Fichamento Caosmose - Um Novo Paradigma Estético - Guattari
Fichamento Caosmose - Um Novo Paradigma Estético - Guattari
Fichamento Caosmose - Um Novo Paradigma Estético - Guattari
Na entrevista citada algumas vezes nesse trabalho, desse mesmo ano de 1992,
Guattari dizia (2013, p. 306): “Hoje, ela [a transversalidade] mudaria ainda com o
conceito de caosmose, porque a transversalidade é caósmica, ela está sempre ligada a
um risco de mergulhar fora do sentido, fora das estruturas constituídas”. Se busquei
mostrar que a linha das transformações da transversalidade segue na direção de um
aumento crescente da desterritorialização, sempre um “mais de fuga”, um fascínio e,
ao mesmo tempo, uma tentativa de pensar os processos hiper-desterritorializados, –
nas suas transformações dos anos 60, 70 e 80, como marca Guattari -com a caosmose
não será diferente.
A própria história da construção dessa palavra tenta captar, de modo processual e não
dialético, esta conexão entre dois movimentos infinitos no seio do mesmo e
indistinguível movimento infinito da existência. Como se o plano de transversalidade
fosse uma dobra do plano de existência, este, uma dobra, em sentido inverso e
complementar, que vai ao encontro, do plano de transversalidade. Ambos, disfarçados
um no outro, formam uma espécie de núcleo da encruzilhada onde outros planos
podem e puderam passar. Um plano de imanência filosófico, um plano de referência
científico, um plano de composição estético... Como escrevia Deleuze (2003, p. 357),
“Félix sonhava, talvez, com um sistema em que certos segmentos seriam científicos,
outros filosóficos, outros vividos, ou artísticos, etc. Félix se eleva a um estranho nível
que conteria a possibilidade de funções científicas, conceitos filosóficos, experiências
vividas, criação de arte”.
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O que muda com o livro de 1992? Chaosmose, talvez, seja uma tentativa de dobrar
ainda em outra direção, pois o problema de fato mudou. Não é mais o
empreendimento de definição do que consiste a atividade filosófica, de prolongar e
alargar o problema da criação fincado em um determinado, específico, mergulho no
caos. Por outro lado, não se trata de transformar a arte em “ator principal” em
contraste com a filosofia. A principal razão é que o paradigma estético não vai
contradizer a transversalidade elaborada entre arte, filosofia e ciência, fazendo com
que a arte, estrito senso, passasse para uma posição privilegiada, régia
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provocá-las, correndo-se o risco de que se revelassem evanescentes, mudas ou
perigosas (GUATTARI, 1992, pp. 132-133).
(...) faz com que a subjetividade fique perpetuamente em falta, culpada a priori ou, na
melhor das hipóteses, em estado de “concordata ilimitada” (segundo a fórmula do
Processo de Kafka). A “mentira do ideal”, como escrevia Nietzsche, se torna “a
maldição suspensa acima da realidade”. Assim a subjetividade modular não tem mais o
controle sobre a dimensão de emergência dos valores, que encontra neutralizada sob
o peso das tabelas de códigos, de regras e leis decretadas pelo enunciador
transcendente. Esta subjetividade não mais resulta de uma intricação com contornos
móveis das esferas de valorização arrimadas às matérias de expressão; ela é
recompostas enquanto individuação reificada, a partir de Universais dispostos segundo
uma hierarquia arborescente. Direitos, deveres e normas imprescritíveis expropriam as
antigas interdições que sempre deixavam um lugar para a conjuração e para a
transgressão (GUATTARI, 1992, p. 133).
O terceiro tipo de Agenciamento processual será ainda mais difícil de captar, pelo fato
de estar sendo proposto aqui a título prospectivo, unicamente a partir de traços e
sintomas que ele parece manifestar hoje. Ao viés de marginalizar o paradigma estético,
esse tipo de agenciamento lhe confere uma posição chave de transversalidade em
relação aos outros universos de valor, cujos focos criacionistas e de consistência
autopoiética ele só faz intensificar. Entretanto, o fim da autarquia e do esvaziamento
dos universos de valor da figura precedente não mais constitui sinônimo de uma volta
à agregação territorializada dos Agenciamentos emergentes. Do regime da
transcendência reducionista não recaímos na reterritorialização do movimento do
infinito segundo os modos finitos (GUATTARI, 1992, pp. 134-135).
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Eis aí mais uma característica que Guattari apreende na arte que será
retomada neste paradigma estético: sua capacidade de enfrentamento dos papéis
estabelecidos. “Já desde o Renascimento, mas sobretudo durante a época moderna”
(GUATTARI, 1992, p. 135). Mas por que a arte, na problemática da invenção de valores
em ruptura, ao menos no ocidente, desempenhou tão fortemente esta função de
contaminar diretamente outros campos ou, e às vezes simultaneamente, lançar as
luzes para as caosmoses criadoras que atravessam todo e qualquer domínio
considerado?
É, em todo caso, uma questão difícil a que o paradigma estético nos conduz: “como
podemos ainda falar de universos de valor com esse esfacelamento da individuação do
sujeito e essa multiplicaçãodas interfaces maquínicas?” (GUATTARI, 1992, p. 137).
Como é possível pensar e criar territórios existenciais com seus modos de
autovalorização no contexto em que a dissolução do sujeito efetua uma servidão
generalizada, ao passo que a retomada do sujeito estabelece uma sujeição social que a
revigora?
Como não trabalhar essa recriação a não ser por meios específicos, qualificados,
particulares, com suas máquinas e, eventualmente, com suas estruturas próprias? Mas
não é justamente na conquista de um trabalho dessa recriação que os meios se
encontram em um plano de transversalidade axiológico, criacionista, cujo material,
para Guattari, é a caosmose? O paradigma estético é, em suma, uma proposição para
colar esta caomose na textura dos movimentos em curso no seio dos mais variados
agenciamentos, para torna-los movimentos existenciais. O caráter reativo da
valorização capitalística ressente com uma precisão notável esta operação. Ele nasce e
pode se prolongar na medida em que cria um abismo entre o que seriam as passagens
que instaurariam os encontros das práxis mais variadas com a caosmose. Guattari diz
isso, e ainda mais, em uma passagem extremamente bela:
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preciso ir rápido, não devemos nos deter aí onde corremos o risco de ser engolidos: na
loucura, na dor, na morte, na droga, na extrema paixão... Todos esses aspectos da
existência são certamente objeto de uma consideração funcional pelo socius
dominante, mas sempre como correlato de um desconhecimento ativo de sua
dimensão caósmica. A abordagem reativa da caosmose secreta um imaginário de
eternidade, em particular através da mídia de massa, contra a dimensão essencial de
finitude da caosmose: a facticidade do ser aí, sem qualidade, sem passado, sem porvir,
em absoluto desamparo e, entretanto, foco virtual de complexidade sem limite.
Eternidade de um mundo adulto profundamente infantil, que é preciso opor à
hiperlucidez da criança em meditação solitária sobre o cosmos ou ao devir criança da
poesia, da música, da experiência mística. É somente então – quando, ao invés de
reimpulsionar compleições de alteridade e de relançar processos de semiotização, a
caosmose se cristaliza, implode em abismo de angústia, de depressão, de
desorientação mental – que, sem dúvida, se coloca a questão de uma recomposição de
Territórios existenciais (GUATTARI, 1992, pp. 106-107).
Maquinismo:
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Guattari, na conexão com a noção de caosmose, realiza ainda outra vez, uma dobra na
noção de máquina: ela aparece como a característica, o nome, a consistência e a
qualidade deste trabalho nem espontâneo e nem organizado da caosmose.
Maquinismo: “O novo paradigma estético vai produzir a subjetividade maquínica, vai
produzir autopoieses em conjuntos que não estão territorializados como na primeira
figura de subjetivação” (GUATTARI, 1994, p. 212). Um maquinismo, como “práxis
geradora de heterogeneidade e complexidade” não mergulha, mas sai do caos-
complexidade como um fazer, uma ação, da existência caosmótica. “A máquina, todas
as espécies de máquina estão sempre nessa encruzilhada do finito e do infinito, nesse
ponto de negociação entre a complexidade e o caos” (GUATTARI, 1992, p. 139 e p.
141).
É apenas nessa práxis maquínica, dessa encruzilhada, que está algo como o objeto e o
sujeito do paradigma estético: a caosmose e a subjetividade maquínica. Mas se pode
dizer estas coisas apenas a título de aproximação de um modo novo de pensar. É
interessante tentar acompanhar o esforço de Guattari em atravessar a “cortina de
ferro ontológica” que fixa de um lado o sujeito, o espírito e de outro o objeto, a
matéria. Com a finalidade de posicionar a práxis maquínica da caosmose como um
processo que “aglomera essas diferentes enunciações parciais e se instala de algum
modo antes e ao lado da relação sujeito-objeto” (GUATTARI, 1992, p. 37). Eis aí, o
cerne da transversalidade existencial: caósmica, maquínica. (p. 19)
A caosmose é imanência entre o caos e a complexidade. Porém, para ela não apagar
esta imanência, seja caindo em um caos puro, numa ordem petrificada ou
simplesmente fazendo com que o caos e a complexidade tenham uma imanência de
vida curta é preciso que a complexidade seja “assumida”, como escreve Guattari: “Eu
chamaria ‘hipercomplexidade’ essa complexidade que é mais assumida, que é
verdadeiramente dominada e que se encontra em uma relação de insistência, de
repetição” (GUATTARI, 2013, p. 120). Mas o que se repete propriamente dito? (p. 20)
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