu namorado falso a
detestasse?
— Você vai se sair bem, amora. É a pessoa mais
gostável que eu conheço no mundo inteiro.
Só que apesar de tentar se convencer disso, ela suava
frio.
Em geral, ela se dava bem com as pessoas. Da última
vez que se relacionou a sério com alguém, os pais do
namorado sempre a elogiavam com muito carinho e por isso
não desconfiou dos comentários disfarçados de boa intenção.
Sua ex-sogra dizia que Amélia precisava emagrecer, que não
era bom querer tanto assim estudar e esquecer da família, que
ela deveria se esforçar mais para agradar o namorado.
E quando Amélia descobriu as traições, ela tinha lhe dito
para aguentar, porque era natural em qualquer relação. Foi ali
que a brasileira decidiu que tudo bem morrer sozinha, desde
que jamais passasse por aquela merda mais uma vez.
Amélia não acreditava que os Torrisi seriam daquela
forma, mas não podia impedir a onda nauseante de
lembranças. Ela tinha essa terrível tendência de conclusões
precipitadas e negativismo, por isso tentou adiar o máximo a
visita.
Mas depois de ter enviado uma mensagem para Vincent,
concordando em resolver aquilo de uma vez, percebeu que não
havia mais para onde correr.
Uma batida na porta a tirou dos seus pensamentos e ela
checou sua aparência pela última vez. Meia calça preta e mais
grossa, uma saia quadriculada em bege escuro, suéter justo
em um rosa chá e suas botas mais confortáveis. Bonita,
elegante, profissional.
Amélia pegou sua bolsa e saiu. O cheiro do perfume de
Vincent, caro e doce, a atingiu. Os cabelos escuros foram
cortados, mais rente, e o italiano conseguiu ficar ainda mais
bonito.
Surpreendentemente, ele não usava nem preto, nem
branco, e sim uma camisa vermelha por baixo do sobretudo.
— Vermelho?
— Alguma objeção moral à cor?
— Nenhuma, só estranhei você fugir da sua paleta de
sempre.
— Acho fofo que você estava nervosa em ser uma
péssima namorada de mentira na frente da minha família, mas
conhece até as cores das roupas que eu uso.
Ela revirou os olhos.
— Nem cinco minutos e você já está sendo insuportável.
Vincent sorriu e se inclinou na direção dela. Amélia viu
aqueles olhos, de ouro derretido, faiscarem e engoliu em seco.
— Eu estou sempre garantindo o entretenimento do dia.
E você tá linda, Palhares.
— Obrigada.
Amélia se xingou por corar, trancou a porta e
acompanhou Vincent até embaixo. Sentia os olhares curiosos
dos seus vizinhos, tentando espiar atrás das cortinas. A
brasileira soltou uma risada baixinha.
— O que foi?
Ele perguntou.
— Todo mundo tá olhando para cá.
— Depois que nossas fotos vazaram, ficou impossível. E
olha só para nós dois indo conhecer minha família, quando eles
sabem que eu nunca levei ninguém a propriedade Torrisi.
— Espera, como assim, Vince? — Amélia parou na
entrada do prédio, chocada.
— Eu nunca namorei antes Palhares, lembra? Então não
tinha motivos para apresentar minha família para ninguém.
Ele deu de ombros, como se aquilo fosse nada e seguiu
na direção de um carro estacionado. Uma Maserati novinha em
folha, reluzindo, que devia custar alguns bons milhões. Amélia
se preparou para abrir a porta, quando Vincent a impediu.
— Por favor, me deixe ser o cavalheiro dessa vez.
Ele sorriu, provocador, abrindo a porta do carro.
Segundos depois, eles dirigiam pelas ruas de Mancia.
— Me sinto mal sabendo que a primeira namorada que
sua família vai conhecer, é falsa.
— Não é o fim do mundo — Vincent ligou o som e uma
música do Vance Joy começou a tocar. — Eles me enchem o
saco a muito tempo para conhecerem alguém que eu me
relaciono. E você só precisa fingir, como se estivéssemos na
frente de câmeras.
— É mais difícil do que parece.
Ela resmungou.
— É porque você se esforça demais. Uma vez quase
contratei uma pessoa para fingir ser meu namorado de mentira
para eles, mas Stefano disse que minha família saberia.
— Mas eu estou sendo paga.
— Mas você me odeia. — Vincent lançou um olhar
divertido — E se quisesse contar a verdade sobre isso, já teria
feito, mia bella.
Amélia engasgou com as últimas duas palavras de
Vincent. Mesmo que fosse uma brincadeira, a forma como ele
dizia aquilo a deixava sem chão.
Tudo começou com as fotos que Stefano vazou para a
imprensa, do último encontro dos dois. O piloto enviou as
notícias para ela, com uma mensagem que dizia “Somos uma
ótima dupla de namorados de mentira.”.
Os cliques tinham sido certeiros. O momento em que
eles deram as mãos na caminhada ao lado do canal do rio
Palesche. Vincent segurando Amélia perto de si, quando ela
quase caiu, com um brilho tão bonito nos olhos que a brasileira
se perguntou se aquilo tinha um significado a mais e ela não
percebeu.
Mas foram as da cafeteria, tiradas pelos funcionários,
que ganharam as redes sociais. Eles dois inclinados na mesa,
se olhando, sombras de sorrisos nos lábios e na próxima foto,
Vincent encarando os lábios de Amélia. A mulher ficou olhando
para aquela foto mais tempo do que deveria.
Com isso, era praticamente uma confirmação do casal,
as redes sociais de Amélia explodiram de comentários e novos
seguidores. Stefano se ofereceu para ajudá-la com tudo aquilo,
o que ela agradeceu, e a segurança da brasileira foi reforçada.
Por Deus, ela já tinha até sido parada na rua por uma
foto!
Um dos tabloides fez uma reportagem sobre ela, com
informações autorizadas por Stefano, e havia colocado no título
“Uma história de amor: Vincent Di Castelli encontra sua bella
em Amélia Palhares.” O piloto fez questão de fazer uma
chamada de video para ela com uma cópia do jornal em mãos.
— Então, mia bella? Nossa história de amor é digna de
um livro de romance?
Ele disse, rindo, e desde então a chamava assim. Apesar
da intenção ser uma piada, Amélia estremecia quando ele dizia
o apelido com a voz rouca, o sotaque italiano do interior
acentuado o “i”, da mesma forma que Vincent fazia quando
dizia seu nome.
Aquilo a deixou tonta. E ela não gostou muito disso.
— Estamos quase chegando — Vincent disse, fazendo
uma curva com o carro.
A viagem foi silenciosa, mas confortável. Agora, porém,
Amélia sentia que podia derreter de ansiedade no banco de
couro caro.
— Hum, acho que vou vomitar. — Ela tentou soar
divertida, mas seu estômago estava mesmo revirado.
— Palhares…
— Vincent, é muita pressão! Sabemos que sou sua
namorada falsa, mas eles não sabem. E sou a primeira pessoa
que vem na mansão Torrisi como, sei lá, mais que um amigo
seu? Não vou conseguir.
O piloto apertou o volante.
— Amélia, calma. Eles não vão morder você, só te
encher de perguntas. Pense nisso como uma grande reunião
de trabalho.
— Em uma reunião de trabalho, se eu cometer um
deslize, sou demitida!
— Porra, você estraga todas as minhas comparações. —
Vincent sorriu. — E a pior parte é que você usa um ótimo
argumento. É difícil ganhar de você.
— E-eu cursei retórica e oratória na faculdade.
Ele riu e Amélia franziu a testa.
— Meu Deus, Palhares, você é tão…
Amélia nunca soube o final da frase, já que ele se
interrompeu e parou o veículo. A brasileira desviou os olhos
confusos para a imensa construção diante de si e ficou de boca
aberta.
A mansão Torrisi era quase um castelo de tão grande,
só que sem as torres e pináculos. Um jogo de luzes iluminava a
frente, lançando sombras sobre o restante da casa, envolta em
mistério, de modo que Amélia não podia ver a real extensão.
Ela se perguntou como seria a vista de dia.
Uma escadaria levava até a porta de madeira antiga, a
pedra acinzentada e atingida pelo tempo parecia ter sido
esculpida. Inúmeras janelas brilhavam em amarelo suave e
pessoas passavam por elas, contornos sem definição.
— Impressionada?
Vincent disse, debruçado sobre o volante, olhando na
direção dela.
— Não parece óbvio? Quando foi construída? Parece
algo do século XVIII.
— Final do século XVIII, quando o negócio dos Torrisi
começou a dar certo. Vê os arcos? Construídos para parecer
com os da casas na Inglaterra.
— E agora sua família inteira está lá dentro me
esperando para acabar comigo.
— Amélia…
— Não consigo evitar a sensação de que vou estragar
tudo.
Um silêncio tenso se seguiu. A brasileira quase pulou no
assento quando Vincent tomou suas mãos.
— Primeiro, essa frase é minha. Segundo, Amélia
Palhares, eu não vou deixar nada acontecer com você.
Amélia suspirou, piscando muito rápido.
— Estar nervosa para conhecer a família do meu
namorado de mentira. Patético ou triste?
O piloto sorriu, seus olhos se iluminando com a menção
ao antigo jogo que eles compartilharam na noite em Londres.
Às vezes, aquilo parecia ter acontecido em uma dimensão
paralela, ou só nos sonhos de Amélia. Mas quando Vincent
fazia algo que a lembrava do tempo, ela ainda podia alcançar a
felicidade e calor que aquelas horas lhe causaram.
— Corajoso — Vincent saiu, contornou o carro e abriu a
porta de Amélia. Estendeu a mão para ela — Vem, vamos
enfrentar a família rica do seu namorado de mentira.
Amélia riu baixinho e entrelaçou os dedos nos dele.
***
Vincent Di Castelli tinha uma dívida com a cantora
Taylor Swift.
Ele nunca foi um grande fã, gostava mais de pop dos
anos 90 e 80, mas Amélia Palhares era, e muito, e o piloto
descobriu isso logo que a conheceu. Getaway Car tocava nos
altos falantes do Arcade quando eles estavam prestes a sair e a
brasileira parou e explicou toda a história do álbum para
Vincent.
— Ela é autodepreciativa, tem um péssimo gosto para
relacionamento e sempre tenta tratar os outros com gentileza.
Somos praticamente gêmeas.
Depois da noite, Taylor sempre o lembrava de Amélia.
Ele até mesmo começou a ouvir algumas músicas da cantora e
descobriu que gostava de muitas letras, além das histórias por
trás das composições.
Para a surpresa de ninguém, a estudante de arte
continuava amando a cantora. Nas chamadas de vídeo, ele a
ouvia sempre de fundo, geralmente acompanhado de um fato
aleatório sobre a vida de Taylor, dito por Amélia.
— Você sabia que essa música é sobre o Met Gala? —
Ela disse quando Dress tocou em uma das sessões de
informações sobre a família dele.
— Tem um triângulo amoroso no álbum dessa música.
— Amélia explicou um dia, enquanto cozinhava o jantar e
combinava a agenda pública com Vincent. — São as músicas
Betty, Cardigan e August. É sobre um cara que trai a
namorada, a namorada e a menina que ele traiu a namorada.
Aquela era uma das coisas que o fazia gostar ainda mais
de Amélia Palhares, porque isso não se aplicava somente a
Taylor Swift. Ela sempre dizia algo interessante no meio das
conversas deles, fosse sobre a cantora, cinema, livros, arte ou
até mesmo o boto-cor-de-rosa e sua especificidade reservada a
floresta amazônica. A mente dela era carro de Fórmula 1 em
um circuito, sempre veloz, rápida e cheia de surpresas.
Sabia que isso não era uma coisa a se reparar na
mulher com que ele devia só encenar um romance, mas
ignorava essa essa parte.
Seja como for, Vincent fez uma nota mental para
agradecer pessoalmente a cantora. Por que, quando entrou na
mansão Torrisi com uma Amélia Palhares pálida de nervosismo
e dedos gelados de ansiedade, Emma foi a primeira a se
apresentar, usando uma camisa da Taylor Swift.
— Nossa, eu também sou fã da Taylor. — Amélia disse,
abrindo um sorriso e empurrando os óculos de volta para o
lugar.
— Vincent, estou apaixonada pela sua namorada. —
Emma declarou, puxando Amélia em direção ao mesmo
espaço onde a festa de ano novo dos Torrisi acontecia, de volta
a sua configuração original.
Minutos depois, a gargalhada da brasileira ecoava pelas
paredes da mansão, cheia de vida e não havia nenhum sinal de
nervosismo no rosto dela. Ela e Emma tagarelavam sobre a
vida da cantora, soltando gritinhos empolgados sobre o recente
álbum e impressões sobre as músicas preferidas de cada uma.
O piloto observou, com um sorriso mal disfarçado nos
lábios, quando o restante da família chegou e Amélia os
cumprimentou com gentileza e segurança. Meia hora depois,
eles estavam sentados à mesa de jantar, tomando vinho.
— Vincent não me contou que conhecia você, querida,
quando fomos na Galeria Torrisi. — Teodora mencionou, os
olhos brilhando na direção da brasileira.
— É porque nos conhecemos melhor só depois de toda
confusão.
Amélia respondeu. Do outro lado da mesa, Stefano deu
a ela um olhar de orgulho e Vincent segurou a mão dela sob a
mesa.
— E você disse que morava no Brasil, não é? Como veio
parar aqui?
Antonia perguntou.
— Eu estou fazendo mestrado em História da Arte.
Tenho graduação em Letras, mas apliquei a especialização
assim que me formei. Quando a oportunidade da bolsa surgiu,
não pensei duas vezes em aceitar.
— Menina esperta — Teodora elogiou — Qual sua área
de estudo?
— Arte do século XIX. Especificamente, artistas não
reconhecidos da época.
— Então você estudou sobre Fulvia D ‘Oro? — A mãe de
Vincent se inclinou sobre a mesa, curiosa — Ela foi uma artista
patrocinada pelos Torrisi, mas acabou indo para o Brasil depois
que o irmão roubou os créditos.
— Claro que sim! Bom, eu sou a curadora da galeria,
então é minha obrigação conhecer o trabalho dela. — Amélia
brincou, bebendo um longo gole de vinho. — Na verdade,
Fulvia está no meu trabalho de mestrado, mas ainda não posso
falar muito sobre ele, por questão de segredo de pesquisa
acadêmica. Hum… Eu só espero ajudar a contar a história dela.
— Ah, por favor, não hesite em nos mostrar quando
estiver finalizado. — Anna disse. — Eu adoraria ver. Sabe, eu
também sou pesquisadora no ramo de arte e a história de
Fulvia sempre me encantou. Minha mãe me apresentou a
pintora e…
Vincent acabou se desligando da conversa. Soltou a
mão da brasileira, que nem pareceu notar, concentrada demais
em Anna e Teodora.
O piloto analisou a mesa. Todos os olhares estavam
voltados para Amélia e sua fala empolgada e ele sabia que sua
família tinha gostado dela de verdade. Os Torrisi não
disfarçavam seus desafetos com ninguém, assim como
expressavam o carinho pelos outros de forma clara. Era fácil
notar que estavam felizes pela presença nova.
Porra, Vincent mordeu a parte interna da bochecha,
porque ele se sentia até mais do que feliz em ver Amélia tão
relaxada ao lado das pessoas que amava. E, de novo, não era
para estar seguindo aquele caminho. Era para ser um romance
encenado em primeiro lugar. O que tinha acontecido com “ela
é irritante e teimosa”?
O piloto piscou, um pouco assustado.
— Tá tudo bem?
Amélia sussurrou. O perfume dela encheu o nariz dele e
Vincent suspirou.
— Sim, tinha uma coisa no meu olho.
Stefano o encarou, a testa franzida, mas Vincent só
balançou a cabeça.
Depois do jantar Amélia pediu licença para usar o
banheiro.
— Onde você arrumou essa menina, Vincent? — Emma
se virou para ele. — Ela é ótima! Tem uma irmã, não?
— Tem, mas a irmã namora.
— Que pena. — Emma fez beicinho. — Como é
complicado gostar de mulher.
— Mas você não estava namorando até semana
passada? — Stefano provocou, digitando no celular.
— Não era sério. E quando você vai trazer aquele
menino bonito de novo para cá, Stefano?
Stefano ergueu um dedo na direção da loira.
— Calada, Emma.
— Ela é ainda melhor do que eu imaginei. — Teodora
sorriu, os cabelos grisalhos impecáveis em uma trança firme.
— Nem acredito que finalmente você vai namorar alguém que
eu aprove.
— Mas você não tem que aprovar meus
relacionamentos, nonna. E eu nunca namorei antes.
— Namorar, ficar, não sei como vocês chamam hoje em
dia. E é claro que eu preciso aprovar seus relacionamentos,
você é meu neto.
Vincent sorriu.
— Então, se você decidir namorar de novo, a gente
precisa aprovar também?
Teodora estreitou os olhos, pousando a xícara de chá no
pires.
— Garoto, você está mesmo pedindo para que eu não
deixe herança nenhuma.
— Mamãe! Não fale assim, parece até que você está
planejando morrer amanhã.
— Anna, nunca se sabe, é capaz do seu filho me matar
antes da hora.
Vincent riu e se levantou.
— Só para deixar claro, nonna, eu vou aprovar qualquer
um que a senhora escolher. Inclusive, por que não conta à
mamãe sobre aquele banqueiro que envia cartas de vez em
quando para cá? Ops, melhor eu procurar Amélia.
— Vincent, seu fofoqueiro!
Sua avó gritou e Emma pediu para saber a história
completa. Vincent saiu da sala, sacudindo a cabeça.
Quando ele chegou perto dos banheiros do térreo,
parou ao ver Amélia inspecionando a parede cheia de
fotografias dos Torrisi. Ele se encostou na parede, os braços
cruzados, e a viu arrumar os óculos dourados no rosto.
— Achou alguma coisa interessante aí, Palhares?
Ela colocou a mão no peito e se virou.
— Que susto, Vincent!
— Achei que você tinha se perdido, mas na verdade
está xeretando.
Amélia deu de ombros e imitou a postura dele. Vincent
se aproximou e viu o que a brasileira analisava. Era uma foto
com todos os primos Torrisi, ainda crianças, em um verão,
usando roupas de banho, na frente da piscina da propriedade.
— Esse aqui é você. — Ela apontou para um garoto
magrelo, com um óculos de natação e sem os dois dentes da
frente no sorriso.
— Sim, eu tinha uns oito anos.
— Sua família é enorme. — Amélia comentou, os olhos
percorrendo as fotos nas paredes. — Você tem mais primos do
que eu tenho de parentes.
— Sua irmã ainda mora no Brasil?
Ela assentiu.
— Ainda somos só nós duas contra o mundo todo, mas
Sofia agora tem Maria Cássia e a família dela. E eu tenho
Angela, Pia, Sancia, Stefano e… — Ela o encarou. — … Você,
eu acho.
— Está me colocando na lista de pessoas que você
gosta e não das que odeia? Me sinto lisonjeado.
— Você está no topo da lista de insuportáveis da minha
vida, Di Castelli.
Vincent sorriu.
— O que você achou da minha família?
— Você estava certo, eles são ótimos mesmo. Emma é
incrível, Antonia é maravilhosa e acho que quero ser adotada
pela sua avó. Sua mãe parece com você.
— Todo mundo diz. — Ele apontou para a foto do
casamento dos pais. — Esse é o meu pai.
— Os mesmos olhos. Ah, não só isso! Seu sorriso é
igualzinho ao dele, também.
Vincent apontou para outra fotografia emoldurada.
— E esse aqui sou eu na minha primeira corrida de kart.
Eu tinha dez anos e decidi que queria ser piloto depois de
assistir o que foi a melhor temporada da vida de Ansel Bellini.
Minha mãe me levou no kart no mesmo dia.
— Ela patrocinou você?
— Não, eu não deixei nenhum Torrisi se envolver com
isso diretamente. Eu tive, é claro, todos os privilégios do
mundo. Nunca me preocupei com dinheiro para aulas,
preparação e consegui a licença para pilotar, da FIA, assim que
fiz dezoito.
— E como você foi parar nas pistas? Na Fórmula 2?
Quando nos conhecemos você já era piloto.
Vincent assentiu.
— Eu comecei a faculdade e me inscrevi em corridas
amadoras, para matar o tempo e ter esperança de alguém
notar. Usei um nome falso, porque não queria que me
reconhecessem. Um olheiro me viu um dia, chamou para um
teste de equipe, passei e entrei na equipe.
— E agora tem dois títulos mundiais. — Amélia disse,
sorrindo. — Impressionante, Di Castelli.
Vincent passou os dedos entre os cabelos escuros, mais
curtos do que ele estava acostumado.
— Obrigado, eu sou mesmo impressionante.
Ela revirou os olhos.
— Jesus, você consegue ser um babaca arrogante às
vezes, sabia?
— De acordo com você, sou o número 1 da sua lista.
Amélia riu e o encarou, um sorriso ainda pendendo nos
seus lábios. De repente, Vincent notou que eles estavam
sozinhos em um corredor, os braços quase se tocando, o rosto
da brasileira muito perto dele.
O ar se encheu de eletricidade, tensão e mais alguma
coisa. Tudo ao redor deles desacelerou e Vincent não
conseguia controlar as batidas enlouquecidas do próprio
coração, nem desviar os olhos de Amélia. O cheiro dela o
atingiu mais uma vez, uma mistura de ameixas frescas e
amoras, o calor a centímetros dele.
Esperou que ela recuasse, mas Amélia soltou uma
respiração pesada, os lábios entreabertos, como se quisesse
ser beijada. Beijada por ele. E ela estava tão bonita, os olhos
brilhantes como estrelas e Vincent queria se perder dentro
daqueles lábios, porque ele sabia que eram tão doces quanto
pareciam, a memória de três anos atrás ainda viva na pele.
Deus, ele ia beijá-la. Vincent tocou a bochecha dela com
os dedos, chegando mais perto, tentando ver qualquer sinal de
hesitação e não encontrando nada. Amélia fechou os olhos e…
— Ei, onde vocês… Ah!
A voz de Stefano os assustou. Vincent piscou,
afastando-se e encarou o melhor amigo com irritação.
— E-eu já vou voltar.
Amélia saiu, apressada.
— Foi mal, aí. — Stefano disse, tentando não sorrir e
falhando. — Não queria interromper nada.
— Você não interrompeu.
— Ah não? Pareceu que sim.
— Cala a boca, Stefano.
Vincent bufou, irritado consigo mesmo. Se o amigo não
tivesse chegado, ele teria beijado Amélia Palhares de novo e,
caralho, por que diabos ele iria fazer isso? Pior, porque porra
ele sentiu vontade de beijá-la mais uma vez?
— Mas eu nem disse nada! E é normal você se sentir
atraído por outra pessoa, mesmo que ela seja sua namorada
de mentira.
— Stefano, Amélia e eu mal nos damos bem.
— Sério? Por que para mim parece que vocês finalmente
pararam de se odiar. Talvez a tensão sexual ajude.
Vincent o encarou, incrédulo.
— Não tem tensão sexual nenhuma.
— Tudo bem, minta para você o quanto quiser.
Eles encontraram a família dele novamente e Vincent
fingiu que não tinha quase beijado Amélia minutos atrás. O
piloto mal olhava na direção dela, sem que o momento o
atingisse como um tapa na cara.
— Vincent, você precisa trazer Amélia para cá mais uma
vez. — Teodora disse, na despedida.
— Não precisa que ele faça isso, nonna, vou buscá-la na
cidade. Você tem que sair em uma tarde de compras comigo,
Amélia! — Emma disse, abraçando-a
— Eu vou adorar.
— É bem-vinda sempre que quiser, querida. — Anna
abraçou a brasileira com carinho. — Nossa casa agora é sua
também.
Amélia se afastou para falar com Stefano e Antonia.
Vincent beijou a testa da mãe.
— Ela é ótima, Vince. Dá para ver que você gosta dela,
seus olhos brilham quando olha para a menina. Desculpe se
fiquei preocupada demais. Fico feliz que vocês estejam tão
bem.
Vincent quase engasgou com o comentário de Anna.
— Obrigada, mãe. A Amélia é…
A pessoa que eu deveria ter um relacionamento falso e
não querer beijar.
Anna apertou o braço do filho, como se compreendesse
a frase incompleta.
— É bom ver você feliz, meu filho. Você se cobra demais
e te ver relaxado me alivia muito.
Vincent não disse mais nada e levou Amélia embora. O
clima entre eles estava estranho e os dois mal se falaram no
caminho. A brasileira desceu do carro, deu um tchauzinho
sorrindo e subiu para o prédio.
O piloto esperou a luz do apartamento acender,
encostou a testa no volante e soltou um suspiro exausto, o
cheiro dela ainda no carro. Vincent fechou os olhos.
O quase beijo com Amélia era só uma coisa física, disse
a si mesmo, não tinha porque se preocupar com aquilo. Ela era
uma mulher bonita, claro, além de teimosa e cabeça-dura.
Vincent estava só com vontade de beijar alguém, e lá estava
ela, com a língua afiada, curiosidade e inteligência que o
prendia todas as vezes que olhava na direção dela.
Não era porque ele pensava nela constantemente, que
significava alguma coisa. Não é?
Ah, puta merda.
11.
Fevereiro
Estar em uma capa de revista não era algo que Amélia
Palhares imaginou. No máximo, ser citada como curadora da
Galeria Torrisi em alguma matéria sobre arte, ou ter um artigo
em uma revista científica.
Mas lá estava ela, encarando uma foto dela e Vincent,
com uma manchete que dizia: “Amor além das pistas, saiba
tudo sobre o casal mais amado da Fórmula 1”.
O que eles diriam se eu contasse sobre nosso contrato
que ainda não foi assinado?
Stefano entrou em contato com ela e perguntou se
Amélia queria prosseguir com a ideia, para logo depois da
Corrida de Erco Santinelli. O evento realizado em Ímola,
contava com pilotos de Fórmula 1, era beneficente e reunia
empresários famosos, para ajudar diversas instituições.
Amélia havia dito que concordava, mas por dentro,
queria sumir. O quase beijo com Vincent na mansão Torrisi a
assombrava todas as noites. Não só porque ela já sabia como
era ser beijada pelo piloto, como o fato de que, se Stefano
tivesse demorado um pouco mais, não teria se importado.
Porque queria que aquele babaca arrogante e
insuportável a beijasse. E não seria pela encenação barata que
eles deveriam fazer.
Não tinham se falado desde então e a situação inteira
era sufocante. Vincent tinha se tornado parte da rotina da
estudante e ainda era seu namorado de mentirinha. Mais cedo
ou mais tarde precisariam conversar.
— Mas…
— Por que estou ouvindo você reclamando e não
experimentando esse casaco?
— Está criticando minhas roupas, Emma?
— Não e não tente mudar de assunto, garota.
Emma era uma adversária à altura da teimosia de
Amélia. Ela se recusava a deixar a loja sem que a brasileira
escolhesse algumas peças e não queria ouvir os protestos dela.
Quando apelou dizendo que só queria que Amélia se
divertisse e gostasse da loira, a mulher cedeu. Dentro do
provador, a estudante xingou a Torrisi baixinho.
— Caramba, Emma, eu admiro seus esforços. — Angela
disse, divertida. — Eu mesma já teria desistido.
— Nada que uma chantagem emocional bem feita não
fizesse.
— Eu ouvi isso! — Amélia reclamou.
— Agora saia, me deixe ver como ficou. — a Torrisi
pediu e Amélia saiu, incerta. — Deus, olhe só para você.
Vamos levar esse e quero ver os outros.
— Que novidade.
***
Vincent Di Castelli estava muito acostumado a ser o
centro das atenções.
Além da fama como piloto, havia a família e as colunas
de arte e literatura que eles sempre estampavam. Ele crescera
com câmeras apontadas para o rosto, sendo cuidadoso com
tudo o que fazia e, admitia, gostando da fama. E não por
motivos inteiramente altruístas.
Mas estar nas frentes das câmeras era algo que ele
gostava. Gostava dos eventos, jantares, das roupas e da
atenção da mídia. Até mesmo das entrevistas, que
costumavam ser a pior parte, se tornavam mais divertidas
quando você levava tudo com leveza e descontração.
— Muito bem.
— Porra.
— Você já jantou?
O piloto assentiu.
— Me dá a honra dessa dança?
— Vincent.
— Sim.
— Vá em frente.
— Como assim?
Amélia impulsionou o balanço, as pontas dos seus
sapatos mal tocando o chão.
E então, a beijou.
16.
Março
As luzes de Sakhir eram como estrelas noturnas. Os
pontos vermelhos, amarelos e brancos piscavam sem ordem
específica, às vezes se apagando. O som de buzinas furiosas se
misturava ao de uma música estridente, que fazia vibrar as
paredes beges do hotel.
Amélia Palhares tentava absorver o máximo de detalhes
possíveis, da sacada do seu quarto, empolgada como uma
criança. Mas quem poderia culpá-la? Era a primeira vez que
visitava um país fora da Europa e ela já lamentava por não ter
mais tempo para aproveitar.
Quando o calendário da Fórmula 1 foi oficialmente
divulgado, Amélia fez todos os arranjos possíveis para estar em
Bahrein, na primeira corrida, o que resultou em adiantar
montanhas de trabalhos acadêmicos. Sem contar a nova
exposição que estava vindo para a Galeria Torrisi, e como
curadoras, ela e Angela precisavam resolver toda a papelada
legal e trâmites para que tudo corresse bem.
Em resumo, estava cansada e morrendo de vontade de
conseguir uma folga. Quando a corrida finalmente chegou, ela
embarcou feliz no avião de Ímola para Bahrein, com alguns
funcionários das outras equipes.
— Como assim você não tem um jatinho? — Amélia
disse a Vincent, por chamada de vídeo, um pouco antes da
viagem — Você não é milionário?
— Finge mesmo?
— Sim, senhor.
Encarar a realidade não era algo que ela era boa. Mas
ninguém tinha escolha em relação a isso.
***
Aquela devia estar sendo a temporada mais exigente da
vida de Vincent Di Castelli e ele só tinha participado de 3.
Desde o aniversário de Amélia, ele não teve tempo de
vê-la e nem pode se juntar aos amigos para comemorar o
aniversário de Emma. O volume de reuniões, campanhas
publicitárias, entrevistas e marketing que precisava fazer, tinha
duplicado. E isso não se devia somente à rivalidade natural da
competição como ao trabalho árduo de Ansel Bellini em ferrar
com tudo.
Seu mais novo alvo era Amélia. O ex-piloto a chamava
de “a garotinha de Vincent”, falando que o relacionamento
entre os dois era fadado ao fracasso pelos impulsos
irresponsáveis do italiano.
— Ele deve ser um velho muito desocupado para se
importar tanto assim comigo. — Amélia disse, quando Vincent
perguntou como ela estava com isso — Ah, Vincent, estou
pouco me fodendo. Eu tenho uma dissertação de mestrado
para entregar, mas fico feliz de ter ocupado a mente desse filha
da puta tanto assim.
Apesar da despreocupação dela, Vincent estava de saco
cheio de tudo aquilo. Ele só queria correr em paz e não ter que
aturar Ansel com uma cordialidade forçada em todos os
Grandes Prêmios.
E com isso na cabeça, ele sentiu o gosto amargo da
derrota ao terminar a corrida em Montmeló em oitavo lugar,
um resultado totalmente inesperado.
— Vincent, dá para recuperar, não é o fim do mundo. —
Arthur disse a ele, o sol espanhol queimando a cabeça do
piloto e do diretor da Redemptio. — Você está com coisa
demais na cabeça, não foram semanas fáceis.
— Mas eu deixei isso acontecer, Arthur. Você mesmo diz,
na hora da corrida, o que importa é o carro e a pista, o resto
pode esperar. E fui ultrapassado duas vezes seguidas por falta
de atenção. Porra, quase ouvia a voz de Bellini na minha
orelha.
Vincent suspirou, frustrado.
— Você se importa demais com aquele homem.
— E você parece que não! Aquele cara fala merda atrás
de merda da gente e não que eu fique puto?
— Porque nossa resposta tem que ser nas pistas, Vince.
Sabe como as coisas funcionam, o que adianta ir agora brigar
com Ansel, se amanhã todo mundo vai sair falando de como foi
uma atitude infantil?
O piloto cruzou os braços, desviando os olhos. Odiava
como Arthur estava certo, mesmo com a irritação que o
consumia.
— Eu só tô cansado do Bellini. Queria poder resolver
essa história de uma vez.
— Vincent! Arthur!
Stefano gritou, correndo na direção deles, parecendo
um pouco pálido.
— O que foi? — Arthur perguntou, em voz profissional.
— Primeiro de tudo, não surta. — Stefano disse e
estendeu o aparelho na direção deles. — Segundo, eu já estou
tomando as medidas de imprensa para essa merda.
"ATENÇÃO, ÓLEO NA PISTA: MEGA VAZAMENTO DE
DADOS ABALA O MUNDO DA FÓRMULA 1
Cerca de 50 arquivos confidenciais foram vazados nesta
manhã, após o Grande Prêmio da Espanha, contendo
informações sobre estratégias de equipes, carros e pilotos. O
acontecimento está sendo chamado de “óleo na pista”, na
internet e, apesar dos esforços rápidos das equipes para tentar
tirar tudo de circulação, os documentos já se espalharam por
fóruns, sites e redes sociais.
"Uma fonte anônima revelou à imprensa que um dos
nomes responsáveis por esse vazamento seria Vincent Di
Castelli, o campeão mundial mais recente, e piloto italiano da
equipe Redemptio. A Scuderia ainda não se pronunciou sobre o
ocorrido, mas espera-se que…"
Vincent parou de ler, porque sua mente se tornou uma
zona vazia e silenciosa, enquanto absorvia aquelas palavras.
Ele releu o título, achando o nome “óleo na pista” sem
criatividade, tentando encontrar a onde estava a parte que
dizia que tudo não passava de uma pegadinha.
— Stefano. — Ele disse, a voz calma. — Acho que não
entendi isso.
— Leve ele para o hotel. — Arthur disse a Stefano. — Eu
cuido das coisas por enquanto.
O social media assentiu.
— Mas, Arthur, o que eu…
Arthur colocou uma mão no ombro de Vincent.
— Vincent. Você vai para o hotel, dormir hoje, e amanhã
vamos conversar. Não chegue perto da porra de uma rede
social nem de um jornal. Jogue alguma coisa, ligue para sua
mãe, ou Amélia, sei lá.
A mente de Vincent estava meio anestesiada o trajeto
inteiro até o hotel. Parecia que ela se recusava a entender o
que tinha acontecido, sentimentos conflitantes de raiva,
irritação e incredulidade se chocando em uma batida feia e
sangrenta. O italiano repassou todos os últimos dias na mente,
um pouco impressionado pela conexão deles.
Quando ele entrou, fugindo de repórteres que pediam
por uma explicação ou pronunciamento, o piloto finalmente
entendeu o que tinha acontecido. Então, riu.
— Devo me preocupar?
Stefano franziu a testa.
— Porra, eu não tô acreditando que Ansel disse. Como
ele pode ser tão idiota?
— O que você esperava dele, Vince? O cara é um
babaca.
— Que ele tivesse o mínimo de inteligência. — Vincent
enxugou uma lágrima, o abdômen doendo de tanto rir. — Lá
estava eu, xingando o cara, e ele vem me provar o porquê de
ser um imbecil. O universo gosta de me dar lições.
— Vincent, acho que você enlouqueceu.
— Provavelmente. — Vincent pegou o celular e discou o
número de Chase. — Oi, você viu?
— Está em todo lugar. Você tá bem?
— Acabei de ter a melhor crise de riso da minha vida,
mas estou bem.
— Certo…
— Não se preocupe, Astier, mas eu aceito. Aquilo que
você me disse, eu quero fazer parte.
Vincent ouviu a voz de uma pessoa e passos apressados
para longe.
— Tem certeza, disso, Vince? É um movimento arriscado
demais, principalmente nessa hora.
— Você não tá cansado, Chase? — Vincent se encostou
na parede fria do elevador. — Eu tô e para caralho. Não sei
como estão lidando com as coisas na Razze, mas pela cara que
o Stefano tá fazendo agora, ninguém da Redemptio aguenta
mais também.
Stefano sorriu, passando os dedos pelos cabelos
crespos. As olheiras embaixo dos olhos dele, evidenciavam o
trabalho que Ansel Bellini dava para toda a equipe de
marketing e assessoria da Redemptio. Vincent testemunhou de
perto o trabalho incansável do melhor amigo, e sabia o quanto
ele estava cansado de lutar contra o ex-piloto.
— Eu sei como você se sente, Vince, mas eu preciso
mesmo saber se quer se meter nisso. Não tem volta. E por
mais que você deteste, você é sim impulsivo.
— Prometo que dessa vez não estou sendo impulsivo.
Eu pensei muito desde que você falou comigo e acho que é a
melhor forma de acabar com isso. — Vincent fez uma pausa,
quando o elevador parou e caminhou pelo corredor vazio. —
Uma vez me disseram que a raiva não é a única forma de lidar
com as coisas, que existe outra forma, uma mais inteligente.
Quero fazer isso.
Chase suspirou.
— Tudo bem, então. Eu vou te mandar o plano inteiro
por e-mail, mas as coisas continuam as mesmas, nada de
contar para ninguém. Nem para Amélia. Quanto menos
pessoas souberem disso, melhor.
Vincent lembrou da conversa de meses atrás, sobre o
namoro falso e sorriu.
— Sou bom com termos de confidencialidade, mas
coloque Stefano como exceção. Ele é meu melhor amigo e a
pessoa em que mais confio nesse grid, além de um profissional
excelente.
Stefano o encarou, as sobrancelhas arqueadas em
surpresa e curiosidade.
— Compreensível. Escuta, eu preciso ir agora, mas nos
falamos depois, certo?
— Até depois.
— No que você me meteu? — Stefano perguntou assim
que fechou a porta do quarto — Eu corro o risco de ser preso?
Vincent pressionou os lábios em uma linha fina.
— Então…
— Ah, meu Deus, eu corro o risco de ser preso mesmo?!
Stefano apontou para Vincent.
— Calma, Stefano, mas meio que sim? Olha, primeiro de
tudo, você ia topar se estivesse no meu lugar.
— Eu duvido muito.
— Não quer acabar com Ansel Bellini? Eu tenho uma
forma. Vou arriscar muita coisa, até minha carreira, mas confio
em que está envolvido.
Vincent encarou Stefano, tentando transmitir confiança,
disfarçando o medo que sacudia seu estômago. Seu melhor
amigo piscou, erguendo o queixo.
— Eu confio em você, Vincent. Me conte.
O piloto sorriu, grato e feliz pela sua vida ter cruzado a
de Stefano tantos anos atrás e por ele ter permanecido.
— Chase tem um nome péssimo, chamou de “Operação
Paz ao Grid”. Mas eu prefiro o meu “Xeque-mate”.
Stefano revirou os olhos.
— Vocês tem até um nome.
— Estamos tentando derrubar um rei homofóbico e
tirano. — Vincent cruzou os braços. — A dramaticidade é
importante.
O italiano contou ao melhor amigo um resumo, o peito
queimando em expectativa e animação. Talvez tudo desse
errado e o preço a pagar seria alto demais por um mínimo
erro.
Mas Vincent estava disposto. Ele não seria mais o garoto
de Londres, impotente e raivoso, quando a chance de fazer
algo estava bem na sua frente. E ele não iria desperdiçar.
21.
Três anos atrás
Outubro, 23:40, Londres
Vincent tinha um problema sério para lidar: estava
gostando um pouco demais de beijar aquela estranha.
Ele mal conhecia Amélia, eles tinham se encontrado a
poucas horas atrás e agora Vincent não sabia o que fazer
quando fosse obrigado a parar de beijá-la. Não diria que estava
apaixonado, mas muito interessado era um bom começo.
O piloto tinha regras em seus relacionamentos para
seguir a risca. Termos de confidencialidade devem ser
assinados antes do contato físico, celulares confiscados, locais
escolhidos para segurança dele e do acompanhante da vez. Só
o fato de que Vincent estava beijando o pescoço de Amélia em
público, no meio de Londres, era o suficiente para Stefano
enlouquecer.
É por isso que não vamos contar para ele.
Eles ainda estavam no banco onde tiveram a primeira
conversa, enrolados no cobertor macio de Amélia, as pernas da
mulher jogadas em cima de Vincent. O piloto não conseguia
parar de tocá-la, fosse retirando seus cabelos do rosto ou
segurando as mãos dela por alguns segundos.
Ele se perguntou o que aconteceria quando o sol raiasse
e Vincent tivesse que viajar para outro lugar. Queria manter
contato com ela, claro, mas será que se veriam novamente?
Ou seria só uma noite esquecida dentro de suas memórias? Ele
desejou que a primeira opção se concretizasse.
— Quando termina sua especialização aqui?
Vincent perguntou, pensando em como faria para
encontrá-la novamente.
— Em breve. — Amélia desviou os olhos.
— E o que você quer fazer depois disso? Mestrado?
— Tomara que sim. A prova para mestrado é incerta,
poucos são aprovados, e a modalidade que eu quero é ainda
mais disputada. — Ela pressionou os lábios em uma linha fina.
— Entramos na conversa sonhos para o futuro?
— Da lista de temas não conversados, era o único que
faltava.
Vincent riu baixinho, arrumando o cobertor sobre os
ombros deles.
— Eu te contei quase tudo sobre meus planos para o
futuro, mas você não me disse nada sobre os seus. Parece
meio injusto, Vincent. — Ela passou os dedos nos cabelos dele.
— Vamos lá, me conte, super piloto de Fórmula 1.
— Fórmula 2, mas eu espero que em breve seja a
Fórmula 1. Não tem muito o que dizer, a não ser que quero
ganhar o máximo de corridas que eu conseguir.
— Isso me parece muita coisa.
Ele assentiu.
— Acho que sim. Nunca parei para pensar muito no
futuro, sendo honesto. Eu não planejo tão longe assim. Se
você me perguntar onde eu vou estar daqui a 10 anos, o
máximo que eu consigo dizer é em algum autódromo em uma
corrida.
— E eu responderia para essa pergunta, dando aula em
alguma faculdade enquanto termino meu mestrado em arte,
dividindo meu tempo entre museus famosos e eventos
acadêmicos.
— Você tem mesmo tudo isso planejado?
— Desde que entrei na faculdade. — Amélia arrumou os
óculos no rosto. — Sou uma pessoa muito sonhadora e assim
que acabei o primeiro período da faculdade, senti que
finalmente pertencia à algum lugar. Foi meio impossível não
querer seguir esse caminho.
Vincent sorriu, os dedos de Amélia brincando com um
fio solto do casaco.
— É um ótimo plano.
— Eu também acho.
— Sabe o que também seria ótimo? — Amélia ergueu
uma sobrancelha, inquisitiva. — Se eu te beijasse de novo.
Ela riu, deitando a cabeça no peito de Vincent.
— Essa foi uma péssima conexão, você sabe disso.
— Sim, mas eu garanto que as intenções eram as
melhores.
Amélia beijou os lábios de Vincent ainda sorrindo,
segurando o rosto dele com os dedos quentes e macios. Ele
sentiu-se derreter sob o toque e o gosto da boca dela, virando
o corpo um pouco mais, apertando o ponto acima do joelho da
mulher.
O piloto tentou muito não pensar em como o tecido
marcava perfeitamente bem as pernas grossas dela, ou como a
bunda de Amélia entre seus dedos o fez ter pensamentos nada
puritanos.
Ele se deixou ser tocado, sentindo a ponta dos dedos de
Amélia em sua testa, acariciando seus cabelos, os lábios dela
beijando os cantos de sua boca, desenhando uma trilha no
maxilar. Ela se apoiava em seus ombros, o nariz percorrendo o
pescoço do piloto, o hálito quente deixando arrepios em sua
pele.
Os dedos de Vincent se enterraram na pele de Amélia.
Ela era insuportavelmente calma em explorar o corpo dele,
delicada e gentil, e isso o estava deixando louco. Ele se
obrigou a ficar parado, engolindo em seco, suportando as
sensações inebriantes.
— Você é bonito. — Ela sussurrou, o rosto na curva do
pescoço dele, os cabelos batendo na bochecha de Vincent. —
Queria dizer isso a noite inteira.
— Você é bonita também, mas acho que sabe disso.
Bonita é pouco.
Ela riu contra a pele dele, o som reverberando pelo
corpo de Vincent, viajando pela sua coluna.
Amélia se afastou e Vincent abriu os olhos, piscando um
pouco, e encarou aquela mulher. Ela havia tirado o gorro,
prendendo os cabelos ondulados e castanhos em um coque
improvisado, os olhos brilhantes atrás das lentes dos óculos.
— O que você precisa fazer para se tornar um piloto de
Fórmula 1?
— Assinar um contrato com uma equipe. Minha família
quer se meter nisso, mas eu não deixo. Eles já têm os negócios
dele e quero conseguir isso por mim mesmo.
— Uma determinação invejável. — Ela o encarou por
alguns longos segundos. — Sei que sou uma estranha que
você acabou de conhecer e beijar, mas eu acho que você vai
conseguir realizar seu sonho.
— Ah, é? — Vincent colocou uma mecha de cabelo dela
atrás da orelha — Baseado na análise de uma noite?
— Sim, as minhas análises são precisas. Sou acadêmica,
uso uma metodologia rígida de estudo. — Ela sorriu. — E eu
nunca nem vi você correr, mas eu sei que vai conseguir. Uma
pessoa com tanta vontade de fazer algo dar certo, que ama
tanto uma coisa assim, não vai parar até chegar onde quer
estar.
Lá estava, aquele tom de voz novamente, que carregava
todas as verdades e certezas inquestionáveis do mundo.
— Se uma estudiosa desse calibre diz isso para mim, eu
não vou questionar.
— Agradeço o respeito aos meus estudos altamente
aprofundados.
Ela se inclinou para ele, os lábios próximos dos de
Vincent, pairando a milímetros de distância.
— Você vai ser ótimo, Vincent, lembre-se do que eu
disse.
E o beijou novamente. Vincent puxou Amélia para mais
perto, agarrando a cintura dela, os dedos mergulhando na pele
entre o cós da calças e a blusa, querendo mais. Quando
mordeu o lábio inferior, ouviu o gemido baixinho e contido,
aquele som quase o levou à loucura.
Amélia o beijava como se fosse a última vez e Vincent
aproveitou para tirar arquejos e suspiros da mulher, fascinado
pela forma como ela reagia a cada toque seu.
Talvez, quando o sol nascesse, a magia acabasse e
Vincent tivesse que conviver com a realidade complexa e
angustiante. Mas naquela noite, com as palavras de Amélia em
sua mente e a boca dela ao seu alcance, ele decidiu acreditar
no conto de fadas um pouco mais.
22.
Junho
Amélia conversava com o curador de um museu na França,
quando Angela entrou no escritório de Amélia e disse:
— Teodora Torrisi e Anna Di Castelli estão aqui.
Ela congelou, o sangue sumindo do seu rosto. Provavelmente
estava sendo demitida naquele exato instante e as duas mulheres
vieram dar a notícia juntas. Talvez Teodora pensasse que seria mais
gentil do que enviar um e-mail, mas Amélia preferia mil vezes uma
mensagem de texto a ouvir da boca das mulheres que mais
admirava no mundo o quanto havia fracassado.
Ao descer para encontrá-las, Amélia precisou andar devagar,
se xingando um pouco por ter escolhido um par de saltos mais altos
para trabalhar naquele dia, o nervosismo dificultando seus passos.
A Galera Torrisi estava praticamente vazia, antecipando a alta
temporada de junho e julho, que certamente viria com a nova
exposição. O sol se derramava pelas janelas de vidro, as sombras
das árvores que cercavam o lugar se projetando como pequenas
garras.
Teodora e Anna estavam na sala dedicada exclusivamente à
Fulvia D ‘Oro. Com penteados elegantes, as duas analisavam uma
grande pintura da artista, retratando um campo de trigo dourado e
um agricultor agachado, arrancando pequenos ramos da terra. As
cores sobrepostas formavam um degradê intenso, culminando no
céu azul limpo de verão, a textura das pinceladas evidente mesmo
se olhado à distância.
Era um dos quadros preferidos de Amélia.
— Acho que vocês não vieram para a visita guiada. — Ela
disse, os dedos tremendo.
Anna e Teodora se viraram, sorrindo. As duas tinham os
mesmos traços, que Amélia também via refletidos em Vincent.
— Amélia, querida, que bom ver você. Espero que não
tenhamos te atrapalhado. — Anna deu um beijo em cada bochecha
dela.
— Eu não estava muito ocupada.
— Mentira, eu sei como você se esforça para cuidar da nova
exposição. — Teodora estreitou os olhos. — Tem se alimentado?
Bebeu água hoje? Não pode ficar trancada naquele escritório o dia
todo.
Amélia riu, trocando o peso do corpo de uma perna para
outra. Talvez ela não fosse demitida no fim das contas.
— Estou bem, Teodora. A que devo a honra da visita?
— Você me deixou um presente interessante e eu adoraria
saber mais sobre ele. — Os olhos verdes de Teodora brilharam.
— E a minha mãe não conseguiu ficar de boca fechada e me
contou. — Anna completou. — Mas não a culpe, ela sabe que
estudei Fulvia durante muitos anos na faculdade.
Amélia soltou um suspiro de alívio, relaxando os ombros.
— Claro, vai ser um prazer. Gostariam de um chá? Um café?
— Que tal a cafeteria no fim da rua, querida? — Anna
sugeriu.
— Ótimo, me deem só um minuto, vou pegar minhas coisas.
Amélia estava tendo uma crise e derrubou duas vezes a chave
do seu escritório. Era como ter cinco anos e estar diante da Sailor
Moon, bem na sua frente e ela simplesmente dissesse:
— Quero falar com você, pobre mortal!
Os Torrisi não eram só os maiores patrocinadores de artes do
mundo, eles eram a família especializada no assunto. Suas vidas
eram dedicadas a resgatar artistas que foram apagados pela
história, como Fulvia, e dar chance àqueles que só precisavam de
uma oportunidade.
E é claro, havia o peso adicional de ser a primeira namorada
de Vincent Di Castelli que a família conheceu. Mas sem pressão.
Depois de passar na sala de Angela e acertar os detalhes com
a amiga, Amélia desceu e encontrou as duas mulheres. Elas
caminharam pela rua até a cafeteria e a estudante riu quando os
olhares chocados dos pedestres encontravam com o grupo. Pelo
visto não era todo dia que você via os Torrisi casualmente andando
pela cidade.
Ela se lembrou do primeiro encontro com Vincent, dos olhares
arregalados das mulheres da cafeteria e das fotos que saíram
depois. Pensar nele fazia seu coração se apertar de saudade, nem as
infinitas chamadas de vídeo eram capazes de abrandar o
sentimento. E com os últimos acontecimentos, Amélia queria estar
perto dele, ajudar ou simplesmente abraçá-lo.
A brasileira segurou um suspiro quando se sentou, deixando
Anna e Teodora fazerem seus pedidos.
— Então, Amélia, eu li o que você me mandou. Quando disse
sobre a pesquisa, eu imaginei que seria algo sobre a pintura de
Fulvia, não sobre a vida dela. — Teodora disse.
— Originalmente, esse era o meu plano, mas as coisas
mudaram um pouco.
Amélia tentou esconder sua empolgação, mas falar sobre o
tema da sua dissertação de mestrado era uma das coisas que mais
gostava no mundo.
— E o que você pode compartilhar de Fulvia conosco? —
Anna perguntou, os olhos verdes brilhando.
— Vocês já devem conhecer a história de Fulvia melhor do
que eu. A garota que pintava os campos verdes da Itália e teve todo
o crédito roubado pelo irmão mais velho. Quando isso aconteceu, ela
fugiu para o Brasil e ficou lá até perto da sua morte, quando voltou
e faleceu em Mancia. — Amélia respirou fundo. — Eu estava na
faculdade quando descobri essa história inteira, me encantei por
Fulvia logo de cara e quis saber mais sobre ela.
— Por isso você veio para Itália, garota esperta. — Teodora
comentou, uma mecha de cabelo grisalho caindo em sua testa.
— Exato. E também porque eu precisava de ajuda para
conhecer um pouco mais sobre Fulvia. Meu orientador da faculdade
e alguns professores no Brasil me ajudaram nisso e nós descobrimos
uma coisa interessante em um dos museus. Diários em forma de
cartas, que jamais foram postados.
A estudante sorriu, vendo os olhares em choque de Anna e
Teodora. Ela também ficou daquele mesmo jeito quando seu
professor de Teoria Literária lhe mostrou o conteúdo encontrado no
acervo de um dos museus.
— Onde elas estão?
A matriarca Torrisi sussurrou.
— No Brasil. Minha dissertação trabalha com o conteúdo
delas, o que eu não posso contar tudo ainda, antes da defesa.
Ajudei na tradução de algumas e vou usar o que temos para
apresentar na banca.
Anna a estudou e seu único anel prateado na mão direita
refletiu a luz da cafeteria por um instante.
— Sinto que você tem mais coisas a dizer, Amélia.
A brasileira empurrou os óculos para o lugar.
— Quero deixar claro que não me aproximei de Vincent por
causa de Fulvia. Meu plano sempre foi usar a bolsa nos estudos e
apresentar a história dela, porque merece ser contada. E depois de
tudo o que eu li, eu acho que precisa mesmo ser mostrada para o
mundo. Foi por isso que enviei o resumo da minha dissertação para
você, Teodora. Os Torrisi são o principal tema nas pinturas dela,
construíram um santuário inteiro para Fulvia, e acho justo que sejam
os primeiros a saber de tudo.
— O que vai acontecer quando você fizer sua defesa?
— Eu vou doar o trabalho inteiro para o acervo da família
Torrisi. — Teodora ergueu uma sobrancelha. — A história de Fulvia
está diretamente ligada a vocês, me deram a bolsa que eu tanto
sonhava para concluir meus estudos. Nada mais certo do que passar
para os que mais se importam com ela.
As três ficaram em silêncio por vários segundos, até mesmo
depois da garçonete entregar os pedidos na mesa.
Amélia bebeu seu café, a perna balançando freneticamente
debaixo da mesa, em uma descarga de ansiedade. Ela fixou seu
olhar nas mãos das duas mulheres, as unhas bem feitas, enquanto
elas pegavam suas próprias bebidas. A estudante notou o chá de
Teodora, laranja, e deu um sorriso para a madeira da mesa,
lembrando-se de Vincent.
— Foi o meu pai que resgatou as obras de Fulvia. — A
matriarca Torrisi disse. — Você sabe porque ele fez isso?
— Porque ela retrata os Torrisi nas pinturas, o crescimento da
família ao longo dos anos.
— Essa é a explicação para as entrevistas. O meu pai… Ele
não era um homem bom, menina. Podia parecer um empresário de
sucesso naquelas reportagens, mas eu me lembro das coisas que ele
dizia. Não fui uma filha fácil, mas me orgulho de não ter sido.
Quando eu tive meus próprios filhos, jurei a mim mesma que jamais
seria igual aquele homem.
Amélia encarou Teodora. A mulher sorridente e forte, tinha
um olhar de dor em seu rosto e a estudante apertou a mão livre
dela.
— Quando ele descobriu que as lendárias pinturas dos Torrisi
foram feitas por uma mulher, meu pai quis apagar da história da
nossa família. Eu e meus irmãos tivemos que fazer o trabalho de
desenterrar grande parte da verdade e muito se perdeu nesse
processo, já que meu pai não queria essa mancha no nosso nome.
— A maior parte do que você conhece, do que está exposto
nas galerias, foi fruto dos meus estudos. — Anna disse, inclinando-
se na mesa. — Minha mãe não vai admitir nunca, mas ela queria
que alguém continuasse a contar a história de Fulvia e eu era
apaixonada por arte. Não foi um trabalho fácil, tinha muito sobre ela
pelo mundo.
Amélia assentiu.
— Eu entendo. Quando decidi que minha dissertação de
mestrado seria sobre ela, tive que pedir ajuda para conseguir livros
que falassem sobre a história pessoal dela. Na verdade, eu li muito
do seu trabalho, Anna. — A estudante sorriu. — O que você fez na
Galeria Torrisi, indo de museu em museu, coleção por coleção, e
descobrindo os quadros dela… Foi incrível.
— Ah, foi mesmo. — Anna sorriu. — Foi o trabalho de uma
vida inteira e eu fico feliz que você se inspirou nele. Mas… Porque
uma garota brasileira escolheu uma pintora italiana para estudar?
Quando você mencionou isso no jantar, fiquei curiosa.
Amélia pressionou os lábios em uma linha fina.
— Teodora, os quadros de Fulvia na mansão Torrisi, são os
que não tem uma explicação, certo? Não estão relacionados com a
família, nem com os trabalhadores das terras e ninguém sabe o
porque ela os pintou.
— Sim, nunca foram expostos na galeria porque não tem uma
história concreta.
— Só sabemos que é de Fulvia pela assinatura e estilo das
pinturas — Anna trocou um olhar com a mãe — Está querendo dizer
que nos diários…
— Fulvia teve um amor profundo. O único da vida dela, que
morava no Brasil e ela decidiu viver seu sonho. — Amélia arrumou a
postura. — Esse é o conteúdo básico das cartas, tudo o que
realmente posso falar. Mas… Explica as pinturas que não tem relação
com as outras, o porque dela não ter voltado para a Itália. O
remetente era uma de suas melhores amigas, que morreu quando
Fulvia tinha 18 anos. Acredito que era como desabafar sobre sua
vida para alguém, mesmo que essa pessoa não estivesse lá.
— Deus, isso muda muita coisa. — Os olhos de Anna
brilhavam de empolgação. — Se pudermos ter esses documentos na
galeria, podemos completar o trabalho inteiro de Fulvia. Amélia
querida, quando podemos ter acesso a isso?
Amélia deu uma longa explicação sobre a relação da sua
universidade no Brasil e os estudos na Itália. Ela sabia que estava
soando emocionada demais, mas não se segurou. Era sempre um
prazer falar do que amava para pessoas interessadas, que tinham
tanto amor como ela para aquilo.
Em especial, para a pessoa que a tinha inspirado naquele
caminho. Nem nos seus melhores sonhos ela pôde imaginar que
conseguiria a chance.
— Me envie o contato dos seus professores. — Teodora pediu.
— Eu quero conversar com eles sobre uma possível amostra, quando
seu trabalho for publicado.
— Claro, eu vou fazer isso hoje mesmo.
Amélia tinha acabado de pegar o celular, quando Anna tocou
em seu braço.
— Ainda não respondeu minha pergunta, querida. Porque a
história de Fulvia tanto lhe interessou?
— Pessoas como Fulvia, que foram injustiçadas, merecem ter
a chance de ter suas histórias contadas. — Amélia soltou e tomou
uma respiração funda. — Ela não era só uma coitadinha que teve o
trabalho roubado pelo seu irmão mais velho e agora as pessoas
estão finalmente tendo a chance de conhecê-la. Fulvia era uma
mulher cheia de luz e energia, com tanto amor e carinho para dar…
Ela não sonhava em ser famosa, mas queria que sua arte tocasse o
coração das pessoas, as inspirasse. Alguém precisava mostrar ao
mundo quem ela é de verdade.
— E você decidiu assumir a função?
Amélia riu baixinho.
— Uma pessoa precisava, não é? Minha mãe era apaixonada
por arte, sempre me levou em museus, junto com minha irmã mais
nova. A primeira vez que eu vi um quadro dela, no Brasil, minha
mãe me contou sobre a história superficial de Fulvia. Fiquei um
pouco obcecada.
— Sua mãe parece uma pessoa especial.
— Ela era. — Lágrimas surgiram nos cantos dos olhos de
Amélia e ela piscou. A lembrança da mãe era um misto de conforto e
dor, que coexistiam em seu peito.
— Ah, menina. — Teodora sorriu e apertou a mão de Amélia.
— Ela deve estar bem orgulhosa de você.
— Gosto de pensar que sim. — Amélia sorriu.
— Porque não fala um pouco sobre ela, Amélia? Adoraria
saber mais sobre sua mãe e sua irmã. Ela é escritora, não é?
Amélia assentiu e relaxou, contando aquelas duas mulheres,
que também tinham passado por perdas, dores e tristezas, sobre
sua infância na cidade litorânea e as comidas que sua mãe fazia.
Aproveitando a deixa, Anna e Teodora falaram sobre seus maridos,
Vincent e como foi crescer em Mancia.
Apesar da dor que as memórias carregavam, Amélia sentiu o
nó em seu peito se afrouxar, sabendo que as outras também
compartilhavam da sensação. Ter pessoas que passaram pelo
mesmo que ela, estar cercada de compreensão, a fez sentir que sua
mãe estava ali, espantando velhos fantasmas com seu sorriso gentil
e amoroso.
Viva dentro dela, viva nos sonhos de Amélia.
***
O final de semana em Silverstone encheu Vincent de
memórias.
A equipe inteira pousou em Londres, para cumprir uma
agenda publicitária, e Vincent passou na mesma rua onde conheceu
Amélia Palhares. Enviou uma foto do alojamento universitário para
ela, recebendo uma sequência de emojis de choque.
Ele se viu relembrando tudo o que aconteceu naquela noite,
desde a primeira vez que viu a garota de casaco vermelho, chorando
na calçada, à quando acordou sozinho e viu que Amélia tinha ido
embora. Era engraçado perceber quanto tempo havia de passado e
como os dois se tornaram duas pessoas diferentes.
O Vincent de três anos atrás jamais imaginaria dar uma
entrevista sobre a temporada atual de Fórmula 1, embora sonhasse
com isso. Sorrindo para os fotógrafos, ele se pegou pensando
naquele garoto do passado, analisando seu trajeto em flashes
rápidos.
— Como está o humor para a corrida desse fim de semana,
Vincent? Disposto a tentar uma dobradinha da Redemptio?
Ele e Satake trocaram um olhar antes de rirem.
— Confiante de que vou vencer, mas adoraria dividir o pódio
com Yukikaze, é sempre bom.
— E sobre os vazamentos recentes, gostaria de comentar
alguma coisa?
Vincent pressionou os lábios em uma linha fina. Ele sabia o
que todas aquelas pessoas estavam esperando dele e cerrou os
punhos antes de assumir uma expressão calma e tranquila.
— Não. Já emitimos notas oficiais sobre o assunto e não
temos mais nada para falar sobre isso. Esperamos agora uma
resposta da justiça sobre o ocorrido e desejo minha solidariedade
para as equipes e pilotos afetados.
Até porque, eu não faria um estardalhaço para perder de vista
o que importa.
O piloto vinha dedicando seu tempo extra no projeto secreto
e não queria estragar tudo. Mesmo que o risco fosse alto, Vincent e
os outros jogavam com cuidado e precisão, contando com uma
equipe incrível por trás de cada parte. Ele não seria o maluco de
estragar tudo, por isso, tinha que ter cuidado redobrado com o que
falava e como agia.
— Qual o meu próximo compromisso?
— Nenhum, a não ser que você tenha mais um crime federal
para cometer. — Stefano disse, desligando o tablet.
— Ainda é cedo e nunca sabemos como a noite termina.
Eles estavam no hotel, o planner de Stefano aberto e diversos
papéis escapando de dentro dele. O social media parecia exausto e
Vincent se sentiu um pouco culpado, pela carga de trabalho extra
que deu ao amigo.
— Você vai sair?
— Sancia está na cidade e vamos em um bar. Quer ir?
— Na verdade, eu quero sim. — Vincent o encarou, surpreso.
— Não faça essa cara, Vince, eu sou o cara das festas nessa
amizade.
— Sim, mas você odeia sair em dias que não sejam sua folga.
— Atualmente, não temos mais folga, então estou me dando
o direito de furar essa regra.
Eles escolheram um bar tranquilo, nos arredores da cidade, e
distante de paparazzis e fotógrafos. A temática LGBTQIA+ estava
presente nas luzes, bandeiras penduradas nas paredes de madeira
escura, na playlist só de artistas queer e até mesmo nos drinks.
— Meu Deus, tem um drink de morango que chama lésbica
super sônica. — Sancia riu. — Eu preciso pedir um desses!
Ela estava usando um vestido de mangas compridas, roxo,
que terminava abaixo das coxas, combinando com botas brancas. O
delineador dela, prateado, brilhava na luz roxa que piscava acima da
mesa deles.
— Eu vou querer uma margayrita. — Stefano apontou para o
cardápio.
— Um soco pansexual me parece perfeito para mim. —
Vincent disse, sorrindo.
— Que bonitinho, todo mundo pedindo um drink que nos
representa.
Stefano mencionou, tirando uma das tranças recém-colocadas
do rosto. O resto do cabelo estava amarrado em um coque, na nuca,
e a pele negra retinta, brilhava pelo iluminador dourado. Ele tinha
escolhido um blazer azul escuro, com uma camisa preta por baixo, e
um lenço estampado no bolso.
— Vou mandar isso aqui no grupo da gente. — Vincent tirou
uma foto do cardápio e depois fez uma selfie deles três. — Emma
vai ficar puta porque não veio.
— Eu trago ela algum dia, é meu bar preferido da Inglaterra.
Vincent assentiu, arrumando a bandana que mantinha seus
cabelos para trás. Os fios tinham começado a crescer, estavam
quase na orelha, e ele riu quando Amélia comentou que era muito
injusto ele estar tão gostoso e ela não poder vê-lo.
Os três beberam os drinks com rapidez, dispostos a
experimentar o máximo possível do cardápio. Vincent parou no
terceiro, porque era o motorista da noite, e no dia seguinte teria
treino, mas não precisou de álcool para ficar animado com Sancia e
Stefano com ele.
A relação com Amélia permitiu que eles se aproximassem
bastante. Quando a mãe de Sancia ficou doente, todos se reuniram
para dar apoio à modelo, e a amizade entre eles foi selada. Vincent
nunca teve tantos amigos quanto naquele momento e o piloto se
sentia feliz pela companhia de cada um deles.
— Tem um Old Town X! — Stefano disse, rindo, quando Lil
Nas X começou a tocar no bar. — Sancia, a gente tem que beber
esse drink.
— Essa merda tem tequila? Isso vai me matar, mas eu topo.
Vincent riu, acompanhando a cantoria desafinada dos amigos.
— E então, piloto campeão mundial — Sancia disse, depois de
virar o drink de uma só vez — Você não disse nada sobre as corridas
desse ano.
— Não tem muito o que dizer, vou ganhar mesmo.
— Vincent, você sabe do que eu tô falando. Até meu pai falou
das acusações de Ansel Bellini, aquele velho desgraçado.
O rosto de Sancia se contorceu em desgosto.
— Ah, Sancia, ele é só um velho babaca. Dou o meu melhor
nas pistas e com certeza sou um piloto mais capaz do que Ansel,
isso me conforta.
— Meu pai disse o mesmo!
— Se ele quiser, eu consigo ingressos para a corrida no
domingo.
— Awn, você é um fofo querido. Mas meu pai não vai sair do
lado da minha mãe até ela melhorar.
Vincent sorriu.
— E como você tá lidando com isso?
— Ela vai ficar bem, o choque de ver ela no hospital que foi
maior. Mas é só questão de tempo e de cuidados em casa e ela se
recupera.
Stefano abraçou Sancia.
— Claro que ela vai ficar bem, é forte igual você. — O social
media disse.
Eles resolveram encerrar a noite no karaokê do bar, ao som
de Judas, da Lady Gaga. Stefano gravou a apresentação inteira de
Vincent e Sancia, que animaram a plateia pequena ao ponto deles se
levantarem para dançar.
O piloto deu o melhor de si, sabendo que cantar não era uma
de suas habilidades. Deixou o estresse dos últimos dias escorrerem
nas notas desafinadas, abraçando Sancia com um braço, e pulando
com ela junto na batida da música. Vincent estava realmente se
divertindo e percebeu o quanto sentia falta disso.
— Gaga é sempre um clássico. — Sancia gritou, um pouco
bêbada, o lace loiro do cabelo um pouco desarrumado. — Obrigada
por terem vindo me ver, eu sei que vocês tem uma agenda a cumprir
e tudo o mais.
— Sancia, querida, estamos sempre disponíveis para você. —
Stefano disse. — E Angela mandou dizer no grupo, que você está
gostosa demais nesse vestido.
A modelo riu.
— Essa é a deixa para eu ligar para minha namorada, se
vocês dois me dão licença…
Sancia sorriu, o celular já na orelha. Vincent e Stefano a
acompanharam para o lado de fora, encostados na parede lateral do
bar, o ar frio e inglês era refrescante. O céu nublado parecia
prenunciar uma chuva e o piloto fez uma careta, odiava correr em
pista molhada, mas seria uma chance de experimentar o jogo de
pneuS da Redemptio para essa situação.
— Vai mesmo chover. — Stefano disse. — Meu joelho tá
doendo desde que a gente chegou aqui.
Vincent riu. Era mesmo verdade, o joelho de Stefano parecia
ser capaz de prever o tempo e ele confiava mais no amigo do que
no jornal.
— Vai ser uma corrida e tanto amanhã, nesse caso, talvez
algum carro derrape. Mais emoção nas pistas é bom.
— Mais do que já tem?
Stefano franziu a testa.
— Ah, Stefano, um drama na Fórmula 1 é sempre bem-vindo.
— Vincent sorriu — Obrigado por ter topado tudo isso, aliás.
— Sou seu melhor amigo, Vincent. Eu te ajudaria nisso sem
pensar duas vezes.
Eles trocaram um abraço longo, irmandade e afeto
transmitido pelo toque. O celular do piloto tocou e ele se
surpreendeu ao ver o nome de Amélia na chamada.
— Palhares?
— Oi.
— O que você tá fazendo acordada a essa hora?
Ele ouviu uma risada baixinha do outro lado.
— Eu meio que esperava que você ainda estivesse no karaokê
e Stefano fizesse uma chamada de vídeo, porque eu queria tanto ver
isso.
O piloto riu, a parte restante da tensão se esvaindo.
— Ah, é? Então não tem nada a ver com você querendo
material para o meu aniversário.
— Por favor, eu tenho o suficiente. — Ela suspirou. — Uma
pena que você não está aqui, pensei que iríamos comemorar juntos.
— E que tipo de comemoração você queria fazer, Amélia?
Vincent sorriu, o sangue correndo mais rápido nas veias.
— Uma que envolvesse muitos beijos, de preferência, e quem
sabe uma cama disponível — A voz dela ficou mais baixa e
convidativa — Terminarmos o que não fizemos naquela vez.
— Eu adoraria, Palhares. Tenho uma ótima imaginação, sabia
disso? Consigo até ver como a noite toda seria.
— A noite toda?
— Amélia, quando eu finalmente tiver você, acha que vou
ficar satisfeito só com uma vez?
Mesmo a quilômetros de distância, Vincent sentia as faíscas
estalando no ar ao redor. A sensação da boca de Amélia Palhares
sob a dele não podia ser esquecida facilmente.
— Não acredito, estão falando putaria na minha frente?! —
Sancia gritou e Amélia riu do outro lado da linha. — Tenham
decência, crianças.
— Como se não fosse esse o assunto da sua conversa com
Angela. — Vincent provocou. — Amélia mandou um beijo.
— Diga que mandei um de volta e sinto falta dela.
— É, eu também. — O piloto respondeu baixinho, só para o
telefone. — Preciso ir, Palhares, tenho que voltar para o hotel.
— Me avise quando vocês chegarem no hotel, campeão. E eu
também sinto falta de você, Vincent.
No caminho de volta, com Sancia pensativa e Stefano
encarando a paisagem de Silverstone, Vincent colocou ‘Codinome
Beija-Flor’, uma das músicas preferidas de Amélia. A brasileira tinha
apresentado a canção a ele e traduzido para italiano, explicando
cada verso em tantos detalhes e carinho, que o piloto se apegou à
canção.
Carinho era uma palavra que definia bem Amélia. A
preocupação de saber se todos os amigos chegaram bem, em casa
ou no hotel. Mensagens no meio dia, perguntando como cada um
estava, só porque ela se importava. Fotos retiradas do fundo do baú,
enviadas de forma aleatória, para resgatar antigas lembranças de
momentos.
Sempre ações afetuosas que tinham como intenção
demonstrar carinho pelas pessoas que ela gostava.
Vincent sorriu com o refrão da música. Ele tinha a sensação
de que seu coração estava protegido nas mãos de Amélia.
E teve a prova disso, alguns dias depois.
No seu aniversário, depois de uma agenda cheia e um bolo
surpresa da equipe da Redemptio, Vincent estava ansioso por um
descanso no seu hotel. Ele achou estranho não ter tido nenhuma
mensagem de Amélia o dia inteiro e imaginou que ela estivesse
ocupada com as coisas do mestrado.
Ele realmente não se importava tanto assim com a data ou
como ela seria celebrada.
O piloto tinha acabado de sair de uma ligação com a mãe e
avó, quando abriu a porta do quarto e acendeu a luz.
— Surpresa!
Vincent arregalou os olhos. Amélia Palhares, usando um
vestido azul estampado, segurava um bolo de chocolate nas mãos,
sorrindo. O quarto tinha balões pendurados nas paredes, docinhos
em uma das mesas e alguns salgados em outra.
— Como você…
— Por favor, achou mesmo que eu não viria? — Ela revirou os
olhos, se aproximando, as velas com o número 26, acesas no bolo.
— Assopre e faça um pedido.
— Palhares, você… — Ele sorriu, o coração batendo depressa,
e apagou as duas pequenas chamas. — Eu já disse que você é
incrível?
— Sim, mas eu não vou reclamar se você repetir.
Ela riu, colocou o bolo na mesa e o abraçou. O cheio de
ameixas invadiu o sistema de Vincent, a percepção de que a
presença dela era real, macia e quente. Ele abraçou a cintura da
mulher, enterrando o rosto no pescoço dela.
Alívio, saudade e paz. Tudo de uma vez só.
— Quando você chegou aqui?
— Faz tipo, umas duas horas. Eu combinei com Stefano para
te deixar fora do hotel e organizei tudo isso. Feliz aniversário,
Vincent.
Ela o beijou no canto dos lábios, com ternura. Vincent achou
que pudesse derreter.
— Obrigado, Amélia. Eu nem sei o que dizer.
— Não precisa dizer nada. Ah, e tem um presente! Não é
nada tão chique quanto a pulseira que você me deu, mas eu não
podia deixar passar em branco.
Ela o entregou uma caixinha de madeira e Vincent franziu a
testa.
— Não precisava, você sabe disso.
— Cala a boca e abre.
Dentro, havia um carro de Fórmula 1 em miniatura e Vincent
apertou os olhos, reconhecendo. Era o carro que ele pilotava nas
corridas da temporada atual.
— Como você conseguiu fazer isso?
— Eu tenho meus segredos. — Amélia sorriu. — e Arthur foi
super gente boa comigo, me dando algumas dicas para o modelo.
Você gostou?
— Sim! — Vincent riu, analisando a impressionante
quantidade de detalhes do modelo. — Eu adorei, Amélia, obrigado.
Ela sorriu, feliz e animada.
— Só para você saber, eu trouxe salgadinhos brasileiros. Você
quer comer agora? Ou esperar…
Ele a interrompeu, partindo beijando os lábios dela.
Aquela mulher incrível tinha dado uma pausa na vida, viajado
para outro país, só para fazer uma surpresa de aniversário e Vincent
nem se importava tanto assim com a ocasião. Mas ela tinha feito
tudo aquilo, por ele, ainda por cima. O piloto nem conseguia
descrever o tamanho da emoção que sentia no peito naquele
momento.
Amélia relaxou em seus braços, os dedos enroscando-se nos
cabelos de Vincent, os lábios retribuindo o beijo na mesma
intensidade. Ele desceu as mãos para o quadril da mulher, apertando
a bunda dela.
Ele se afastou, respirando pesadamente nos lábios dela, a
expectativa crepitando no ar. Vincent encostou a testa na de Amélia,
os dedos ansiosos percorrendo a linha da sua coluna.
— Amélia, acho que comer pode esperar.
23.
Junho
Um instante de silêncio se seguiu e as batidas do
coração de Amélia ecoaram por seu corpo inteiro. Quando
organizou tudo aquilo, ela já esperava que a noite acabasse
assim. Entretanto, isso não diminuiu a tensão que se acumulou
em seu estômago.
Ela sorriu e se inclinou na direção dele.
— O desejo do aniversariante é uma ordem.
— Ah é? — Vincent passou a mão pelos cabelos curtos e
ela viu as irises douradas, escurecidas, em sua direção — Vire
de costas, por favor, mia bella.
Amélia assentiu e seus joelhos bateram na cama quando
se virou. O quarto inteiro parecia elétrico, ou talvez fosse só a
respiração dela, os dedos ansiosos se retorcendo, milhares de
pensamentos cruzando sua mente.
Sentiu a pele arrepiar quando os dedos de Vincent
retiraram seu cabelo do pescoço, percorreu e a tocou com a
ponta do nariz.
— Adoro seu cheiro, Amélia, a sensação de tocar em
você…
A brasileira mordeu o lábio inferior, derretendo. As mãos
de Vincent pairavam sob a barra do seu vestido e ela assentiu,
percebendo que o piloto esperava uma permissão.
Ele contornou suas coxas expostas com leveza e Amélia
quis gritar por mais contato, mas Vincent não teve pressa
alguma. O toque a incendiou, levantando o tecido, trilhando
um caminho ascendente. Os polegares dele se engancharam
em sua calcinha, ao mesmo tempo que os lábios do italiano
beijavam seu pescoço, os dentes arranhando o lóbulo da sua
orelha.
Desejo pulsou entre suas pernas.
— Vincent…
— Calma — A voz dele saiu rouca — Quero aproveitar
cada segundo e dessa vez não tem ninguém para nos
interromper.
Amélia riu baixinho, mas o som se transformou em um
gemido. Apoiou a cabeça no ombro dele e Vincent percorreu o
elástico da sua peça íntima, os dedos muito perto de onde ela
tanto queria. A mente da estudante era uma tela em branco,
só haviam as sensações, calor e mais calor.
— Abra as pernas para mim, mia bella.
Ele sussurrou e Amélia empinou a bunda, um pouco de
propósito, um pouco inconscientemente e arregalou os olhos
ao descobrir que Vincent já estava duro. Ela obedeceu,
separando as pernas, e o piloto pressionou o corpo ainda mais
no dela, o perfume caro se espalhando em torno dela.
Ela soltou um suspiro longo, quase na ponta dos pés,
dedos longos acariciando por cima do tecido.
— Você tá brincando demais, Vincent — Amélia disse e
ele riu, o som abafado pela pele dela.
Amélia quase perdeu a sanidade quando Vincent afastou
a calcinha de para o lado e deslizou o dedo sobre a pele
exposta. O atrito a fez soltar um gemido, os olhos fechados, o
calor insuportável em cada parte do seu corpo. Ele a explorou,
testando o ritmo e a pressão.
— Você pode ir mais forte. — Amélia disse, virando o
rosto para ele. — Um pouco mais embaixo, também.
Vincent assentiu, os dedos trabalhando no ponto certo e
a beijou, a outra mão segurando os cabelos de Amélia. A
combinação de sensações e estímulos foi o bastante para que
ela gemesse alto, pouco se fodendo para o fato de que
estavam em um hotel, ocupada demais se desfazendo.
— Um, Amélia? — Ele chupou o pescoço dela e
sussurrou no seu ouvido em seguida — Dois?
Amélia assentiu e Vincent a fodeu com dois dedos.
Entrando e saindo devagar, uma tortura lenta, ondas de prazer
invadindo suas terminações nervosas.
— Caralho — Ela xingou, o interior se contraído, as
pernas arrepiadas, o quadril se movendo no mesmo ritmo que
os dedos de Vincent. Tudo ao seu redor parou de existir, o
coração batendo forte nos seus ouvidos, faíscas queimando em
sua pele a cada toque incendiário dele.
— Mia bella, apoie o joelho na cama.
Vincent pediu e Amélia dobrou uma das pernas em cima
do colchão, usando uma das mãos como apoio. Ele se curvou
sobre ela, afastou os cabelos para o lado, pressionado contra
as costas, a boca diretamente no ouvido dela.
— Boa garota.
O piloto apertou-a contra si e Amélia fechou os olhos, se
permitindo aproveitar o momento, a pressão em seu ventre
aumentando, o gosto de Vincent em sua língua e a pele dele
contra a sua. Pontos brilhantes dançaram atrás das pálpebras
cerradas e ela gemeu, desejo derramando-se para fora.
Vincente se afastou e Amélia sentou-se na cama,
assistindo o piloto sorrir maliciosamente. Ele chupou os dedos,
encarando-a.
— Tenho pensando em fazer isso há muito tempo,
Palhares.
— Porra — A brasileira apoiou-se nos cotovelos — Mas
eu não acho que você consiga competir com as fantasias que
eu tenho sobre nós dois.
— Então você pensou em mim nesse sentido, que
pervertida. — Ele riu e lhe deu um beijo demorado — Bom
saber que eu não sou o único.
Amélia tocou o rosto dele, sua respiração ainda pesada.
— Me deixe ver você.
Ele assentiu. Vincent não desviou os olhos dos dela
enquanto se livrava da roupa. Amélia estudou as linhas do
corpo do piloto, da clavícula marcada, passando pelo abdômen
definido, mas sem exageros e as veias um pouco saltadas do
braço.
— Lindo.
Ela disse em portugês o mordeu o lábio inferior,
fascinada pela anatomia de Vincent. Se Amélia fosse uma
pintora, adoraria passar horas estudando cada detalhe do
corpo do piloto e registrando em um quadro. Ela esticou a mão
para tocá-lo, mas Vincent segurou seu pulso.
— Me deixe ver você, meu bem.
Amélia suspirou, levantou-se e desamarrou o laço do
vestido, os dedos um pouco trêmulos de nervosismo. Retirou a
peça pela cabeça, não tão graciosa quanto gostaria, e desceu a
calcinha com rapidez. Encarou seus pés por meio segundo
antes de reunir coragem para encarar Vincent.
Os olhos dele estavam escuros, como âmbar, e o quarto
inteiro esquentou.
— Você, Amélia…
— Sem frases incompletas, por favor.
Vincent riu, se aproximou, uma mão segurando sua
bochecha, a outra tocando suas costelas com movimentos
circulares.
— Você é linda. Eu poderia passar horas só olhando
para você, para cada parte sua.
— E você disse que não era bom com as palavras…
Amélia sentiu as bochechas vermelhas, mas não desviou
os olhos dele.
— Culpa sua. Não consigo nem pensar direito quando
vejo você, linda.
Ela piscou ao escutar o elogio em português, surpresa.
Mas não teve sequer de reagir, porque no segundo seguinte,
Vincent já estava devorando seus lábios com força, gemendo
na boca dela, os dedos apertando o corpo de Amélia no dele.
As intimidades se tocaram e ela suspirou, ansiosa, desejosa e
ainda sensível do orgasmo.
Sem dizer uma palavra, Amélia se separou e deitou-se,
sabendo que cada movimento seu estava sendo estudado por
Vincent. Geralmente, ela se sentia tímida, mas porque se
esconder quando aquele homem a olhava como se ela fosse
uma deusa saída diretamente de um mito antigo?
Vincent a seguiu, sem conseguir desviar os olhos dela.
Deixou beijos em sua barriga, seios e pescoço, a língua
tocando a pele dela rapidamente.
— Amélia, eu talvez não seja capaz de te dizer o quanto
eu te acho perfeita — Ele pairou a centímetros dos lábios dela
— Mas vou adorar te mostrar, mia bella.
E a beijou mais uma vez, arrancando um suspiro do
fundo da garganta de Amélia. Ela cravou as unhas nos bíceps
dele, adorando a sensação de ter Vincent tão perto, tocando-o
em todos os lugares que conseguia, o cheiro de sexo
grudando-se a pele suada de Amélia.
Vincent alcançou a mesa de cabeceira, pegou uma
camisinha e a colocou, quase tropeçando ao deitar na cama de
novo, o peito em uma respiração acelerada. Amélia riu
baixinho, enquanto ele apoiava o peso em cima dela com
cuidado.
— Oi, Vincent.
Ela disse, os narizes se tocando.
— Oi, Amélia. — Vincent beijou os lábios dela com
delicadeza. — Me avise se você se sentir desconfortável, tá
bem?
Amélia derreteu com a preocupação e carinho na voz
dele. Ela assentiu e Vincent se afastou, encarando-a, a luz
amarelada refletindo nos cabelos castanhos, deixando-o
parecido com um anjo. Um anjo devasso e sorriso malicioso.
A brasileira abriu as pernas e ele se acomodou entre
elas. Com um movimento dolorosamente lento, que fez
estrelas explodirem na cabeça de Amélia, ele entrou, soltando
um gemido longo. Vincent continuou, com mais força dessa
vez, apoiando as mãos ao da cabeça dela, gotas de suor
brotando em sua testa.
— Porra. — Ele xingou, os olhos enlouquecidos.
Amélia entrelaçou as pernas ao redor dos quadris dele,
desesperada por Vincent, soltando um arquejo quando ele
acelerou. Os dedos dele agarraram seus seios, os polegares
brincando com os mamilos e um espasmo delicioso percorreu o
corpo dela.
Ela se moveu junto com ele, buscando o ponto que lhe
dava mais prazer, um pouco desajeitados. Os dois gemeram ao
mesmo tempo, encarando-se por longos segundos, partindo
para um beijo bagunçado, os lábios afoitos em respirações
curtas. O peso de Vincent pressionou Amélia no colchão, as
unhas dela arranharam a pele das costas dele.
O limite de Amélia estava perto, uma queda de prazer.
Quando Vincent se afastou, encarando-a nos olhos, a
expressão nublada, o movimento estimulando seu clítoris, ela
se entregou pela segunda vez na noite.
— Vincent!
Ela gemeu, as pernas tensas relaxaram em volta dele,
as mãos de Vincent ao redor da cintura, segurando-a, o corpo
de Amélia se desfazendo em milhões de pedaços em cima do
colchão. O piloto a fodeu mais duas vezes antes de desabar, o
rosto nos cabelos dela.
Vincent rolou para o lado, os dedos entrelaçados aos da
brasileira. Amélia aproveitou a sensação pós-orgamo,
espasmos de prazer ainda espalhados pelo seu corpo. Virou-se
para o italiano os cabelos grudados de suor no pescoço, o
piloto a encarava.
— Você gostou?
— Não. — Ela respondeu, séria, vendo os vincos se
formarem na testa dele. — Eu adorei, Vincent.
— Caralho, mulher. — Ele a puxou pela cintura,
enquanto Amélia ria. — Quero saber melhor do que você gosta
na cama, Palhares.
— Você foi bem para uma primeira vez comigo. — Ela
sorriu e afastou os cabelos da testa dele. — Estou brincando,
Vincent, foi realmente bom. Você gostou?
Ele assentiu, beijando o maxilar dela, o rosto deitado
entre o pescoço e o ombro de Amélia.
— Foi perfeito, Amélia, você é perfeita.
— Que bom, mas só para você saber, eu tenho algumas
preferências que adoraria compartilhar com você.
— Sou todos ouvidos.
Depois de um relacionamento que minou sua saúde
mental e auto estima, Amélia aprendeu importantes lições
sobre comunicação e confiança. Um coração precisa se sentir
seguro e confortável para resolver se abrir e ali, abraçada com
Vincent e conversando sobre o que gostavam no sexo, Amélia
se sentia exatamente assim. Sem medo de mostrar suas
inseguranças, sabendo que seria acolhida com cuidado.
Ela vestiu uma das camisas de Vincent e o piloto
colocou apenas uma cueca, depois de longos minutos de
conversa. Eles comeram o bolo e os salgados, abrindo o Pinot
Noir que a brasileira comprou e bebendo direto do gargalo.
— Você sabe que Pia iria nos matar por isso aqui, não
sabe? Ela diria algo como desrespeitar o vinho e coisas assim.
Vincent riu.
— Ainda é meu aniversário, então eu faço as regras
sobre o vinho.
O piloto colocou sua playlist, que Amélia sabia ser
repleta das músicas do Fleetwood Mac e da nova obsessão
dele, Cazuza. Ela cantarolou com Vincent, admirando o sorriso
nos lábios dele.
— Preciso de um banho. — Amélia disse com um
suspiro, arrumando a bagunça que tinha se tornando a cama.
— Ah, é?
Vincent sorriu, como uma criança travessa, e Amélia o
encarou, a ficha caindo aos poucos.
— Vincent, você não vai…. Vincent!
Ela gritou. O piloto a pegou pela cintura e a arrastou
para o banheiro. Amélia riu, ouvindo o chuveiro ser ligado e
afastou os cabelos do rosto quando ele a colocou no chão, as
gotas de água quente respingando em sua pele.
— Espero que saiba que nunca vou me cansar de você.
— Vincent sussurrou, tirando a blusa que ela vestia. A pele de
Amélia se arrepiou.
— Bom, porque eu também não vou me cansar de você,
Vincent. — Ela se apoiou nos ombros dele, os seios
pressionados contra o peito nu. Amélia beijou o pescoço dele,
a água caindo em torno dos dois, e sorriu ao ouvir o suspiro,
as mãos ainda agarrando a cintura dela.
Os arquejos dele se tornaram maiores, conforme a boca
de Amélia descia pelo seu peito. Ela se ajoelhou na porcelana
fria e o tocou sob o tecido. Vincent jogou a cabeça para trás, a
boca entreaberta, os dedos segurando a nuca dela, mas sem
empurrar sua cabeça.
Ela abaixou a boxer devagar, fascinada pelas reações de
Vincent. Ele era sempre o piloto sério e concentrado, ou o
amigo engraçado e divertido, mas aquela vulnerabilidade
contida nas expressões de prazer, era novo. Determinada a
conseguir mais daquilo, Amélia pressionou-o em diferentes
lugares, descobrindo a forma que Vincent mais gostava de ser
tocado.
Os sons que ele soltava viajavam pela coluna da
brasileira, excitando-a igualmente e Amélia apertou as pernas.
Ele a encarou, ofegante, proferindo uma torrente de palavrões.
— Que boca suja, Vincent. — Ela sorriu, lambendo a
pele dele, da base até a ponta.
— Amélia…
Vincent gemeu seu nome e ela quis ouvir de novo.
Amélia o chupou, jamais desviando os olhos dele, segurando-
se da cintura de Vincent, aprofundando o contato o máximo
que ela conseguia.
Mas antes que ela pudesse continuar, Vincent a afastou,
estendeu a mão e ajudou a ficar em pé. E então, a beijou, as
mãos se fechando na bunda de Amélia, o gosto dele ainda na
sua língua, a água quente caindo em cima deles.
— Por mais que eu estivesse adorando, Palhares, prefiro
gozar junto com você — Eles tropeçaram em outro beijo,
apressado, cheio de tesão e um pouco caótico — Pode virar de
costas para mim, mais uma vez?
Ela assentiu, apoiando-se na parede, às costas
dobradas, a bunda empinada no ar, expectativa pairando e
desejando se misturando à água. Ela ouviu o barulho do
pacote de camisinha sendo aberto e olhou por cima do ombro,
vendo o italiano enterrando-se dentro dela de uma vez.
Amélia gemeu, uma onda de êxtase deixando suas
pernas trêmulas. Com uma mão, Vincent segurou seu quadril,
com a outra segurou seus cabelos molhados e a fodeu, o
prazer queimando na base da sua coluna, os seios balançando
cada vez que ele deslizava para dentro.
— Mia bella… — Vincent murmurou e estalou um tapa
sonoro contra a bunda dela. Amélia revirou os olhos, a
ardência misturando-se ao desejo. — Amélia, você é deliciosa.
O piloto tocou seu clítoris, do jeito que ela tinha o
ensinado, acelerou os movimentos e Amélia viu pontos pretos,
o clímax repentino. Ela gemeu pela última vez, relaxando o
corpo em seguida, presa em uma nuvem de prazer pura,
sentindo Vincent se desmanchar atrás dela em seguida, a
respiração alta e pesada.
Ele se afastou, jogando a camisinha fora, e os dois
tomaram banho em um silêncio tranquilo e exausto.
— Esse foi o melhor aniversário que já tive.
Vincent disse, o cabelo escuro cheio de shampoo.
— Aposto que você já teve festas melhores do que essa.
— Mas nenhuma delas tinha você, mia bella. Obrigado
por ter feito isso.
Ele sorriu e Amélia sentiu o coração inflar. Ela beijou o
peito molhado do piloto e segurou seu rosto com carinho.
— Fico feliz que tenha gostado. E não precisa agradecer,
campeão.
Ele revirou os olhos, mas não desfez o sorriso no rosto,
relaxado, alegre e genuíno. Amélia pensou que haviam poucas
coisas que não faria para ver Vincent sorrindo assim,
genuinamente feliz e a vontade. Ela sorriu e adormeceu nos
braços dele, guardando a expressão de Vincent no canto mais
brilhante de seu coração.
***
Vincent não conseguia parar de sorrir no autódromo,
pela manhã. E isso tinha sim, a ver com a mulher adormecida
no seu quarto, encolhida nos lençóis.
Ele descobriu que ela tinha um sono mais pesado do
que parecia, ao derrubar uma garrafa de água no chão e ver
que ela nem sequer se moveu. Vincent acabou quebrando a
promessa de acordá-la para assistir o treino livre, mas sabia
que Amélia não era fã das manhãs e estava exausta da
viagem.
O quarto inteiro cheirava a ameixas, o gosto dela ainda
em sua língua e as memórias da noite saltavam em sua mente
ao longo do dia. O piloto poderia escrever livros inteiros sobre
os toques, sorrisos, expressões e sons de Amélia. E ainda
assim, não seria o suficiente para descrever aquele momento.
Não era sobre o sexo. Era sobre rir, abraçado com
Amélia, e sentir que seus corações batiam no mesmo ritmo.
— Esse sorriso idiota no seu rosto quer dizer que você
gostou da visita de Amélia?
Satake o provocou, quando eles saíram dos carros e
entraram no paddock.
— Você sabia?
— Sim. Quem você acha que ajudou a reservar um voo?
Vincent bateu no ombro do amigo.
— Você me ama tanto.
— Nos seus sonhos, Di Castelli. — O piloto bufou,
arrumando os cabelos pretos.
Quando Vincent chegou no hotel, antes do meio-dia,
não se surpreendeu ao encontrar Amélia ainda dormindo. Os
cílios se emaranhavam uns nos outros, o rosto tão pacífico, que
ele não resistiu e tirou uma foto. Sentou ao lado dela e passou
os dedos pelos fios castanhos, esparramados nos travesseiros.
Deus, ele adorava o cabelo dela.
Amélia se mexeu, se esticando por inteira e Vincent riu
baixinho. Ela parecia um gato preguiçoso.
— Bom dia, mia bella.
— Bom dia… — Ela murmurou, ainda de olhos fechados,
um sorriso pequeno nos lábios — Você já tomou banho?
— Não, eu acabei de voltar do treino.
— O quê? — Ela abriu os olhos de uma vez e se sentou,
o cabelo bagunçado caindo em seu rosto — Vincent era para
você ter me acordado!
— Você estava cansada e sofrendo de fuso horário, eu
jamais me atreveria — Ele se inclinou e abraçou. Havia aquela
sensação que sempre o tomava quando Amélia estava em seus
braços, tranquilidade e alívio.
— Mesmo assim…
— Você odeia acordar cedo, Amélia.
— Mas queria ter te acompanhado no treino — Ela o
abraçou de volta, às mãos enroscando-se no cabelo de Vincent
e alguma coisa dentro do piloto se afrouxou um pouco mais. —
Que horas são?
— Quase meio-dia.
— Não acredito que perdi um dia inteiro dormindo, que
droga.
— Ainda temos a tarde toda, o que você quer fazer?
— É o seu fim de semana de aniversário, são os seus
planos, então. O desejo de aniversariante ainda vale.
O piloto sorriu e beijou o pescoço de Amélia,
desenhando a linha do maxilar dela com os lábios.
— Eu tenho algumas ideias.
Ela arqueou a coluna, dando mais acesso a ele. Vincent
adorava ver as reações de Amélia ao seu toque, sentir o corpo
dela esquentar com o seu, a pele arrepiada e saber que ela o
queria tanto quanto ele.
— Hum…
Vincent segurou a cintura dela com força, arrastando os
dedos sob a camisa que ela usava, parando bem abaixo dos
seios. Nada o tinha preparado para a visão de Amélia nua, os
detalhes do corpo dela o enlouqueciam e ele queria explorar
cada ponto com as mãos e a boca.
Ela gemeu e o corpo de Vincent se arrepiou com o som.
Aquele tinha se tornado seu vício secreto.
Encarou as irises dilatadas da brasileira, esperando por
uma confirmação. Amélia tirou a roupa em um único
movimento e Vincent a imitou. A boca secou ao ver os seios
expostos, mamilos marrons claros excitados. Beijou-a,
mordendo o lábio inferior, os dedos pressionados na base do
pescoço.
Com o gosto de Amélia queimando em sua língua,
Vincent a fez deitar nos travesseiros macios e desceu seus
lábios para os seios dela. Ele lambeu e chupou, ganhando um
gemido alto em troca, testando qual a melhor forma de fazer a
brasileira tremer.
— Você sabia que eu gosto dos seus peitos? — Ele
disse, o pau pressionado dolorosamente na cueca boxer.
— Não.
— Então preciso fazer um trabalho melhor em te
mostrar — Ela mordeu a mão para conter um gemido quando
Vincent lambeu seu outro seio, já pesado de desejo, o mamilo
endurecido.
Cada vez que Amélia se contorcia embaixo dele, a
respiração ofegante, Vincent sentia-se a porra de um vitorioso.
Ela puxou seus fios, a cabeça jogada para trás em um arquejo,
olhos fechados e o piloto sorriu contra o vale dos seios dela,
beijando o pescoço e finalmente a boca.
Amélia apertou as unhas em seus braços, os dedos em
carícias lentas no seu pescoço, firmes e Vincent pensou que
podia gozar só de ter a pele dela perto da sua. Ele se
acomodou entre as pernas dela, que se fecharam em torno
dele, a brasileira o puxou para um beijo mais fundo.
Quando ela se afastou, a boca inchada, sorriu e então
fez algo que Vincent jamais esperava. Travou os quadris contra
os dele e inverteu posições, as coxas abertas em cima dos seus
joelhos. Amélia se inclinou, beijando o pescoço dele e
sussurrou em seu ouvido:
— Pensei em tentar assim.
Vincent soltou um gemido, completamente rendido pela
voz tentadora e baixa de Amélia. Se ela tivesse lhe pedido um
milhão de dólares, ele teria dito sim.
— Por favor, Amélia — Ela riu — As camisinhas estão na
primeira gaveta.
Ela saiu da cama, tirando a calcinha antes de pegar o
pacote e voltou. Vincent se livrou das boxers, fascinado por
aquela Amélia Palhares confiante, sensual, poderosa e tão
linda. Ele não pode impedir uma onda de felicidade que o
atravessou, queria que ela se sentisse exatamente assim perto
dele.
Vincent segurou o fôlego quando Amélia colocou o
preservativo nele, os dedos roçando sua pele em uma tortura
lenta. O piloto sentou-se, a coluna encostada na cabeceira da
cama, e segurou as mãos dela, para que se ajustasse em cima
dele.
— Jesus, mulher.
— Jesus em uma hora dessas?
Vincent riu.
Ela desceu, devagar. Os dedos do piloto se cravaram na
cintura de Amélia, enquanto ela se ajustava, o movimento
enviando pontadas de prazer para a coluna de Vincent.
Vincent engoliu em seco quando ela começou a rebolar,
um pouco desajeitada, tentando encontrar a melhor forma de
fazer aquilo. Ele segurou o rosto dela, trazendo para perto,
beijando-a.
— Faça isso para você, Amélia. — Ele beijou seu lábio
inferior. — Quero que faça do jeito que preferir, tudo bem?
Ela assentiu, sorrindo para ele e aquelas palavras foram
como uma libertação. A mulher respirou fundo, e se moveu,
hesitante no começo, mas depois com confiança, acelerando o
ritmo, subindo e descendo com mais velocidade, a cabeça
jogada para trás e ela gemeu, a voz rouca.
Vincent se sentia tonto. Seu sangue era prazer jorrando
por toda a parte e ele apertou a bunda de Amélia, ajudando-a
com os movimentos, empurrando o quadril para cima, a
pressão se formando na base do seu pau, a mente enevoada.
Ele a puxou para outro beijo, engolindo um gemido de
Amélia e não se conteve, estalando um tapa na bunda dela, o
barulho ecoando pelo quarto, empurrando-o para mais perto
do clímax. Vincent deslizou o polegar, alcançando o clítoris e o
massageou, sentindo a respiração da mulher no seu pescoço.
— Vincent…
— Você está indo muito bem, mia bella.
Ele sussurrou, acelerando o movimento sobre ela, o suor
escorrendo pela sua testa. A pele entre seus dedos ficou mais
quente, Amélia estava mais molhada, os gemidos dela
aumentaram e Vincent sabia que ela estava quase lá, a
antecipação fazendo seu próprio prazer aumentar.
Quando ele chupou o pescoço dela, Amélia jogou a
cabeça para trás e se desfez em seus dedos, os olhos
fechados. Vincent se deixou ir, esquecendo de tudo por
segundos deliciosos.
Vincent piscou, controlando a respiração, a cabeça de
Amélia em seu ombro, as peles suadas reluzindo pela luz do sol
que entrava na janela. O cheiro dela, em sua pele, fez o piloto
abrir um sorriso e ele a abraçou, o êxtase do sexo ainda
percorrendo seu corpo.
— Bom dia, linda. — Ele sussurrou e escutou a risada
dela.
— Onde você aprendeu a falar essa palavra?
— Português e italiano não são tão diferentes, Amélia. E
eu queria muito ver sua cara quando eu te chamasse assim.
Ela se afastou, as bochechas coradas, os olhos
apertados pelo sorriso luminoso. Vincent nunca deixava de se
surpreender em como Amélia era bonita.
— Bom, você com certeza conseguiu me surpreender. —
Ela beijou a testa dela, com carinho. — Espero que seu plano
não seja me manter na cama o dia todo, Vincent, porque eu tô
morrendo de fome.
— Por mais que eu adorasse isso, temos um almoço
marcado com os outros pilotos. E eu acho que estamos
atrasados.
Amélia ergueu as sobrancelhas.
— E você só me diz isso agora?
Vincent riu e apertou o corpo dela contra o dele.
— Fiquei distraído.
Meia hora depois, os dois saíram de mãos dadas do
hotel e pegaram um carro para um restaurante à céu aberto,
reservado exclusivamente para os pilotos naquele dia.
— Deveria ter trazido outra roupa. — Amélia murmurou,
checando a maquiagem no celular.
— Você está linda, mia bella, eu já disse.
Ela suspirou.
— Opinião tendenciosa. E você está ótimo, sempre se
veste bem.
Vincent usava uma calças de tecido clara, tênis
confortáveis, uma camisa azul escura, os primeiros botões
abertos, e um par de óculos de sol. Seus anéis dourados
brilhavam à luz do dia, assim como a fina corrente de ouro no
pescoço, o pingente de cruz cintilando.
— Obrigado, mas não precisa se importar com o veste.
É só uma reunião de amigos.
Amélia escolheu um vestido de alças finas, o decote
mais baixo e o tecido, estampado em verde, leve, terminando
abaixo dos joelhos. Uma fenda pequena mostrava um pouco
mais de pele e suas botas de cano curto, pretas, a deixavam
saída diretamente de uma comédia romântica dos anos 90.
— Gosto de me vestir bem. — Ela deu de ombros. —
Sempre gostei, mas acabei pegando isso de você, Emma,
Stefano e Sancia.
Vincent sorriu, lembrando-se da conversa sobre moda
que tiveram. Para o piloto, as tendências eram sua arma de
expressão em um esporte conservador que geralmente jogava
contra ele. Era o mesmo pensamento que ele e Stefano
tinham, por isso se importavam tanto com o visual e aparência.
Ele sabia que isso era a coisa mais playboy do mundo,
mas a moda era a forma de mostrar ao mundo quem era, o
que acabou se tornando uma de suas paixões. Era o jeito que
cuidava de si mesmo, trabalhava sua autoestima e se sentia
bem. E se isso fazia de Vincent um mimado riquinho, tudo
bem, ele realmente não se importava.
Mas saber que Amélia tinha pegado um pouco daquela
paixão para si, fez seu coração se aquecer.
Eles realmente foram os últimos a chegarem no
restaurante e Vincent mal teve tempo de falar com Amélia,
porque seus amigos a alugaram assim que ela entrou. O piloto
sorriu, satisfeito em assistir sua namorada de mentirinha,
agora atual potencial namorada de verdade, ser o alvo das
atenções.
Vincent montou um prato de comida para Amélia e
outro para si, colocando na mesa junto dos seus amigos.
— Porque vocês demoraram tanto? — Olivier perguntou,
a camisa vermelha e estampada evidenciando o ruivo dos seus
cabelos.
— Sério, Olivier? — Satake revirou os olhos, em uma de
suas camisas de seda brancas. — Eles não se veem há um
tempão, se pudessem não teriam saído daquele quarto.
Vincent soltou uma risada, porque era mesmo verdade.
— Sinto que estão falando de mim. — Amélia sentou-se
ao lado de Vincent. — E Chase, obrigada por ter me resgatado.
— Você parece que vai desmaiar de fome a qualquer
momento, Ames. — O piloto francês disse.
Amélia deu um sorriso de agradecimento à Vincent pela
comida e o grupo caiu em uma conversa confortável sobre os
últimos acontecimentos da temporada. O piloto relaxou,
acompanhando a discussão mais do que participando.
Nem mesmo Ansel Bellini, que chegou no meio da tarde,
foi capaz de abalar o italiano. Ele ignorou, sentindo os olhos do
ex-piloto o fuzilando, a risada do homem desgraçado soando
alta e incômoda. Trocou um olhar com Chase, partilhando o
segredo das movimentações por trás das câmeras.
— Porque aqueles dois estão sozinhos?
Amélia perguntou, indicando a mesa onde Kob e outro
piloto comiam em silêncio, sem mais ninguém.
— Pilotos da Dalton. Eles vêm para parecer que está
tudo bem no grid, mas a equipe ainda está abalada depois da
confusão toda. — Satake respondeu. — Kob deve ter ganhando
uns trinta fios de cabelo branco só com essa história.
— O outro cara do lado dele é brasileiro, Ames. —
Olivier disse. — Pedro, acho que é o nome, um novato,
primeira temporada esse ano.
— Ele deve estar adorando o clima de paz e
tranquilidade. — Amélia murmurou. — Uma pena que vocês
não se dão bem. Até pela sua rivalidade com Kob, Vincent,
achei que era tudo para as câmeras.
— Kob é tipo, parte do arco de herói do Vincent.
— Pelo amor de Deus, Olivier, porque você compara
tudo com anime?
Vincent revirou os olhos.
— É o meu charme.
— Além disso, ele está certo. — Amélia disse, virando-se
para Vincent. — É o enredo ideal para um arco de vilão e outro
de herói, mas não vou dizer qual é, qual.
— Tá vendo! Amélia concorda comigo, obrigada pela
sua sensatez.
Vincent riu baixinho, aproveitando a companhia das
pessoas que gostava durante o resto da tarde.
Depois da corrida de Silverstone, que ele finalizou no
pódio, deixou Amélia no aeroporto, para sua infelicidade. Ela
precisava voltar à rotina e Vincent ainda tinha compromissos
na Inglaterra para cumprir.
— Me avise quando você pousar. — Ele pediu, beijando
a testa dela.
— Me avise quando você chegar no hotel. — Amélia o
abraçou. — Já estou com saudade antes mesmo de ir embora,
patético ou triste?
— Eu também vou sentir sua falta, mia bella.
Vincent a beijou com carinho antes de se despedirem
em definitivo.
O coração dele se apertou, assistindo Amélia
desaparecer no portão de embarque. O sentimento continuou
não só durante a volta para o hotel, permanecendo nas
publicidades do dia seguinte, entrevistas e até mesmo quando
pousou na Áustria, no fim de semana seguinte.
Ele abriu a conversa com a brasileira, um misto de
saudade e alegria no peito ao ver a última foto que ela tinha
mandando: o rosto coberto com uma máscara facial, os
cabelos presos em duas longas tranças. Vincent respondeu
com uma imagem fazendo careta, quando foi interrompido por
Stefano.
— Ansel Bellini está no aeroporto, dando entrevista.
Você quer ir pelo outro lado?
Vincent pensou.
— Está tudo bem.
A Redemptio desceu ao mesmo tempo, os jornalistas e
fotógrafos eufóricos. Vincent parou para atender alguns fãs e
pessoas da imprensa que ele sabia ser confiáveis, um sorriso
charmoso no seu rosto.
— Vincent, algumas pessoas dizem que Ansel está te
orientando depois de tudo o que aconteceu no grid, como o
consultor geral da FIA.
Uma jornalista loira disse e Vincent xingou mentalmente
Ansel
— As pessoas dizem muita coisa, essa mesmo eu não
sabia. — Ele riu. — Mas sou um cara aberto a receber
conselhos.
— Então, ansioso para trabalhar ao lado dele?
Vincent viu o ex-piloto com o canto dos olhos. Se aquela
jornalista soubesse metade dos seus planos, teria um furo de
notícias da década em mãos. Ele precisou se controlar para
não rir.
— Claro que sim. Você nem imagina o quanto.
24.
Três anos atrás
Outubro, 00:30, Londres
Amélia sempre seria grata aos serviços de 24 horas
existirem e torcia para que os funcionários fossem bem pagos.
Ela e Vincent ficaram com fome logo depois da meia-
noite, e tiveram que rodar os três quarteirões ao redor do
alojamento estudantil para encontrar alguns food trucks
estacionados.
— Adoraria te chamar para minha casa e dizer que
tenho comida, mas não tenho.
Amélia disse, dando de ombros. Ela ia embora pela
manhã, comeria no voo, e não se importou em fazer compras
naquela semana. Não estava nos planos dela beijar um cara
gostoso no último dia em Londres.
Compraram cachorro quente, energético e donuts,
colocados em uma sacola de papel pardo, e se sentaram nas
mesas perto dos carros estacionados.
— Eu não fazia a menor ideia de que isso aqui existia. —
Amélia disse, o estômago agradecendo pela comida.
— Há quanto tempo você mora em Londres?
— Cinco meses, mas eu não sou muito de sair.
Vincent bebeu um longo gole de energético.
— Escuta, você tá bem mesmo? De mais cedo. — O
piloto a encarou. — Não me pareceu que foi uma crise leve.
— Ah. Na verdade, elas são bem comuns, foi só… Um
momento ruim. — Amélia desviou os olhos. — Eu sempre achei
que ficaria curada um dia, da ansiedade, mas isso nunca
aconteceu e hoje eu sei que não vai. Preciso só aprender a
lidar com ela da melhor maneira.
O piloto assentiu, o olhar compreensivo.
— Eu tenho crises de pânico desde criança. Nunca mais
tive uma, mas sei como é achar que você está curado, quando,
na verdade, não está. Parei de tomar meus remédios depois de
um tempo, sem consultar meu médico, e tive a pior crise da
minha vida inteira. Foi quando aprendi, não importava o
tempo, eu teria que conviver com isso pra sempre.
— É um pouco assustador essa percepção, você não
acha?
— Com certeza. Ter que lidar com uma coisa que você
não tem controle, pelo resto dos seus dias, não é uma notícia
muito boa.
Amélia encarou o piloto, uma onda de empatia
atravessando seu peito. Lembrou-se da própria crise, a
respiração trancafiada na garganta, a percepção de paralisia e
o peso do mundo inteiro em suas costas.
— Às vezes tem dias em que tudo fica alto demais. —
Ela disse, amassando um guardanapo entre os dedos. —
Levantar da cama é difícil, comer é doloroso, até mesmo ficar
com os olhos abertos é… É tão…
— É um esforço que nem parece valer a pena. —
Vincent completou, os olhos um pouco vagos, imersos nos
próprios pensamentos e lembranças. — Eu só percebi que
precisava de ajuda quando comecei a correr de kart. Eu tive
um episódio no meio de uma corrida e tive que ir para o
hospital. Minha mãe me levou ao psicólogo na mesma semana.
— Eu tinha uma terapeuta no Brasil, mas desde que
cheguei aqui estava tão bem que não achei que podia desabar
a qualquer momento. E, porra, o gatilho foi tão… Tão ridículo.
— O que significa, ao meu ver, que as coisas já estavam
ruins há muito tempo, mas decidiram explodir todas de uma
vez só. — Amélia o encarou, as sobrancelhas erguidas. —
Amélia, me parece uma situação óbvia nesse sentido.
— Você pode estar certo.
E Vincent estava. Todas as vezes que dizia “tudo bem”,
ela sentia os joelhos fraquejarem com a mentira. A cabeça
gritava por dentro, acima dos pedidos de silêncio de Amélia,
que insistia em dizer a si mesma que não era nada de mais, só
precisava descansar um pouco e tudo voltaria ao normal.
Ela continuaria a enterrar os sentimentos no fundo do
coração, porque não queria ter que lidar com nenhum deles.
— Claro que estou, tenho larga experiência em martírio
pessoal. — Ele disse, se inclinando na mesa, o queixo apoiado
na palma da mão. — Como você se sente agora?
Amélia pensou um pouco.
— No quadro geral, bem. Obrigada por ter ficado
comigo, aliás, uma completa estranha chorando no meio da
rua.
— Não precisa agradecer. E eu vi que você precisava de
ajuda, Amélia, não fiz isso por pena. Mas porque parecia
perdida e sozinha e eu sei como é se sentir exatamente assim.
Amélia suspirou. Como ela deixaria aquele cara mais
tarde? Como contaria a Vincent que iria embora e eles jamais
se veriam de novo? Ele era uma pessoa boa e tinha ficado com
ela a noite toda, merecia saber da verdade.
Antes que ele acorde e perceba que sou uma fraude.
— Vincent, eu preciso…
— Não. — Ele a interrompeu. — Tô vendo nos seus
olhos que você quer ir embora, Amélia, mas por favor fique
mais um pouco. A não ser que você esteja exausta e cansada,
nesse caso eu te deixo no alojamento.
— Bebi duas latas de energético, sono é a última coisa
que eu tenho.
Ele sorriu.
— Que bom, porque Londres nunca dorme e nós ainda
temos o restante da noite, assim como aquele seu filme, até o
amanhecer.
— Antes do amanhecer. — Ela corrigiu, balançando a
cabeça. — Não estou dizendo que vou embora agora, mas…
Eu…
Amélia engoliu em seco, os dedos um pouco trêmulos.
Abriu e fechou a boca algumas vezes, as palavras se perdendo
no caminho.
— Vamos fazer assim, enquanto você pensa no que
dizer, tenho um lugar com uma vista incrível para te mostrar.
Dá para ver a cidade inteira e não fica tão longe.
— É agora que eu sou sequestrada?
Vincent riu.
— Não é sequestro se você está aceitando de boa
vontade.
— Eu tenho centenas de frases de advogados que
discordariam de você, sabia disso? Aonde vamos? E não me
diga que é surpresa, você já fez várias hoje e eu vou me sentir
mal, já que não fiz nada de especial.
Vincent murmurou alguma coisa que Amélia não
entendeu e suspirou.
— É um hotel, não fica tão longe daqui, na verdade, eu
conheço alguns funcionários e eles sempre me deixam subir.
Uma pequena última aventura da noite, Amélia, o que você
acha?
Ela assentiu, se odiando por não conseguir dizer não
para o sorriso de Vincent. Eles seguiram em uma caminhada
apressada, dedos entrelaçados, e Amélia arregalou os olhos ao
perceber que era um prédio que ela já tinha visto antes, na
caminhada para a faculdade.
Vincent disse alguma coisa na recepção e guiou Amélia
para o elevador, o lobby luxuoso vazio àquela hora. Uma
música suave acompanhou a subida deles, os botões brilhantes
do elevador chamando a atenção da brasileira, exibindo os
impressionantes 28 andares.
No vigésimo oitavo andar, eles praticamente correram
para fora, como crianças e cruzaram a escada de serviço.
Vincent empurrou a porta de ferro e o ar frio de Londres
bagunçou os cabelos de Amélia, que semicerrou os olhos e
arrumou os óculos.
Quando o piloto a puxou para perto da borda, ela soltou
um arquejo de surpresa.
— Porra, que lindo!
A voz dela se perdeu na noite de inverno, as luzes da
cidade ao redor deles, prédios, avenidas e pessoas minúsculas
pontilhando a visão infinita de Londres. Ela viu a água escura
do Tâmisa, refletindo os holofotes da London Bridge, a famosa
roda gigante parecendo pequena dali de cima.
— Você gostou?
— Tá brincando? Eu amei!
Vincent colocou as mãos nos bolsos e Amélia o encarou,
um sorriso sincero em seus lábios.
— Acho que essa é a melhor noite da minha vida. — O
piloto disse, em voz baixa.
— Não seja tão categórico, guarde essa posição para o
futuro. — Amélia respondeu, se aproximando dele. — Essa é a
melhor noite da minha vida até hoje, assim, o cargo fica aberto
à disputa.
— Amélia, você realmente…
Ela afastou as mechas escuras da testa de Vincent.
— Essa noite parece um sonho, Vincent. Não quero que
acabe. — Ela confidenciou, sabendo que uma passagem para
casa a esperava no seu alojamento, assim como as malas
arrumadas.
— Contra várias possibilidades, em uma cidade imensa,
acabamos nos encontrando. Acho que é por isso que tudo
parece um sonho. — Ele passou os braços pela cintura dela, o
nariz tocando o de Amélia. — E quando o sol nascer, a gente
vira abóboras.
Amélia riu e o beijou.
— Então vamos continuar sonhando um pouco mais.
25.
Agosto
Era oficialmente verão na Itália, o que significava alta
temporada em lugares turísticos e um calor insuportável.
Os dias eram lindos, o céu sempre de um azul quase
violeta e cegante, e as ruas de Mancia estavam cheias de
pessoas. Filhos que visitavam os pais para as férias, famílias
que queriam conhecer a cidade histórica e grupos de
adolescentes desesperados por diversão. A energia humana
vibrava no ar e era impossível não se encantar com a cacofonia
de vozes e conversas em diversas línguas, que preenchiam a
cidade.
Para Amélia, aquilo significava trabalho redobrado.
Ela e Angela tiveram que sair das salas da administração
para ajudar nas visitas guiadas pela Galeria Torrisi, porque o
número de pessoas nunca diminuía. Amélia trocou os saltos de
sempre por tênis e mesmo assim, seus pés estavam vermelhos
e cheios de bolhas depois de um dia inteiro caminhando pelo
prédio.
— Vou derreter. — Angela murmurou, os braços abertos
na frente do ventilador — Como hoje está mais quente do que
ontem?
— A previsão do tempo disse que a temperatura ia
diminuir.
— Vemos então que eles não sabem prever porra
nenhuma, nesse caso.
Amélia riu.
A pior parte era o calor e o suor em qualquer hora do
dia. Nem mesmo as noites eram frescas e ela tinha vontade de
chorar só de lembrar das praias refrescantes de Coral, sua
cidade natal.
— Stefano convidou a gente para um dia na piscina, na
casa de campo. Eu digo sim?
— Sem nem pensar, Ames. — Angela enxugou o suor da
testa. — Um dia em uma piscina de milionários era tudo o que
precisava de verdade.
E Angela não poderia estar mais correta naquela
colocação.
A casa de campo dos Torrisi era só um pouco menor do
que a mansão, com um design mais arejado e aberto. A piscina
gigantesca tinha o tamanho de um campo de futebol e uma
área luxuosa em volta dela, onde a família se reunia para as
constantes festas da estação.
— Amélia! — Anna Di Castelli a chamou, em um vestido
azul marinho solto e bordado. — Que bom que você veio,
querida.
— Eu não podia negar um convite seu, nem uma festa
na piscina.
— Angela, Sancia, é tão bom ver vocês por aqui. —
Anna abraçou as duas com carinho. — Fiquem à vontade, eu
vou pedir para servirem mais coquetéis.
Anna se afastou e Sancia empurrou os óculos de sol
para cima.
— Uma tarde inteira bebendo na beira de uma piscina,
acho que estou sonhando.
— Um sonho patrocinado por ricaços, é bom a gente
aproveitar. — Angela puxou a namorada e a amiga para a
piscina, já lotada de crianças Torrisi.
Amélia cumprimentou rostos conhecidos, com um
sorriso gentil no rosto, recebendo abraços carinhosos em troca.
Ela estava completamente relaxada na presença daquela
família, principalmente depois de começar a frequentar a
mansão até quando Vincent não estava.
Os Torrisi tinham acolhido Amélia tão bem, que ela se
sentia parte daqueles italianos efusivos e calorosos.
— Obrigada por nos ter chamado, Stefano. — A
brasileira disse ao social media, o abraçando. — Cadê o Toni?
— Em uma DR familiar complexa com a mãe e os
irmãos, que eu sinceramente não quero me meter.
Ele deu de ombros, às longas tranças balançando com o
movimento.
— Italianos, tão dramáticos.
— Ei, Ames, eu continuo sendo italiano.
— Por isso eu disse, dramáticos.
Stefano riu e entrou na piscina junto com ela. A água
fria e refrescante relaxou o corpo de Amélia na mesma hora, o
sol queimando sua pele pegajosa de protetor solar.
— Deus, eu precisava tanto disso. — Ela murmurou,
dando um mergulho rápido. — Porque a Itália é tão quente
assim? Eu nunca pensei na Europa como um inferno na terra,
associava a ideia ao Brasil.
— Arriscaria dizer que é culpa do aquecimento global. E
todo mundo acha que aqui só neva e faz frio o ano todo, então
é sempre bom ver a cara de surpresa quando percebem o
forno que esse continente pode ser.
— Uma pena não ter praias tão perto. Você ia adorar
Coral, eu e Sofia reformamos a cabana da nossa mãe, perto da
praia, é o melhor lugar do mundo.
— Hum… Acho que a data da corrida no Brasil vai ser
bem no meu aniversário. Quer abrir as portas da sua casa para
uma festa, Ames?
— Sim!
Amélia e Stefano passaram boa parte da tarde
planejando o aniversário dele, tomando batidas de morango
com vodca, ao som de uma playlist caótica controlada pelas
crianças Torrisi. Angela e Sancia se juntaram à conversa e o
grupo só deixou a piscina perto de escurecer, os dedos
enrugados pelas horas debaixo d ‘água.
Decidiram ficar para o jantar e Amélia se trocou no
quarto de Vincent, aproveitando para inspecionar o lugar.
A estante de livros tinha títulos clássicos, como os
romances de Jane Austen e os mistérios de Sherlock Holmes,
mas haviam livros policiais e de mistério mais atuais.
Miniaturas de personagens dos filmes favoritos de Vincent
estavam espalhadas pelas diversas prateleiras, De Volta Para o
Futuro e Star Wars em grande quantidade.
Amélia tirou uma foto e enviou para o piloto, que ligou
para ela segundos depois de ver a mensagem.
— Apreciando minha coleção, Palhares?
A voz dele a fez sorrir.
— Sim, ela é impressionante. Eu vi alguns livros de RPG,
posso mexer?
Vincent fez uma pausa, rindo.
— Pode. Mas agora eu percebi que isso te dá munição
para revidar um comentário que fiz no passado e espero que
você não se lembre disso.
— Ah, quando você me chamou de nerd, mas, na
verdade, a pessoa que merece o título é você? Não se
preocupe, jamais jogaria isso na sua cara.
— Que cruel, mia bella.
Amélia riu, analisando os livros do piloto.
— Onde você tá?
— Acabei de sair de um almoço com Arthur, voamos
para Hungria amanhã cedo. Como foi o dia na minha piscina
maravilhosa?
— Ótimo, na verdade, sua piscina é bem
impressionante. Acho que eu bebi drinks demais e estou um
pouco bêbada.
— Eu vi a foto que você mandou, aliás. — Vincent
abaixou o tom de voz. — Estava gostosa demais, Amélia.
Amélia quase deixou cair o livro no chão, engasgando.
Isso sempre acontecia quando Vincent falava em português, a
surpreendendo, fazendo seus joelhos fraquejarem um pouco
com o sotaque do italiano. A pior parte, é que o piloto parecia
saber o efeito que causava e usava aquela arma
constantemente.
— O-obrigada. — Amélia limpou a garganta.
— Mas você fica ainda mais gostosa sem ele, mia bella.
Estou morrendo de saudade de você.
— Eu também tô, Vince. Ainda sem previsão de quando
você vem aqui?
— Na verdade, pensei em irmos em uma pequena
viagem. Sua folga na galeria tá chegando, não é?
— Sim, semana que vem.
— Vou para Mancia depois da Hungria e pensei em
irmos para França juntos, adicionar mais um pingente na sua
pulseira. Quer conhecer Paris?
— Claro que sim! — Ela soltou um gritinho de
empolgação e ele riu.
— Eu te mando os detalhes por mensagem depois.
Preciso desligar, vou dirigir agora.
— Quando chegar, me avise. Até mais, Vincent.
— Até mais, Amélia.
Ela mal conseguia conter a empolgação durante o jantar
com os Torrisi, entrando em uma longa discussão com Emma e
Anna sobre os pontos que deveria visitar naquela viagem.
Amélia trocou mensagens durante a semana inteira com
Vincent, sonhando acordada como seria caminhar pelas ruas
parisienses ao lado dele.
Mas ela sentia que alguma coisa errada estava prestes a
acontecer.
Amélia não queria admitir, se enterrando na organização
da nova exposição da galeria, antes de finalmente folgar.
Trabalhou incansavelmente na sua dissertação de mestrado,
consertando erros e refazendo partes inteiras, ignorando todos
os sinais do seu corpo e mente.
Ela não queria ceder. Não daquele jeito, não naquele
momento, quando tinha tantos planos em vista, que
dependiam que ficasse bem. Então, Amélia se obrigava a ficar
ativa, resolvendo todos os problemas a seu alcance, distraindo
a cabeça até cair exausta de sono, sem tempo de pensar.
Mas ela sentia o peso invisível no estômago, o prenúncio
de algo ruim. Continuou agindo como se nada estivesse
acontecendo, conversando com Vincent por mensagens, por
medo da sua voz traidora lhe denunciar. Angela lhe lançava
olhares preocupados, tentando tocar no assunto, mas a
brasileira alegava calor e cansaço.
No domingo, depois de assistir à corrida de Vincent com
Anna e Teodora, Amélia chegou em casa com a cabeça
latejando. Ela vestiu seu pijama mais confortável, enviou uma
mensagem para Angela, se deitou na cama, a luz do fim da
tarde invadindo o quarto e estilhaçou-se.
Cada parte do seu corpo pesava, pressionada de dentro
para fora, e as lágrimas saiam sem controle algum, manchando
as bochechas. Ela queria gritar, o coração sendo arranhado e
apertado, os dedos trêmulos agarrando os lençóis, o vazio
interno sendo projetado ao redor dela como uma nuvem
espessa e cinzenta.
E havia tanta, tanta dor. Ela sentia que aquilo duraria
para sempre.
Tudo isso vai ruir, porque você nunca faz nada o
bastante.
Seus pensamentos se chocavam um contra os outros e
Amélia não conseguia mais se lembrar o que era verdade, o
que era projeção da sua mente cansada, porque tudo se
embaralhava em flashes. Um soluço escapou da boca dela, o
coração era um frágil pedaço de vidro pendendo por um fio.
Em algum momento, Amélia adormeceu, cansada demais de
chorar, mas quando acordou parecia que nem tinha fechado os
olhos.
Ela se forçou a ir ao banheiro, os movimentos letárgicos.
Seus pés caminhavam pelo apartamento, sem rumo algum.
Amélia se sentia um fantasma, parada no meio da sala, o ar
mal chegando em seus pulmões corretamente, tanta coisa
cruzando sua mente, ao mesmo tempo que não conseguia se
ater em nada.
Amélia estava tendo um dos seus dias ruins. A
realização a fez soltar um longo suspiro.
A brasileira não sabia por quanto tempo tinha ficado
apenas parada, quando alguém bateu em sua porta. Ela
piscou, inexpressiva, e se arrastou, abrindo a maçaneta com
movimentos mecânicos.
— Amélia.
A voz de Vincent ecoou na sua mente caótica e ela
piscou. O piloto a encarava, uma expressão preocupada e
Amélia quis sorrir, dizer que estava bem, se desculpar por tê-lo
deixado daquele jeito, quando a culpa era da mente quebrada
dela. Mas quando abriu a boca para falar, a respiração se
encurtou e ela sentiu os braços dele ao redor do corpo.
— Eu estou aqui, mia bella, eu estou aqui.
Ele murmurou, segurando-a pela cintura e Amélia se
enterrou naquele calor, derramando dor em forma de lágrimas,
o nariz ficando entupido pelo esforço.
De alguma forma, Vincent a levou para a cama, os
dedos acariciando seus cabelos com doçura, a voz sussurrando
que ele ainda estava ali. Amélia fechou os olhos, embalada
pela calmaria que ele era no mar tempestuoso dos seus
pensamentos.
Ela acordou no meio da madrugada, a brisa noturna
entrando pela janela aberta, a lua prateada brilhando no céu
azul acinzentado do verão. Amélia esticou-se, acordando os
músculos doloridos de tensão e se sentou, um gosto amargo
na boca e o estômago roncando.
Quando virou para o lado da cama e se deparou com
Vincent dormindo, um braço cobrindo o rosto do piloto. Ela o
observou, lembrando-se de ter enviado uma mensagem para
Angela sobre não estar bem, dele em sua porta e do carinho
em sua cabeça.
— Amélia? — Ele sussurrou e se sentou, alerta,
parecendo tão cansado. Uma onda de culpa se abateu sobre
Amélia. — Oi.
— Oi. — A voz dela soou rouca. — Que dia é hoje?
— Quarta-feira, precisamente, 3 da manhã.
Amélia arregalou os olhos.
— Mas você ainda tá aqui, e a sua agenda? Você tinha
compromisso e…
— Meu bem, não se preocupe com nada disso. —
Vincent segurou o rosto dela. — Está com fome? Angela deixou
comida. Acho que você não comeu nada desde domingo.
Amélia assentiu.
— Vincent, você tem uma corrida.
— Só vou para França amanhã, não se preocupe com
isso. Mas se você não quiser que eu fique aqui, vou entender.
Os olhos dele, preocupados, gentis e atentos,
penetraram o coração de Amélia.
— Fique.
Vincent beijou a testa dela.
— Vou esquentar a comida.
Amélia se arrastou para o banheiro. Ela observou a água
escorrer pelo ralo e se perguntou se seria possível lavar todos
os pensamentos indesejáveis da sua alma. Para o seu azar, ela
ainda teria que conviver com todos eles.
Ela comeu em silêncio e calma, sentada de pernas
cruzadas na cama bagunçada, o cabelo molhado enrolado em
uma toalha. Angela tinha feito seu prato favorito, lasanha de
frango com muito queijo, e Amélia comeu um pouco mais do
que deveria, sentindo a energia voltar aos poucos ao seu
corpo.
— Você toma algum remédio?
Ela assentiu.
— Acho que a dosagem precisa aumentar. — Amélia
murmurou. — Vou conversar com minha psicóloga.
Vincent desapareceu no banheiro por alguns minutos e
voltou com um pente e o creme que Amélia usava para
desembaraçar os cabelos ondulados. Ela não entendeu a
princípio e franziu a testa quando sentiu o piloto atrás de si, os
dedos dele tiraram a toalha de sua cabeça e ele começou a
pentear seus cabelos.
O coração dela se aqueceu um pouco mais e Amélia
chorou em silêncio, a atenção voltada para os movimentos de
Vincent.
— Me desculpe. — Ela murmurou. — Eu não queria te
deixar preocupado, nem bagunçar sua agenda, a viagem
também estava planejada e nossa, desmarcar tudo deve ter
sido uma bagunça.
Vincent ficou parado.
— Amélia, porque você está pedindo desculpa?
— Porque estraguei tudo.
— Mia bella, foda-se a viagem. Não era mais importante
que sua saúde mental e Paris vai ficar de pé por mais um
milhão de anos, podemos ir lá de novo, os compromissos vão
ser remarcados.
— Desculpe…
Vincent segurou seus ombros com delicadeza e a puxou
para si, as costas de Amélia contra o peito do piloto, os braços
dele em torno dela.
— Não peça desculpas.
— Eu meio que quero pedir desculpas de novo.
Ele riu e beijou a bochecha dela. Amélia virou a cabeça
para encará-lo, os olhos dourados que ela tanto tinha passado
a gostar em um misto tão cheio de carinho e preocupação.
— Obrigada por ter vindo — Ela disse, limpando o nariz.
— Estou aqui sempre que precisar Amélia. Quero que
me conte quando estiver se sentindo mal, do mesmo jeito que
me conta quando coisas boas acontecem. Não pode esconder
de mim tudo, amore mio, quero que mostre todas as suas
versões, as felizes e tristes.
Amélia assentiu, abraçando-o. Um sentimento novo
brotou em seu peito, florescendo depressa, tomando seu
coração de uma maneira gentil e bonita. Ela sabia que aquilo
não curaria as dores internas que sempre a acompanhariam,
mas tornava mais fácil suportar a angústia, tendo algo bom ao
seu lado para se agarrar.
— Às vezes é difícil pedir ajuda, Vincent, desmoronar
não deveria ser uma coisa que eu faço. Eu sou a pessoa que
resolve problemas, não há que preocupa todo mundo.
— Sempre vamos nos preocupar, Amélia, porque
gostamos de você, nos importamos — Ele passou a mão pelos
cabelos castanhos — Você me disse em Londres para não
esquecer das pessoas que eu amava e que viviam ao redor de
mim, orgulhosas dos meus feitos. Mas você também não pode
esquecer que não está sozinha.
— Eu sei — Ela mordeu o lábio. — Eu só não queria
atrapalhar ninguém, eu sempre acho que consigo lidar por mim
mesma, porque faço tão bem o tempo todo. Mas quando
chega na minha mente, só… Fico determinada a conseguir.
— Eu sei que você é forte, mia bella, mas ninguém pode
carregar o peso do mundo inteiro sem acabar desabando.
Amélia suspirou, as palavras de Vincent criando espaço
em seus pensamentos. Ela beijou a ponta do nariz dele e riu
baixinho.
— A garota de Londres chorona e ansiosa estragando
uma viagem incrível que você planejou. Triste ou patético?
— Você não é mais a garota de Londres, Amélia. É a
mulher mais bonita, corajosa e gentil que eu conheço, não que
já não fosse naquela época. — Vincent a abraçou, as mãos
apertando sua cintura. — Estou com você até nos dias ruins.
Amélia exalou, novas lágrimas se formando no canto
dos olhos. Ela teve a sensação de que, talvez, aquela dor em
seu peito não duraria para sempre.
***
Vincent Di Castelli soube que amava Amélia Palhares
quando bateu seu carro milionário em Mônaco, no meio de
uma corrida.
Ele sabia que o movimento tinha sido arriscado demais
e estava confiante de ultrapassar o segundo piloto da Dalton,
quando os dois se tocaram e derraparam. A frente do carro de
Vincent bateu diretamente na traseira do outro e o italiano
sentiu o corpo tenso com o impacto em alta velocidade.
Um zunindo tomou seus ouvidos, o sol machucou seus
olhos e ele piscou, desconcertado.
— Vincent! Vincent, você tá me ouvindo?
Arthur disse pela comunicação.
— Tô.
Gosto de sangue invadiu sua boca, ele tinha mordido o
lábio inferior.
— Consegue sair?
— Me dá um minuto.
Vincent cambaleou ao sair para a pista e o choque deu
lugar à raiva.
O campeão mundial tinha acabado de bater a porcaria
do carro em uma ultrapassagem simples. Irresponsável, uma
criança desobediente, um garoto idiota e impotente que estava
na Fórmula 1 por birra. A voz de Ansel Bellini ecoou em seus
ouvidos, os olhos azuis pingando desprezo.
Vincent cerrou os punhos, a respiração em ondas curtas
e rápidas. Arriscou um olhar para a arquibancada, na direção
onde sua família e Amélia estavam assistindo à corrida e
engoliu em seco. Eles tinham ido só para testemunhar uma
derrota catastrófica do piloto.
Ele entrou na sua sala, tirou o capacete e deixou que
uma enfermeira o examinasse, mal registrando as palavras
dela e de Arthur, os dedos apertando a balaclava, tentando
controlar aquele tremor maldito. Apesar de não ter sofrido
nada com o impacto, Vincent se sentia dolorido por dentro.
— Descanse, Vincent. — Arthur disse, apertando seu
ombro antes de sair.
O piloto assentiu e quando se viu sozinho, enterrou o
rosto entre as mãos, esvaindo sua frustração em um suspiro.
Lembrou-se dos exercícios da terapia, fixando sua atenção na
mesa de centro, tentando barrar todos os pensamentos que
insistiam em voltar.
Vincent fechou os olhos, a perna balançando em uma
descarga de adrenalina, tocou no próprio rosto, passou os
dedos entre os cabelos, apertou o tecido do uniforme, a
textura grossa contra sua pele. Era uma sacada de percepção
própria, ensinada pela sua psicóloga quando ele era criança,
para controlar as crises de pânico que o assombravam. Com o
tempo, ele usou a mesma técnica para acalmar sua mente
caótica.
Ele não era mais o mesmo garoto de Londres, raivoso e
tentando se provar a todo custo, mas em momentos como
aquele, sentia-se como ele novamente. Analisava cada erro,
julgando-se em decisões de anos atrás, que nem sequer podia
mudar, alimentando sua culpa e a raiva. Raiva de si mesmo,
mascarando a tristeza profunda que pesava no peito.
Uma batida na porta chamou sua atenção e ele franziu a
testa ao ouvir Amélia.
— Vincent, sou eu. Trouxe um remédio para dor, mas se
você ainda quiser ficar sozinho, eu te espero.
Ele mordeu o lábio. Ainda não se sentia pronto para
encarar o mundo inteiro e o gosto da decepção amargo em sua
língua.
— Mia bella, pode esperar só um pouco?
— Claro.
Vincent não sabia quanto tempo ficou ali, apenas
sentado, remoendo todos os seus momentos, os olhos
fechados. Quando a tensão finalmente o abandonou, ele
enviou uma mensagem para Amélia e segundos depois ela
entrou, segurando uma garrafa de água e uma cartela de
comprimidos.
— Oi. — Ela disse e colocou as coisas em cima da mesa.
— Oi, Palhares.
O piloto exalou, sem olhar na direção dela. Ele sentiu
quando Amélia sentou-se ao lado, em silêncio.
— Tudo bem se eu te abraçar agora?
Vincent confirmou com a cabeça e sentiu os dedos da
brasileira em suas costas, um carinho leve. Ele se permitiu
relaxar com o toque, inclinando-se na direção dela.
— Tô exausto. — Vincent murmurou.
— Não tenho certeza se você pode dormir depois de
uma batida daquelas, meu bem. Deite aqui.
Vincent a encarou e Amélia deu batidinhas no colo dela.
Ele apoiou a cabeça, os dedos dela em seus cabelos,
pressionando sua testa com suavidade.
— Foi uma batida tão idiota… Eu poderia ter só evitado
tudo. Tenho a porra de dois títulos mundiais e bati o carro na
tentativa de uma ultrapassagem. E não é nem pelos pontos,
mas pela coisa toda em si. O tempo todo eu só conseguia ouvir
a voz de Ansel dizendo o quanto era um garoto irresponsável e
mimado.
Ele encarou Amélia, lágrimas se formando nos cantos
dos olhos.
— Me sinto meio patético por estar morrendo de
vontade de chorar.
— Está tudo bem, Vincent.
O piloto riu baixinho, deixando o choro silencioso levar
embora os últimos resquícios de raiva e frustração do seu
peito. Amélia limpou suas lágrimas, o rosto gentil e repleto de
empatia.
— Eu sei que nenhum longo discurso vai tirar esses
pensamentos, Vincent, mas você não é um cara irresponsável e
ama esse esporte mais do que tudo. Ansel é só um
desgraçado, e sabe disso. Não deixe que ele dite como você se
sente em relação à Fórmula 1 e a si mesmo.
— É difícil não dar poder a ele. O cara foi meu herói por
tanto tempo e eu sinto as vezes que nunca vou chegar perto
de onde ele está.
Amélia beijou sua testa.
— Que bom. Porque você é melhor do que ele, em
todos os sentidos. Na pista e fora dela, Vincent, está acima de
Ansel. Tipo, muitos degraus.
Vincent sorriu e beijou o pulso de Amélia.
— Obrigado, mia bella.
A brasileira acariciou seu rosto.
— Você tá com dor?
— Um pouco na coluna, mas não tem nada grave.
— Ficamos muito preocupados. Sua mãe deve estar
brigando com Arthur até agora.
— Mas eu estava dirigindo o carro.
— E ele é o engenheiro responsável, segundo ela, tem
mais culpa.
Eles riram.
— Não acredito que bati o carro na frente da minha
namorada de mentira, que vergonha. Da próxima vez, tem que
ser em uma corrida onde você não esteja.
— De preferência que não tenha uma próxima vez. —
Amélia revirou os olhos. — A corrida acaba em alguns minutos,
quer que eu pegue alguma coisa para você comer antes que
tudo fique caótico lá fora?
— Por favor, eu vou trocar de roupa.
Eles se levantaram do pequeno sofá.
— Eu vi que tem chá de laranja e aquela torta de
tomate e queijo. — Amélia abriu a porta, os óculos na ponta do
nariz. — Vou pegar antes que acabe, sei que é a sua favorita.
Ela saiu com um sorriso pequeno no rosto e Vincent
prendeu a respiração. Ele a amava.
Amélia Palhares, que se lembrava de suas coisas
preferidas, que sabia quando Vincent precisava de um abraço,
silêncio ou palavras de incentivo. A especialista em
aniversários, doces, comédias românticas, Taylor Swift e fatos
aleatórios. Que tagarelava sobre tudo, mas ouvia os outros
com atenção redobrada e se atentava a detalhes que ninguém
percebia, mas que significavam muita coisa.
A gentil, teimosa, forte, linda, cabeça dura e brilhante
Amélia Palhares. Vincent a amava, desde quando não sabia,
mas sentiu o coração pesar de conforto ao perceber o tamanho
do amor que sentia por ela.
Ele se sentia como um adolescente em seu primeiro
relacionamento e guardou a informação para si. Queria dizer a
ela em uma ocasião especial, até porque, seria a primeira
declaração que Vincent faria na vida e Amélia merecia algo
incrível.
— É só ser sincero. — Stefano disse, quando Vincent lhe
contou. — Não é difícil, Vince.
— Mas eu queria fazer algo grande, sei lá, um gesto.
— O que conta são as intenções, não o tamanho do
gesto.
— Diz o cara que pediu o namorado em namoro com
uma carta da artista favorita dele.
Stefano riu.
— Só foi por acaso que Audrey Liongate estava por
perto e eu tive a ideia. Pensando em conseguir um vídeo da
Taylor?
— Será que dá certo?
— Eu diria que sim, mas sinceramente falando, acho
que Amélia vai gostar de qualquer coisa que você fizer.
— É por isso que tenho que me esforçar mais. —
Vincent sorriu, lembrando das palavras de Sofia Palhares.
— Você apaixonado é realmente uma coisa. — O social
media provocou. — Me avise se precisar de ajuda.
O piloto assentiu.
Durante as semanas seguintes, seu tempo livre era
dedicado a essa questão. Com o retorno das aulas de Amélia, e
a apresentação da dissertação de mestrado, Vincent se
perguntava se deveria contar aquilo antes ou depois, se
atrapalharia os sentimentos da estudante. Sem contar que não
sabia que resposta receberia de volta e apesar de tentar
parecer calmo quanto a isso, suas sessões de terapia giravam
em torno daquele tema nos últimos dias.
Ele estava prestes a colocar seu plano em ação,
convidar Amélia para um jantar romântico e tocar uma seleção
das suas músicas românticas preferidas, quando a brasileira,
de novo, passou por cima dele.
Aconteceu em uma noite de sexta, depois de um dia de
treino livre para o GP do Japão.
Relacionar-se com alguém à distância era complicado e
às vezes nem as infinitas chamadas de vídeo davam conta da
saudade. Por isso, o piloto e a brasileira estavam sempre
inventando novas formas de se comunicar, sendo uma delas,
os jogos online. E bastaram alguns sorrisos para que Vincent
aceitasse a proposta de Amélia e baixasse Stardew Valley no
seu switch.
O jogo era um simulador RPG de fazenda, onde você
podia customizar seu personagem, interagir com uma cidade e
ter relacionamentos, enquanto regava plantas e dava comida
aos animais. Com a opção multiplayer, Amélia, que era uma fã
declarada de Stardew Valley, convenceu o piloto a embarcar na
vida de cuidados no campo.
E Vincent precisou admitir que estava se divertindo mais
do que o esperado.
— Não tem mais palha no silo, mia bella. — Ele disse
para Amélia, por chamada de vídeo. — É o último dia do verão,
vai dar tempo de conseguir até o inverno? Ou comprar seria
melhor?
Vincent desviou os olhos para o videogame, movendo
seu personagem pela tela, inspecionando os animais da
fazenda. Quando Amélia ficou tempo demais em silêncio, ele
franziu a testa e a encarou.
— O quê?
Ela sorriu, os olhos apertados contra as bochechas, o
cabelo em um cavalo alto, o top de alças finas deixando seu
colo à mostra.
— Eu amo você.
Amélia disse, no tom das certezas universais que só ela
tinha. Vincent piscou, atordoado.
— Ah, não, você não fez isso.
— Não era para eu dizer que te amo?
Ela riu.
— Amélia, você disse que me ama e está do outro lado
da porra do mundo, nem sequer posso te dar um beijo. —
Vincent reclamou, jogando as mãos para o alto. — Sério? E
não acredito que você passou por cima de mim, de novo.
— Você tinha planos para uma declaração?
— Sim! Stefano estava pensando em me ajudar com
isso, eu até fiz uma playlist de músicas. Você está estragando
minha experiência de primeiro namoro, Amélia.
— Você ainda pode fazer a declaração, eu prometo ficar
surpresa. E só para seu conhecimento, não era minha intenção
dizer isso agora, tá legal? Mas não consigo esconder um
sentimento assim, foi mal.
Ela sorriu. Vincent não conseguiu esconder a emoção,
sabendo que parecia meio idiota, mas seu coração estava cheio
de um calor tranquilo e suave, que ele não queria disfarçar.
— Eu amo você, meu bem.
Amélia entreabriu os lábios, um pouco surpresa e
balançou a cabeça.
— Eu não estou duvidando da sua sinceridade, mas só
para você saber, não vou deixar de casar com a Leah por isso,
ela é a melhor personagem de Stardew Valley.
— Sebastian sempre ganha essa disputa, mas não
vamos entrar em discussões onde eu estou certo.
Amélia riu.
— Vincent, eu amo você. — A pele do piloto se arrepiou
quando ela disse aquilo. — E agora me arrependo um pouco,
porque também queria receber um beijo.
— Karma is a queen.
— Não use a Taylor Swift contra mim! E sobre a
fazenda, dá tempo de conseguir mais palha, é só plantar
grama.
Vincent sorriu.
— Amélia, eu amo você. Mas temos cinco animais e
você ainda quer uma ovelha, esses bichos vão morrer se não
comprarmos nada.
— Eles não vão morrer, não seja tão dramático. E eu
sou a própria wiki viva desse jogo, vai ficar tudo bem. E eu
amo você, Vincent Di Castelli.
Vincent nunca tinha se permitido ficar apaixonado tão
profundamente antes, mas ele conhecia o amor.
Estava presente nos terços e rosários que sua mãe e
avó rezam antes das corridas, para que ele não se
machucasse. No abraço carinhoso de Emma e Antonia, toda
vez que ele as via, com inúmeras novidades para dividir.
Quando conversava com Stefano sobre os sentimentos
conflitantes do seu coração e ouvia conselhos preciosos. No
sorriso contido de Arthur, os olhos brilhando com orgulho
paterno sempre que Vincent falava com ele.
Ele sempre acreditou que o amor era um risco, um jogo
implacável, que poderia ser cruel, mas era muito mais do que
isso. Também é conforto, paciência, cuidado, liberdade,
gentileza e escolha. Nunca um fardo, obrigação, um peso no
coração, ou algo que tirava seu sono a noite.
E havia aquele amor que sentia por Amélia, corajoso e
doce, um estado de graça que aquecia seu corpo. Vincent
podia sentir a verdade e a força do sentimento nas três
palavras que ela dizia com leveza, como se fosse fácil demais
amá-lo, pedindo apenas que o piloto fosse ele mesmo.
Era estranho que ele se sentia pertencente a ela, mas
não de uma maneira possessiva, e sim como retornar a um
lugar seguro depois de tempo demais andando sem rumo. E,
olhando o perfil sorridente da mulher que amava, soube que
ela também se sentia da mesma forma.
No final do dia, seus corações eram casas um para o
outro.
26.
Agosto
O fato de que Amélia amava Vincent, começou a surgir
quando ela quase deletou sua dissertação de mestrado em
meio a uma crise de síndrome de impostora.
Ela não ia realmente jogar fora o trabalho todo, mas
estava encarando o botão de excluir por muito tempo. O
sentimento de não ser boa o suficiente era o principal
motivador, assim como a proximidade dolorosa da
apresentação, lhe tirando o sono e parte da sanidade.
Foi quando Vincent lhe ligou, no hotel, depois da corrida
do México. Em chamada de vídeo, deitado na cama e com os
cabelos loiros molhados, ele parecia relaxado. Amélia imaginou
que tivesse a ver com ganhar o primeiro lugar duas vezes
seguidas, recuperando os pontos perdidos em Mônaco, e sorriu
pela empolgação do piloto.
— O que você está fazendo?
— Quase excluindo minha dissertação de mestrado e
quem sabe eu não sumo junto.
— Me parece uma medida drástica para não apresentar
um trabalho. — Ele sorriu. — Você tá bem?
— Tô, é só meu nervosismo me matando. Tenho que
ensaiar a apresentação, mas não consigo fazer isso em voz alta
sem derreter.
— Dizem que apresentar para uma plateia ajuda, porque
não me mostra?
— Me parece uma medida drástica para você finalmente
descobrir o tema do meu mestrado.
Ela revidou, com a sobrancelha arqueada, e Vincent riu.
— Tô falando sério, se você quiser eu até muto sua voz
por aqui. Mas… Eu não me importaria de finalmente descobrir
o que é. Até a minha mãe sabe, Palhares.
— Por que ela faz parte do projeto, indiretamente. —
Amélia balançou a cabeça, sorrindo. — Tudo bem, eu vou
apresentar para você. Mas quero que seja crítico, tá certo? Me
diga onde preciso melhorar e como falei, postura, você sabe.
— Vou ser um juiz meticuloso.
Amélia improvisou um espaço para o celular e colocou o
slide no seu notebook. Ela ficou de pé, ao lado do computador
e arrumou a coluna, adquirindo sua melhor expressão de
estudante super profissional que sabia o que estava fazendo.
Vincent a encarou, atento.
— Boa noite, meu nome é Amélia Palhares e eu sou
estudante de mestrado em Gestão Artística. Para a minha
dissertação, passei os últimos três anos pesquisando,
estudando e interpretando, as obras da pintora italiana Fúlvia
D ‘Oro e a relação destas com os documentos recém-
descobertos no Museu do Sertão, localizado no Brasil, em
Pernambuco.
Vincent ergueu uma sobrancelha, mas não a
interrompeu.
— E como resultados das análises, temos o seguinte
estudo: “Amor, eterno amor: reinterpretando as obras de Fúlvia
D ‘Oro à luz dos relatos pessoais ítalos-brasileiros.”
Amélia passou o slide, os dedos que antes tremiam,
agora mais calmos. Aquele era o território dela, afinal, no que
era realmente boa e precisava acreditar em si mesma se
quisesse que aquele trabalho fosse reconhecido. E ela devia
isso não só a menina sonhadora que foi um dia, mas a Fulvia D
‘Oro.
Depois de apresentar um breve panorama da história
conhecida, de como as obras de Fulvia foram creditadas para o
seu irmão mais velho e a fuga da pintora para o Brasil, ela
finalmente chegou onde queria.
— No Brasil, Fúlvia morou em Pernambuco durante 37
anos, em Recife. Ela permaneceu na cidade até sua partida
para Itália, onde viveu até falecer em decorrência de um
câncer incurável. Mas nunca se soube os verdadeiros motivos
da pintora ter permanecido tanto tempo no Brasil, ou porque
partiu tão repentinamente para a terra natal. Até três anos
atrás.
As imagens dos diários originais de Fulvia preencheram
a tela do seu computador e Amélia controlou a empolgação.
— Os diários da pintora foram descobertos em uma
doação ao Museu do Sertão, de uma parte do acervo pessoal
dela. A doadora, Eduarda Valente, se identificava como sendo
filha de Fulvia, embora não tivesse documentos que provassem
esse fato. Nos registros estudados e traduzidos, descobrimos
que a senhorita Valente estava contando a verdade, ela era
filha de Fulvia D ‘Oro e Teresa Valente.
Vincent soltou um suspiro surpreso e Amélia empurrou
os óculos no rosto, sorrindo.
— Fulvia e Teresa se conheceram ainda na Itália, em
uma visita da brasileira à Mancia. Se apaixonaram e
continuaram trocando cartas por muitos anos, quando a
pintora descobriu os créditos roubados dos seus quadros. Sem
nada mais pelo que lutar, Fulvia embarcou para o Brasil, onde
viveu com Teresa até a morte da amada. Teresa é mencionada
nas cartas-diários não postadas, como “Amor, meu eterno
amor” e descrita como a única responsável por manter Fulvia
no país.
Amélia explicou a vida de Teresa, o infeliz histórico de
violência doméstica, o nascimento da filha, Eduarda, e a fuga
para Pernambuco, onde encontrou com Fulvia e viveu feliz até
sua morte. Quando a pintora voltou para Itália, em seus
últimos anos de vida, se dedicou a pintar aquele amor em
todas as suas obras, que ficaram ocultas até que os Torrisi
fizessem o trabalho de resgate.
A estudante apresentou uma releitura das obras de
Fulvia, usando suas cartas como guia, explicando o simbolismo
escondido em algumas delas.
— A história de Fulvia D ‘Oro sempre foi descrita como
uma tragédia. Uma mulher que sofreu às custas do irmão
desonesto, que jamais recebeu reconhecimento enquanto
estava viva e morreu deixando a esperança de um dia ser
reconhecida. Mas Fulvia experimentou uma vida de plena
alegria e felicidade, ao lado de pessoas importantes. E deixou
para trás, um legado de amor verdadeiro e honesto, que
merece ser contado e mostrado. Obrigada.
Amélia soltou um longo suspiro, relaxando a postura.
Ela se sentou novamente, pegando o celular e vendo o rosto
de Vincent, procurando sinais do que ele tinha achado.
— Caralho. — Vincent riu e passou uma mão no rosto.
— Você é a porra de um gênio, Amélia Palhares. Foi a coisa
mais incrível que eu já assisti e eu podia ouvir você falando
sobre isso durante horas.
Ela sorriu, sentindo as bochechas esquentarem.
— Nenhuma crítica a fazer?
— Não, meu bem, nenhuma. Você foi incrível, sabe do
assunto, tem domínio de conteúdo e o slide está ótimo. Dá
para ver o quanto você ama arte e Fulvia, sua storyline está
ótima, começou apresentando o ponto e depois abordou o
tema.
— Não acha que eu dei muito contexto, antes de partir
para o ponto principal? Eu sinto que preciso ser mais objetiva.
— Você está contando uma história, Palhares. — Vincent
ergueu um dedo. — Eu chamo isso de ter uma licença poética
apurada. Você vai se sair bem.
— Obrigada. — Amélia sorriu.
A aprovação de Vincent não era crucial para Amélia, até
porque, o trabalho de anos era todo dela e a estudante sabia
que estava bom, mesmo com a síndrome de impostor batendo
na porta. Mas o apoio dele em um dos momentos mais
importantes da sua vida, saber que o piloto estava ali, era o
principal.
— Estou dispensado do meu papel de banca? Porque
agora precisamos conversar sobre Fúlvia D ‘Oro e como minha
mãe vai surtar com tudo isso. Acho melhor você se preparar
para escrever um artigo com ela.
— Se a sua mãe me chamar para escrever um artigo,
Vincent, eu acho que desmaio. Estou aberta a perguntas da
banca sobre o que quiser saber.
Amélia foi dormir tarde naquele dia, conversando com o
piloto sobre Fúlvia D ‘Oro e a descoberta de que a pintora
amava mulheres. Sobre o medo que ela deve ter sentido ao vir
para o Brasil, os trechos dos escritos onde ela conta como o
amor de Teresa foi sua tábua de salvação e o remetente das
cartas, Giulia Pesato, a melhor amiga de Fúlvia, que já havia
morrido.
— “Eu conheci o amor na forma mais violenta e
dolorosa possível, mas Teresa trouxe a verdadeira natureza
dele para mim. Todas as vezes que ela sorri, eu sei que o amor
é bom, é felicidade. E isso, querida Giulia, é o bastante.”
Amélia leu seu trecho preferido, os olhos marejados.
— Consigo entender porque você se aproximou de
Fulvia. — Vincent disse, com um bocejo. — E porque a história
de um amor assim, Amélia, merece ser contada.
Mesmo quando eles se despediram, ela manteve aquele
trecho em mente. Deitada no escuro do quarto, com os dedos
acima do coração, Amélia sentiu as próprias batidas ecoarem
pelo seu corpo inteiro, aproveitando a emoção de Fulvia, igual
à primeira vez que ela leu aqueles trechos.
Ela tinha mais do que se aproximado de Fulvia, tinha se
reconhecido nela.
Na jovem desamparada, que perdeu o que mais amava,
e saiu do país sem esperança alguma. Na mulher de coração
partido, escrevendo pensamentos sobre sua descrença em um
amor de verdade, sozinha e com medo de enfrentar o mundo.
Na pessoa que ainda estava quebrada, mas que estava se
curando, e que teve a sorte de conhecer como o amor era de
verdade.
Duas mulheres, que viveram em tempos diferentes,
ligadas por um fio invisível de sentimentos através de
gerações. Uma pintora que precisou de uma contadora de
histórias que mostrasse a verdade ao mundo sobre seu
trabalho. Uma contadora de histórias que teve a fé restaurada
por uma pintora que descobriu sobre o amor.
Não era curioso como o tempo funcionava?
— Sim, Fulvia. O amor é bom, é felicidade. E isso é o
bastante.
Amélia sussurrou, adormecendo com um sorriso leve no
rosto. Semanas mais tarde, encarando Vincent pela tela do
celular, ela teve a certeza de que sim, amava aquele piloto. E
ao dizer isso ao italiano, vendo o sorriso nos lábios dele e a
emoção nos olhos cor de âmbar, ela compreendeu mais uma
verdade sobre o amor romântico.
Amor era o conjunto constante de atos de coragem. E
ela merecia aquilo, a sensação de amar alguém e de ser
amada de volta. Ela finalmente se sentia pronta para
atravessar aquele mar dourado que tanto tinha evitado,
mergulhar e descobrir o que a esperava. Sem medo algum.
***
Fearless era a música que tocava no carro alugado de
Vincent, enquanto as luzes de Marina Bay passavam em
borrões pela janela. Ele batucava no volante no ritmo, sorrindo
feito um idiota.
Quando acordou naquela manhã, havia uma mensagem
de Amélia o esperando.
A: "Fiz uma playlist para você.”
V: “Obrigado, mia bella.” “Qual a ocasião?”
A: “Para combinar enquanto você dirige.” “E é
colaborativa, então é nossa playlist de viagem.”
V: “Essa é uma coisa bem de casal.”
A: “Calado. Eu estou lhe dando a experiência de
primeiro namoro completa.”
A playlist se chamava “You ‘re driving in a Getaway Car”
e já tinha cerca de 30 músicas adicionadas. Vincent colocou
suas favoritas para a estrada, mas riu quando o aleatório do
aplicativo colocou de Taylor Swift em sequência. Pelo visto, ele
não podia mesmo se livrar da cantora.
Ele estacionou, a letra da música em sua cabeça,
sentindo-se leve e ansioso. Depois do Grande Prêmio de
Singapura, ele correria em Monza e teria o fim de semana de
descanso. Além de poder, dormir até mais tarde, finalmente
veria Amélia depois de quase um mês.
— Meu Deus, como eu odeio apaixonados. — Satake
murmurou, já com o uniforme da Redemptio.
— Você precisa de um amor na vida, Satake, isso sim. —
Vincent provocou. — Eu posso arrumar alguém, se você quiser.
— Eu estou muito bem sozinho, obrigado. E eu tenho
medo do trabalho de cupido que você faria.
— Sou um ótimo cupido!
Satake estreitou os olhos fundos e balançou a cabeça.
— Se você diz… Estão querendo que a gente dê uma
coletiva, Arthur te disse?
— Sim, todos os pilotos que ainda tem chance de vencer
esse ano.
— Disseram que Ansel vai mediar.
Vincent fez uma careta.
— Não temos escolha nisso, ou temos?
O piloto japonês negou, parecendo cansado.
— Eu só queria que tudo isso acabasse de uma vez.
— Estamos quase lá, Satake, só precisamos ter um
pouco de paciência.
— Acho engraçado você mencionar paciência, o amor
muda tanto assim alguém?
Vincent riu e bateu no ombro do amigo.
— Se apaixone e descubra.
Não, Vincent não tinha mudado. Até porque a ideia de
que o amor “mudava uma pessoa para melhor”, era uma
ilusão. Mas saber que ele amava e era correspondido, trouxe
um bom humor inteiramente novo ao piloto e uma paz que ele
raramente conhecia.
O simples fato de poder enviar uma mensagem para
Amélia, dizendo “Eu amo você”, trazia um sorriso ao rosto dele.
Estar apaixonado era tão bom, que ele se perguntou o que
teria acontecido se tivesse acontecido antes.
Depois da corrida, na coletiva de imprensa, ele se
sentou na ponta, arriscando uma olhada para os outros pilotos.
Além de Satake, outros três tinham chance de levar o prêmio:
Chase, Kob e um russo chamado Misha, que Vincent não teve
muito contato. Com poucas competições pela frente, a
pontuação acirrada seria disputada até o último momento.
Vincent não pode evitar que a veia latente da
competitividade saltasse. Quanto mais alto a concorrência,
mais rápido ele teria que correr e essa frase soava ótima em
seus ouvidos.
— Então, Vincent. — Ansel o chamou, os olhos azuis
voltados para ele. — Como lidar com a pressão do final de
temporada? Todos nós sabemos que o momento não é fácil
para a Redemptio, especialmente depois dos últimos acidentes.
Vincent inclinou a cabeça e sorriu.
— Lidar com a pressão é fácil, eu sempre dou o meu
máximo na pista e foco nisso. Quando se foca em correr, em
conduzir o carro, não tem porque se preocupar com outros
pensamentos que não sejam a velocidade que você vai
conseguir na próxima curva.
— E nem mesmo a possibilidade de uma equipe
irresponsável atrapalhar?
O italiano sabia muito bem o que Ansel estava tentando
fazer, por isso seu sorriso não vacilou um só segundo.
— Confio minha vida a Redemptio, assim como fiz todos
os fins de semana desde que entrei na equipe. E como
provamos, somos umas das melhores da temporada por algum
motivo, não é mesmo, Ansel?
Satake disfarçou uma risada com uma tosse e o rosto de
Ansel se retorceu em raiva.
Era fácil não se importar com um ex-piloto decadente,
quando o cheque-mate era facilmente visualizado.
A tensão no grid, de que alguma coisa estava prestes a
acontecer, contagiava todas as equipes e era divertido ver as
pessoas se roendo de curiosidade, mas sem poder questionar
nada. E por mais que Vincent tentasse disfarçar, todos em sua
casa acabaram percebendo que ele parecia empolgado demais
nos últimos dias.
— Você está escondendo alguma coisa. — Amélia disse,
deitada na cama de Vincent, o queixo apoiado no peito dele.
— Eu já disse o quanto eu amo seu cabelo? — Vincent
correu os dedos pelas mechas — Você é tão linda.
— E você está tentando me distrair.
Ela sorriu, beijando a pele dele. Vincent a abraçou,
deitando-os de lado, as pernas nuas de ambos entrelaçadas de
tal forma, que ele não sabia dizer onde ele começava e
terminava. A sensação era incrível.
— Está funcionando?
Vincent beijou o pescoço de Amélia, aspirando o cheiro
dela, ameixas, sabonete fresco e casa.
— Hum… Você pode tentar com mais vontade.
Ele sorriu, malicioso e seus dedos dedilhavam a coluna
dela, do jeito que Vincent sabia que arrancavam suspiros
baixos de Amélia. O piloto a beijou, os lábios quentes, doces e
vorazes.
Os dedos de Amélia puxaram seus cabelos e ele gemeu,
a pele dela o enlouquecendo, as carícias indo cada vez para
baixo, o toque macio na região da cintura do piloto. Ele a
encarou, a pouca luz do quarto criando um cenário etéreo, o
rosto da brasileira em uma expressão de prazer e maliciosa
que Vincent adorou.
Vincent tocou-a por cima do tecido da calcinha, ao
mesmo tempo que os dedos de Amélia percorreram sua
extensão. Ele não se segurou, soltando outro gemido, jogando
a cabeça para trás, aproveitando o delicioso arrepio de prazer.
— Amor, é sempre bom te ver assim por minha causa.
— Porra.
Amélia riu e acelerou, uma dança torturante e lenta,
roubando o ar dos pulmões de Vincent, calor se acumulando
em suas pernas e o piloto deslizou dois dedos para dentro da
calcinha da brasileira, ganhando um gemido.
O sensorial o atingiu como um tapa e Vincent se inclinou
para beijar Amélia outra vez, sustentando o peso do corpo com
um braço, a mão dela ainda o masturbando com precisão, o
calor dela entre seus dedos. Os lábios se esbarraram de um
jeito bagunçado, gemidos entre respirações pesadas e tudo ao
redor deles parecia perigosamente perto de incendiar.
Vincent chupou o pescoço de Amélia, sentindo as costas
dela arquearem mais uma vez e afundou os dedos, gemendo
junto com ela, um tremor leve começando a se formar em suas
pernas. Ele estava perigosamente perto de se entregar, tudo
era demais para ele, ela era demais para ele.
Quando Vincent contornou o clítoris de Amélia com o
polegar e ela gemeu mais alto, as pernas relaxando, o som
viajou até seu pau e ele não se impediu de gozar junto com
ela, estrelas estourando atrás dos seus olhos fechados.
— Merda — Ele xingou, meio rindo e se levantou da
cama, zonzo. Correu para o banheiro, pegou um papel e
limpou a pele de Amélia, ainda trêmula, com cuidado.
Minutos depois, a própria Amélia foi ao banheiro e eles
deitaram-se na bagunça de lençóis, o ar do quarto inteiro mais
quente, suor grudado na pele.
— Você vai me contar, ou não?
— Sua estratégia para arrancar meus segredos era um
orgasmo?
— Não, seria mais um boquete. — Vincent riu. — Eu só
preciso saber se está tudo bem, meu bem.
— Golpe baixo.
O piloto murmurou, beijando a testa dela, sorrindo.
— Eu assino até um termo de confidencialidade se você
quiser.
Vincent suspirou. Ela nunca o deixaria em paz.
— É só complicado, mia bella, o tipo de segredo que
quanto menos pessoas souberem, melhor.
— Tem a ver com Ansel?
— Sim. Em resumo achamos uma forma de acabar com
a carreira dele, mas isso é perigoso, então tive que trabalhar
com outros pilotos por trás das câmeras por um tempo. Não
sabemos o que vai acontecer, para ser sincero, nenhum de nós
sabe bem. É só o que posso te contar, Amélia.
— Por favor, tenha cuidado. — Ela segurou o rosto dele.
— Ansel é um filha da puta, mas ainda um filha da puta com
poder demais dentro da FIA. Não quero que ele ferre nenhum
de vocês.
— Estamos tentando, prometo. Todo mundo está pronto
para brigar com Bellini, ele mal perde por esperar.
Ela assentiu, os olhos cheios de raiva e determinação.
— Bom. Ele merece ser esquecido no inferno.
— É a nossa meta principal.
Eles ficaram abraçados, em silêncio, o som dos grilos
ecoando no jardim.
— Vincent?
Amélia o chamou, a voz sonolenta.
— Sim, amor?
— Eu amo você.
Ele sorriu, abraçando-a mais perto, o cheiro de ameixas
por toda parte.
— Eu também, mia bella.
Vincent se sentia a porra do homem mais sortudo do
mundo.
27.
Três anos atrás
Outubro, 01:45, Londres
Vincent cresceu em uma dualidade, cercado de pessoas
e ao mesmo tempo sozinho.
Na mansão Torrisi, haviam sempre tios, tias, primos e
familiares para brincar e se distrair. Mas no momento em que
se trancava no quarto, uma solidão estranha o acompanhava e
pressionava sua nuca. Vincent nunca soube explicar bem
aquilo, sempre colocando tudo como o drama do menino rico
demais, obrigado a ficar com os próprios pensamentos vez ou
outra.
Só na adolescência que o peso de ser um Torrisi o
acertou e ele enfim descobriu a fonte da sensação estranha.
Vincent queria muito mais do que ser o garoto de uma família
rica, ele queria deixar sua marca no mundo, ser conhecido
como bom em alguma coisa que não tivesse a ver com o
sobrenome. E mesmo crescendo com todos os privilégios do
mundo, e era o primeiro a reconhecer isso, se perguntava
como seria ter algo só seu.
Foi isso que o motivou tanto a se esforçar nas corridas,
mas o que também o levou a guardar aquela raiva. Ele
precisava ser bom, tinha que ser bom, porque, se não fosse, o
que teria feito por si mesmo além de ser aquele garoto
patético que se arrastava por baixo da asa da mãe?
Vincent não sabia como Amélia tinha enxergado aquela
camada que ele tanto tentava manter escondido, em menos de
10 minutos de conversa no parquinho. Nem porque ela tinha
aceitado sair com ele pela noite, partilhando tanta coisa e ao
mesmo tempo, continuando um mistério.
O que seria daquele momento quando tudo acabasse?
Vincent tentava não pensar muito sobre isso, mas observando-
a de perfil, era inevitável.
— Eu aceito o fato de você ter lido Jane Austen para a
faculdade, mas nenhum livro da Isabel Allende? Sério? Nem
Clarice Lispector?
— Eu era um pouco obcecado pela Austen. Mas em
minha defesa, eu me formei com especialização em literatura
italiana.
— Italiana?
— Acho que o assunto não surgiu, mas eu sou da Itália.
Amélia desviou os olhos para as botas.
Estavam sentados na escada de emergência, abrigados
do frio cortante da madrugada londrina. A luz avermelhada da
única lâmpada na parede, lançava sombras no rosto de Amélia,
e Vincent conseguia enxergá-la pouco, apenas o fraco brilho da
armação dourada dos óculos.
— Ah, então você lia Dante.
— Porque todo mundo assume isso? Não, eu detesto
Dante, muito complicado para mim. Eu gosto de O Nome da
Rosa, Elena Ferrante, e, aqui vai uma confissão, Boccaccio.
Amélia riu.
— Eu lia Boccaccio quando era adolescente, me achava
super inteligente por ler os poemas, mas entendia pouca coisa.
E é bom saber que você lê Elena Ferrante, acho que ela é uma
das minhas autoras preferidas.
Vincent virou-se para ela, tirando os cabelos ondulados
do rosto de Amélia.
— Quantos livros você já leu na vida?
— Eu não faço ideia. Essa não é uma pergunta que os
leitores vão responder com facilidade. Você sabe o seu?
— 176.
— Porra! Como se lembra disso?
Ele deu de ombros.
— Eu gosto de anotar minhas leituras desde criança.
— Quanta organização.
Ela se aproximou mais dele, o quadril tocando o de
Vincent, o corpo em uma pressão suave contra o do piloto. Ele
a analisou, vendo que ela mordia o lábio inferior, um pouco
perdida em pensamentos.
— Posso perguntar uma coisa?
— Fique à vontade.
— Quando você mencionou que não namorou homens,
mulheres e pessoas não-binárias mais cedo…
— Ah, sim. Eu sou panssexual.
Amélia arqueou as sobrancelhas.
— Um encontro duárico. Uma bissexual e um
panssexual. Mas na verdade, eu queria perguntar o porque
você nunca namorou ninguém.
— Eu nunca me apaixonei para querer algo mais sério.
— Nem aquelas primeiras paixões de escola?
Vincent deu de ombros.
— Não que eu me lembre. Gosto de manter tudo o mais
casual possível, poder ir embora antes que a outra pessoa vá.
Não sou bom com despedidas, vivo viajando e minha vida é
instável demais para ficar em um lugar só.
Além do mais, tenho medo de ter o coração partido.
Amélia apoiou o rosto na mão, os olhos voltados para
ele, sérios.
— Eu acho que tem mais coisas, mas você não vai me
contar e eu aprecio isso. Na verdade, eu adoraria ser um pouco
mais assim, manter a casualidade da situação.
— E porque não tenta?
Vincent beijou a testa dela, contornando o corpo de
Amélia com os braços, sentindo quando ela se aconchegou
nele.
— Porque eu sou uma romântica incurável e leio mais
livros de romances do que seria considerado saudável. — Ela
riu. — Mas você não precisa se preocupar com isso hoje,
Vincent, estamos recriando a história da Cinderela, afinal de
contas.
Os lábios dela pressionaram o pescoço dele com
delicadeza e um arrepio percorreu o corpo do piloto.
— Mas a versão LGBTQI+ da história.
— O que seria muito melhor. E me levaria ao assunto,
quais princesas da Disney seriam LGBTQI+ com toda certeza?
— Além da Anna de Frozen? Hum… A Bela me parece
que seria bissexual, a Merida lésbica e talvez a Branca de Neve
se assumisse como pan.
— A Branca de Neve é a princesa mais hetero de todas
elas, mas eu concordaria que a Ariel é pan. — Amélia deitou a
cabeça no peito de Vincent. — Você tem opiniões bem
formadas sobre isso.
— Eu e minha prima temos opiniões sólidas sobre isso,
acho que ficamos a tarde inteira discutindo uma vez.
Como os primeiros netos de Teodora Torrisi assumidos,
Emma e Vincent passaram boa parte da adolescência se
perguntando quem mais era secretamente como eles. Os
ícones da cultura pop eram o principal alvo da discussão nas
infinitas conversas dos dois.
Vincent sorriu, lembrando de prima e as palavras de
Amélia pesaram mais em seu coração. Fazia muito tempo que
ele não via a prima, ou não tirava um tempo para ir à Mancia,
apenas ficar com a família. Uma que sempre o apoiou, em
todos os momentos e o amou sem pedir nada em troca.
— Você ficou pensativo, tá tudo bem? — Amélia tocou
sua testa delicadamente.
— Sim, só lembrei da minha família. Preciso tirar um
tempo para fazer uma visita.
Ela assentiu, sorrindo. O celular do piloto tocou e
Vincent desligou a chamada, mal vendo quem tinha ligado.
— Já está tarde, não acha? — Amélia sussurrou. — A
meia noite passou há muito tempo.
— Você nos comparou a um filme sobre o amanhecer,
então eu considero justo esperarmos pelo nascer do sol.
Vincent a apertou contra si. Ele não queria que aquele
momento acabasse, não agora.
— Não podemos ficar aqui para sempre, Vincent.
— Então vamos para minha casa. — O pedido pareceu a
surpreender. — Não estou te chamando para transar, mas
poderíamos continuar a conversar em um lugar mais
confortável. Se você quiser, claro.
Amélia fechou os olhos por alguns segundos e ele podia
ver as engrenagens girando na cabeça dela.
— Você sabe que eu estava falando desse sonho bonito,
não sabe? Estamos perto de acordar, mas ainda quero
continuar dormindo mais um pouco, enquanto eu puder. Tudo
bem, vamos.
Ela o beijou, os dedos puxando os cabelos dele e
Vincent sentia a decisão dela no toque, de aproveitar aquela
pequena janela de tempo enquanto pudesse, e retribuiu o
mesmo desejo. Com a língua, explorou a boca de Amélia, os
suspiros dela morrendo nos lábios do piloto, pequenas
supernovas explodindo na cabeça dele.
Segurando a mão dela, quase correndo pelas ruas de
Londres, Vincent sentiu a liberdade da incerteza das garantias,
a falta de promessas para o raiar do sol, o medo de ser de
perder uma coisa que ele nem tinha. Ouvindo a risada de
Amélia na noite, o piloto encarou aquele castelo de areia e
tentou não pensar no momento em que ele seria destruído.
28.
Setembro
As tardes de domingos para Vincent eram de corridas,
para Amélia Palhares, eram de missas.
Ela nunca foi uma pessoa religiosa, mas depois que a
mãe morreu, encontrou um pouco de conforto em igrejas.
Além da arquitetura interessante de algumas, o lugar lhe dava
uma sensação de paz curiosa, o que era engraçado,
considerando que o texto base dos templos dizia que ela
queimaria no inferno pela orientação sexual.
Era impossível fugir da religião da Itália, a veia do
catolicismo estava presente nas artes e na história em todos os
lugares. E isso servia até para os Torrisi, que além de terem
diversas capelas para Santa Cecília, padroeira dos músicos e
artistas, iam à igreja quase todos os domingos.
Amélia jamais pensou que um dia se juntaria a uma de
suas referências no mundo acadêmico, Anna Di Castelli, e sua
chefe, Teodora Torrisi, para assistir uma celebração, mas lá
estava ela. Desde o encontro na cafeteria, as duas mulheres
convidaram a brasileira para a programação dominical e ela
nem sequer pensou em recusar.
A igreja de Mancia estava lotada e o calor do final de
tarde era sufocante, mas Amélia não conseguia parar de sorrir.
Vincent segurava sua mão, o polegar traçando círculos no
dorso, os lábios pressionados em uma linha para disfarçar um
sorriso. Por mais que ela tentasse se concentrar no que o
padre dizia, o toque do piloto e o rosto maroto eram
obstáculos.
Ela ia mesmo arder no fogo do inferno.
Depois que tudo acabou, os Torrisi e ela caminharam na
larga praça em frente a igreja.
— Algum plano para esse fim de semana? — Anna
perguntou, o cabelo loiro recém-cortado na altura do pescoço.
— Vamos viajar para o Brasil. — Vincent respondeu, de
braços dados com a avó. — A próxima corrida é em São Paulo
e eu quero conhecer a irmã de Amélia.
— Ela ficou noiva essa semana e vamos fazer uma festa.
Além do aniversário de Stefano.
— Não acredito que meu neto quer passar o aniversário
longe de mim. — Teodora balançou a cabeça. — Ele está
andando demais com você, Vincent.
— Eu nunca disse que sou boa influência, nonna.
— Amélia, querida, por favor não pegue os maus
hábitos de Vincent.
— Ah, ela é pior do que eu.
Vincent riu quando Amélia revirou os olhos.
A empolgação da brasileira para voltar à sua terra natal
tinha crescido a cada dia.
Depois de Monza, Vincent estava oficialmente de férias
por um mês, antes da próxima corrida. O piloto propôs a
viagem, para aproveitar o recesso de Emma, Sancia, Angela e
Stefano, nos últimos 15 dias do mês de Setembro. E como a
próxima corrida seria no Brasil, nada mais justo do que unir o
útil ao agradável.
Amélia estava tão agitada, que não conseguiu dormir e
passou a noite reorganizando as malas em seu apartamento.
Seus pés não paravam de se mover, descarregando a
adrenalina em batidas rítmicas do sapato contra o chão.
— Mia bella, quantas xícaras de café você tomou? —
Vincent perguntou, os óculos de sol pendurados na ponta do
nariz.
— Só uma. — O piloto estreitou os olhos. — Tudo bem,
duas, mas eu só estou animada.
— Parece que você bebeu um carregamento inteiro de
energético.
— Não me culpe, eu estou indo viajar para o meu país
natal depois de anos. Nem acredito que essa viagem está
mesmo dando certo, eu meio que esperava que uma coisa
bombásticas acontecesse e a gente tivesse que cancelar.
Alguma chance do avião cair?
Vincent sorriu e beijou a testa dela.
— Seu pessimismo é adorável.
— O universo está conspirando demais a nosso favor,
acho estranho.
— É que nossos tempos de glória finalmente chegaram,
amor.
Amélia piscou e depois riu.
— Você não acabou de citar Jão!
— Eu realmente escuto nossa playlist, Palhares e gosto
das músicas.
Como ela amava aquele cara.
No final, o avião não caiu, e depois de uma conexão em
São Paulo, eles pousaram em Recife no final da tarde de
segunda.
Quando ela saiu para a cidade, as pernas um pouco
dormentes, lágrimas se acumularam em seus olhos. O céu,
pintado em um laranja forte, cheirava a casa. Os prédios
desorganizados, o sotaque melódico, as placas em português e
os sons que ecoavam por toda parte, eram a melhor coisa que
ela já tinha ouvido.
Eles tinham alugado um carro, não um esportivo como
Vincent queria, que já os esperava no estacionamento. O
funcionário, em choque, pediu uma foto para o piloto, que
gentilmente o atendeu.
— Meu país, minhas regras. — Amélia balançou as
chaves na frente de Vincent. — Eu dirijo.
— Então o som é meu.
Vincent disse, puxando-a para um beijo breve.
Cerca de 3 horas depois, e roucos de tanto cantar,
chegaram na faixa litorânea de Coral ao som de Starboy, do
The Weeknd. O acesso à Praia da Andorinha era restrito e
seguro, distante da cidade, e eles podiam relaxar sem medo de
serem incomodados.
— Vincent, meu lar. Meu lar, Vincent!
Amélia gritou, assim que desceu do carro, o vento
bagunçando seus cabelos, a boca com gosto de sal e a pele
cheirando a maresia, a lua prateada refletindo no mar agitado.
— É lindo, Palhares.
Ela travou o carro e pegou na mão dele, puxando-o em
direção à faixa de areia. Tiraram os calçados, as pedras
arranhando a pele de Amélia, e eles correram em direção à
água gelada.
— Eu cresci aqui. Os pais da minha mãe eram
pescadores e ela herdou a cabana, e nós transformamos em
casa da praia assim que conseguimos. — Ela apontou para a
construção iluminada por luzes amarelas, há alguns metros de
distância. — Vínhamos todo fim de semana, depois que ela
morreu, e realizamos o desejo dela antes que eu fosse à Itália.
Espalhamos as cinzas dela bem aqui. Ela queria se juntar ao
mar e eu gosto de pensar que agora, todo esse oceano
também é ela. Então, essa é a minha mãe.
Vincent a abraçou pela cintura, uma expressão solene
no rosto, os olhos ainda dourados, mesmo na escuridão. Ela
passou as pontas dos dedos na face dele, sorrindo, tão feliz e
leve, que poderia ser levada pelas ondas.
— Obrigado por me deixar vir aqui, Amélia. Eu amo
você.
— Eu amo você, campeão. — Vincent riu e ela o beijou,
ficando na ponta dos pés, quase se desequilibrando. A água
gelada contrastou com o calor que se espalhou no corpo dela,
começando pelos lábios, e sua pele se arrepiou inteira.
Os dois só se separaram quando o nome de Amélia foi
chamado, em um grito, da casa de praia.
— É agora que você me diz que para eu ter cuidado
com sua irmã, porque ela pode me ameaçar?
Ela riu.
— Ah, não, Sofia não fica só nas ameaças. — Amélia
sorriu diabolicamente. — Quando se trata do meu coração,
minha irmã cumpre tudo o que promete. E ela sabe que eu
também sou a porra de uma maluca em relação a ela.
— As irmãs Palhares são ferozes.
Vincent sorriu e Amélia retirou os cabelos castanhos que
caiam no rosto do piloto.
— Protegemos uma outra.
A casa de praia saiu de uma simples cabana de madeira,
da infância de Amélia, para uma propriedade de andar, com
uma piscina e churrasqueira nos fundos. Nada tão chique
quanto a mansão Torrisi, mas acolhedora da mesma forma.
As paredes eram pintadas de branco, o alpendre na
parte da frente tinha redes coloridas armadas, além de espaço
para cadeiras de palha. Lá dentro, a cozinha e a sala em
conceito aberto foram abastecidas com móveis modernos e de
cores claras, as janelas abertas deixando o ar frio da praia
ventilar os cômodos. No andar de cima, sacadas com proteção
de vidro se projetavam dos quatro quartos que constituíam o
piso, cortinas azuis balançando com suavidade.
E, correndo em direção à Amélia, uma garota gorda, de
cachos vermelhos vibrantes e pele queimada de sol, vinha em
toda velocidade. Mesmo a distância, a semelhança entre elas
era visível: os mesmos formatos de olhos e boca, o maxilar
marcado, o sorriso largo e gentil.
Deixando Vincent para trás, a estudante foi ao encontro
dela e a recebeu em um abraço forte.
— Amora! Você tá mesmo aqui!
— Oi, Sofia.
Amélia murmurou, o abraço caloroso da irmã
preenchendo os buracos de saudade abertos em seu coração.
Ela não impediu as lágrimas de rolarem pelas bochechas, entre
risadas de incredulidade, porque não conseguia acreditar que
estava ali, o cheiro de morango de Sofia em seu nariz, a voz
aguda dela em seus ouvidos.
— Você tá linda, Amélia, seu cabelo cresceu tanto!
— E você também, amora. Deus, eu senti tanto a sua
falta!
Amélia beijou a testa de Sofia, sem conseguir parar de
chorar, felicidade extravasando.
— E eu a sua! Caralho, Amélia, você veio mesmo, eu
mal consigo acreditar.
— Não ia deixar de comemorar seu noivado. — Amélia
segurou a mão de Sofia e encarou a aliança rosé no dedo dela.
— Noiva, Sofia!
— Sim! Eu não vou morrer sozinha, dá para acreditar?
— Bom, eu acredito. — Amélia ergueu os olhos para
Maria Cássia, os braços cruzados e um sorriso largo no rosto.
— Não tinha como negar um pedido bonito daqueles, eu diria
sim mesmo se tivesse acabado de te conhecer.
— Mentira, se você tivesse acabado de me conhecer, iria
dizer que era tudo brega e ridículo, mas por dentro ficaria
morrendo de vontade de receber uma declaração dessas.
Maria Cássia revirou os olhos.
— Amor, quer mesmo falar de declaração aqui?
Esqueceu como eu te pedi em namoro?
— Sua primeira vez sendo uma garota romântica e
brega? Não tem como esquecer.
Elas trocaram um sorriso, apaixonadas, e Amélia desviou
os olhos, sentindo que presenciava um momento privativo.
No passado ela teve medo que Sofia, perdida nas
aspirações de viver um grande romance, não se entregasse à
vida de verdade. Desejava que a irmã se apaixonasse
perdidamente, mas por alguém que compreendesse seu
coração enorme e cheio de brilho. E Maria Cássia não só fazia
isso, como amava Sofia de forma intensa e especial.
Amélia se perguntou o que a mãe acharia das duas
vivendo o amor da forma que Dora tanto quis.
— Esse é o tal piloto? — Maria Cássia apontou para
Vincent, que estava sem jeito alguns passos atrás.
— Ele mesmo. — Amélia o chamou. — Vincent, essa é
Maria Cássia, noiva de Sofia e essa é Sofia, minha irmã.
— Um prazer conhecer você. — Ele lançou um sorriso
charmoso, mas arrumou o cabelo em um gesto nervoso —
Desculpe por não entender português.
— Para a sua sorte, gringo, somos boazinhas. — Sofia
apertou a mão dele com entusiasmo — E qualquer um que fez
aquela surpresa para a minha irmã e veio até falar comigo,
merece ser tratado bem na nossa casa.
— Que bom, porque eu ouvi boatos sobre ameaças.
— Não se deixe enganar, Vincent, nós ainda vamos ter
uma conversa sobre o que vai acontecer se você quebrar o
coração de Amélia.
O piloto engoliu em seco e Amélia riu.
Depois de colocarem as malas em um quarto, eles
jantaram misto quente e suco de laranja, exaustos demais para
pensar em uma refeição melhor. Vincent acabou dormindo
assim que saiu do banho e se deitou, o cabelo ainda molhado.
Amélia o observou por alguns minutos, pensando em como era
surreal que o cara que ela conheceu três anos atrás estivesse
bem ali.
Maria Cássia declarou que arrumaria a cozinha e Sofia
arrastou Amélia para o lado de fora. As duas dividiram o
assento na rede vermelha e branca, a noite gelada se
estendendo pelo horizonte.
— Como está o seu mestrado?
— Terminei essa semana, o orientador está revisando
tudo. Angela também terminou o dela e se tudo der certo,
seremos mestres.
Amélia e Angela secaram uma garrafa inteira de vinho
tinto, com muitas lágrimas, quando finalizaram a dissertação
no apartamento da italiana. Elas se abraçaram, relembraram o
caminho difícil e rir de quando acharam que não conseguiriam
terminar tudo.
— Estou orgulhosa de você, amora.
Sofia a beijou na bochecha com carinho.
— Parece que nada mudou. — Amélia estudou a
paisagem. — O caminho todo até aqui, desde Recife, vi poucas
coisas fora do lugar.
— O que você esperava que mudasse em Coral? No
máximo, temos algumas novas lojas e finalmente cafeteria
decentes.
Amélia riu baixinho, passando um braço em torno de
Sofia e deixando que a irmã mais nova se aconchegasse nela.
A estudante deu um impulso suave com o pé e elas
começaram a balançar suavemente.
— Não sei. Mostrei à Vincent onde eu estudei, alguns
pontos da cidade que a gente brincava quando era criança.
— O parquinho que a mamãe ia?
— Isso! Contei até quando eu quebrei meu dente no
escorregador.
— Você deve amar mesmo esse cara para contar a sua
maior vergonha de infância.
— Eu o amo mesmo. — Amélia sorriu e brincou com os
cachos de Sofia por um instante. — Posso te contar uma coisa?
Sofia a encarou, os olhos castanhos como os de Amélia,
sérios.
— Claro!
— Eu sempre me perguntava se merecia todo o seu
amor, minha amora. Constantemente, minha cabeça cai nesse
lugar de culpa e dor, e eu começo a duvidar se estava tudo
bem aceitar afeição e carinho, mesmo sem dar nada em troca,
sem sacrifícios.
— Mas o amor não se merece, Amélia. — Sofia sorriu. —
Não é uma relação em troca. Você ainda se sente assim?
— Não, os anos de terapia foram muito úteis. Mas
também teve você, Sofia. Depois da mamãe, você foi a pessoa
que me mostrou o que é ser amada de verdade, até mesmo os
meus piores defeitos.
— Ah, irmã. — Sofia a apertou. — Eu odeio saber que
você pensou nisso e, ao mesmo tempo, feliz que deixou para
trás. Por que não me disse antes?
— Não era seu fardo para lidar. E além disso, você
estava tentando ser escritora e estava tão cansada, o tempo
todo. Eu não quis atrapalhar e não me olhe com essa cara.
— Você usa demais as palavras atrapalhar e incomodar.
Amélia estalou a língua.
— Eu sei, eu sei. Mas a questão aqui é, você é minha
maior inspiração, amora.
— Eu?
Sofia arqueou uma sobrancelha.
— Além de me amar sem reserva alguma, ver você,
minha escritora preferida, seguir seu sonho tão corajosamente,
me fez perceber que eu precisava fazer alguma coisa por mim.
Por isso aceitei aquele mestrado.
Os olhos de Sofia brilharam e Amélia beijou a testa da
irmã.
— Estamos na noite das declarações de amor entre
irmãs, é isso?
Elas riram.
— Sim, sua besta. Eu senti falta de falar isso para você
pessoalmente.
— Também é bom ter você, aqui, amora e eu te amo. E
fico feliz que esteja tão leve e sorrindo, Amélia, porque você
merece isso.
Amélia sorriu.
— Ela estaria feliz, sabia disso? As duas filhas bem-
sucedidas na casa de praia que ela mais amava.
Mamãe adoraria conhecer o Vincent, ela viraria uma
maria gasolina na hora. E ela e Maria Cássia seriam melhores
amigas, trocando receitas e fazendo bolinhos de chuva juntas.
— E ela com certeza colocaria os dois para fazer
artesanato com ela!
— Eu pagaria milhões para ver nossos queridos amores
fazendo bordado. Lembra quando eu fiz aquela flor de ponto-
cruz, tenebrosa? E ela ainda mostrou no grupo das amigas
dela? Aquela foi minha vergonha de infância.
— Não ficou tão feio. E mamãe, amou ela, até colocou
em um pano de prato depois.
— Amélia, nem parecia uma flor! Você só diz isso
porque é igualzinha a ela. E o pano ainda pegou fogo depois,
acho que o universo não queria aquele crime contra os
bordados existindo.
Elas riram mais uma vez, embaladas pelas lembranças e
amor de Dora Palhares, que depois de uma vida inteira
correndo, teve como refúgio o mar infinito, sendo levada pelas
marés para onde ela sempre quis estar. E deixou para trás duas
meninas, que ainda sentiam falta dela mais do que tudo, mas
que guardavam o que ela tinha de sobra: amor.
Abraçada à Sofia, Amélia sorri. Teve certeza que ouviu
os sussurros da mãe em meio ao som das ondas que se
quebravam contra a areia da praia. Uma oração bonita sobre
orgulho, felicidade e paz.
***
Vincent estava em um jogo perigoso e perdendo.
Ele encarou suas cartas, amarelas e azuis e tentou não
xingar quando Sofia colocou uma roda de cores em cima do
baralho e disse, com um sorriso triunfante:
— Vermelho.
— Passo — Maria Cássia suspirou, segurando doze
cartas em mãos.
— Passo também.
Ele disse, a contragosto. A próxima a jogar, Amélia,
gritou:
— Uno!
— Ai, amora, tão bonitinho você achar que vai ganhar
mesmo. — Sofia, com três cartas em mãos revelou seu
segredo. Quatro “+2” jogados de uma só vez — Ganhei, porra!
— Ah, de novo não, Sofia! Não é justo.
— Não é justo que eu seja boa? Você só não sabe
perder, Amélia.
— Eu vou ver esse baralho do começo, não é possível.
Vincent riu quando Amélia começou a inspecionar o
monte de descarte, brigando com a irmã e contando as
jogadas. Ele alcançou sua cerveja gelada e bebeu um longo
gole, molhando a garganta seca.
— Elas são terríveis juntas. — Maria Cássia disse,
pegando sua própria bebida — Você tinha que ver o dia em
que jogamos Monopoly. Amélia quase foi à falência, mas não
admitia derrota de jeito nenhum.
— Ela fica do mesmo jeito quando jogamos pôquer com
meus primos.
— Acha que é de família?
O piloto pensou um pouco.
— Possivelmente.
A vida nunca tinha sido tão boa para Vincent. 1 semana
vivendo à beira mar, com sono em dias e a barriga estufada de
comida boa, fizeram o piloto esquecer das responsabilidades
da vida. E com o oceano a disposição, os 4 passavam o dia de
roupa de banho, ocasionalmente correndo para um mergulho.
A pele do piloto já estava vermelha do sol impiedoso,
mesmo se entupindo de protetor solar, mas Vincent adorava a
sensação de poder apenas caminhar até a praia em qualquer
hora.
Ele se sentia no paraíso.
— Cássia, pode deixar o jantar comigo hoje. — Vincent
disse à garota magra, de pele marrom escura, ao seu lado.
— Normalmente eu não confio minha cozinha a
qualquer um, mas você é até legal, então vou ceder dessa vez.
Seus amigos chegam à que horas?
— No fim da tarde. — Ele se levantou, esticando a
coluna. — Vou pegar mais cerveja, você quer?
— Só se tiver trincando, por favor.
— Não pode ser diferente, pelo que eu aprendi.
Maria Cássia sorriu.
No começo, Vincent achou que seria difícil entrar no
meio da família de Amélia. Ele estava nervoso, até porque os
Torrisi adoravam a estudante e ele queria que a irmã dela
também gostasse dele. Sofia parecia ainda um pouco
desconfiada, mas o piloto encontrou apoio na noiva da ruiva,
Maria Cássia.
No primeiro dia no Brasil ele acordou cedo, deixando
uma Amélia adormecida na cama e desceu para correr na
praia, achando que estaria sozinho. Mas na cozinha, Maria
Cássia estava comendo algumas frutas e separando
ingredientes para o café da manhã.
Foi quando Vincent se lembrou que ela era estudante de
gastronomia e engatou em uma conversa sobre culinária.
Depois que ele voltou dos exercícios, Maria Cássia e o piloto
fizeram uma refeição metade italiana, metade brasileira,
totalmente vegetariana.
— Meu sonho é abrir um restaurante vegetariano. — Ela
explicou. — Acho que as pessoas ainda não conhecem o
potencial da comida, mas sei que o acesso a uma refeição mais
saudável é difícil. Minha ideia é criar um ambiente mais em
conta, para todo mundo, com pratos gostosos e diferentes.
Vincent a achou, além de genial, incrível.
Ele tirou as cervejas do cooler, reservado especialmente
para as bebidas, quando ouviu um ronco de motor alto do lado
de fora e um xingamento em italiano. Pela janela da cozinha,
viu mechas de cabelo loiro, cachos lavandas e uma mulher
parada, com as mãos na cintura, a cabeça coberta por um
lenço laranja.
O piloto sorriu e saiu para receber sua família.
— Por que esse lugar é tão quente? — Emma reclamou,
os óculos grandes, Prada, cobrindo o rosto. — Pelo menos tem
praia.
— Incrível como você sempre está reclamando de
alguma coisa.
— Ai, Vincent, cala a boca. — Ela sorriu e os primos se
abraçaram brevemente.
— Querem ajuda com as malas?
— Por favor! — Stefano gritou, abrindo o porta-malas.
— Sancia e Emma trouxeram dois guarda-roupas inteiros.
— E você trouxe o dobro disso, Stefano, não sei do que
você está me acusando aqui. — A modelo retrucou, as pontas
do lenço balançando com o vento.
— Sou o aniversariante, tenho que ficar estiloso. Toni,
amor, pode pegar essas sacolas para mim?
— Todos vocês deviam aprender comigo, só trouxe uma
mala. — Angela passou um braço ao redor da namorada.
— Como se você não estivesse planejando voltar com
uma mala lotada de roupas novas. — Emma acusou.
— Qual a graça de viajar se você não vai trazer
lembrancinhas?
— Ai, meu Deus, vocês chegaram! — Amélia gritou,
correndo na direção deles. — Ainda bem que deu certo, porque
temos cerveja demais para 4 pessoas e nosso plano é acabar
com todas elas antes do fim de semana.
— Ames, não precisa se preocupar com isso. — Sancia a
abraçou, os olhos estreitos devido ao sol forte. — O seu plano
combina com o nosso de ficar bêbado e fora da realidade por
dias.
— Deus, como eu amo as férias! — Emma gritou e o
grupo gargalhou.
A pequena casa de praia se encheu de música alta,
risadas, gritinhos e chiado da churrasqueira. O grupo se
integrou como velhos conhecidos e até mesmo Toni, o mais
tímido, estava rindo com Maria Cássia sobre um meme da
internet. O sol forte e sem trégua da Praia da Andorinha foi
motivo o suficiente para que todos eles tirassem as roupas
pesadas e, depois do almoço, corressem para o mar.
Vincent observou Amélia sair dos seus shorts jeans, os
cabelos ondulados presos em um coque bagunçado. Ela usava
um biquíni azul escuro, contrastando com a pele branca,
deixando o corpo bonito à mostra. A boca de Vincent secou
quando ela se inclinou para espalhar protetor solar nas pernas
grossas, os dedos percorrendo a linha da amarração da peça.
Ela ergueu os olhos na direção dele e sorriu, as
bochechas e a ponta do nariz avermelhadas e Vincent lembrou-
se daquela manhã, quando a acordou para tomar café e
acabou com o rosto enterrado entre as pernas dela e o gosto
de Amélia na sua língua. Ele nunca se cansava de admirá-la,
fosse com os olhos, as mãos ou a boca.
— Então, garoto italiano. — Ela disse, se aproximando.
— É bom você se entupir disso aqui, se não quiser acabar
pegando uma insolação.
— Só se você passar em mim, mia bella.
Vincent sorriu e Amélia revirou os olhos.
— Eu notei a conotação erótica no seu tom de voz.
— Eu já disse como eu amo quando você diz palavras
inteligentes?
Ela riu e espalhou o produto no peito dele, cobrindo o
máximo de pele que conseguia.
O mar estava gelado e as ondas tranquilas. O sol refletia
na água, criando pequenos brilhos cintilantes. O céu azul
parecia infinito sobre eles e Vincent aproveitou a brisa em seus
cabelos, os dedos afundados na areia molhada, o cheiro de sal,
praia e descanso em seu nariz.
— Posso morar aqui? — Angela perguntou à Sofia. —
Esse lugar parece um paraíso.
— Nossa casa está sempre aberta para novos
moradores, é por isso que temos quartos extras.
— Mas esqueceram de construir um quarto para a
solteira, então eu fico com a sala de estar.
— Emma, sempre tem espaço para você na nossa cama.
— Sancia provocou, com um sorriso convidativo.
— Eu passo dessa vez, Sancia. Preciso finalizar os
trabalhos da faculdade, já que estou fora. Engenharia
automotiva é muito mais difícil do que eu tinha imaginado.
— Para sua sorte, você tem um primo para conseguir
uma vaga em uma empresa. — Stefano disse, as mãos em
volta dos ombros de Toni, os cabelos crespos molhados.
— A Redemptio aceita estagiários. — Vincent entrou
ainda mais na água, que batia acima da sua cintura. — E
Arthur gosta de sempre manter as coisas em família, porque
não fala com ele?
Emma deu um breve mergulho antes de responder.
— Vou pensar nisso.
Vincent detectou uma sombra amarga na prima, mas
não insistiu no assunto na frente de todo mundo.
— Okay, eu preciso nadar para o fundo. — Toni
declarou, dando um beijo na bochecha de Stefano. — Não tem
perigo mesmo?
— Não, pode ir. — Maria Cássia respondeu. — Nada de
correnteza forte e nem tubarões. Mas eu recomendo que você
dê uma olhada, vai que está com sorte e acha um?
— Maria Cássia! — Sofia ralhou. — Não tem tubarões,
Toni, pode ir.
Maria Cássia riu, abraçando Sofia pela cintura.
Vincent procurou por Amélia e franziu a testa ao
encontrá-la um pouco distante do grupo, a cabeça jogada para
trás, os olhos fechados e o rosto tomado pelo sol. O piloto se
aproximou e beijou o ombro dela, ganhando uma risada.
— Estou só aproveitando um pouco. — Amélia disse, o
abraçando pelo pescoço. — Eu sentia falta desse lugar demais,
o que você achou?
— Eu adorei. Sempre gostei de praia, mas Mancia é fria
e longe do mar.
— Quem precisa de mar com uma piscina grande como
a sua?
Vincent riu e apertou a cintura dela.
— Eu já te disse o quão bonita você fica nesse biquíni?
— Não, mas pela sua cara, eu tenho a impressão de que
você adoraria tirá-lo de mim.
Amélia beijou o canto da boca dele, em uma carícia
lenta.
— Quem está usando aquele tom erótico agora,
Palhares? — Vincent traçou a linha da coluna dela, só porque
sabia que Amélia se derretia com o toque. — E você está
gostosa e linda nesse biquíni. Você sempre está maravilhosa,
Amélia.
O sorriso dela fez o piloto perder o eixo.
— Deus, como eu amo você.
A tarde inteira foi regada de banho de mar, petiscos
feitos por Maria Cássia, e uma preguiça propiciada pelas
pequenas férias. Quando o sol se foi e os mosquitos surgiram,
eles entraram, ao som das cigarras e grilos, exaustos, mas
ainda dispostos a aproveitar.
Vincent se sentia meio tonto pela cerveja, mas depois
de ligar para a mãe, providenciou o jantar com a ajuda de
Amélia. Embora a brasileira não soubesse cozinhar muito bem,
prepararam tacos e guacamole.
— Queria que todos os nossos dias fossem assim. —
Amélia lamentou, arrumando a mesa do jantar.
— Ainda temos uma semana para aproveitar, mia bella.
— Eu sei, eu já estou triste porque tudo vai acabar.
— Não se preocupe, Palhares, essa não vai ser a última
vez que nossa família vem para cá. E aproveite o momento.
— Nossa família. — Ela disse, como se testasse a
sonoridade das palavras. — Não é a expressão mais incrível
que você já ouviu?
Ele não podia concordar mais.
Por mais que Vincent dissesse a Amélia para aproveitar
o momento, a ideia de voltar a vida normal parecia triste
demais para o piloto. Foram os dias mais calmos que o italiano
teve em muito tempo.
Acordava com Amélia, quase sempre nua, em seus
braços, o cheiro dela espalhado pelos lençóis. Tinha longas
caminhadas com Stefano na beira da praia, avistando as casas
vazias na baixa temporada e as andorinhas que davam nome
ao lugar. Cozinhava com Maria Cássia e Toni, elaborando
refeições criativas e divertidas. Ria, até sua barriga doer e seus
olhos lacrimejarem, das brincadeiras inventadas por Emma,
Sofia e Sancia.
Até mesmo limpar a casa não se tornava uma coisa
cansativa, ouvindo as músicas na playlist colaborativa do grupo
e rindo das discussões deles.
Ele não tinha reparado no quanto precisava daquele
momento, até o dia do aniversário de Stefano, no sábado. A
praia estava relativamente cheia, devido ao fim de semana, e o
grupo se dividiu para organizar a festa do melhor amigo de
Vincent, que coordenava o planejamento à risca. Vincent ficou
responsável por pegar a comida encomendada, em Coral, junto
de Amélia.
Ele esperava a brasileira terminar o pagamento,
encostado no carro, quando um rosto o fez franzir a testa.
— Benedict?
O homem se virou para ele, parecendo tão surpreso
quanto o piloto. As sobrancelhas grossas se arquearam e
Benedict afastou um cacho preto de cabelo da testa, antes de
sorrir.
— Oi, Vincent. Não esperava te encontrar por aqui.
— Eu que não esperava te ver. Não sabia que tinha
negócios no Brasil.
— Minha agência está gravando um comercial em
Pernambuco e eu aproveitei para visitar a cidade.
Ele se aproximou.
— Entendi.
— Aquela é a sua namorada? — Benedict apontou para
Amélia.
— Sim, é ela.
— Achei que os rumores no começo eram só fofoca,
confesso. E fiquei até esperando uma ligação sua.
— Foi mal, cara. — Vincent disse, sem graça. — Não
queria criar esperanças com você nem nada, mas só para
esclarecer, eu não estava com ela quando ficamos.
— Acredito em você. E sabe de uma coisa? Você parece
bem mais leve.
— A água daqui faz maravilhas.
O modelo riu.
— Não, não. Até seu sorriso é mais genuíno, diferente
de quando te conheci. Sempre coloca muita coisa na cabeça,
Vincent, empilhando pesos o tempo todo. É bom te ver sem
isso.
Mesmo depois de se despedir de Benedict e voltar para
a casa de praia, Vincent não tirou as palavras dele da cabeça.
— Consigo ouvir seus pensamentos zunindo daqui, meu
bem. — Amélia brincou. — Tá tudo bem?
— Tá é só… Eu não tinha reparado em como eu estava
cansado esses dias. Acho que a praia tem me tirado muita
coisa da cabeça e isso é bom, não é?
— Claro que sim! Acho que todo mundo precisava de
um descanso, foi um ano e tanto.
Amélia passou a marcha com suavidade e acelerou, o
vento bagunçando seus cabelos.
— Você seria ótima em um autódromo, amor, sabia
disso?
— Repete, por favor?
— Você seria ótima em um autódromo, amor? —
Vincent franziu a testa e ela riu.
— Eu amo quando você me chama de amor, Di Castelli.
Vincent revirou os olhos e Amélia estendeu a mão para
apertar o joelho dele, sem desviar os olhos da estrada. O piloto
capturou os dedos dela e depositou um beijo carinhoso no
dorso.
— O que posso fazer, sou um homem apaixonado.
— Para a minha sorte.
A parte da frente da casa foi transformada com a
decoração. Tudo se parecia com um luau, com direito a
fogueira, marshmallows e drinks personalizados, as receitas
vinda diretas do bar que Vincent foi em Silverstone.
— Bi festinha, eu adorei! — Amélia riu, bebendo a
mistura rosa, azul e roxa.
Lanternas decoravam a pequena tenda armada na areia
e Stefano, sentado ao lado de Toni, distribuía colares de flores
falsas, bóas e outros acessórios comprados de última hora. Ele
sorria, usando uma bermuda clara, com uma camisa
estampada azul escura, com detalhes em lantejoulas e
brilhantes.
Vincent abraçou o melhor amigo com força.
— Feliz aniversário, Braccia, desculpe enlouquecer você
de vez em quando.
Stefano sorriu e devolveu o aperto.
— Só às vezes? Obrigada, Vincent, por… Você sabe, não
preciso nem dizer.
— Aceito sua gratidão, mas porra, você salvou minha
vida. Eu só fiz o mínimo.
— Você não contou como se conheceram. — Sofia
interrompeu, arrumando a alça do biquíni rosa brilhante.
O piloto e seu melhor amigo trocaram um olhar
carregado de lembranças.
Vincent conhecia Stefano por uma vida inteira.
Na escola, em Mancia, Vincent era só um garoto
revoltado, sem amigos e que preferia se esconder atrás da cara
fechada. Passava as aulas sonhando em pilotar carros velozes
em autódromos, ouvindo My Chemical Romance, Verdena,
Subsonica, Paramore e Fleetwood Mac. Escapava sempre que
tinha chance, para assistir De Volta para o Futuro pela
milésima vez, ou ler seus manuais de RPG que mantinha
escondido dos outros colegas.
Por ironia, foi por causa do último item que ele e
Stefano se conheceram pela primeira vez. Um dos garotos mais
velhos roubou o livro da bolsa de Vincent, mas confundiu o
dono e acusou Braccia. Como idiotas que eram, tentaram
humilhar o garoto em público, com apelidos ridículos e
bullying.
Vincent não hesitou em brigar com eles, sozinho e
furioso.
— Vão se foder! Deixem o garoto em paz, ou eu vou
deixar a marca do meu tênis na sua cara.
No final da briga, assistida pela escola inteira, Vincent,
Stefano e os outros meninos acabaram suspensos. E,
infelizmente, nenhum deles teve o rosto carimbado pelo tênis
de Di Castelli.
Vincent estava pronto para receber uma bronca enorme
da mãe, quando Stefano saiu em sua defesa na frente dela.
— Ele me defendeu, senhora Di Castelli. Ele… Ele fez o
que ninguém teve coragem de fazer.
Além de dois meses de castigo, Vincent ganhou um
amigo. Um que dizia quando ele fazia merda, mas o abraçava
em momentos difíceis. Que gostava dos mesmos filmes antigos
e de qualidade duvidosa, RPG e o apresentou aos clássicos que
viraram sua paixão. A primeira pessoa, fora da família, que
Vincent teve certeza de amar.
E uma das poucas pessoas que ele moveria mundos
inteiros para ver feliz.
— Foi basicamente isso — Vincent disse.
— E depois vocês viraram amigos?
— Ah, não — Stefano e riu — Eu o odiava para caralho.
Ele começou a sentar perto de mim eu pensava, porque esse
babaca está aqui? Mas descobri que ele era legal com o tempo
e ficou comigo depois que a minha mãe morreu.
— Fofo. — Amélia murmurou.
— Ele não admite, mas foi fofo sim. E depois os Torrisi,
o trabalho e acabei aqui, preso a ele.
— Quanto amor por mim, Stefano.
— Sempre aqui para demonstrar.
Vincent sorriu e o abraçou mais uma vez.
Eles aproveitaram tudo o que podiam naquela noite.
Depois de cantar parabéns para Stefano e partirem o bolo, o
resto das bebidas foi consumida rapidamente, o que levou ao
início de uma desajeitada sessão de karaokê. Sem ninguém por
perto, os gritos empolgados foram liberados e Vincent se viu
fazendo um dueto com Stefano, de I Want It That Way, com
direito a dancinhas.
O piloto gargalhou da apresentação desengonçada de
Amélia e Angela, massacrando Umbrella e agitando a pequena
plateia empolgada. Até mesmo Toni entrou na brincadeira,
cantando um pequeno repertório do ABBA com Sofia, Stefano e
Maria Cássia.
Quando ficou frio demais para continuar na areia, e a
ideia de nadar no mar à noite se tornou uma possibilidade
perigosa, eles entraram na casa e moveram as coisas para os
fundos. Amélia e ele ficaram para trás, se responsabilizando
pela limpeza, mas quando Vincent deu um passo na direção da
área da piscina, a estudante segurou seu braço, sorrindo.
— Vem aqui.
Ela sussurrou, na pouca luz da sala e o puxou na
direção da escadaria, as sandálias fazendo um barulho leve em
cada degrau. O sangue de Vincent correu com mais força
quando ela o encurralou no meio do caminho, as mãos
espalmadas no peito dele, os cabelos longos caindo nas costas.
Amélia estava linda, em um vestido de alças, floral, o tecido
abraçando cada curva dela.
Vincent queria tirá-lo naquele mesmo minuto.
Amélia o beijou primeiro, os lábios com gosto doce dos
drinks, a língua quente e convidativa. Não foi um beijo leve, ou
romântico. Havia um pouco de brutalidade no gesto, desejo
puro, e Vincent se agarrou ao pedido implícito dela, segurando
os cabelos da nuca da brasileira com força e aprofundando o
contato.
Ela gemeu em sua boca e Vincent soube que jamais
cansaria de ouvir aquele som.
Ele inverteu as posições, os dedos apertaram a bunda
por cima do vestido, segurando o quadril de Amélia contra o
seu, querendo que ela sentisse o quão duro ele estava, o efeito
enlouquecedor que ela tinha nele. Atrevida, a mulher deslizou
os dedos para o cós da bermuda de Vincent, arranhando a pele
dele de leve.
— Mia bella… — Vincent gemeu, quando ela pressionou
um único dedo contra ele. — Você é cruel.
— Eu disse, eu gosto da sua cara de rendido. — Amélia
mordiscou o pescoço dele, a língua substituindo os dentes e
Vincent arfou, apertando a bunda dela com mais força,
esfregando-se contra ela. — Quarto.
Ela nem precisou repetir.
Eles entraram no cômodo ainda se beijando, esbarrando
nas malas, rindo no caminho e Vincent fechou a porta com o
pé, voltando toda sua atenção para Amélia. Ele a queria tanto
que chegava a doer, o desejo pela mulher esquentando seu
corpo, fazendo sua cabeça girar.
Ele subiu o tecido do vestido de Amélia, chupou o lábio
inferior dela e pressionou a pele sob o tecido da calcinha,
percebendo o quão molhada ela estava. Um sorriso lento se
espalhou em seus lábios.
— Ansiosa assim, amor?
Amélia arfou.
— Você é um convencido. — Os dedos dela se
infiltraram na cueca dele e ela o tocou, masturbando-o
devagar. Os pensamentos de Vincent ficaram nebulosos. —
Quer mesmo falar sobre quem está ansioso, amor?
— Porra.
Amélia sorriu, como se esse fosse o objetivo dela o
tempo todo e antes que Vincent pudesse registrar o que ela
estava fazendo, ela estava de joelhos, abaixando sua roupa e
com a boca no pau dele. A visão dela, linda e o chupando, foi o
bastante para o piloto revirar os olhos, perto do seu limite,
queimação na base da coluna, pele arrepiada.
A língua dela percorreu sua pele inteira e ele apertou os
cabelos dela, sem conseguir desviar os olhos de Amélia.
Quando ela ergueu os olhos, encarando-o, os cílios batendo,
ele jogou a cabeça para trás e gemeu o nome dela, soltando
palavrões em italiano.
— Que boca suja para um campeão de Fórmula 1 —
Amélia riu, usando a mão para continuar o movimento. — Não
podemos fazer barulho, tem gente lá embaixo.
— Amélia, por favor.
— Por favor, o quê, Vincent? — Ela sussurrou, o
lambendo, e Vincent sentiu o corpo todo contrair de prazer. —
É só dizer, meu bem.
Ela repetiu o mesmo movimento e Vincent arfou, ele
estava perto, muito perto.
— Amélia… Você, mia bella, eu quero você,
— Gosto de ouvir você implorar. — Ela disse e estendeu
a mão para que Vincent a ajudasse a ficar de pé.
Vincent não esperou um segundo. Assim que Amélia
ficou de pé, ele a beijou, o seu gosto na boca dela o
enlouquecendo. Abriu o zíper do vestido sem ver e agradeceu
ao perceber que ela não usava sutiã, despindo-se logo depois.
Segundos depois, ele admirava a visão que era Amélia
Palhares nua, corada e olhando-o com desejo. Vincent queria
guardar a lembrança para sempre.
O piloto alcançou um preservativo na mala, jogou-o na
cama e segurou Amélia pela cintura e a virou de costas, com
força. Separou as pernas dela, mordeu a nuca e sussurrou:
— Fique de quatro para mim, amor.
Ele não resistiu e deu um tapa estalado na bunda dela.
Amélia soltou um gritinho, afastando os cabelos do rosto e se
inclinando na cama. Vincent sorriu, colocou o preservativo, e
com um movimento, se impulsionou para dentro dela.
Eles gemeram juntos, suor se formando em suas peles,
o cheiro de sexo e de ameixas por todo lugar.
— Devagar ou rápido, linda?
— Rápido. — Amélia arfou, espiando-o por cima do
ombro, mordendo o lábio para segurar um gemido.
— Como você desejar.
Vincent segurou os quadris de Amélia e a fodeu com
força, a sensação de deslizar para dentro dela era inebriante e
os sons que ela fazia preenchiam o ar elétrico ao redor dele.
O piloto lambeu a extensão da coluna de Amélia, vendo-
a revirar os olhos. Segurando os cabelos ondulados em uma
mão, se inclinou e alcançou a orelha dela, mordendo o lóbulo,
os movimentos lentos e a pele da mulher esquentando em
seus dedos. Vincent colou o corpo no dela e sussurrou:
— Amo você.
E então a fodeu, deslizando a mão para alcançar o
clitóris dela, circulando-o com o polegar, empurrando-se junto
com ela para a borda. Amélia jogou a cabeça para trás e
gozou, os lábios abertos em um gemido, as pernas relaxando,
as mãos segurando o cabelo dele.
Vincent mordeu o ombro dela e se deixou levar, a
tensão deixando seu corpo, prazer sendo potencializado pela
sensação de ter Amélia em seus braços.
Eles deitaram na cama bagunçada, molhados de suor,
respirações pesadas, a sonolência pós-orgasmo deixando o
corpo de Vincent mole.
— Sabe que temos que voltar para lá, né? Eles vão
encher o nosso saco.
— Me lembre porque mesmo somos amigos deles.
Amélia riu e o beijou com carinho.
— Vou ao banheiro.
Vincent observou-a sair da cama, rebolando em direção
ao banheiro, um sorriso satisfeito no rosto.
Depois de um banho rápido, eles trocaram de roupa e
se juntaram ao grupo, terminando de beber os drinks. Ficaram
de pé até o raiar do sol, quando o céu lilás, amarelo e azul de
Setembro deu as caras, uma das visões mais bonitas que
Vincent já tinha visto.
Com Amélia sentada em seu colo, rodeado de amigos e
risadas, Vincent se sentiu bem, leve e nada como o menino
impotente que sempre achou que era.
Ele se sentiu vivo.
29.
Setembro
Amélia Palhares conseguiu uma leve insolação nas
costas, quebrou os óculos e deu um mau jeito no joelho, mas
estava muito feliz.
Nada como uma segunda-feira se balançando em uma
rede, com o mar bem à sua frente, salada de frutas frescas à
disposição e uma massagem no joelho, não transformassem o
seu dia. Ela comeu um pedaço de mamão e assistiu os dedos
de Vincent trabalharem no seus músculos doloridos.
— Você tem certeza de que não quer ir ao hospital? —
Ele disse, preocupado.
— Não, eu vou ficar bem. Só preciso de analgésicos e
que você continue fazendo essa massagem, por favor e
obrigada.
Ele riu, os cabelos loiros presos para trás por um dos
lenços de Sancia.
— Como queira, amor. Mas se ainda sentir dor mais
tarde, vamos à cidade, tudo bem?
Amélia concordou e se espreguiçou, a pele um pouco
ardida e cheirando ao seu hidratante preferido.
Era incrível como apenas uma semana naquele lugar foi
o suficiente para que ela restaurasse sua energia e limpasse os
pensamentos ruins da cabeça. Não havia preocupações com
mestrados, estresses sobre a Galera Torrisi e sentimentos
complicados. E mesmo sendo pessimista consigo mesma,
Amélia aproveitou aqueles dias como nunca, a magia daquela
bolha ao lado das pessoas que amava.
Mas o encanto da viagem se desfez na terça-feira.
Depois de tomar o último banho de mar, eles fizeram as
malas e limparam a casa inteira. Emma e Toni voltaram para a
Itália, porque já tinham perdido aula demais e Amélia viu
lágrimas nos olhos de Stefano, quando deixou o namorado no
aeroporto. O mesmo choro se fez nela, ao ter que se despedir
da Praia da Andorinha e dos dias de sol e frescor.
Apesar dos apelos por uma road trip, eles optaram por
um voo comercial até São Paulo. Sofia e Maria Cássia
embarcaram com o grupo, convidadas especiais para assistir a
corrida em Interlagos.
Vincent, vermelho de sol e cheio de energia, optou por
ficar no hotel da equipe, preocupado com fotógrafos invadindo
a privacidade do apartamento de Sofia. Além disso, o piloto
tinha trabalho acumulado da semana inteira e passou os dias,
até o Domingo, ocupado.
Amélia aproveitou para ir aos seus lugares preferidos de
São Paulo, enviando fotos à Vincent de cada saída, e relatando
sua experiência recheada de saudades do Brasil.
O domingo de corrida amanheceu com sol forte, apesar
da previsão de chuva, e cheio de nuvens escuras. O dia estava
abafado e calorento, especialmente dentro do paddock lotado.
A área da Redemptio tinha diversos funcionários que Amélia
conhecia e ela dedicou um tempo especial para falar com eles,
enquanto esperava por Vincent. Até mesmo conheceu o marido
de Arthur, Henrique, e seus filhos que acompanhavam os pais.
— Já deu tempo de Henrique falar mal de mim, ou não?
— Vincent interrompeu a conversa, já de uniforme.
— Não, mas se quiser, pode se juntar à conversa. —
Henrique provocou, arrumando o boné da Redemptio sobre os
cabelos castanhos escuros.
— Estou sempre disposto a exaltar meus pontos
positivos e argumentar contra você.
— Falando difícil? Eu te conheci com a boca suja,
Vincent.
— Sou namorado de uma futura mestre em artes,
preciso estar à altura dela.
Ele brincou e Amélia riu, entrelaçando seus dedos.
— Um romântico. Vou levar as crianças para ver o
Arthur, até depois.
Quando Henrique se afastou, Vincent deu um beijo
breve em Amélia, que se derreteu com o breve contato.
— Então, campeão, vai vencer hoje?
— É sério que você me perguntou isso? Não posso
desapontar minha namorada no país dela.
— Dedicando a vitória para mim?
Vincent beijou a testa dela com carinho.
— Todas são dedicadas a você, Palhares.
Amélia sentiu suas bochechas doerem pelo sorriso
gigante que abriu, mas não pode evitar.
Ela assistiu a corrida ao lado de Arthur, sentada entre os
funcionários da Redemptio. Seu tênis batia ritmadamente
contra o chão e os olhos dela não conseguiam desviar-se da
tela, atenta a cada movimentação de Vincent.
Amélia nunca foi fã de Fórmula 1, mas era uma emoção
diferente ver alguém que você ama dirigir um carro a 300km/h
em uma pista, rodeado de outros veículos na mesma
velocidade e correndo o risco de se chocar contra alguma
coisa. Ela se preocupava, é claro, mas seu espírito competitivo
queria gritar para que Vincent ultrapassasse o piloto na frente
dele e acelerasse.
Seus dedos inquietos seguravam a garrafa de água com
força, ouvindo a movimentação de Arthur em cada volta.
— Vincent, espere a próxima curva e tente de novo.
Vincent era um piloto agressivo, mas que seguia as
estratégias da equipe. Ela ouvia Arthur xingando algumas
vezes, quando ele se arriscava demais em um movimento e
Amélia prendia o fôlego, em uma curva mais fechada. O
coração dela devia estar batendo na mesma velocidade que os
carros corriam em Interlagos.
Ela bufou quando Vincent tentou ultrapassar e não
conseguiu, assim como os outros da equipe.
Faltavam menos de 15 voltas, ele tinha acabado de
trocar os pneus, quando, com um movimento único e um
pouco agressivo, ele ultrapassou o piloto da Dalton e assumiu
a posição de segundo lugar. Amélia respirou, aliviada,
enxugando o suor da testa, os dedos tremendo de emoção.
Agora ela sabia porquê Vincent adorava aquele esporte.
Talvez nunca fosse entender o que era correr em alta
velocidade, por mais que gostasse da sensação da velocidade
em pistas normais. Mas a sensação de conseguir uma
ultrapassagem, montar uma estratégia eficiente em time, fazê-
la funcionar e vencer, era sensacional.
E Amélia gritou, empolgada, quando Vincent conseguiu
ultrapassar Satake, faltando 2 voltas e se manteve até o final.
Ela riu ao vê-lo agitar a bandeira do Brasil no ar, ainda no carro
e precisou de um tempo para se recuperar, as pernas
dormentes de tanto ficar sentada. A brasileira chegou mais
perto quando o carro parou, assistindo a comemoração.
Vincent se jogou em cima da torcida enlouquecida da
Redemptio, a bandeira do Brasil nas costas. Ele deu high five
com uma garota loira, que carregava uma bandeira com as
cores do arco-íris e a agitou no ar por alguns instantes, em
comemoração.
O piloto tirou o capacete e a viu alguns minutos depois.
Coberto de suor, com o cabelo loiro bagunçado e um sorriso
lindo, Vincent a abraçou, erguendo-a do chão e girando-a.
— Você foi incrível! Aquela ultrapassagem… Vincent, foi
foda para caralho.
Ele riu e apertou.
— Que bom saber que você torcia por mim.
— Claro, eu sempre torço pelo campeão.
Depois de assistir Vincent erguer o troféu, um jantar
com os pilotos, Amélia se despediu dele com o coração
apertado, sabendo que era hora de dizer adeus para outra
pessoa. Enquanto Vincent voava de volta para sua agenda
lotada de compromissos, Amélia chorava no ombro de Sofia,
segurando a irmã com força.
— Eu sou uma chorona, amora, mas como é difícil
deixar você,
— Na próxima vez que nos virmos, você vai ser mestre!
— Sofia disse, o sorriso luminoso no rosto. — Não vai demorar
muito, eu prometo. Maria Cássia quer muito visitar a Itália e eu
vou junto, só para te ver.
— Vou esperar com o peito cheio de saudade.
Elas se abraçaram mais uma vez.
Amélia ainda chorava quando subiu no avião, avistando
seu país natal desaparecer e se tornar um pontinho minúsculo.
Seu coração se apertou, a saudade certamente a mataria por
dentro, mas ela se pegou pensando em possíveis viagens para
o Brasil no futuro.
Na Itália, as coisas cairam na rotina de sempre. Mesmo
com o convite de Vincent, de acompanhar o restante das
corridas e finalmente livre do mestrado, Amélia preferiu
cumprir seu papel dentro da Galeria Torrisi.
Setembro e Outubro eram os meses de excursões
escolares, aplicações de estágios para faculdade e dos
principais eventos de arte mundo afora. Todos os dias ela
acordava com o e-mail lotado, ligações de vários países sobre
empréstimos de acervos e convites para prestigiar exposições.
A Galeria Torrisi tinha crescido muito em menos de dois
anos, se tornando um centro de referência nos estudos de
artistas que foram apagados da história, ou tiveram seus
créditos roubados. Além de projetos que incentivam os
iniciantes na trajetória das artes, não só na faculdade, como
entre crianças e adolescentes.
Amélia ficava maravilhada em como a arte tinha o poder
de transformar vidas e se esforçava para garantir mais
doadores, acervo e passeios interativos que chamassem a
atenção das crianças. Para sua alegria, Anna Di Castelli parecia
animada em seguir por essa mesma linha, ajudando a
estudante nas ideias que tinha e acrescentando a própria visão
sobre tudo.
A vida era realmente linda e boa, mas Amélia sentia
uma tensão estranha no ar, cortando o vento como uma faca.
Parecia que alguma coisa estava prestes a acontecer e, no
Grande Prêmio da Rússia, realmente se concretizou.
Ela assistiu a corrida na mansão Torrisi e voltou para a
casa estranhando a falta de mensagens de Vincent, que tinha
costume de falar com ela todo final de competição. O piloto
terminou em segundo lugar, acirrando ainda mais a disputa por
pontos, restando agora só 3 pilotos que podiam ganhar: o
italiano, Satake e Kob Vanich.
Amélia decidiu assistir uma série no computador e quase
dormia quando Angela invadiu seu apartamento, como um
furacão.
— Você não vê seu celular, não?
— Foi mal, eu tava quase dormindo, o que aconteceu?
Ela se levantou da cama, alarmada.
— Ames, liga a TV.
Amélia correu para a sala, ligou e aumentou o volume.
Ansel Bellini apareceu no canal de notícias, furioso, discutindo
com um segurança e sendo levado embora logo depois. O
vídeo foi cortado e o jornalista apareceu.
— De acordo com nossos repórteres, Ansel Bellini está
prestando queixa por invasão de privacidade nesse momento.
O ex-piloto, como dissemos no início, foi acusado de corrupção
dentro da Fórmula 1, de acordo com um dossiê entregue à
Federação Internacional Automobilística por um grupo de
pilotos desconhecidos. A investigação cita que Bellini foi o
responsável pelo vazamento das informações de várias
Escuderias nessa temporada de corridas, fazendo chantagem
com as organizações e chegou a praticar manipulação dentro
dos autódromos.
Amélia não conteve o choque.
— Puta que pariu. — Ela se sentou no sofá, ouvindo o
resto da reportagem. — Puta que pariu!
— Eu sei!
Angela riu.
— Como isso… Quem… Eu preciso ligar para o Vincent.
— Não vai dar, Ames. Ele é um dos responsáveis pelo
dossiê e está dando depoimento nesse momento, para a FIA.
— Angela estendeu o celular para ela, que leu a notícia. —
Parece que um grupo de pilotos se juntou para derrubar esse
homofóbico de merda. Chamaram de ‘Xeque-mate, mas o rei
sozinho’ Não é incrível?
Era mais do que isso.
Ela pensou em como Vincent estava relaxado demais,
no que ele tinha dito sobre o Bellini e o peito dela inflou com
orgulho e admiração. O garoto que vivia dizendo que era
impotente, que não sabia como lutar, tinha descoberto uma
forma. Um jeito de atingir Ansel Bellini com força, de melhorar
o esporte que tanto amava.
Amélia só conseguiu falar com Vincent no dia seguinte.
Movida apenas a café, ela atualizava as redes sociais a cada
minuto, tentando saber um pouco mais sobre o que tinha
acontecido, mas sem novas informações. Porém, no meio do
seu expediente, ele ligou.
— Porra, Vincent, como eu te amo. — Foi o que Amélia
disse ao atender. — Isso foi incrível! Você é incrível.
Ele riu.
— Obrigada, mia bella. Só pude falar agora, estou
voltando para o hotel.
— Você comeu? Dormiu?
— Sim e não. Preferimos passar a noite dando
depoimento e agilizando o processo. Não sabemos quanto
tempo tudo vai demorar, mas pelo menos nossa parte foi feita.
Agora é esperar.
— Eu nunca estive tão feliz, mesmo sabendo que o
Bellini é um desgraçado de rico e poderoso, ainda pode se
livrar disso.
— Tô do mesmo jeito, mas pelo menos algumas coisas
vão ter que mudar. A FIA não iria se manifestar se ele fosse
acusado de homofobia e racismo, mas não aceita corrupção
nem venda de informações dessa forma. Imagine quantas
Scuderias vão ficar putas quando lerem o arquivo todo? O
suficiente para a direção ficar preocupada.
— Me conte os detalhes todos depois, por favor, eu
preciso saber de tudo. O Stefano estava nisso também?
— Claro, ele quem teve a ideia de entregar o documento
em formato de dossiê. Inclusive, ele está aqui e manda beijos.
Não, Stefano, outro lugar, esse não tem comida vegetariana.
Enfim, amor, como você está?
— Como você acha que eu estou? Orgulhosa, feliz e
curiosa. O que você fez, Vincent, foi maravilhoso. Eu amo
muito você.
— Eu te amo. E não teria conseguido sem você, sem
aquele dia em Londres. Obrigada por me mostrar que existem
outras formas de fazer as coisas se tornarem melhores, Amélia
Palhares.
Amélia riu, calor crescendo dentro do seu peito.
— Ah, Vincent Di Castelli, estou sempre aqui para te
lembrar o que vale a pena.
***
Vincent se sentia a porra de um vitorioso e a temporada
nem sequer tinha acabado.
Sentado ao lado de Arthur e Satake, ele encarava os
repórteres e flashes de câmera, tentando conter a empolgação.
Uma assessora tentava controlar as perguntas dos jornalistas,
comentando o esquema da coletiva, lançando alguns olhares
meio desesperados para o restante dos pilotos e membros das
equipes, que se apertava no espaço pequeno atrás dela.
Stefano, sentado nos bancos da frente, trocou um olhar
divertido com Vincent. Ele não tinha dormido muito bem nos
últimos dias, o cabelo crespo, sem as tranças longas, estava
amassado e a camisa de seda rosa, tinha vincos que Stefano
não deixaria passar em um dia normal.
O piloto pensou em como era grato por ter conhecido
Stefano Braccia. Desde o dia em que ele o salvou de uma
surra, à todos os segredos compartilhados ao longo dos anos,
ele sempre estivera ali por Vincent. A admiração pelo seu
melhor amigo e como ele tinha arquitetado todo aquele
esquema, aqueceu seu peito.
A assessora realizou o sorteio das perguntas e a
coletiva, enfim, começou.
— Para a equipe da Redemptio, vocês assinaram o
dossiê como organizadores. Há quanto tempo vem trabalhando
em segredo?
— Um relatório como esse certamente não nasce do dia
para a noite. — Arthur respondeu. — Eu comecei a suspeitar
da situação no começo da temporada, depois que Ansel quis
uma conversa com a Redemptio e continuou atacando meus
pilotos publicamente. Um dos nossos engenheiros recebeu uma
proposta estranha e prontamente me alertou sobre a situação.
Começamos a investigar desse ponto.
O diretor executivo da Dalton respondeu a próxima
pergunta, contando mais detalhes sobre a conversa entre
equipes e o acordo que foi feito entre eles.
Vincent soube do esquema depois da corrida de Miami,
quando Chase e Arthur abriram o jogo sobre os bastidores. No
começo, o italiano ficou receoso demais, especialmente porque
teria que trabalhar ao lado de pessoas que o detestavam. Mas
depois de tudo o que Ansel fez, ele queria derrubá-lo a
qualquer custo e aceitou a proposta do francês.
Não foi nada fácil, Vincent precisou se meter em
politicagem e acordos, coisa que ele odiava, e ficar em infinitas
reuniões sobre quais seriam os próximos passos. Depois que
diversos termos de confidencialidade foram assinados, uma
legião de advogados contratados e depoimentos registrados
oficialmente, eles tinham chegado a uma pasta sólida o
suficiente para incriminar Ansel.
Foi ideia de Stefano entregar tudo à FIA, no momento
propício. Eles esperaram o ex-piloto se sentir seguro o bastante
para agir mais uma vez e conseguiram pegá-lo praticamente
em flagrante. Bastou uma rápida busca no celular de Ansel, e
as conversas, transferências bancárias e provas surgiram com
facilidade.
Vincent até mesmo riu, ao perceber que foi fácil demais.
Provavelmente Ansel não seria preso, mas só de saber que ele
não seria mais homenageado pela FIA e banido de eventos da
Fórmula 1, era muito gratificante.
O que um piloto de prestígio mais temia? Que sua fama
fosse jogada na lama. Saber que tinha feito parte daquilo tudo,
deixou Vincent em um bom humor eterno.
— Vincent, você foi atacado por Ansel inúmeras vezes e
nos últimos meses notamos uma mudança no seu
comportamento em relação às provocações ao ex-piloto. Como
você se sente hoje?
Vincent encarou a jornalista brasileira e sorriu.
— Muito bem. Não tenho palavras para descrever a
sensação que é saber que eu fiz a diferença no esporte que eu
mais amo. Todos nós aqui, trabalhamos para transformar a
Fórmula 1 em um ambiente inclusivo, seguro e progressista.
Podemos não ter transformado os grids para sempre, mas
temos certeza de que esse foi um passo importante.
Animados e felizes demais, os pilotos e as equipes
fizeram uma comemoração escondida no hotel, ainda na
Rússia. Apesar do cansaço coletivo, ninguém queria realmente
descansar.
— Certo, preciso confessar, achei que você odiasse todo
mundo. — O segundo piloto da Dalton, o brasileiro Pedro
Borges, disse — Mas percebi que não. Nem levei aquela batida
em Mônaco para o lado pessoal.
— Eu tenho que manter a minha pose de bad boy, é
parte do meu esteriótipo — Vincent entregou uma garrafa de
cerveja ao mais jovem — E bom saber que você não levou
para o pessoal, porque a culpa foi toda sua.
— Sério? Você destruiu minha traseira e eu sou o
culpado?
— Não teria acontecido se você quase não tivesse me
jogado contra a curva — Vincent bebeu um longo gole da
bebida amarga — Mas eu te perdoo.
— Porra, a convivência com você é sempre cheia de
altos e baixos.
— É o que eu tenho passado nos últimos anos — Satake
se intrometeu. — Ainda bem que agora todo mundo sabe que
você não é um playboy de merda, só um pé no saco, Vincent.
— Um dia você vai me fazer uma grande declaração de
amor, Satake.
O piloto japonês revirou os olhos, mas sorriu.
— Boa sorte esperando.
Parecia que um peso tinha sido removido dos ombros de
todo mundo, especialmente de Vincent.
Por muito tempo ele tentava se provar, fazer o próprio
nome e alcançar o herói da sua infância. Mas uma vez que
aquele homem tinha sido derrubado, não havia ninguém que
Vincent precisasse impressionar nas pistas, nenhuma sensação
de impotência quando tinha percebido que sim, ele podia
mesmo fazer grandes coisas.
Talvez fosse a quarta cerveja que tomava, mas ele se
sentia leve e flutuante.
— Meus parabéns pelo plano, Astier — Vincent disse a
Chase, sentando ao lado do piloto. — E obrigado por ter me
chamado.
— Agradeço a colaboração, Di Castelli. — Chase riu. — E
de nada. Nem acredito que deu tudo certo mesmo, é meio
surreal.
— Entendo o que você quer dizer. Me sinto um pouco
como um super herói.
— Você seria mais um anti-herói, Vincent. Caráter um
pouco duvidoso, mas motivos certos e charme o bastante para
conquistar o público.
— Anti-heróis são sempre mais divertidos, Chase. —
Vincent fez uma pausa. — Você gostava mesmo de mim?
Naquela época, quando tivemos um lance. Se eu tivesse
aceitado ficar com você, namorado e tal, teria dito sim?
Chase franziu a testa.
— Não sei porque a pergunta, mas eu teria dito não.
— Sério?
— E sei que fere seu ego gigantesco, mas, porra,
seríamos um desastre tendo uma relação romântica, Vincent.
Não falo de querer coisas diferentes na época, mas de como
somos duas pessoas tão diferentes, que jamais teria dado
certo.
Vincent pensou um pouco.
— Você tem razão.
— Algum motivo por ter perguntado?
— Só andei pensando no que aconteceria se eu tivesse
me envolvido romanticamente com alguém antes de Amélia. —
Ele deu de ombros. — As coisas podiam ser diferentes.
— Fico feliz que não foram. — Chase sorriu. — Caso
contrário, ela talvez não estivesse ao seu lado e eu… Bom, eu
teria o que tenho hoje.
Vincent ergueu uma sobrancelha, curioso.
— A razão pela qual você some de festas e eventos sem
explicação? Vou finalmente saber?
— Tente descobrir, Vincent.
Vincent ficou até mais tarde, quando os outros pilotos
subiram. Ele se sentia sem sono algum, mesmo com o
cansaço, e não conseguiu convencer Stefano a passar a noite
ao seu lado. Quando a equipe de limpeza do hotel veio, ele foi
ao bar e pediu uma garrafa de água. Para a sua surpresa,
havia uma pessoa de pé e o italiano sentou-se ao lado dele.
— Sem sono?
— Não sou o único pelo visto.
Vincent agradeceu a água do bar.
— Estou revivendo a alegria do momento enquanto
posso. Aliás, obrigado por ter me aceitado nesse esquema. Eu
sei que você não queria.
— Disponha. Obrigado pela ajuda, Vincent, fez um bom
trabalho — Kob Vanich disse a ele, segurando um copo com
whisky.
Se alguém dissesse a Vincent, no começo do ano, que
ele e Kob estariam juntos em um esquema para derrubar Ansel
Bellini, ele teria rido. Mas quando os rivais tinham inimigos em
comum, aquele tipo de coisa tendia a acontecer.
— Você também, Kob. Stefano não teria conseguido
acesso aos depoimentos dos engenheiros sem a sua ajuda.
— Considerando que ele foi o responsável por organizar
tudo, eu quem deveria agradecer a ele. — Eles trocaram um
sorriso e Kob o encarou. — Sabe porque eu não queria você?
— Por que eu sou impulsivo e faço muita merda no calor
do momento?
— Também. Mas porque eu achava que por trás da
fachada de bad boy, você era mesmo só um garoto mimado e
que corria por nada. Para a minha surpresa, eu descobri que
não e é bom saber disso.
— Que bom, eu acho. — Vincent franziu a testa. — Essa
é a mesma razão pela qual você me odeia?
— Não. Você era um piloto jovem, batendo meus
recordes na primeira temporada e me provocando o tempo
todo, Di Castelli, esperava mesmo que eu fosse cair de amores
por você?
Vincent riu, mudando a posição no banquinho duro do
bar.
— Justo. Em minha defesa, eu era jovem e
inconsequente.
— Mas um pouco da arrogância ainda continua.
— Somos pilotos de Fórmula 1 milionários, a arrogância
faz parte dessa vida.
Kob soltou uma risada baixinha e os dois ficaram em
silêncio por alguns minutos.
— Somos amigos, agora? — Vincent perguntou. — Só
para eu saber como anda nossa relação.
— Colegas de profissão, Di Castelli. Não é porque
participamos de um esquema secreto e perigoso para derrubar
um cara merda, que isso nos torna amigos.
— Eu diria que sim.
Kob revirou os olhos.
— Como queira. — O tailandês colocou o copo vazio na
bancada de madeira escura e se levantou. — Eu já vou subir,
tenha uma boa noite.
— Posso perguntar uma última coisa?
Kob suspirou.
— Tenho quase certeza de que não vai ser só uma
coisa, mas sim.
— Porque mudou de ideia? Sobre me colocar no
esquema? Você sabia que eu era uma das pessoas que mais
odiava Ansel, que faria de tudo para acabar com ele, mas
mesmo assim não queria. Então o que aconteceu?
Vincent se levantou, a garrafa de água nas mãos e viu o
piloto pensar por longos segundos antes de responder.
— Chase me fez mudar de ideia, sobre como você tinha
mudado. E saber que você nutria um ódio por Ansel, suportava
todos aqueles ataques como podia e ainda tentava achar um
jeito de revidar, mudou a situação para mim.
O italiano piscou, surpreso e sorriu. Kob Vanich o
elogiando, quem poderia prever o rumo das coisas.
— Não sabia que você e Chase eram amigos há muito
tempo.
— Nossa, você não presta atenção mesmo no que
acontece, hein?
O tailândes disse e se afastou, sendo acompanhado por
um Vincent confuso.
— Não entendi.
Kob apertou o botão do elevador e o encarou.
— Vou dar um segundo para você ligar os pontos.
Quando as portas da caixa de metal rangeram e se
abriram, Vincent entrou, ainda sem entender. Mas com um
breve estalo, a lembrança de Chase e Kob se encarando no dia
da quase briga entre o italiano e o tailandês, voltou à sua
mente. Ele arqueou as sobrancelhas, chocado.
— Nem fodendo. Desde quando?
— Um tempo — Kob riu — E não, não vou te contar
mais. Tudo o que você precisa saber é que estamos felizes e
quando Chase me contou sobre sua história, me mostrou um
lado seu que eu não vi antes. — Kob o encarou com firmeza, a
sombra de um sorriso nos lábios — Ainda acho você uma fonte
de problemas, mas é um rapaz corajoso, Vincent. O tipo de
coragem que eu gostaria de ter tido quando era mais novo.
O italiano sorriu, ainda surpreso, mas feliz.
— Esse é o tipo de coisa que você diz a um amigo,
sabia?
— Cala a boca, Vincent.
O elevador parou no andar de Kob e ele saiu.
— Tudo bem admitir, Venich, ainda vou te derrotar
nessa temporada. Só que como um amigo.
— Vincent, é cedo demais para eu te chamar de amigo.
Não cante vitória antes da hora, garoto, pretendo roubar seu
troféu.
Vincent riu, enquanto as portas se fechavam e o
elevador subia para o andar do italiano. Encostado na parede
fria, ele admirou como a vida podia ser surpreendente.
30.
Três anos atrás
Outubro, 04:30, Londres
Me desculpe, me desculpe, me desculpe…
Esse era o único pensamento de Amélia, ao olhar
Vincent adormecido ao seu lado.
Eles tinham chegado ao apartamento do piloto cerca de
três horas atrás. Vincent estava exausto, perguntou se Amélia
gostaria de se deitar um pouco e adormeceu em minutos. Já a
brasileira, não conseguia parar de olhá-lo, o cabelo escuro
bagunçado, os cílios longos tremendo de inquietação.
O voo de Amélia estava marcado para às seis da manhã
e ela sabia que, se fosse sair, a hora era agora.
Mais cedo, quando ele pediu seu número e nome
completo, deu informações falsas ao piloto, que sorriu de
forma tão bonita para ela, que Amélia quase se arrependeu de
não ter contado a ele. Quase. Porque a voz em sua cabeça,
gritando que tudo estaria terminado quando Vincent
acordasse, gritava em seus ouvidos.
No momento em que o sol surgisse, entre as nuvens
pesadas de inverno, Vincent voltaria a ser um piloto com um
futuro promissor e Amélia estaria de volta a ser a garota
insegura e patética que era.
Por isso, ela se levantou da cama, com calma, para não
acordá-lo e saiu do apartamento dele, sem coragem de olhar
para trás e ver a pontinha de esperança ridícula que tinha
surgido em seu coração. Preferia manter a noite inteira como
uma memória bonita e intocável, digna de um sonho, do que
arriscar a ter tudo arruinado.
Era o seu momento Jesse e Celine, o ato final do filme,
mas sem promessa alguma de reencontro no futuro.
Ela tomou um banho, apressada, pediu um carro de
aplicativo, juntou suas malas e partiu para o Brasil com os
dedos trêmulos. Quando passou em frente ao fliperama onde
ela e Vincent tinham ido naquela noite, seu fôlego falhou, mas
Amélia não recuou.
Vincent a esqueceria em um piscar de olhos, ela tinha
certeza. Porra, ele viajava pelo mundo o tempo todo, não tinha
como uma noite qualquer ficar na memória do piloto por muito
tempo.
Mas no aeroporto, na prova para o mestrado, e nas
semanas de volta ao Brasil, Amélia não podia negar que
pensou em procurar por Vincent. Abriu o perfil dele inúmeras
vezes e assistiu os highlights das corridas dele, vibrando ao
descobrir que ele tinha assinado um contrato com uma equipe
de Fórmula 1.
— Não imaginei que você era fã de corrida, o que
aconteceu com você em Londres, hein?
Sofia perguntou uma vez, ao ver Amélia assistindo um
documentário sobre Fórmula 1.
— Nada demais. — Ela respondeu, engolindo em seco
quando a câmera focou em Vincent. — Eu só fiquei curiosa.
Por fim, cansada de se sentir patética e assumindo a
realidade, Amélia enterrou Vincent no fundo do seu coração e
se convenceu de que seria melhor assim. Sem sofrimento por
um romance de fanfics inexistentes, sem mais sonhos sobre
voltarem a se ver, ou qualquer coisa desse tipo.
O piloto vivia sua vida de sucesso, vencendo corridas,
acompanhado de escândalos, sempre com um sorriso no rosto.
Ela decidiu parar de procurar qualquer coisa sobre Vincent
novamente, porque doía só de olhar para ele e ver aquela
pontinha de esperança surgir no seu estômago.
Ela era mesmo uma medrosa.
O tempo nunca levou embora a lembrança daquela noite
e Amélia riu quando descobriu a ironia do destino, ao ser
enviada para trabalhar na Galeria Torrisi, e estudar Fulvia
D’Oro. Se perguntou o que Vincent acharia da enorme bagunça
que era o destino deles dois, se cruzando em diferentes
momentos, mas sem jamais se concretizar.
Aquela Amélia de Londres, fugindo na calada da noite,
machucada, culpada e insegura, não era mais a Amélia que
conseguia olhar no espelho e admirar-se, enxergar erros,
qualidades e defeitos, mas ainda assim gostar de si mesma.
Uma versão que via-se com mais carinho, coragem e gentileza,
a mesma que ela ainda reservava para as pessoas à sua volta.
Uma versão que estava pronta para o amor romântico,
talvez pela primeira vez, e aproveitar cada segundo, sem medo
algum de encontrar a felicidade à sua volta.
31.
Outubro
O início de Outubro trouxe para Itália o prelúdio de mais
um inverno congelante. Era a hora de tirar os casacos pesados
do guarda-roupa, ligar os aquecedores e estocar o máximo de
café, chá e chocolate quente possíveis. As folhas das árvores
se tornaram laranjas e amarelas, sendo carregadas pelo vento
forte e pontilhando as ruas de Mancia com suas quedas
suaves. Os jardins da mansão Torrisi ganharam um novo
aspecto, mas não menos bonito, com frutas maduras
penduradas nas árvores frutíferas e campos prontos para
colheitas.
E finalmente tinha chegado a apresentação de mestrado
de Amélia e Angela.
Angela tinha sido a primeira, usando um vestido
vermelho escuro, de corte reto e um coque baixo,
apresentando sobre a história da pintura a óleo durante a
produção da arte romana. A banca a aplaudiu de pé, junto de
seus pais orgulhosos e uma Sancia emocionada.
Amélia a abraçou com força, quando a nota foi dita em
voz alta, e deixou que Angela chorasse em seu ombro. Os
meses de trabalho duro tinham valido a pena e sua melhor
amiga agora era mestre em História da Arte, com um diploma
bonito e texturizado em mãos.
Dois dias depois, era a vez da própria Amélia.
— Você tá calma — Vincent comentou, mexendo uma
panela no fogão.
— Estranho, não é? Eu achei que estaria com vontade
de me jogar da sacada, mas na verdade eu estou até animada.
— Ela espreguiçou-se no sofá, observando o italiano cozinhar.
— É porque eu sei que sou boa, trabalhei para caralho naquela
dissertação. Está ótima.
Vincent sorriu.
— Amo a Amélia cheia de confiança.
— É a minha versão favorita.
Amélia se ergueu em um movimento rápido e viu
Vincent derramar o molho em cima de uma travessa com
batatas recheadas. O cheiro tomou a cozinha inteira e ela
espalhou queijo por cima, mal vendo a hora de comer.
— Pronto. — Ele colocou o recipiente no forno. — Temos
uns 20 minutos até o queijo derreter e ficar pronto, coloquei
um timer. O que você quer fazer até lá?
Amélia sorriu, sugestiva, e o abraçou pelo pescoço.
— É tão injusto você ser bonito e ainda por cima
cozinhar, sabia disso?
— Não acredito que você está tendo pensamentos
pecaminosos enquanto eu faço nosso jantar.
Ela riu e Vincent enlaçou sua cintura.
— Você disse mesmo pensamentos pecaminosos?
— Se quiser um termo mais moderno, posso trocar por
putaria. — Amélia suspirou, ela nunca estava preparada para
ver aquele homem falar português. — Sexo, transa. Qual você
prefere?
Vincent se inclinou, beijando o pescoço dela, os dedos
roçando a bainha da sua blusa, acariciando sua lombar do jeito
que Amélia gostava e mandava arrepios pelo seu corpo.
— Tanto faz, contanto que você me leve para o quarto
agora mesmo.
Ele riu e ergueu os braços, colocando-a na cama,
cobrindo o corpo de Amélia com o dele.
— Seu desejo é uma ordem, mia bella.
Amélia gemeu quando Vincent beijou seu pescoço, as
mãos massageando seus seios, a barba por fazer arranhando
sua pele. Ela sentiu o desejo acumulado em todo o corpo e se
remexeu, inquieta.
— Acho que você está tensa, amor.
— Estou? — Amélia ergueu a sobrancelha, aproveitando
os dedos de Vincent brincarem com seus mamilos.
— Sim. — Os olhos dele brilharam, maliciosos. — Mas
não se preocupe, vou adorar deixar você mais relaxada.
Ele se inclinou e a beijou mais uma vez, segurando o
corpo de Amélia com força. Os dois gemeram ao mesmo tempo
e a estudante se livrou da sua blusa, fazendo o mesmo com a
camisa do piloto.
— Vincent, por favor…
O piloto tirou seu short em um único movimento e
pressionou-se contra seu corpo. Vincent estava duro e fricção
direta, fez sua cabeça girar.
— Prometo que vou fazer os vinte minutos valerem a
pena. — Ele disse, beijando-a outra vez, chupando seu lábio
inferior antes de se afastar, para ficar de joelhos diante dela.
A língua de Vincent a golpeou nos lugares certos, com
movimentos precisos e Amélia arqueou a coluna, perdida em
prazer. Apertou os cabelos dele entre seus dedos, não
segurando um gemido alto, os dedos dele segurando suas
coxas abertas, para o ângulo que Amélia gostava.
Ela amava o fato de que Vincent sempre a chupava da
forma que Amélia sentia mais prazer e se preocupava em fazer
tudo da maneira que se sentisse mais confortável.
O piloto a chupou com mais força e Amélia gemeu o
nome dele, a tensão se formando no ventre, o prazer que ela
tanto queria a centímetros. Vincent parecia prever o que ia
acontecer e continuou, deslizando dois dedos para dentro dela,
fodendo-a no ritmo ideal.
A combinação apagou a sanidade de Amélia e ela
gemeu o nome dele, desfazendo-se, as pernas tremendo com
o orgasmo que relaxou seu corpo inteiro de uma só vez.
Vincent a beijou, o gosto dele em sua língua, as mãos
apertando sua bunda com força.
— Mia dea. — Ele sussurrou entre os lábios inchados de
Amélia.
O piloto se afastou para colocar um preservativo e
pairou sob seu corpo novamente, os cabelos loiros
bagunçados, marcas de unhas em seus bíceps.
— Não vá devagar. — Amélia pediu, entrelaçando as
pernas nas costas dele. — Meu amor.
Vincent obedeceu e se impulsionou para dentro,
estocando com força, enterrando a cabeça no pescoço dela,
chupando a pele sensível. Amélia revirou os olhos uma
segunda vez, sendo tomada novamente por aquela sensação,
movendo o quadril para encontrar com o dele, beijando a pele
do italiano.
Os movimentos dele ficaram mais bagunçados e
apressados e Amélia sabia que ele estava perto. Ela o beijou, a
língua roçando a dele, e o encarou, na mesma hora em que
Vincent atingiu seu ponto interno.
— Amo você, Vincent. — Ela disse, suspirando e Vincent
gemeu, os olhos dourados faiscando, os músculos dos braços
contraídos finalmente relaxando.
O piloto caiu por cima dela, a respiração pesada, a pele
coberta por uma fina camada de suor. Na cozinha, o timer
soou.
— Vinte minutos. — Ele murmurou, se afastando.
— Muito bem aproveitados.
Amélia sorriu, arrumando os cabelos, ainda mole do
orgasmo.
Enquanto jantavam, depois de um banho, Amélia
perguntou-se como era capaz de se apaixonar por Vincent
todos os dias mais um pouco. Ele nunca parecia cansado de
demonstrar, fosse com palavras ou gestos, o quanto a amava e
isso ia muito além das suas idealizações adolescentes.
Por exemplo, quando na manhã seguinte, na
apresentação dela, Vincent disse que tinha uma surpresa e
revelou Sofia e Maria Cássia.
— Quando você chegou? — Amélia perguntou,
abraçando a irmã. — Meu Deus!
— Chegamos ontem de noite. Achou mesmo que eu não
estaria aqui para ver isso? — Sofia sorriu. — Combinei tudo
com Vincent.
— Incrível como vocês agem pelas minhas costas, até
antes mesmo de se conhecerem.
— E eu queria contar! Mas seu namorado disse que
fazer uma surpresa seria mais divertido. — Maria Cássia
respondeu, dando de ombros.
Amélia encarou Vincent com os olhos estreitos e
emocionados.
— É sempre divertido ver seu rosto de choque com
coisas boas, mia bella.
A brasileira deu um beijo gentil na bochecha dele.
O auditório da faculdade estava lotado pelas pessoas
que Amélia Palhares mais amava. Seus amigos, Anna Di
Castelli e Teodora, Vincent e sua família. Até mesmo Chase e
Satake tinham tirado um tempo e sorriam para ela, orgulhosos.
Amélia soltou uma longa respiração, evocando a
imagem da mãe. Quando era criança, Dora sempre a levava
em museus, querendo que a filha tivesse contato com arte e
incentivando a pesquisa sobre quadros, estátuas e outros
objetos. Foi a lembrança dos olhos da mãe, castanhos como os
seus e os de Sofia, que a fez sorrir e começar a falar.
Com segurança, Amélia apresentou a história de Fulvia
D ‘Oro, da mesma forma que ensaiou com Vincent. Dominando
o conteúdo e a coluna ereta, ela falou como a especialista que
era, abordando os pontos estudados, escutando os suspiros de
choque de Anna e Teodora.
Quando finalizou, lendo sua passagem favorita das
cartas, ela arrumou os óculos e passou os olhos pela pequena
plateia. Eles a encaravam, silenciosos por alguns segundos,
antes de baterem palma e vibrarem por ela.
Amélia sorriu, os olhos cheios de lágrimas, o peso dos
anos sonhando com tudo aquilo a acertando. Quanto tempo
ela tinha passado imaginando como seria estar ali, naquele
exato instante, e finalmente conseguiu. Ela sentiu um calor em
seu peito, sabendo que Dora e Fulvia, onde quer que
estivessem, estavam sorrindo para ela da mesma maneira.
— Parabéns, senhorita Palhares. — Seu orientador disse,
entregando o certificado. — Foi uma longa jornada, não?
— Foi sim. — Amélia apertou a mão dele. — Mas valeu a
pena e eu com certeza faria de novo.
Nos braços de Angela, chorando, ela sentiu o amor da
melhor amiga, a compreensão da vitória e do sucesso, a linha
de chegada que antes parecia tão longe, finalmente cruzada.
— Porra, conseguimos! — Amélia gritou no ouvido de
Angela, que riu.
— Somos mestras em artes, Ames, mestras!
— Sim, mestra Angela Savier. — Amélia a encarou. —
Mestras!
— Com certeza, mestra Amélia Palhares!
A comemoração foi, por insistência de Teodora, na
mansão Torrisi.
Pia apertou Angela e Amélia entre seus braços, assim
que chegou com o buffet, os olhos repletos de afeição
materna.
— Nem acredito que minhas meninas finalmente se
formaram!
— Pois é, nem a gente. — Angela riu. — Obrigada pelas
refeições, Pia, não seríamos nada sem a sua ajuda.
— Estou orgulhosa das duas. — A italiana limpou as
lágrimas. — Mas acabou o tempo de choro, hoje é dia de
festejar.
Garrafas de champanhes foram abertas e distribuídas
entre os convidados. A mesa posta, com comida do La Fratta,
tinha os pratos preferidos de Angela e Amélia, além de
sobremesas brasileiras. Risadas ecoaram pela mansão Torrisi,
se misturando ao barulho do vento do lado de fora e da música
suave que tocava.
Amélia bebeu mais do que deveria, mas não se
incomodou. Com as bochechas doendo de tanto sorrir, ela
transitava pela pequena festa, soltando agradecimentos e
abraços, porque o sentimento era forte demais dentro dela,
que precisava ser externado.
— Parabéns pela conquista, chérie. — Chase lhe deu um
abraço. — Foi um trabalho brilhante, fiquei genuinamente
interessado na história.
— Posso te contar o que quiser sobre, depois. Aquilo é
só um pouco do trabalho de Fulvia, tem muito por trás.
— Ficarei feliz de ouvir.
— Kob não veio?
O francês negou.
— Ele está com a família, mas mandou felicitações.
— Espera aí, você sabia sobre os dois? — Vincent se
intrometeu, confuso.
— Vincent, era óbvio. — Amélia deu de ombros. — Eu
soube na festa de aniversário da sua avó.
— Caralho, quer dizer que eu fui o último a saber? Estou
me sentindo magoado, Chase.
— Não pode me culpar pela sua desatenção, Di Castelli.
— O francês bateu no ombro de Vincent. — Mas se serve de
consolo, você descobriu antes da mídia.
— Quanta consideração.
Amélia riu da careta de Vincent, a visão um pouco turva
pela bebida doce.
Anna e Teodora, animada com as recentes descobertas,
puxaram a estudante para uma conversa sobre Fulvia.
Empolgada, Amélia se deixou levar e passou meia hora
entrando em detalhes sobre as interpretações das obras que
não tinham sido expostas para o público.
— A maior parte são, com certeza, sobre Teresa e
Eduarda. Eu tenho o contato da filha de Fulvia, posso passar
depois. Ela me ajudou muito durante a pesquisa.
— Ah, querida, ficaria grata demais. — Teodora segurou
sua mão com carinho. — Você fez um trabalho fantástico,
Amélia.
— Obrigada por trazer Fulvia de volta à vida. — Anna
completou. — Precisamos conversar sobre uma nova exposição
e alterar o salão das pinturas na Galeria Torrisi.
— Com certeza Fulvia não vai se importar se fecharmos
o espaço para uma reavaliação. — Teodora disse. —
Especialmente depois de um trabalho como esse, acho que ela
ia fazer até questão.
Ela sorriu. Aprovação acadêmica era realmente uma das
melhores coisas do mundo.
Perto das duas da manhã, quando grande parte das
pessoas já tinha subido, Vincent se aproximou dela e
sussurrou:
— Tenho uma coisa para você.
Com a testa franzida, ela o seguiu, subindo as escadas
da mansão, o coração batendo forte no peito. Ele abriu a porta
do quarto e deu um passo para trás, encarando-a com as mãos
nos bolsos.
Amélia estreitou os olhos e entrou, desconfiada. O
quarto de Vincent estava cercado de velas, em pequenos
recipientes de vidro, espalhadas no chão, estantes e
superfícies. O ambiente inteiro, iluminado em um amarelo
suave, lhe lembrou os olhos de piloto e ela arfou, surpresa.
— Mas o que…
Ela se virou, tentando entender e Vincent sorriu. Ele
pegou o celular e uma música começou a tocar, a mesma da
festa de aniversário de Teodora. As notas suaves preencheram
o ar e ele estendeu a mão, um convite.
— Eu disse que ainda faria a declaração, não disse?
Amélia sorriu, o amor que sentia por Vincent, como um
calor gentil, percorrendo seu corpo. Ela segurou a mão dele, se
aproximando e o piloto a conduziu por uma valsa lenta, a
música suave traduzindo os sentimentos dos dois. Os olhos
dele, iluminados fracamente, eram um poço de carinho intenso
e a brasileira suspirou.
Vincent a rodopiou, puxou-a de volta e beijou os cabelos
de Amélia.
— Sabe que dia é hoje?
— O dia em que nos conhecemos em Londres.
Ele assentiu.
— Eu perguntei à minha mãe qual seria a melhor forma
de fazer isso e ela me contou que escolher uma data especial,
para uma declaração, fazia toda diferença. Não sei se teria
melhor dia do que esse.
— Ah, Vincent…
Amélia o abraçou pelo pescoço, lágrimas manchando
suas bochechas. Ele era uma grande chorona, mas que se foda
naquele momento.
— Eu amo você, Amélia Palhares. Muito. E se não fosse
por você, eu não teria as melhores coisas da minha vida. — Ele
sorriu, as mãos abraçando-a. — E eu sei que somos
namorados para a mídia e nossos amigos, mas sou um cara no
primeiro namoro e você merece um pedido à altura. Gostaria
de ser a minha namorada?
— Sim! E eu também amo você. — Ela o beijou, os
dedos enganchando em seus cabelos, as lágrimas de Vincent
se misturando as dela. — E se não fosse por você, Vincent Di
Castelli, eu não veria um lado tão bonito do amor.
Ele riu, beijando o rosto dela.
— Não acredito que namoro oficialmente uma mestre
em artes.
— O que acha de namorar uma doutora em artes?
— Sexy para caralho. Estou orgulhoso de você, amor, e
ansioso para saber qual a próxima realização incrível que vai
fazer.
Amélia balançou a cabeça, rindo, felicidade pura e
preciosa. Ela beijou o canto da boca de Vincent e encostou a
testa na dele, os dois ainda balançando no mesmo ritmo da
música.
— Vincent, você tornou meu mundo no quadro mais
bonito e vibrante que eu podia sequer imaginar. — Amélia
disse, vendo o sorriso dele. — Fulvia disse, “Teresa possui
todas as coisas boas do mundo nos olhos dela. Pensar nisso,
me fez perceber a dimensão do amor que tenho por ela.” Este
amor, que sinto por você, é a junção de todas as coisas boas
do mundo.
Quando Vincent a beijou, com delicadeza e Amélia
guardou a sensação dos lábios dele na memória, em um
quadro bonito e decorado com a moldura mais detalhada. Um
retrato de quando ele entregou-lhe seu coração. E ela
prometeu cuidar dele a partir dali.
***
Chovia no dia que Vincent Di Castelli dirigia pela curva
mais perigosa e temida dos circuitos: a Eau Rouge.
Quando criança, ele assistiu Ansel Bellini dominar aquele
trajeto, da arquibancada, completamente eletrizado. Perdeu a
conta de quantas vezes encheu o saco da mãe para ir à Bélgica
assistir à corrida, sempre uma das últimas da temporada,
apenas para ver seu herói se dar bem, antes de saber o
babaca que ele era.
As coisas mudaram um pouco no momento em que ele
entendeu o problema da pista, ainda na Fórmula 2, e entendeu
o medo e tensão que pairavam sobre o grid naquele circuito.
Não tem como encarar um autódromo da mesma forma ao
presenciar outro piloto bater violentamente e ser levado de
helicóptero para o hospital, lutando pela vida.
Foi a primeira vez que Vincent sentiu mais do que
adrenalina quando pilotava. Ele sentiu o medo fechar sua
garganta e comprimir seus pulmões com força, precisando
recorrer a sua medicação de emergência para conseguir
dormir.
— Cada corrida que eu termino, Vincent, é um
agradecimento que eu faço por estar vivo. — Satake lhe disse,
na primeira temporada do italiano na Redemptio. — Quero ser
o melhor, é claro, mas não se esqueça de que existe mais em
risco do que pontos em um ranking.
Por isso, seu corpo todo estava tenso, enquanto dirigia
do paddock para a largada, assumindo seu lugar e vendo a
pista molhada. Os dedos apertavam o metal do volante com
força, e, por trás das lentes, ele enxergava a curva em “S”,
marcada por uma diferença de relevo. Isso obrigava os pilotos
a desacelerar, perdendo segundos valiosos, ou se arriscarem
em alta velocidade e acabarem fora da corrida.
Pior, bater e sofrer uma lesão séria.
Quando a luz se tornou verde, Vincent bloqueou todos
os seus pensamentos e se concentrou na pista, no rádio e nos
outros pilotos.
— Vanich está atrás de você, tentando ultrapassar.
Arthur disse no rádio.
— Quantos segundos?
— 3.8.
Vincent travou o maxilar, entrando no S da Eau Rouge,
colado na traseira do piloto de outra equipe. Ele não teve
escolha a não ser ficar no lugar, até que a primeira parte da
pista passasse, o risco maior por conta da recente chuva. Na
parte reta, forçou o carro e ultrapassou o carro vermelho.
— Bom, Vincent, muito bom.
— A estratégia foi toda sua.
— E o piloto é você.
Vincent sorriu, mas não se permitiu relaxar por um
segundo.
A pista inteira, cheia de relevos, era um desafio de
controle exaustivo. Tentava extrair o máximo de seu carro nas
retas, abrindo vantagem quando podia, mas a frustração
queimava sua boca ao ter que tirar o pé um pouco do
acelerador.
— Cadê o Satake?
— Em quarto.
— Droga.
— Em terceiro agora. Vincent, você não precisa acelerar
mais do que isso nas curvas.
— Tudo bem.
Vincent podia ser um piloto, mas sua equipe sabia qual
a melhor estratégia. Ele era impulsivo, mas se não respeitasse
o trabalho da Redemptio como um todo, estava sendo um
babaca completo. Então, mesmo querendo manter o carro no
mais alto rendimento, continuou em segundo lugar, paciente.
Na volta de número 30, trocou os pneus por novos
jogos, grato pela chuva que finalmente tinha parado.
— Dá para alcançar Chase?
— Ele vai para o box, você tem uma janela de tempo
muito boa.
Vincent acelerou, calculou os riscos na cabeça, e foi com
tudo. Embora conseguisse ultrapassar Chase, precisava manter
o controle na curva em “S”, para continuar na liderança e
ganhar.
— Porra!
Ele xingou, a cabeça girando em alívio, ao assumir o
primeiro lugar.
— Quase cinco segundos, Vincent.
A diferença de tempo se manteve até a última volta.
Chase a diminuiu, mas Vincent manteve-se calmo e viu a
bandeira branca e preta tremeluzir. Tonto e aliviado, ele parou
o carro e saiu, abraçando Arthur ainda de capacete, eufórico.
— Só mais uma. — O brasileiro disse, sorrindo. — Só
mais uma, Vincent.
O piloto riu.
— Redemptio no topo pelo segundo ano consecutivo,
consegue imaginar isso?
— Sim, garoto, consigo. Tô orgulhoso para caralho de
você.
Arthur o cutucou, com afeto paterno, e Vincent subiu no
pódio se perguntando como tinha deixado Ansel Bellini ser o
seu herói por tanto tempo, com o chefe da Redemptio ao seu
lado.
Mais tarde, depois da comemoração e da coletiva de
imprensa, ele, Anna, Satake, Stefano e Arthur saíram para
jantar em um restaurante vegetariano. Ele chegou o celular e
viu mensagens de Amélia.
“Parabéns, campeão! Amo você!!!!”
“Obrigada, mia bella. Minha mãe manda um beijo”
“Outro para ela”
“Só para você saber, estava muito gostoso coberto de
champanhe”
“Você tem fetiches estranhos, Palhares”
“Di Castelli, você tem tesão em gramática e eu em
lamber seu corpo coberto de bebida cara.”
Vincent sorriu, a lembrança da sua namorada, de
verdade agora, rondando seus pensamentos.
“Espero que essa tenha sido uma proposta”
“Ganhe a temporada e você vai descobrir”
Vincent mandou uma figurinha e bloqueou a tela, se
concentrando nas pessoas da sua mesa, antes que sua mente
formasse a ideia de Amélia lambendo seu abdômen.
— Quantas entrevistas ainda tenho essa semana?
Ele perguntou, mexendo nos talheres.
— Duas. As pessoas estão um pouco obcecadas com a
ideia de você e Kob estarem disputando o título de novo.
Arthur disse.
— Devia ver as fanfics que temos na internet, elas são
melhores ainda do que as de Chase.
— Não, obrigada. — O chefe de equipe franziu a testa.
— Porque você lê isso?
— Por que é divertido?
— Por que ele é desocupado. — Satake se intrometeu.
— Marque mais entrevistas para ele, Stefano.
— Por mais que você queira encher meu filho de
trabalho, Satake, eu espero que não faça isso, pois sinto falta
dele em casa.
— Obrigada, mãe.
— Além disso, ele e Stefano vão cuidar da estufa nas
férias, ninguém vai ficar desocupado.
— Nós vamos? — Stefano ergueu uma sobrancelha.
— Considere isso uma forma de se redimirem comigo
por não ter me contado do seu namoro falso.
O piloto italiano suspirou.
Arthur e Stefano tinham dado com a língua nos dentes
para Anna, contando a história inteira do namoro. Eles
disseram que achavam que ela sabia de tudo e comentaram
sobre ter caído de amores por Amélia na vida real, o que fez
Anna dizer:
— Na vida real? Como assim?
E pronto, ela soube de tudo.
— Mãe, eu já disse que não podia falar, era acordo de
confidencialidade.
— Tia Anna, tínhamos que manter segredo.
— Acordo de confidencialidade não se aplica à família,
meninos. Não criei vocês assim.
Mesmo sabendo que era uma batalha perdida, Vincent e
Stefano argumentaram com Anna, que rebateu os argumentos
com uma boa dose de chantagem materna. Arthur ria tanto
que chorava e Satake incentivava a mulher na briga, atirando
lenha na fogueira.
Eles ainda discutiam quando a comida chegou e Vincent
se derreteu ao provar o risoto de brócolis. Distraído com a
fome, ele mal notou quando o silêncio se abateu sobre a mesa.
— Vincent. — Arthur chamou. — Esse jantar, na
verdade, é para conversar com você.
O piloto italiano franziu a testa e encarou o chefe.
— Certo.
— Eu e Satake conversamos e achamos que seria
melhor se você assumisse o posto de piloto principal na
Redemptio.
Anna soltou um arquejo e Vincent encarou o piloto ao
seu lado.
— É sério, Satake?
— Sim, Vince. A próxima temporada vai ser a minha
última e depois eu vou me aposentar dos autódromos.
— Mas você é jovem.
— Tenho 36 anos, Vincent, e já vivi demais dentro dos
grids como piloto. Sendo bem honesto, eu tenho outros
interesses dentro da Fórmula 1. — Satake se encostou na
cadeira, sorrindo. — Estou me preparando para assumir a
divisão feminina da Redemptio.
— O que? — Stefano arregalou os olhos, em choque. —
Mas nós não temos uma divisão feminina.
— Não temos, ainda. — Arthur sorriu. — Conversei com
alguns patrocinadores e estamos tentando encaixar a
Redemptio da Fórmula 2. Com o ano bom dos nossos pilotos e
a confusão de Ansel deixada para trás, temos espaço livre para
sonhar.
— Isso é muito foda, Arthur. — Vincent sorriu,
empolgado. — Eu tenho alguns nomes para te indicar.
— Conversamos depois. Quero que a equipe seja
formada majoritariamente por mulheres, então estamos
trabalhando nisso. Eu vou te passar os detalhes, sei que você
vai querer se envolver.
— Claro que sim!
— Precisando de uma engenheira em treinamento? —
Stefano se inclinou na mesa. — Eu conheço alguém
interessada na vaga.
Arthur riu.
— Está falando de Emma? Porque ela já tomou a frente
e teremos uma vaga para ela, assim que possível.
Vincent sorriu, emocionado. O esporte que ele amava
alcançando novas pessoas era a realização das maiores
aspirações que ele tanto queria, o motivo pelo qual ele se
esforçava todos os dias nos seus institutos.
— Eu aceito, aliás, ser o piloto principal. — Vincent disse
a Arthur.
— Pronto para a responsabilidade?
— Os anos enchendo o saco de Satake devem ter me
servido para alguma coisa, além de descobrir que ele perde a
paciência muito fácil.
— Ou que você tem a capacidade de tirar todo mundo
do sério. — O piloto japonês provocou.
— Você vai sentir tanto a minha falta, Satake.
— Eu vou. — Satake balançou a cabeça. — A pior parte,
é que é verdade.
Vincent sorriu, disfarçando o quanto tinha sido afetado
pela notícia.
Ele estava feliz para caramba, mas não podia deixar de
lamentar a saída de um amigo, daquele que tinha sido o
primeiro a abraçá-lo dentro da Redemptio e na primeira
temporada conturbada. Era difícil vislumbrar um futuro com
tantas mudanças, quando se passava tempo demais cercado
acostumado no mesmo lugar.
— Você vai ser ótimo na Fórmula 2. Quero acompanhar
de perto.
— Vai ser um prazer receber você por lá, Di Castelli. E
obrigada pelas palavras.
Eles trocaram um olhar cheio de carinho antes de
continuarem a comer.
Por mais que fosse complicado olhar o que a vida
prometia, Vincent vislumbrou um futuro cercado de amor e
com as pessoas que ele amava com grandes conquistas. Era
um futuro quase saído de um sonho. Exceto, que parecia cada
vez mais real
32.
Novembro
A pulseira prateada de Amélia tilintava suavemente com
os pingentes recém-colocados. Ao todo, eram 6, pendurados
na fina corrente, se chocando todas as vezes que ela se movia
ou caminhava. Cada um deles representava um pedaço da
história dela, que mal via a hora de adicionar mais e preencher
os espaços restantes.
A última adição, um carro de fórmula 1 pequeno e
prateado, fez barulho contra o copo que ela segurava e
chamou a atenção do homem deitado ao seu lado.
— Eu adoro esse lugar. — Stefano murmurou,
encarando Amélia — É minha corrida preferida.
— Você diz isso só por conta das bebidas grátis.
— Não escutei você se opondo a elas.
Amélia riu, tomando um gole do seu drink e admirando
a vista exuberante que era a Ilha de Yas, cercada por luxo e
muito dinheiro.
A última corrida do Grande Prêmio de Abu Dhabi, era
realizada em uma construção artificial rica e complexa, com
hotéis de luxo, parques temáticos e uma praia à disposição dos
turistas. Era o lugar mais surreal em que ela já estivera na vida
e Amélia se viu completamente sem jeito nos espaços,
tentando passar a sensação de naturalidade e falhando.
Mas não era por isso que ela não ia aproveitar.
Com Vincent nas coletivas, ela, Stefano, Toni e Emma,
aproveitaram a festa do dia anterior como ninguém e só
chegaram pela manhã. Sem nenhuma grande obrigação na
lista, decidiram passar o dia na beira da piscina do hotel.
— Viu a entrevista mais cedo? — Emma perguntou, as
longas pernas cruzadas, mexendo no celular. — De Vincent e
Kob.
— Eu vi. Eles até disseram que se não resolvessem tudo
nas pistas, iriam para o ringue de luta. Sabia que tem até
apostas? Os números são bem impressionantes.
— Eu sei, eu apostei alguns euros no Vince. É bom ele
ganhar, ou vai ficar me devendo.
— Leva tão pouca fé assim no seu primo, Emma? —
Toni brincou.
— Eu acredito nele, mas nunca se sabe.
A imprevisibilidade do resultado, tornou aquela corrida
um espetáculo. Se Kob ganhasse, ele teria os pontos
necessários para o prêmio. Se Vincent ganhasse, aumentaria
sua margem e levaria a temporada. E havia a possibilidade do
piloto russo, ainda no páreo, se Vincent acabasse em terceiro e
Kob em segundo.
Diversos cenários, várias possibilidades de vitória para
todos os pilotos. Ninguém fazia ideia do que ia acontecer e até
a previsão do tempo era recalculada. As equipes agiam
normalmente, mas Amélia sentia a tensão crescente na
Redemptio, conforme os dias se aproximavam.
Para a sorte deles, o domingo da corrida amanheceu
com sol forte e intenso, sem uma nuvem no céu. Eles partiram
para o grid logo cedo, os dedos de Amélia entrelaçados nos de
Vincent, fazendo movimentos circulares com o polegar.
— Nervoso?
— Sim, acho que vou vomitar.
Ela se encostou nele.
— Vou te ajudar com o ritual do campeão, hoje.
— Se puder fazer o tempo passar mais rápido,
agradeço. — O piloto murmurou, desviando os olhos para a
janela.
— Vincent, você está esquecendo de se divertir. — Ela
segurou o rosto dele e o beijou — Você faz isso porque ama,
lembra? Então também precisa se divertir no processo,
aproveitar cada momento.
Vincent soltou um suspiro longo, o boné da Redemptio
escondendo seus cabelos loiros.
— Eu sei, eu sei… É só…
— Tenso. Está tudo bem, amor.
De mãos dadas com ele, Amélia passeou com Vincent
pelo autódromo, parando para que o piloto pudesse atender
seus fãs. Ela tirou algumas fotos, sorrindo, e incentivou o
namorado a brincar com um grupo de crianças de kart, que
gritavam seu nome.
Eles só pararam perto da hora do almoço, quando
Stefano chamou Vincent para uma das infinitas entrevistas do
dia, e ela foi comer com Emma.
— Então, fiquei sabendo que você vai trabalhar na
Fórmula 2, Emma. Parabéns!
— Vincent é um fofoqueiro. — A loira riu. — Arthur fez o
convite ontem, disse que a equipe só funcionaria mesmo
depois da próxima temporada, então eu teria tempo para
pensar na proposta. Ele viu meus modelos de motor e gostou
do trabalho.
— Você é fantástica, Emma Torrisi. Construindo motores
com um salto 15 e terno de Prada.
— Esse é Versace, mas agradeço seu esforço, Ames. Eu
ainda não sei se vou dizer sim, na verdade.
— Por quê?!
Emam desviou os olhos, o cabelo loiro e liso caindo para
frente.
— Não sei se sou boa o bastante. Ainda tô começando a
faculdade, mal tenho as matérias necessárias e fiquei com
medo de Arthur só ter me chamado por causa de Vincent.
— Ele não faria isso. Acho que Vincent, mais do que
ninguém, sabe a importância de ter algo só seu. E se o seu
esforço está sendo reconhecido, porque não aproveitar?
Emma suspirou.
— Lembra o que eu disse, sobre a minha mãe? Fico me
perguntando se eu deveria mesmo aceitar essa chance. Uma
parte de mim quer jogar tudo para cima e só seguir o que ela
diz.
Amélia se inclinou, segurando a mão de Emma.
— Essa parte chama medo de não conseguir. Emma,
você é uma das mulheres mais fodas que eu conheço, a
pessoa mais obstinada do mundo. Se seguir os planos da sua
mãe, vai acabar deixando a vida que você sonha para trás. E a
Emma que eu conheço não é assim.
A loira encarou a brasileira, o lábio inferior trêmulo. Ela
piscou, relaxando os ombros.
— Por favor, me dê mais sermões sobre como viver.
Amélia riu e abraçou a amiga.
— Agradeça a Angela por ter me ensinado isso primeiro.
Pela tarde, os pilotos realizaram o tradicional desfile,
com os carros antigos. Amélia gritou o nome de Vincent a
plenos pulmões, nem um pouco preparada pela visão do
namorado em uma camisa polo que apertava os músculos do
braço dele, o cabelo loiro bagunçado e ainda assim, charmoso.
Ela, Emma e Toni acompanharam o show de
apresentação, por uma cantora espanhola, e cantaram os
principais sucessos do momento, extravasando a tensão pré-
corrida.
Quando o sol se pôs e as luzes do autódromo foram
acesas, os gigantes refletores iluminando a pista, Amélia se
despediu dos amigos e entrou no paddock da Redemptio.
Cumprimentou os funcionários com um sorriso gentil,
conversando brevemente com eles e tomou um lugar perto das
telas que transmitiriam a competição.
Depois de acompanhar tantas corridas na temporada,
ela sabia que não existia lugar melhor para sentir-se dentro da
Fórmula 1 do que ali.
— Mia bella. — Vincent a chamou, já de uniforme, o
capacete em mãos.
— Vim dar o beijo de boa sorte. — Amélia arrumou os
cabelos dele. — Você vai se sair bem, Vincent. Sabe disso, não
sabe?
— Depois que você tirou toda a tensão de mim, ontem a
noite, acredito mais nisso. — Ele sorriu e a brasileira sentiu as
bochechas esquentarem. — Obrigada por estar aqui.
— Não me agradeça por isso. Eu vou tá aqui por você,
sempre que precisar.
— Eu quero agradecer, Palhares.
Amélia se inclinou e o beijou, sentindo os olhares da
equipe sobre eles.
— Boa sorte, Vincent. — Ela murmurou. — Amo você.
— Estou nervoso para caralho na corrida mais
importante da minha vida e morrendo de medo de não vencer.
Patético ou triste?
— Ansioso. E empolgado. E você só está nervoso porque
sabe que vai fazer um trabalho incrível. Vai lá, campeão.
— Amo você, Amélia.
Ele beijou a ponta do nariz dela e saiu.
Amélia sorriu e se juntou ao time para assistir à corrida.
Abu Dhabi era um trajeto relativamente novo, com várias
alterações aprovadas pela FIA e os treinos tinham se mostrado
bons para a Redemptio. Assim como para a rival direta do
título, a Dalton.
— Café?
Arthur ofereceu a ela uma xícara, os fones de ouvido
pendurados no pescoço.
— Obrigada. Quantas xícaras você já tomou?
— O bastante para Henrique ficar preocupado. — Ele
sorriu. — Fique à vontade, Amélia. Estarei gerenciando seu
namorado de longe.
— Valeu Arthur. E boa sorte gerenciando meu
namorado. — Ela bebeu um gole da bebida e encarou o diretor
executivo. — Nunca agradeci você por aquela época, não é?
Por ter me ajudado com a mídia e tudo o mais.
— Agradeceu me conseguindo uma reunião com nosso
futuro patrocinador, que ficou encantado por você no jantar
beneficente de Ímola. E me desculpe ter te botado nessa
furada toda.
— Vendo como tudo acabou, Arthur, acho que não
precisa se desculpar. — Ela sorriu, vendo a movimentação dos
pilotos na largada. — Acho que é sua deixa.
Arthur se afastou com um sorriso.
Como descrever a última corrida da temporada de
Fórmula 1? Se alguém perguntasse a Amélia, ela não saberia
responder.
Mesmo com os olhos grudados na tela, o coração
batendo forte, e os dedos apertando a porcelana da xícara, ela
só conseguia pensar em Vincent. O carro da Redemptio sofreu
um dano logo na quinta volta, que não precisou ser reparado
nos boxes, mas uma perda ainda era uma perda e o piloto caiu
para quinta posição.
— Porra…
Ela xingou, vendo mais uma tentativa frustrada de
ultrapassagem de Vincent. Mordendo o lábio, o cenário
pessimista se formou em sua mente, mas ela não deixou que a
imaginação prosseguisse com aquilo. As voltas aumentaram e
a corrida se encaminhou para as últimas 10 voltas, com Kob
liderando.
Sua respiração ficou presa na garganta ao ver Vincent
ultrapassar o quarto e o terceiro colocado de uma só vez,
disputando diretamente com o segundo lugar, Chase Astier.
Com um movimento fluido do carro, quase saindo da pista, ele
fez uma bela ultrapassagem e Amélia se juntou aos gritos
animados da equipe.
4 voltas.
Vincent estava colado com Kob.
2 voltas.
Uma tentativa de ultrapassagem bem realizada, mas o
piloto tailandês estava logo atrás.
Volta final.
Vincent tirou o máximo do carro, fechando Kob em uma
curva e acelerou direto para a linha de chegada.
Amélia gritou, os olhos cheios de lágrimas, e correu
junto com Arthur para perto do carro estacionado, onde um
Vincent meio tonto saia do veículo. Ele arrancou o capacete e
baclava, cabelos grudados na testa e encarou, sorrindo.
Quando o piloto a beijou, ela descobriu que a vitória era
doce como o amor.
***
Vincent não conseguia lembrar das últimas 24 horas do
ponto de vista próprio. Ele se enxergava como espectador,
assistindo de longe todos os momentos vivenciados.
O nervosismo o consumia vivo, desde a chegada em
Abu Dhabi e tensão se acumulava nos músculos. Por mais que
tentasse disfarçar, todo mundo parecia ter percebido, fazendo
de tudo para não incomodá-lo. Mas quando uma crise de
pânico se tornou uma ameaça real, ele saiu do quarto de hotel
e telefonou para a mãe, na noite de sábado.
— Mãe, e se eu não conseguir?
— É o fim do mundo não levar o troféu? Meu menino,
amanhã as duas coisas podem acontecer.
— E eu não sei o que fazer se eu perder. Eu nem sei
porque eu tô tão nervoso. Ansel não está aqui, eu tenho a
corrida em mente, sei tudo o que deveria fazer. Mas eu só não
sei se consigo.
Um suspiro do outro lado da linha.
— Vincent, eu seria uma péssima mãe se dissesse que
sim, você pode vencer sem problemas. Eu criei você para um
mundo bonito, mas também para um lugar onde, às vezes,
falhamos. Por que você vai correr amanhã?
— Porque é a coisa que eu mais amo fazer.
— Então já sabe a resposta para o que vai acontecer se
não conseguir. Não se esqueça disso.
E Amélia parecia compartilhar do mesmo sentimento de
Anna, empurrando Vincent na direção dos seus fãs animados,
assim que pisaram no autódromo. Os pensamentos do piloto
foram direto para Mancia, para as crianças atendidas pelo seu
Instituto.
Ele amava a Fórmula 1. Tinha lutado por aquele
esporte, feito loucuras que poderiam ter destruído sua carreira
e ainda assim, arriscou-se porque queria fazer daquele espaço
o melhor possível.
Com isso em mente, ele vestiu o uniforme e encarou-se
no espelho, calando o pânico que perfurou seu estômago.
Daquele momento em diante, assistiu a si mesmo entrar
no carro, as pernas trêmulas. Receber as instruções de Arthur
sobre os pontos de estratégia e concordar com alguns,
brincando com o diretor executivo sobre querer racionalidade
na última corrida. Depois o rugido do motor, a luz ficando
verde e acelerar, sem menos de segundos, largando da terceira
posição e saltando para o segundo lugar com facilidade.
Então veio o toque feroz com outro piloto e Vincent
assistiu a si mesmo xingando pelo rádio. Apesar disso, o carro
não sofreu danos graves, nem perda de poder, então ele
continuou, forçando os pneus o máximo que podia.
— Vincent, você precisa parar.
— Próxima volta.
— Eu sei que você está frustrado, mas seja esperto.
Vincent reconheceu a contragosto a razão de Arthur e
trocou os pneus macios por duros, acelerando de volta à pista.
— Quantas voltas?
Uma pausa no rádio.
— 15. Vincent, ainda dá para ultrapassar. Lembre os
pontos que te mostrei e use a curva ao seu favor.
— Certo.
Vincent viu, ainda sobre o ângulo de fora, a sequência
de ultrapassagens, contando na cabeça quantos ainda
faltavam. Quando passou de Kob, o número 1 ressoou em seus
pensamentos, e ele se viu, confuso, a ficha só caindo depois de
terminar a última volta e estacionar o carro.
O piloto fechou os olhos por alguns segundos, a
respiração pesada, um zunindo no seu ouvido calando todos os
pensamentos e piscou. Ele era o campeão da Fórmula 1.
Tricampeão.
Depois daquilo, as lembranças de Vincent ficaram mais
claras, movidas pela animação completa e vitória.
O beijo de Amélia, o sorriso dela de orgulho. Os fãs, ao
redor dele, puxando-o para a multidão, os gritos e risadas
cercando o piloto. Arthur, o abraçando forte, um gesto que
significava milhares de palavras não ditas entre eles. O aperto
amigável de Kob, o rosto com resignação, mas aceitando a
derrota para um amigo recém-feito.
O sol forte de Yas Marina, o pódio e o hino italiano. O
peso do troféu em seus dedos, o metal brilhante reluzindo. O
champanhe doce em sua boca, grudado no sua pele,
misturando-se a euforia completa que vencer proporciona.
Inebriante e uma das melhores coisas que ele tinha
sentido.
Após a vitória e um banho, Arthur convocou a coletiva
de imprensa na madrugada e Satake fez seu anúncio.
— Por muito tempo, as pistas foram minhas
companheiras, mas chegou a hora de participar do
automobilismo de outra maneira. Oficialmente, em
concordância com Arthur, a próxima temporada será minha
última. — Satake pausou, silêncio entre os jornalistas. — Tenho
dedicado mais de 15 anos nas corridas e jamais pensei que
seria tão difícil deixar algo que amo para trás. Mas em nome
de novas experiências, alguns sacrifícios precisam ser feitos.
Vincent engoliu o bolo que se formou em sua garganta,
piscando para afastar as lágrimas que se formavam no canto
dos olhos.
Satake Yukikaze, dono de quatro títulos mundiais, o
jovem que largou seu país natal em busca de um sonho. Que,
no início, era fechado e enxergava Vincent como uma criança,
mas passou a ser uma das pessoas mais importantes da vida
do piloto italiano. Dono das ultrapassagens mais fluídas da
Fórmula 1, conhecido pela postura elegante e líder da nova
geração de pilotos.
Vincent nem sequer imaginava um dia correr na mesma
pista que Satake, que dirá, dividir o companheirismo dele.
— Com a sua saída, Vincent se tornará o piloto principal
da Redemptio? Se sim, o que você gostaria que ele soubesse
sobre a posição?
O italiano cruzou os braços, esperando uma piadinha ou
provocação. Satake o encarou, com os olhos cheios de
sentimentos, pegando Vincent desprevenido.
— Ele sabe tudo o que precisa saber. Vincent é o melhor
piloto atualmente, isso é inegável pelo título que acabou de
levar. Mas ele não é só bom nos autódromos, fora deles,
Vincent luta pelo que importa dentro da Fórmula 1. É uma
honra correr ao lado dele, mais do que isso, chamá-lo de
amigo.
Vincent abriu a boca, mas não soube o que dizer. Ele
pousou para as fotos, ao lado de Arthur e Satake e apertou o
ombro do piloto japonês.
— Eu não disse que um dia você ia mesmo fazer uma
declaração para mim? — Satake riu baixinho. — Satake, você é
um dos pilotos mais fodas que eu conheço. Vai ser um imenso
prazer dividir sua última temporada nas pistas.
— Espero que pense isso quando eu vencer a próxima
temporada e encerrar minha carreira com sucesso.
— Quero ser campeão de novo, Yukikaze. — Vincent
sorriu. — Não vou facilitar para você.
— Bom. Não espero menos de você, garoto.
Satake sorriu e bagunçou o cabelo de Vincent.
Sob o flashes das câmeras, que capturaram a troca de
olhares recheada de irmandade, Vincent desfrutou da sensação
de ser invencível e amado. Era uma combinação maravilhosa.
EPÍLOGO
Quando criança, Amélia sonhava com um natal de neve.
Mas depois de passar o primeiro feriado longe da irmã, não se
importaria em trocar aquilo tudo pela possibilidade de
aproveitar a data no calor do Brasil.
Por isso, naquele ano, ela e Vincent fizeram um acordo
sobre as festas de final de ano: Natal em Coral e ano novo na
mansão Torrisi.
Com Sofia e Maria Cássia, Amélia cantou as melhores
músicas natalinas brasileiras, com Vincent tentando descobrir o
significado das letras, para além da tradução. Na casa de praia
da mãe, eles celebraram o dia com uma típica ceia, cerveja e
várias sobremesas que tinham gosto de nostalgia e infância.
Mas o ponto alto, foi a troca de presentes.
— Está me dando meu salário de namorada de
mentirinha? — Amélia brincou, encarando o envelope que o
piloto lhe deu.
— Você nem aceitou o dinheiro do doutorado, Palhares.
— Porque eu sou sua namorada de verdade, agora, e
mesmo você sendo um milionário, quero conseguir esse
doutorado sozinha. Mas não me oponho às roupas de grife,
não sou igual às mocinhas de romance.
Vincent gargalhou e Amélia abriu o envelope, curiosa. E
gritou ao ver que não era dinheiro, eram ingressos VIP para a
próxima turnê da Taylor Swift.
— Vincent! Meu Deus, como você… Estavam esgotados!
Meu Deus!
Ela segurou os papéis, tremendo.
— Acontece que ter um namorado piloto de Fórmula 1
tem suas vantagens. — Ele sorriu. — E uma delas é que o
irmão da sua cantora preferida, gosta das corridas. Eu
consegui uns ingressos para a próxima temporada e ele me
garantiu um meet and greet e…
— Meu Deus, eu vou conhecer ela?!
Amélia o abraçou, os olhos cheios de lágrimas.
Ela era fã da cantora há anos, sempre relacionando as
músicas da Taylor com momentos específicos da sua vida,
conforme ela crescia. Podia parecer uma completa besteira,
visto de fora, mas ela não se importava nem um pouco com
isso.
— Feliz, mia bella?
— Tá brincando? Para caralho!
Ela não conseguia parar de sorrir por dias, nem mesmo
quando voltou à Itália, para sua vida de tarefas infinitas em
Mancia, mesmo que ela estivesse desempregada.
Bom, tecnicamente desempregada.
Ela não trabalhava mais na Galeria Torrisi como
obrigação da bolsa MAECI, de mestrado e deveria estar
arrumando seu currículo, mas não conseguia. Com a saída de
Angela, voltando para a França e passando uma temporada
com os pais, e a reforma da ala de Fulvia, as coisas estavam
caóticas.
Afundada em trabalho e responsabilidades, Amélia
aceitou de bom grado uma extensão temporária do cargo, que
deveria ser ocupado pelo próximo selecionado da bolsa, no
começo do ano. Era difícil se imaginar longe de um lugar que
foi sua morada por 2 anos inteiros e que, acima de tudo, ela
amava.
Melancólica e um pouco triste, ela se demorava a fechar
o lugar, os saltos ecoando nas salas vazias e lotadas de obras
de arte, obrigando Vincent a esperar pela brasileira.
— Mia bella, o que você quer jantar?
Ele perguntou, enquanto ele dirigia pelas ruas de
Mancia.
— Pia ligou, dizendo que temos reservas.
— Mas eu não fiz reservas.
— Você não, mas Pia se deu ao trabalho. É a forma dela
dizer “Venham me visitar, ingratos.”
Vincent riu, dobrando na curva e estacionado perto do
canal.
Mancia estava no auge do inverno congelante e naquele
dia 30 de Dezembro, o ar estava pesado e denso, típico da
temporada europeia. Pontilhado de estrelas, o céu parecia uma
grossa camada de tinta azul escura, a lua minguante, fina
como um fio de cabelo, quase invisível.
— E então, campeão, como foram os testes?
Amélia perguntou, assim que se sentaram na mesa
número 8.
— Bem. Arthur fez muitas mudanças no carro. Lembra
do problema com a asa? Finalmente ajustamos e porra, o
projeto está ótimo. Possivelmente vamos levar o top 3 das
equipes esse ano, mais uma vez.
O piloto sorriu, os fios loiros recém-cortados penteados
para trás.
— Emma parecia muito empolgada quando eu falei com
ela. Mencionou termos técnicos demais, não entendi metade,
mas ela estava feliz.
Vincent riu.
— Ela vem fazendo um trabalho incrível lá dentro, nem
parece que está no segundo ano da faculdade. E Satake já
escolheu as possíveis corredoras da Fórmula 2 feminina, viu as
fotos que eu mandei?
— Sim! Não sabia que brasileiras estavam sendo
cotadas também.
— Arthur gosta de dar prioridade ao Brasil. E o piloto
novo também é brasileiro, pelo que eu soube.
— Ah não. — Amélia estreitou os olhos. — Você sabe de
tudo e não vai me contar, não é?
— Não sei de nada…
Vincent sorriu.
— Odeio você.
— Estamos de volta à fase de ódio mútuo?
— Você nunca me odiou de verdade, Di Castelli. — Os
cantos dos lábios dela se ergueram. — Tinha vontade de me
beijar demais para pensar em ódio.
— Eu odiava você justamente porque queria te beijar,
engraçadinha. E você não pode dizer nada, Palhares, me
confessou a mesma coisa mês passado.
— Para a felicidade do seu ego. — Amélia revirou os
olhos. — Deveria ter previsto como isso ia fazer você ficar
insuportável.
— E mesmo assim você me ama.
Vincent beijou sua mão com delicadeza e ela se
derreteu.
— Pior que amo mesmo.
Eles comeram o especial da casa, os dedos um pouco
gelados pelo vento, acompanhado de um Cabernet Sauvignon
direto do Chile e de sobremesa, uma xícara de chocolate
quente. Ainda era cedo quando deixaram o La Fratta, depois
de uma longa conversa com Pia e Niccolo, caminhando ao
longo do canal e aproveitando o silêncio da noite.
Amélia respirou o ar frio, sentindo-se um pouco
sonolenta pelo cansaço, mas disposta a aproveitar o momento
com Vincent. Em breve, o piloto partiria para a próxima
temporada e eles não se veriam por algum tempo.
— Eu estava pensando, Palhares. — Vincent disse,
apertando a mão dela. — O que você vai fazer quando o
contrato temporário com a minha mãe acabar?
— Procurar um emprego em alguma escola de arte,
talvez, até que eu consiga o doutorado. As submissões só
abrem em março, então, tenho um tempo para me preparar
até lá.
— Então você quer dar aulas?
Amélia deu de ombros.
— Não é mais meu plano ser professora, mas não quero
continuar desempregada, vou aceitar o que eu encontrar. Mas
porque a pergunta do nada?
Vincent desviou os olhos, parecendo nervoso.
— Deus, minha mãe vai ficar furiosa comigo, mas foda-
se. — O piloto a encarou. — Minha mãe está pensando em
abrir uma sede da Galeria Torrisi no Brasil e ela perguntou
minha opinião sobre ter você como curadora oficial.
Amélia abriu a boca, em choque. Curadora oficial da
porra de um museu. Um museu!
— Mas… Quer dizer, eu…
— Eu disse a ela que a escolha devia ser totalmente
sua, claro, mas que adoraria se te perguntasse isso. E tudo
bem se você recusar, seu doutorado é seu sonho, mia bella,
mas eu estava imaginando se, caso você diga sim… Podíamos,
não sei, morar juntos no Brasil.
Ele disse rapidamente, as palavras saindo um pouco
atropeladas. A brasileira parou e segurou o rosto dele entre as
mãos.
— Vincent, eu adoraria ser curadora oficial de um
museu. — Amélia sorriu. — E adoraria morar com você
também. Tenho que pensar mais sobre isso, ver as
possibilidades e planos para o doutorado, claro, mas… Caralho!
Um museu! Um museu inteiro sob o meu comando, Vincent.
Isso é muito maior do que eu poderia esperar. E saber que
Anna me escolheu, ainda por cima…
— Você ajudou a Galeria Torrisi a sobreviver, Amélia.
Minha mãe odeia perder um talento e ela continua
impressionada com a sua dissertação.
— Ela é minha obra-prima, entendo Anna. Vou pensar,
meu bem, mas estou terrivelmente balançada, só para você
saber.
— Está me deixando cheio de sonhos Palhares.
— Você e suas fanfics, Vincent. — Os braços dela
contornaram o pescoço do piloto.
— Lembra quando você me disse que era a parte clichê
desse namoro? — Vincent beijou sua bochecha. — Eu sou
leitor de fanfics e romances, aqui, com especialização
acadêmica no assunto ainda por cima. Perdeu seu posto,
Palhares.
— Aceito ceder meu lugar para você.
No final de janeiro, quando o inverno começa a ceder
lugar para a primavera, Anna Di Castelli fez a proposta oficial a
ela.
— Conte as histórias esquecidas, Amélia, mostre ao
mundo o porquê elas merecem ser conhecidas. O Brasil me
parece um ótimo lugar para começar esse projeto e, se você
quiser, o museu fica sob sua responsabilidade.
Amélia encarou o contrato, lembrando-se de outro muito
diferente, que nem sequer chegou a ser assinado. Ela segurou
a caneta entre os dedos, o fôlego preso no peito, refreando a
onda de pensamentos pessimistas e cruéis que insistiam em
invadi-la.
E se você não for o bastante? Patética do jeito que é,
Amélia, vai estragar tudo. E… Ah, que se foda, você.
Escreveu seu nome em um rabisco rápido e preciso.
— Anna, eu prometo que não vou te decepcionar. Vou
dar o meu melhor.
— Foi por isso que eu escolhi você, Amélia e gostei de
você desde o primeiro dia que a conheci, na galeria. — Anna
sorriu — Consigo ver todos os seus medos, assim como a sua
determinação em não deixá-los vencerem.
Mais tarde, com a cabeça descansando sob o peito de
Vincent, ela se permitiu chorar e extravasar a emoção inteira
acumulada, depois de uma vida inteira sempre correndo atrás
de seus sonhos.
— Eu sou a pessoa mais chorona do mundo e até
mesmo no meu momento mais feliz, tô chorando e com o nariz
entupido. Patética ou triste?
Ele riu, os ombros chacoalhando.
— Emocionada, Palhares. E sentimental.
Ele fez carinho nos cabelos dela e a brasileira suspirou,
limpando as lágrimas.
Amélia lutou sozinha por muito tempo, dizendo a si
mesma que seus fardos eram só seus. Perdeu a conta de
quantas vezes, perdida entre o desejo de explorar o mundo e
sentir as chances escapando entre seus dedos, descobriu que
seus sonhos não eram raros ou possíveis. Mesmo depois de ter
se esforçado, dando lágrimas, suor e sangue, querendo algo a
mais.
— Sabe o porquê, na última corrida do ano passado, eu
disse a você que precisava se divertir e relaxar? — Vincent
negou — Por que eu passei tempo demais olhando o lado ruim
e o fracasso, Vincent, as coisas que eu não conquistei.
— E esqueceu de ver o caminho que tinha feito até ali.
— Ela assentiu. — Você me disse uma coisa parecida em
Londres, mia bella. E isso me lembrou que ninguém podia tirar
de mim o amor que eu tenho pela Fórmula 1, mesmo se eu
não levasse o troféu.
— Você perde algumas coisas, ganha outras, Vincent,
mas se esquecer a razão porque está fazendo aquilo, se não
celebrar o momento, qual o sentido? E o medo deixa de existir
depois de perceber isso.
Ele enxugou o rosto molhado dela com carinho.
— Minha corajosa Amélia.
Ela sorriu, antes de beijá-lo, o calor familiar que Vincent
causava em seu peito se espalhando lentamente, aquecendo
as partes machucadas e dolorosas do seu coração.
O amor dele não curaria o mar de caos que era sua
mente, nem a deixaria livre dos medos e dias ruins, que ainda
existiriam pela frente. Mas ela se permitia ser tocada pela maré
de ternura que era Vincent, pela beleza de um amor tranquilo
que a tocava com a gentileza do sol no início da manhã,
pintando seu céu de cores que ela nem podia imaginar.
Amélia ainda estava sozinha, trilhando seu caminho,
suportando alguns fardos, mas celebrando as vitórias
igualmente. Sozinha, mas não solitária, não quando finalmente
tinha o amor que sabia merecer.
Não era o felizes para sempre de seus sonhos, e sim, o
começo de infinitas possibilidades de viver. E ela aproveitaria
cada uma delas.
***
Os flashes das câmera cegaram Vincent por alguns
segundos, mas ele manteve o sorriso, um braço ao redor de
Satake e outro no novo piloto reserva da Redemptio, o
brasileiro Pedro Borges.
A coletiva de imprensa tinha finalmente acabado e
depois das fotos oficiais dos pilotos, eles foram dispensados
para o almoço de comemoração da equipe. Vincent sempre
achava engraçado como todo evento da Redemptio envolvia
muita comida e bebida, até as pequenas reuniões, mas não
reclamou quando pegou uma fatia generosa de lasanha de
berinjela.
Sentado com Emma, Stefano, Satake e Arthur, ele ouvia
as atualizações sobre o início da temporada. Apesar do drama
da edição passada, as coisas não estavam menos calmas
dentro da equipe, especialmente com a organização tentando
se expandir para outros ramos do automobilismo.
— Fibras de carbono parecem melhores para mim. —
Emma disse, os olhos verdes firmes. — O novo chassi não é
uma invenção da aerodinâmica, na verdade, perdemos isso no
novo carro. Trocar o material é a melhor solução.
— Não sei, Emma, os engenheiros não concordam
muito.
— Arthur, você sabe que eu tô certa. — Ela sorriu. — E
que aquele projeto tá ultrapassado.
— Vocês estão discutindo a construção do carro dessa
temporada, uma semana antes da corrida começar? — Vincent
perguntou, a testa franzida.
— Ah não, esse é do ano que vem. — Arthur respondeu.
— Você acha que um carro se constrói em menos de
três meses, Vince? Quero fazer testes com as pilotos da
Fórmula 2, antes de oficializarmos tudo. Stefano, o que acha
de fazer isso no nosso evento de anúncio?
— Uma boa ideia, Emma, mas não fure minha
programação anual. — O social media apontou para ela com
um garfo. — Só no meio do ano.
— Mas podíamos apressar um pouco as coisas…
— Jesus, trabalhar com os Torrisi é sempre assim? —
Satake murmurou, lutando contra um sorriso.
— Depois de todo aquele tempo comigo você não se
acostumou?
— Bom, eu não esperava que vocês fossem todos
iguais.
— Devia ver como as coisas ficam no natal. — Emma
balançou a cabeça. — Segundo minha avó, o melhor de nós é
o Stefano.
— É muito bom ser o neto preferido de Teodora. —
Stefano sorriu.
— Eu sou o preferido dela, Stefano. — Vincent rebateu.
— Nos seus sonhos, Di Castelli.
Eles se empenharam na discussão sobre quem era o
favorito da matriarca Torrisi e Vincent não pode deixar de
sorrir.
Depois de longas e merecidas férias, ele percebeu como
tinha sentido falta das pessoas que eram parte da sua família.
O clima de pré temporada, a velocidade das pistas, as
discussões sobre os projetos dos carros e as apostas sobre
quem se sairia melhor, dominavam grande parte do seu dia.
Mas a melhor parte disso, era o novo clima dentro do
grid.
Vincent percebeu a mudança em Ímola, na corrida
tradicional de Erco Santinelli. Ao chegar no autódromo,
esperando o tratamento frio e distante dos outros pilotos, foi
recebido com uma onda de companheirismo inesperada. Não
havia mais aquele muro que o próprio italiano colocava entre si
mesmo e os outros colegas, parecia ter sido derrubado junto
com Ansel.
E se pegou gargalhando das piadas internas entre eles,
marcando pequenas saídas e encontros, incluso de forma
natural. A coisa era tão surreal, que o piloto ficou esperando o
momento em que tudo ruísse, mas não chegou a acontecer.
— Se divertindo com seus novos amigos?
Stefano perguntou, os óculos de sol na ponta do nariz.
Eles estavam sob a sombra do paddock, logo depois da
reunião oficial da equipe, se preparando para os testes em
Monza.
— Com ciúmes? Você continua sendo meu favorito,
Stefano.
— Eu estou seguro do meu posto. É que fico feliz vendo
você se enturmar com os outros, Vince. — Stefano se
aproximou. — Eu me lembro quando chegou em casa, depois
de vencer sua primeira temporada, feliz e triste, ao mesmo
tempo. Feliz pelo prêmio, triste por se sentir sozinho nas pistas
e não saber como mudar isso.
— Foi antes de Chase e Olivier. Acho que foram meus
primeiros amigos de verdade fora de Redemptio. — Vincent
sorriu, nostálgico. — E tudo porque eu e Chase fomos pegos
em Paris.
— Porra, aquele vídeo! Você bêbado, Chase meio
desesperado… Foi a maior fofoca por meses. E uma dor de
cabeça interminável para mim.
— A parte boa das fofocas, é que sempre uma melhor
aparece para substituir a antiga.
— A parte ruim, é que você fazia questão de estar em
todas elas.
— Gosto de atenção — Vincent esticou o corpo,
acordando os músculos antes de correr.
— Não, você gosta de desviar a atenção. — Stefano
apontou. — Prefere que as pessoas se concentrem na sua vida
pessoal, nos escândalos, para esconder quem é de verdade.
Conheço você por mais de 15 anos, Di Castelli.
Vincent desviou os olhos, o olhar do melhor amigo
queimando em certeza.
— Odeio quando você e Amélia comentam coisas
específicas sobre mim.
— Porque estamos certos. Mas acho que tudo mudou
um pouco, depois do que você me contou. Ainda quer seguir
aquele plano?
— Sim, você conseguiu falar com as pessoas que
indiquei?
— Foi fácil. Já contou para ela?
— Não, vai ser surpresa.
Stefano ergueu uma sobrancelha.
— Sério?
— Eu gosto de ver vocês chocados quando faço alguma
coisa, é sempre bom. — Vincent riu. — Stefano, obrigado.
— É o meu trabalho, Vincent.
— Não, você sabe o que eu quero dizer com isso. —
Vincent o encarou, colocando as mãos no ombro do melhor
amigo. — Obrigado pelo último ano, por estar lá para mim.
Sempre teremos um quarto para você e Toni, no Brasil. Você é
meu irmão, afinal de contas, e eu te amo.
Stefano sorriu.
— Bom saber disso, Vincent, porque me sinto da mesma
forma. Amo você, mesmo que me faça enlouquecer às vezes. E
agradeço a oferta, mas eu e Toni temos outros planos.
— Me diga se eu puder ajudar em alguma coisa. E vai,
finalmente, pedir o cara para morar com você?
Stefano revirou os olhos e Vincent riu.
— Você e Amélia me disseram a mesma coisa e eu só
mencionei que estava procurando um apartamento, sério.
— Porque é bom te ver feliz. — O piloto sorriu. — E
saber que você está com uma pessoa legal, que te faz sentir
isso, é uma das melhores coisas do mundo. Stefano. Merece
ser feliz.
Stefano apertou a mão de Vincent.
— Merecemos, Vincent. Merecemos.
Duas semanas antes da temporada começar, Vincent foi
ao Brasil para eventos com a Redemptio. Ele tinha uma agenda
cheia de campanhas publicitárias, encontros e aparições em
programas de televisão, além de uma sessão de fotos com a
equipe, mostrando as novas instalações.
O tempo tão curto, e o novo trabalho de Amélia, quase
não deu chance para que eles se encontrassem, mas Vincent
estava determinado.
Com o sol de verão brilhando no céu sem nuvens, o
cheiro do mar em seu nariz e cercado de sotaques diferentes,
ele entrou no prédio em reforma, cumprimentando os
trabalhadores. O local escolhido era uma antiga construção
histórica, que, ao invés de ser derrubada, foi tombada como
patrimônio e sua conservação passada à família Torrisi.
Amélia e Anna queriam um lugar com significado para o
projeto e Vincent assistiu os esforços de Teodora, nos
tribunais, para conseguirem manter o prédio vivo. Haviam
poucas coisas que aquelas três mulheres, juntas, não podiam
fazer.
— Sim, eu sei que branco seria melhor, mas a pintura
original é dessa cor. — Ele escutou a voz de Amélia, antes de
vê-la, falando em inglês pelo telefone. — Só mande as tintas,
só isso que estou pedindo. Não tem como? Senhor, eu mesmo
posso ir buscar se for um problema de logística. Ah, achou
uma forma melhor? Bom saber que sempre surge uma solução
quando eu coloco pressão. Me mande as informações, ficarei
no aguardo.
Ela desligou e se virou para ele, abrindo o sorriso que
deixava seus olhos estreitos e seu rosto iluminado. Uma visão
que roubou o ar de Vincent por alguns segundos,
especialmente por saber que ela guardava aqueles sorrisos
para ele.
— Amor. — Amélia o abraçou. — Achei que você estava
ocupado demais, furou algum compromisso?
Vincent a segurou pela cintura.
— Não, só acabei tudo o mais rápido possível para te
ver, mia bella. Como estão as coisas?
Ela suspirou.
— Um caos! Como é possível as pessoas serem tão
difíceis de trabalhar? Fala sério, eu só queria manter o prédio
no estado original, mas ninguém parece a fim de colaborar.
Caralho, não sei como sua mãe conseguiu construir a Galeria
Torrisi sozinha.
— Com muito estresse e brigas com a minha avó. — Ele
beijou a bochecha dela. — Ainda vai demorar muito?
— Não, só vou pegar minhas coisas.
Ela dirigiu pelas ruas lotadas de Coral, ainda enfeitadas
para o Carnaval, enquanto Cazuza tocava no som do carro.
Apesar de sentir falta do país natal, Vincent tinha aprendido a
amar aquela cidade, especialmente com Amélia vivendo ali.
Não só pela distância curta até a praia, como possibilidade de
caminhar sem ser reconhecido, o privilégio da privacidade que
lhe era raro.
A casa onde eles ficavam na cidade, era em um dos
poucos prédios da cidade, asfaltado do centro caótico e no
caminho para a Praia da Andorinha. Era o balanço ideal para
Vincent, que aproveitava os momentos de descanso com
prazer na calmaria de Coral, e a vida caótica de Amélia na
construção do museu.
Vincent teve medo que as coisas entre eles não
pudessem funcionar bem devido ao ritmo maluco de suas
vidas. As viagens dele ao redor do mundo, as corridas e os
eventos. Os estudos de Amélia, a rotina corrida e as próprias
viagens da brasileira para outros lugares.
Mas, com o tempo, eles iam encontrando o balanço
necessário, movidos por doses de saudades e apoio mútuo em
cada etapa.
— Certo, cancelei meus eventos e estou livre para a
Austrália. — Amélia disse, enrolada em uma toalha, depois de
um longo banho acompanhada pelo piloto.
— Bom saber que meu amuleto da sorte vai estar lá.
Ela revirou os olhos.
— Só para lembrar, eu também estava em Mônaco
quando você bateu. Então, talvez, eu não dê tanta sorte assim.
— E também estava em Yas Marina, o que anula seu
azar com a batida.
Amélia riu e se aproximou. Mesmo com o cheiro de
shampoo, era impressionante como ela cheirava a ela mesma,
ameixas frescas, e Vincent sempre associava aquele cheiro a
estar em casa.
— Certo, o que você quer me contar?
Vincent ergueu uma sobrancelha, trazendo-a mais para
perto pela cintura.
— Como sabe que eu quero dizer alguma coisa?
— Você não consegue esconder nada de mim, meu
bem. — Ela passou os dedos pelos cabelos dele, o toque
caloroso e gentil. — Além disso, você sempre está distraído e
abre um sorriso de empolgação quando eu apareço.
— É a emoção de ver você.
— Não, sua cara de rendido por mim, é outra. — Os
dedos dela seguraram o rosto dele e o piloto mordeu o
indicador de Amélia, em brincadeira. — Vamos lá, campeão,
você pode me contar?
Ele suspirou.
— Era para ser uma surpresa…
— Ah, não, agora você tem que me contar!
Ele riu e virou-a de costas, os ombros de Amélia
encostados em seu peito. Vincent afastou os cabelos do
pescoço e encaixou o rosto ali, admirado como ele sempre
relaxava ao tocá-la.
— Sabe aquele terreno perto da praia, que você e eu
comentamos naquele dia?
— Sim.
— Estava conversando com meus contadores e
advogados, sobre a possibilidade de abrir uma escola para o
Instituto D ‘Oro no Brasil. Seria o mesmo modelo do que já
tem na Itália, mas pensando para cá. Eles disseram que seria
uma boa ideia e então, eu pensei, porque não Coral?
Amélia se virou para ele, em choque.
— Vincent, você não fez isso.
— Mia bella, o terreno é ótimo e gigantesco. Estava
vazio há anos e ninguém se interessou em comprar, eu pensei,
por que não? Por mais que eu e você vamos viajar um monte,
como sempre, seria bom poder visitar a futura Escola Dora
Palhares.
Amélia piscou, o lábio inferior trêmulo. Lágrimas se
acumularam nos cantos dos seus olhos e ela riu, o rosto
vermelho de emoção e felicidade.
Vincent queria que o nome da instituição no Brasil, fosse
de uma pessoa que tivesse uma relevância no meio artístico
dentro da cidade. E quando descobriu que a mãe de Amélia
tentou ser uma pintora da juventude, promovendo eventos
voltados para crianças menos favorecidas, ele não pensou duas
vezes.
Dora Palhares, que tinha tanto amor pela arte e passou
a mesma força para suas filhas, também merecia ter sua
história contada. E ele estava mais do que feliz em realizar
aquilo.
— Vincent isso é… É maravilhoso. — Ela riu de novo,
beijando-o com carinho, a língua com gosto de sal das
lágrimas. — Eu nem sei o que dizer, só obrigada, mil vezes
obrigada.
— Para eu conseguir te deixar sem palavras, deve
mesmo ter sido uma surpresa e tanto.
— Sua versão que ama fazer surpresas é uma das
minhas favoritas, mas no momento, eu a amo mais do que as
outras. — Ela disse, se inclinando. Os olhos castanhos
cintilantes, eram a casa dele.
— E isso porque eu não contei sobre o planejamento
das aulas de artes e surf, que estamos pensando em adotar.
Além de um kart, é claro, porque Arthur encheria meu saco
para sempre se eu não fizesse isso.
Amélia balançou a cabeça, ainda sorrindo.
— Eu amo você mesmo, Vincent Di Castelli. Amo tanto,
que me pergunto várias vezes se mereço esse amor e fico
ainda mais feliz ao descobrir que a resposta é sim. E todas as
vezes que descubro uma nova parte de você, um precioso,
iluminado e bonito detalhe do seu coração, amo ainda mais.
Ela disse, naquele tom de certeza universal e inabalável,
declarando cada palavra com carinho e leveza.
— Amo você, mia bella, meu bem, meu amor. — Ele se
demorou ao beijá-la. — Amo todas as suas infinitas versões.
Amo as infinitas versões de nós.
Aquele caminho, o inevitável, doloroso e bonito destino
que o trouxe até a Amélia. Vincent o aceitou. E também o
amou.
Agradecimentos