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ACÓRDÃO DE 27. 2.

2003 — PROCESSO C-373/00

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)


27 de Fevereiro de 2003 *

No processo C-373/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 234.° CE, pelo Vergabekontrollsenat des Landes Wien (Áustria), destinado
a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Adolf Truley GmbH

Bestattung Wien GmbH,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 1.°, alínea b), da
Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à
coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de forneci-
mento (JO L 199, p. 1),

* Língua do processo: alemão.

I - 1968
ADOLF TRULEY

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: M. Wathelet, presidente de secção, C. W. A. Timmermans


(rektor), P. Jann, S. von Bahr e A. Rosas, juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

— em representação da Adolf Truley GmbH, por S. Heid, Rechtsanwalt,

— em representação da Bestattung Wien GmbH, por P. Madi, Rechtsanwalt,


— em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de
agente,

— em representação do Governo francês, por G. de Bergues, A. Bréville-Viéville


e S. Pailler, na qualidade de agentes,

— em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Nolin,


na qualidade de agente, assistido por R. Roniger, Rechtsanwalt,
I -1969
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

— em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por E. Wright, na


qualidade de agente,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 21 de


Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

1 Por despacho de 14 de Setembro de 2000, entrado na Secretaria do Tribunal de


Justiça em 11 de Outubro seguinte, o Vergabekontrollsenat des Landes Wien
(comissão de controlo das adjudicações do Land de Viena) submeteu, nos termos
do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 1.°,
alínea b), da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa
à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de
fornecimento (JO L 199, p. 1).

2 As questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre a Adolf Truley GmbH


(a seguir «Truley»), com sede em Drosendorf an der Thaya (Áustria), e a
Bestattung Wien GmbH (a seguir «Bestattung Wien»), com sede em Viena
(Áustria), a respeito da decisão adoptada pela segunda de não seleccionar a
proposta apresentada pela primeira no âmbito de um concurso para fornecimento
de guarnições para urnas funerárias.
I - 1970
ADOLF TRULEY

Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

3 O artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36 dispõe:

«Para efeitos da presente directiva:

[...]

b) São consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais e


regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por
uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos
de direito público.

Entende-se por organismo de direito público qualquer organismo:

— criado para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse


geral, sem caracter industrial ou comercial,
I -1971
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

— dotado de personalidade jurídica

— cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas


autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito
público, cuja gestão esteja sujeita a um controlo por parte destes últimos
ou cujos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam
compostos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado,
pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito
público.

As listas dos organismos e das categorias de organismos de direito público


que preenchem os critérios referidos no segundo parágrafo do presente
número constam do anexo I da Directiva 93/37/CEE. Essas listas são tão
completas quanto possível e poderão ser revistas nos termos do processo
previsto no artigo 35.° da citada directiva.»

Legislação nacional

Regras relativas à adjudicação de contratos públicos

4 No direito austríaco, a regulamentação dos contratos públicos é, em parte, da


competência federal e, em parte, da competência das entidades federadas (os
I - 1972
ADOLF TRULEY

Länder). No Land de Viena, esta matéria rege-se pela Wiener Landesvergabe-


gesetz (Lei do Land de Viena sobre a adjudicação de contratos públicos,
LGBl. 1995/36, na versão publicada no LGBl. 1999/30, a seguir «WLVergG»).

5 Nos termos do § 12, n.° 1, da WLVergG:

«A presente lei aplica-se aos contratos adjudicados por entidades adjudicantes


públicas, as quais, na acepção desta lei, são:

1. Viena, como Land ou como autarquia, assim como

2. Organismos instituídos com base no direito do Land, na medida em que


tenham sido criados com o objectivo de satisfazer necessidades de interesse
geral, sem carácter comercial, quando tenham, pelo menos, uma capacidade
jurídica restrita e

a) sejam administrados principalmente por órgãos da cidade de Viena ou de


outra instituição, na acepção dos pontos 1 a 4, ou por pessoas designadas
para este fim pelos órgãos das instituições mencionadas, ou

b) estejam submetidos, na sua gestão, à tutela da cidade de Viena ou de


outras instituições, na acepção dos pontos 1 a 4, ou
I -1973
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

c) sejam financiados essencialmente pela cidade de Viena ou por outras


instituições, na acepção dos pontos 1 a 4.

3. [...]

4. [...]»

Lei Fundamental da cidade de Viena

6 Nos termos do § 71 da Wiener Stadtverfassung (Lei Fundamental da cidade de


Viena, LGBl. 1968/28, na versão publicada no LGBl.1999/17, a seguir «WStV»):

«1) As empresas, na acepção da presente lei, são estabelecimentos económicos


aos quais o conselho municipal reconhece a qualidade de empresa. O conselho
municipal pode também decidir que uma empresa seja composta por vários
estabelecimentos.

2) As empresas não têm personalidade jurídica. A administração do respectivo


património é distinta da do restante património da autarquia. As empresas são
geridas segundo os princípios da economia. Se uma empresa estiver inscrita no
Registo das Sociedades, a sua denominação deve indicar claramente a respectiva
qualidade de empresa da cidade de Viena.
I - 1974
ADOLF TRULEY

3) O conselho municipal adopta o estatuto das empresas em questão atendendo


designadamente ao disposto no § 67, n.° 2. A organização interna e a repartição
de funções (§ 91) apenas se aplicam às empresas na medida em que nesta
disposição lhes seja feita uma referência expressa. Tendo em conta considerações
de racionalidade, de procura de economias e de rentabilidade, bem como o grau
de autonomia acrescido das empresas em relação aos restantes componentes do
Magistrat [der Stadt Wien (Administração municipal da cidade de Viena)], o
estatuto define detalhadamente os órgãos, as respectivas competências, a sua
organização e administração, a sua gestão à luz dos princípios da economia, da
contabilidade e da prestação de contas. As competências dos órgãos autárquicos
em matéria de pessoal são igualmente válidas em relação às empresas. Para a
determinação das diversas competências, estão reservados:

1. ao conselho municipal:

a) o reconhecimento e a revogação da qualidade de empresa;

b) a subdivisão de uma empresa em estabelecimentos;

c) a determinação dos objectivos essenciais da empresa, orientações,


projectos e programas de administração.

[...]

[...]»
I -1975
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

7 O § 73 da WStV, relativo às funções do Kontrollamt der Stadt Wien (serviço de


controlo da cidade de Viena, a seguir «Kontrollamt»), que, em termos estruturais,
faz parte do Magistrat der Stadt Wien, refere, por outro lado, o seguinte:

«1. O Kontrollamt é responsável pelo controlo de toda a gestão da autarquia e


dos fundos e instituições dotados de personalidade jurídica administrados
por órgãos da autarquia, sob os aspectos da exactidão dos números, da
regularidade, da procura de economias, da rentabilidade e da oportunidade
(controlo de gestão) [...].

2. O Kontrollamt é também responsável pelo controlo da gestão de empresas


comerciais, nas quais a autarquia detenha uma participação maioritária. Se
uma empresa comercial deste tipo detiver uma participação maioritária
noutra empresa, o controlo também se estende a esta última. Ás prerrogativas
de controlo do Kontrollamt devem ser garantidas por medidas adequadas.

3. O Kontrollamt pode ainda controlar a gestão de organismos (empresas


comerciais, associações, etc), nos quais a autarquia detenha uma participa-
ção diferente da mencionada no n.° 2, ou nos quais a autarquia esteja
representada, na medida em que se tenha reservado um direito de controlo.
Esta disposição também é válida para organismos que recebam subvenções
provenientes de fundos autárquicos ou em relação aos quais a autarquia
assuma a responsabilidade.

[...]
I - 1976
ADOLF TRULEY

6. O Kontrollamt efectua, mediante decisão do conselho municipal ou do


comité de controlo, a pedido do Bürgermeister ou de um vereador no quadro
das suas atribuições, missões especiais de controlo de gestão e de segurança e
comunica o resultado ao órgão que o solicitou.

[...]»

Regras relativas à prestação de serviços mortuários e funerários

8 A actividade de empresário de serviços funerários está regulamentada, a nível


federal, nos §§ 130 a 134 do Gewerbeordnung 1994 (regulamento austríaco das
profissões artesanais, comerciais e industriais, BGBl. 1994/194, na versão
publicada no BGBl. I, 1997/63, a seguir «GewO»). Resulta destas disposições
que, no direito austríaco, a actividade de empresário de serviços funerários não
está reservada a pessoas jurídicas determinadas, como o Estado, os Länder ou as
autarquias, mas o respectivo exercício está subordinado, em contrapartida, à
emissão de uma autorização prévia, que depende da existência de uma
necessidade actual ou futura. A este respeito, o § 131, n.° 2, do GewO convida
a autoridade responsável pela emissão dessa autorização a comprovar muito
particularmente se a autarquia adoptou disposições suficientes com vista às
inumações ou incinerações.

9 Segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a condição


relativa à existência de uma necessidade só tem, porém, significado com vista à
obtenção da autorização de exercício da actividade de empresário de serviços
funerários. Se, seguidamente, a necessidade vier a desaparecer, a Administração
não pode revogar a autorização anteriormente concedida.
I -1977
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

10 Embora o GewO não contenha, por outro lado, qualquer outra disposição que
limite a uma determinada zona geográfica o exercício da actividade autorizada, o
Landeshauptmann (governador do Land) tem, contudo, competência, nos termos
do § 132, n.° 1, do GewO, para fixar as tarifas máximas dos serviços funerários,
quer para a totalidade do Land quer por circunscrição administrativa ou por
autarquia.

1 1 No Land de Viena, o exercício das actividades de serviços mortuários e funerários


rege-se, mais precisamente, pela Wiener Leichen- und Bestattungsgesetz (Lei do
Land de Viena relativa às actividades de serviços mortuários e funerários,
LGBl. 1970/31, na versão publicada no LGBl. 1988/25, a seguir «WLBG»). Nos
termos do § 10, n.° 1, desta lei:

«Se, decorridos cinco dias sobre a emissão da certidão de óbito, não tiver sido
realizado o funeral, o Magistrat [der Stadt Wien] procederá à inumação ou à
incineração num cemitério da cidade de Viena. Esta última apenas suportará os
respectivos custos se e na medida em que os mesmos não devam ser suportados
por terceiros ou cobertos pela herança.»

O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

1 2 Conforme resulta do despacho de reenvio, o quadro que regula o exercício das


actividades de serviços mortuários e funerários em Viena sofreu importantes
alterações no decurso dos últimos anos.
I - 1978
ADOLF TRULEY

13 Até 1999, estas actividades eram exercidas pela Wiener Bestattung (serviços
funerários de Viena), um estabelecimento dos Wiener Stadtwerke (serviços
municipais de Viena), os quais constituíam uma empresa da cidade de Viena, na
acepção do § 71 do WStV. Nesta qualidade, a Wiener Bestattung — tal como os
Wiener Stadtwerke — carecia de personalidade jurídica própria e fazia parte do
Magistrat der Stadt Wien. No quadro das suas actividades, a Wiener Bestattung
organizou, por várias vezes, processos de concurso nos quais a Truley, uma
empresa concessionária de serviços funerários, participou, ao que parece, com
êxito.

14 Em 17 de Dezembro de 1998, o conselho municipal da cidade de Viena decidiu


dissociar os Wiener Stadtwerke da Administração municipal e constituir uma
nova sociedade dotada de personalidade jurídica própria, a Wiener Stadtwerke
Holding AG (a seguir «WSH»), cujas acções pertencem 100% à cidade de Viena.
Esta sociedade é composta por seis filiais operacionais, entre as quais figura,
designadamente, a Bestattung Wien. Resulta do processo que a Bestattung Wien,
cujo capital é na íntegra detido pela WSH, é dotada de personalidade jurídica. A
data do início das suas actividades foi fixada, por despacho do Magistrat der
Stadt Wien, em 12 de Junho de 1999.

15 Pouco após a sua criação, a Bestattung Wien deu início a um processo, que levou
à publicação do anúncio de um concurso no Amtlicher Lieferanzeiger (boletim
oficial de concursos públicos de fornecimento) e no Amstblatt der Stadt Wien
(jornal oficial da cidade de Viena), para fornecimento de guarnições para urnas.
A Truley apresentou uma proposta no âmbito deste concurso, mas, por carta de
6 de Junho de 2000, foi informada de que o contrato não lhe fora atribuído pelo
facto de ser demasiado elevado o preço que pedia.

16 Considerando, por sua parte, que a proposta que tinha apresentado era a única
que correspondia às especificações contidas no anúncio de concurso, a Truley
intentou no Vergabekontrollsenat des Landes Wien um procedimento de
fiscalização da adjudicação.
I -1979
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

17 No âmbito deste procedimento, a Bestattung Wien afirmou que já não estava


sujeita ao regime da Directiva 93/36 e da WLVergG, uma vez que era dotada de
personalidade jurídica própria e totalmente independente do Magistrat der Stadt
Wien, enquanto a Truley afirmou que a referida directiva e a WLVergG eram
inteiramente aplicáveis, em função dos laços estreitos que continuavam a unir a
referida sociedade à cidade de Viena. Salientou, designadamente, a este respeito,
que a totalidade do capital da Bestattung Wien pertencia à WSH, ela própria
pertencendo 100% à cidade de Viena.

18 Considerando, nestas condições, que a solução do litígio que lhe foi submetido
depende da interpretação do conceito de «entidade adjudicante» que figura no
artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36, designadamente à luz dos acórdãos de
15 de Janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (C-44/96, Colect.,
p. I-73), e de 10 de Novembro de 1998, BFI Holding (C-360/96, Colect.,
p. I-6821), o Vergabekontrollsenat des Landes Wien decidiu suspender a
instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) A noção de 'necessidades de interesse geral', que figura no artigo 1.°, alínea
b), da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à
coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de
fornecimento, deve ser entendida

a) no sentido de que se trata da definição que resulta do ordenamento


jurídico do Estado-Membro?

b) no sentido de que a subsidiariedade da obrigação imposta por lei a uma


autarquia local é suficiente para se considerar que existe uma necessidade
de interesse geral?
I - 1980
ADOLF TRULEY

2) Ao determinar o que deve entender-se por 'necessidades sem caracter


industrial ou comercial', na acepção da Directiva 93/36/CEE, a) é determi-
nante a existência de uma concorrência desenvolvida, ou b) isso depende dos
elementos de facto ou de direito da situação concreta?

3) A condição referida na alínea b) do artigo 1.° da Directiva 93/36/CEE,


segundo a qual a gestão do organismo de direito público deve estar sujeita a
um controlo por parte do Estado ou de uma autarquia local, considera-se
igualmente preenchida através da existência de um simples controlo a
posteriori, como o que deve ser efectuado pelo Kontrollamt da cidade de
Viena?»

Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

19 Remetendo para os acórdãos de 28 de Novembro de 1991, Durighello (C-186/90,


Colect., p. I-5773), e de 16 de Janeiro de 1997, USSL n.° 47 di Biella (C-134/95,
Colect., p. I-195), nos quais o Tribunal de Justiça decidiu, designadamente, que
não deve ser apreciado um pedido apresentado por um órgão jurisdicional
nacional quando é manifesto que a interpretação do direito comunitário
requerida pelo referido órgão jurisdicional não tem qualquer relação com a
realidade ou o objecto do litígio no processo principal, a Bestattung Wien afirma
que a questão de saber se a mesma tem ou não a qualidade de entidade
adjudicante não tem qualquer relevância para o processo principal.

20 Em seu entender, efectivamente, resulta dos próprios termos do § 99 da


WLVergG que o Vergabekontrollsenat des Landes Wien apenas tem competên-
cia, após a adjudicação do contrato, para reconhecer que o contrato não foi
adjudicado ao proponente que apresentou a melhor proposta, devido a violação
de regras da referida lei, e que apenas tem competência para a instrução de um
processo de recurso na medida em que a decisão cuja ilegalidade é invocada tenha
sido essencial para o desfecho do processo de adjudicação do contrato. Ora, no

I-1981
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

processo principal, a proposta da Truley foi classificada em penúltimo lugar no


que respeita aos preços solicitados para as guarnições para urnas, pelo que a
Truley não tem qualquer interesse legal em obter o que requer, uma vez que, em
qualquer caso, não era a melhor proponente na acepção do § 99, n.° 1, da
WLVergG e que, consequentemente, o contrato nunca lhe poderia ter sido
adjudicado;

21 A este respeito, basta recordar que resulta de jurisprudência assente do Tribunal


de Justiça, e designadamente do acórdão Durighello, já referido, invocado pela
Bestattung Wien, que compete apenas aos órgãos jurisdicionais nacionais a quem
o litígio é submetido, e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial
a proferir, apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de
uma decisão prejudicial para estarem em condições de proferir a sua decisão
como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal (v. acórdão Durighello,
já referido, n.° 8). Consequentemente, uma vez que as questões submetidas se
referem à interpretação do direito comunitário, o Tribunal é, em princípio,
obrigado a decidir.

22 Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem decidido, de modo constante, que a
recusa de decisão quanto a uma questão prejudicial submetida por um órgão
jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do
direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com
o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou
ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito
necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (v.,
designadamente, acórdãos de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C-379/98,
Colect., p. I-2099, n.° 39, e de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital,
C-390/99, Colect., p. I-607, n.° 19).

23 No presente processo, não se afigura manifesto que as questões submetidas pelo


órgão jurisdicional de reenvio correspondam a qualquer destas situações.
I - 1982
ADOLF TRULEY

24 Por urn lado, efectivamente, não se pode afirmar que a interpretação do direito
comunitario requerida não tem qualquer relação com a realidade ou com o
objecto do litígio no processo principal ou é de natureza hipotética, uma vez que
a apreciação da legalidade da decisão de adjudicação do contrato em causa no
processo principal depende designadamente da questão de saber se a demandada
no processo principal pode ser considerada entidade adjudicante na acepção do
artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36.

25 Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio remeteu devidamente ao


Tribunal de Justiça todos os elementos necessários para que este possa dar uma
resposta útil às questões colocadas.

26 Daqui resulta que é admissível o pedido de decisão prejudicial.

Quanto à primeira questão

27 Com a primeira questão, que se divide em duas partes, o órgão jurisdicional de


reenvio pretende, no essencial, averiguar qual o alcance do conceito de
«necessidades de interesse geral», constante do artigo 1.°, alínea b), segundo
parágrafo, da Directiva 93/36.

Quanto à primeira parte da primeira questão

28 Na primeira parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura


apurar se o conceito de «necessidades de interesse geral» é definido pelo direito
comunitário ou pela ordem jurídica de cada Estado-Membro.
I -1983
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

29 Para a Truley e para o Governo austríaco, a noção de «necessidades de interesse


geral» é uma noção de direito comunitário que deve ser apreciada autonoma-
mente, sem referência à ordem jurídica dos Estados-Membros. Para este efeito,
invocam, por um lado, o objectivo das directivas comunitárias relativas à
coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos, que consiste em
abrir à concorrência mercados nacionais até então fechados e em informar os
interessados estabelecidos na Comunidade sobre os organismos que devem ser
considerados entidades adjudicantes. Por outro lado, remetem para o acórdão
BFI Holding, já referido, no qual o Tribunal de Justiça declarou que a noção de
«necessidades de interesse geral» deve ser apreciada de modo objectivo, sem ter
em conta a forma jurídica das disposições em que estas necessidades estão
expressas.

30 Nesta óptica, a Truley afirma que seria inaceitável, no plano da segurança


jurídica, que a mesma actividade pudesse ou não ser considerada de interesse
geral consoante o Estado-Membro no qual é exercida, enquanto o Governo
austríaco, por sua parte, salienta que resulta da jurisprudência do Tribunal de
Justiça, designadamente, dos acórdãos de 18 de Janeiro de 1984, Ekro (327/82,
Recueil, p. 107), e de 27 de Novembro de 1991, Meico-Fell (C-273/90, Colect.,
p. I-5569), que os termos de direito comunitàrio devem ser interpretados por
referencia aos conceitos nacionais apenas nos casos — excepcionais — em que
se remete expressa ou implicitamente para definições contidas nos ordenamentos
jurídicos nos Estados-Membros, o que não sucede no presente caso.

31 Embora partilhem da opinião da Truley e do Governo austríaco, de que a noção


de «necessidades de interesse geral» constitui uma noção de direito comunitário,
I - 1984
ADOLF TRULEY

a Bestattung Wien, bem como o Governo francês e o Órgão de Fiscalização da


EFTA consideram, contudo, que a sua aplicação aos casos concretos compete
mais aos Estados-Membros, em função das tarefas que estes entendam assumir. A
este respeito, remetem, designadamente, para a finalidade das directivas
comunitárias relevantes, que é coordenar — mas não unificar — as regras
nacionais relativas à adjudicação de contratos públicos, bem como para o anexo I
da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à
coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO
L 199, p. 54), que contém a lista dos organismos que preenchem os critérios
constantes do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36. No entender da Bestattung
Wien, esta lista dos organismos considerados entidades adjudicantes pelos
Estados-Membros seria totalmente inútil se a noção de interesse geral fosse
concebida como uma noção puramente de direito comunitário. Competirá, por
isso, a cada Estado-Membro, ao fixar os seus objectivos da política relativa às
sociedades, especificar em que consiste em definitivo o interesse geral, havendo
que examinar, em cada caso concreto, a situação jurídica e factual do organismo
em causa, a fim de apreciar a existência ou não de necessidades de interesse geral.

32 Para a Comissão, por último, há que definir a noção de «necessidades de interesse


geral», partindo apenas do direito nacional. A este respeito, invoca, por um lado,
o acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o., já referido, no qual o Tribunal
de Justiça se baseou nas disposições nacionais relevantes para concluir que a
imprensa estatal austríaca foi criada para satisfazer necessidades de interesse
geral sem caracter industrial ou comercial, e, por outro, o acórdão BFI Holding,
já referido, no qual o Tribunal de Justiça, baseando-se, designadamente, na lista
contida no anexo I da Directiva 93/37, decidiu que a recolha e o tratamento de
lixos domésticos fazem parte das actividades que um Estado-Membro pode
decidir que devem ser exercidas por autoridades públicas ou em relação às quais
pretende manter uma influência determinante.
I -1985
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

Resposta do Tribunal de Justiça

33 A título liminar, deve salientar-se que a Directiva 93/36 não contém qualquer
definição de «necessidades de interesse geral».

34 O artigo 1.°, alínea b), segundo parágrafo, da referida directiva limita-se a


esclarecer que essas necessidades não devem ter carácter industrial ou comercial,
ao passo que da leitura global da mesma disposição resulta que a satisfação de
necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial é uma
condição necessária, mas não suficiente, para que determinado organismo seja
qualificado como «organismo de direito público» e, consequentemente, como
«entidade adjudicante» na acepção da Directiva 93/36. Efectivamente, para se
enquadrar nesta directiva, este organismo deve igualmente ser dotado de
personalidade jurídica e depender estreitamente, no seu modo de financiamento,
de gestão ou de controlo, do Estado, de autarquias ou de outros organismos de
direito público [v., a respeito da natureza cumulativa das condições enunciadas,
em termos idênticos, no artigo 1.°, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva
92/5O/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos
processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), e no
artigo l.°, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 93/37, os acórdãos
Mannesmann Anlagenbau Austria e o., já referido, n. os 21 e 38, BFI Holding, já
referido, n.° 29, de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, C-237/99, Colect.,
p. I-939, n.° 40, e de 10 de Maio de 2001, Agorà e Excelsior, C-223/99 e
C-260/99, Colect., p. I-3605, n.° 26].

35 Segundo jurisprudencia assente, decorre das exigências tanto da aplicação


uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos
de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão
expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o
seu alcance devem normalmente encontrar, em toda a Comunidade, uma
interpretação autònoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o
I - 1986
ADOLF TRULEY

contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa


(v., designadamente, acórdãos Ekro, já referido, n.° 11, de 19 de Setembro
de 2000, Linster, C-287/98, Colect., p. I-6917, n.° 43, e de 9 de Novembro
de 2000, Yiadom, C-357/98, Colect., p. I-9265, n.° 26).

36 No presente processo, é pacífico que o artigo 1.°, alínea b), segundo parágrafo, da
Directiva 93/36 não contém qualquer remissão expressa para o direito dos
Estados-Membros, pelo que há que dar à redacção acima mencionada uma
interpretação autónoma e uniforme em toda a Comunidade.

37 Esta conclusão não é prejudicada pelo facto de o artigo 1.°, alínea b), terceiro
parágrafo, da Directiva 93/36 conter uma remissão para o anexo I da Directiva
93/37, no qual figura a lista dos organismos e das categorias de organismos de
direito público que, em cada Estado-Membro, satisfazem os critérios enumerados
no segundo parágrafo da mesma alínea b).

38 Efectivamente, há que concluir, por um lado, que o anexo em causa não contém
qualquer definição da noção de «necessidades de interesse geral» que consta,
designadamente, do artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36 e do artigo 1.°, alínea
b), da Directiva 93/37.

39 Por outro lado, embora resulte claramente do teor do artigo 1.°, alínea b), da
Directiva 93/36 que a lista constante do anexo I da Directiva 93/37 pretende ser
tão completa quanto possível e pode, nesta perspectiva, ser revista segundo o
procedimento previsto no artigo 35.° da Directiva 93/37, não é menos verdade
que a mesma de modo algum assume carácter exaustivo (v., designadamente,
acórdãos, já referidos, BFI Holding, n.° 50, e Agorà e Excelsior, n.° 36), dado que
o grau de precisão da lista em causa varia consideravelmente de um Estado-
-Membro para outro.
I -1987
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

40 Daqui decorre que a noção de «necessidades de interesse geral», constante do


artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36, pertence ao âmbito do direito
comunitário e deve ser interpretada tendo em conta o contexto em que o
referido artigo se insere e o objectivo prosseguido pela referida directiva.

41 A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça já por varias vezes
decidiu que a coordenação, a nível comunitário, dos processos de adjudicação
dos contratos públicos visa suprimir os entraves à livre circulação de serviços e de
mercadorias e, assim, proteger os interesses dos operadores económicos
estabelecidos num Estado-Membro, que desejem propor bens ou serviços às
entidades adjudicantes estabelecidas noutro Estado-Membro (v., designada-
mente, acórdãos de 3 de Outubro de 2000, University of Cambridge, C-380/98,
Colect., p. I-8035, n.° 16; Comissão/França, já referido, n.° 41; de 18 de Junho
de 2002, Hl, C-92/00, Colect., p. I-5553, n.° 43; e de 12 de Dezembro de 2002,
Universale Bau e o., C-470/99, Colect., p. I-11617, n.° 51).

42 Por outro lado, resulta também de jurisprudência assente que o objectivo das
directivas comunitárias relativas à coordenação dos processos de adjudicação dos
contratos públicos é excluir simultaneamente o risco de preferência dos
proponentes ou candidatos nacionais em toda e qualquer adjudicação de
contratos públicos por entidades adjudicantes e a possibilidade de um organismo
financiado ou controlado pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros
organismos de direito público se deixar levar por considerações não económicas
(v., designadamente, acórdãos, já referidos, University of Cambridge, n.° 17,
Comissão/França, n.° 42, e Universale-Bau e o., n.° 52).

43 Tendo em conta este duplo objectivo de abertura à concorrência e de


transparência, a noção de organismo de direito público deve ser entendida em
sentido amplo.
I - 1988
ADOLF TRULEY

44 Daqui resulta que, se determinado organismo não figurar na lista contida no


anexo I da Directiva 93/37, há que analisar, em cada caso concreto, a situação
jurídica e factual do organismo em causa, a fim de examinar se o mesmo satisfaz
ou não uma necessidade de interesse geral.

45 Tendo em conta as considerações que antecedem, deve responder-se à primeira


parte da primeira questão que a noção de «necessidades de interesse geral»,
constante do artigo 1.°, alínea b), segundo parágrafo, da Directiva 93/36,
constitui uma noção autónoma de direito comunitário.

Quanto à segunda parte da primeira questão

46 Com a segunda parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio


pretende, no essencial, saber se os serviços mortuários e funerários satisfazem
uma necessidade de interesse geral. A este respeito, pergunta mais em especial se a
circunstância de uma autarquia ter a obrigação legal de tomar a seu cargo o
funeral — e, eventualmente, de assumir as respectivas despesas —, na hipótese
de o mesmo não ser organizado dentro de um certo período de tempo após a
emissão da certidão de óbito, basta, por si só, para que se presuma a existência de
uma necessidade de interesse geral desse tipo.

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

47 Embora, na sequência das observações que apresentaram relativamente à


primeira parte da primeira questão, a Truley e o Governo austríaco considerem

I -1989
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

que uma obrigação como a referida no § 10, n.° 1, da WLBG não tem relevância
para a questão de saber se se está ou não perante uma necessidade de interesse
geral, na medida em que o critério decisivo de apreciação desta noção depende,
em seu entender, do direito comunitário e não do direito nacional, afirmam, em
contrapartida, que não há qualquer dúvida de que os serviços mortuários
satisfazem efectivamente uma necessidade de interesse geral. A este respeito,
baseiam-se, por um lado, no anexo I da Directiva 93/37, o qual, no que respeita à
República Federal da Alemanha, contém uma referência expressa a cemitérios e
serviços de inumação, e, por outro, no acórdão BFI Holding, já referido, no qual
o Tribunal de Justiça declarou, a respeito da recolha e do tratamento de lixos
domésticos, que esta actividade faz parte daquelas que o Estado pode decidir que
devem ser exercidas por autoridades públicas, ou em relação às quais pretende
manter uma influência determinante. No entender da Truley, os serviços
mortuários e funerários fazem igualmente parte do «núcleo duro» das prestações
de base que o Estado realiza no interesse comum.

48 Este ponto de vista é parcialmente contestado pela demandada no processo


principal. Embora, tal como a Truley e o Governo austríaco, a Bestattung Wien
considere que o § 10, in.° 1, da WLBG é irrelevante para apreciar a eventual
existência de uma necessidade de interesse geral, alega, contudo, que esta noção
apenas abrange, no caso concreto, as prestações de serviços mortuários no
sentido estrito do termo, ou seja, em seu entender, a inumação e a exumação de
cadáveres, a incineração e a gestão dos cemitérios e columbarios. Serviços como a
emissão de certidões de óbito, a publicação de anúncios de necrologia e a
impressão de participações, a exposição dos defuntos sobre o catafalco, os
serviços que consistem em lavar, vestir e preparar o defunto, em transportar o
mesmo para a sua última morada ou o serviço de manutenção dos túmulos —
todos estes serviços qualificados pela demandada no processo principal como
serviços mortuários «no sentido amplo do termo» — não figuram, porém, entre
os serviços relativamente aos quais o Estado pretende manter um direito de
supervisão e não se enquadram, consequentemente, na noção de «necessidades de
interesse geral». A Bestattung Wien realça, designadamente, a este respeito, que a
actividade de empresário de serviços funerários não está, na Áustria, sujeita a
qualquer supervisão especial, a não ser à faculdade reconhecida aos governadores
dos Länder de fixar tarifas máximas para determinadas prestações de serviços.

I - 1990
ADOLF TRULEY

49 Por último, para o Governo francês, a Comissão e o Órgão de Fiscalização da


EFTA, uma obrigação legal subsidiária como a prevista no § 10, n.° 1, da WLBG
constitui efectivamente um indício sério da existência de uma necessidade de
interesse geral, na medida em que esta disposição prevê tanto a organização em
concreto do funeral pela cidade de Viena como a assunção pela mesma das
despesas que o mesmo acarreta, na hipótese de estas não estarem cobertas pela
herança.

Resposta do Tribunal de Justiça

50 Há que salientar que o Tribunal de Justiça já decidiu que constituem de modo


genérico necessidades de interesse geral sem caracter industrial ou comercial, na
acepção do artigo 1.°, alínea b), das directivas comunitárias relativas à
coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos, as necessidades
que, por um lado, são satisfeitas de modo diferente da oferta de bens ou de
serviços no mercado e que, por outro, por razões ligadas ao interesse geral, o
Estado opta por satisfazer ele próprio ou em relação às quais pretende manter
uma influência determinante (v. acórdãos, já referidos, BFI Holding, n.os 50 e 51,
e Agorà e Excelsior, n.° 37).

51 Ora, é inegável que os serviços mortuários e funerários podem ser considerados


actividades que obedecem efectivamente a uma necessidade de interesse geral.

I -1991
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

52 Por um lado, efectivamente, estas actividades estão ligadas à ordem pública, na


medida em que o Estado tem interesse manifesto em exercer um controlo estrito
sobre a emissão de certidões como as de nascimento e de óbito.

53 Por outro lado, razões evidentes de higiene e de saúde pública podem justificar
que o Estado mantenha uma influência determinante sobre estas actividades e
adopte medidas como as previstas no § 10, n.° 1, da WLBG, no caso de o funeral
não ter sido organizado dentro de um determinado período de tempo após a
emissão da certidão de óbito. A própria existência de uma disposição deste tipo
constitui, por isso, efectivamente, um indício de que as actividades em causa são
susceptíveis de satisfazer uma necessidade de interesse geral.

54 Neste contexto, é de rejeitar, nomeadamente, a interpretação defendida pela


demandada no processo principal, segundo a qual, em contraposição aos serviços
mortuários «no sentido amplo do termo», como a inserção de anúncios de
necrologia, a preparação do defunto ou o seu transporte, apenas a inumação e a
incineração dos cadáveres, bem como a gestão dos cemitérios e columbarios —
qualificadas como prestações de serviços mortuários «no sentido estrito do
termo» — se enquadram na noção de necessidades de interesse geral. Com
efeito, uma distinção deste tipo é artificial, dado que a totalidade ou a maior
parte destes serviços são normalmente executados por uma única empresa ou
mesmo por uma autoridade pública.

55 Acresce que, como realçou o advogado-geral no n.° 68 das suas conclusões, os


serviços mortuários e funerários regem-se por uma lei única no Land de Viena, ou
seja, a WLBG. Ora, esta lei prevê expressamente, no § 33, n.° 4, que «a realização
de cerimónias fúnebres [...], o transporte dos corpos ou das cinzas até aos locais
de repouso [...] assim como a abertura e o fecho de túmulos, o enterro dos corpos
ou das cinzas e a realização de enterros serão efectuados pelos prestadores de
serviços das autoridades públicas ou das empresas por estas mandatadas».
I -1992
ADOLF TRULEY

56 Em todo o caso, mesmo na hipótese de as prestações de serviços mortuários, «no


sentido estrito do termo», constituírem apenas uma parte relativamente pouco
significativa das actividades executadas por uma empresa de serviços funerários,
esta circunstância é irrelevante, uma vez que a referida empresa continua a
ocupar-se de necessidades de interesse geral. Nos termos de jurisprudência
assente, com efeito, a qualidade de organismo de direito público não depende da
importância relativa da satisfação de necessidades de interesse geral sem carácter
industrial ou comercial na actividade do organismo em causa (v. acórdãos, já
referidos, Mannesmann Anlagenbau Austria e o., n.os 25, 26 e 31, e BFI Holding,
n. os 55 e 56).

57 Tendo em conta as considerações que antecedem, deve, assim, responder-se à


segunda parte da primeira questão que os serviços mortuários e funerários são
susceptíveis de satisfazer uma necessidade de interesse geral. A circunstância de
uma autarquia ter a obrigação legal de assumir o encargo do funeral — e,
eventualmente, de suportar os respectivos custos —, na hipótese de o mesmo não
ter sido organizado dentro de um certo período de tempo após a emissão da
certidão de óbito, constitui um indício da existência de uma necessidade de
interesse geral desse tipo.

Quanto à segunda questão

58 Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os


serviços mortuários e funerários satisfazem efectivamente uma necessidade de
interesse geral sem carácter industrial ou comercial, na acepção do artigo 1.°,
alínea b), da Directiva 93/36. Salientando, a esse respeito, que existem na Áustria
mais de 500 empresas que operam na área dos serviços funerários, mas que,
segundo afirma a demandante no processo principal, não existe concorrência no
mercado local de Viena, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial,
saber se a existência de uma concorrência desenvolvida permite, por si só,
concluir pela ausência de uma necessidade de interesse geral sem carácter
industrial ou comercial ou se, em cada caso concreto, há que tomar em conta a
totalidade dos elementos de direito e de facto relevantes.
I -1993
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

59 A este respeito, basta recordar que o Tribunal de Justiça, tendo-lhe sido


submetida uma questão semelhante, decidiu, no n.° 47 do acórdão BFI Holding,
já referido, que a falta de concorrência não é uma condição necessária para
efeitos da definição de organismo de direito público. Efectivamente, exigir que
não existam empresas privadas que possam satisfazer as necessidades para as
quais foi criado um organismo financiado ou controlado pelo Estado, pelas
autarquias ou por outros organismos de direito público, poderia esvaziar da sua
substância o conceito de organismo de direito público referido, designadamente,
no artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/36 (v., neste sentido, acórdão BFI
Holding, já referido, n.° 44).

60 O Tribunal de Justiça, nos n. °s 48 e 49 do mesmo acórdão, esclareceu, contudo,


que a existência de concorrência não é totalmente irrelevante para resolver a
questão de saber se uma necessidade de interesse geral tem caracter industrial ou
comercial. Efectivamente, a existência de uma concorrência desenvolvida e, em
especial, o facto de o organismo em causa agir em situação de concorrência no
mercado podem ser um indício em apoio do facto de que não se trata de uma
necessidade de interesse geral sem carácter industrial ou comercial.

61 Resulta, por isso, dos próprios termos utilizados no acórdão BFI Holding, já
referido, que, sem ser destituída de qualquer relevância, a existência de
concorrência desenvolvida não permite, por si só, concluir pela ausência de
uma necessidade de interesse geral sem carácter industrial ou comercial.

62 No caso concreto, é pacífico que a actividade de empresário de serviços


funerários não está, na Áustria, reservada a determinadas pessoas jurídicas e que
o seu exercício, em princípio, não é objecto de qualquer restrição de natureza
territorial.

63 Em contrapartida, resulta tanto do despacho de reenvio como das observações


apresentadas ao Tribunal de Justiça, por um lado, que o exercício desta
I - 1994
ADOLF TRULEY

actividade está condicionado à emissão de uma autorização prévia, a qual


depende da existência de uma necessidade bem como das disposições adoptadas
pelas autarquias em matéria funerária, e, por outro, que o governador do Land
tem competência para fixar as tarifas máximas dos serviços funerários para a
totalidade do Land, por circunscrição administrativa ou por autarquia.

64 Além disso, resulta do § 10, n.° 1, da WLBG que a cidade de Viena é obrigada a
assumir os custos do funeral, na hipótese de estes não estarem a cargo de terceiros
nem estarem cobertos pela herança.

65 Nestas condições, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, para delimitar a


natureza exacta das necessidades assumidas pela Bestattung Wien, analisar a
totalidade dos elementos de direito e de facto que regem a actividade desta
sociedade, tal como foram indicados nos n.os 62 e 64 do presente acórdão, bem
como as condições do desmembramento dos Wiener Stadtwerke e da trans-
ferência das actividades da Wiener Bestattung para a Bestattung Wien e os termos
do acordo de exclusividade que, segundo a demandante no processo principal,
vincula esta ultima sociedade à cidade de Viena.

66 Tendo em conta as considerações que antecedem, deve responder-se à segunda


questão que a existência de concorrência desenvolvida não permite, por si só,
concluir pela ausência de uma necessidade de interesse geral sem caracter
industrial ou comercial. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a
existência ou não de uma necessidade desse tipo, tomando em conta a totalidade
dos elementos de direito e de facto relevantes, tais como as circunstâncias que
presidiram à criação do organismo em causa e as condições em que o mesmo
exerce a sua actividade.
I - 1995
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

Quanto à terceira questão

67 Por último, na terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se


quanto ao alcance do critério constante do artigo 1.°, alínea b), segundo
parágrafo, terceiro travessão, da Directiva 93/36, relativo ao controlo da gestão
do organismo em causa pelo Estado, pelas autarquias ou por outros organismos
de direito público. Mais precisamente, pretende saber se este critério é satisfeito
na hipótese de existir um simples controlo a posteriori sobre a gestão do
organismo em causa.

68 A este respeito, basta recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de


Justiça (v., designadamente, acórdãos, já referidos, University of Cambridge,
n.° 20, e Comissão/França, n.° 44) que os criterios alternativos constantes do
artigo 1.°, alinea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50,
93/36 e 93/37 reflectem a estreita dependência de um organismo em relação ao
Estado, às autarquias locais ou a outros organismos de direito público.

69 No que respeita, mais precisamente, ao critério relativo ao controlo da gestão, o


Tribunal de Justiça decidiu que o referido controlo deve criar uma dependência
do organismo em causa em relação aos poderes públicos, equivalente à que existe
quando um dos outros dois critérios alternativos está preenchido, ou seja, um
financiamento proveniente maioritariamente dos poderes públicos ou a nomea-
ção por estes da maioria dos membros que compõem o órgão de administração,
de direcção ou de fiscalização deste organismo, de modo a permitir aos poderes
públicos influenciarem as decisões do referido organismo em matéria de
contratos públicos (v. acórdão Comissão/França, já referido, n. °s 48 e 49).

70 Tendo em conta esta jurisprudência, não é de considerar que o critério do


controlo da gestão esteja satisfeito na hipótese da existência de um simples
I - 1996
ADOLF TRULEY

controlo a posteriori, urna vez que, por definição, um controlo deste tipo não
permite aos poderes públicos influenciarem as decisões do organismo em causa
em matéria de contratos públicos.

71 Como o advogado-geral salienta nos n. °s 109 a 114 das suas conclusões, os


elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio sugerem, contudo, que o
controlo exercido pela cidade de Viena sobre as actividades da Bestattung Wien
ultrapassa largamente, no caso concreto, o quadro de um mero controlo a
posteriori.

72 Por um lado, efectivamente, nos termos do § 73 da WStV, a Bestattung Wien está


directamente sujeita ao controlo da cidade de Viena, devido ao facto de pertencer
a uma sociedade — a WSH — cujo capital pertence na íntegra àquela
autarquia.

73 Por outro lado, resulta também do despacho de reenvio que o contrato de


sociedade da Bestattung Wien prevê expressamente, no ponto 10.3, que o
Kontrollamt pode verificar não apenas o balanço anual desta sociedade mas
também «a gestão corrente sob os aspectos da exactidão dos números, da
regularidade, da procura de economias, da rentabilidade e da racionalidade». O
mesmo ponto do contrato de sociedade da Bestattung Wien autoriza, além disso,
o Kontrollamt a visitar os locais de exploração e as instalações desta sociedade,
bem como a transmitir os resultados destes controlos aos órgãos competentes e
aos accionistas da sociedade e à cidade de Viena. Prerrogativas deste tipo
permitem, por isso, um controlo activo sobre a gestão da referida sociedade.

I - 1997
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

74 Tendo em conta as considerações que antecedem, é de responder à terceira


questão que a existência de um simples controlo a posteriori não preenche o
critério do controlo da gestão referido no artigo 1.°, alínea b), segundo parágrafo,
terceiro travessão, da Directiva 93/36. Em contrapartida, corresponde a esse
critério a situação em que, por um lado, os poderes públicos controlam não
apenas as contas anuais do organismo em causa mas também a sua gestão
corrente na perspectiva da exactidão dos números referidos, da regularidade, da
procura de economias, da rentabilidade e da racionalidade e, por outro, os
mesmos poderes públicos estão autorizados a visitar os locais de exploração e as
instalações do referido organismo e a transmitir os resultados desses controlos a
uma autarquia que, por intermédio de outra sociedade, detém o capital do
organismo em questão.

Quanto às despesas

75 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e francês, bem como pela


Comissão e pelo Órgão de Fiscalização da EFTA, que apresentaram observações
ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na
causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional
nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

I -1998
ADOLF TRULEY

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Vergabekontrollsenat des


Landes "Wien, por despacho de 14 de Setembro de 2000, declara:

1) A noção de «necessidades de interesse geral», constante do artigo 1.°, alinea


b), segundo paràgrafo, da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho
de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos
públicos de fornecimento, constitui uma noção autónoma de direito
comunitário.

2) Os serviços mortuários e funerários são susceptíveis de satisfazer uma


necessidade de interesse geral. A circunstância de uma autarquia ter a
obrigação legal de assumir o encargo do funeral — e, eventualmente, de
suportar os respectivos custos —, na hipótese de o mesmo não ter sido
organizado dentro de um determinado período de tempo após a emissão da
certidão de óbito, constitui um indício da existência de uma necessidade de
interesse geral desse tipo.

3) A existência de concorrência desenvolvida não permite, por si só, concluir


pela ausência de uma necessidade de interesse geral sem carácter industrial ou
comercial. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a existência
I -1999
ACÓRDÃO DE 27. 2. 2003 — PROCESSO C-373/00

ou não de uma necessidade desse tipo, tomando em conta a totalidade dos


elementos de direito e de facto relevantes, tais como as circunstâncias que
presidiram à criação do organismo em causa e as condições em que o mesmo
exerce a sua actividade.

4) A existência de um simples controlo a posteriori não preenche o critério do


controlo da gestão referido no artigo 1.°, alínea b), segundo parágrafo,
terceiro travessão, da Directiva 93/36. Em contrapartida, corresponde a esse
critério a situação em que, por um lado, os poderes públicos controlam não
apenas as contas anuais do organismo em causa mas também a sua gestão
corrente na perspectiva da exactidão dos números referidos, da regularidade,
da procura de economias, da rentabilidade e da racionalidade e, por outro, os
mesmos poderes públicos estão autorizados a visitar os locais de exploração e
as instalações do referido organismo e a transmitir os resultados desses
controlos a uma autarquia que, por intermédio de outra sociedade, detém o
capital do organismo em questão.

Wathelet Timmermans Jann

von Bahr Rosas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Fevereiro de 2003.

O secretário O presidente da Quinta Secção

R. Grass M. Wathelet

I - 2000

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