158102-Texto Do Artigo-356723-2-10-20190706
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PALAVRAS-CHAVE:
Feminismo; música erudita; política;
orquestras brasileiras.
ABSTRACT
The present paper aims to discuss the
FEMINISM AND POLITICS IN representation of women in highlights positions
in Brazilian classical music verifying the
BRAZILIAN CLASSICAL number of invited people as a conductor,
MUSIC soloist, and composer by São Paulo Symphony
Orchestra. We analyzed two specific moments
of the symphonic group: before and during the
Recebido em: 18/05/2019 management by Marin Alsop. She became the
principal conductor and music director of the
Aprovado em: 15/06/2019 OSESP in 2012-2019, furthermore, she is the
only woman to assume this position. We believe
that quantitative studies may contribute to the
investigation of the invisibility of women in
classical music. Also, we discuss the
reproduction of the rooted knowledge structure.
Our findings are relevant and point to the
difference in gender and the relationship
between highlight position and knowledge
structure. Therefore, we expect that this
exploratory investigation contributes to other
research involving the feminism and politic in
classical music in Brazil.
KEYWORDS:
Feminism; Classical music; Politics;
Brazilian orchestras.
revistamúsica | vol. 19, n.1 | julho de 2019
1. Introdução
1Em trabalho publicado em 2014, a pesquisadora Liliana Segnini aponta que a área da música é um espaço
constituído, em sua maioria, de homens brancos e que os performers que assumem posições de solistas são,
além disso, pertencentes a uma elite econômica e social. Sendo assim, a pesquisadora ressalta a importância
da categoria de análise relacionada às classes sociais, de gênero e raça a partir da compreensão do campo de
trabalho artístico.
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As atuações negativas são impostas por meio de obstáculos para tais grupos
alcançarem posições de destaque e influência, mesmo depois de ocuparem cargos por
meio de voto popular. A divisão dos papéis convencionais entre feminino e masculino
corrobora para que o patriarcado e as políticas públicas – que muitas vezes são poucas e
fracas – sejam ainda mais punitivas com as mulheres, principalmente as que são mães e
trabalhadoras.
2 Embora reconheçamos a pluralidade da palavra “mulheres”, assim como seus diferentes contextos, tais
como “mulheres das classes trabalhadoras”, “mulheres negras”, “mulheres indígenas” etc, decidimos utilizá-
la, ainda que compreendamos sua categoria não homogênea e não universal. A decisão se justifica pelo fato
de ela corresponder a um significado definido e presente na nossa cultura.
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masculina. Ainda segundo Biroli (2018), embora as mulheres tenham, em média, mais
tempo de educação formal que os homens, há, ainda, uma significativa diferença entre a
renda média desses grupos, além de o fato de que a profissionalização não garantiu às
mulheres um acesso igualitário nas diferentes posições de trabalho.
É importante notar que essa discussão engloba o recorte estudado neste artigo –
musicistas da música erudita brasileira –, o que demonstra que estamos nos focando em
sujeitos, em sua maioria, de classe média e branca. Por isso, compreendemos a
importância de referenciar outros olhares sobre musicistas do Brasil, sendo elas
compositoras, intérpretes e maestrinas.
A psicóloga Luciana Costa (2016) discute a visão apontada por Amâncio (1992) de
que
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A participação feminina na vida social fora do lar foi muito restrita no período colonial brasileiro. Sob
a égide do patriarcalismo, característica marcante desse período a mulher viveu uma situação de
subserviência, na qual lhe eram cerceados direitos de escolha e de opinião, entre outros. (FREIRE;
PORTELA, 2013, p. 282)
Djamila Ribeiro (2017) aponta para o lugar de quem fala e discute o quanto essa
posição exerce poder e possibilidade de existência a um indivíduo. Assim, a discussão a
respeito da invisibilidade das mulheres em diversas áreas do saber aponta para um
debate contemporâneo, envolvendo o conhecimento, a partir de privilégios sociais e,
consequentemente, de quem ocupa o lugar de fala. A reflexão é fundamental para
perceber que os sujeitos que reivindicam o direito de ter voz estão, na verdade,
reivindicando o direito à própria existência. Segundo a filósofa, “a história tem nos
mostrado que a invisibilidade mata, o que Foucault chama de ‘deixar viver ou deixar
morrer’” (RIBEIRO, 2017, p. 43).
Luís Felipe Miguel (2014c) aponta para um discurso recorrente na mídia de que a
questão feminista foi resolvida, uma vez que as mulheres obtiveram educação, direitos
políticos, igualdade no casamento, além de extensiva presença no mercado de trabalho.
Entretanto, a significativa dominação masculina ainda é muito presente por meio de
estratégias que atuam para produzir mais desvantagens para as mulheres. O autor
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explica que “formas mais complexas de dominação exigem ferramentas mais sofisticadas
para entendê-las” (MIGUEL, 2014c, p. 18).
os homens eram encorajados a desenvolver uma relação teórica com a música, compreendendo seus
aspectos científicos e estéticos através da contemplação silenciosa. A prática musical era reservada
às mulheres, sendo esperado que aprendessem a tocar um instrumento (DOMENICI, 2013, p. 93)
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tiveram suas obras performadas por orquestras brasileiras (um recorte das orquestras
da região sudeste do Brasil), com o intuito de classificar tal invisibilidade, entendendo
que essa posição é caracterizada pelo lugar de fala e conhecimento no meio.
Biroli (2018) explica que a pouca presença das mulheres em posições de primeiro
escalão não significa que elas não atuem nos cargos descritos, mas que sua atuação é
dificultada. Quando essa presença existe, por exemplo como Marin Alsop, ela se dá em
um ambiente historicamente masculino, como a instituição orquestra sinfônica. Assim,
compreendemos que falar de mulheres no meio musical erudito não é apontar para uma
ausência – muito pelo contrário, existem mulheres ocupando posições de regente,
compositoras e solistas em uma orquestra. Entretanto, tal presença ainda é invisível,
uma vez que o espaço masculino corrobora para esse ocultamento.
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instrumento de emancipação política e social e não se propõe a ‘viciar’ ou criar relações paternalistas,
assistencialistas ou de dependência entre indivíduos, tampouco traçar regras homogêneas de como
cada um pode contribuir e atuar para as lutas dentro dos grupos minoritários (BERTH, 2018, p. 14).
O fato de termos uma mulher como figura principal durante oito anos de uma das
maiores orquestra do país nos leva a questões envolvendo o feminismo e a política, tendo
a identidade feminina corporificada em uma personagem de poder de uma instituição
artística. Para tanto, verificaremos e contabilizaremos o número de mulheres regentes,
solistas e compositoras convidadas, durante as duas fases da orquestra: antes e durante
a gestão de Marin Alsop.
2. Metodologia
4 Formada pela Universidade de Yale, é Diretora Musical da Sinfônica de Baltimore desde 2007. Lidera
atividades educacionais que atingem mais de 60 mil alunos – em 2008, lançou o OrchKids, programa
destinado a prover educação musical, instrumentos e orientação aos jovens menos favorecidos da cidade.
Como regente convidada, apresenta-se regularmente com a Filarmônica de Nova York, a Orquestra de
Filadélfia, a Sinfônica de Londres e a Filarmônica de Los Angeles, dentre outras. Em 2003, foi a primeira
artista a receber, no mesmo ano, o Conductor’s Award, da Royal Philharmonic Society, e o título de Artista
do Ano, da revista Gramophone. Em 2005, foi a primeira regente a receber a prestigiosa bolsa da Fundação
MacArthur e, em 2013, a primeira a reger a “Last Night of The Proms” do festival londrino promovido pela
BBC, oportunidade que se repetiu em 2015. Ao lado da Osesp, esteve no mesmo festival em 2012 e 2016. Foi
escolhida pela rede CNN como uma das sete mulheres de maior destaque no mundo, no ano de 2013, e, em
setembro de 2014, tornou-se membro honorário da Royal Philharmonic Society. Em 2015, assumiu a direção
do programa de pós-graduação em regência no Instituto Peabody da Universidade Johns Hopkins
(Baltimore). Sob a batuta de Marin, a Osesp fez sua estreia na Philharmonie de Berlim, no Royal Festival
Hall de Londres, nos festivais de Lucerna e Edimburgo e na Konzerthaus de Viena, entre outros lugares de
primeira importância no cenário mundial. Também viajou pelo Brasil, em 2014, comemorando os 60 anos
de criação da Orquestra e lançou em CD (selo Naxos) um ciclo integral das sinfonias de Prokofiev. Ao final
de seu mandato de oito anos à frente da Osesp, em dezembro de 2019, Marin receberá o título de Regente
de Honra. A decisão é um reconhecimento à parceria que ajudou a elevar o perfil da Orquestra, tanto no
cenário nacional quanto internacional, e à sua visão humanista, fonte de inspiração para as atividades
educativas e de formação de público da Osesp. A partir de 2020, Marin Alsop será Regente Titular da
Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena. Disponível em: <http://osesp.art.br/>. Acesso em: 03 abr. 2019.
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6 Coletamos todos os dados apresentados neste trabalho a partir dos programas de concertos
disponibilizados no site da orquestra. Sendo assim, pudemos também analisar a programação de 2019, uma
vez que ela já se encontra disponível na internet.
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3. Resultados
Apresentar os nomes nos mostra a frequência com que cada artista está sendo
convidada, além de alguns que são titulares da orquestra como, por exemplo, Marin
Alsop, quando assumiu a orquestra em 2012 até o presente momento, ou Naomi
Munakata, que atua como regente do coro da OSESP desde 2000.
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Figura 1: Números de regentes que atuaram na OSESP entre 2000 e 2019, por gênero, sendo as barras
azuis a representação dos homens e as amarelas o número de mulheres. Fonte: Elaboração própria
(2019).
Figura 2: Número de compositores performados pela OSESP entre 2000 e 2019, por gênero, sendo as
barras azuis a representação dos homens e as amarelas o número de mulheres. Fonte: Elaboração
própria (2019).
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Figura 3: Número de solistas (cantores e instrumentistas) convidados pela OSESP entre 2000 e 2019,
por gênero, sendo as barras azuis a representação dos homens e as amarelas o número de mulheres.
Fonte: Elaboração própria (2019).
Figura 4: Número de instrumentistas solistas convidados pela OSESP entre 2000 e 2019, por gênero,
sendo as barras azuis a representação dos homens e as amarelas o número de mulheres. Fonte:
Elaboração própria (2019).
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Todos os testes foram realizados com intervalo de confiança de 95% (Figura 7). Os
resultados apontam para uma relevante diferença quando comparamos homens e
mulheres nos dois períodos analisados. Entretanto, quando comparamos maestros com
maestros e maestrinas com maestrinas, nas duas condições estudadas, não ocorre
nenhuma diferença, demonstrando nenhuma distinção (aumento ou diminuição) entre
o número de homens e/ou mulheres antes e durante a gestão de Marin Alsop.
Figura 5: Nome das compositoras a terem suas obras performadas pela OSESP, por ano. Fonte:
Elaboração própria (2019).
Figura 6: Nome das maestrinas que regeram a OSESP, por ano. Fonte: Elaboração própria (2019).
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Figura 7 (quadro): Comparação das médias dos diferentes grupos entre as condições, antes e durante
a gestão de Marin Alsop como regente e diretora artística da OSESP. Fonte: Elaboração própria
(2019).
4. Discussão
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Entendemos que a não inclusão de nomes de compositoras faz com que essas
mulheres tenham seu lugar de fala restringido, gerando, assim, uma invisibilidade da
figura de compositoras na área da música erudita. Ribeiro (2017) ainda aponta para uma
palestra de Grada Kiolomba, em 2016, na qual a oradora discute a descolonização do
conhecimento, refletindo sobre a necessidade de ruptura das hierarquias consolidadas.
O termo epistemologia é definido por Kiolomba como “a ciência da aquisição de
conhecimento” (RIBEIRO, 2017, p. 88). Sendo assim, ela não definiria apenas como se
produz o conhecimento, mas quem o produz, ressaltando quem tem o poder de falar.
Na figura 5 podemos observar os nomes das compositoras que tiveram suas obras
performadas pela OSESP durante os 20 anos estudados e notamos a quase inexistente
repetição de suas obras ao longo dos programas e dos anos. Ao contrário, obras de
compositores como Mahler, Beethoven, Mozart, Bernstein, Guarnieri, Villa-Lobos etc.,
aparecem em todos os anos, mais de uma vez, nas programações anuais.
Compreendemos, assim, que existe uma hierarquização de conhecimento e poder
definido e expressado pela instituição. Rosa e Nogueira (2015) refletem sobre as
compositoras apresentadas em disciplinas do curso de música no Brasil e apontam para
sua invisibilização por parte dos docentes, observando, assim, o silenciamento da figura
feminina no meio acadêmico. Ao questionarem os alunos sobre quantas compositoras
tiveram conhecimento durante seus cursos de graduação, percebe-se a ausência de
nomes femininos, o que corrobora para uma lacuna na formação dos futuros educadores
musicais. Dessa maneira, ocorre a exclusão do conhecimento pela figura feminina, uma
vez que o ato de compor comunica ideias e afetos, além de envolver aspectos de
integração social e significações, considerando também a relação de poder discutida
anteriormente.
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do pensamento hegemônico e a ressignificação das identidades, sejam de raça, gênero, classe para
que se pudesse construir novos lugares de fala com o objetivo de possibilitar voz e visibilidade a
sujeitos que foram considerados implícitos dentro dessa normatização hegemônica (RIBEIRO, 2017,
p. 43).
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feminina seja considerada frágil, inferior e pouco racional. Ainda é necessário romper
com essa estrutura, contribuindo para a emancipação das mulheres e a revisão da
posição social privilegiada ocupada pelos homens.
A fala das mulheres carrega marcas de inferioridade, desde a disposição afetiva associada a elas,
julgada como excessivamente compassiva, até o próprio timbre de voz, já que o mais grave é vinculado
socialmente ao exercício da autoridade. Por fim, os interesses do grupo dominante são mais
facilmente apresentados como interesses universais, o que é outro efeito do “imperialismo cultural”
– a cultura e a vivência do grupo dominante são universalizadas e vistas como a norma (MIGUEL,
2014b, p. 106).
Por outro lado, o mesmo autor acrescenta à discussão o ponto de vista de Anne
Philips (1993), trazendo para o debate a diferenciação entre interesses e identidade:8
O meu interesse é, em tese, representável por qualquer pessoa, que pode verbalizá-lo em meu lugar
e agir para promovê-lo. Mas a minha identidade só se torna visível por meio de um igual. Eu posso
não estar presente no grupo de governantes, mas minha identidade estará lá não por meio de um
representante, e sim corporificada em alguém que a possui em comum. (MIGUEL, 2014, p. 100)
8 Em publicações posteriores, a própria Anne Philips substitui o termo “identidade” por “perspectivas
sociais”. Luis Felipe Miguel (2014, p. 100) explica que o termo se apresenta “menos fechado e com caráter
mais relacional” e a ideia de perspectiva social assume uma função similar à de identidade, considerando o
que não é representável, cumprindo a exigência na presença política.
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Assim, entendemos que o fato de Marin Alsop assumir o posto de regente e diretora
artística não faz com que assuma decisões envolvendo questões de gênero, além de
desconstruir o argumento de que as mulheres, necessariamente, “precisam ocupar
espaços de poder para defender seus interesses específicos, o que pressupõe a existência
de interesses comuns de antemão” (MIGUEL, 2014a, p. 101). Compreendemos também
a falsa premissa de que as mulheres possuem características de sensibilidade diferentes
dos homens, fazendo com que elas sejam pré-dispostas a “uma política mais altruísta e
humana” (MIGUEL, 2014a, p. 101).
Com essa análise, torna-se inviável, a partir dos nossos dados, medir a quantidade
de poder de decisão da maestrina na posição em que atua na orquestra. É importante
mencionar novamente que nosso estudo não tem como objetivo avaliar o poder político
de Marin Alsop, mas contabilizar o número de homens e mulheres atuantes em posições
de destaque na OSESP, apontando para a representatividade e a necessidade de
discussão sobre a (in)visibilidade do feminino no meio musical erudito no Brasil.
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que as formas mais complexas de dominação, assim como a estrutura social patriarcal,
exigem métodos e estratégias mais sofisticadas para a sua compreensão.
Por isso, tornam-se necessários outros trabalhos envolvendo a temática para que
possamos cada vez mais nos aproximar do assunto. Marin Alsop assumiu a OSESP em
2012 e completa sua trajetória este ano (2019), sendo cedo para medir e discutir o
possível impacto que sua figura e representatividade têm na estrutura da instituição e
nas futuras gerações.
Conclusão
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Referências
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