Mascaras Jurupixuna Analises DM Susana Carapito

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Susana Takato Oliveira Manaia Carapito

As Moléculas da Cor: Nas Máscaras da Viagem Filosófica (1783-1792) e num Tecido Oriental (1880)
Susana Takato Oliveira Manaia Carapito

AS MOLÉCULAS DA COR:
NAS MÁSCARAS DA VIAGEM FILOSÓFICA (1783-1792)
E NUM TECIDO ORIENTAL (1880)
Mestrado em Química
2014 Departamento de Química
FCTUC

Setembro, 2014
Susana Takato Oliveira Manaia Carapito

As Moléculas da Cor:
Nas Máscaras da Viagem Filosófica (1783-1792)
e Num Tecido Oriental (1880)

Dissertação apresentada para provas de Mestrado em Química, Área de

especialização em Controlo de Qualidade e Ambiente

Orientador: Prof. Doutor João Sérgio Seixas de Melo

Setembro 2014

Universidade de Coimbra
Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todos os que fizeram parte da minha vida de uma forma positiva

e de algum modo me acompanharam e me acompanharão nesse ”projeto” em sentido

lato que é a minha vida e do qual, o mestrado é mais uma etapa.

Tenho de começar pelo meu orientador, Professor Doutor João Sérgio Seixas de Melo,

que esteve sempre disponível e que me incentivou e compreendeu muito mais do que

lhe cabia.

Á Sílvia Alexandre, por todo o apoio e compreensão e ajuda em tudo.

À Professora Doutora Marta Pinheiro por facilitar o diazometano para a metilação dos

meus compostos.

Aos colegas que me acompanharam no local de trabalho, Catherine, Sílvia, Pina, Raquel

Amaral, Ana, Joana, Telma, Raquel Rondão, obrigada por tornarem tudo mais fácil pela

vossa presença bem disposta.

À Professora Doutora Maria João Melo, Rita Castro, Diogo, Tatiana e Hélia, muito

obrigada por tudo, acolheram-me bem e tiveram muita paciência comigo.

À Dr. Maria Arminda Miranda e Dr. Maria Rosário Martins, muito obrigada pela

disponibilidade e ensinamentos numa área do saber que não é a minha.

Ao Doutor Paulo Gama Mota e ao Doutor Pedro Casaleiro, obrigada por me

possibilitarem o acesso a uma coleção tão exclusiva.

Aos amigos que me aturaram sempre.

Aos meus Pais e à minha Avó Ana, vocês são a minha razão de ser.

Ao Paulo, ao Henrique e à Laura, vocês são a minha razão de viver.

I
Índice

Agradecimentos ................................................................................................................................ I

Índice .................................................................................................................................................. II

Abreviaturas ..................................................................................................................................... IV

Resumo.......................................................................................................................................... V
Abstract ........................................................................................................................................ VI
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1

1.1. As Máscaras da Viagem Filosófica .......................................................................................... 3


1.1.1. Alexandre Rodrigues Ferreira - Uma Breve Biografia ........................................................ 4
1.1.2. Domingos Vandelli- Professor e Mentor ............................................................................ 8
1.1.3. Explorações Científicas do século XVIII ............................................................................. 9
1.1.4. Outras Expedições Científicas na Amazónia: antes e depois da Viagem Filosófica .......... 12
1.1.5. A Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira ..................................................... 17
1.1.6. Coleção Etnográfica Resultante da Viagem Filosófica na Galeria de Antropologia do
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra ..................................................................... 20
1.1.7. Máscaras da Tribo Jurupixuna ........................................................................................... 21
1.1.8. Os Índios Jurupixuna e as suas Máscaras .......................................................................... 26
1.2. Tecido de Seda e Algodão Usado no Fabrico de Cabaias Pertencente à Coleção da China e
de Macau (1880-1882)............................................................................................................. 28
1.2.1. Coleção da China e de Macau no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra ......... 28
1.2.2. Peça de Seda Roxa com o Número de Inventário ANT.M.227 ........................................ 29
2. PARTE EXPERIMENTAL E RESULTADOS ......................................................................... 31

2.1. Identificação de Pigmentos nas Máscaras da Viagem Filosófica ........................................... 33


2.1.1. Pigmentos Relatados por ARF ........................................................................................... 33
2.1.2. Justificação da Escolha das Amostras ................................................................................ 34
2.2. Amostragem da máscara Br.147 .......................................................................................... 38
2.2.1. Descrição das amostras da máscara Br.147 ...................................................................... 40
2.2.2. Tabela 1 – Resumo das Análises Realizadas às Amostras da Máscara Br.147 .................. 43
2.2.3. Análise Microscópica de Cortes Estratigráficos Pictóricos para a Máscara Br.147 .......... 45
2.3. Amostragem da máscara Br.136 .......................................................................................... 46
2.3.1. Descrição das Amostras da Máscara Br.136 ..................................................................... 49
2.3.2. Tabela 2 – Resumo das análises realizadas às amostras da máscara Br.136 ..................... 51

II
2.3.3. Análise Microscópica de Cortes Estratigráficos Pictóricos para a Máscara Br.136 .......... 55
2.4. Equipamentos utilizados na análise das máscaras................................................................. 56
2.5. Identificação de Corantes na Seda Roxa ANT.M.227 .......................................................... 56
2.5.1. Metodologia ....................................................................................................................... 58
2.5.1.1. Método de Extração do Corante ................................................................................... 58
2.5.2. Desenvolvimento do método de Cromatografia de Alta Eficiência (HPLC) .................... 59
2.5.2.1. Resultados de Cromatografia de Alta Eficiência ............................................................ 61
2.5.3. Método experimental por GC-MS .................................................................................... 67
2.5.3.1. Resultados da análise por GC-MS .................................................................................. 68
3. CONCLUSÕES ......................................................................................................................... 77

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 81

ANEXO I ......................................................................................................................................... 87

ANEXO II ........................................................................................................................................ 94

ANEXO III ....................................................................................................................................... 96

ANEXO IV ...................................................................................................................................... 99

ANEXO V ..................................................................................................................................... 100

ANEXO VI .................................................................................................................................... 101

III
Abreviaturas

VF – Viagem Filosófica

GAMCUC – Galeria de Antropologia Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

ARF – Alexandre Rodrigues Ferreira

A.C. – Antes de Cristo

IJF – Instituto José Figueiredo

XRF – Análise por espectrometria de fluorescência de raio-X, do inglês “x-ray


fluorescence”

RAMAN - Análise por espectrometria Raman

IR – Do inglês, Infra Red, refere-se à análise por espetrometria de infravermelho

TLC – Do inglês Thin Layer Cromatography - cromatografia de camada fina.

GC – Do inglês Gas Cromatography - cromatografia gasosa.

Obs. - Observações

HPLC – Do inglês High Performance Liquid Cromatography - cromatografia líquida de


alta eficiência.

DAD – Do inglês Diode Array Detector – detetor de de díodos.

C.D.O – Comprimento de Onda

T.R. – Tempo de Retenção

RMN – Ressonância Magnética Nuclear

IV
Resumo

Neste trabalho foi efetuado o estudo da identificação das moléculas da cor em 3 objetos

históricos: duas máscaras dos índios Yurupixuna e uma peça de seda e algodão de cor

púrpura, pertencentes ao espólio da coleção etnográfica do Gabinete de Antropologia

do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (GAMCUC). As duas máscaras

etnográficas, provêm da Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Mato-grosso

e Cuiabá, realizada por Alexandre Rodrigues Ferreira (ARF) em finais do Século XVIII e

a peça de seda e algodão destinada ao fabrico de cabaias, pertence à coleção da China e

Macau, reunida por Alberto Corte Real em finais do século XIX. Além do valor

inestimável dos objetos em si, apresentamos um outro modo de os abordar o que

permite uma alternativa no estudo e uma história mais completa destes objetos.

No caso das máscaras existiam indícios em memórias escritas por ARF, dos pigmentos

utilizados: urucu, crajiru de origem orgânica e ocre de origem inorgânica, os quais com

exceção dos ocres, se verificou já não existirem nas máscaras. A identificação dos

pigmentos existentes nas máscaras foi realizada recorrendo às espectroscopias de

fluorescência de raio X, infravermelho e Raman.

No caso da seda, de cor roxa, foi realizado um estudo exploratório que revelou a

existência de corantes sintéticos, sintetizados na Europa poucos anos antes da recolha,

contrastando assim com conhecimento genericamente aceite de que estes conteriam

corantes de origem natural. Estes compostos foram isolados por cromatografia de alta

eficiência e comparados com amostra de corantes conhecidos. Foi realizada ainda uma

análise por GC-MS, onde se confirmou a presença de corante da família dos

trifenilmetanos e revelou a presença de ácidos gordos.

V
Abstract

In this work we have investigated the source of colour, i.e., which molecules of colour

are present in three historical objects: two masks of the Amazona’s Jurupixuna indians

and a purple fabric of silk and cotton, belonging to the ethnographic collection of the

Anthropology Cabinet of the Science Museum of the University of Coimbra (GAMCUC).

The two ethnographic masks, collected during the Philosophical Voyage undertaken by

Alexandre Rodrigues Ferreira (ARF) in the late 18th century through the Captaincies of

Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso and Cuiabá and purple fabric of silk and cotton

used in the production of traditional chinese garments, part of the China and Macau

collection and obtained by Alberto Corte Real in the late 1800s. Adding to the

inestimable intrinsic value of these pieces, a different way of approaching the study,

allows an improvement to the storytelling of this items.

Concerning the masks there were clues in the memoirs written by ARF of the source

of the pigments used: urucu, crajiru and ochre. The organic pigments can no longer be

found in the masks, only ochre colours remains. These were identified by X-ray

fluorescence (XRF), Infrared (IR) and Raman spectroscopies.

Concerning the purple silk, an exploratory study revealed the existence of synthetic dyes

produced in Europe a few years before the piece was collected, this fact runs against the

conventional wisdom that would point to the presence of dyes of natural origin, since

only synthetic dyes could be found in these samples. These were isolated by HPLC-DAD

and further compared to standard samples. The dye of this sample was also analysed by

GC-MS, witch confirmed the presence of a triphenylmethane dye and also the presence

of fatty acids.

VI
1. INTRODUÇÃO

1
2
1.1. As Máscaras da Viagem Filosófica

A Viagem Filosófica encetada por ARF foi uma consequência da Reforma Pombalina. As

Viagens Filosóficas (efetuadas no final do século XIX para as colónias Portuguesas de

Cabo Verde, Angola, Brasil), constituíram igualmente uma imagem do novo paradigma

que então se instituía na Universidade de Coimbra, o ensino prático, do qual Domingos

Vandelli, lente de História Natural e Química da UC, foi um dos seus promotores. A

entrada e descoberta dum novo mundo, com as suas espécies, riquezas e gentes constitui

um momento único na história de Portugal. Uma história que ficou por contar, muito

por culpa da instabilidade política da época, que levou à queda do Marquês de Pombal e

pouco tempo depois, com as invasões Napoleónicas, à fuga do Rei e sua família para o

Brasil e à perda da história destas coleções, quer porque ficaram por organizar e estudar,

quer pela dispersão que os objetos acabaram por ter. Muitos foram para o Brasil, outros

para França e mais recentemente muitos perderam-se irremediavelmente com o

incêndio das instalações da Escola Politécnica em março de 1978. Ao ter parte do espólio

da coleção da Viagem Filosófica de ARF, a UC permitiu-se ao longo dos últimos 40 anos

ajudar a recuperar a história desta maravilhosa Viagem Filosófica. O que nesta tese se

apresenta é uma visão da origem das cores de algumas das máscaras dos índios

Yurupixuna trazidas para a metrópole por ARF. Ao contrário do que inicialmente

previsto, não foi possível identificar nenhuma molécula da cor de origem orgânica nas

máscaras. Porém, o que hoje se encontra nas máscaras fica estabelecido neste trabalho.

Juntamente com uma viagem global, que permite adicionar um capítulo mais à história

da Viagem Filosófica.

Iniciaremos esta tese com uma introdução aos atores desta história. Quem foi ARF, o

que se conta dos índios cujas máscaras são o objeto de estudo desta tese, que outras

viagens se fizeram, os atores principais, o contexto político da época e o porquê do

interesse nestas viagens.

3
1.1.1. Alexandre Rodrigues Ferreira - Uma Breve Biografia

Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu na cidade da Baía, Capitania do Brasil com o

mesmo nome, no dia 27 de Abril de 1756. Por vontade paterna seguiu estudos

eclesiásticos e em 20 de Setembro de 1768 tomou ordens menores. A fim de ter uma

boa educação rumou a Coimbra, onde se matriculou na Cadeira de Instituta (nome dado

à cadeira do 1º ano jurídico, anterior à reforma Pombalina) da Universidade de Coimbra1

em 1 de Outubro de 1770, com 14 anos.

Figura 1 – Digitalização da matrícula de Alexandre Rodrigues Ferreira na Cadeira de Instituta2.


[Arquivo da Universidade de Coimbra].

4
Nos anos letivos de 1771-1772 e 1772-1773 a Universidade de Coimbra esteve

encerrada devido à Reforma Pombalina. No ano letivo de 1773-1774 voltamos a

encontrar registo de matrícula no Primeiro ano do Curso Jurídico3 e no ano letivo

seguinte a matrícula na Faculdade de Filosofia4. A última matrícula de ARF, que consta

nos livros de matrículas respeita ao ano letivo de 1775-1776, no Primeiro Ano

Matemático5,6. Em 10 de Janeiro de 1779 obteve o grau de doutor, sendo o seu padrinho

de cerimónia, o seu professor e mentor Domingos Vandelli.

Figura 2 - Digitalizações: à esquerda temos a digitalização da matrícula de ARF no 1º ano do


Curso Jurídico3, no ano letivo de 1773/74; e na digitalização do lado direito pode-se ver a
matrícula na Faculdade de Filosofia4, no ano letivo de 1774/75. [Arquivo da Universidade de
Coimbra].

5
Figura 3 – Digitalização da matrícula de ARF no ano letivo de
1775/765. [Arquivo da Universidade de Coimbra].

Durante os anos de 1777 e 1778 foi ainda Demonstrador de História Natural na

Universidade de Coimbra1. A 22 de Maio de 1780 foi nomeado correspondente da

Academia de Ciências de Lisboa. Fez a Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará,

Mato-grosso e Cuiabá de 1783 a 1792.

Casou com D. Germana Pereira de Queiróz Ferreira a 16 de Setembro de 1792. Em

1793 foi nomeado Oficial da Secretaria, Estado dos Negócios da Marinha e Domínios

Ultramarinos, e no ano seguinte foi condecorado com a Ordem de Cristo. A 7 de

6
Setembro de 1794 assume o cargo de Diretor interino do Real Gabinete de História

Natural e Jardim Botânico, do qual passa a ser Vice-Diretor a 11 de Setembro de 1795,

ano em que foi designado Administrador das Reais Quintas e posteriormente, Deputado

da Real Junta do Comércio. Faleceu em Lisboa a 23 de Abril de 18157.

Figura 4 - Retrato de D. José I, por Miguel António do Amaral em 1773.


[Fonte: Wikipédia]

Figura 5 - Retrato do Marquês de Pombal (título obtido em 1770) [por Francisco José Resende,
1882, Reitoria da UC]. O Marquês de Pombal, Primeiro-ministro do Reinado de D. José I, de
1755 a 1777, foi o responsável pela Reforma Pombalina na Universidade de Coimbra.

7
1.1.2. Domingos Vandelli- Professor e Mentor

Domingos Vandelli foi uma personagem determinante na definição das Viagens

Filosóficas. Naturalista e químico, foi convidado pelo Marquês de Pombal para lecionar

História Natural e Química na Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, e

também seria responsável pela organização do Jardim Botânico, do Museu de História

Natural e do Laboratório de Química. Um verdadeiro homem do Iluminismo,

correspondeu-se com Lineu e foi membro fundador da Academia Real das Ciências de

Lisboa, criada em 17798. Desde 1765 que Lineu recomendava a Vandelli que fosse

realizada uma viagem científica ao Brasil para a investigação natural desse país com tanto

ainda por descobrir9.

Figura 6 - Placa evocativa de Domenico Vandelli (1739-1816) no Jardim Botânico da


Universidade de Coimbra. [http://percursosquimicos.blogspot.pt/2009/07/pq-uc-placa-
evocativa-de-domenico.html]

8
Já em 1768 Vandelli tinha sido incumbido pelo rei Dom José I, de estabelecer um Real

Museu e Jardim Botânico junto ao Palácio Real da Ajuda, cuja finalidade seria dual:

proporcionar ao príncipe uma educação científica aliada à sua formação humanística, o

que faria dele um monarca esclarecido e criar um local para experiências de agricultura

em larga escala, o que reverteria futuramente em benefícios económicos para a nação.

O Jardim deveria ser “recheado” com produtos dos reinos animal, vegetal e mineral,

provenientes das colónias. Inventariar-se-iam as riquezas por meio da ciência com a

finalidade de descobrir novas espécies e contribuir para o desenvolvimento científico e

económico de Portugal10.

1.1.3. Explorações Científicas do século XVIII

A necessidade de realizar expedições científicas às colónias é criada não só pela sede do

saber mas também por aspetos de ordem económica e geopolítica. Economicamente

vivia-se a crise do ouro, esta tinha começado nos primeiros anos da década de 1760 e

estava-se a agravar11; em 1778 é assinado o Tratado de Santo Ildefonso que trouxe novas

configurações geográficas à América Portuguesa. As primeiras referências de Vandelli

sobre as viagens para as colónias datam de 1778, é a partir deste ano que começam a

ser elaboradas as expedições das comissões demarcadoras de fronteiras que partiriam

para o Brasil e em 1780, Vandelli sugere que um naturalista acompanhe as expedições

demarcadoras de fronteiras. Findo o Reinado de D. José I, e já no reinado de D. Maria,

o então Ministro e Secretário de Estado Martinho de Mello e Castro (fez parte de dois

governos, um no reinado de D. José I e do Marquês de Pombal e o outro no reinado de

D. Maria), impulsionado pelas razões acima descritas, ordena então que Vandelli lhe

proponha um indivíduo, que aos precisos conhecimentos juntasse as outras qualidades

9
para empreender uma Viagem Filosófica e dela recolhesse tais resultados que

preenchessem as intenções do Governo1.

Figura 8 - Retrato de D. Maria I, Figura 7 - Retrato de Martinho Melo e


por José Leandro de Carvalho. Castro. [Fonte: Wikipédia].
[Fonte: Wikipédia].

Vandelli indica Alexandre Rodrigues Ferreira e este aceita tal tarefa. Partiu para Lisboa

a 15 de Julho de 1778, mas a viagem só teria início 5 anos mais tarde.

Esses 5 anos foram aproveitados para preparar a Viagem, em trabalhos de campo, como

por exemplo na mina de carvão de pedra em Buarcos, na redação e descrição dos

produtos naturais do Real Museu da Ajuda, na elaboração de instruções que serviriam

para que diferentes elementos, com diferentes formações, se preparassem no

acompanhamento das expedições científicas, exemplificando: formar os empregados do

Real Museu da Ajuda na recolha, preparação e remessa dos produtos naturais destinados

ao dito Museu. Este documento redigido em 1781, ficou manuscrito e encontra-se

atualmente depositado no Museu Bocage, sendo seu título: “Método de recolher,

preparar, remeter e conservar os produtos naturais seguindo do plano, que tem


10
concebido, e publicado alguns naturalistas, para uso dos curiosos que visitam os sertões,

e costas do mar”. Neste manuscrito existem anotações feitas por ARF, o que indica que

possivelmente colaborou na sua preparação1,10.

Figura 9 - Império Português no Século XVIII. [Retirado de:


http://histgeo6.blogspot.pt/2013/10/o-imperio-portugues-no-seculo-xviii.html]

Como o império Português não se cingia ao brasil, na mesma época em que é realizada

a Viagem Filosófica por ARF, outras três viagens são efetuadas para diferentes colónias

Portuguesas. Para Goa e Moçambique, foi enviado o naturalista Manoel Galvão da Silva,

acompanhado do jardineiro José da Costa e do riscador Antônio Gomes. Para Angola

partiram os naturalistas Ângelo Donati e José Joaquim da Silva, este último comandaria

a expedição, com o desenhista José António, e outra expedição seguiu para Cabo Verde,

estando à sua frente o naturalista João da Silva Feijó, este não se fez acompanhar de

desenhista, pois sabia desenhar e traçar cartas geográficas10.

11
1.1.4. Outras Expedições Científicas na Amazónia: antes e depois da Viagem

Filosófica

Desde a descoberta ou chegada dos Portugueses ao Brasil, a 22 de abril de 1500, que o

país foi percorrido por expedições, que no início tinham um carácter mais de

reconhecimento geográfico, mas que ao longo dos tempos até meados do século XVII

foram passando para um reconhecimento de riquezas imediatas, como os minerais e

sobretudo o ouro. Em 1638 ocorre a primeira expedição naturalista (apesar de não ter

percorrido o Amazonas é aqui mencionada por ser a primeira), a mando da Companhia

Holandesa das Índias Ocidentais, norteada pelo Conde Mauricio de Nassau, mas cujo

espírito pode ser personificado por Georg Marcgrave, dela resultaram coleções de

história natural e diversos manuscritos sobra astronomia, matemática, história natural e

medicina, sendo de salientar a obra de 8 volumes Historia Naturalis Brasiliae, publicada

em 164812.

Em 1743, Charles Marie La Condamine, que tinha participado, em solo equatoriano,

numa expedição para averiguar da verdade sobre a esfericidade ou achatamento da

Terra nos pólos, fez a viagem de regresso a França, indo do Quito até ao oceano

Atlântico, pelo rio Amazonas, aproveitando para fazer a cartografia do rio e descrevendo

superficialmente a flora e fauna assim como os povos e lugares por onde passou.

A 26 de Fevereiro de 1745 chegou a Paris levando consigo uma coleção de mais de 200

objetos relativos à história natural e à antropologia da bacia amazónica. Ainda em 1745

publicou nas Memoires de l’Academie des Science, um relato da sua viagem, acompanhado

das medições realizadas e de um mapa do curso do rio Amazonas, onde descreve o canal

que liga as duas bacias hidrográficas: do Amazonas e do Orinoco, e também o modo de

obtenção e efeitos do curare13.

12
Figura 10 - Capa da 1ª edição da Historia Naturalis Brasiliae.[Fonte: Wikipédia].

Figura 101 – Retrato de Charles Marie La Condamine, por Carmontelle, 1760.


[Fonte: Wikipédia].

13
Desde a Viagem Filosófica de ARF que decorreu de 1783 a 1792, até princípios do século

XIX, não seriam possíveis expedições científicas estrangeiras no Brasil12,no tumulto de

disputas internas e externas pelas riquezas brasileiras, o melhor era ter cuidado, assim a

Coroa Portuguesa não permitia que “vasculhassem” a sua colónia. Foi o que aconteceu

a Alexander von Humbodlt, em 1799, que apesar de chegar ao Rio Negro pelo

Cassiquare, foi logo inquirido pelo Capitão General do Pará sobre suas intenções em

viajar pelas regiões inóspitas da Amazónia. Certo é que a expedição em que Humboldt

participava, voltou a seguir para norte e não entrou na Amazónia12.

Figura 11 - Rota da Expedição de Alexander von Humboldt (1799 a 1804)


[Retirado de: http://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt].

Entre os anos de 1817 a 1820 outra famosa expedição percorreu o percurso indicado

na figura 13. O zoólogo Johann Baptist von Spix e o botânico Carl Friedrich Philipp von

Martius, ambos membros da Academia de Ciências de Munique, tiveram a sua demanda

solicitada pelo Rei Maximilian Joseph I da Baviera14.

14
Figura 12 - Percurso da Expedição de Martius e Spix15.

A parte da viagem feita a partir de Belém, no mês de Julho de 1819, e entrando pela

Bacia do Amazonas durou 8 meses, na maioria dos quais fizeram suas investigações

separadamente, percorrendo as imediações dos rios Amazonas, Solimões, Negro e

Japurá até à atual fronteira com a Colômbia, retornando a Belém em abril de 1820, de

onde partiram para a Europa com uma enorme coleção de objetos zoo-botânicos,

etnográficos e minerais para enriquecerem os seus gabinetes naturais14.

Figura 13 - Retratos de Johann Baptist von Spix e Carl


Friedrich Philipp von Martius.[Fonte:Wikipédia].

15
É difícil apurar ao certo qual o espólio resultante desta expedição que tenha sido

recolhido na Amazónia, mas ao todo Spix e Martius recolheram 3541 animais e 6500

plantas, transportaram ainda animais e plantas vivos para a Europa assim como quatro

índios, dois morreram durante a viagem, e uma menina da tribo Miranha e um rapaz Juri

morreram já em Munique14. Quando regressaram a Munique organizaram o espólio

reunido e compuseram as anotações e relatos da viagem, em 1823 publicam o primeiro

de uma obra de 3 volumes, Viagem pelo Brasil (Reise in Brasilien). Os outros dois volumes

foram publicados já depois da morte de Spix (1826), sendo este reconhecido como co-

autor. Outra grande obra que resultou desta expedição foi a Flora Brasiliensis, cujo

primeiro fascículo de 140, foi publicado em 1840, e o último fascículo em 1915, 47 anos

após a morte de Martius (1868)16.

Outras expedições científicas foram realizadas no início do século XIX a terras

Brasileiras, não entrando na Amazónia como - Humboldt (1799-1804), Wied Neuwied

(1815-1817), August de Saint-Hilaire (1816-1822), Johann Baptist Emanuel Pohl (1817-

1821), Georg Heinrich von Langsdorf (1824-1829). Excetuando a primeira, que por

razões políticas não entrou na Amazónia, todas foram a regiões diferentes do Brasil, e

na expedição de Langsdorf, que teve contacto com zonas parecidas com o Amazonas,

podemos ler relatos sobre a dificuldade de navegar e fazer o que fosse em floresta

tropical17, o que pode ser a razão principal do afastamento destas explorações ao norte

do Brasil.

16
1.1.5. A Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira

Às seis horas e trinta minutos do dia 1 de setembro de 1783, parte Alexandre Rodrigues

Ferreira, a bordo da charrua Águia e Coração de Jesus. Como seus auxiliares na

expedição foram dois desenhadores, José Joaquim Freire e Joaquim José Codina e o

jardineiro botânico Agostinho José do Cabo1. É de salientar que no plano original de

Vandelli, a equipa e os meios para a exploração seriam mais numerosos. No entanto, no

outono de 1782 a equipa de matemáticos, químicos, militares e professores ficou cingida

aos quatro elementos referidos; em vez de quatro naturalistas, a expedição poderia

agora contar apenas com um e a ele caberia a coleta de espécimes, classificação e

preparação para o envio para Lisboa do material recolhido, estudos sobre agricultura,

desenho de mapas populacionais e de produção agrícola, estudos sobre os produtos

naturais e industriais locais, a verificação das condições materiais das vilas e fortalezas18,

entre outras tarefas que foi depois realizando.

A charrua Águia e Coração de Jesus com ARF chegou ao Pará às dezoito horas e trinta

minutos do dia 21 de outubro de 17831.

17
Figura 14 - Mapa que mostra o percurso da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira
(1783-1792)19.

18
Durante os quase 9 anos que ARF esteve no Brasil percorreu mais de 39000 quilómetros

pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá20 num longo percurso, que

se encontra descrito na figura 15. Ao longo desta viagem ARF foi enviando para o Real

Gabinete da Ajuda em Lisboa os materiais que ia recolhendo, exemplares dos três

reinos, peças das indústrias dos indígenas, as suas armas, vestes, adereços e tudo o que

lhe parecia ter interesse para quem lhe havia comissionado a expedição. Após a morte

de ARF, em Julho de 1815, Dona Germana, sua viúva, entregou a Félix de Avelar Brotero,

para serem conservados no Real Museu da Ajuda, os documentos manuscritos

pertencentes à Viagem Filosófica, tudo catalogado num documento de dezoito folhas

não numeradas7, nele estavam enumerados 231 manuscritos, 8 mapas geográficos, 15

desenhos, 997 estampas e 97 gravuras21. Alguns destes documentos desapareceram.

Quanto aos exemplares que ARF remeteu para o Real Gabinete da Ajuda não foi

encontrada uma descrição completa, mas sabe-se que entre 1803 e 1804 foram cedidos

por Vandelli ao General Lannes 126 aves, 2185 conchas e 15 exemplares de pepitas de

ouro21. Em 1808 o espólio é novamente delapidado por Geoffroy de Saint Hillaire que

levou do reino animal 76 mamíferos, 284 aves, 32 répteis, 97 peixes, 468 conchas, 12

crustáceos e 532 insetos, do reino vegetal foram levadas 2855 peças e do reino mineral

59 exemplares. Em 1816 foi criado no Rio de Janeiro um Museu de História Natural,

para onde também foi parte da coleção que na altura existia na Ajuda21. Em 1836 o

Museu da Ajuda foi encerrado e o seu acervo movido para a Academia Real das

Ciências21. Em 1858 as peças correspondentes à História Natural foram movidas para a

Escola Politécnica, ficando na Academia a componente etnográfica21. Em 1892 houve uma

exposição em Madrid, para a qual foram emprestadas peças, que não foram devolvidas

na sua totalidade. Em 1978 um fogo de origem criminosa decorreu na Faculdade de

19
Ciências de Lisboa (antiga Escola Politécnica) e o que lá estava da componente de

História Natural da Viagem Filosófica perdeu-se para todo o sempre.

O que resta hoje em dia, que inclui produtos manufaturados pelos índios e usados no

seu dia-a-dia, como armas, plumária, louças, vestes, máscaras e outros mais, pode ser

encontrado nas coleções etnográficas da Academia das Ciências e Galeria de

Antropologia do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Na impossibilidade de

visita à Galeria de Antropologia do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra ou à

Academia de Ciências em Lisboa, o leitor pode visionar o espólio na obra de três

volumes, Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira- Coleção Etnográfica,

editada pela Editorial Kapa, em 2005. Existem ainda exemplares animais e minerais nas

outras galerias do Museu da Ciência, mas não é clara a quantidade e quais os espécimes

ao certo.

1.1.6. Coleção Etnográfica Resultante da Viagem Filosófica na Galeria de

Antropologia do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

O Museu de História Natural da Universidade de Coimbra, por acordo (não foi

encontrada documentação específica sobre este assunto), recebe em 1801, vindos do

Real Museu de História Natural da Ajuda, dois conjuntos de produtos, um de exemplares

dos três reinos e outro de objetos etnográficos, composto por mais de quatro centenas

dos chamados “Productos Industriáes”20. Este envio está documentado na “Relação Dos

Produtos naturais e industraes que deste Real Museu se remetterão para a Universidade de

Coimbra em 1806”.20 Os produtos industriais consistem em diversos objetos produzidos

pelos Índios, como suas vestimentas, objetos de adorno, serviços de cama e de cozinha,

20
utensílios para tabaco, brinquedos, instrumentos musicais, louças, armas, entre outros e

por último “ Farças, e máscaras para os bayles- 13”.20

Estes últimos treze objetos referidos são máscaras que na atualidade mais

frequentemente são atribuídas à tribo Jurupixuna.

1.1.7. Máscaras da Tribo Jurupixuna

Embora a relação anteriormente referida não seja específica quanto ao número de

máscaras, resulta do que nela está escrito, a impressão de que vieram para Coimbra em

algum momento anterior a 1806.

Figura 15 - Extrato da Relação de 1806, sobre as máscaras20.

Onde se pode ler:

“Farças e máscaras para os bayles.

Forão as que já se remetterão, feitas de en


trecascas das arvores; as quaes lhes ser
vem de papelão, para o pintarem, e fa
zerem delle as figuras de vários Ani
máes.”

21
A referência seguinte que se encontra sobre estas máscaras provém do inventário, de

14 de Outubro de 1829, intitulado “Espingardas antigas. Armas, e utensílios dos Índios.

Madeiras, cascas, raízes, e outros productos vegetaes”

Figura 16 - Digitalização da entrada do inventário de 1829, que diz respeito às máscaras dos
Índios Jurupixuna. [Fonte: inventário do Gabinete de História Natural da Universidade de
Coimbra de 1829].

Este inventário localiza as máscaras na Secção de Antropologia do Museu de Coimbra,

sito na altura no Colégio de Jesus, na 5ª sala. Em Julho de 1850 o Inventário do Gabinete

de História Natural afirma que a coleção etnográfica está na 8ª sala reservada às

Antiguidades, mas apenas refere doze máscaras. Mais tarde, em1881 é redigido novo

inventário que menciona treze Idolos dos indios. Entre 1910 e 1912, é inventariada por

Adolfo Frederico Moller, a existência de 13 máscaras e adicionada alguma informação20:

“…13 máscaras, alvejadas e pintadas…estas máscaras são feitas e usadas pelos índios

Tikunas, que habitam a provincia do Maranhão e margem norte do Rio Solimões…única tribo

da bacia hydrographica so Amazonas que tem disfarces…”

Faz-se notar que, no texto, aparece referência à tribo Ticuna como a autora das

máscaras e não a tribo Jurupixuna. Este facto é repetido pela investigadora Tekla

Harttman , que em 1981, no Museu e Laboratório Antropológico de Coimbra ( atual

22
GAMCUC), reconhece uma máscara aí existente, como a representada na aguarela de

Joaquim José Codina.

Figura 17 - Digitalização da aguarela de Codina, que constitui a Tábua IVª, do


ano de 178724.

23
Foi a partir desta data que foram identificados os objetos etnográficos como

pertencentes à coleção etnográfica resultante da Viagem Filosófica (Memória da

Amazónia, p.109).

Figura 18 - Cortejo solene dos Ticunas aguarela feita na expedição de Spix e


Martius[retirado de
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bma/obras_desaparecidas/in
dex.php?p=1105].

Máscaras deste tipo só tinham sido descritas por Spix e Martius (página149 da referência

28), e fazem hoje dia parte da coleção de Spix e Martius do Museu de Etnologia de

Munique.

Como pelas memórias de ARF7, sabemos que ele descreve as máscaras que recolheu,

quanto ao seu uso e modo de fabrico, como sendo resultante do contacto com a tribo

Jurupixuna, então podemos dizer que, muito provavelmente, elas foram fabricadas por

esta tribo.

24
Br.135 Br.136 Br.137 Br.138 Br.139

25
Br.140 Br.141 Br.142 Br.143 Br.144

Br.145 Br.146 Br.147


Figura 19 - Fotografias das 13 máscaras da Tribo Jurupixuna da GAMCUC, com o respetivo número de inventário. De salientar que as máscaras
Br.138, Br.144, Br.145 e Br.146, são denominadas bicéfalas, pois como se pode observar, têm duas representações na mesma máscara.
Do que foi pesquisado no decorrer deste trabalho, encontraram-se várias fontes que

identificam a tribo Jurupixuna como não sendo a única a fazer máscaras, nem a pintar a

sua boca de preto22,23. Contudo no terceiro volume da obra Handbook of South American

Indians, encontramos referência aos Jurupixuna, num capítulo redigido por Alfred

Métraux seguido de outro redigido por Curt Nimuendajú sobre os Ticunas; é de referir

que esta tribo ainda hoje existe, enquanto a tribo dos Jurupixunas há muito que

desapareceu.

Hoje em dia a coleção de 13 máscaras encontra-se na GAMCUC, no terceiro piso do

Colégio de São Bento, e um outro conjunto de 14 máscaras, na Academia de Ciências

em Lisboa.

1.1.8. Os Índios Jurupixuna e as suas Máscaras

A informação existente sobre esta tribo não é muita, embora haja breves descrições

feitas por alguns autores, como por exemplo José Monteiro Noronha23 e Alfred Russel

Wallace22. No entanto, nenhuma é tão descritiva das suas cerimónias e uso das máscaras

como as memórias escritas por ARF (a transcrição destas memórias pode ser consultada

nos Anexos I e II deste trabalho). Através das memórias de ARF ficamos a saber que o

nome Yurupixuna (Juri ou Yuri) se deve ao facto destes Índios pintarem a zona à volta

da boca de preto, yuru = boca e pixuna = negro; ficamos também a saber que as máscaras

foram recolhidas na Povoação das Caldas em Setembro de 1785 e que seriam usadas em

bailes que constituíam formas de celebração de caçadas e pescarias, mas também uma

ocupação séria e importante, que envolveria todas as circunstâncias da vida pública e

privada, servindo até de apoio para as suas deliberações. Alguns dos exemplos são os

do entendimento entre aldeias, declaração de guerra, consulta de oráculos, cura de

26
doenças, entre outros. Sobre o seu modo de fabrico ficamos a saber também que para

construir as máscaras, era tecida uma estrutura de vime sobre a qual era aplicada

entrecasca da árvore Caxinduba, que depois de batida teria a consistência do papelão.

A máscara era posteriormente pintada com ocra, com o urucu e carajuru.

Figura 20 - Digitalização da Tábua 1ª de Codina, representando os Índios Jurupixuna. É esta a


tábua 1ª, referida na memória de ARF sobre os gentios Yurupixunas. ( Anexo II)24.

27
1.2. Tecido de Seda e Algodão Usado no Fabrico de Cabaias Pertencente à

Coleção da China e de Macau (1880-1882)

Figura 21 - Foto da etiqueta que acompanha a peça de estudo. Um côvado equivale


sensivelmente a 0.37 m.

1.2.1. Coleção da China e de Macau no Museu da Ciência da Universidade de

Coimbra

No decorrer do século XIX, e por razões que tiveram início em meados do século XVIII,

e já referidas anteriormente, Portugal continua a procurar a ocupação e reconhecimento

efetivo das colónias. Desta forma, aliado aos interesses de ordem política e económica,

o conhecimento científico dos materiais desses espaços ultramarinos apresentava-se

como primordial para depois poderem ser explorados esses territórios. É com esta

premissa que se reforça a constituição de coleções científicas e, no caso específico, a

Coleção da China e de Macau do GAMCUC.

28
A recolha desta coleção foi motivada por Júlio Henriques, Diretor do Jardim Botânico e

Lente de Botânica e Agricultura, que reconheceu que os exemplares à altura existentes

no acervo botânico da Universidade de Coimbra, de origem vegetal, eram poucos e de

pouco interesse. Assim contacta um conhecido seu, que na altura era Secretário do

Governo-Geral de Macau – Alberto H. C. Corte-Real, pedindo-lhe exemplares da flora

nativa e objetos produzidos a partir de matérias-primas vegetais, para assim dar a

conhecer a utilidade do estudo do reino vegetal25.

As recolhas foram levadas a cabo por uma Comissão de representantes da administração

colonial, orientada por Corte-Real. Inicialmente circunscritas a Macau e algumas

localidades da China, acabaram por se estender até Timor. Depois de reunido o material

das recolhas foram feitas duas exposições em Macau e só depois remetido ao Museu

Colonial de Lisboa e ao Museu Botânico de Coimbra, em duas remessas expedidas em

1880 e em 1882. O conjunto de material coletado neste período constitui uma parte

maioritária (92%) das coleções da China e Macau atualmente na Galeria de Antropologia

do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra25.

1.2.2. Peça de Seda Roxa com o Número de Inventário ANT.M.227

A seda é um bem precioso desde tempos imemoriais, sendo a China um dos países que

produziu e comercializou a seda de um modo mais consistente durante mais tempo26;

desde o terceiro milénio A.C. até ao século XV. Foi nesta data que a sua importância

comercial da China começou a diminuir, talvez pelo desaparecimento da rota da seda,

impossibilitada pela dissolução do Império Mongol, e ao mesmo tempo pelo

aparecimento crescente de concorrência da Índia, Japão, Itália e França na produção e

comércio desse bem26,27.

29
A peça de tecido em estudo serviria para fazer cabaias. Um exemplo desta peça de

vestuário tradicional Chinesa pode ser observado na figura 23.

Figura 22 - Foto de cabaia em seda com bordado chinês da dinastia Quing (1644-1911),

na exposição temporária do Sul ao Sol, parte da coleção Camilo Pessanha do Museu

Nacional Machado de Castro.

30
2. PARTE EXPERIMENTAL
E RESULTADOS
31
32
2.1. Identificação de Pigmentos nas Máscaras da Viagem Filosófica

2.1.1. Pigmentos Relatados por ARF

Na memória VII de Alexandre Rodrigues Ferreira1 (Anexo I), os pigmentos utilizados no

fabrico das máscaras são: ocra (óxidos de ferro que podem ser hematite - Fe2O3,

magnetite - FeO . Fe2O3, FeO, Goetite - FeOOH), urucu, extrato de sementes de Bixa

orelana, também conhecido como anato (contendo como fontes de cor os polienos,

bixina e norbixina) e carajuru, extraído de folhas de Arrabidaea chica (uma antocianina),

ver figuras 25 e 26.

Figura 23 - Estruturas da bixina e da norbixina.

Figura 24 - Estrutura da carajurina.

33
2.1.2. Justificação da Escolha das Amostras
As máscaras estudadas foram intervencionadas algumas vezes. No entanto, quantas não

se sabe, existindo provas de três intervenções:

1ª – Em 1829, no registo de inventário desse ano pode ler-se: “… apenas 4 se encontram

como vierão, as outras já cá se pintarão.”

2ª – Restauro realizado de 1983 a 1985 no Instituto José Figueiredo (IJF) (único local

onde foram realizadas análises químicas), onde é identificado o urucu. (Resumo deste

relatório pode ser encontrado no Anexo III).

3ª- Restauro realizado em 2005 por Pedro Sales. (Resumo deste relatório pode ser

encontrado no Anexo IV).

Tendo lido o relatório de restauro de 1983-85, considerámos que uma peça adequada

para iniciar a procura de vestígios dos corantes orgânicos seria a de uma máscara onde

já o tivessem identificado; daí a escolha da máscara Br.147.

Figura 25 - Foto da Máscara Br.147.


34
No entanto, no decorrer da análise das amostras desta máscara, só foram encontrados

pigmentos inorgânicos, não se confirmando a existência de qualquer composto de

origem orgânica. Estes resultados encontram-se resumidos nos pontos 2.2.2 e 2.2.3

deste capítulo.

Na obra Memória da Amazónia28, página 150, podemos ler relativamente a uma túnica,

também ela pertença da coleção ARF e usada como complemento ao que seriam os

“fatos para o baile”, como podemos ver na Figura 26:

Figura 26 - Aguarela de Codina28.

35
“Apesar de não ter mangas, este manto tem um motivo decorativo circular grande o qual é o

reminiscente do manto da máscara da direita do desenho de Codina. Adicionalmente, a

ilustração também documenta as cores e tons originais das pinturas dos Jurupixuna da peça,

os quais com o tempo, desvaneceram para castanhos escuro e claro.”

Ainda na mesma obra, página 109, podemos ler:

“A identificação do material da Viagem Filosófica foi levada a cabo em 1981, quando o Museu

Antropológico e Laboratório em Coimbra reconheceram parte do seu acervo como uma das

máscaras representadas numa aguarela de José de Codina,…”

Ainda que se tenha de verificar por análise molecular e que antropologicamente não se

possa afirmar que existe correspondência exata entre as aguarelas, que podem ter uma

componente fantasiosa, e os objetos em si, elas são uma referência utilizada

anteriormente para identificação das máscaras quanto à sua proveniência e suas cores

originais.

Figura 27 - No lado esquerdo podemos ver um pormenor da aguarela de


Codina e à direita uma foto da máscara Br.136, tirada no decorrer deste
trabalho.

Retornando à aguarela de Codina e comparando-a com a máscara Br.136 (Figura 27),

nota-se que o vermelho existia de uma forma diferente (no cornicho completamente

36
vermelho e não listado como aparece agora; nos olhos, no pescoço, etc., onde aparece

de forma muito diferente). Tal revela de forma inequívoca que houve uma intervenção

na máscara original, aliás como já se tinha mencionado anteriormente em 1829, aquando

do registo de inventário desse ano pode ler-se-. “…apenas quatro se encontram como

vierão, as outras já se pintarão.”

Várias questões se colocam. Desde logo, será que o que antes foi vermelho, pode ter

degradado (adquirindo um tom amarelado)? Ou será que é verniz à base de poli(etileno-

vinil-acetato:cloreto de vinilo)oxidado? (Este detetado no decorrer deste trabalho e

identificado como tal por análise de espectro de infravermelho). Uma observação mais

detalhada revela que as zonas vermelhas da aguarela (Figura 27) correspondem a zonas

amareladas na máscara da coleção GAMCUC, daqui podemos concluir que as orelhas, a

espiral no “cornicho” e os “óculos” constituem adições posteriores à pintura original.

Estes foram, em parte, alguns dos motivos conducentes ao estudo e forma de

amostragem da máscara Br.136.

Figura 28 – Fotografia da máscara Br.136.

37
2.2. Amostragem da máscara Br.147

A amostragem foi realizada por destacamento ou raspagem com bisturi, conforme o

local de amostragem da máscara.

Figura 28 – Amostragem da
amostra Br.147_1.

Figura 29 – Amostragem da
amostra Br.147_2.

38
Figura 32 – Amostragem da
amostra Br.147_3

Figura 33 – amostragem da
amostra Br.147_4.

Figura 34 – amostragem da
amostra Br.147_5.

39
2.2.1. Descrição das amostras da máscara Br.147

As amostras revelaram-se muito idênticas dentro do conjunto.

Figura 35 – Foto da amostra Br.147_1 obtida com microscópio ótico com ampliação de 40x.

A amostra Br.147_1 possui dois lados diferentes, em que (i) a camada superior onde se

encontra uma cor avermelhada que se apresenta como heterogénea, com partículas de

diferentes cores e tamanhos; (ii) a camada inferior é esbranquiçada e também de carácter

heterogéneo.

40
Fig. 36 – Foto da amostra Br.147_4, obtida com microscópio ótico com ampliação de 20x.

No caso da amostra Br.147_4 existem dois lados diferentes, a camada superior onde se

pode ver cor avermelhada e rosa é heterogénea, apresentando partículas de diferentes

cores e tamanhos, a camada inferior é esbranquiçada, heterogénea e contém fibras.

Nas figuras seguintes 37 e 38 apresentam-se os espectros IR e Raman para a amostra

147_2, ilustrando como foram obtidos os dados que constam na Tabela 1 e Tabela 2.

41
Figura 37 – Espectro de infravermelho para a amostra Br.142 e respetivos componentes.

Espectro Raman - amostra 147_2

1319 1580
15000
1087
1009 1350

619 670 1136


Intensidade (u.a.)

292 411
12000 495

226

Hematite
Negro de carvão
9000
Gesso
Carbonato de cálcio

400 800 1200 1600


-1
(Número de onda cm )

Figura 38 – Espectro de Raman para a amostra Br.147_2

42
2.2.2. Tabela 1 – Resumo das Análises Realizadas às Amostras da Máscara Br.147

Amostra Cor XRF RAMAN IR Obs.


Br.147_1 Vermelho

Fe, Cu, Pb, Ca, Si, K, S, Ti fluorescência, CaCO3 1086 cm-1

Br.147.1 vermelho

Fe, Cu, Pb, Ca, Si, K, S, Ti


interior

Br.147_2 vermelho
pescoço mais
CaCO3, gesso, vermelho
Fe, Pb, Ti, Ca, S e K Negro de carvão, hematite, CaCO3, gesso
caulino

Br.147_2 branco

Si, K, Ca, Ti, Fe, Pb

43
Br.147_4 vermelho
K, Ca, Ti, Fe, Pb branco fluoresce, CaCO3, hematite, magnetite ocre
Br.147_4 branco (reverso)
Si, Ca, K, Ti, Fe, Pb, Cu testa branco
(vestigial), Zn (vestigial) reverso
Br.147_5 vermelho
(221, 189, 408 ocre vermelho),
Si, S, K, Ca, Fe ,Ti, Pb (223,243,289,408 Fe2O3), 1008 cm-1 ocra talco, caulino,
(vestigial) mica, mineralite
calda(mistura de hematite, magnetite e MnO)
Br.147_5 vermelho
pontos mais
Si, K, Ca, Fe (muito menos)
escuros
44
2.2.3. Análise Microscópica de Cortes Estratigráficos Pictóricos para a

Máscara Br.147

a) b)

c) d)

e) f)

Figura 39 - Fotos tiradas com microscópio ótico, dos cortes transversais; a), c) e e) fotos com
ampliação respetivamente de 10,20 e 50x, com filtro F4 (luz polarizada); b), d) e f) com as
mesmas ampliações e filtro F8 (para fluorescência; luz azul).

As análises por espectroscopia de Raman destas estratigrafias indicaram:

- Camada de cima (avermelhada) – hematite, gesso e carbonato de cálcio

- Camada intermédia (esbranquiçada) – carbonato de cálcio

- Camada de baixo (alaranjada) - vermelho de chumbo Pb3O4 e carbonato.

45
2.3. Amostragem da máscara Br.136

Figura 40 – Amostragem da amostra


Br.136_1.

Figura 41 – Amostragem da amostra


Br.136_2.

Figura 42 – Amostragem da amostra


Br.136_3.

46
Figura 43 – Amostragem da amostra
Br.136_4.

Figura 44 – Amostragem da amostra


Br.136_5.

Figura 45 – Amostragem da amostra


Br.136_7.

47
Figura 46 – Amostragem da amostra
Br.136_8.

Figura 47 – Amostragem da amostra


Br.136_9.

Figura 48 – Amostragem da amostra


Br.136_10.

48
Figura 49 – Amostragem da amostra
Br.136_11.

2.3.1. Descrição das Amostras da Máscara Br.136

As amostras revelaram-se muito idênticas dentro do conjunto.

Amostras com camada superior heterogénea, cerosa e de cor amarelada e visivelmente

cobertas com pó; a camada inferior contém fibras e apresenta cor branca.

Figura 50 – Foto da amostra Br.136_4, obtida com microscópio ótico com ampliação de 50x.

49
Figura 51 - Foto da amostra Br.136_4 verso, obtida com microscópio ótico com ampliação de
50x.

Na figura 52 apresenta-se o espectro XRF para a amostra 136_2_a, ilustrando como


foram obtidos os dados para este tipo de análise que constam na Tabela 1 e Tabela 2.

Análise XRF da amostra 136_2_a


K, K, K Ca
1000 KFe

K, K, K K


Contagens

K Ti
500

0
2,5317; 5,6732; 8,8147; 11,9562; 15,0977; 18,2392; 21,3807; 24,5222;
KeV

Figura 52 – Espectro de XRF, para a amostra 136_2, leitura a).

50
2.3.2. Tabela 2 – Resumo das análises realizadas às amostras da máscara Br.136

Referência Br.136_1 Br.136_2 Br.136_3


Cor Amarelo acastanhado Amarelo acastanhado Amarelo acastanhado

Foto micro.

Obs./descr. Camada superior cerosa,com PVA Parece ter fibras na camada inferior Parece ter fibras na camada inferior
Camada inferior com caulino

XRF 136_1_a - Fe, K, Mn, Pb 2a – Fe, Ca, K, Ti 3a - Fe, Ca, K, Ti, Cl, S ( frente)

136_1_b - Fe, K, Ti, Ca 2b – Fe, Ca, Ti, K, Mn 3b - “”, + Ca, e pouco menos de Fe

136_1_c - Fe, Mn, K, Ti, Ca 2c – Fe, Ca, Ti, K 3c – am + clara, Fe, K, Ba; Ca, Si ( tem
mto pouco Ca e bastante K)
136_1_d - Fe, Ca, Ti,K 2d – Fe, Ca, Ti ( verso?) 3d - am + clara, Fe, K, Ba; Ca, Si, Mn (tem
mto pouco Ca e bastante K)
2e – Fe, pouco Ca, K, Si(?), Ti verso? 3e – pouquíssimo Ca, Fe, Ba, K, Ca (v)

2f – Fe, pouco Ca, K, Ti, verso? 3f- Fe, Ba, K, Ca (v)

Raman Hematite, tem fluorescência


--------------------- ------------------------

IR
---------------------- ----------------
PVA

51
Referência Br.136_4 Br.136_5 Br.136_7
Cor
Amarelo acastanhado Amarelo acastanhado Amarelo acastanhado
Foto
microscópio
Obs./descr.
Camada superior cerosa Camada superior cerosa
XRF 5 a – Fe, Ca, Ti,K, Pb (v), Hg (?)zona mais
4a – Fe, Ca, Ti, Cu 7 a – Fe, Ca, Ti, K,Si ( + claro)
avermelhada
4b – Ca, Fe, Ti, K, Si (+ clara) 5b – Fe, ca, k 7b – Fe, + Ca, Ti, K
4c – Fe, Ca, Ti, K, Cu (v) 5c – Fe, Ca, K, Pb?, Hg? 7c - +Fe, Ti, Ca, K ( + escuro)
5 d – Fe, Ti, - Ca ( verso)
52
Referência Br.136_8 Br.136_9 Br.136_10

Cor Amarelo acastanhado Amarelo acastanhado Amarelo acastanhado

Foto microscópio

8 a – Ca, Fe, Pb, K 9 a – Ca, Fe, K, Ti, Pb 10ª – Ca, Fe, K

8 b – Fe, Ca, Ti, K, Pb(v), Na mm amostra mas


9b- Ca, Fe, Pb, K 10b – “”””””
XRF numa zona mais clara

8 c – com - Fe, mas = 9c - + Ca, - Fe, - Pb ( zona preta) 10c- “””””””( verso)

8d – Fe, Ca, Ti, K, Pb (v), outra am + clara

IR PVA puro. --------------------------


-----------------------

53
Referência Br.136_11 136_6
Cor Amarelo acastanhado Fibra vegetal
Foto microscópio
Obs./descr. Não aparenta ter cor. Não se
sabe qual a fibra.
XRF 11 a – Fe, Ti, k, Ca (v), Mn (v) Zona + clara 6a – Ca, K, Fe,Si
11 b – Fe, Ti, K, Ca intermédia, tem um pouco – 6b – “””””””””
de Fe
11 c- Fe, Ca, Ti, Mn, K – zona mais escura tem +
ferro
54
2.3.3. Análise Microscópica de Cortes Estratigráficos Pictóricos para a

Máscara Br.136

a) b)

c) d)

Figura 53 - Fotos dos cortes transversais; a) e c) fotos com ampliação respetivamente de 10 e


50x, com filtro F4 (luz polarizada); b) e d) com as mesmas ampliações e filtro F8 (para
fluorescência; luz azul).

Camada superior – muito fina, possivelmente pó

Camada inferior – fluorescência possivelmente provocada pelo PVA (indicada pela

análise Raman do corte estratigráfico).

Na figura 50-a), a castanho vemos fibras, a amostra não mostra camadas cromáticas.

55
2.4. Equipamentos utilizados na análise das máscaras

A análise estratigráfica das camadas pictóricas foi realizada com um microscópio Zeiss

Axioplan 2 Imaging com câmara digital de alta resolução. A preparação dos cortes

estratigráficos foi feita utilizando resina acrílica, e as amostras assim preparadas foram

observadas sob luz polarizada e luz ultravioleta.

A análise elementar por µ-fluorescência de raios-X, foi realizada utilizando um

espectrómetro ArtTax EDXRF (Röntec/Bruker) com lente policapilar com resolução de

70 µm.

O espectrómetro utilizado nas análises de µ-FTIR foi um Nicolet Nexus Continuum.

Para as análises de µ-Raman, foi usado um espectrómetro Labram 300 Jobin Yvon, com

lasers a 633 nm e 532 nm.

2.5. Identificação de Corantes na Seda Roxa ANT.M.227

O objeto deste estudo pertence à coleção etnográfica da China e Macau (1880-1882)

do GAMCUC. Objetos dessa coleção fazem parte da exposição temporária do Sul ao

Sol, visitável presentemente no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

Um trabalho realizado anteriormente sobre um corante histórico – a mauveína,

sintetizada em 1856 por William Perkin, o primeiro corante orgânico não existente na

natureza, que valeu a Perkin o título de pai da química fina, levantou uma curiosidade

pela cor apresentada por essa peça de seda e algodão.

56
Sendo a China um país altamente tradicional, e com base em pesquisa de vários

documentos30-34, a suspeita era de presença de corantes naturais. A cor em causa, o roxo

não sendo púrpura de Tiro (extremamente caro) que era muito bom e fixava-se durante

muito tempo nos tecidos, podia ser obtido de líquenes ou da murexida, mas a cor assim

obtida era fugidia35, por isso as suspeitas eram de que o tecido de seda e algodão tivesse

sido tingido com mistura de corantes azuis e vermelhos, principalmente índigo para o

azul e ácido carmínico ou alizarina para o vermelho. Mas a hipótese de ser um corante

como a mauveína não estava totalmente afastada.

Figura 54 – Foto da amostragem da peça de seda e algodão para o fabrico de cabaias.

Como pode ser observado na figura 54, a peça em causa apresenta uma

distribuição heterogénea de cor, algumas zonas que não são bem definidas estão

57
descoradas, indicando que o corante degradou nessas áreas, contudo não é apresentado

nenhum padrão indicativo da razão da degradação. As franjas laterais apresentavam

maior concentração de cor e por esse motivo foi esse o local de amostragem,

precavendo-se algum dano que afete a sua integridade.

2.5.1. Metodologia

Todos os reagentes, solventes e padrões utilizados foram de grau de pureza

analítica elevado. A água utilizada foi purificada pelo sistema Mili-Q(milipore).

2.5.1.1. Método de Extração do Corante

Vários métodos de extração36 foram experimentados. O procedimento de extração foi

sempre o seguinte: uma amostra de fio (0,2 a 0,8 mg), foi colocada num Eppendorf de

1.5 mL de capacidade, juntamente com um volume de 400µL da solução mistura. De

seguida o Eppendorf foi colocado num banho de água termostatizado a 60ºC, com

agitação constante, durante 30 minutos

Table 3 Resumo das soluções mistura utilizadas para experimentar o melhor método de
extração.

Método Solução mistura ( volume total de 400µL) Resultado

1 Metanol Bom

2 MeOH/H2O (25:75, v/v) Solução menos corada que a obtida por

M1

3 MeOH/HCOOH 98% (95:5, v,v) Não houve extração

4 0,2 M ácido oxálico/MeOH/acetona/H2O Degradou a cor

(1:3:3:4, v/v/v/v)

58
5 MeOH+1 gota de HCl 0.01M/H2O (pH=2) Solução menos corada que a obtida por

M1

6 MeOH+1 gota de NaOH/H2O (pH=10) Degradou a cor

Tendo-se verificado que o melhor método era o que utilizava, simplesmente o metanol

como solvente de extração (M1) e que a fibra ao final de 30 minutos ainda tinha cor

significativa, o tempo de extração foi aumentado para 1 hora, e pela mesma razão sofreu

incrementos de meia hora até um tempo de extração de 3 horas.

Após a extração, o solvente foi evaporado com uma atmosfera azoto, e o extrato

resultante, reconstituído com metanol, filtrado com filtro Chromafil Xtra PET – 45/25,

e analisado por HPLC-DAD (do inglês High Performance Liquid Cromatography- Diode Array

Detector).

2.5.2. Desenvolvimento do método de Cromatografia de Alta Eficiência

(HPLC)

A amostra em questão representa um desafio em termos de separação analítica

e caracterização devido à diversidade química dos corantes que podem estar presentes.

Pela pesquisa efetuada, para a separação e identificação dos corantes presentes no tecido

de seda e algodão, pensámos que a técnica de HPLC-DAD seria adequada, pois a deteção

de máximos de absorção com o detetor de díodos, no espectro visível seria um bom

indicador dos cromóforos presentes.

A análise cromatográfica foi realizada num cromatografo líquido de alta eficiência

VWR Hitachi, série Elite LaChrom, com um sistema de bombeamento quaternário L-

59
2130, injector automático L-2200. O detetor DAD, série L-2455, com software

EZChrom Elite versão 3.3.2 SP2. Para a separação de compostos utilizou-se uma coluna

de fase reversa Purospher STAR, RP – 18 endcapped, com partículas de 5µm diâmetro,

com dimensões de 250mm por 4.6 mm diâmetro interno.

O método otimizado para a separação e identificação dos compostos presentes na

amostra, e as condições experimentais foram as indicadas na Tabela 4, à temperatura de

30ºC e com dados DAD recolhidos a 530, 560 e 600 nm. O solvente B consiste numa

mistura de solução de acetato de amónio 0,1 M com MeOH numa proporção

respetivamente de 70 para 30 % em volume, com 4,12<pH<5.5 . Os solventes A e B

foram, no início de cada jornada de trabalho, filtrados com membranas adequadas e

desarejados em banho de ultrassons, durante 20 minutos.

Tabela 4 – Gradiente utilizado na cromatografia do tecido de seda e algodão.

Tempo/minutos % Solvente A % solvente. B Fluxo mL/minuto


MeOH (NH4CH3COO)
0 0 100 1
1 0 100 1
2 0 100 1
3 0 100 0.8
4 10 90 0.8
5 20 80 0.8
6 30 70 0.8
7 40 60 0.7
8 50 50 0.7
8.5 55 45 0.7
9 56 44 0.7
9.5 57 43 0.7
10 58 42 0.7
11 59 41 0.7
12 60 40 0.7
17 60 40 0.7
30 60 40 0.7

60
2.5.2.1. Resultados de Cromatografia de Alta Eficiência

Como se pode verificar na figura 55, os compostos foram separados com êxito pela
metodologia desenvolvida no decorrer deste trabalho, os picos apresentam-se bem
definidos e bem resolvidos.

A identificação dos componentes presentes na mistura foi efetuada através da


comparação dos tempos de retenção dos padrões analisados nas mesmas condições
analíticas e ainda por comparação dos espectros de absorção obtidos.

DAD-CH1 530 nm
S5.3
25.0 Name
9 25.0

22.5 22.5

8
20.0 20.0

17.5 17.5

6
15.0 10 15.0
mAU

mAU
12.5
7 12.5

10.0
4 10.0

7.5 7.5

5.0
1 5.0

5 11
2.5
2 2.5

3
0.0 0.0
12 14 16 18 20 22 24 26 28
Minutes

Figura 55 - Cromatograma da amostra de tecido de seda e algodão, apresenta 11 picos


diferentes, com tempos de retenção que variaram dos 12 aos 28 minutos.

61
Tabela 5 – Tempos de retenção, respetivos gráficos de absorção e máximos de absorção para
os diferentes compostos obtidos pela cromatografia do corante do tecido de seda e algodão.

Tempo de retenção c.d.o. no máximo de absorção


Pico (minutos)
Gráfico de absorção (nm)
14.02 Min
20 S5.3 20
Lambda Max

18 18

16 16

283
243
14 14

1 14.02
12 12

283; 544

mAU

mAU
10 10

8 8

6 6

544
4 4

2 2

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700 750
nm

14.44 Min
244

S5.3
12.5 Lambda Max 12.5

10.0 10.0

2 14.44 284; 573


mAU

mAU
7.5 7.5

5.0 5.0
573

2.5 2.5
284

300 400 500 600 700


nm

14.75 Min
S5.3
285

12.5 Lambda Max 12.5


246

10.0 10.0

3 14.75 295; 565


mAU

mAU

7.5 7.5

5.0 5.0
565

2.5 2.5

300 400 500 600 700


nm

15.15 Min
S5.3
Lambda Max

14 14

12 12
287

554

10 10
247

4 15.15 8 8 287; 554


mAU

mAU

6 6

4 4

2 2

250 300 350 400 450 500 550 600 650 700 750
nm

15.99 Min
6 S5.3 6
Lambda Max
291

5 5
249

4 4
565

5 15.99 291; 565


mAU

mAU

3 3

2 2

1 1

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700 750
nm

62
16.83 Min
S5.3
Lambda Max
22.5 22.5

561
20.0 20.0

17.5 17.5

6
15.0 15.0

16.83 561; 294

mAU

mAU
12.5 12.5

10.0 10.0

294
7.5 7.5

247
5.0 5.0

2.5 2.5

0.0 0.0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
nm

18.08 Min
S5.3
Lambda Max

16 16

570
14 14

12 12

7 18.08
10 10

570; 296; 326


mAU

mAU
8 8
296

6 6
326

4 4

2 2

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
nm

19.40 Min
S5.3
30 Lambda Max 30

567

25 25

20 20

8 19.40 567; 298


mAU

mAU
15 15

10 10
298

5 5
248

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
nm

21.43 Min
45 S5.3 45
Lambda Max

40 40
573

35 35

30 30

9 21.43 25 25
573; 299
mAU

mAU

20 20

15 15
299

10 10

5 5
249

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
nm

23.75 Min
S5.3
Lambda Max

25 25
581

20 20

10 23.75 15 15 581; 279; 304


mAU

mAU
247

10 10
279

5 5

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
nm

63
26.29 Min
8 S5.3 8
Lambda Max

7 7

6 6

588
11
5 5

26.29 588; 306; 327

mAU

mAU
4 4

3 3

2 2

306

327
1 1

0 0
250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
nm

Após a separação dos componentes do corante analisado, foi realizada uma pesquisa por

máximos de absorção e corantes disponíveis como padrão, que foram analisados

utilizando as mesmas condições utilizadas para a amostra de corante extraído do tecido.

Os primeiros corantes analisados foram os corantes naturais, alizarina e ácido carmínico,

não tendo sido encontrada correspondência nem de tempos de retenção nem de

espectros de absorção. Desta forma iniciou-se uma análise a um conjunto de corantes

sintéticos38. Um resumo dos compostos analisados pode ser encontrado na Tabela 6.

Tabela 6 – Resumo dos diferentes padrões analisados utilizando o mesmo método da


cromatografia do corante do tecido de seda e algodão.

Composto T.R. (minutos) C.d.o. max.abs.(nm) C.d.o. abs.(nm)


Ácido carmínico 9.01 493
Fuchsina 16.42 551 244;292
Mauveína SM1 22.92 552 280
Erythrosin 23.67 533 271;321
Alizarina 25.5 430 239
Violeta de cristal 25.78 589 304;250
Purpurina 29.62 484
Violeta de metilo 19.26 566 251;298
21.22 574 249;299
23.43 581 249;301
25.76 589 252;304
Rodamina 18.5 526 249;298
23.47 536 253;303
26.37 536;558 258

64
Comparando os dados da Tabela 5 com os da Tabela 6, pode-se confirmar a semelhança

em tempos de retenção e máximos de absorção dos picos 8, 9, 10 e 11e os obtidos na

cromatografia do corante violeta de metilo.

DAD-CH1 530 nm DAD-CH1 530 nm


S5.3 Smethylviolet1
Retention Time 25.0
45 Name
Area
22.5
40

20.0

35

17.5

30
15.0

25
12.5
mAU

mAU
20
10.0

15 7.5

5.0
10

2.5
5

0.0
0

-2.5

-5

0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5 15.0 17.5 20.0 22.5 25.0 27.5 30.0
Minutes

.
Figura 55 - Sobreposição do cromatograma do corante da amostra e o cromatograma
do corante violeta de metilo

30 30
19.26 Min
Smethylviolet1
Lambda Max

20 20
566
mAU

mAU

10 10
298
251

0 0

-10 -10
300 400 500 600 700
nm
Figura 56 – Espectro de absorção da fração com tempo de retenção de 19.26 minutos, e
absorção máxima para um comprimento de onda de 566 nm.

65
60 21.22 Min 60
Smethylviolet1
Lambda Max

574
40 40
mAU

mAU
20 20
299
249

0 0

300 400 500 600 700


nm

Figura 57 – Espectro de absorção da fração com tempo de retenção de 21,22 minutos, e


absorção máxima para um comprimento de onda de 574 nm.

100 100
23.43 Min
Smethylviolet1
Lambda Max
581

75 75

50 50
mAU

mAU
301

25 25
249

0 0

300 400 500 600 700


nm
Figura 58 – Espectro de absorção da fração com tempo de retenção de 23,43 minutos, e
absorção máxima para um comprimento de onda de 581 nm.

66
100 100
25.76 Min
Smethylviolet1
Lambda Max

75 75

589
50 50
mAU

mAU
25 25
304
252

0 0

300 400 500 600 700


nm
Figura 59 – Espectro de absorção da fração com tempo de retenção de 25.76 minutos, e
absorção máxima para um comprimento de onda de 589 nm.

Assim provavelmente confirmamos os picos 8, 9, 10 e 11 do cromatograma da amostra

de corante do tecido de seda e algodão como constituintes do corante violeta de metilo.

2.5.3. Método experimental por GC-MS

A técnica hifenada de cromatografia gasosa/espectrometria de massa é uma

ferramenta poderosa para a separação e identificação dos compostos presentes em

misturas complexas, razão pela qual foi a técnica eleita para a separação e identificação

dos componentes presentes na amostra de corante do tecido de seda e algodão. No

entanto como se pode verificar pela análise HPLC-DAD compostos que possivelmente

estariam na amostra não apresentavam volatilidade e eram relativamente polares,

devendo portanto ser derivatizados a fim de serem analisados por GC-MS.

67
Os produtos de derivatização foram obtidos por adição lenta de solução de diazometano

ao extrato de corante (0.5-0.6 mg), dissolvido num volume mínimo de diclorometano.

O excesso de diazometano foi evaporado numa atmosfera de nitrogénio no nicho de

extração. Os produtos da reação foram identificados usando cromatografia de camada

fina (TLC), usando diclorometano como eluente.

A análise de GC-MS foi realizada num sistema GC Agilent Technologies 7820 A,

acoplado com MSD 5975 Agilent Technologies. A amostra foi injetada num modo de

partição a uma temperatura de 250 º C. Os analitos foram separados por uma coluna

capilar HP-5MS (30 mx 0.25 mm x 0.25 µM). Inicialmente a coluna estava a 70ºC que

foram sofrendo aumentos a uma taxa de 15ºC/minuto, até atingir os 250º, mantida a

esta temperatura durante 10 minutos e depois aumentada a uma taxa de 5º C/minuto

até aos 290ºC, o tempo total de corrida foi de 32 minutos. O gás de arraste usado foi o

hélio.

Os espectros de massa foram obtidos com ionização por impacto de eletrões (70 eV) e

a aquisição de dados feita numa gama de massa de m/z 30 e 550. A temperatura da

interface e a fonte de ionização foi respetivamente de 200º C e 230ºC.

2.5.3.1. Resultados da análise por GC-MS

A análise por GC-MS permitiu a separação dos compostos presentes na amostra de

corante do tecido.

68
Grupo I
2400

2200

2000 18,62

1800
Abundância relativa

1600
16,93
1400

1200 18,84
1000

800

600 Grupo II

400 28,92
28,06
200 29,88
0
16 18 20 22 24 26 28 30

Tempo de retenção (min.)

Figura – 60 Cromatograma obtido por GC-MS

O cromatograma da amostra analisada é apresentado na figura 60, como seria espectável


a amostra é uma mistura onde se podem observar 6 componentes com abundância
relativa superior a 3%.

A análise dos espectros de massa para os compostos com tempos de retenção de 16,93;
18, 62 e 18,84 minutos, ou Grupo I é de seguida apresentada.

74
5
3x10

87
Abundância relativa

5
2x10

5
1x10 43
55
+
143 M
+.
101 227 [M-31]
129 171 185 199 270
115 213 239
157
0
100 200

m/z

Figura 61 – Espectro de massa para o composto com TR = 16.93 minutos.

69
55

120000

69
Abundância Relativa

41

83
97
60000

110
123 264
222
137152 180
166 235
194 207 247 281 296
0
100 200 300

m/z

Figura 62 – Espectro de massa para o composto com TR = 18.62 minutos

74

200000
Abundância Relativa

100000

43
57
143

97 129 255 298


199
111 157 171185 213 227 241 269 283
0
100 200 300

m/z

Figura 63 – Espectro de massa para o composto com TR = 18.84 minutos.

70
Os fragmentos iónicos gerados após ionização originam um padrão de fragmentação

característico de ácidos gordos; os espectros de massa dos ácidos gordos sob a forma

de ésteres metílicos por ionização de impacto eletrónico dão-nos informação sobre o

comprimento da cadeia e o grau de insaturação, apesar da poderosa capacidade de

espectrometria de massa de permitir caracterizar a estrutura dos ácidos gordos, muitas

vezes a identificação e localização de alguns grupos funcionais e a posição das ligações

duplas poderá não ser tão simples. De fato, a localização das ligações duplas pode ser de

dificuldade acrescida bem como a sua geometria, uma vez que os isómeros posicionais

e geométricos de ácidos gordos de igual cadeia alifática apresentam espectros de massa

bastante idênticos. Em geral pode observar-se, pela análise da fragmentação, que em

cada espectro há uma perda de 31 unidades de massa a partir do ião molecular que

corresponde à perda de um radical metoxi [M-31]+. Ainda, a perda de 74 unidades de

massa originando dois picos, um Com m/z = 74 e outro [M-74]+. , correspondendo a um

rearranjo da molécula com a perda de um grupo CH3OOCCH3.

O ácido hexadecanóico ou ácido palmítico foi identificado com o tempo de retenção de

16,9 minutos, o seu espetro mostra o pico do ião molecular m /z = 270. Com o tempo

de retenção de 18,8 identificou-se o ácido octadecanóico ou ácido esteárico com m/z =

298. Com o tempo de retenção de 18,6 minutos foi identificado o ácido 9-octadecenóico

ou ácido oleico com ião molecular m/z = 296.

31 74

Figura 64 – Estrutura do composto com TR = 18.62 e fragmentos correspondentes.

71
O ião molecular m/z = 296 é duas unidades de massa menor que o estearato de metilo

(18:0), o que revela que existe uma ligação dupla. Estes iões tendem a ser mais pequenos

que nos espectros dos ésteres dos ácidos gordos saturados. Apresenta-se de seguida

uma proposta para a estrutura dos compostos TR =16,9; TR = 18,6 e TR = 18,8.

Tabela 7 – Estrutura proposta para os compostos do Grupo I.


TR Composto Fórmula Peso
(minutos) molecular molecular

Ácido palmítico O OH

16.9 C17H34O2 270,45

OH

O
Ácido oleico

18.6 C19H36O2 296,49

O OH
Ácido esteárico
18.8 C19H38O2 298,50

Esta identificação foi deveras inesperada mas após longa pesquisa foi encontrada a razão

de ser destes ácidos gordos26. Em muitas situações a seda só era tingida depois de já

transformada em tecido, mas ainda contendo a goma que acompanha a seda dos casulos

depois de cozida, então para ficar em estado de tingir, tinha de ser fervida de vinte

minutos a duas horas em sabão de azeite e água. Uma vez removida a goma, o tecido

podia ser lavado e seco e então tingido26.

Voltamos agora a nossa atenção para os compostos do Grupo II. Neste caso os

espectros de massa para os três componentes é idêntico e o mesmo se pode afirmar

72
em relação ao padrão de fragmentação, por esta razão é apresentado o espectro para o

composto com TR = 28,94 minutos, pois corresponde o pico com maior abundância

relativa do grupo. O respetivo espectro de massa pode ser observado na figura 66.

O ião molecular corresponde a m/z = 358. Os fragmentos são indicados no próprio

espectro.

N N

40000 N

254

30000 148
N

N
Abundância relativa

132

20000 N

N N
H

10000 77 113
N

210 237
N N
H

42 281
59 181 344 358
315
0
50 100 150 200 250 300 350

m/z

Figura 66 – espectro de massa para o composto com TR = 28,94 minutos

Assim identifica-se como corante presente na amostra o violeta de metilo, com a

estrutura que pode ser vista na figura 67:

73
N

N N
H

C24H28N3+
Mol. Wt.: 358,50

Figura 67 – Estrutura, fórmula e peso molecular do violeta de metilo.

O primeiro destes corantes trifenilmetanos, o “magenta”, foi sintetizado pela primeira

vez por Verguin em 1859, que oxidou anilina que continha como impureza toluidina com

cloreto de estanho (IV), a estrutura do magenta pode ser consultada na figura 68.

NH2

NH2 Magenta NH2

C20H20N3+
Mol. Wt.: 302,39

Figura 68 - Estrutura, fórmula molecular e peso molecular do magenta.

Como podemos ver na figura 68, existem três grupos amino, e os hidrogénios destes

grupos podem ser substituídos por grupos alquilo. Dessas substituições surgem corantes

desta família como o violeta de metilo, o derivado pentametilado, descoberto por Lauth

em 1861 ou o violeta de cristal o composto hexametilado.


74
Para os outros compostos do Grupo II, podemos dizer que ao composto com TR =

28,06 minutos corresponde um ião molecular de m/z =346 e para TR = 29,88 minutos

corresponde m/z =344. Estes serão compostos trifenilmetano resultado de diferentes

metilações para um mesmo esqueleto, sendo apresentadas propostas para as suas

estruturas no Anexo VI.

Para apurar a estrutura correta destes compostos será necessária futura investigação

que passará pelo seu isolamento que pode ser feito usando HPLC e depois a sua análise

estrutural por RMN.

75
76
3. CONCLUSÕES

77
Neste trabalho procurámos efetuar um estudo das moléculas da cor em objetos

históricos: duas máscaras da Viagem Filosófica (1783-1792) e uma peça de tecido de

seda e algodão da China (1880). Com este estudo pretendemos acrescentar a uma

leitura, até agora histórica, feita com base numa análise quase somente documental, uma

perspetiva química.

No que respeita às máscaras analisadas, provenientes da coleção etnográfica da Viagem

Filosófica da GAMCUC, podemos afirmar que, como fontes de vermelho, foram

encontrados pigmentos inorgânicos, sobretudo ocres, não tendo sido encontrado

nenhum vestígio de pigmento orgânico.

Na amostra escolhida como representativa da cor vermelha analisada pelo IJF como

tendo corante orgânico urucu, Br.147_4, encontrou-se mínio (Pb3O4), (Figura. 40 e). Da

estratigrafia obtida concluiu-se que o primeiro vermelho colocado sobre a preparação

da fibra teria sido este pigmento – que tanto poderá ser o pigmento original como uma

reminiscência de algum restauro. Sobre o mínio, temos uma camada mais espessa de

hematite em mistura com carbonato de cálcio. De salientar que a camada de mínio é de

espessura heterogénea, e que o uso do mínio não é descrito nas Memória de ARF.

Podemos ainda afirmar que, a camada referida e identificada pelo IJF como composta

por corante orgânico, revelou ser de vermelho de chumbo.

O que se amostrou como possível amarelo orgânico, (amostra Br.136_2, cuja

estratigrafia podemos ver na Figura 54), da máscara Br.136 revelou ser um polímero à

base de PVAc (é possível que seja um ter-polímero de P(VAC-E-VC) poderá ser

verificado por analise futura e mais detalhada do espectro IR), aplicado possivelmente

como verniz ou consolidante num restauro recente.

78
Ainda que apenas se apresentem duas estratigrafias para um vermelho e o que se revelou

ser um branco, pode concluir-se que a sua construção é representativa das restantes

micro-amostras (Tabela 1e Tabela 2). Resumindo, podemos afirmar que para o vermelho

foi observada uma camada de preparação feita de caulino, seguida de uma camada de

mínio, e sob a qual foi sobreposta uma espécie de imprimitura com carbonato de cálcio

e finalmente uma camada de ocre, hematite. No caso do branco, este seria feito sobre

a preparação de caulino para construir a cor, onde posteriormente terão adicionado

uma camada espessa de PVA sobre a peça.

Não podemos descartar completamente a hipótese de uma velatura à base de corantes

naturais ter existido sobre a camada vermelha, que com o tempo pode ter desaparecido,

ou de alguma forma removida com um dos restauros. Ou que estes ainda se possam

encontrar em outras máscaras não analisadas neste estudo. Seria de facto muito

interessante poder-se analisar as máscaras da Academia de Ciências sobre as quais não

existe referência a qualquer intervenção de restauro.

Sobre o corante presente no tecido de seda e algodão, peça com número de inventário

Ant.M.227, podemos dizer que foi extraído com sucesso e que por HPLC-DAD foi

identificada a existência de 11 compostos corantes, dos quais 4 serão corantes da família

dos trifenilmetanos. Esta informação foi obtida por comparação dos espectros de

absorção dos componentes da amostra com os do corante conhecido e comercializado

como violeta de metilo, mas que se conclui ser uma mistura de compostos. Após análise

de GC-MS, foram identificados dois grupos de compostos, um de ácidos gordos e outro

de corantes. Os ácidos gordos identificados foram palmítico, oleico e estárico. Estes

devem a sua presença a um tratamento realizado no tecido antes de ser tingido, com a

finalidade de tirar a goma da seda. Esse tratamento consistia em lavagem a quente do

79
tecido com sabão de azeite. No que respeita aos corantes foi identificado o violeta de

metilo. A presença de outros dois corantes da família dos trifenilmetanos foi detectada,

mas não se sabe com certeza quais os isómeros presentes.

No corante comercial, pela técnica de HPLC foi identificada a existência de 4 compostos

corantes, enquanto por GC-MS houve identificação de 3 componentes.

No futuro poderemos isolar os componentes do corante presente na amostra de seda

e algodão, usando técnicas de HPLC para separação e seguida de identificação por RMN.

80
4. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
81
Referências Bibliográficas:

1 – GOELDI, Emílio – Ensaio sobre o Dr. Alexandre R. Ferreira: mormente em relação às suas

viagens na Amazónia e sua importância como naturalista. Pará, Brasil: Alfredo Silva & Ca,

s.d., 1895

2 – Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Matrículas (1770-1771), vol.88, fl.242

3 - Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Matrículas (1773-1774), vol. 2, fl. 1

4 - Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Matrículas (1774-1775), vol. 3, fl. 1v

5 - Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Matrículas (1775-1776), vol. 4, fl. 1

6 – Brasilia, Instituto de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras da Universidade de

Coimbra, Coimbra,1949, suplemento ao vol. IV, pág. 285

7-FERREIRA, Alexandre Rodrigues- Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão Pará, Rio

Negro, Mato Grosso e Cuiabá, Memórias de Antropologia: Reproduções das Memória sobre

Antropologia. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1974.

8 – COSTA, António Amorim – Domenico Vandelli (1730-1816). Acedido em

18/08/2014, em:

http://www.spq.pt/files/docs/Biografias/Domingos%20Vandelli%20port.pdf

9 – PATACA, E. M. - Coletar, preparar, remeter, transportar- práticas de História

Natural nas viagens Filosóficas portuguesas (1777-1808). Revista Brasileira de História

da Ciência, Rio de Janeiro, v.4, n.2, p. 125-138, 2011.

10 - FIGUEIROA, Silvia F. de M., Silva, Clarete Paranhos da, & Pataca, Ermelinda

Moutinho. Aspectos mineralógicos das "Viagens Filosóficas" pelo território brasileiro na

82
transição do século XVIII para o século XIX.História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 11(3),

713-729. 2004.

11 – MAXWELL, Kenneth- Conjuração mineira: novos aspetos. Instituto de Estudos

Avançados da Universidade de São Paulo, Rio de Janeiro, 1989 [on line][consultado em

19/08/2014]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n6/v3n6a02

12 - LEITÃO, Cândido de Melo- História das explorações científicas no Brasil. Brasiliana

[on line], v. 209, 1ª ed., 1941[consultado a 21 de agosto de 2014]. Disponível em

http://www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao/obras/6/Historia-das-exploracoes-

cientificas-no-Brasil

13 – MELATTI, Julio Cezar- Notas para uma História dos Brancos no Solimões. [on

line][consultado em 21 de Agosto de 2014]. Disponível em:

http://www.juliomelatti.pro.br/artigos/a-solimoes.pdf

14 – LISBOA, Karen Macknow – Viagem pelo Brasil de Spix e Martius:Quadros da

Natureza e esboços de uma civilização. Revista Brasileira de História, 1995, v.15, nº 29,

p73-91.

15 - Flora Brasiliensis On-Line[consultado em 21 de Agosto de 2014]. Disponível em:

http://www.fapesp.br/publicacoes/flora/

16 – SHEPHERD, George J. – Flora Brasiliensis, Uma Breve História da Obra. [on

line][consultado em 22 de Agosto de 2014]. Disponível em:

http://florabrasiliensis.cria.org.br/info?history

17 – MANIZER, Guenrich Guenrikhovitch.-A expedição do acadêmico G. I. Langsdorff

ao Brasil, 1821-1828. Brasiliana.[on line],v.329, 1ª ed, 1967 [consultado em 22 de Agosto

83
de 2014]. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/brasiliana/colecao/obras/117/a-

expedicao-do-academico-g-i-langsdorff-ao-brasil-1821-1828

18- RAMINELLI, Ronald. Ciência e colonização: viagem filosófica de Alexandre Rodrigues

Ferreira. Revista Tempo, 1998, 6: 157-182.

19 – AREIA, M. L.; MIRANDA, M. A; HARTMANN, T. – Memory of Amazonia. Coimbra.

Museu e Laboratório Antropológico da Universidade de Coimbra, 1994.

20 – MARTINS, M. R. R.; HARTMANN, T. – Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues

Ferreira- Colecção Etnográfica. v.II, Brasil, Kapa Editorial, 2005.

21 – SOARES, J.P.M. et al. – Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira- Colecção

Etnográfica. v.I, Brasil, Kapa Editorial, 2005.

22 – STEWARD,Julian H. (ed.), Handbook of South American Indians, v.III, Washington,

DC, Smithsonian Institution, 1948, p.708-709.

23 – NORONHA, José Monteiro – Roteiro da Viagem da Cidade do Pará, até ás ultimas

colonias do Sertão da Provincia no anno de 1768. Pará. Typographia de Santos & Irmaos.

1862. p.44-58.

24 – SILVA, José Pereira - Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira- Colecção

Etnográfica. v.III, Brasil, Kapa Editorial, 2005.

25 – Catálogo da Exposição “ DO SUL AO SOL”, Imprensa da Universidade de Coimbra,

2013.

26 – MANCHESTER, Herbert; Cheney Brothers – “ The story of silk &Cheney silks. South

Manchester, Conn., New York, Cheney Brothers, Silk Manufacturers, 1916.

84
27 – WYCKOFF, WM. C. – Silk Manufacture in the United States. 446 Broome Street.

New York. 1883.

28 - AREIA, M. L.; MIRANDA, M. A; HARTMANN, T. – Memória da Amazónia. Coimbra.

Museu e Laboratório Antropológico da Universidade de Coimbra, 1994.

29 – BURGIO, L., CLARK, R. – Library of FT-Raman spectra of pigments, minerals,

pigment media and vernishes, and supplement to existing library of Raman spectra of

pigments with visible excitition. Spectrochimica Acta.Part A. 57, 2001, 1491-1521.

30 – BEMISS, Elijah – The Dyer’s Companion. 2ª ed. New York: Evert Duyckinck, 1815.

31 – PARTRIDGE, William – Pratical Treatise on Dying Woollen. Cotton, and Silk. New

York: William Partridge & Son, 1847

32 – LIU, Jian et al. – Characterization of dyes in ancient textiles from Yingpan, Xinjiang.

Journal of Archeological Science, 40, 2013, 4444-4449.

33 – LECH, Katarzyna, JAROSZ, Maciej – Novel methodology for the extraction and

identification of natural dyestuff in historical textiles by HPLC-UV-Vis-ESI-Ms. Case

study: chasubles from the Wawel Cathedral collection. Analytical and Bioanalytical

Chemistry. 399. 2011, 3241-3251.

34 – MANTZOURIS, Dimitrius et al. – HPLC-DAD-MS analysis of dyes identified in

textiles from Mount Athos. Analytical and Bioanalytical Chemistry. 399. 2011, 3065-3079.

35 – TAKATO, Susana. - As Moléculas da Cor. Tese de Licenciatura, FCTUC,

Departamento de Química, 2007.

85
36 – Micaela M. Sousa, Maria J. Melo, A. Jorge Parola, Peter J. T. Morris, Henry S. Rzepa,

J. Sérgio Seixas de Melo "A study in Mauve. Unveiling Perkin's Dye in Historic Samples",

Chem. Eur. J. 14, 8507– 8513 (2008)..

37 - BOMMEL, M.R. et al - “High-performance liquid chromatography and non-

destructive three dimensional fluorescence analysis early synthetic dyes‟, Journal of

Chromatography 1157 (2007) 260-272

38 – ROSE, R.E. et al – Growth of the Dyestuffs Industry. Journal of Chemical Education.

v III(9), (1926), 973-1007.

86
ANEXO I1

VII – MEMÓRIA

SOBRE AS MÁSCARAS E CAMISETAS QUE FAZEM OS GENTIOS YURUPIXUNAS

N.º 11.381 do Cat. Exp. Hist.

A tábua IVª explica o uso que têm as máscaras e as camisetas, que fazem os gentios

Yurupixunas (Yuri-Yuri), para os seus bailes marciais e festivos. Presenciei eu mesmo

um desses bailes, por ocasião de me achar pelo mês de Dezembro do ano de 1785 na

povoação das Caldas, situada na margem oriental da foz do rio Cauburé. Vi quanto podia

desejar, para compreender a forma e os motivos de semelhantes bailes; e do que deles

compreendi, passo a dar a explicação seguinte.

N.º1

São duas máscaras inteiras, que na imaginação dos gentios, que as fizeram, representa

uma delas a figura de um peixe, e a outra é um mero capricho do seu entusiasmo, sem

objeto real a que se possa aplicar. Da casca de algum vime tecem eles primeiramente a

forma para cada máscara. Sobre ela vão assentando o pano, que lhes subministra a

entrecasca da árvore Caxinduba, depois de sacada do tronco e batida com um tolete,

para os dois fins: o de a estenderem e de lhe espremerem a humidade. Ela adquire a

consistência de papelão. Pintada a máscara com a ocra, com o urucu e carajuru, fica em

termos de servir para o baile. Note-se que, quando ela não cobre a face do mascarado,

descendo-lhe até ao pescoço, então da mesma entrecasca, porém mais delicada, fazem

a máscara separadamente para a face, golpeando-a aonde é preciso que tenha os olhos

e a boca; e sobre a cabeça fica a outra máscara servindo de capacete.

87
Os motivos para semelhantes bailes são muitos, como logo direi. Por agora, basta

que se saiba, que um deles são as caçadas e as pescarias. Se a caçada for bem sucedida,

que eles caçaram, assim é a máscara que fazem para o baile. O festejo por causa de uma

boa caçada de porcos, por exemplo, se faz com uma máscara que representa a cabeça

de um porco. O da pescaria de algum peixe, com outra máscara, que o representa, e

assim por diante.

Não se pode logo asseverar tão decididamente como tenho ouvido, que todos

estes bailes são instituições ímpias e supersticiosas, que todos eles consagram ao inimigo

comum; nem que todas estas máscaras sejam outras tantas representações dos seus

ídolos, e ainda mesmo vivas imagens do Demónio. Os missionários, que tem sido entre

nós as pessoas encarregadas de espreitar as sua opiniões e práticas religiosas, desconfiam

de tudo quanto vêm fazer os gentios, principalmente se entre os seus usos e costumes,

lá chegam a descobrir alguma coisa, que lhes represente ser um dos objetos da sua maior

veneração. Se desconfiarem de tudo o que fazem os gentios, não vêem senão obras do

Demónio. Se a conciliá-los com o cristianismo, passam de um a outro extremo, é porque

desde logo lhes atribuem ideias que, eles sim, são tão capazes de as adquirirem, como

os outros homens, porém que ainda não as têm. De onde procede, que em não poucas

ações dos gentios, estão alguns missionários descobrindo bem profundos vestígios dos

mais sublimes mistérios, interpretando a seu jeito certas expressões e cerimônias, que

eles não entendem, e transformando tudo quanto vêem, do que verdadeiramente é, para

o que se lhes representa ser.

É certo que, entre os diversos princípios de religião, que alguns dos gentios

professam, um deles é o de sustentarem que há Deuses autores dos males que afligem

a espécie humana. Tais como foram os Manáos habitantes nas margens e nos confluentes

88
do rio Negro, dos quais escreveu no seu Diário o R. José Monteiro de Noronha, que

com uma espécie de maniqueísmo, criam que havia dois Deuses, um chamado Mauaré,

autor de todo o bem, outro por nome de Sarauá, autor de todo o mal. A este

representam os gentios debaixo da formas as mais horríveis, e todo o culto que lhes

dão, o dirigem a fim de aplacar a cólera desta terrível divindade. Crêem, como os

antropomorfistas, que os seus Deuses têm forma humana, mas com uma natureza

superior à do homem; e sobre as qualidades e operações destes Deuses, imaginam

fábulas as mais absurdas e incoerentes que se podem imaginar. Porém estes mesmos

nenhuma forma têm do culto público, não erigem templos em honra das suas divindades

e não têm ministros especialmente consagrados ao Seu Serviço. Em uma palavra, nem

todos professam uma e a mesma superstição, nem esta se envolve em todos os seus

bailes e festejos.

Nº 2

São duas farsas em forma de camisetas, que também as fazem da entrecasca da

dita Caxinduba, com a diferença de serem mais largos os panos, que tiram para elas. Para

os tirarem mais largos, escolhem os troncos mais grossos. Cortados eles com o

comprimento que deve ter a farsa, fazem-lhes na casca uma incisão longitudinal,

introduzindo-lhes por entre os dois lábios da incisão, uma cunha de madeira, em ordem

a despegarem do tronco a casca, que está unida a ele. Porém a casca exterior é

guarnecida de uma epiderme, ou ainda verde ou já lenhosa, a qual também a separam da

entrecasca mais branca e interior. Com esta vestem o tronco, que já está despido;

servindo-se desta disposição, para se lhes facilitar a operação de baterem o pano; batem-

no, até ele escorrer a humidade, que têm, e até chegar a adquirir as dimensões do

89
comprimento e da largura precisa para a execução da obra. Pinta-se diferentemente, e

fica feita a farsa para o baile.

Nº3

São dois canudos de taboca, que o mascarado traz nas mãos, cingidos de um

cíngulo de cascavéis; servem para compassar os movimentos da dança, batendo o

mascarado com os pés e com os canudos no chão, para soarem os cascavéis. Estes são

feitos das sementes de algumas frutas silvestres, enfiadas em algum cordel, ou de pita ou

de tucum.

Sobre o amor e a propensão para a dança, que em quase todos os gentios da

América, têm observado os Europeus, pode-se ler o que alguns deles escrevem. Esta é

a paixão favorita dos habitantes desta parte do Globo. Sendo eles por natureza uns

verdadeiros quietistas, a maior parte de seu tempo a consomem em um estado de

languidez e indolência, sem ocupação alguma, que os possa animar e entreter; quando

cessam as guerras e as caçadas, gostam geralmente de um exercício, que lhes põe em

ação, as faculdades ativas da Natureza. É verdade que entre eles a dança se não deve

chamar de divertimento. Antes é uma ocupação séria e importante, que se envolve em

todas as circunstâncias da vida pública e privada, e que dá o princípio e o fim de todas

as suas deliberações. Se é necessário entenderem-se entre si duas aldeias, dançando é

que se apresentam os Embaixadores e entregam o emblema da Paz. Se se declara guerra

ao inimigo, por uma dança solene e que de parte a parte principia a exprimir o seu

ressentimento e a vingança que se medita. Então esta dança é uma verdadeira cena, em

que se representa a campanha dos gentios. Parece que se está vendo a saída do Exército,

a sua marcha pelo país do inimigo, as precauções com que acampam, a ardileza com que

90
se vão dispondo alguns destacamentos em emboscada, o modo de surpreender o

inimigo, o tumulto e a ferocidade do combate, o triunfo da vitória e outras muitas

circunstâncias. Os actores, que figuram na cena, correm a ocupar os seus postos, com

tanto calor e entusiasmo, com tantos gestos e visagens, com as vozes tão prontas e

apropriadas à rapidez e à celeridade das suas evoluções, que aos Europeus, que os estão

vendo, custa bem a crer a aquela é uma mera cena de ensaio e não um combate real.

Se se trata de consultar os oráculos, para explicar o mistério que indica alguma

fome geral, alguma inundação repentina, alguma praga de ratos ou de formigas que lhes

devorem as roças, algum canto de aves e de animais do seu agouro, o feiticeiro ou o

pajé dispõe a dança; e das diferentes coisas que pede em nome do oráculo, que sempre

são as que deseja para si, faz depender a explicação do mistério. O entusiasmo supre a

ciência do feiticeiro. Os gentios, fáceis de acreditar em tudo o que lhes parece

maravilhoso, pelo temor em que os põem o seu feiticeiro, dispõem-se a estarem por

tudo o que lhes é dito; explica-lhes os sonhos, observa os presságios, intima-lhes a

atenção aos cantos das aves e aos gritos dos animais. Todas estas circunstâncias lhes

adverte que dão prognósticos do futuro e se alguns delas pronuncia que lhes é

desfavorável, não se executa o que estava deliberado.

Se adoece algum deles, como os seus pajés atribuem origem das enfermidades a

uma influência sobrenatural, eles mesmos prescrevem certas cerimônias misteriosas, em

que fazem consistir o remédio do enfermo. A dança é um dos mais eficazes, receitados

por semelhantes médicos. Se o doente não pode suportar a fadiga do exercício, o seu

médico a suporta por ele; eis aqui, quando o médico receita para o doente o que ele

deve tomar. Enfim, se eles querem aplacar a cólera dos seus Deuses, que nunca estão

bem com os índios, quando eles estão mal com os seus feiticeiros, ou quando se

91
descuidam do seu sustento; se pretendem celebrar algum dos seus benefícios; se

testemunhar a sua alegria pelo nascimento de algum filho, se algum parente, de algum

amigo; ou se a sua tristeza e nojo pela morte de algum deles; se tratam de festejar algum

casamento, ou mesmo se a declaração do mênstruo em suas filhas, pela primeira vez que

são assistidas; se celebram alguma grande caçada ou pescaria, alguma colheita de frutas

da sua estimação para os seus vinhos e bebidas; eles têm danças diversas e convenientes

a cada uma destas situações, próprias para significarem os diferentes sentimentos de que

estão penetrados. Algumas são tão bárbaras, pois que toda a cerimónia consiste em se

açoitarem uns aos outros com azorragues, ou de corda ou de couro de peixe-boi, até

ficarem esvaídos em sangue, segundo já escrevi em outra Memória, onde expliquei o uso

dos instrumentos e a festa chamada do paricá.

Ora ainda que as danças não são animadas pela harmonia da música instrumental

e vocal, eles de dois modos se animam para elas: primeiro, pela monotonia que chã,

muito horríssona aos ouvidos dos que ouvem os torés, os trocanos e as trombetas;

segundo, pelo abuso que fazem dos licores fortes.

Como ignoram a arte que têm os Europeus de darem aos licores, pela

fermentação, uma força de embebedar, obtêm o mesmo efeito que eles por diferentes

meios. Lançam de infusão, em água, grandes quantidades de uns bolos de mandioca,

depois de mastigados por suas mulheres. A saliva excita neles uma fermentação vigorosa

e dentro de poucos dias fica um licor próprio para a sua bebida, as mulheres por

nenhuma forma são admitidas à dança; antes, se ela é dedicada a alguma consulta do

oráculo, bem se pode guardar a mulher que for espreitar, que não peça o oráculo, que

a matem. Com os movimentos e agitações do corpo, durante a dança, mais se refina a

crápula. Para não caírem de todo, em eles principiando a cambalear, encadeiam-se uns

92
com os outros, abraçando-se pelos pescoços. Em semelhante estado é que eles

cometem as maiores perfídias e impiedades. Rara é a dança que acaba sem efusão de

sangue. Uns investem às mulheres dos outros, pai não respeita filha, nem o irmão a irmã.

Toda a noite se passa nesta lida, enquanto não caem de todo. No seguinte dia a atitude

de seus corpos é o emblema do estado das suas almas. Muitas vezes necessitam de largo

espaço de tempo para se restabelecerem. Em todo lugar se vê quase extinto o lume

dentro de suas palhoças. . Dormem a maior parte do dia, deitados se deixam estar em

uma inação insípida e estúpida. Festas há, que pelo seu instituto devem durar largos dias

sem interrupção. Por mais funestas que sejam as consequências das crápulas, eles só

deixam de beber, em se lhe esgotando a última gota dos seus vinhos. Faz-se digna de

reparo a cega paixão que tem o gentio por semelhantes festas; outro reparo merece a

circunstância seguinte, de que sendo eles naturalmente homens tristes e pensativos, não

carece que bebam. Mas basta a simples esperança de beberem para logo transbordar em

seus rostos a alegria, a esperteza, a vivacidade.

Barcelos, 31 de Agosto de 1787

Alexandre Rodriques Ferreira

(Códice B. N. 21.1.1.19)

93
ANEXO II1

XIV - MEMÓRIA

SOBRE OS GENTIOS YURUPIXUNAS, OS QUAIS SE DISTINGUEM DOS

OUTROS EM SEREM MASCARADOS; SEGUNDO OS FEZ DESENHAR E REMETER

OS DESENHOS PARA O REAL GABINETE DE HISTÓRIA NATURAL O DOUTOR.

NATURALISTA ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA.

A tábua 1ª representa os Gentios Yurypixunas (Juri ou Yuri), que habitam o rio

dos Párcos, e assim mesmo, os outros da margem ocidental do rio Japurá. Distinguem-

se dos outros gentios pelas suas máscaras. Os índios domesticados lhes dão na língua

geral o nome de – Yurupixunas (Juri ou Yuri), da palavra "Yuru" = boca, "pixuna" = negra.

Picam a cara com os espinhos da palmeira pupunha e com as cinzas das suas folhas

pulverizam as picaduras, arreigando-se-lhe de tal modo a tinta, que jamais se-lhe extingue

a máscara com que ficam. Muito trabalho e dor lhes custa este ornato, porque não raras

vezes lhes sobrevêm as erisipelas, de que alguns chegam a morrer. A dor é maior ou

menor segundo a obra do enfeite.

O que representa a figura Nº 1º só dos cantos da boca até ao ângulo interior da

orelha corre em ambas as faces uma linha delicada. A cabeça Nº 2º mostra duas; a do

Nº 3º apresenta somente os lábios como os lados da dita cor. Os Nos 4, 5, 6, mostram,

como à proporção do crescimento da idade, se lhes aumenta igualmente a máscara,

porque têm o cuidado de acrescentar. Os adultos trazem toda a face mascarada, com a

diferença porém de que uns se contentam de fazerem aos lados da face o xadrez, em

que acaba a mascara da cabeça Nº 7º; outros o fazem também na testa e no espaço que

94
medeia entre as sombrancelhas, como representa a cabeça Nº 8º. E, não contentes com

isto, trazem outros o beiço inferior furado e, no furo, introduzida uma marca de

coquilho. Os velhos são, entre eles, os mestres encarregados destes enfeites. Eles têm

o cuidado de subtrairem os filhos e filhas da presença dos pais conduzindo-os para o

mato retirado, onde não possam os pais ouvir o choro das crianças, quando se doem da

mortificação que lhes causa a operação do referido ornato.

São índios humildes e sujeitos aos brancos que os domesticam. Aldeados que

sejam nas povoações para onde os descem, chegam a envergonhar-se tanto de terem a

cara mascarada, que alguns fazem a diligência possível por extinguir a tal máscara. Os

outros índios os desprezam; donde procede que, nas viagens que fazem as Canoas

equipadas com uns e outros, observam os brancos, que os Yurupixunas (Juri ou Yuri)

fazem ranchos separados; comem e dormem retirados deles; as suas armas são as

zarabatanas, os murucus, as braganças e os cuidarus. De todas elas já se tem remetido

para o Real Gabinete as amostras que devem constar da Relação dos Produtos

recolhidos em viagem da parte superior do rio Negro.

Barcelos, 20 de fevereiro de 1787.

Alexandre Rodrigues Ferreira

(Códice B.N. 21.1.40)

95
ANEXO III

Resumo do Relatório de Restauro de 1983-85, realizado pelo Instituto José


Figueiredo

O IJf recebe a 1ª máscara, para fazer avaliação em 1983, juntamente com um texto que

indica os corantes relatados por ARF e a informação sobre a suspeita de que as máscaras

foram pintadas em Coimbra em algum momento entre 1806 e 1829. Caso o vermelho

tivesse sido pintado em Coimbra e não fosse original o melhor seria removê-lo.

O relatório tem três partes:

1 – Identificação das fasquias, entrecascas e tecidos

2 – Tecidos

3 – Identificação dos pigmentos minerais e vegetais

4 – Identificação de aglutinantes

5 – Identificação de outros materiais

No que respeita à parte 3, a mais relevante para este estudo:

Por observação microscópica dos cortes transversais das amostras de policromia, foi

possível distinguir dois tipos de pigmentos, de origem vegetal e mineral (Fot. 1) e que a

estrutura da policromia das várias peças era idêntica, uma preparação seguida de uma

ou duas camadas de policromia (Fot. 1 e 2). As amostras 3.85, pertencem à máscara

Br.146.

Os pigmentos de origem mineral foram identificados por microscopia.

96
Os pigmentos vegetais foram identificados através de IV, TLC E GC.

- Começaram a identificação dos vermelhos traçando espetros IV dos extratos aquosos,

que deram a indicação da existência de corante mais óleo.

- Comparam os espectros IV com referência de urucu.

- Fizeram TLC de ambos e concluíram que estavam presentes os mesmos componentes

numa e outra amostra.

97
- Fizeram então GC dos extratos ao éter de ambos e concluíram que o óleo era o

mesmo na amostra e na referência.

Figura 1 – Dados da máscara Br.147, tirados da tabela original do relatório do IJF.

98
ANEXO IV

Resumo do Relatório de Restauro de 2005, realizado por Pedro Sales

Pela leitura deste relatório chega ao nosso conhecimento que os trabalhos deste

restauro incluíram a limpeza, fixação pontual dos materiais desprendidos,

preenchimento de lacunas, reintegrações cromáticas e reforço e consolidação das

estruturas das máscaras

Do conjunto de treze máscaras da coleção etnográfica da GAMCUC provenientes da

Viagem Filosófica, com números de inventário Br. 135 a Br.147, nem todas foram

intervencionadas. As que não foram alvo deste restauro são: Br.135, Br.137, Br.140 e

Br.141.

Da análise da metodologia geral descrita pôde-se retirar a informação de que as colagens

de um modo geral efetuaram-se com soluções de diferente gradação vinílica, aplicadas

faseadamente por injeção ou pincel; apenas na máscara Br.147 as colagens foram

realizadas com emulsão aquosa de metilcelulose aplicada por injeção, solução que o

restaurador verificou ter sido adotada em restauros anteriores. As texturas e aparência

de superfície foram repostas com compostos inertes à base de celulose e pós

inorgânicos. As reintegrações cromáticas realizaram-se com têmperas de caulino e

pigmentos minerais.

99
ANEXO V

Algumas informações sobre o modo de extração do urucu e carajuru

Urucu

As sementes da planta estão contidas numa cápsula rodeada de uma polpa vermelha. O

corante é extraído da polpa fervendo as sementes em água e adicionando um ácido

diluído (vinagre ou sumo de limão). O corante fica a flutuar na solução e é escumado,

sendo depois moldado em tijolos e embrulhado em folhas de palmeira. O urucu contém

vários taninos e flavonas, maioritariamente bixina e nor-bixina. Uma laca laranja é

preparada por precipitação do urucu em alumina trihidratada. A bixina é solúvel em água

quente, etanol, clorofórmio, óleo e soluções alcalinas.

[http://cameo.mfa.org/wiki/Annatto, em 24/07/2014].

Carajuru

As folhas depois de secas, adquirem um tom vermelho, então são fervidas e o extrato é

tratado com casca de árvore, o que faz precipitar o corante que é insolúvel em água,

álcool e soluções ligeiramente alcalinas. [CHAPMAN, E. P., Robinson, R. – The colouring

matters of carajura. Journal of Chemical Society. 3015-3040. 1927)

100
ANEXO VI

Algumas estruturas possíveis para o composto com ião molecular com m/z = 344

N NH2
H
C23H26N3+
Mol. Wt.: 344,47

N N
H H
C23H26N3+
Mol. Wt.: 344,47

N NH2
C23H26N3
Mol. Wt.: 344,47

101
Algumas estruturas possíveis para o composto com ião molecular com m/z = 346

NH

N NH2
H C23H28N3+
Mol. Wt.: 346,49

NH

N N
H C23H28N3+ H
Mol. Wt.: 346,49

N N
H C23H28N3 H
Mol. Wt.: 346,49

102

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