1285-Texto Do Artigo-5178-5954-10-20221105
1285-Texto Do Artigo-5178-5954-10-20221105
1285-Texto Do Artigo-5178-5954-10-20221105
2, e1285, 2022
As relações internacionais da
construção do Estado em
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS Moçambique: pós-independência,
ISSN 2526-9038
guerra civil e transições políticas
The international relations
of state-building in Mozambique:
post-independence, civil war and
political transitions
Las relaciones internacionales de la
construcción del Estado en Mozambique:
post-independencia, guerra civil y
transiciones políticas
10.21530/ci.v17n2.2022.1285
Copyright:
• This is an open-access
Jose Alejandro Sebastian Barrios Diaz1
article distributed under
the terms of a Creative
Commons Attribution
License, which permits Resumo
unrestricted use,
distribution, and
reproduction in any O Estado tem sido estudado desde muitas perspectivas teóricas,
medium, provided that embora nenhuma possa capturar todas as complexidades envolvidas
the original author and
em sua formação. No caso de Moçambique, o governo que
source are credited.
proclamou a independência herdou situação política, econômica
• Este é um artigo
publicado em acesso aberto e social complexa em 25 de junho 1975. O objetivo do artigo é
e distribuído sob os termos analisar o processo de construção do Estado moçambicano em
da Licença de Atribuição
perspectiva histórica, considerando a dimensão internacional dos
Creative Commons,
que permite uso irrestrito, fenômenos, particularmente dos períodos de consolidação da
distribuição e reprodução independência, guerra civil e transições políticas, entre 1975 e a
em qualquer meio, desde
que o autor e a fonte
originais sejam creditados.
1 Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Professor
do bacharelado em Relações Internacionais do Centro Universitário IESB,
Brasília, Distrito Federal, Brasil. ([email protected]). ORCID: https://
orcid.org/0000-0001-8386-3642
Artigo submetido em 07/06/2022 e aprovado em 12/09/2022.
Abstract
The State has been studied from many theoretical approaches, although it is not possible
to capture all the complexities involved in its formation. In the case of Mozambique, the
government that proclaimed independence inherited a complex political, economic and social
situation on June 25, 1975. The article aims to analyze the state-building in Mozambique
in historical perspective, considering the international dimension of the phenomena,
particularly from the period of post-independence, civil war and the political transitions.
The article draws on the Mozambican foreign policy and the role of international actors
in the country to grasp the international dimension.
Resumen
El Estado ha sido estudiado desde distintas perspectivas teóricas, aunque ninguna puede
captar todas las complejidades involucradas en su formación. En el caso de Mozambique, el
gobierno que proclamó la independencia heredó una compleja situación política, económica
y social en el 25 de junio de 1975. El objetivo del artículo es analizar el proceso de
construcción del Estado de Mozambique en perspectiva histórica, considerando la dimensión
internacional de los fenómenos, particularmente a partir de los períodos de consolidación
de la independencia, guerra civil y transiciones políticas. Para entender la dimensión
internacional del proceso, se aborda la política exterior mozambiqueña y el papel de los
actores internacionales en estos períodos.
Introdução
2 Tradução de “the discipline of International Relations (IR) does not reflect the voices, experiences, knowledge
claims, and contributions of the vast majority of the societies and states in the world, and often marginalizes
those outside the core countries of the West”.
meios para sua sobrevivência e (ii) o fato que, após a independência, excluiu-se
a sociedade civil do processo político.
Complementando com Clapham (1996), o regime da FRELIMO partilhava
a ideologia marxista derivada da luta de libertação contra o domínio português
e das alianças externas forjadas nesse processo (Clapham 1996). Cabe ainda
referir, portanto, que o Estado é um conceito fundamental no pensamento
marxista, considerado como uma instituição que “tem como função assegurar
e conservar a dominação e a exploração de classe” (Bottomore 2012, 197-198).
É uma concepção que entende o Estado como uma instituição que não representa os
interesses gerais, mas defende os interesses de uma classe, isto é, um instrumento
de dominação.
A estrutura do artigo é composta por introdução, três seções e considerações
finais. A primeira seção apresenta interpretação acerca da política exterior no marco
do projeto político de construção do Estado moçambicano após a independência.
Em seguida, enfoca-se o período de guerra civil que se estende por toda a década
de 1980. Na terceira seção, discutem-se as transições políticas da década de 1990,
como os Acordos de Paz e o advento de eleições multipartidárias.
Consolidação da independência
1987 e 1994, foi determinada por uma agenda política mais liberal, fundada na
resolução do conflito interno com ajuda da comunidade internacional e o início
da democratização, período de múltiplas transições realizadas no país. A terceira
fase, de 1994 aos dias atuais, inicia-se com a democratização de Moçambique,
que resulta em mudanças importantes para a política exterior e opera mediante
regime de atração de investimentos externos. Considerando a formulação do
objetivo deste artigo, esta seção limitar-se-á ao primeiro período.
A Frente de Libertação de Moçambique adotou no pós-independência o
planejamento central como instrumento de desenvolvimento, centralizado no
Estado intervencionista, com uma economia coletivizada, baseada no controle
centralizado do câmbio, na elaboração de planos nacionais de desenvolvimento
e na suposição que os excedentes econômicos de um setor seriam alocados em
outros setores (Dinerman 2006, 48).
Antes da independência, a província ultramarina apresentava forte de-
pendência do exterior, traduzida na necessidade de importar todos os bens de
equipamento e uma parte dos bens de consumo para satisfação de necessidades
básicas (alimentos e vestuário), fato que implicava uma balança comercial ne-
gativa com a metrópole (Fitzpatrick 1981).
Na altura da independência, havia uma dívida externa de US$ 800 milhões
(Glickman 1988, 3). Segundo Tarp, Arndt, Jensen, Robinson, Heltberg (2002) o
orçamento do Estado deteriorou- se em função dos altos gastos com a dívida,
acumulada desde os anos 1970 e início dos 1980, acentuando-se durante a guerra
civil, tendo contribuído para a desestabilização do país ao longo desse período.
Diante desse quadro, a posição da FRELIMO foi buscar o desenvolvimento
econômico, político e social de Moçambique, especialmente dos trabalhadores
rurais. A criação da burocracia nacional trazia mudanças em muitas áreas: líderes
tradicionais foram forçados a dar lugar aos secretários e dirigentes políticos,
articulou-se uma transformação da agricultura de subsistência para a agricultura
coletiva, adotou-se o socialismo, dentre outras (Weinstein, 2002, 144).
É forçoso observar o fato que o governo promoveu a transformação da
sociedade colonial em sociedade nacional e independente a partir da construção
da unidade nacional manifestada na expressão “do Rovuma ao Maputo”, dois rios
importantes do país e uma agenda socialista de mudanças políticas e econômicas.
As classes sociais existentes em Moçambique eram os trabalhadores urbanos,
camponeses e a elite do partido. Essa nova situação exigia a presença da FRELIMO
por todo o país, nas fábricas, nas cooperativas, no campo, no aparelho militar
e no Estado (Cabaço 2009).
A FRELIMO estabeleceu uma liderança do tipo unipartidária e, na perspectiva
da política exterior, aproximou-se ideologicamente do mundo socialista, ou seja, da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da China, mas, paralelamente,
logrou atrair sistematicamente ajuda externa de países fora dessa esfera. Para
Macqueen (1984, 22), o pragmatismo da política exterior de Moçambique no
pós-independência se manifesta no sentido de que houve aproximação do governo
de Maputo à países ocidentais como Suécia, Dinamarca, Noruega, dentre outros,
em função da possibilidade de captar recursos econômicos. Esse pragmatismo
permitiu articulação com o Commonwealth (Comunidade de Nações, da qual
tornou-se membro em 1995), a Comunidade Econômica Europeia e estabelecer
relações diplomáticas com Portugal.
Imediatamente após a independência, uma série de périplos foram realizados
por autoridades moçambicanas a fim de inserir o recém independente país nas
relações internacionais. Em 1975 uma comitiva chefiada pelo vice-presidente da
FRELIMO, Marcelino dos Santos, visitou Suécia, Finlândia, Dinamarca, Noruega
e os Países Baixos para obter cooperação internacional (Glickman, 1988, 24).
De acordo com Hendersen (1977), no período entre 1975 e 1986, a política
externa foi influenciada pelo processo nacional-revolucionário e a Constituição
da República Popular de Moçambique, de 1975, estabeleceu os princípios que
conduziriam a ação externa do país.
O Terceiro Congresso da FRELIMO, realizado em fevereiro de 1977,
é considerado um marco para a nova fase revolucionária do país. Segundo
Hultman (2009, 823) a natureza de vanguarda da FRELIMO foi enunciada para
“destruir o capitalismo” e “construir o socialismo” e um conjunto de instituições
nacionais começou a ganhar forma para consolidar a “Democracia Popular”,
como os Conselhos de Produção instalados em fábricas, a Assembleia Popular, a
Organização da Mulher Moçambicana, a Organização da Juventude Moçambicana,
a institucionalização das Aldeias Comunais, cooperativas agrícolas, dentre outras
(Nwafor 1983, 31). Ademais, a Frente transformou-se em partido político nesse
ano e assumiu o marxismo-leninismo como ideologia de Estado.
Para Saul (1985, 17) a FRELIMO criou uma distinção central entre a vanguarda
do partido, que participou da revolução e as massas; e essa dialética entre liderança
e ação de massas fundamentou o processo de consolidação da independência
Transições políticas
3 Tradução de “relatively liberal (...) both compared to its neighbors and in absolute terms”.
4 Tradução de "Mozambique is a success story in sub-Saharan Africa, benefiting from sustained large foreign
aid inflows, strong ang broad-based growth and deep poverty reduction".
Observações finais
Referências
Cabaço, José Luís. 2009. Moçambique: identidade colonialismo e libertação. São Paulo:
Editora UNESP.
Cabrita, João. 2000. Mozambique: The Tortuous Road to Democracy. London: Palgrave
Mcmillan.
Castel-Branco, Nuno. 2010. Economia Extractiva e Desafios de Industrialização em
Moçambique. IESE: Maputo.
Castel-Branco, Carlos Nuno. 2014. Growth, capital accumulation and economic
porosity in Mozambique: social losses, private gains. Review of African Political
Economy, 41:26-48.
Chichava, Sérgio. 2018. “The Anti-Frelimo Movements & the War in Zambezia”. In The
War Within: New Perspectives on the Civil War in Mozambique 1976-1992, 17-45.
Woodbridge: Boydell & Brewer.
Clapham, Cristopher. 1996. Africa and the international system: the politics of state
survival. Cambridge: Cambridge University Press.
Collier, Paul; Elliot, V. L.; Hegre, Havard; Hoeffler, Anke; Reynal-Querol, Marta; Sambanis,
Nicolas. 2003. Breaking the conflict trap. A World Bank Policy Research Report.
Washington: The World Bank.
Crisp, Brian; Kelly, Michael. 1999. The Socioeconomic Impacts of Structural Adjustment.
International Studies Quarterly 43, no. 3: 533-552.
Davis, Stephen R. 2009. The African National Congress, Its Radio, Its Allies and Exile.
Journal of Southern African Studies 35, no. 2: 349-373.
Dinerman, Alice. 2006. Revolution, Counter-Revolution and Revisionism in Post-colonial
Africa: the case of Mozambique, 1975-1994. London: Routledge.
Domingues, Patrick. 2011. “A Database on the Mozambican Civil War.” Peace Economics,
Peace Science and Public Policy 17, no. 1: 84–113.
Fitzpatrick, J. 1981. The Economy of Mozambique: Problems and Prospects.Third World
Quarterly 3, no. 1: 77-87.
Glickman, Harvey. 1988. Reconstructionist Strategies in Mozambique. A Journal of
Opinion 17, no.1: 21-24
Hultman, Lisa. 2009 . The Power to Hurt in Civil War: The Strategic Aim of RENAMO
Violence. Journal of Southern African Studies 35, no. 4: 821-834.
Hall, Margaret. 1990. The Mozambican National Resistance Movement (RENAMO):
A Study in the Destruction of an African Country,” Africa 60, no. 1: 39-68.
Hanlon, Joseph. 1996. Peace without Profit: How the IMF Blocks Rebuilding in
Mozambique Oxford & Heinemann, Portsmouth NH.
Hanlon, Joseph. 2006. Illegitimate’ Loans: Lenders, Not Borrowers, Are Responsible. Third
World Quarterly 27, no. 1: 211-226.
Hendersen, Robert. 1977. Relations of Neighbourliness – Malawi and Portugal, 1964-74.
The Journal of Modern African Studies 15, no. 3: 225-455.
Igreja, Victor (2013). As Implicações de Ressentimentos Acumulados e Memórias de
Violência Política para a Descentralização Administrativa em Mocambique. Revista
de Estudos Politícos. 6, no.1: 162-199.
International Monetary Fund. 2001. IMF Country Report. Republic of Mozambique:
Selected Issues and Statistical Appendix. January, n°. 01/25. Disponível em: https://
www.imf.org/external/pubs/ft/scr/2001/cr0125.pdf. Acesso em 6 de junho de 2022.
International Monetary Fund. 2007. Republic of Mozambique: Selected issues. Issue 258.
IMF. Disponível em https://www.elibrary.imf.org/view/journals/002/2007/258/
article-A001-en.xml. Acesso em 6 de junho de 2022.
Lalbahadur, Aditi & Otto, Lisa. 2013 . Mozambique’s Foreign Policy: Pragmatic Non-
Alignment as a Tool for Development. South African Foreign Policy and African
Drivers Programme. Occasional paper n° 160. South African Institute of International
Affairs, 1-26.
Ling, L.H.M. 2014. The Dao of Worlds Politics: towards a post-Westphalian, worldist
international relations. New York: Routledge.
Macqueen, Norman. 1984. Mozambique’s Widening Foreign Policy. Royal Institute of
International Affairs. The World Today 40, no. 1: 22-28.
Manning, Carrie. 1998. Constructing Opposition in Mozambique: Renamo As Political
Party. Journal of Southern African Studies 24, no. 1:161-189.
Matonse. Antonio. 1992. Mozambique: A Painful Reconciliation. Africa Today 39,
no. 1/2: 29-34.
Marshall, Judith. 1990. Structural Adjustment and Social Policy in Mozambique. Review
of African Political Economy 2, 28-43.
Mittleman, James H. 1991. Marginalization and the International Division of Labor:
Mozambique’s Strategy of Opening the Market. African Studies Review 34,
no. 03: 89-106.
Meneses, Maria Paula. 2015. Xiconhoca, o inimigo: Narrativas de violência sobre
a construção da Nação em Moçambique. Revista Crítica de Ciências Sociais,
no. 106, 9-52.
Metz, Steven. 1986. The Mozambique National Resistance and South African Foreign
Policy. African Affairs 85, no. 34I: 49I-507.
Moçambique. 1997. Lei de Bases das Autarquias n°. 2/97. Disponível em http://www.
ilhademocambique.co.mz/sites/default/files/anexos/leibasesautarquias.pdf. Acesso
em 6 de junho de 2022.
Mondlane, Luis. 2003. !Nurturing Justice from Liberation Zones to a Stable Democratic
State!. In: Human Rights Under African Constitutions: Realizing the Promise for
Ourselves, 182-210. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
Nwafor, Azinna. 1983. FRELIMO and Socialism in Mozambique. Contemporary
Marxism, 7: 28-68.
Oya, Carlos. 2012. “Crise Global, Crescimento e Desafio para Moçambique e sua
Estratégia de Desenvolvimento”. In: Desafios para Moçambique, 45-67. Maputo:
Instituto de Estudos Sociais e Económicos.
Saul, John. 1985. A Difficult Road: The Transition to. Socialism in Mozambique. New
York: Monthly Review Press.
Saul, John. 2011. Mozambique – not then but now. Review of African Political
Economy 38 no.127: 93-101.
Schneidman, Witney J. 1978. FRELIMO’S Foreign Policy and the Process of Liberation.
Africa Today 25, no.1: 57-67.
Simpson, Mark. 1993. Foreign and Domestic Factors in FRELIMO. The Journal of Modern
African Studies 31, no.2: 309-333.
Tarp, Finn; Arndt, Channing; Jensen, Henning; Robinson Sherman; Heltberg, Rasmus.2002.
Facing the Development Challenge in Mozambique: An Economy Wide Perspective.
Washington D.C: International Food Policy Research Institute.
Tavuyanago, Baxter. 2011 . RENAMO: From military confrontation to democratic
engagement, 1976-2009. African Journal of Political Science and International
Relations 5, no. 1: 42-51.
Thomson, Alex. 2000. An introduction to African politics. London and New York:
Routledge.
United Nations. 1984. Agreement on Non-Aggression and Good Neighbourliness between
Mozambique and South Africa (Nkomati Talks) Document Retrieval. Disponível
em https://peacemaker.un.org/mozambique-southafrica-nkomati84. Acesso em 6
de junho de 2022.
United Nations Development Programme. 1990. Human Development Report. Concept
and Measurement of Human Development. New York.
United Nations Development Programme. 1994. Human Development Report. New
dimensions of Human Security. New York.
United Nations Development Programme. 2020. The Next Frontier: Human Development
and the Anthropocene. Disponível em https://hdr.undp.org/sites/default/files/
Country-Profiles/MOZ.pdf. Acesso em 5 de setembro de 2022.
United Nations Security Council. 1992a. S/RES/782. Disponível em: http://unscr.com/
en/resolutions/782. Acesso em 6 de junho de 2022.
United Nations Security Council. 1992b. S/RES/797. Disponível em: http://unscr.com/
en/resolutions/797. Acesso em 6 de junho de 2022.
Weinstein, Jeremy. 2002. Mozambique: A Fading UN Success Story. John Hopkins
University Press: Journal of Democracy 13, no. 1: 141-156.
Vines, Alex. 1998. Disarmament in Mozambique. Journal of Southern African Studies
24, no. 1: 191-205.