1413 4152 Esa 19 Spe 0095

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

DOI: 10.

1590/S1413-41522014019010000680

Artigo Técnico

Produção e manejo agrícola: impactos e desafios


para sustentabilidade ambiental
Agricultural production and management: impacts and challenges for
environmental sustainability
João Fernando Zamberlan1, Carlos Otávio Zamberlan2, Vitor Francisco Schuch Jr3,
Clandia Maffini Gomes4, Jordana Marques Kneipp5

RESUMO ABSTRACT
O desenvolvimento econômico e social de uma região deve estar The socioeconomic development of a region must be based on principles
baseado nos princípios da sustentabilidade ambiental, pois, não sendo of environmental sustainability; otherwise, we may leave our future
assim, corre-se o risco de se deixar para as gerações futuras uma herança generations a legacy of shortage and misery. Therefore, this work aims
de escassez e miséria. Portanto, este trabalho procurou identificar os tipos de at identifying the types of production and management in agricultural
produção e manejos dados às áreas agrícolas. Foi realizado com produtores areas. The study was conducted with farmers from Silveira Martins, Nova
de hortifrutigranjeiros dos municípios de Silveira Martins, Nova Palma e Ivorá, Palma and Ivorá in Rio Grande do Sul State. These areas were selected
no Rio Grande do Sul, selecionados por sua área territorial encontrar-se due to their location — sloping lands of Serra Geral, whose environmental
inserida nas encostas da Serra Geral, cuja fragilidade ambiental é maior. fragility is significant. Closed-ended questionnaires were used with all
Foram aplicados questionários do tipo fechado a todos os produtores de Horticulture Agro-industrial farmers studied, based on lists provided by
hortifrutigranjeiros dos referidos municípios com base em listas fornecidas the cities’ agriculture departments and Condesus. The results indicate that
pelas secretarias de agricultura municipais e Condesus. Concluiu-se que a the majority of crops take place in sloping lands because of the regional
maioria dos cultivos se dá nas encostas pela própria topografia regional. topography. Most of farmers conduct their activities for production and
A maioria dos produtores conduz suas atividades para produção e comércio commerce and are aware of the risks and become interested in projects
e são majoritariamente conscientes dos riscos e interessados em projetos that enable the unit of production in a sustainable way.
que viabilizem a unidade de produção de forma sustentável.
Keywords: environmental management, sloping land, agricultural
Palavras-chave: gestão ambiental, encostas, produção agrícola. production.

INTRODUÇÃO e à abertura de áreas para instalação dos cultivos agrícolas. As áreas de


Em 1877, foi criada a Quarta Colônia de Imigração Italiana na região florestas cederam espaço à agricultura e retirada de madeiras nobres,
central do Rio Grande do Sul. Com a vinda dos imigrantes italianos, promovendo, desta forma, o processo de fragmentação das florestas
houve a necessidade de se produzirem alimentos e se construírem (ITAQUI, 2002). Atualmente, a base econômica dos municípios da
residências e estruturas na nova terra. Com isso, deu-se início ao pro- região é a agricultura, principalmente de batata inglesa, fumo, milho
cesso de depleção dos recursos naturais devido à retirada de madeira e feijão (ITAQUI, 2002).

1
Mestrado e Doutorado em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) – Santa Maria (RS), Brasil; Professor da Universidade de Cruz Alta – Santa
Maria (RS), Brasil.
2
Doutorado em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) –
Ivinhema (MS), Brasil.
3
Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil; Professor Colaborador Voluntário, no Curso de Graduação em
Administração da UFSM – Santa Maria (RS), Brasil.
4
Doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil; Professora da UFSM – Santa Maria (RS), Brasil.
5
Doutoranda em Administração pela UFSM; Professora da UFSM – Santa Maria (RS), Brasil
Endereço para correspondência: João Fernando Zamberlan – Campus Universitário Dr. Ulysses Guimarães – Rodovia Municipal Jacob Della Méa, km 5.6 – Parada Benito –
98020-290 – Cruz Alta (RS), Brasil – E-mail: [email protected]
Recebido em: 23/10/12 – Aceito em: 13/05/14 – Reg. ABES: 680

Eng Sanit Ambient | Edição Especial | 2014 | 95-100 95


Zamberlan, J.F. et al.

Segundo Marcuzzo et al. (1998), essa região ainda mantém uma Na região da Quarta Colônia de Imigração Italiana, a própria topogra-
parcela de Mata Atlântica, considerada uma reserva de Biosfera. É uma fia do terreno é um empecilho, não sendo possível a expansão de novas
área rica em recursos florestais, animais e hídricos, além de ser um lugar áreas devido à legislação ambiental.
privilegiado por sua beleza natural. Portanto, as atividades agrícolas Este trabalho teve como objetivo identificar o grau de conscienti-
e econômicas desenvolvidas na região devem utilizar-se dos recursos zação de produtores rurais e a aplicação de técnicas e manejos conser-
naturais como solo e água de maneira racional e sustentável. vacionistas por parte das unidades de produção agrícola com vistas à
A utilização do solo pelas atividades agrícolas promove alterações sustentabilidade ambiental.
nos processos biológicos, físicos e químicos do ambiente, e tais alterações
devem ser monitoradas e avaliadas a fim de que ações corretivas da degra-
dação que por ventura exista possam ser implementadas (MERTEN & MATERIAL E MÉTODOS
MINELLA, 2002). Segundo Lago e Pádua (1984), deve-se optar por um O presente estudo foi realizado com produtores de hortifrutigranjei-
crescimento econômico controlado que minimize os impactos ambientais ros na região da Quarta Colônia de Imigração Italiana, localizada entre
e proporcione equidade social. A utilização de tecnologias que reduzam as coordenadas geográficas 29º09’15,39”e 29º58’37,68” de latitude sul,
o impacto ambiental na produção agrícola é de suma importância para 53º01’53” e 53º55’12” de longitude oeste, nos municípios de Silveira
que fique assegurada a capacidade de satisfazer as necessidades das futu- Martins, Ivorá e Nova Palma no Estado do Rio Grande do Sul.
ras gerações, ou seja, a sustentabilidade. Esses municípios foram escolhidos dentre os demais que compõem
Atualmente, o modelo produtivo parece ter feito desaparecer os a região da Quarta Colônia porque a maior parte de suas terras estão
condicionantes físicos que obrigam o homem a se adaptar às diferen- inseridas em área de encosta com grandes declividades, maiores que 45º
tes condições de solo, água, topografia e clima (LEFF, 2002). Na última em algumas situações, o que lhes confere maior fragilidade ambiental.
década do século 20, houve mudanças como globalização, aumento no Os solos predominantes na região são os das unidades de mapea-
fluxo de informações, revolução tecnológica, dando início à filosofia mento Ciríaco, Santa Maria e Oásis (BRASIL, 1973). O clima da região,
da responsabilidade social e ambiental (VERDOLIN & ALVES, 2005). segundo a classificação climática de Köppen, é o Cfa do tipo fundamen-
A gestão ambiental é uma ferramenta que deve ser introduzida nas tal temperado úmido, com chuvas bem distribuídas durante o ano, sem
atividades realizadas pelas unidades de produção agrícola regionais. estação seca definida, e com temperatura do mês mais quente superior
Segundo Neumann e Loch (2002), no caso do Brasil, os instrumentos a 22ºC e do mês mais frio superior a -3ºC (MORENO, 1961).
de gestão ambiental pública são essencialmente compostos por instru- A pesquisa é uma “survey” quantitativa. Para a coleta de dados,
mentos de comando e controle, atribuindo-se penalidades. A implemen- foram aplicados questionários estruturados com perguntas fechadas
tação de uma gestão ambiental dentro das organizações, incorporando a todos os produtores de hortifrutigranjeiros da região, com base no
uma variável ambiental junto à produção, utilizando racionalmente os cadastro fornecido pelas prefeituras municipais e pelo Consórcio de
recursos naturais, adotando novas tecnologias que permitam minimi- Desenvolvimento da Quarta Colônia (Condesus). Uma equipe com
zar os impactos ambientais é uma estratégia que possibilita utilizar de quatro bolsistas e um professor aplicou o questionário nas unidades
maneira mais eficiente os recursos naturais como, por exemplo, a água. de produção, em três dias da semana, durante os meses de outubro,
A necessidade de área para o cultivo de alimentos, mesmo que no iní- novembro e dezembro de 2005 e janeiro de 2006.
cio tenha sido somente para subsistência, tornou-se fonte de renda para as O trabalho inicialmente se deu no município de Silveira Martins,
famílias da região. Legalmente, a área não pode sofrer alterações para o uso sendo posteriormente realizado em Nova Palma e findado no municí-
agrícola, restringindo a sua expansão. Também se somam as questões legais, pio de Ivorá, seguindo-se a linha de facilidade de acesso.
a desvalorização de seu trabalho, obrigando os produtores, muitas vezes, a Todas as unidades de produção foram georreferenciadas por meio
saírem de suas terras, pois com a queda de preço dos produtos e o cultivo de de um GPS 12 da Garmin, que posteriormente gerou um mapa da dis-
commodities em áreas reduzidas já não são remunerados como anteriormente. tribuição espacial dos produtores agrícolas dos municípios pesquisados.
O cultivo agrícola em áreas de encostas está mais suscetível à degra- Os resultados e as frequências foram analisados estatisticamente
dação do solo e da água devido às acentuadas declividades. O fato de se pelo programa SPSS 17.
manter o solo exposto sem cobertura vegetal reduz a taxa de infiltração
de água, aumentando o deflúvio superficial, ocorrendo desta forma o
carreamento de material para jusante, promovendo a sedimentação e RESULTADOS E DISCUSSÃO
alterando o estado qualitativo dos corpos hídricos de maneira nociva. A produção agrícola regional primeiramente visava somente à subsis-
A produção de commodities necessita ser feita em grande escala, tência familiar e atualmente ganhou caráter comercial, sendo uma pro-
para que a remuneração do produtor seja adequada às suas necessidades. dução bastante diversificada, mas ainda calcada na produção e venda de

96 Eng Sanit Ambient | Edição Especial | 2014 | 95-100


Produção e manejo agrícola

commodities agrícolas. A expansão e abertura de novas áreas na região principalmente do fumo, em que se utiliza uma alta gama de insumos
é uma alternativa de execução impossível, o que força os agricultores agrícolas em grande quantidade, somada ao intenso movimento do solo,
mais jovens muitas vezes a saírem de suas propriedades em busca de podendo com isso contribuir para a degradação dos recursos naturais.
novas áreas, permanecendo somente os mais velhos. A educação ambiental é um difusor dos conhecimentos sobre o
É necessário desenvolver alternativas de produção que aprovei- meio ambiente e indutor das mudanças de práticas e comportamentos,
tem a aptidão cultural da região, com a exploração de nichos de mer- sendo decisiva para adoção de técnicas compatíveis com a preservação
cado ainda descobertos para os produtos ali cultivados e beneficiados. dos recursos naturais (CARVALHO, 2001). Para tanto, nesse fato reside
o início de uma produção calcada na sustentabilidade.
Tipo de atividade exercida pelo produtor rural
Com relação à atividade exercida (Tabela 1), no município de Silveira Proporção de produtores que utilizam
Martins 69,7% dos produtores se dedicam tanto ao comércio quanto à as encostas para o cultivo agrícola
produção e 21,2% somente se dedicam a produzir, sem se preocupar com Toda área de encosta está mais suscetível à degradação ambiental devido
o mercado varejista. Cerca de 9% dos entrevistados dedicam-se somente à à topografia acidentada, que no caso de uma enxurrada, por exemplo,
comercialização dos produtos, realizando o papel de intermediário, com- corrobora para que a água ganhe velocidade, tendo uma maior ener-
prando e revendendo. Em Ivorá, 90% dedicam-se ao comércio e produção, gia e poder de desagregação, carreando uma quantidade significativa
9,8% somente produzem alimentos, e nenhum produtor se dedica exclusi- de solo para sua jusante. A ocupação e o uso dos solos pelas ativida-
vamente ao comércio como única atividade. No município de Nova Palma, des agrícolas interferem e alteram os sistemas naturais (MERTEN &
81,8% vivem da produção e comércio, e 9,1% para cada uma das outras MINELLA, 2002), com a perda de solo e nutrientes do horizonte mais
atividades. A pequena escala de produção, a cultura local, a dificuldade de superficial, impactando negativamente a produção agrícola, do ponto
colocar seus produtos no mercado e a dificuldade de organização entre os de vista tanto técnico quanto econômico.
produtores, sendo propriedades estritamente familiares, explicam de certa A Tabela 3 mostra que, no município de Silveira Martins, 43,5%
forma os números obtidos e por que a grande maioria se dedica às duas ati- dos produtores cultivam as encostas da região, principalmente com
vidades. Portanto, a maioria tem na produção primária sua fonte de renda. culturas anuais, 39,1% não utilizam essas áreas para cultivo e 17,4%
usam parcialmente ou de vez em quando. Em Ivorá, 74,3% dos produ-
Grau de conscientização do produtor tores utilizam tais áreas, 17,1% utilizam pouco e 8,6% não cultivam nas
em relação ao cultivo de encostas encostas. No município de Nova Palma também, como nos demais, os
Para qualquer programa ou projeto que vise ao desenvolvimento de produtores utilizam suas áreas de encostas para produzir na proporção
uma região é primeiramente necessário procurar identificar o grau de 87,5% e não utilizam 12,5%. Somando-se as áreas sempre utiliza-
de conscientização dos produtores com relação a tipo de área, ris- das e as que o são eventualmente, o município de Ivorá obteve o maior
cos ambientais e técnicas utilizadas ou não nas unidades de produção
agrícola. A Tabela 2 mostra as porcentagens de conscientização dos
produtores nos três municípios pesquisados. Tabela 2 – Grau de conscientização dos produtores da Quarta Colônia
Verifica-se que, nos municípios de Silveira Martins e Nova Palma, de Imigração Italiana.

a maioria dos produtores estão cientes dos riscos ambientais, como Frequências
Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma
também das técnicas de cultivo que minimizam o impacto ambiental.
Absoluta % Absoluta % Absoluta %
Em Ivorá, 37,1% dos produtores possuem pouco conhecimento sobre Pouco 5 21,7 13 37,1 1 12,5
novas técnicas ou mesmo sobre os riscos de degradação das áreas, e Sim 17 73,9 19 54,3 7 87,5
8,6% não possuem qualquer conhecimento a respeito. Esse valor é bas- Não 1 4,3 3 8,6 – –
tante preocupante, pois a base econômica municipal é a agricultura, Total 23 100,0 35 100,0 8 100,0

Tabela 1 – Tipo de atividade exercida pela unidade de produção agrícola. Tabela 3 – Cultivo de produtos agrícolas em áreas de encostas.
Frequências Frequências
Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma
Absoluta % Absoluta % Absoluta % Absoluta % Absoluta % Absoluta %
Produção 7 21,2 4 9,8 1 9,1 Pouco 4 17,4 6 17,1 – –
Comércio 3 9,1 – – 1 9,1 Sim 10 43,5 26 74,3 7 87,5
Produção e comércio 23 69,7 37 90,2 9 81,8 Não 9 39,1 3 8,6 1 12,5
Total 33 100,0 41 100,0 11 100,0 Total 23 100,0 35 100,0 8 100,0

Eng Sanit Ambient | Edição Especial | 2014 | 95-100 97


Zamberlan, J.F. et al.

índice de produtores nessa situação, com 91,4%, devendo-se, talvez, à agregar valor no produto final com sua elaboração, ou seja, um pro-
maior quantidade de lavouras de fumo do município, que tradicional- duto in natura que passe por um processo de industrialização e nele se
mente são cultivadas em áreas declivosas. agregue valor, desenvolvendo a economia regional em diferentes níveis.

Da prática de fertilização dos cultivos Destino das embalagens de


agrícolas pelos produtores regionais agrotóxicos e defensivos agrícolas
Esse tipo de prática é extremamente nociva ao ambiente quando não A Tabela 5 mostra os destinos dados às embalagens dos insumos e
é bem executada e realizada fora das técnicas e recomendações, prin- agrotóxicos utilizados na produção agrícola regional.
cipalmente aos corpos d’água e lençol freático. Quando aplicados em Constatou-se que, por força da legislação e da logística desenvolvida
grandes quantidades, podem vir a contaminar os corpos hídricos através para o destino das embalagens de agrotóxicos utilizados nas produções
da lixiviação e escoamento superficial das áreas agrícolas a montante. agrícolas regionais, a maioria é devolvida à empresa que os comercializou
A Tabela 4 mostra as frequências e porcentagens relativas à utili- em todos os municípios pesquisados. Em Silveira Martins, 22,2% dos pro-
zação de fertilizantes no cultivo agrícola nas unidades de produção, dutores utilizam técnicas como a incineração e o enterro de embalagens
sendo ele de origem química ou orgânica. como prática usual de descarte. Entretanto, tal ação pode contaminar o
Observa-se que a grande maioria dos produtores utiliza fertilizantes solo, a água e mesmo a atmosfera, através da emissão de poluentes oriun-
em seus cultivos, tanto na forma química quanto na forma orgânica, dos da incineração de embalagens dos agrotóxicos. Segundo Fernandez
sendo aplicada, muitas vezes, em altas doses e podendo ser uma fonte Neto e Sarcinelli (2009), as principais fontes de contaminação química dos
de contaminação dos cursos d’água a jusante. Portanto, a utilização de recursos naturais são provenientes das atividades industriais e agrícolas.
fertilizantes sem critérios técnicos definidos pode se tornar um fator O fato de existir uma legislação que controla essa prática serve para
de degradação ambiental, pois os resíduos aplicados diretamente no incentivar e de certa forma responsabilizar quem produz e revende esses pro-
solo, no caso de uma enxurrada acarreta um escoamento superficial, dutos, bem como contribuir para conscientização ambiental dos produtores.
serão carreados para cotas mais baixas. As culturas anuais, como soja,
milho e fumo nestas áreas, necessitam de um aporte nutricional via Existência de proteção dos corpos hídricos
fertilização para que se alcancem altas produtividades. nas unidades de produção agrícola
Segundo Fernandez e Garcia (2001), a percepção dos agricultores, Outra questão ambiental abordada no questionário foi a questão hídrica,
os recursos locais, a disponibilidade de recursos financeiros e os obje- pois todas as propriedades utilizam esse recurso para o abastecimento
tivos estabelecidos são os condicionantes que determinarão o padrão de suas casas, nas agroindústrias e alguns em sua produção agrícola
tecnológico adequado, visto que a depleção dos agroecossistemas pode através da técnica da irrigação.
advir da utilização de técnicas impróprias para as áreas. Uma das questões levantadas foi a da proteção dos cursos d’água
Tais culturas, com exceção do fumo, não remuneram adequadamente existentes na propriedade e se era prática usual utilizar proteções de nas-
os produtores por se tratar de commodities que têm sua cotação atrelada centes, riachos, córregos e rios. A região é rica em nascentes, e é ponto
ao câmbio, onde ocorrem constantes flutuações e variações nos preços de de recarga de aquíferos e rios, tendo uma importância ambiental muito
mercado. Isso leva o produtor a não receber uma remuneração digna sobre grande. A preservação de suas características qualitativas sejam elas
o seu produto, pois não produz em grande escala que possibilite a ele uma químicas, físicas ou biológicas passa impreterivelmente pela proteção
capacidade maior de investimento e de suprir suas necessidades básicas. das fontes desse recurso, procurando manter seus atributos qualitati-
Uma alternativa para essas áreas seria a utilização de culturas pere- vos inalterados. Todo e qualquer manejo dado à bacia de entorno terá
nes com maior valor comercial onde não haveria o revolvimento do
solo. Nessa opção será relevante, uma cultura na qual fosse possível
Tabela 5 – Destinos dados às embalagens de agrotóxicos nas unidades
de produção.
Frequências
Tabela 4 – Frequência de utilização de fertilizantes na produção agrícola. Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma
Frequências Absoluta % Absoluta % Absoluta %
Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma Incinerado 2 11,1 1 2,9 – –
Absoluta % Absoluta % Absoluta % Galpão 2 11,1 2 5,9 – –
Pouco 1 4,3 2 5,7 – – Céu aberto – – 0 0 – –
Sim 21 91,3 31 88,6 8 100,0 Enterrado 1 5,6 0 0 – –
Não 1 4,3 2 5,7 – – Devolvido à empresa 13 72,2 31 81,0 8 100,0
Total 23 100,0 35 100,0 13 100,0 Total 18 100,0 34 100,0 13 100,0

98 Eng Sanit Ambient | Edição Especial | 2014 | 95-100


Produção e manejo agrícola

reflexos nos cursos de água principalmente em seus aspectos qualita- estariam dispostos a se engajar em um programa dessa natureza se por-
tivos (ZAMBERLAN, 2007). Como indicadores da fragilidade natural ventura fosse implementado, 17,4% talvez se interessassem e 13% não par-
da região, podem-se destacar suas características de relevo acidentado ticipariam. Em Ivorá, 80% estariam dispostos, 5,7% não se interessariam
com altos níveis de declividade e solos pouco intemperizados, a exem- e 14,3% estariam pouco interessados. Na região de Nova Palma, 62,5%
plo do estudo de vulnerabilidade realizado por Santos e Pereira (2011), demonstraram interesse, 25% não e 12,5% mostraram-se pouco interessados.
na região de Campos dos Goytacazes, onde a suscetibilidade ambiental Há, por parte dos produtores da quarta colônia de imigração ita-
quanto às águas subterrâneas e superficiais aumenta quando os solos liana, um evidente interesse em participar de projetos cujo objetivo seja
são formados por sedimentos inconsolidados e com maior permeabi- criar desenvolvimento em sua forma mais plena para a região. Visto que,
lidade. A Tabela 6 mostra as porcentagens dos produtores regionais atualmente, por falta de oportunidades, a alternativa dos mais jovens é
que utilizam e protegem os recursos hídricos. deixar as propriedades rurais e migrar para as cidades em busca de estudo
Constatou-se que a maioria dos produtores mantêm protegidas as fontes e principalmente de oportunidades de trabalho, não mais retornando.
de água existentes na propriedade, mantendo a vegetação ciliar de entorno,
os locais isolados dos animais, evitando que se degrade e haja contamina-
ção da água, que inclusive, muitas vezes é utilizada para o abastecimento CONSIDERAÇÕES FINAIS
das residências e outros múltiplos usos. Zamberlan (2007), estudando a Segundo Rucheinsky (2004), atualmente existe um impasse, pois, é pre-
qualidade das águas de reservatórios superficiais, constatou que os pio- ciso gerar emprego e renda e, para isso, necessita-se de mais consumo,
res níveis, no que diz respeito aos parâmetros químicos e físicos da água, que gera mais produção, que gera uma utilização maior dos recursos
encontravam-se nos reservatórios onde a produção agrícola e pecuária era naturais, que gera mais renda do trabalho e novamente se amplia o
mais intensiva e onde a cobertura vegetal de entorno era insuficiente. Isso consumo. A introdução da gestão ambiental nessas áreas é imperativa
vem a corroborar com a tese de que as áreas de entorno dos mananciais para a manutenção do meio ambiente aliada a técnicas modernas de
têm de ter sua vegetação preservada ou possuir um manejo racional e ali- produção que sejam adaptadas ao tipo de solo, topografia e que pro-
cerçado em técnica que minimize os impactos ambientais. cure respeitar e otimizar a cultura da sociedade regional.
A agricultura é a mola mestra propulsora do crescimento econô-
Grau de interesse em participar de projetos mico, desde que se tenham níveis elevados na alocação de recursos
ou programas de desenvolvimento (MOURA et al., 1999). A sustentabilidade ambiental local exige que se
socioeconômico regional sustentável conheçam as diversas unidades naturais a serem manejadas e se adapte
A Tabela 7 demonstra o interesse do produtor em participar de programas a produção às leis ecológicas que mantém as capacidades dos ecossis-
de desenvolvimento econômico regional baseado nos princípios de sus- temas (FERNANDEZ & GARCIA, 2001).
tentabilidade. Observou-se que, no município de Silveira Martins, 69,6% Outro problema reside em áreas de encostas com declives muito
acentuados, de acordo ao código florestal, que são ambientes de pre-
Tabela 6 – Frequência da utilização de proteções dos corpos hídricos servação e, no caso, a expansão da agricultura estaria inviabilizada
nas unidades de produção da Quarta Colônia. legalmente, restando ao produtor manter a área atual e trabalhar com
Frequências foco na verticalização produtiva das culturas.
Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma
O grande desafio, segundo Rodrigues et al. (2006), está no acesso
Absoluta % Absoluta % Absoluta %
Pouco 1 4,3 3 9,1 1 12,5 à tecnologia de produção e de agregação de valor aos produtos agrí-
Sim 15 65,2 24 72,7 6 75,0 colas. Segundo (FERNANDEZ & GARCIA, 2001), a estabilidade dos
Não 7 30,4 6 18,2 1 12,5 agroecossistemas pode ser obtida quando se faz opção por tecnologias
Total 23 100,0 33 100,0 8 100,0 que melhor se adaptam às necessidades e recursos dos agricultores.
O gerenciamento ambiental apresenta-se como um negócio vantajoso
Tabela 7 – Proporção de produtores em relação ao interesse em e um instrumento de competitividade (VERDOLIN & ALVES, 2005).
participar de projetos de desenvolvimento regionais sustentáveis. Se adotados cuidados ambientais na produção, esse pode ser um dife-
Frequências rencial importante na comercialização dos produtos da região e a
Alternativas Silveira Martins Ivorá Nova Palma
garantia de sustentabilidade.
Absoluta % Absoluta % Absoluta %
Pouco 4 17,4 5 14,3 1 12,5 Portanto, é importante buscar alternativas para a viabilização da produ-
Sim 16 69,6 28 80,0 5 62,5 ção agrícola dessas áreas, com base em pesquisa e utilização de tecnologias
Não 3 13,0 2 5,7 2 25,0 próprias para a região, que visem à verticalização da produtividade e cultivo
Total 23 100,0 35 100,0 8 100,0 de espécies de maior valor agregado ou que explorem o potencial cultural

Eng Sanit Ambient | Edição Especial | 2014 | 95-100 99


Zamberlan, J.F. et al.

da região da Quarta Colônia de Imigração Italiana, relacionando-se com encostas, principalmente pela cultura do fumo. A proteção dos recursos
outros setores da economia, como a indústria e o comércio. hídricos, como mata ciliar e até mesmo proteções artificiais, é adotada
por grande parte dos produtores. A maioria utiliza fertilização seja quí-
mica ou orgânica em seus cultivos.
CONCLUSÕES As embalagens de agrotóxicos utilizadas nas unidades de produção
As principais atividades exercidas pelos produtores da região da Quarta agrícola nos municípios da Quarta Colônia são, em sua maior parte,
Colônia de Imigração Italiana, no Rio Grande do Sul, são produção devolvidas nas empresas que os comercializaram. O armazenamento
e comércio. em galpões aparece como o segundo destino mais usado, seguido da
Os produtores da região estão bem informados com relação a novas prática da incineração, e uma pequena porcentagem ainda enterra as
técnicas de cultivo e de conservação do meio ambiente. embalagens vazias.
Devido à própria topografia regional, a maior parte dos cultivos Foi constatado, também, que os produtores regionais possuem
está localizada em áreas de encosta, aumentando o potencial de risco interesse em participar de programas que visem ao desenvolvimento
de depleção dos recursos naturais. Nos municípios pesquisados, a cons- agrícola sustentável da Quarta Colônia. Para tanto, faz-se necessário
cientização por parte dos produtores se fez presente em mais de 50% do desenvolver técnicas e equipamentos voltados à produção nessas áreas,
total pesquisado, onde foi constatado que a maioria deles utiliza alguma fomentando, por exemplo, o plantio de culturas perenes de alto valor
prática conservacionista apesar de serem cultivadas intensivamente as agregado, aproveitando a cultura e as potencialidades locais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. (1973) Ministério da Agricultura. Departamento Nacional de Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, v. 3, n. 4,
Pesquisa Agropecuária. Levantamento de reconhecimento de solos do p. 33-38.
Estado do Rio Grande do Sul. Recife. (Boletim técnico, n. 30).
MORENO, J.A. (1961) Clima do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
CARVALHO, I.C.M. (2001) Qual educação ambiental? Elementos para um Secretaria da Agricultura e Abastecimento, Diretoria de Terras e
debate sobre educação ambiental e extensão rural. Revista Agroecologia Colonização, Secção de Geografia.
e Desenvolvimento Rural Sustentável, v. 2, n. 2, p. 43-51.
MOURA, J.G.; CÂMARA, S.F.; LIMA, R.C. (1999) Expansão agrícola e
FERNANDEZ NETO, M.L. & SARCINELLI, P.N. (2009) Agrotóxicos em crescimento econômico: uma avaliação com dados transversais. Revista
água para consumo humano: uma abordagem para avaliação de risco Organizações Rurais e Agroindustriais. UFLA, v. 1, n. 2, p. 31-42.
e contribuição ao processo de atualização da legislação brasileira.
Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 1, p. 69-78. NEUMANN, P.S. & LOCH, C. (2002) Legislação ambiental,
desenvolvimento rural e práticas agrícolas. Revista Ciência Rural.
FERNANDEZ, X.S. & GARCIA, D.D. (2001) Desenvolvimento rural UFSM, v. 32. n. 2, p. 243-249.
sustentável: uma perspectiva agroecológica. Revista Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, v. 2, n. 2, p. 17-26. RODRIGUES, G.S.; CAMPANHOLA, C.; RODRIGUES, I.; FRIGHETTO,
R.T.S.; VALARINI, P.; RAMOS FILHO, L.O. (2006) Gestão ambiental
GONÇALVES, C.S.; RHEINHEIMER, D.S.; PELLEGRINI, J.B.R.; KIST, S.L. de atividades rurais: estudo de caso em agroturismo e agricultura
(2005) Qualidade da água numa microbacia hidrográfica de cabeceira orgânica. Revista agricultura São Paulo, v. 53, n. 1, p. 17-31.
situada em região produtora de fumo. Revista Brasileira de Engenharia
Agrícola e Ambiental, v. 9, n. 3, p. 391-399. RUCHEINSKY, A. Sustentabilidade: uma paixão em movimento. Porto
Alegre: Editora Sulina.
ITAQUI, J. (2002) Quarta Colônia: inventários técnicos. Condesus
Quarta Colônia. Santa Maria. SANTOS, M.G. & PEREIRA, S.Y. (2011) Método AVI (Aquifer Vulnerability
Index) para a classificação da vulnerabilidade das águas subterrâneas
LAGO, A. & PÁDUA, J.A. (1984) O que é ecologia. São Paulo: Editora Brasiliense. na região de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. Revista
Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 16, n. 3, p. 281-290.
LEFF, E. (2002) Agroecologia e saber ambiental. Revista Agroecologia
e Desenvolvimento Rural Sustentável, v. 3, n. 1, p. 36-51. VERDOLIN, D.R. & ALVES, A.F. (2005) Responsabilidade social:
perspectivas para o agronegócio. Revista Organizações Rurais
MARCUZZO, S.; PAGEL, S.M.; CHIAPPETTI, M.I.S. (1998) A reserva de biosfera Agroindustriais, v. 7, n. 1, p. 103-113.
da Mata Atlântica do Rio Grande do Sul. Caderno n. 11. CETESB. São Paulo.
ZAMBERLAN, J.F. (2007) Caracterização de águas de reservatórios
MERTEN, G.H. & MINELLA, J.P. (2004) Qualidade da água em bacias superficiais para uso em microirrigação. Dissertação (Pós-graduação em
hidrográficas rurais: um desafio atual para a sobrevivência futura. engenharia agrícola – Universidade Federal de Santa Maria). Santa Maria.

100 Eng Sanit Ambient | Edição Especial | 2014 | 95-100

Você também pode gostar