Semana 5

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QUALIDADE DA EVIDÊNCIA GERADA

Sistema GRADE de avaliação das evidências

Depois de levantarmos todo o corpo de evidências, é importante também considerarmos


a sua classificação ou hierarquização, de acordo com algum método ou sistema, como
por exemplo, o sistema GRADE. Amplamente adotado por elaboradores de revisão
sistemática, este sistema divide as evidências em quatro níveis de confiança, qualidade
ou certeza. Os níveis podem ser alta, moderada, baixa ou muito baixa. Mais importante
ainda, esses níveis não são estáticos e podem ser modificados,aumentando ou
diminuindo de acordo com a nossa avaliação crítica. O GRADE também separa esse
nível de evidência ou nível de confiança da força de recomendação, que será forte ou
fraca ou até condicional, dependendo não apenas da qualidade das evidências, como de
outros fatores. Na elaboração de revisão sistemática não devemos estar preocupados
com a força da recomendação, mas apenas com o nível de qualidade, com o nível de
confiança. O sistema GRADE propõe que essa avaliação das evidências seja
realizada para cada desfecho isoladamente e não para cada estudo isolado, ou seja, um
conjunto de evidências para cada desfecho. A avaliação desse conjunto de evidências
depende de cinco fatores que podem reduzir a qualidade ou a confiança que temos
nessas estimativas: o risco de viés, a imprecisão, a evidência indireta, a inconsistência e
o viés de publicação. Os ensaios clínicos randomizados iniciam a nossa avaliação com
uma qualidade alta e, dependendo da nossa avaliação crítica, podem ter a sua confiança
reduzida. Os estudos observacionais iniciam a avaliação com uma qualidade, uma
confiança, baixa e podem também ter essa confiança reduzida de acordo com a nossa
avaliação. Após avaliarmos os fatores que podem reduzir a qualidade, podemos
considerar também o aumento da qualidade com três fatores básicos: a magnitude de
efeito, um gradiente dose-resposta ou a influência de fatores de confusão. Assim,
mesmo estudos observacionais, após a nossa avaliação, podem ter a sua confiança
aumentada. Ou seja, o nível de evidência pode ser alto, mesmo baseado estudos
observacionais. Da mesma forma, o nível de evidência pode ser baixo, mesmo que
esteja baseado ensaios clínicos randomizados. Esse nível de evidência vai basicamente
refletir a confiança que temos de que as estimativas de efeito estão próximas da
realidade.

Avaliação da evidência de estudos qualitativos

Para disponibilizar políticas de saúde de modo efetivo e sustentável, é importante


sabermos sobre o efeito da intervenção, que, geralmente, provém de estudos
quantitativos, como revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados. No entanto,
essa evidência não é suficiente, pois temos que implementar essa política, então saber
sobre aceitabilidade, viabilidade, questões éticas e de equidade também são importantes
e essas evidências, geralmente, provém de estudos qualitativos, na sua grande
maioria, então os estudos qualitativos têm uma importância significativa para a
disponibilização de políticas de saúde. Os estudos qualitativos descrevem um
fenômeno, geralmente atrelado a contexto específico, no entanto, vários pesquisadores
têm argumentado que esses fenômenos se repetem em diferentes localidades, os quais
podem ser utilizados para o processo de tomada de decisão de políticas. Nesse sentido, é
importante criar ferramentas para avaliar a confiabilidade dessas evidências por estudos
qualitativos. O GRADE CERQual é instrumento para avaliar a confiabilidade das
evidências disponíveis em uma revisão sistemáticas de estudos qualitativos, O GRADE
CERQual é composto por quatro componentes, o primeiro refere-se às limitações
metodológicas dos estudos qualitativos incluídos na revisão sistemática, o segundo
refere-se à relevância das perguntas dos estudos qualitativos incluídos para a revisão
sistemática, o terceiro refere-se à coerência dos achados dentro da revisão sistemática e
o quarto componente e último refere-se à validade daqueles dados coletados nos estudos
qualitativos, que foram incluídos na revisão sistemática.

Entrevista com Gordon Guyatt - desenvolvimento do GRADE

E: Vou conversar agora com Gordon Guyatt. Ele é um Distingushed Professor


no Departamento de Métodos de Pesquisa em Saúde, Evidência e Impacto e e Medicina
da Universidade McMaster em Hamilton, Ontário, Canadá. O Dr. Guyatt desempenhou
um papel importante no desenvolvimento do GRADE, A "Grading of
Recommendations Assessment, Development and Evaluation". Uma ferramenta para
avaliar a qualidade das evidências e a força das recomendações, juntamente com outros
marcos da medicina baseada em evidências. Dr. Gordon, você pode compartilhar
conosco os principais motivadores para o desenvolvimento do GRADE no ano 2000?

G: Então, aproximadamente uma década, talvez duas, antes do GRADE começar a se


reunir em 2000, as organizações que desenvolviam diretrizes para a prática clínica
decidiram que seria uma boa ideia ter uma classificação formal da qualidade das
evidências e da força das recomendações. E assim que uma organização teve a
ideia, várias outras organizações também tiveram, e isso foi muito bom. Provavelmente
foi uma boa ideia, mas teve uma desvantagem. E a desvantagem é que todas as
organizações desenvolveram seu próprio sistema para fazer isso, de modo que havia
literalmente dezenas de sistema para classificar qualidade das evidências e a força das
recomendações. E todas elas eram diferentes. Algumas mais sensíveis, outras
menos. Mas haviam tantos sistemas, que nenhum médico poderia ter noção. Portanto,
era um ambiente muito confuso. Assim, um grupo de pessoas se reuniu desenvolvedores
de diretrizes, autores de revisões sistemáticas, e metodologistas. E eles pensaram se
seria possível desenvolver um sistema tão bem pensado, coerente e razoavelmente fácil
de usar que todos comprariam, e pudesse substituir essas dezenas de sistemas. E se isso
fosse possível, e fosse um bom sistema, nós poderíamos, claramente, tornar as coisas
mais práticas e mais fáceis para usuários de diretrizes entenderem. E isso avançaria toda
a ciência da metodologia de diretrizes. Então, essa foi a motivação.

E: Um desafio que eu gosto de fazer com os meus alunos, é ver se eles conseguem
encontrar um domínio que o GRADE não cobre sobre a qualidade da evidência. Como
foi o processo de trabalho? Desde que vocês decidiram que era possível alcançar essa
ferramenta, como foi o processo de trabalho que nos trouxe uma ferramenta tão
completa para avaliar a certeza das evidências?

G: Bem, a primeira tarefa de o grupo de trabalho GRADE se propôs, foi considerar


todas as questões relevantes para a qualidade ou certeza das evidências. Essa foi a
primeira tarefa que nos propusemos. Portanto, a primeira coisa que fizemos foi o
desenho do estudo, e um dos objetivos era tornar o sistema o mais simples possível. E
assim dissemos: "Tudo bem, teremos apenas dois tipos de desenhos de estudo". Um era
os ensaios clínicos randomizados, e o outro, estudos observacionais, e é isso. E
decidimos que haveriam quatro níveis de qualidade de evidência, alto, moderado, baixo
e muito baixo. Os ensaios randomizados começariam como "alto", e estudos
observacionais começariam como "baixo". E assim, pensamos: Quais possíveis
categorias, ou domínios amplos podem diminuir a qualidade das evidências? Finalmente
acabamos com esses cinco domínios de risco de viés, imprecisão, inconsistência,
evidência indireta e viés de publicação. Mas então pensamos: "As vezes estudos
observacionais podem levar a evidências de alta qualidade". O que nos faria dizer que
um estudo observacional é uma evidência de alta qualidade? E surgiu com dois
domínios principais, um para efeitos de tratamento muito grandes e o outro para um
gradiente de dose-resposta. E como isso aconteceu, de forma que acabamos com uma
abordagem tão abrangente? A resposta é que nos encontramos por quatro anos antes
disso surgir, e normalmente, três vezes por ano, um grupo de nós, em diferentes lugares
do mundo, interagimos. E passamos por literalmente várias centenas de revisões
sistemáticas, olhando para elas e dizendo: "como a ferramenta funciona se a aplicarmos
esse estudo?" Portanto, a resposta para o fato de ter sido abrangente, no final, é que
demorou muito tempo, havia muitas pessoas inteligentes trabalhando nisso. E
trabalhamos com muitos, muitos, muitos, muitos exemplos para garantir que o sistema
estava funcionando corretamente.

E: Sim, então não é sorte, é apenas trabalho, certo?

G: Isso mesmo, é muito pensamento e muito trabalho duro.

E: Isso é incrível. você acha que revisões sistemáticas de intervenções adotam o


GRADE para reformar a qualidade das evidências como deveriam?

G: em, nosso objetivo era que todas as revisões sistemáticas já publicadas usem o
GRADE, e estamos muito longe disso. Mas é uma grande conquista que a Cochrane
solicite a todos os seus revisores que usem o GRADE. E uma grande conquista ter a
principal organização de revisões sistemáticas do mundo, dizer que você precisa usar o
GRADE. E agora temos mais de 110 organizações no mundo usando o
GRADE, incluindo organizações de muito prestígio, como a organização Mundial da
Saúde (OMS). Eu mencionei a Cochrane. Há o livro eletrônico que os médicos usam, é
o líder mundial, algo chamado UpToDate, tem mais de 10.000 recomendações
classificadas. Seu concorrente, DynaMed, também está usando o GRADE. Algumas
grandes organizações anteriores, como a Scottish Intercollegiate Guideline
Organization, ou SIGN, mudaram de seus sistemas anteriores para o
GRADE. organizações americanas líderes como o American College of Physicians, ou a
American Thoracic Society estão usando. Portanto, o objetivo principal é ter todas as
revisões sistemáticas do mundo. E todos os grupos de diretrizes que usam GRADE
estão realmente é vista e acho que agora há muito poucas pessoas que se quer
levantariam a questão. Se é ou não é a abordagem mais proeminente. Eu te disse o que o
cuidadosamente isso foi pensado em primeiro lugar e agora nós temos seis artigos na
BMJ para que os usuários do GRADE entendam isso e o GRADE no Journal of clinical
epidemiology, que tem até 22 artigos descrevendo os detalhes. Então, isso é muito além
do que qualquer um que analisa a qualidade das evidências e a força das
recomendações. nós temos um guideline muito detalhado. portanto, não há dúvida de
que é o sistema mais proeminente e acho que mais e mais pessoas já nos
consideram, mais de cento dez organizações, incluindo a Cochran. nós nãos
consideramos um bom sucesso. E eu acho que gradualmente todo mundo estará usando.

E: Sim, também acho. Eu posso ver, e com esses grandes jogadores interessados no
GRADE, eventualmente todo mundo vai estar. Na sua experiência, Quais são as
principais dificuldades que todos os pesquisadores têm usando o GRADE? Qual
domínio você acha que é mais difícil para nós?

G: Bem, o domínio mais difícil para todos, incluindo as pessoas mais especializadas, é o
viés de publicação, porque o viés de publicação lida com o que existe, mas você não
sabe que existe. Portanto, é meio difícil dizer para procurar o que não está lá ou o que
você não sabe que pode estar lá. Nossa maneira de expressão para os outros domínios é
"sem preocupação grave", "preocupação grave" e "preocupação muito grave". Mas para
viés de publicação, nós dizemos "não detectado". Sim, "não detectado" ou "altamente
suspeitos" Sim! Você está certa, então é uma maneira de classificação diferente,
e reconhece-se que o viés de publicação é o mais desafiador, você está absolutamente
certa! Cada um dos domínios tem os seus desafios, o risco de viés é o mais aparente, e
ainda tem o desafio de que o ruim tem que ser esse risco de viés, e quantos estudos
prévios tem que ser avaliados, a precisão.Então onde? Por que o intervalo de confiança
está antes de você classificar isso, e assim por diante, Então, existem desafios em todos
os domínios, mas o viés de publicação é o mais difícil.

E: OK! Nos métodos subjetivos, por exemplo, como estávamos falando, é possível que
um mesmo conjunto de evidências tenha diferentes classificações em diferentes revisões
sistemáticas. Quais são seus pontos de vista, e como avaliar criticamente o uso do
próprio GRADE?

G: Bem, inevitavelmente em qualquer tipo de sistema, um julgamento está envolvido,


e haverá decisões a serem tomadas, não é? Portanto, haverá situações onde será
perfeitamente razoável chamá-lo de "alto" ou chamá-lo de "moderado", ou mesmo
"baixo". Na verdade, uma das coisas que mais pensamos foi sobre mudar as quatro
categorias para sete categorias. Em outras palavras, "alto", "alto/moderado",
"moderado", "moderado/baixo" e "baixo", porque quando você pensa sobre
isso, classificar a evidência é algo contínuo, certo? E nosso limite, você sabe, nossos
pontos de corte entre "alto" e "moderado", "moderado" e "baixo" e "baixo" e "muito
baixo" são um tanto arbitrários. E às vezes está muito perto, e é perfeitamente razoável
dizer que é "alto" e perfeitamente razoável dizer que é "moderado". E isso é uma razão
para discordâncias. Isso é inevitável, né, e é quando é necessário tomar uma decisão. E
aí essas decisões são tomadas em todos os domínios. você pode ter que tomar uma
decisão sobre risco de viés e imprecisão, e assim por diante. Portanto, não é de
surpreender que haja divergências, sempre que você discordar totalmente ou sempre que
houver uma decisão importante a ser tomada. E tem também aquelas pessoas que
realmente não saber o que estão fazendo quando aplicam o GRADE, isso pode ser uma
outra razão para desentendimentos.

E: Elas só estão citando!

G: Mas sempre que há julgamentos. Um dos ponto que eu ponho sobre o GRADE, é
que ele não significa que haverá uma resposta correta e o GRADE não significa que
todas as pessoas vão concordar. O que ele significa é que temos uma abordagem
explícita e transparente para fazer os julgamentos, para que todos estejam de acordo, e
falando o mesmo idioma, fazendo as decisões de acordo com os mesmo critérios, muito
razoáveis de que as pessoas discordem, mas estão tomando as decisões com os mesmo
critérios. Esse é o grande mérito da abordagem.

E: Sim! você está certo. você quer enfatizar algum desenvolvimento do GRADE que
você acha relevante na incorporação de políticas públicas baseadas em evidências
ou outros campos relevantes nas tomadas de decisão das políticas públicas?

G: Sim. Bem, que o GRADE continua trabalhando, e, de fato, o sucesso do sistema


atraiu muitas pessoas a aplicarem-no em novas áreas, ou nas suas áreas de
atuação. então nós os chamamos de grupos de projeto GRADE. Tem mais ou menos 20
grupos de projetos GRADE trabalhando. e mesmo assim temos muitos desafios. Então,
quando o GRADE começou era apenas sobre um tratamento, ou, sabe, tratamento um
ou um teste de rastreamento, ou um procedimento de rastreamento versus um outro,
entende? Foi realmente focado em decisões clínicas E aí, nós achamos que o GRADE
era um critério que funcionava muito bem, tanto para diagnóstico, quanto para impacto
do diagnóstico. "Qual o impacto de usar o teste 1 versus o teste 2" mas também para ver
a precisão do diagnóstico, e nós também achamos que o sistema funcionava bem com
prognósticos. Prognóstico é uma das áreas do GRADE que eu estou trabalhando
agora, Nós publicamos um artigo na BMJ sobre prognóstico para populações amplas,
e agora nós estamos produzindo uma ótima diretriz que estamos tentando publicar para
fatores de risco individuais, sabe? "Idade é um fator de risco para algo" - qual a
qualidade de evidência sobre isso? E agora, nós estamos começando a trabalhar
na qualidade de evidência para sistemas de prognóstico, para regras de decisões
clínicas. E isso é uma área do trabalho do GRADE. Eles ainda estão trabalhando com o
GRADE para testes diagnósticos. As pessoas estão explorando o GRADE para saúde
pública, por que o GRADE começou com um foco muito clínico. então as pessoas estão
pensando em como aplicá-lo. As pessoas estão pensando em como aplicar GRADE para
estudos animais. Que é muito diferente.

E: Sim!

G: Como os seus princípios podem ser aplicados em estudos com animais. E em outra
área, que eu estamos trabalhando, onde, eu acho, que temos uma grande potencialidade
de desenvolvimento é a meta-análise em rede. As meta-análises só surgiram há cerca de
uma década. Nós publicamos nosso primeiro artigo sobre o GRADE para meta-análises
em 2014. E por se algo novo, estamos aprendendo o tempo todo. Nós já publicamos
atualizações do guia GRADE para meta-análises em rede, o que nós achamos que o
aprimora, e alguns outros artigos relacionados a questões específicas. E agora, nós
estamos trabalhando com algo que pode ser uma grande descoberta em como apresentar
uma meta-análise em rede, o resumo que sai dela, de um jeito que faz sentido para
médicos e que tem uma lógica coerente. Porque até o momento, nós não temos isso,

E: Sim.

G: Mas nós achamos que, talvez, nós tenhamos conseguido descobrir como fazer isso, e
esperamos poder publicar algo sobre isso nos próximos meses.

E: Sim! Isso, com certeza, vai ajudar a muitas pessoas


G: Isso mesmo, estou animado com isso, porque acho que pode fazer uma grande
diferença.

E: Com certeza, você está certo. Então, quais seriam as suas dicas para pesquisadores
que desenvolvem revisões sistemáticas, usam o GRADE, e estão interessados em atingir
uma qualidade de evidência com certas evidências?

G: Bem, se você quer fazer isso de maneira correta, você precisa ler a série do Journal
of Clinical Epidemiology com muito cuidado, os primeiros 13 artigos são para autores
de revisões sistemáticas. Então, se você quer fazer isso corretamente, você deve ler
esses artigos com atenção. Se você está no ramo de diretrizes, os dois últimos artigos, n
14 e 15 são iniciados, se você quer passar da certeza ou qualidade de evidências para
ações recomendadas. E agora temos 22 artigos, e serão mais assuntos específicos, como
diagnósticos e assim por diante. Então você pode até ler esses, mas o que são realmente
importantes para autores de revisões sistemáticas são os 13 primeiros e os 2 seguintes,
e mais uma coisa, é que qualquer pessoa pode se juntar ao grupo de trabalho do
GRADE. Acho que temos milhares de membros do grupo de trabalho do GRADE
agora, e muitos de nós estamos abertos a questões. Então, se você está trabalhando com
o GRADE pra revisões sitemáticas, ou diretrizes, e você está 'travado', você pode entrar
em contato com algum dos líderes dos grupos de trabalho GRADE, e dizer "Oi, eu
gostaria de receber e-mails, estou interessado em ajudar..." E se você tiver problemas
metodológicos, nós estamos interessados nesses problemas. Se você tem alguma
pergunta sobre o GRADE, Nós podemos ajudar a solucionar.

E: Obrigada Gordon, por compartilhar conosco uma discussão tão enriquecedora,


tchau!

G: Tchau.

Por que classificar as evidências?


Um objetivo primordial da maioria das revisões sistemáticas em sua forma tradicional é
a possibilidade de dar suporte para tomadas de decisão. Nesse sentido, apesar de não
necessariamente apresentarem recomendações de ações em sua conclusão, é comum que
os resultados de uma revisão sistemática sejam utilizados na construção de diretrizes
clínicas e políticas públicas.
Recomenda-se avaliar as evidências que servirão para embasar recomendações de
saúde, em geral: intervenções, exposições e diagnósticos.
Para tanto, é de grande valor ter em mãos alguma classificação que indique de forma
rápida e prática o nível de confiança das evidências. Esse nível de evidência precisa ser
avaliado considerando fatores individuais dos estudos primários e características da
combinação deles. Apesar de bastante disseminada em décadas passadas, a
hierarquização pelo delineamento das pesquisas, ou seu julgamento metodológico
individual, é insuficiente para classificar de forma plena a qualidade de todo o conjunto
de evidências.
Da mesma forma, a classificação em diversos níveis de evidência, como os clássicos
níveis de evidência de Oxford (classificando a evidência em nível 1a, 1b, 1c, 2a, 2b, 2c,
3a, 3b, 4 e 5 de acordo com o delineamento e presença de vieses), e a criação de
formatos próprios e pouco difundidos de classificação pode tornar ainda mais complexa
a interpretação dos leitores do que seria o resultado da classificação da evidência.

Sistema GRADE
O sistema Grading of Recommendations Assessment, Development, and Evaluation
(GRADE) é uma proposta sensível e transparente de classificação das evidências e da
força de recomendação desenvolvido por um grupo de metodologistas desde o ano
2000. A abordagem GRADE já é bastante difundida mundialmente, é endossada por
várias organizações internacionais especializadas em revisões sistemáticas e protocolos
clínicos, entre elas a Colaboração Cochrane e a Organização Mundial da Saúde. O
principal motivo da propagação desse método é a clareza em informar a qualidade da
evidência e a força da recomendação, aliada à abrangência dos aspectos além da
qualidade metodológica dos estudos incluídos.
Diferentemente dos sistemas anteriores, o sistema GRADE classifica as evidências em
Alta (⊕⊕⊕⊕), Moderada (⊕⊕⊕⊝), Baixa (⊕⊕⊝⊝) ou Muito Baixa
(⊕⊝⊝⊝). Como uma das interpretações práticas, esse nível de evidência possui uma
relação direta do quão confiantes ou certos, estamos de que os achados obtidos no
conjunto de evidências não seriam alterados significativamente por novos estudos.
Quanto à força de recomendação, o sistema GRADE também apresenta uma proposta
de classificação. Ao considerar o nível de evidência e outros fatores importantes para a
decisão, como os riscos e custos associados à intervenção, pode-se enquadrar uma
recomendação como Forte, onde a maioria dos indivíduos com indicação deve receber
a intervenção, ou Fraca (também chamada de condicional), onde o balanço de riscos e
benefícios da intervenção pode ser incerto para uma parcela dos indivíduos.
Protocolos clínicos, pareceres técnico-científicos e outros documentos que envolvam a
tomada de decisão em contextos definidos devem informar a força dessa recomendação
além de classificar a evidência. Revisões sistemáticas, contudo, não necessariamente
lidam com os contextos assistenciais ou formulam recomendações e, portanto, se
limitam a apresentar apenas o nível de evidências em suas conclusões.

Primeiro passo: classificação dos desfechos


No sistema GRADE, avaliamos o nível das evidências disponíveis para cada desfecho
individual. Assim, os desfechos incluídos devem ser clinicamente relevantes e
importantes para os pacientes. Essa classificação de desfechos deve preceder a revisão
da evidência. Conforme proposto pelo GRADE, uma escala de 9 pontos poder ser
utilizada para classificar os desfechos em três categorias: 7-9 (críticos), 4-6
(importantes) e 1-3 (importância limitada).
A figura abaixo exemplifica uma classificação de desfechos para intervenção
multifacetada em segurança do paciente¹. Foi considerado que a mortalidade seria o
desfecho mais crítico para a tomada de decisão.
Note que esse processo precede o julgamento da qualidade da evidência: esse desfecho
continuará a ser o mais importante independentemente do nível de evidência que lhe for
atribuído. Mesmo que seja avaliado como baixa evidência, esse continuará a ser o mais
importante para decisão.
Definidos os desfechos e sua relevância, é realizada a revisão da literatura conforme os
procedimentos preconizados. Para cada desfecho, é obtida uma estimativa de efeito
(risco relativo, odds ratio, diferença de médias etc.) e o respectivo nível de imprecisão
(intervalo de confiança) por meio da síntese de um ou mais estudos.

Avaliação de evidências qualitativas


Por ter características e objetivos não necessariamente consistentes com a pesquisa
quantitativa, as evidências provenientes da pesquisa qualitativa passam por uma
avaliação específica do sistema GRADE. Em outro racional metodológico, a pesquisa
qualitativa busca analisar de forma mais ampla as percepções e experiências dos
indivíduos, incluindo suas perspectivas sobre saúde, serviços e políticas públicas.
Seguindo igualmente um processo criterioso e transparente de avaliação das evidências,
a proposta do Confidence in the Evidence from Reviews of Qualitative Research
(GRADE CERQual) é uma complementação do sistema GRADE que permite descrever
o quão confiantes estamos sobre os achados de sínteses de evidências qualitativas². Mais
especificamente, o nível de evidência pelo GRADE CERQual nos comunica até que
ponto os achados de uma revisão seriam substancialmente diferentes do fenômeno de
interesse.
Na próxima lição, discutiremos mais o uso do sistema GRADE e veremos as demais
etapas do processo de julgamento.

FATORES QUE AFETAM A CONFIANÇA NA EVIDÊNCIA

Delineamento, risco de viés e evidência indireta

Ao propor a avaliação do conjunto de evidências de acordo com cada desfecho, o


sistema GRADE também propõe que seja feito um nivelamento da importância dos
desfechos, indo de nível crítico a nível sem importância. E isso está relacionado ao seu
impacto para a tomada de decisão. Não se atenha apenas a este impacto. Considere
também os valores e preferências dos pacientes. Imagine uma situação como na
oncologia, onde comumente é adotado o desfecho de sobrevida livre de progressão e
qualidade de vida desses pacientes. Imagine uma intervenção que tem uma sobrevida
livre de progressão alta e uma qualidade de vida baixa e outra intervenção onde há
ganho de qualidade de vida apesar de não ter esse ganho sobrevida livre de
progressão. Qual situação prevaleceria na importância dos desfechos? Após definir esse
desfecho com que você vai trabalhar, avalie o conjunto de evidências de acordo com o
nível inicial de qualidade, considerando que os ensaios clínicos randomizados iniciam
com uma qualidade alta e os estudos observacionais com uma qualidade baixa. Após
delimitar o nível inicial de qualidade, você pode considerar a necessidade de rebaixar ou
não essa confiança nas evidências. As limitações metodológicas, ou risco de viés, é dos
critérios que pode ser considerado para esse rebaixamento. Esse critério é avaliado de
acordo com cada delineamento. Por exemplo, nos ensaios clínicos randomizados um
ponto crítico a ser avaliado é a garantia da randomização adequada. Nos estudos
observacionais, devemos nos preocupar em afastar o potencial do viés de
confusão. Procure utilizar usar ferramentas validadas para essa avaliação, como por
exemplo, a ferramenta de risco de viés da Cochrane para avaliar os ensaios clínicos
randomizados. Após a sua avaliação e do impacto do risco de viés, considere o
julgamento de rebaixar em um ou dois níveis a qualidade, a confiança, ou a nossa
certeza nas evidências. A evidência indireta diz respeito ao quão direta são as
evidências disponíveis com a nossa pergunta de pesquisa. Idealmente, essas evidências
deveriam tratar da mesma população, a mesma intervenção, os mesmos comparadores e
os mesmos desfechos. Algumas situações podemos não ter a mesma faixa etária
estudada e a faixa etária da nossa pergunta de pesquisa. Outras situações podem ser
avaliadas com desfechos substitutos, como é o caso da densitometria óssea vez de
fraturas, no caso da osteoporose. Nesta situação estamos menos confiantes dessas
estimativas de efeito em relação ao contexto da nossa pergunta. Observe o quão
importante é estabelecer uma pergunta clínica bem estruturada para considerar a
avaliação da evidência indireta. Nessas situações é possível também rebaixar a
qualidade, a confiança nas evidências.

Inconsistência, imprecisão e viés de publicação

O critério da inconsistência diz respeito a presença da heterogeneidade no nosso escopo


de evidências. Alguns indicadores podem nortear a presença ou não dessa
heterogeneidade, como por exemplo a inspeção visual do forest plot. Esperamos que
haja sempre uma sobreposição dos intervalos de confiança. Quando isso não ocorre,
devemos suspeitar de alguma heterogeneidade. Algumas estatísticas também podem nos
auxiliar, como é o caso do I². É possível que diferenças nas populações, intervenções,
estejam relacionadas a essa heterogeneidade. O planejamento da revisão sistemática
deve prever o estudo, a investigação destas causas. Isso pode ser feito com análise de
subgrupo, ou até o uso de ferramentas como a metarregressão. Na presença de
heterogeneidade não explicada e importante, é possível também rebaixar a nossa
confiança nas estimativas de efeito.
A imprecisão é outro critério que pode ser considerado no rebaixamento do nível de
confiança. Por lhe darmos com amostras é sempre importante considerarmos a
influência do acaso nas estimativas. Por isso, não lide apenas com as estimativas
pontuais, como as médias, mas considere o seu intervalo de confiança. O problema é
que em algumas situações, como no caso de pequenos tamanhos de amostra, ou
pequenos números de eventos, essa amplitude do intervalo de confiança pode ser
bastante grande e nesta situação estamos pouco confiantes de qual de fato será o valor
observado na prática. Algumas estratégias podem nos auxiliar nessa orientação
sobre rebaixar ou não o nível de evidência de acordo com a imprecisão. Como exemplo,
você pode fazer o uso do tamanho ótimo da informação. Considere a possibilidade de
conduzir um ensaio clínico randomizado para observar o efeito desejado. Qual seria o
tamanho de amostra necessário? Esse tamanho de amostra está próximo do que foi
obtido pelo conjunto de evidências? Você pode fazer o uso de ferramentas abertas para
esse cálculo de tamanho de amostra, ou até mesmo referências de autores que já trazem
para você níveis de confiança de acordo com o número de eventos e o tamanho de
amostra que você precisaria. Ao levantarmos o nosso corpo de evidências, precisamos
considerar a tendência de encontrarmos mais resultados positivos publicados. Ou
seja, aqueles resultados com significância estatística ou favoráveis à
tecnologia. Considerar apenas esses resultados em uma estimativa de meta-análise pode
trazer uma estimativa de efeito enviesada. Algumas estratégias podem indicar a
presença ou não, a suspeita ou não, de viés de publicação, apesar de não ser fácil
confirmá-lo. Você pode fazer uso de testes estatísticos ou até mesmo do gráfico em
funil. Nesse gráfico, plotamos uma estimativa de efeito e uma estimativa de imprecisão.
O ideal é que o conjunto de evidências forme triângulo simétrico. Na ausência disso,
você pode considerar rebaixar ou não as evidências por viés de publicação dada essa
suspeita.

Fatores que aumentam a qualidade da evidência

Além dos fatores que podem reduzir a nossa confiança nas evidências, o
GRADE também propõe fatores que podem aumentar esse nível de confiança, ou
certeza. Mas tenha cuidado! Não faz sentido você rebaixar a qualidade das
evidências de acordo com as suas limitações metodológicas, ou outros fatores, e depois
aumentar a confiança de acordo com os fatores que vamos discutir. Assim, considere
aumentar a qualidade das evidências somente nas situações em que você tem corpo de
evidências sem grandes limitações, ou outros fatores que reduzem a confiança nas
evidências. Um fator a ser considerado nesse aumento da qualidade é a magnitude de
efeito. Pense na situação dos estudos observacionais, que por mais que
tenhamos controles e ajustes, estarão sempre propensos ao confundimento residual. Na
situação de uma grande magnitude de efeito, como, por exemplo, risco relativo de
5. Indicando que a frequência daquele evento é cinco vezes maior em quem foi
exposto. É pouco provável que todo esse efeito esteja relacionado à confusão. Assim,
estamos mais confiantes de que existe uma relação causal entre a exposição e o efeito
observado. E podemos considerar aumentar a qualidade, a confiança, nessas
evidências. Outro fator que podemos considerar para aumentar o nível de certeza dessas
evidências é a presença, ou não, de um gradiente dose-resposta. Ou seja, será que o
nível de efeito, o nível de resultados, é aumentado de acordo com o nível de exposição a
que é submetida aquela população? Se isso acontece, estamos mais confiantes de que
existe uma relação causal entre a exposição e o efeito. Tome como exemplo o caso do
anti-inflamatório rofecoxibe. Ao observarmos evidências de pacientes que faziam uso
de doses maiores, essa dose também era acompanhada com risco maior da incidência
de eventos cardiovasculares, como o infarto agudo do miocárdio. Ou seja, estávamos
mais confiantes de que existia uma relação causal entre estar exposto ao rofecoxibe e ter
evento cardiovascular. Nesta situação, podemos, também, considerar o aumento da
qualidade das evidências.
Apesar de contraditório, em algumas situações, a presença de fatores de confusão
também podem aumentar a nossa confiança nas estimativas de efeito. Como, por
exemplo, uma revisão sistemática de estudos observacionais que buscou avaliar a
efetividade do uso de preservativos na prevenção da infecção pelo HIV. A revisão
conseguiu constatar efeito importante do uso de preservativos na redução da infecção
pelo HIV. Contudo, ao observarmos os estudos incluídos, é possível, também, observar
um desbalanceamento no número de parceiros sexuais de acordo com o uso, ou não, de
preservativos. Ou seja, indivíduos que faziam uso de preservativos estariam
mais expostos ao risco de infecção pelo HIV, pelo maior número de parceiros. Assim,
esse fator, número de parceiros, estaria, artificialmente, reduzindo o efeito dessa
intervenção. Mesmo assim, observamos um efeito importante. Estamos, então, mais
confiantes de que o uso de preservativos reduz o risco de infecção pelo HIV. Da mesma
forma, na presença de fatores que aumentariam o efeito da intervenção, e não
observamos efeito ao final, estamos mais confiantes de que não existe uma relação
causal entre a exposição e o efeito observado. E podemos, assim, também, aumentar a
qualidade das evidências nessas situações. Ao final da sua avaliação, o GRADE
recomenda que você construa tabelas com o resumo dos resultados e perfis de
evidências. Trazendo os critérios que foram utilizados para rebaixar a qualidade das
evidências, assim como os motivos que fizeram você ter esse julgamento. Lembre-se, a
transparência é um critério essencial para você fazer o bom uso do sistema GRADE.

Definindo o nível inicial do conjunto de evidências


Uma vez concluída a avaliação crítica do estudo e a síntese dos resultados encontrados,
sugere-se ponderar a qualidade da evidência para cada desfecho priorizado na revisão
sistemática.
A qualidade ou o nível da evidência diz respeito ao grau de confiança ou certeza que se
pode ter em uma determinada estimativa de efeito. Se uma evidência é de alta certeza, é
improvável que novas pesquisas produzam mudanças substanciais nas estimativas de
efeito. Por outro lado, se a certeza de um conjunto de evidências é muito baixa, futuros
estudos com delineamentos mais apropriados poderão confirmar ou refutar os achados
encontrados. O fluxograma a seguir detalha o processo de graduação do nível das
evidências pelo sistema GRADE.
O delineamento dos estudos é o primeiro aspecto a ser considerado para qualificar as
evidências. Inicialmente, evidências provenientes de estudos randomizados são
considerados como de alta qualidade e de estudos observacionais como de baixa
qualidade¹.
Fatores que diminuem a qualidade da evidência
Após levantar o conjuntos de evidências disponíveis para um desfecho relevante e
delimitar o nível inicial de confiança de acordo com o delineamento dos estudos, avalia-
se a presença ou não de fatores que podem reduzir nossa confiança nas estimativas de
efeito.
Primeiramente, o nível das evidências pode ser rebaixado em um ou até dois níveis se
houver limitações metodológicas no delineamento e condução dos estudos, o que
sugere alta probabilidade de viés. Essa aferição é feita na avaliação crítica dos estudos
selecionados. Para tanto, pode-se fazer uso de ferramentas de avaliação crítica de estudo
primário que estudamos previamente, como o instrumento de Risco de Viés da
Cochrane (RoB), para se chegar a esse resultado.
A presença de inconsistência (heterogeneidade) também diminui nossa confiança nas
estimativas. Trata-se da situação onde os estudos obtêm estimativas de efeito que
diferem muito entre si. Esse fato pode ocorrer quando os resultados mudam conforme a
população (por exemplo, redução de risco relativo maior em pacientes com doença mais
grave), a intervenção (por exemplo, doses baixas em comparação a doses altas de um
medicamento) ou o desfecho (por exemplo, diferentes definições para nefropatia entre
os estudos). Para tanto, pode-se fazer uso de indicadores da presença de
heterogeneidade, como a estimativa do I² em uma meta-análise. Quando há forte indício
de heterogeneidade (ex.: I² acima de 75%), é fundamental que se procure identificar as
suas causas mais prováveis e, na hipótese dessa heterogeneidade não ser devidamente
explicada ou mitigada, rebaixar a confiança nas estimativas.
A presença de evidência indireta ocorre quando existem diferenças substanciais entre
as evidências disponíveis e a nossa pergunta de pesquisa. Semelhante ao critério de
inconsistência, devemos nos preocupar com o impacto de diferenças na população, nas
intervenções, comparadores ou nos desfechos, contudo, não entre os estudos
combinados, mas entre os estudos e nossa pergunta de pesquisa. Por exemplo, ao se
buscar as evidências para a recomendação de uma intervenção em crianças, pode-se
deparar com um cenário de que a intervenção só foi estudada em adultos. Podemos
assim estar pouco confiantes de que os efeitos observados nas evidências disponíveis
serão semelhantes na população desejada (crianças), tratando-se de um caso de
evidência indireta.
A imprecisão das estimativas de efeito é comumente identificada com a grande
amplitude dos intervalos de confiança. Normalmente, esse fenômeno ocorre quando
existe um pequeno tamanho de amostra ou número de eventos clínicos. Adicionalmente,
pode-se fazer uso dos conceito do tamanho ótimo da informação (Optimal Information
Size - OIS), que reflete qual deveria ser o tamanho mínimo de uma amostra para se
determinar com segurança um efeito observado. Caso o conjunto de evidências esteja
bastante divergente desse tamanho mínimo, podemos questionar o seu nível de
imprecisão.
A presença de viés de publicação seria o último fator a ser considerado no
rebaixamento do nível das evidências. Sobretudo na situação de uma meta-análise
fortemente influenciada pelo resultado de estudos pequenos, podemos estar diante de
um cenário de viés de publicação. Nele, é importante considerar se existe uma suspeita
de que apenas os estudos positivos (favoráveis á intervenção ou estatisticamente
significativos) foram considerados. Alguns fatores podem nortear indícios da presenta
ou não desse viés, como o fato de que estudos de maior porte mostrarem pouco ou
nenhum efeito, enquanto estudos pequenos mostram benefícios acentuados. Idealmente,
em revisões sistemáticas, esse risco de viés é investigado por análise qualitativa e
mediante aplicação de testes estatísticos.
O Quadro abaixo apresenta uma síntese dos fatores e passos envolvidos na etapa de
rebaixamento das evidências:
Itens Critério Aplicação

–1 se há risco de viés
Limitações do estudo Resultado da avaliação metodológica de cada estudo e seu
grave; –2 se há risco de
(risco de viés) impacto no desfecho em análise.
viés muito grave

–1 se há inconsistência
Inconsistência dos Avaliar a semelhança das estimativas, sobreposição dos
grave; –2 se há
resultados intervalos de confiança, resultados dos testes de heterogeneidade
inconsistência muito
(heterogeneidade) e da estimativa da inconsistência pelo I²
grave

–1 se há evidência
Avaliar se existem diferenças na população, intervenção,
indireta grave; –2 se há
Evidência indireta comparação ou desfechos entre os estudos incluídos e a pergunta
evidência indireta muito
de interesse
grave

Avaliar a amplitude do intervalo de confiança, ou se o número de –1 se há imprecisão


Imprecisão eventos e o tamanho da amostra foram suficientes para grave; –2 se há
identificar com segurança o efeito desejado imprecisão muito grave

Avaliar se há possibilidade de estudos não terem sido publicados


e isso ter alguma influência na síntese dos resultados. Nesse
–1 se é altamente
Viés de publicação ponto, são indícios a presença de muitos estudos com pequenos
suspeito
tamanhos de amostra, bem como a influência de conflitos de
interesse no financiamento da pesquisa

Fatores que aumentam a qualidade da evidência

Após a avaliação dos fatores que reduzem o nível das evidências, também é possível
considerar a elevação do nível das evidências disponíveis.

Aumentar a evidência se aplica a desfechos provenientes de estudos observacionais


que não tiveram sua qualidade reduzida pelos fatores que diminuem a confiança nas
evidências. Desfechos provenientes de ensaios clínicos que não apresentaram
preocupações graves na etapa anterior continuam com qualidade da evidência alta e
também não se aplicariam a essa avaliação de fatores que elevam a confiança nas
evidências.

Partindo desse racional, o GRADE possibilita que evidências de estudos observacionais


que não tenham limitações metodológicas importantes ou outros fatores que reduzem a
nossa confiança nas estimativas, poderão ter seu nível elevado de baixo para moderado
ou alto na presença de fatores que aumentam nossa confiança.

Primeiramente, a qualidade da evidência pode ser elevada quando a magnitude do


efeito for muito grande (ex.: risco relativo > 2 ou < 0,5). Isso, porque mesmo que os
estudos observacionais não consigam afastar completamente a influência dos fatores de
confusão (o que é chamado de confundimento residual), é pouco provável que toda a
parcela de efeito observada seja proveniente de uma associação espúria (falsa) na
situação de um efeito de grande magnitude.
Outro fator que aumenta a nossa confiança na relação de uma causa e efeito de uma
intervenção é e presenta de evidências de um gradiente dose-resposta. Esse critério diz
respeito à situação onde observamos um aumento do nível de efeitos com o aumento do
nível de exposição. Por exemplo, efeitos adversos passam a ser mais frequentes em
pacientes que utilizam doses maiores de um medicamento.

Por fim, também é possível avaliar se existe alguma influência positiva dos fatores de
confusão. Tal avaliação, de certa forma mais complexa e menos frequente que os
demais fatores, diz respeito à situação que a presença da fatores de confusão estaria
favorecendo nossa confiança na existência ou ausência de efeito de intervenção. Por
exemplo, na hipótese de se observar um efeito clinicamente relevante de uma
intervenção nas evidências disponíveis, o nível de evidência poderia ser elevado caso
estivesse presente algum fator de confundimento que estaria diminuindo o efeito da
intervenção. Da mesma forma, se um fator de confusão favorecesse o efeito de uma
intervenção e, mesmo assim, as evidências disponíveis não identificassem estimativas
clinicamente significantes, estaríamos mais confiantes de que não existe um efeito
daquela intervenção.

O Quadro abaixo apresenta uma síntese dos fatores e passos envolvidos na etapa de
elevação no nível das evidências:

Itens Critério Aplicação

Grande magnitude A observação de grande efeito aumenta a confiança na evidência +1 se RR ≥ 2 ou ≤ 0,5; +2 se RR ≥ 5


de efeito encontrada ou ≤ 0,2

Gradiente dose- A observação de alteração do efeito conforme a exposição se


+1 se há gradiente dose-resposta
resposta modifica e auxilia na definição da causalidade

A presença de confundidores (que estariam indo na direção


Influência positiva +1 se os confundidores diminuiriam
oposta ao efeito) não impede que o resultado favorável à
dos fatores de o efeito ou trariam efeito espúrio no
intervenção seja encontrado ou trariam um resultado espúrio
confusão caso de ausência de efeito
quando não se observa efeito

Apresentando os resultados

O GRADE preconiza a apresentação da avaliação das evidências para cada desfecho em


formato de tabelas, comumente chamada de Resumo de Achados ou tabelas Summary
of Findings (SoF). Nessas tabelas, é apresentado o delineamento e o julgamento sobre
cada aspecto do processo de avaliação das evidências, bem como a referência dos
motivos que levaram à elevação ou rebaixamento do nível das evidências. Essa medida
é importante para aumentar a transparência do processo e permitir sua adaptação aos
diferentes contextos de decisão.

Veja abaixo um exemplo de uma tabela SoF com a avaliação do GRADE em uma
revisão da Colaboração Cochrane sobre os efeitos da promoção de limpeza das mãos em
crianças²:
Uma sugestão para a formatação dessas tabelas é o uso da plataforma GRADE profile
Guideline Development Tool (GRADEpro GDT), que permite gerenciar todo o
processo de avaliação das evidências e exportar as tabelas SoF em variados formatos.

Referências
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas :
Sistema GRADE – Manual de graduação da qualidade da evidência e força de
recomendação para tomada de decisão em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
72 p. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_sistema_grade.pdf

2. Ejemot‐Nwadiaro RI, Ehiri JE, Arikpo D, Meremikwu MM, Critchley JA. Hand
washing promotion for preventing diarrhoea. Cochrane Database of Systematic Reviews
2015, Issue 9. Art. No.: CD004265. doi: 10.1002/14651858.CD004265.pub3.
EVIDÊNCIAS PARA POLÍTICAS

Respostas rápidas

Geralmente, os tomadores de decisão são pressionados a tomar decisão com o menor


tempo possível. Isso gera alguns desafios, pois nem sempre a evidência está disponível
naquele momento. Por exemplo, uma revisão sistemática leva torno de 6 a 24 meses
para ser conduzida. Nesse contexto, alguns grupos de pesquisa e agência de fomento ao
uso de evidências científicas na tomada de decisão, têm desenvolvido novas
metodologias para encurtar esse tempo na entrega das evidências para a tomada de
decisão. Nesse contexto surgem as respostas rápidas. Não há ainda consenso sobre a
definição do que seja respostas rápidas. Mas há algumas características comuns. Por
exemplo, o uso de atalhos metodológicos para encurtar esse tempo na entrega das
evidências. Mas, elas mantêm o mesmo procedimento de uma revisão sistemática e
características como: transparência, processo sistemático e
reprodutibilidade. Geralmente os atalhos utilizados nas respostas rápidas referem-se à
redução do escopo da pergunta, colocando apenas a eficácia de uma determinada
tecnologia, ou a segurança de uma outra tecnologia específica. Também recomenda-se a
redução das bases de dados analisadas, priorizando o PubMed ou EMBASE. Também,
ao invés de buscar estudos primários, priorizar a busca de revisões sistemáticas na hora
de fazer a seleção dos estudos. Além disso, a literatura cinzenta também,
geralmente, não é incluída nas respostas rápidas. Estudos têm apontado que os
resultados de uma resposta rápida, em comparação com a revisão sistemática, não há
grandes diferenças. Mas mais pesquisas precisam ser feitas nestas áreas para que a gente
tenha uma conclusão mais robusta. No entanto, uma resposta rápida nunca substituirá
uma revisão sistemática.

Políticas informadas por evidência

O SUPPORT é uma ferramenta para auxiliar os tomadores de decisão e os técnicos que


os apoiam, a elaborar políticas informadas por evidência. Essas políticas devem ser
embasadas nas melhores evidências disponíveis na literatura. Principalmente com o uso
de revisões sistemáticas. O SUPPORT disponibiliza dicas de como você pode melhorar
a sua capacidade interna da sua instituição, de como fazer uso das evidências
científicas, identificando problemas e como solucioná-los. Para isso, são importantes as
revisões sistemáticas, porque elas podem te dar um contexto mais geral e facilitar a
identificação desses problemas e possíveis soluções. É importante considerar que um
problema de saúde para município brasileiro, ele pode ser idêntico a um problema de
saúde no Canadá, por exemplo. Por isso é que a sumarização dessas evidências
em âmbito global, elas auxiliam você a identificar esse problema e as soluções. Em um
caso específico, a ferramenta SUPPORT também disponibiliza formas de você envolver
os tomadores de decisão desde a identificação do problema. Assim, eles se sentindo
parte dessa busca por evidência, aumenta a sua chance de utilizar essas evidências no
final do processo. Então, essa aproximação entre tomadores de decisão e pesquisadores
que vão sumarizar essas evidências, é fundamental! É importante também criar essas
habilidades da equipe técnica, pois assim você diminui os tempos entre a produção
dessa evidência científica e o processo de tomada de decisão. Tome como exemplo a
questão de uma estratégia para reduzir a contaminação por compartilhamento de seringa
entre usuários de drogas ilícitas. Ela é uma estratégia documentada como custo-efetiva,
ou seja, os seus benefícios superam os custos de disponibilizar essas seringas nos
serviços de saúde. No entanto, verificou-se que ela tem uma baixa aceitabilidade pela
população, pois identifica que os serviços de saúde estão incentivando o uso de drogas
ilícitas. Por isso é importante a gente verificar com usuários, profissionais da saúde e
gestores, se as estratégias que estamos querendo implementar nos nossos serviços e
sistemas de saúde, são aceitáveis pela população. Porque se não, ela pode ter efeito
contrário e inclusive piorar a situação de saúde! O uso da ferramenta SUPPORT e do
diálogo deliberativo, podem sistematizar essas evidências de percepção dos atores e
assim, antecipar esses possíveis problemas e contribuir para uma implementação
mais efetiva das políticas de saúde.

Diálogos deliberativos

As políticas de saúde afetam um conjunto amplo de atores, incluindo pacientes,


profissionais da saúde, gestores e os serviços e sistemas de saúde. Para disponibilizar
políticas de saúde de modo efetivo e eficiente, várias etapas são necessárias, como
priorização, elaboração da política, implementação e monitoramento e avaliação, em
ambas as fases, as evidências científicas de melhor qualidade vão embasar a realização
dessas etapas. Para isso, as revisões sistemáticas são a base, pois elas vão sistematizar as
informações e as evidências disponíveis na literatura, de modo global. As revisões
sistemáticas vão sumarizar as melhores evidências disponíveis em âmbito
global. Nemsempre o contexto dessas evidências vão se aplicar onde você quer
implementar a sua política de saúde, por isso, um julgamento sobre os benefícios e os
danos potenciais devem ser levados consideração, bem como, os custos envolvidos para
implementar essa política. Nesse sentido, os diálogos deliberativos são muito
importantes, onde as evidências são colocadas para os gestores, para os profissionais da
saúde e até mesmo pacientes, onde eles vão julgar se aquela política vai ser efetiva para
o seu contexto. Nesse sentido, temos uma consolidação das melhores
evidências científicas disponíveis, com os valores locais onde aquela política será
aplicada. Depois de implementada a política, é importante monitorar e avaliar se os
efeitos desta política se distribuem de forma igualitária entre os grupos
populacionais, principalmente, relação aos grupos mais vulneráveis, se ela vai, de certa
forma, atingir a questão da equidade. Além disso, o acesso e a qualidade do serviço
devem ser mensurados ao final da implementação, ao longo do tempo.

Sínteses da evidência para política


Gestores e formuladores de políticas devem utilizar a melhor evidência disponível para
o processo de tomada de decisão, considerando que essa definição impactará a vida de
muitas pessoas e resultará em alocação de recursos. Por outro lado, a realidade revela
obstáculos para a adoção desse ciclo virtuoso. As dificuldades variam desde limitações
operacionais a opiniões divergentes de quem está lidando no dia a dia com o problema.
Casos extremos forçam os gestores e formuladores de políticas a recomendarem
estratégias sem ter clareza sobre quais seriam os efeitos reconhecidamente esperados.
Dois mundos
A imagem acima remete ao abismo que usualmente nos referimos para ilustrar o
processo de aproximação entre pesquisa e gestão. A academia tem seus ritos e processos
e a pesquisa científica requer tempo, amadurecimento e comprovações para chegar em
resultado próximo à verdade. A gestão lida com problemas reais e que se renovam ou se
avolumam constantemente; para resolução das demandas a atuação deve ser dinâmica e
em tempo geralmente curto, mitigando riscos adicionais.
A constatação mais óbvia é que esses dois mundos não conversam ou não se entendem.
Então talvez seja melhor deixar assim mesmo, sem atritos ou tentativas de saída da zona
de conforto. Para quê tentar o diálogo se a língua é diferente? Ninguém se entende!
Se por um lado, com esses mundos apartados preserva-se a zona de conforto, por outro
lado nem a ciência nem a gestão alcançam o seu objetivo principal: melhorar as
condições de vida das pessoas. A pesquisa encontra soluções, mas essas não são
aplicadas na política. A gestão identifica problemas, mas esses não são pesquisados.
Todos têm suas razões e os impasses tornam-se insolúveis. Como romper esse ciclo?
Decisão baseada em evidências
Para criar pontes entre esses dois mundos, estratégias têm sido desenvolvidas, testadas e
aprimoradas. O envolvimento de entes da gestão e da pesquisa, desde a formulação do
problema, é a base dessas estratégias. E os formatos variam de acordo com o objetivo
que se quer alcançar.
Textos curtos no formato de boletins são úteis quando disponibilizam uma mensagem
simples, como revisões rápidas baseadas em revisões sistemáticas, principalmente
quando há constatação de necessidade de planejar e incorporar intervenções. A
Organização Mundial da Saúde disponibiliza um manual de revisões rápidas para
embasar políticas e que auxilia os interessados nesse método.
Em intervenções multifacetadas, que objetivam desenvolver uma cultura e/ou
habilidades, somente um texto informativo torna difícil a mudança de contexto. Os
diálogos deliberativos para discutir sínteses de evidência são mais úteis nesses casos.
Antes de avaliar e implementar intervenções, é necessário auditar o perfil da população-
alvo para identificar se alguma mudança é desejável.
Auxílio para tomada de decisão baseada em evidências
Sínteses para política (policy briefs)
Na área da saúde, há incentivos na formação de redes de conhecimento para formulação
de políticas baseadas em evidências. Destaca-se a rede fomentada pela Organização
Mundial da Saúde, Evidence-Informed Policy Network (EVIPNet). A iniciativa facilita
a incorporação de procedimentos para o uso do conhecimento científico na formulação e
implementação de políticas públicas de saúde, a partir do modelo de síntese de
evidências para políticas de saúde (policy briefs).
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)
Estudos secundários que ponderam a qualidade da evidência com sua respectiva
adequação a realidade clínica são particularmente úteis. Dentre eles, destacam-se as
diretrizes clínicas. Tais publicações são normalmente produzidas por sociedades de
especialidades médicas para orientar o manejo ideal (diretrizes terapêuticas) ou por
governos na regulação do acesso à insumos e serviços de saúde (protocolos clínicos).
No âmbito do Sistema Único de Saúde tais documentos tem caráter normativo e
orientativo e são denominados Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT).
Diretrizes de boa qualidade tendem a considerar todos os grupos de pacientes (baixo e
alto risco; mais ou menos susceptíveis a eventos adversos), as opções de manejo
(cirúrgico ou clínico) e os possíveis desfechos relevantes (mortalidade, morbidade,
qualidade de vida, toxicidade, efeitos adversos, inconveniência, carga psicológica e
custos para o paciente ou para a sociedade).
É recomendável um processo transparente e sensível na identificação, seleção e
combinação da evidência disponível. Para sua elaboração, esses documentos devem, em
síntese:
 Definir a pergunta de pesquisa e prioridade de desfechos
 Identificar revisões sistemáticas de boa qualidade (avaliar o risco de viés desse
estudo secundário)
 Avaliar a confiança dos resultados encontrados (aplicar o sistema Grading of
Recommendations, Assessment, Development and Evaluation - GRADE, por
exemplo)
 Formular as recomendações e direção (contra ou a favor)
 Deliberar sobre a força das recomendações (forte ou fraca/condicional)
Adaptação de diretrizes
As diretrizes são elaboradas em inúmeros contextos culturais e organizacionais. Parte da
informação produzida, como a evidência científica disponível, geralmente não é afetada
pelo contexto e pode ser aproveitada em uma conjuntura específica. Com essa
finalidade, a ferramenta Adaptation of clinical guidelines (ADAPTE) propicia uma
abordagem sistemática de aproveitamento das informações disponíveis nas diretrizes
previamente realizadas para a circunstância local.

Entrevista com Jorge Barreto - evidências para políticas

E: Eu vou conversar agora com o Doutor Jorge Otávio Maia Barreto que é pesquisador
da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, na diretoria de Brasília. Doutor Jorge foi
secretário municipal de saúde de Piripiri município do Piauí, de 2005 a 2012, e ele
implantou na gestão dele diversas políticas baseadas evidências, assim como promoveu
a elaboração de sínteses e Policy Briefs para política. E o Doutor Jorge faz parte do
Comitê Consultivo da Rede para Políticas Informadas por Evidências, a EVIPNet
Brasil, desenvolve pesquisas sobre o sistema de saúde com enfoque na atenção
básica, na atenção primária a saúde e processos de incorporação do
conhecimento científico a tomada de decisão nas políticas de saúde Muito obrigada
Jorge por dividir o seu conhecimento com a gente.

J: Obrigado Tais, é prazer contribuir com essa atividade, com o curso e eu estou sempre
à disposição.

E: Sim, a gente sabe. Jorge, geralmente quando a gente fala aplicar pesquisa pra
embasar políticas, falamos conciliar dois mundos diferentes. E eu não sei se nem se a
palavra é conciliar, se eles são irreconciliáveis, enfim né, teoria, mas brincadeiras a
parte qual é a sua visão sobre essa aproximação, tanto na sua experiência prévia como
gestor como hoje sendo pesquisador e preparando evidências científicas.

J: Bom Tais, acho que tem duas coisas ai que eu gostaria de abordar. O primeiro é o
cenário geral dessa aproximação que não é problema novo, essa questão do uso de
resultado de pesquisa pra favorecer o processo de formulação de política, ele é o marco
do início da área .de políticas públicas como área de conhecimento dentro das
universidades, principalmente nos Estados Unidos, começa na década de 40 O
reconhecimento de que o processo de formulação de política ele era muito acrítico e do
ponto de vista diria de sucesso da efetividade das políticas ele determinava o quanto
mais fundamentado intenções e vamos dizer valores ou apenas boa vontade, menor é a
certeza de que você vai produzir bons resultados. É claro que valores e intenções e boa
vontade são absolutamente importantes e tem que estar presente e são eu diria forte
indicativo de direcionamento de políticas, porque uma escala de prioridades alguns
valores podem prevalecer e outros podem ser esquecidos, então é muito importante
ter isso transparente, mas o fundamental é que o processo inteiro da tomada de decisão
ele é processo reconhecidamente complexo e que há uma série de insumos que vão
aportar geral relacionados com ideias, com valores e com análises de possibilidades que
são feitas pelos tomadores de decisão, esses insumos eles competem entre si de uma
maneira bastante, eu diria, ostensiva e eles vão ocupar na tomada de decisão lugar de
determinação, então eles vão ser usados de alguma maneira pelos tomadores de
decisão, a grande questão é o quanto o conhecimento científico participa desse
processo que como eu ja disse é processo complexo e competitivo mas é acima de tudo
pouco transparente, então a ideia de usar o conhecimento científico é além de fortalecer
o próprio processo na direção de políticas mais efetivas, existe esse potencial, não é uma
promessa é uma possibilidade, também aumenta a transparência da tomada de decisão
então esse é primeiro aspecto que eu acho muito importante dessa aproximação, entre o
mundo que produz conhecimento e o mundo que produz políticas, eu diria até que essa
relação não é nem entre produtores e usuários porque na verdade isso é meio confuso
quem que produz e quem que usa porque as instituições de políticas também produzem
conhecimento, elas não são apenas usuárias, não são aquelas que vão receber como
é alguém que visita oráculo e recebe aquela informação, então tem que ter processo
interativo, então essa é a chave pra essa aproximação, não é apenas a ideia de que são
mundos diferentes com dinâmicas, com tempos, com interesses, com repertórios e
caixas de ferramentas bem diferentes mas é preciso favorecer o intercâmbio e se
possível algum nível de integração, se não integração completa, porque isso seria
realmente muito difícil, e tem uma coisa muito interessante que eu gosto de dizer que
não se trata de transformar pesquisadores gestores e nem gestores pesquisadores isso
não daria muito certo porque o ambiente é diferenciado, então eu posso até lembrar que
Platão, que era filósofo, seria o equivalente aos pesquisadores da sua época, ele defendia
o governo dos filósofos, só que nas duas tentativas que ele fez ele não se saiu muito bem
não, nas duas vezes ele teve que fugir das cidades-estado aonde ele estava atuando pra
não ser morto, então são duas coisas que realmente tem estruturas dinâmicas,
ambiente completamente diferente, isso é a primeira coisa que a gente precisa ter
mente.
A segunda coisa que a gente pode ter mente é que a operacionalidade dessa
aproximação ela pode se dar todos os níveis ela não é uma coisa só pra Ministério da
Saúde, ou não é uma coisa só para o alto nível de formulação, porque os
implementadores também precisam muito de evidência, porque você tem evidências
sobre o que fazer larga escala, como por exemplo uma vacinação ou como por exemplo
uma adoção de modelo de pagamento, mas você tem o processo operacional de
transformar isso algo real, então as estratégias de implementação também podem
requerer suporte de evidência e pra isso é que o nível mais local, que é a minha
experiência que é mais essa segunda questão que eu quero abordar, você tem uma
grande possibilidade, existe uma grande área a ser explorada no que diz respeito à
estratégias de implementação formadas por evidências, bem fundamentadas, e como
isso ajuda que uma aproximação entre gestão e academia seja mediada pela necessidade
da informação para coisas reais, para coisas concretas então esse são os dois aspectos do
grande cenário das políticas informadas por evidências que a gente pode usar
pra dar pontapé inicial nessa conversa

E: Ótimo, eu acho que foi bem abrangente assim e realmente mostra o potencial como
você falou e a importância disso. E ai quais estratégias podem ser implementadas então
para facilitar esse processo de tomada de decisão baseada evidências, de evidências para
política.

J: Então considerando isso que eu falei de que você tem que ser introduzido e ao mesmo
tempo introduzir as evidências científicas como subsídios dentro de ambiente complexo
e competitivo, você tem que ter ferramentas, não é pelo convencimento, não é usando
argumento axiológico, vamos dizer assim, você precisa mostrar como fazer então
existem as plataforma de suporte as políticas informadas por evidências que geral elas
usam estratégias relacionadas com tradução do conhecimento esse conceito de
knowledge translation que é bastante disseminado e eu diria que bastante bem
aceito internacionalmente e eu diria também aqui dentro do Brasil. que é processo
interativo e dinâmico que envolve algumas etapas, que passa pela síntese pela
disseminação, pela aplicação ética e pelo intercâmbio de conhecimento então
esses elementos eles se transformam ferramentas ou estratégias, depende de como você
vê, e que se tornam ações bem concretas, então por exemplo, se você pretende melhorar
o acesso dos tomadores de decisão às melhores evidências disponíveis num tempo
oportuno para que eles usem isso na sua tomadas de decisão, você precisa estabelecer
métodos de síntese de evidências que sejam confiáveis e compreensíveis pra essas
pessoas As coisas importantes para quem vai acessar esses materiais é entender como
eles foram feitos. Então, muitas vezes, você tem...existem diferentes modalidades. Você
deve esses... as revisões temáticas são as mais, eu diria, conhecidas e mais
utilizadas todo mundo, mas é preciso reconhecer que existem dificuldades, por
exemplo, para gestor acessar uma revisão sistemática e a partir desse material tirar suas
próprias conclusões. É muito complicado hoje, você atribuir ao tomador de decisão essa
tarefa, não é? Então, as sínteses de evidência numa etapa mais, eu diria que elevada, não
no sentido de hierarquia, mas de olhar mais por cima a evidência global, ela vai
congregar resultados de diferentes revisões sistemáticas e aí, nascem os overviews de
revisões sistemáticas, as sínteses de evidências para políticas, que incluem, além de
evidência global, também, evidência local. Então, são exemplos de como as ferramentas
podem ser utilizadas para você estruturar uma plataforma sobre a qual a tradução do
conhecimento vai trabalhar a favor das políticas informadas por evidências. O mais
difícil nesse processo todo, diz respeito a etapas de adaptação e aplicação. Então, a
síntese e a disseminação não são processos tão pouco conhecidos, já se sabe bastante
qual é a estrutura que uma síntese de evidência deve ter, qual é a linguagem que você
deve adotar para diferentes públicos, mas quando se fala adaptação de evidência e
aplicação de evidência, principalmente, como estratégia de implementação efetiva, aí, a
área de desenvolvimento, eu diria, está pouco menos avançada. Então, você tem esse
campo todo para explorar e avançar. Mas fundamentalmente, esse é processo muito, eu
diria, participativo porque o processo de desenvolvimento dessas soluções
metodológicas é marcada por uma necessidade delas fazerem sentido para quem vai
utilizá-las. As revisões sistemáticas nascem assim, inclusive. Elas nascem para
favorecer o acesso a grande conjunto de artigos primários, estudos primários, a partir da
leitura mais confiável, num sentido de escrutinar o método, e isso, inicialmente, é para
facilitar o acesso de pessoas à tomada de decisão, sim. todo esse material, que seria essa
etapa de síntese. Então, esse é o cenário geral das plataformas. É claro que existem
diferentes soluções para cada uma dessas etapas, mas no geral, elas convergem
compreender que é preciso sintetizar evidência, é preciso estabelecer diálogo entre a
evidência global e o contexto, e aí, entra o intercâmbio, é preciso fazer conhecer a
evidência, porque a redução da assimetria de informação entre os atores de
processo político é fundamental para melhorar a participação e é preciso, acima de
tudo, na maior parte das vezes, adaptar essa evidência e não descartar uma evidência
sumariamente porque é contexto indiferente. Sempre, existe alguma lição a ser tomada,
algum dado a ser usado, e tudo isso, num processo muito transparente porque o nível da
incerteza é muito grande nesse processo todo, então, quanto mais transparência ele tem,
mais imunização nós temos aos efeitos que as incertezas provocam no processo inteiro.

E: Sim, e aí, você ganhar, acho que a síntese disso que você falou seria assim, ganhar a
confiança, ganhar a participação dos envolvidos, tendo consciência da limitação da
evidência, mas transformar o processo aprendizado realmente, que se torne cultura
institucional.

J: Sim, esse é ponto importante porque no marco de mudanças, onde as políticas


informadas por evidências tentam produzir, quando essas plataformas são organizadas,
está esse ponto da mudança da cultura institucional, quando se fala de organizações de
saúde, mas, também, da cultura de deliberação social. Então, geral, a sociedade não tem
a oportunidade, sequer, de considerar as evidências na sua deliberação pública, da sua
formação de opinião, porque, ela é muito conduzida, vamos dizer assim, a partir de
atores que são muito importantes, como, por exemplo, a grande mídia, os próprios
governos, e, às vezes, a própria ciência, mas reduzir a assimetria de informação é ponto
chave para que a gente consiga, já falei, melhorar os processos participativos.

E: Sim, você já mencionou alguma coisa, mas, mesmo assim, vou te fazer a pergunta
aqui. Como você vê o papel, então, das revisões sistemáticas, das repostas
rápidas, revisões sistemáticas rápidas para ajudar esse processo?

J: Eu gostaria de acrescentar questões relacionadas com o que se faz depois que você
tem uma síntese. Então, tem uma coisa muito importante com relação a escolha, por
exemplo, de escopo, quando você vai decidir fazer uma revisão sistemática, quando
você está discutindo quais são as questões, as perguntas ainda não respondidas, o que
precisa ser respondido. É muito importante você buscar uma validação dessas questões
para que elas façam sentido para o potencial usuário daquela informação. Eu diria que,
mesmo revisões sistemáticas de aspecto clínico, elas fazem uma verificação se aquela
questão já não foi abordada, ou se não está sendo abordada atualmente por algum
grupo. Exatamente, por isso, que a gente protocola a revisão sistemática para poder dar
conhecimento prévio às pessoas que, potencialmente, teriam interesse naquilo. Mas
quando se trata de revisões sistemáticas de políticas, eu diria que, é mais significativo
ainda, que você tenha uma pergunta que possa fazer sentido para o contexto aonde ela
vai ser utilizada. Então, esse é ponto. A outra questão é que, muitas vezes, uma revisão
sistemática tem limitações de discussão sobre contexto, porque ela tem papel de
albergar evidência global. Evidentemente que, evidências locais, se estiverem
disponíveis, seriam incluídas. Mas, passo adiante na contextualização do potencial de
uso dessa evidência, pode ser dado quando nós estamos diante, por exemplo, de
documentos de política, como nas sínteses de evidências para políticas,
ou, eventualmente, outros tipos de síntese mais específicas para aplicação, como
acontece, por exemplo, com alguns overviews de revisões sistemáticas. Então, essas são
ferramentas absolutamente importantes para a síntese da evidência e, às vezes, com
passo adiante para a contextualização e até para o intercâmbio dos tipos de
conhecimento relacionados com determinado problema, mas, existe esforço muito
grande para disseminar essa síntese. Não adianta você ter uma publicação para a
academia, isso é importante, mas isso não é suficiente para que esse conhecimento
chegue ao público, potencialmente, interessado. Então, desde a adoção de estratégias de
disseminação pela adaptação da linguagem, você fazer resumos mais, vamos
dizer, direcionados para público que não tem familiaridade com aqueles termos, isso
pode ser importante, e, existem outras estratégias de disseminação estruturada que
incluem diálogos de políticas, também chamados de diálogos deliberativos, que são
amplamente utilizados ao redor do mundo, e outras estratégias que são mais
interativas, com o sentido de que não é uma disseminação passiva, ou uma difusão onde
você envia a informação e não sabe o que acontece a partir de então. Você tem que ter
processo mais interativo para poder que a comunicação, que exige dois polos, não tem
comunicação quando você só envia informação ou só quando recebe, e que uma
comunicação eficiente e efetiva possa ser estabelecida entre os diferentes setores
interessados, com problema e, consequentemente, nas evidências sobre aquele
problema. Então, esses documentos são documentos de síntese, que são altamente
relevantes, mas, também, é altamente relevante que nós consideremos as estratégias
para dissertá-los.

E: Sim, e fazer o envolvimento desde o princípio, não é? Seja no momento, se o


objetivo é elaborar a revisão, ou se o objetivo é identificar a revisão, mas que os atores
se sintam parte, e possam opinar no processo, do que ser essa atividade passiva que
você mencionou. Jorge, a gente sabe das limitações metodológicas que esses
documentos podem ter, uma revisão sistemática, enfim, eu costumo até falar que, muitas
vezes, tem alguns documentos, alguns... Algumas pesquisas que podem ser uma sopa de
letrinha. Sai falando a reprise, uma grade, monte de coisas, mas não responde a
pergunta, ou tem limitações sérias; podem ser enganosas, enfim. Então, esse outro lado.
Por lado, teria, ali, nível elevado, não sentido de qualidade, mas no sentido de síntese,
de agregação das evidências, que é a revisão sistemática, mas ela não é imune a
falhas. Então, como você vê isso? Então, para pesquisador treinado, ele pode mesmo
assim derrapar. Agora, nesse processo de tradução do conhecimento envolvendo atores
que não estão na prática de avaliação crítica da evidência científica.

J: Bom, no planejamento, a única lei que eu conheço. A gente pode falar assim: Lei
natural do planejamento. É que o planejamento vai falhar. Ciência, a única lei natural
que eu conheço é que a ciência tem falhas. Então, o primeiro passo, no caso, é
reconhecer que existem vulnerabilidades. Geralmente, elas decorrem de limitações
metodológicas, mas nem só. Então, você tem, obviamente, a transparência como sendo
aspecto absolutamente... Eu não diria único, porque existem outros cenários, mas a
ciência favorece a transparência na medida que o método precisa estar explícito. Ele
precisa estar bem descrito e explícito. Se não estiver, só isso já motivo de você acender
alguns sinais de alerta. Mas como e que a gente lida com isso? Olha! O campo de
políticas, assim como outros campos, o campo clínico, talvez, compartilhe bastante
isso. É campo de incertezas. Você pode fazer afirmações categóricas sobre muitas
coisas. Quase sempre, você vai ter que descrever quais são as incertezas envolvidas.
E a metodologia inclui conjunto que deriva essas incertezas. Então, como você tem
pouco tempo, às vezes, para fazer uma síntese de evidências sobre tema emergente,
muitas vezes, você tem que abdicar de algumas etapas, ou simplificá-las. Isso representa
impacto importante para o resultado final. E esse impacto pode ser, mais ou
menos, transparente na medida que você deixa isso claro. Como, por exemplo, se você
resolve, ou precisa, reduzir, por exemplo, o número de bases que você vai
buscar. Então, são escolhas que são bem disseminadas no ambiente global de produção
de síntese de evidência, inclusive de respostas rápidas, mas que representam alguns
riscos. Claro. E reconhecer esses riscos e torná-los explícitos sempre é uma conduta
altamente recomendável, se não obrigatória. De uma maneira geral, quanto mais dentro
do campo, eu diria de, arranjos organizativos, que incluem arranjos de prestação de
serviços, de financiamento, arranjos de governança, arranjos de implementação. É mais
fácil de você ter grandes incertezas. Por vários motivos, porque você não tem uma
homogeneidade do tipo de estudo que você vai usar. Você é obrigado a utilizar, por
exemplo, desde estudos observacionais até, na maior parte das vezes é o que tem de
melhor disponível. São estudos observacionais. Às vezes, até estudos que apresentam
análises políticas. Então, existe uma variabilidade muito grande de designs e esses
delineamentos, obviamente, impactam na confiabilidade dessas evidências. Mas o
fundamental não é, exatamente, buscar apenas as evidências totalmente confiáveis,
porque, provavelmente, no campo de políticas, você não vai encontrar muito disso. É
você descortinar o nível de confiança que você pode atribuir a cada achado. Isso é
fundamental, porque na medida que você oferta certezas falsas aos tomadores de
decisão, você, na verdade, está produzindo uma chance de desconfiança futura.
É como... A melhor comparação que eu encontro. Se você falhar uma vez, você sobe
pouquinho no grau de desconfiança. Se você falhar muitas vezes, provavelmente, você
vai perder toda a confiança. E a confiança perdida é muito difícil de ser recuperada, em
todos os cenários. Então, para melhorar a relação entre pesquisadores e tomadores de
decisão, é muito importante que os problemas metodológicos sejam bem descritos. E,
para isso, você precisa desenvolver competências. Você mencionou prisma, grade e tal.
Várias coisas que precisam ser feitas. Primeiro, você precisa ter uma boa competência
para identificar falhas metodológicas, para identificar erros, para identificar enganos,
para identificar mentiras. Então, você precisa ter repositório de ferramentas. Agora, esse
é o pesquisador; você precisa ter, também, a capacidade de comunicar os resultados
dessa confiança avaliada ao leitor. Ao leitor, ao usuário, às vezes, até uma pessoa com
quem você vai conversar; você precisa dizer que 'AMSTAR', nove de dez, para essa
pessoa, não significa absolutamente nada. Então, você precisa traduzir isso assim como
você precisa traduzir, também, os achados. E para ser bem sincero com você, nós temos
avançado significativamente, porque nós temos praticado. Esse é o fundamento. Eu
acho que no cenário brasileiro, nós temos várias experiências de
desenvolvimento... Principalmente de síntese de evidência e de revisões rápidas. As
primeiras, obviamente, tem menos qualidade, mas quanto mais você faz, mais condições
de desenvolver você adquiri. Então, é processo de aprendizagem e acho que nós
estamos bom caminho para melhorar essa nossa dificuldade de lidar com tanta
informação, com tanta, com tanta diversidade metodológica, não para reduzí-la. Nunca
para reduzir a diversidade metodológica, porque existem processos de desenvolvimento
metodológico que são permanentes. Mas, principalmente, para saber utilizar
corretamente o método, saber utilizar corretamente a forma de avaliar a qualidade
dos estudos etc.
E: Eu acho que, si por lado, pode ter uma evidência frágil, enfim, mas teve aprendizado
do processo e a cultura vai se solidificando. E com a transparência, você
percebe. "Olha! Não é a melhor informação, mas é alguma informação." É melhor do
que a gente só se pautar intuição, ou o que eu gosto, enfim. E outro aspecto que a gente
também tratou aqui no nosso curso, que a gente trata nesse curso; são as revisões
sistemáticas de evidências qualitativas. Então, como você vê o papel das sínteses de
evidência qualitativa para embasar políticas?

J: Muito boa essa sua pergunta, porque nós estamos observando e


experimentando crescimento da relevância da evidência qualitativa, principalmente,
para política informada por evidências. Porque, até o momento, eu diria até que ela está
muito relegada a plano de triangulação, de dar suporte a, eventualmente, análises ou
avaliações quantitativas. Mas nós precisamos entender que a evidência qualitativa
tem lugar privilegiado, pelo menos deve ter lugar privilegiado, no entendimento, porque
as coisas são como são. Então, é muito mais no sentido de você explorar fenômenos que
estão só lugar, no seio da sociedade, às vezes, pequenos grupos. E descobrir sobre esses
fenômenos requer métodos qualitativos. É impossível você, por exemplo, escrutinar por
que determinados valores sobressaem, determinado grupo social, usando só métodos
qualitativos. Então, a primeira coisa, compreender que a pesquisa qualitativa tem
uma relevância real para você abordar questões importantes para tomadores de decisão e
para formulação e implementação de políticas. A segunda coisa é que ela, também,
precisa reconhecer que tem suas limitações. Então, a qualidade dos estudos é
fundamental para você atribuir confiança aos achados. E a terceira coisa é que é
possível, também, sintetizar evidências primárias qualitativas. E isso pode ser feito no
desenvolvimento de estudos de síntese de evidências qualitativas, que estão ganhando
bastante espaço e notoriedade. Não apenas para dar suporte a achados da evidência
quantitativa, mas, muitas vezes, elas passam a ser o ponto mais importante de processo
de avaliação ou de formulação. Porque você tem questões como a aceitabilidade, você
tem questões como, eventualmente, sentimentos, conhecimentos, que, realmente, são
impactantes na hora de você fazer uma implementação. A minha experiência como
gestor demonstrou, várias vezes, que o não entendimento, a não compreensão, do
contexto de implementação, Muitas vezes, pode ser mais importante para o sucesso da
implementação de uma ação, de uma política, de programa, do que descobrir o que
funciona. Então, esse é fenômeno que iniciou... Não é uma coisa de agora, já tem alguns
grupos, inclusive, do 'grade' da 'cochrane' e várias iniciativas, líderes mundiais, no
campo de evidências, para favorecer o desenvolvimento mais
competente, desenvolvimento mais transparente, nesse tipo de produto. E acreditamos
que esse é bom caminho a perseguir, até porque o Brasil é grande produtor de evidência
qualitativa. E aí a gente se pergunta... Eu diria que proporção, acho que a gente até
produz uma quantidade de evidência qualitativa, no conjunto geral, por exemplo, da
saúde coletiva, da saúde pública; talvez a gente tenha uma produção até, eu diria, meio a
meio. Eu não tenho esse dado aqui, mas se for assim, mais necessário ainda é a gente
abordar essa quantidade de conhecimento de uma forma a produzir o caminho para a
tradução do conhecimento; para que esse material possa ser utilizado pelas pessoas.
Então, apostamos bastante nisso e acho que é tópico que deveria atrair bastante
curiosidade, se não, interesse, pelo menos curiosidade, do estudante de
política informada por evidência, ou de saúde baseada evidências. Isso já pode ser
observado, por exemplo, nas grandes organizações como NIH, como o CAT,
como, eventualmente, o instituto SAX, na austrália; mas, também, nas redes. Então, a
gente já vê, por exemplo, na rede internacional de avaliação de tecnologia e saúde, os
últimos grandes temas dos seus encontros globais foram relacionados com aspectos de
implementação. Então, existe uma preocupação que foi percebida mais
recentemente, mas que não é uma preocupação nova da área que lida com política
informada por evidência, de que evidência qualitativa tem papel e é papel
importante. Tanto no processo de desenvolvimento de avaliação de tecnologias
quanto no processo de desenvolvimento de diretrizes clínicas, de guidelines, como no
processo de informar a política, seja para o governo, seja para a sociedade. Então, sem
dúvidas, é tópico de alta relevância hoje.

E: Ótimo. Até porque é aquilo que você falou, não é só a questão da qualidade da
evidência, eu tenho certeza que funciona. Mas e aí, o contexto está pronto para
incorporar isso? As pessoas vão aceitar de bom grado e vão aderir? Porque é diferente,
aquela eficácia do que é o mundo real mesmo. E você já deu várias dicas, mas eu
gostaria que você deixasse como mensagem final, para os nossos alunos, que outras
ferramentas eles podem procurar; ou que outras indicações você pode dar para se
aprofundar sobre esse processo de utilização de evidências para política.

J: Existe uma rede global que lida com isso, não uma rede institucionalizada, mas uma
rede de cooperação global que envolve diversas instituições. Entre elas, a própria
OMS, com a rede de políticas informadas por evidências, que é VIPNET global, que
tem componente nacional gerenciado e gerido pelo Ministério da Saúde. Mas existem
várias outras iniciativas, como o '3ie', como o Hell Forum da McMaster, como o What
Works, que é uma colaboração que envolve várias instituições multinacionais. Você
tem, eu diria, já quase uma quantidade de iniciativas que, às vezes, até torna difícil a
gente navegar entre todas. Mas não faltam recursos, não faltam iniciativas super
interessantes. Os 'Evidence Gap Maps' dão uma amostra de que existem outras etapas a
serem perseguidas, outros níveis de sínteses a serem, eu diria, perseguidos, porque tem
interesse para isso. Mas de uma maneira geral, existe mundo a ser descoberto
e, obviamente, o nosso desafio aqui no Brasil é muito mais, eu diria, de trazer trazer isso
para o cotidiano; o cotidiano do pesquisador. Porque pode parecer estranho, mas ainda
soa alienígena, às vezes, quando você está contexto de pesquisa e menciona os
conceitos de política informada por evidência. Ao ponto de, às vezes, a gente achar que
você tem também pesquisa informada por evidência. Porque a própria definição de
prioridades é tão distanciada, a prioridade de pesquisa é tão distanciada da realidade
que, às vezes, a gente acha que talvez seja necessário que a gente estabeleça processo
de tradução do conhecimento para a academia; no sentido, eu diria, reverso. Mas é isso,
de uma maneira geral, é mundo a ser descortinado. Para a gente que está dentro desse
contexto, as coisas parecem muito naturais e óbvias, mas eu tenho certeza que as
pessoas vão se surpreender se explorarem pouco mais esse ambiente. Não apenas
acadêmico, mas de iniciativas institucionais. E descobrir que aqui no Brasil nós temos
uma grande rede de colaboração, de produção, inclusive, e que está se aprimorando a
cada dia. Eu acho que é bem importante.

E: Ótimo Jorge. Jorge, muito obrigada pelo seu tempo, pela sua experiência e simpatia,
também... Por quê não? Estar dividindo aqui com os nossos alunos.

J: Eu que agradeço e sempre é muito bom ter a oportunidade de apresentar... Nem sei se
seriam coisas novas, mas, fundamentalmente, uma visão sobre essas questões
relacionadas com política informada por evidências. Está ótimo.
E:Obrigadão Jorge! Tchau!

J: Obrigado, Thaís! Tchau!

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