Harvey Construção Da Paisagem

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A paisagem geográfica, abrangida pelo capital fixo e imobilizado, é tanto uma glória

coroada do desenvolvimento do capital passado, como uma prisão inibidora do progresso


adicional da acumulação, pois a própria construção dessa paisagem é antitética em relação à
“demibada das barreiras espaciais” e, no fim, até à “anulação do espaço pelo tempo”.
Essa contradição é característica da dependência crescente do capitalismo
no capital fixo de todos os tipos. Com o “capital fixo, o valor fica preso dentro de um valor
de uso específico” (MARX, 1973: 728); enquanto o grau de fixidez cresce pela durabilidade,
outras coisas permanecem iguais (MARX, 1967, vol. 2: 160). O necessário crescimento do
uso do capital fixo (do tipo imobilizado), conseqüência do imperativo da acumulação, impõe
um imperativo adicional:

O valor do capital fixo só se reproduz à medida que seja gasto no processo


produtix o. Por meio do desuso, perde seu valor, sem que seu valor seja
transmitido ao produto. Daí, quanto maior a escala em que se desenvolve o
capital fixo [...] mais a continuidade do processo produtivo ou o fluxo
constante da reproduçã o se torna uma condiçã o externamente impulsora
para o modo de produçã o com base no capital (MARX, 1973: 703).

O desenvolvimento capitalista precisa superar o delicado equilíbrio entre


preservar o ›•alor dos investimentos passados de capital na construção do ambiente
e destruir esses investimentos para abrir espaço novo para a acumulação (para um
exemplo específico, consultar HARVEY, 1975b). Em conseqüência, podemos
esperar testemunhar uma luta contínua, em que o capitalismo, em um determinado
momento, constrói uma paisagem física apropriada à sua própria condição, apenas
para ter de destruí-la, geralmente durante uma crise, em um momento subseqüente.
As crises temporais do investimento de capital fixo, muitas vezes expressas como
“ondas longas” do desenvolvimento econômico (consultar, por exemplo,
KuZNETS, 1961; THOMAs, 1973), são, portanto, normalmente expressas como
refonnas periódicas do ambiente geográfico, para adaptá-lo às necessidades da
acumulação adicional.
específico de condições, e apresenta uma análise parcial de equilíbrio estático. A
dinâmica é levada em consideração no linal da análise, geralmente como reflexão
tardia, e a dinâmica nunca vai muito além da estática comparativa.

Por conseqüência, admite-se que, em geral, a teoria burguesa de localização não


conseguiu desenvolver uma representação dinâmica satisfatória de si mesma. Por
outro lado, a teoria marxista começa com a dinâmica da acumulação, e, dessa
análise, procura deduzir certas necessidades com respeito às estruturas geográficas.
A paisagem criada pelo capitalismo também é vista como lugar da coneadição e da
tensão, e não como expressão do equilíbrio harmonioso. Além disso, as crises nos
investimentos do capital fixo são consideradas como sinônimo, em muitos
aspectos, da transformação dialética do espaço geográfico. O contraste entre as
duas posturas teóricas é importante, pois sugere que as duas teorias estão, de fato,
preocupadas com coisas diferentes. A análise burguesa da localização é apropriada
apenas como expressão de configurações ideais sob condições predeterminadas.

A teoria marxista ensina como relacionar, teoricamente, a acumulação e a


transformação das estruturas espaciais, e, no fim, é claro, fornece um tipo de
compreensão teórica e material que permitirá entender os relacionamentos
recíprocos entre geografia e história.
A famosa máxima marxista de que “o Executivo do Estado moderno é apenas
um comitê para gerenciar os negócios comuns do conjunto da burguesia” (MARx E
ENGELS, 1952: 44) foi elaborada como resposta polêmica à asserção difundida e ilusória
que o Estado expressava os interesses comuns de todos. No entanto, é bastante satisfatória
como base para o entendimento das relações reais entre o Estado e o capitalismo. Podemos
começar a desenvolver tal entendimento básico mostrando como o imperativo do Estado
em relação à necessidade preenche certas funções

básicas se for para o capitalismo se reproduzir como sistema contínuo.


Diversas evidências também podem agora ser apresentadas para sustentar a
importância da urbanização para o desenvolvimento político, cultural e industrial do
século XIX, assim como para a expansão subseqüente das relações sociais
capitalistas aos países menos desenvolvidos (que agora têm as cidades que, de forma
dramática, mais crescem no mundo).
Com muita freqüência, no entanto, o estudo da urbanização se separa do
estudo da mudança social e do desenvolvimento econômico, como se o estudo da
urbanização pudesse, de algum modo, ser considerado um assunto secundário ou
produto secundário passivo em relação a mudanças sociais mais importantes e
fundamentais. Os sucessivas revoluções em tecnologia, relações espaciais, relações
sociais, hábitos de consumo, estilos de vida etc., características da história capitalista,
podem, sugere- se às vezes, ser compreendidas sem investigação profunda alguma
das raízes e da natureza dos processos urbanos. De fato, esse juízo é, de modo geral,
feito tacitamente em virtude dos pecados da omissão e não da comissão. No entanto,
nos estudos da mudança macroeconômica e macrossocial, a tendência antiurbana é
demasiadamente persistente por comodidade. Por essa razão, parece conveniente
investigar o papel que o processo urbano talvez esteja
desempenhandonareestruturação radical em andamento nas distribuições geográficas
da atividade humana e na dinâmica político-econômica do desenvolvimento geográfico
desigual dos tempos mais recentes.
Cito isso porque é sintomático da reorientação das posturas das govemanças urbanas
adotadas nas últimas duas décadas nos países capitalistas avançados. Em outras palavras, a
abordagem “administrativa”, tão característica da década de 1960, deu lugar a formas de ação
iniciadoras e “empreendedoras” nas décadas de 1970 e 1980. Nos anos recentes, em
particular, parece haver um consenso geral emergindo em todo o mundo capitalista avançado:
os benefícios positivos são obtidos pelas cidades que adotam uma postura empreendedora em
relação ao desenvolvimento econômico. Digno de nota é que esse consenso, aparentemente,
difunde-se nas fronteiras nacionais e mesmo nos partidos políticos e nas ideologias.

cívico são G8fãGtCEÍStlGdS Im


portantesdos sistemas urbanos (consultar ELKIN, 1987), a redução do
fluxo dos repasses federais e das receitas dos tributos locais depois de 1972 (o ano em que
o presidente Nixon declarou o fim da crise urbana, assinalando que o governo federal não
tinha mais os recursos fiscais para contribuir para sua solução) levou ao renascimento do
processo de tomada de iniciativas, fazendo Robert Goodman (1979) caracterizar os
governos tanto estaduais quanto locais como “os últimos empreendedores”. Atualmente, há muita
literatura que trata de como, nos Estados Unidos, o novo empreendedorismo urbano assumiu o
centro do palco na formulação da política urbana e nas estratégias de desenvolvimento
urbdIlO (consultar JUDD E READv,
1986; PETERSON, 1981; LEITNER, 1989).
A mudança ao empreendedorismonão foi completa. Na Grã-Bretanha, muitos governos
locais não responderam às novas pressões e oportunidades, ao menos até recentemente,
enquanto cidades como Nova Orleans, nos Estados Unidos, continuam a depender do
governo federal, necessitando de repasses para sobreviver. Evidentemente, a história
dos resultados da mudança para o empreendedorismo, ainda a ser devidamente
registrada, está marcada tanto por muitos fracassos como por muitos sucessos —e não
há pouca controvérsia quanto ao que representa sucesso (uma questa*o que voltarei
mais tarde).

Porém, sob toda essa diversidade, no período desde o início da década de 1970, a mudança do
administrativismo urbano para algum gênero de empreendedorismo continua sendo um tema
persistente e recorrente. Tanto as razões para tal mudança, como suas implicações, merecem
algum escrutínio. Há uma concordância geral de que a mudança tema ver com as dificuldades
enfrentadas pelas economias capitalistas a partir da recessão de 1 973. A (consultar GERTLER,
1988; HARVEV, 1989b; SAYER, 1989; SCHOENBERGER, 1988; Scorr,
1988; SWYNGEIOUW, 1986, para alguma elaboração e reflexão crítica sobre esse conceito
controverso). Nessas últimas duas décadas, a transformação da governança urbana teve raízes
e implicações macroeconômicas importantes. Se Jane Jacobs (1984) estiver certa, pelo menos
em parte, ao considerar a cidade a unidade relevante para o entendimento de como se cria a
riqueza das nações, então a mudança do , administrativismo urbano para o
empreendedorismo urbano pode ter implicaçôes de longo alcance para perspectivas futuras
de desenvolvimento.
Se, por exemplo, o empreendedorismo urbano (no sentido mais
amplo) ' se encaixa numa estrutura de concorrência interurbana de soma zero"
concernente a recursos, empregos e capital, então mesmo os governantes
municipais socialistas mais resolutos e vanguardistas farão, no fim, o jogo
capitalista, desempenhando o papel de agentes disciplinadores em relação aos
próprios processos que estão tentando resistir.

Na Grã-Bretanha, os conselhos laborais enfrentaram exatamente


' esse problema (consultar o excelente relato de REES E LAMBERT, 1985). Por
um lado, tiveram de desenvolver projetos capazes de “produzir resultados diretamente
relacionados com as necessidades dos trabalhadores, de maneira que desenvolvessem as
competências da mão-de-obra e não o contrário” (MURRAY, 1983), enquanto, por outro
lado, precisaram admitir que grande parte do esforço não valeria nada se a região urbana
não garantisse vantagens competitivas relativas. Dadas

espacialmente fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e


compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração específica de práticas
espaciais ent elaçadas. Em uma sociedade vinculada por classes, como a sociedade capitalista,
essas práticas espaciais adquirem um conteúdo de classe definido, o que não quer dizer que
todas as práticas espaciais possam ser assim interpretadas. De fato, como muitos estudiosos
demonstraram, as práticas espaciais podem adquirir conteúdos burocrático-administrativos,
raciais e de género (para relacionar apenas um subconjiinto de possibilidades importantes).
Mas, sob o capitaliSlTlO, o amplo leque das práticas de classe, em associação com a
circulação do capital, a reprodução da força de trabalho e das relações de classe, e a
necessidade de controlar a força de trabalho permanecem hegemônicos.
A dificuldade está em encontrar um procedimento capaz de lidar especificamente
com a relação entre processo e objeto, sem isso se tornar vítima de uma reificação
desnecessária. O conjunto espacialmente estabelecido dos processos sociais, que denomino
urbanização, produz diversos artefatos: formas construídas, espaços produzidos e sistemas de
recursos de qualidades específicas,
todos organizados numa configuração espacial distintiva. A ação social subseqüente deve
levar em consideração esses artefatos, pois muitos processos sociais (como viajar diariamente
para o trabalho) se tornam fisicamente canalizados por esses artefatos. A urbanização também
estabelece determinados arranjos institucionais, formas legais, sistemas políticos e
administrativos, hierarquias de poder etc. Isso também concede qualidades objetivadas
à“cidade”, que talvez dominem as práticas cotidianas, restringindo cursos posteriores de ação.
Finalmente, a consciência dos moradores urbanos influencia-se pelo ambiente da experiência,
do qual nascem as percepçóes, as leituras simbólicas e as aspiraçêies. Em todos esses
aspectos, há uma tensão permanente entre forma e processo, entre objeto e sujeito, entre
atividade e coisa. É tão insensato negar o papel e o poder das objetivações, da capacidade das
coisas que criamos de retornar como formas de dominação, quanto é insensato atribuir, a tais
coisas, a capacida‹ie relativa à ação social.
Dado o dinamismo a que o capitalismo está propenso, verificamos que
efeitos reflexivos de tal mudança através dos impactos sobre as instituições
urbanas, assim como sobre os ambientes urbanos construídos.
Infelizmente, nos últimos anos, o domínio das práticas espaciais tem
mudado, tornando ainda mais problemática qualquer definição imutável em
relação ao urbano enquanto domínio espacial distintivo. Por um lado,
testemunhamos uma maior fragmentação do espaço social urbano em zonas,
comunidades e diversos“clubes da esquina”, enquanto, por outro lado, o
transporte rápido e integrado toma , absurdo certo conceito de cidade
enquanto unidade física hermeticamente murada
ou mesmo domínio administrativo coerentemente organizado. A “megalópole”
da década de 1960 sofreu fragmentação e dispersão ainda maior, especialmente
nos Estados Unidos, já que a desconcentração urbana aumentou o ritmo
concernente à geração da forma de “cidade esparramada”. No entanto, persiste
o fundamento espacial de alguma forma, com significados e efeitos
específicos.

Em uma forma de cidade esparramada, a criação de novas estruturas e padrões


ecológicos tem importância relativamente a como se organiza a produção, a
troca e o consumo, de como se estabelecem os relacionamentos sociais, de
como se exerce o poder (financeiro e político), de como se alcança a integração
espacial da ação social. Apresso-me em acrescentar que a apresentação da
problemática urbana em termos ecológicos não presume explanações
ecológicas. Meramente sustenta que os padrões ecológicos são importantes
relativamente à organização e ação social.

Na governança urbana, a mudança para o empreendedorismo deve então ser


analisada em diversas escalas espaciais: zonas e comunidades locais, centro
da cidade e subúrbios, região metropolitana, região, Estado-Nação etc.

Também é importante especificar quem está sendo empreendedor e a


‹ respeito de quê.

Desejo insistir aqui que “governança” urbana significa muito mais do que
“governo” urbano. É desastroso que grande parte da literatura (na Grã-
Bretanha, especialmente) se concentre tanto na questão do “governo” urbano,
quando o poder real de reorganização da vida urbana muitas vezes está em
outra parte, ou, pelo menos, numa coalizão de forças mais ampla, em que o
governo e a administração urbana desempenham apenas papel facilitador e
coordenador.
O poder de organizar o espaço se origina em um conjunto complexo de forças
mobilizado por diversos agentes sociais. É um processo conflituoso, ainda mais
nos espaços ecológicos de densidade social muito diversificada.

Numa regiâo metropolitana, devemos considerar a formação da política de


coalizão, a formação da aliança de classes, como base para algum tipo de
empreendedorismo urbano. É claro que a iniciativa cívica foi muitas vezes
prerrogativa das câmaras de comércio locais, de algum conluio 'de financistas,
industriais e comerciantes locais, ou de alguma “mesa-redonda” entre lideres
empresariais e incorporadores imobiliários. Freqüentemente, essa “mesado jogo
da iniciativa local, ainda que, muitas vezes, com objetivos diferentes.

A formação da coalizão e da aliança é tarefa muito delicada e difícil, abrindo caminho para
pessoas de visão, tenacidade e habilidade (como um prefeito caPiSITláticO, um
administrador municipal talentoso ou um líder empresarial rico) imporem uma marca
pessoal sobre a natureza e direção do empreendedorismo urbano, talvez para moldá-
lo até para fins políticos específicos.

Enquanto, em Baltimore, foi uma figura pública como o prefeito Schaefer que
desempenhou o papel principal, em Halifax ou Gateshead, na Grá-Bretanha, foram os
empreendedores privados que assumiram a liderança.

Em outros casos, foi uma mistura mais intricada de personalidades e instituições


que desenvolveu um projeto específico em conjunto.
Levanto esses problemas não porque sejam intransponíveis ou intratáveis —
eles
são solucionados diariamente dentro das práticas da urbanização capitalista —, mas
porque temos de prestar atenção no seu modo de resolução prática com o necessário
cuidado e seriedade. No entanto, arriscarei fazer três asserções amplas, que sei que
são corretas para uma cidade como Baltimore (o estudo de caso que fundamenta a
maiorsaúde etc.; tudo direcionado à população carente). O papel da autoridnde local
como faGilitador com respeito aos interesses estratégicos do desenvolvimento capitalista
(em OPOSIÇÃOãO papel de estabilizadorda sociedade capitalista) declinou. Na Grã-
Bretanha, VBfificou-se a mesma desatenção em relação ao desenvolvimento capitalista:
menos avesso ao risco.
Em terceiro lugar, o empreendedorismo enfoca muito mais a
economia política do lugar do que o território. Em relação ao território, penso
nos projetos econômicos (moradia, educação etc.) idealizados principalmente
para melhorar as condições de moradia ou trabalho em uma jurisdição
específica. A construção do lugar (um novo centro cívico, um parque
industrial) ou a melhoria das condições de
-um lugar(intervenção, por exemplo, no mercado local de trabalho mediante
programas de requalificação ou pressão para redução dos salários locais), por
outro lado, pode ter impacto menor ou maior do que o território específico em
que tais projetos se localizam.

A melhoria da imagem de cidades como Baltimore, Liverpool, Glasgow ou Halifax por meio da
construção de centros culturais, de varejo, de entretenimento e empresariais, pode lançar
uma sombra aparentemente benéfica sobre toda a regiâo metropolitana. Tais projetos podem
adquirir significado na escala metropolitana da açãO público-
privada, pOssibilitand
o a formação de coalizões que superar as disputas entre cidade e subúrbio, que
acossavam as regiões metropolitanas na fase administrativa.Por outro lado, na cidade de Nova
York, um empreendimento muito similar — o Southstreet Seaport—criou um novo lugar que teve
apenas impacto local, não alcançando influência alguma de abrangência metropolitana, e gerando
uma coalizão de forças constituída basicamente de incorporadores imobiliários e financistas
locais.
A
Construção de tais lugares talvez seja considerada uma maneira de obter
benefícios
para populações numa jurisdição específica. De fato, essa é a alegação principal do
discurso público elaborado para justificá-la. No entanto, geralmente, sua forma toma indiretos
todos os benefícios, e, possivelmente, resulta maior ou menor em escopo do que a jurisdição em
que se encontra. Os projetos específicos a um determinado lugar também têm o hábito de se
tornarem foco da atenção pública e política, desviando a atenção e até recursos dos problemas
mais amplos, que talvez afetem a região ou o território como um todo.
N
ormalmente, o novo empreendedorismo urbano se apóia na parceria
públiGO-privada,
enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção
especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico, enquanto
seu objetivo econômico imediato (ainda que não exclusivo).

As estratégias alternativas
para a governançaurbana
Como afirmei em outra obra (HARVEY, 1989a: cap. 1), há quatro opçôes básicas
relativas ao empreendedorismo urbano.
Cada opção justifica alguma podem ser reduzidos por subsídios (renúncias
fiscais, crédito barato, aquisição de terrenos). Dificilmente, na atualidade,
desenvolvimento algum em larga escala acontece sem que o governo local (ou
a coalizão mais ampla de forças que constitui a governança local) ofereça,
como estímulo, um pacote substancial de ajuda e assistência. A
competitividade internacional também depende das qualidades, quantidades e
custos da oferta local de mão-de-obra. Os custos locais podem ser
mais facilmente controlados quando os acordos coletivos locais substituem os
acordos , coletivos nacionais, e quando os governos locais e outras grandes
instituições, como hospitais e universidades, pavimentam o caminho para reduções
de salários e benefícios (na década de 1970, em Baltimore, o setor público e
institucional se caracterizava por uma série de conflitos sobre índices e benefícios
salariais).

A força
de trabalho de qualidade adequada, ainda que dispendiosa, pode ser um ímã
poderoso para um novo desenvolvimento econômico, de modo que o investimento
em forças de trabalho bem treinadas e habilitadas, adaptadas aos novos processos
de trabalho e às suas exigências administrativas, pode ser bem recompensado.
Finalmente, há o problema de economias aglomeradas em regiões metropolitanas.
Muitas vezes, a produção de bens e serviços não depende de decisões isoladas das
unidades econômicas (como a instalação da filial de uma grande multinacional na
cidade; freqüentemente, com efeitos de contágio muito limitados), mas do modo
pelo qual se criam economias pelo estabelecimento de diversas atividades dentro
de um espaço restrito de interação, facilitando os sistemas produtivos altamente
eficientes e interativos (consultar Scorr, 1988).

Desse ponto de vista, grandes regiões


metropolitanas como Nova York, Los Angeles, Londres e Chicago, possuem algumas
vantagens distintivas que os custos do congestionamento já não tem mais
compensado. No entanto, como o caso de Bolonha (consultar GUNDLE, 1986) e a
onda de novo desenvolvimento industrial na Emilia Romagna ilustram, a atenção
cuidadosa relativa ao mix industrial e de marketing, com o apoio da ação firme da
autoridade local (nesse caso, encabeçada pelos comunistas), pode promover forte
crescimento de novos distritos e configurações industriais, fundados nas economias
aglomeradas e na organização eficiente.
Na segunda opção, a região urbana também pode buscar melhorar sua posição competitiva com
respeito à divisão espacial de consumo. É mais do que tentar atrair recursos financeiros para uma
região urban-u por meio do turismo e das atrações associadas à aposentadoria. Depois da década de
1950, o estilo consumista de urbanização fomentou uma base sempre mais ampla para a participação
do consumo de massa. Embora a recessão, o desemprego e o alto custo do crédito tenham reduzido
essa possibilidade para importantes setores da população, ainda resta muita capacidade de consumo
(muito dessa capacidade alimentada pelo crédito). A concorrência por essa capacidade de consumo
torna-se maior, embora os consumidores que disp dos recursos financeiros tê m a oportunidade de
serem muito mais seletivos. Paradoxalmente, os investimentos para atrair os dó lares dos
consumidores cresceram rapidamente como reaçã o à recessã o generalizada. Esses
investimentos enfocam, cada vez mais, a qualidade de vida. A valorizaçã o de regiõ es urbanas
degradadas, a inovaçã o cultural e a melhoria física do ambiente urbano (incluindo a mudança
para estilos pó s- modemistas de arquitetura e design urbano), atraçõ es para
consumo(está diosesportivos, centros de convençã o, shopping centers, marinas, praças de
alimentaçã o exó ticas) e entretenimento (a organizaçã o de espetá culos urbanos em base
temporá ria ou permanente) se tornaram facetas proeminentes das estraté gias para
regeneraçã o urbana. Acima de tudo, a cidade tem de parecer um lugar inovador, estimulante,
criativo e seguro para se viver ou visitar, para divertir-se e consumir. Por exemplo, Baltimore,
reputada funestamente como “o cu do mundo da costa leste” no início da dé cada de 1970,
aumentou a quantidade de empregos no setor turístico de abaixo de mil para mais de 15 mil
em menos de duas décadas de maciça reconstruçã o urbana. Mais recentemente, na Grã -
Bretanha, 13 cidades industriais enfermas (incluindo Leeds, Bradford, Manchester, Liverpool,
Newcastle e Stoke-on-Trent) se uniram num esforço promocional conjunto para aumentar sua
participaçã o dentro da indú stria britâ nica de turismo. Eis como o jornal The Guardian, de 9 de
maio de 1987, registra esse empreendimento relativamente bem-sucedido:

Alé m de gerarem renda e criarem empregos em á reas de desemprego


aparentemente terminal, o turismo també m tem um efeito secundá rio
significativo relativo ao maior realce do ambiente. As cirurgias plá sticas e as
iristalaçõ es idealizadas para atrair maior nú mero de turistas também melhoram a
qualidade de vida daqueles que vivem no local, inclusive atraindo novas
indú strias. Embora os ativos específicos de cada cidade sejam variados, cada um
delas é capaz de oferecer diversos lembretes estruturais concernentes ao que as
tornam notá veis. Em outras palavras, essas cidades partilham um elemento de
venda denominado herança industrial e/ou marítima.

Os festivais e os eventos culturais também se tomam foco das atividades de


investimento. “As artes criam um clima de otimismo — a cultura do ‘é possível fazer’ é
essencial para o desenvolvimento do empreendimento cultural”, afirma a introdução de
um recente relatório do Arts Council of Great Britain [Conselho de Artes da Grã-
Bretanha], acrescentando que as atividades culturais e as artes podem ajudar a romper a
espiral descendente da estagnação econômica nas cidades do interior,
e
ajudar as pessoas “a acreditar em si mesmas e em sua comunidade” (consultar
BIANCHINI,1991). O espetáculo e a exibição se transformam em símbolos de uma
comunidade dinâmica, tanto nas cidades controladas por comunistas
como Roma e Bolonha, quanto em Baltimore, Glasgow e Liverpool.
Desse modo, uma região urbana tem a expectativa de poder aderir e
sobreviver como local de solidariedade comunitária, enquanto analisa a
opção de se aproveitar do consumo conspícuo num oceano de recessão
em expansão.

Em terceiro lugar, o empreendedorismo também foi muito influenciado


pela luta feroz com respeito à obtenção das atividades de controle e comando
referentes ‹ às altas finanças, ao governo, à coleta de informações e ao seu
processamento (incluindo a mídia). As atividades desse tipo precisam da
provisão de inha-estrutura específica e, freqüentemente, dispendiosa. Numa
rede mundial de comunicações, a eficiência e a centralidade são essenciais
em setores onde se requerem interações pessoais de tomadores de decisões
importantes. Isso representa grandes investimentos
em transporte e comunicações (aeroportos e teleportos, por exemplo), e
na oferta de espaço adequado de trabalho, equipado com as ligações
internas e externas necessárias para minimizar os tempos e os custos das
transações. O desenvolvimento de uma vasta gama de serviços de apoio,
especialmente os que podem coletar e processar informações
rapidamente, ou permitem consulta rápida aos “especialistas”, pede outros
tipos de investimentos, enquanto as habilidades específicas exigidas por
tais atividades premiam as regiões metropolitanas com determinados tipos
de oferta educacional (escolas de administração e direito, setores de
produção de alta tecnologia, competências associadas à mídia etc.). Nesse
setor, a concorrência interurbana é muito dispendiosa e, particularmente,
difícil, pois as economias aglomeradas continuam supremas, e o poder
monopolístico de centros estabelecidos, como Nova York, Chicago,
Londres e Los Angeles, é difícil de ser quebrado. No entanto, como, nas
últimas duas décadas, as atividades de comando foram um setor de grande
crescimento (na Grã-Bretanha, em menos de uma década, a quantidade de
empregos no setor financeiro e de seguros dobrou), a busca dessas
atividades atrai cada vez mais como caminho dourado para a
sobrevivência urbana. O resultado, naturalmente, é dar a impressão de
que a cidade do futuro será uma cidade apenas de atividades de controle e
comando, uma cidade informacional, uma cidade pós-industrial, em que a
exportação de serviços (financeiros, informacionais, produção de
conhecimento)
* se torna a base econômica para a sobrevivência urbana.

Em quarto lugar, a vantagem competitiva com respeito à


redistribuição de superávits através dos governos centrais (ou, nos
Estados Unidos, dos governos estaduais) ainda tem grande importância,
pois se trata de um mito que os governos
centrais não redistribuem os saldos positivos na proporção que estavam
acostumados. Os canais mudaram, de modo que, tanto na Grã-Bretanha
(por exemplo, BriStO1) como nos Estados Unidos (por exemplo, Long
Beach-San Diego), sã
militares e de defesa que proporcionam o suporte para a prosperidade urbana, em parte
por causa do montante de recursos envolvidos, mas também por causa do tipo de emprego
e benefícios secundários que talvez se adquiram dessas assim chamadas indústrias “high-
tech” (MARKUSEN, 1986). Além disso, ainda que todo esforço talvez tenha sido feito
para cortar o fluxo de apoio do governo central para muitas regiões urbanas, há muitos
setores da economia (educação e saúde, por exemplo) e mesmo economias metropolitanas
inteiras (consultar o estudo de SMITH E LLER, 1983 sobre Nova Orleans) em que tais
cortes são impossíveis. A alianças da classe dirigente urbana tiveram diversas
oportunidades, portanto, para utilizar mecanismos redistributivos como meio de
sobrevivência urbana.
Essas quatro estratégias não se excluem entre si, e a prosperidade desigual das
regiões metropolitanas dependeu da natureza das coalizões formadas, da combinação e do
ritmo das estratégias empreendedoras, dos recursos específicos (naturais, humanos,
localizacionais) corri os quais a região metropolitana é capaz de trabalhar, e do poder de
competição. No entanto, o desenvolvimento desigual também resultou do sinergismo, que
leva um tipo de estratégia a facilitar outro tipo. Por exemplo, o desenvolvimento da
megalópole Los Angeles-San Diego-Long Beach-Orange County parece ter sido
alimentado pelos efeitos interativos entre grandes repasses governamentais para as
indústrias de defesa e o crescimento acelerado das atividades de comando e controle, que,
além disso, estimularam as atividades orientadas para o consumo, a ponto de ter havido
um considerável renascimento de determinados tipos de manufatura. Por outro lado, em
Baltimore, há pouca evidência de que o grande aumento da atividade orientada para o
consumo tenha contribuído para o desenvolvimento de outras atividades, exceto, talvez, a
proliferação relativamente moderada dos serviços bancários e financeiros. No entanto, há
evidência de que a rede de cidades e regiões urbanas na Sunbelt ou no sul da Inglaterra
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geraram um sinergismo coletivo maior do que nos respectivos equivalentes do norte.


Noyelle e Stanback (1984) também propõem que a posição e a função dentrhierarquia
urbana têm tido um papel importante no padrão das fortunas e dos infortúnios urbanos. Os
efeitos de transmissão entre as cidades e na hierarquia urbana também devem ser levados
em consideração para o padrão das fortunas e dos infortúnios urbanos durante a transição
do administrativismo para o empreendedorismo na governança urbana.

No entanto, o empreendedorismo urbano envolve certo nível de concorrência interurbana.


Nesse caso, abordamos um motivo que impõe limites evidentes sobre a capacidade de
projetos específicos mudarem a sorte de determinadas cidades. De fato, à medida que a
concorrência interurbana se toma maior, quase certamente acionará um “poder coercitivo externo”
sobre certas cidades, aproximando-aS mais da disciplina e da lógica do
desenvolvimentocapitalista.
Talvez
até force a reprodução repetitiva e serial de certos padrões de d esenvolvimento (como a
reprodução em série de world trade centers ou de novos centros culturais e de
entretenimento, de construções à beira do mar ou do rio, de shopping centers
pós-modernos etc.).
A evidência relativa à reprodução em série de formas similares , de renovação urbana é muito
grande, e as razões subjacentes são dignas de nota.
Com a diminuição dos custos de transporte e a conseqüente redução das barreiras espaciais
para o movimento de bens, pessoas, moedas e informações, realçou- se a importância das
qualidades do local, e se fortaleceu consideravelmente o vigor da concorrência intemrbana para
o desenvolvimentocapitalista(investimentose,mpregos, turismo etc.).
Consideremos a questão, antes de mais nada, do ponto de vista do capital multinacional de
alta mobilidade. Com a redução das barreiras espaciais, a distância domercado ou das
matérias-primas se tomamenos importante para as decisões localizacionais. Os elementos
monopolísticos da competição espacial, tão essenciais para as obras relativas à teoria de
Lóschian, desaparecem. Certos artigos pesados e de baixo valor(como cerveja e água mineral),
que costumavam ser produzidos localmente, agora são comercializados em locais muito distantes,
tornando quase sem sentido conceitos como “alcance de uma mercadoria”. Por outro lado, a
capacidade do capital de exercer maior seleção sobre a localização, realça a importância das
condições
específicas de produção em um determinado lugar. As pequenas diferenças na oferta de
mão-de-obra (quantidades e qualidades), nas infra-estruturas e nos recursos, na
regulamentação e tributação governamental, assumem muito maior importânGia do que
quando os custos elevados de transporte criavam monopólios “naturais” para a produção local
em mercados locais.
Além disso, o capital multinacional, na atualidade, é capaz de reagir a variações muito
localizadas de gostos do mercado por meio da produção especializada e de pequenos lotes,
idealizada para satisfazer nichos locais de mercado. Em um mundo de concorrência acirrada —
como o que prevaleceu até o boom do pós-guerra entrar em colapso em 1973 —, as pressões
coercitivas forçam o capital multinacionala ser muito mais seletivo e sensível a pequenas
variações entre os lugares com respeito às pOSsibilidades tanto de produção como de
consumo.
Consideremosa questão, em segundo lugar, do ponto de vista dos locais que
se candidatarn a aumentar ou perder sua vitalidade econômica se não oferecerem às
empresas as condições necessárias para se estabelecerem ou permanecerem na cidade.

De fato, a redução das barreiras espaciais intensificou ainda iTlaiS a concorrência,entre


localidades, estados e regiões urbanas, pelo capital destinado ao desenvolvimento. assim, a
governança urbana se orientou muito mais para a oferta de um “ambien

favorável aos negócios”, e para a elaboração de todos os ńpos de chamarizes para atrair
esse capital à cidade. Naturalmente, o empreendedorismo crescente foi conseqüência
parcial desse processo. No entanto, percebemos aqui esse empreendedorismo crescente
sob uma luz diferente, pois a busca para se obter capital de investimento confina a
inovação a um caminho muito estreito, elaborada em tomo de um pacote favorável ao
desenvolvimento capitalista e a tudo que isso acarreta. Em resumo, a missão da
govemança urbana é atrair fluxos de produção, fmanceiros e de consumo de alta
mobilidade e flexibilidade para seu espaço. O caráter especulativo dos investimentos
urbanos deriva da incapacidade de prever exatamente qual pacote terá ou não sucesso,
num mundo de muita instabilidade e volatilidade econôinica.
Portanto, é fácil conjeturar sobre todos os tipos de espiiais ascendentes e
descendentes de desenvolvimento e declínio urbano sob condições em que são fortes o
empreendedorismo urbano e a concorrência interurbana. As reações inovadoras e
competitivas de muitas alianças urbanas da classe dirigente engendraram mais incerteza,
e, nofim, tomaram o sistema urbano mais vulnerável às incertezas damudança acelerada.
AS IMPLICAÇÕES MACROECONÔMICAS DA
CONCORRÊNCIA INTERURBANA

As implicações tanto macroeconômicas quanto locais com respeito ao


empreendedorismo urbano ea concorrência interurbanamais acirrada merecem escrutínio.
É muito útil pôr esses fenômenos em perspectiva com algumas das tendências e mudanças
mais gerais observadas no modo como as economias capitalistas têm funcionado desde
que, em 1973, a primeira recessão importante do pós-guerra provocou diversos ajustes,
aparentemente profundos, nos rumos do desenvolvimento capitalista.
Em primeiro lugar, a concorrência interurbana e o empreendedorismo urbano
abriram os espaços urbanos dos países capitalistas avançados a todos os tipos de novos
padrões de desenvolvimento, mesmo quando o resultado líquido tenha sido a reprodução
em serie de parques científicos, enobrecimento de regiões degradadas," world trade
centers, centros culturais e de entretenimento, grandes shopping centers com
equipamentos pós-modemos etc. A ênfase na criação de um ambiente local favorável para
os negó‹}jos acentuou a importância da localidade como lugar de regulação concernente à
oferta de infra-estrutura, às relações trabalhistas, aos controles ambientais e ate à política
tributária em face do capital
intemacional (consultar SWYNGEDOUW, 1989).
A assunção do risco pelo setor público e, em particular, a pressão para o envolvimento
do setor público na oferta de infra- estrutura, significou que, para o capital
multinacional, o custo da inudança localizacional diminiiiu, proporcionando maior
mobilidade geográfica a esse mesmo capital. Desse modo, o novo
empreendedorismo urbano aumentou a flexibilidade geográfica pela qual as
empresas multinacionais podem abordar suas estratégias localizacionais.
Conforme a localidade se toma o lugar de regulamentação das relações trabalhistas,
isso também contribui para a crescente flexibilidade das estratégias
administrativas em mercados de trabalho geograficamente segmentados. Nos
Estados Unidos, os acordos locais de trabalho (em vez dos nacionais) tern sido,
há muito tempo, uma característica das relações trabalhistas, mas, nas últimas
duas décadas, observa-se a tendência a acordos locais em muitos países

capitalistas avançados.
Em resumo, desde o início da década de 1970, não há nada sobre o
empreendedorismourbano que seja antitético à tese relativa à
mudançamacroeconômica na forma e no estilo do desenvolvimento capitalista

. De fato, pode-se afirmar com segurança que (consultar HARVEY, 1989a: cap. 8)
as mudanças na política urbana e o movimento rumo ao empreendedorismo têm
desempenhado um importante papel facilitador na transição dos sistemas de
produção fordistas localizacionalmente rígidos, suportados pela doutrina do bem-
estar estatal keynesiano, para formas de acumulação flexível muito mais abertas
em termos geográficos e com base no mercado. Além disso, pode-se afirmar
(consultar HARVEY, 1989a e 1989b) que a transição do modemismo de base
urbana para o p6s-modemismo, com relação ao design, às formas culturais e ao
estilo de vida, também está conectada à ascensão do empreendedorism o urbano. A
seguir, mostrarei como e por que surgem essas conexões.
Em primeiro lugar, consideremos as conseqüências distributivas do
empreendedorismo urbano.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a maior parte da alardeada “parceria público-
privada”equivale a conceder subsídios aos consumidores ricos, às empresas afluentes e
às atividades de controle importancespara que elas permaneçam na cidade, à custa
do consumo coletivo local da classe trabalhadora e dos pobres.
O auinento dos problemas de empobrecimento e de perda de poder, incluindo a
criação de uma “subclasse” bem característica (usando a linguagem de w SON,
1987), foi registrado em relação a muitas das grandes cidades norte- americ as. Por
exemplo, Levine fornece muitos pormenores a respeito de Baltimore, num cenário
em que as principais demandas são feitas para o beneficio das parcerias público-pi9vadas.
Do mesmo modo, Boddy (1984) afirma que, as abordagens
arao
mainstream”(como ele as qualifica), em oposição às abordagens socialistas, p
orientadas pelos
progresso local na Grä-Bretanha, łöram “regidas pela propriedade,
negócios, pelo mercado e pela concorrência, com foco principal no desenvolvimento

econômico e não no emprego, e com ênfase nas pequenas empresas”.


Como o principal objetivo foi “estimular ou atrair a iniciativa privada,
criando as condições prévias para o investimento rentável”, o governo
local “de fato, acabou sustentando a iniciativa privada, assumindo parte do
ônus dos custos de produção”. Como, atualmente, o capital tende ater mais
mobilidade, resulta. que, provavelmente, crescerão os subsídios locais ao
capital, enquanto diminuirá a provisão local para os desprivilegiados,
criando uma maior polarização na distribuição social da renda real.
para a sobrevivência urbana. Nas últimas duas décadas, particularmente
nos Estados Unidos, o avanço das atividades produtivas informais em
muitas cidades (SASSEN- KOOB, 1988) foi uma característica marcante.
Considera-se o setor informal cada vez mais como ou um mal necessário,
ou como um setor dinâmico, capaz de trazer de volta certo nível de
atividade manufatureira para centros urbanos em decadência. Além disso,
os tipos de atividades de serviço e de funções administrativas que se
Armaram nas regiões urbanas tenderam a ser ou empregos mal pagos
(muitas vezes, exercidos exclusivamente por mulheres), ou cargos muito
desenvolvimento espacial capitalista, no qual a competição parece
funcionar não como uma mâo oculta benéfica, mas sim como uma lei
coerciva externa, impingindo o menor denominador comum relativo à
responsabilidade social e à oferta de bem-estar num sistema urbano
organizado de modo competitivo.
Muitas das inovações e dos investimentos idealizados para tornar
certas cidades mais atraentes como centros culturais e de consumo foram
rapidamente imitadas em outros lugares, tornando efémera qualquer
vantagem competitiva num conjunto de cidades. Quantos centros de
convenções, estádios, Disney Worlds, zonas portuárias renovadas e
shopping centers espetaculares podem existir? Muitas vezes, o sucesso é
fugaz ou se torna discutível pelas novidades semelhantes ou alternativas
que surgem em outros lugares. Em virtude das leis coercivas da
concorrência, as
coalizões locais, para sobreviveram, não têm opção, exceto se
conseguirem se manter na dianteira no jogo, engendrando saltos de
inovação em estilos de vida, formas
vigoroso, o resultado foi a instabilidade do sistema urbano.
Houston, Dallas e Denver, cidades de crescimento acelerado na década de 1970,
transformaram-se subitamente, depois de 1980, em pântanosde excesso de
investimentode capital, deixando diversas instituições financeiras à beira da
bancarrota, quando não da falência efetiva. O Vale do Silício, outrora o prodígio high-
tech de novos produtos e novos empregos, inesperadamente perdeu seu esplendor.
No entanto, NovaYork, à beira da insolvência em 1975, recuperou-se na década de
1980, com a grande vitalidade dos seus serviços financeiros e atividades de controle;
mas, mais uma vez, como conseqüência do crash do mercado de ações em outubro
de 1987, a cidade viu seu futuro ameaçado devido à onda de fusões e de dispensas
temporárias de empregados que racionalizou o setor de serviços financeiros. No início
da década de 1980, São Francisco, a favorita do comércio da costa do Pacífico,
subitamente apresentou excesso de espaço para escritórios, recuperando-se, porém,
quase de imediato. Nova Orleans, já em dificuldades enquanto tutelada dos repasses
do governo federal, patrocina uma Feira Mundial desastrosa, que põe a cidade ainda
mais no atoleiro; enquanto Vancouver, já em crescimento acelerado, hospeda uma
ExpoSição Mundial de muito sucesso. Desde o início da década de 1970, as
mudanças das fortunas e dos infortúnÍOS urbanos foram realmente notáveis, e o
fortalecimento do empreendedorismo urbano e da concorrência interurbana tém tido
muito a ver com lsso.
No entanto, houve outro efeito mais sutil merecedor de consideração. O
empreendedorismo urbano estimula o desenv
esforços que pqssuem maior capacidade localizada de aumento dos valores das propriedades,
da base tributária, da circulação local de receitas e (mais freqüentemente como
conseqüência‹da lista precedente) do emprego.
Como a mobilidade geográfica crescente e as tecnologias em acelerada mudança renderaln
diversas formas de produção de bens muito duvidosos, a produção desses tipos de serviços (1)
muito localizados e (2) caracterizados por tempo de giro acelerado, quando não instantâneo,
afigura-se como a base mais estável para o esforço empresarial urbano.

A ênfase no esforços que pqssuem maior capacidade localizada de aumento dos valores das
propriedades, da base tributária, da circulação local de receitas e (mais freqüentemente como
conseqüência‹da lista precedente) do emprego.

Como a mobilidade geográfica crescente e as tecnologias em acelerada mudança renderaln


diversas formas de produção de bens muito duvidosos, a produção desses tipos de serviços (1)
muito localizados e (2) caracterizados por tempo de giro acelerado, quando não instantâneo,
afigura-se como a base mais estável para o esforço empresarial urbano.
A ênfase no turismo, na produção e no consumo de espetáculos, na promoção de eventos
efêmeros o desenvolvimento espetaculoso como um “chamariz ”num determinado palco,
mostra todos os sinais de ser o remédio predileto para para atrair outras fOiTRãS de
progresso.

Nessas duas últiIilãS décadas, economias urbanas enfermas. Os investimentos urbanos desse
tipo talvez produzam ajustes acelerados, ainda que passageiros, em relação aos problemas
urbanos.
No entanto, esses investimentos são, freqüentemente, muito especulativos. Por exemplo,
preparar-se para concorrer a sediar uma Olimpíada é uma prática dispendiosa, que talvez se
pague ou não.
Nos Estados Unidos, muitas cidades (Búfalo, por exemplo) investiram em grandes estádios
esportivos, na expectativa de atraírem equipes de beisebol da liga principal, e Baltimore
também está com planos de construir um novo estádio, para trazer de volta um time de
futebol americano que preferiu, anos atrás, um estádio melhor em Indianápolis (essa é a
versão moderna de um antigo culto de carga de Papua Nova Guiné," relativo à construção de
uma pista no ar, na esperança de atrair um avião à terra).
Os projetos especulativos desse tipo são parte de um problema macroeconômico mais
genérico. Em outras palavras, shopping centers e estádios esportivos financiados a crédito,
assim como outras facetas do consumo conspícuo, são projetos de alto risco, que podem, com
facilidade, defrontar- se com tempos difíceis, exacerbando, como a “supershopping
centerizaçãoda América” dramaticamente ilustra (GREEN, 1988), os problemas da
superacumulaçãoe do excesso de investimento, aos quais o capitalismo, como um todo, está
ta”o facilmente propenso. Em parte, a instabilidade que permeia o sistema financeiro norte-
americano (requerendo algo da ordem de cem bilhões de dólares em recursos públicos para
vimos é a tentativa de criar uma imagem física e social das cidades adaptada para essa
finalidade competitiva.
A criação de uma imagem urbana desse tipo também tem conseqüências políticas e sociais
internas. Ajuda a se contrapor ao sentido de alienação e anomia, que Simmel, há muito tempo,
identificou como a característica problemática da Vida na cidade moderna. Isso acontece, em
especial, quando um ‹ terreno urbano se abre à exposição, moda e “exibição do eu”, num
ambiente de espetáculo e representação. Se todos, de punks e rapers a yuppies e haute
bourgeoisie, são capazes de participar na criação de uma imagem urbana, pOr meio da sua
produção de espaço social, então todos podem sentir alguma pertinência em relação a esse
lugar.

A produção orquestrada de uma imagem urbana também pode, se bem-sucedida, ajudar a


criar solidariedade social, orgulho cívico e lealdade ao lugar. Inclusive, possibilita que a
imagem urbana proporcione um refúgio mental, em um mundo no qual o capital lida, cada vez
mais, como lugar não-fixo. O empreendedorismo urbano (em oposição ao administrativismo
burocrático, muito mais sem rosto) se enreda, nesse caso, com a busca da identidade local, e,
como tal, abre um leque de mecanismos para o controle social.
Atualmente, a famosa fórmula romana — pão e circo — candidata-se a ser reiventada
e revivida, conforme a ideologia da localidade, do lugar e da comunidade torna-se
central para a retórica política da governança urbana, que se concentra na idéia da
união,'9 na defesa contra um mundo hostil e ameaçador de comércio internacional e
concorrência acirrada.
A reconstrução radical da imagem de Baltimore através da construção de
uma nova parte da cidade à margem do mar e do ancoradouro interior é um bom
exemplo. Essas obras colocaram a cidade em evidência de um novo modo. Baltimore
mereceu o título de “cidade renascentista”, ganhando a capa da revista fome, e
descolou- se da sua imagem de lugubridade e empobrecimento. Dava a impressão de
ser uma cidade dinâmica, empreendedora, pronta para receber capital externo e
estimular o movimento do capital e das pessoas “certas”. Não obstante, a realidade
era de empobrecimento crescente e deterioração urbana generalizada. Uma pesquisa
local abrangente, com base em entrevistas com líderes comunitáriOS,cívicos e
empresariais, identificou muita “podridão ]3Or baixo do brilhO” (SZANTON, 1986). em
1984, um
relatório do Congressoconsiderou a cidade corno uma das “frlais carentes” dos
Estados
Unidos.
Um amplo estudo a respeito do renascimento de Baltimore, de Levine
(1987), mostrou como os benefícios foram parciais e limitados, e como a
cidade, como todo, estava acelerando seu declínio e não o revertendo. A imagem de
prosperidade oGulta tudo isso, disfarça as dificuldades subjacentes. A imagem de sucesso se
difunde internacionalmente, de modo que o jornal britânico Sunday Times, de 29 de novembro
de 1987, registra, sem um mínimo de crítica, o seguinte:
Audaciosamente, apesar do grande desemprego, Baltimore transformou seu
ancoradouro abandonado em um imenso playground. Os turistas são sinônimo
de compras, suprimentode comidas e bebidas, e transporte. Isso, por sua vez,
significa construção, distribuição e manufatura, trazendo mais empregos, novos
moradores, mais ativi dade. O decl íni o da antiga Baltimore estacou e mudou de
sentido. A área do ancoradouro agora está entre as principais atrações turísticas
dos Estados Unidos, e o desemprego urbano está diminuindo rapidamente.

Porém, também é evidente que o fato de pôr Baltimore em evidência desse modo,
dando um maior sentido de identidade à cidade, representou um êxito político, consolidando o
poder da influência da parceria público-privada local que materializou o projeto. Trouxe
recursos financeiros associados ao desenvolvimento para Baltimore (ainda que seja difícil
dizer se trouxe mais do que tirou em virtude da assunção do risco pelo setor público). Também
deu à população em geral algum sentido associado à vinculação com o lugar. Mesmo se falta
pão, o circo prospera. O triunfo da imagem sobre a substância é total.

As perspectivas críticas em relação à


mudança empresarial na governança urbana sobcondições
de concorrância interurbana
Nos últimos anos, houve muito debate sobre a “autonomia relativa” da autoridade
local em relação à dinâmica da acumulação do capital. Na governança urbana, a mudança para
o empreendedorismo parece sugerir considerável autonomia da ação local. A noção de
empreendedorismo urbano, como aqui apresentei, não supõe que a autoridade local, ou a
aliança de classes mais ampla que constitui a governança urbana, fique automaticamente (ou
mesmo no famoso “em último caso”) cativa apenas dos interesses da classe capitalista, ou que
suas decisões sejam tomadas antecipadamente em termos refletivos das exigências da
acumulação do capital.
Sup
erficialmente, ao menos, isso parece tomar minha explicação incompatível com
a versão
marxista da teoria da autoridade local formulada, por exemplo, por Cockburn (1977), a qual
um grupo de autores não-marxistas ou neomarxistas, como Mollenkopf
(1983), Logan e Molotch (1987), Gurr e King (1987) e Smith (1988), discordou
com veemência. A consideração em relação à concorrência interurbana, porém,
indica um modo pelo qual o empreendedorismo urbano aparentemente autônomo
pode se harmonizar com as exigências contraditórias da acumulação contínua do
capital, enquanto garante a reprodução das relações sociais capitalistas em escalas
sempre maiores e em níveis sempre mais profíindos.
Com eloqüência, Marx asseverou que a competição é, inevitavelmente, a ,
“viga mestra” das relações sociais capitalistas em qualquer sociedade em que a
circulação do capital é uma força hegemônica.
As coercivas leis da concorrência impõem aos agentes individuais ou
coletivos (empresas capitalistas, instituições financeiras, Estados, cidades) certas
configurações de atividades, que são, por si próprias, constitutivas da dinâmica
capitalista. No entanto, a “imposição” acontece depois da ação e não antes. O
desenvolvimento capitalista sem.pre é especulativo —
de fato, toda a história do capitalismo pode ser interpretada como uma série
completa de impulsos especulativos minúsculos e, às vezes, grandiosos,
einpilhados, histórica e geograficamente, uns sobre os outros. Por exemplo, não há
prognóstico exato sobre como as empresas se adaptarão e se comportarão diante da
concorrência de mercado. Cada empresa buscará seu próprio caminho para
sobreviver, sem conhecimento prévio algum a respeito do que acontecerá.
Somente depois do acontecimento, a “mão invisível” (expressão de Adam Smith)
do mercado se afirma como “uma necessidade a posteriori, imposta pela natureza,
controlando os caprichos ilícitos dos produtores” (Me, 1967: 336).
A governança urbana é similar, estando também sujeita a ser ilícita e
caprichosa. No entanto, também há muita razão para se esperar que tal “capricho
ilícito” seja regulado depois do acontecimento pela concorrência interurbana.
Possivelmente, a concorrência por investimentos e empregos, especialmente sob
condições de desemprego generalizado e de reestruturação industrial, e numa fase
de mudanças aceleradas para padrões mais flexíveis e geograficamente móveis de
acumulação do capital, gerará todos os tipos de fermentos concernentes a como
melhor atrair e estimular o desenvolvimento sob condiçôes locais específicas.
Toda coalizão procurará sua própria versão do que Jessop (1983) denomina
“estratégias de,acumu1ação e projetos hegemônicos”.
Do ponto de vista da acumulação do capital a longo prazo, é essencial
que sejam exploradas diferentes vias e diversos conjuntos- de esforços políticos,
sociais e empresariais. Para um sistema social dinâmico e revolucionário como O
Cãpitalismo, apenas desse modo é possível descobrir novas formas e modos de
regulação social e política, ajustados a novas formas e caminhos
de acumuJação do capital. Se é isso que é pretendido pela “autonomia relativa” da
autoridade local, então não há nada que, urbano da “autonomia relativa” que
possuem todas empresas, instituições e empreendimentos capitalistas na exploração de
diversas vias relativas à acumulação do capital. Entendida desse modo, a
autonomia relativa é perfeitamente compatível com a teoria geral da acumulação
do capital, que subscrevo (Hnvsv, 1982), e, na realidade, é constitutiva dessa teoria.
O problema teórico surge, no entanto, como em tantos casos desse tipo, porque a
teoria marxista, assim como a teoria não- marXiSta, tratam do argumento da
autonomia relativa como se esse argumento pudesse ser considerado externo em
relação ao poder controlador das relações espaciais, e como se a concorrência
interurbana e espacial não existisse ou fosse irrelevante.
De acordo
com esse argumento, sob condições de fraca concorrência
interurbana,
parece que a postura gerencial toma a governança urbana menos compatível com as
regras da acumulação do capital.
O exame desse argumento requer, no entanto, uma análise mais ampla das relações do estado do
bem-estar social e do keynesianismo nacional (nos quais se encaixa a ação da autoridade local) com
a
acumulação do capital durante as décadas de 1950 e 1960. Esse não é o lugar para tentar
empreender tal análise, mas é importante reconhecer que foi em termos do estado do bem-estar
social e do compromisso keynesiano que emergiu boa parte do argumento sobre a autonomia
relativa da autoridade local. O fato de reconhecer iSSO como um interlúdio específico ajuda a
entender por que a iniciativa cívica e o empreendedorismo urbano são tradições antigas e bastante
utilizadas na geografia histórica do capitalismo
(começando, é claro, com a Liga Hanseática e as cidades- estado italianas). Nas
últimas duas décadas, a recuperação e o reforço dessa tradição, e o
restabelecimento da concorrência interurbana, sugerem que a governança
urbana avançou de acordo com as exigências da acumulação do capital. Tal
mudança requereu uma reconstrução radical entre as relações do estado central e
a autoridade local, e uma redução das atividades da autoridade local em relação
ao estado do bem-estar e ao compromisso keynesiano (ambos estiveram sob fogo
cerrado nas últimas duas décadas). E, evidentemente, em muitos países capitalistas
avançados, há uma grande evidência de desordem em relação a esse ponto nos
anos recentes.
Dessa perspectiva, é possível elaborar uma perspectiva crítica sobre a versão
contemporâneado
empreendedorismo urbano. Em primeirolugar, a análise deve
enfocar o contraste entre o vigor superficial de diversos projetos de regeneração de
economias urbanas debilitadas e as tendências subjacentes da condição urbana.
Deve-se reconhecer que, sob a camuflagem de muitos projetos de sucesso,
existem alguns problemas sociais e econômicos muito sérios, e que isso, em muitas
cidades, está assumindo um caráter geográfico, na forma de uma cidade dupla, com
a regeneração de um centro de cidade
dTcadente e um
mar circundante de pobreza crescente. A perspectiva crítica também
aparentemente, inevitáveis, devido à coerção exercida através da concorrência
interurbana. Essa concorrência inclui impactos regressivos na distribuição de renda,
volatilidade da malha urbana e a efemeridade dos benefícios trazidos por muitos
projetos. A concentração no espetáculo e na imagem, e não na essência dos problemas
sociais e econômicos também pode se revelar deletéria a longo prazo, ainda que, muito
facilmente, possam ser obtidos benefícios políticos.

No entanto, também ocorre algo positivo, que merece muita atenção. A , idéia da
cidade como corporação coletiva, na qual é possível a tomada de decisão democrática,
possui uma longa história no panteão das doutrinas e das práticas progressistas (a Comuna
de Paris, é claro, sendo o caso paradigmático na história socialista).
Existiram algumas tentativas recentes de reviver tal visão corporativa, tanto na
teoria (consultar FRUG, 1980) como na prática (consultar BLUNxETT E JACKSON, 1987).

Embora seja possível caracterizar certos tipos de empreendedorismo urbano como


inteiramente capitalistas no método, intento e resultado, também é útil reconhecer que
muitos dos problemas da ação corporativa coletiva não se originam
na ocorrência de algum tipo de iniciativa cívica, ou mesmo a partir de quem, em
particular, domina as aliansas urbanas de classe que formam ou projetam seu legado.

Nesse caso, é a generalização da concorrência interurbana, numa estrutura global de


desenvolvimento capitalista desigual, que, aparentemente, limita o número de opções,
fazendo com que projetos “ruins” impulsionem coalizões de forças “boas”, bem-
intencionadas e benevolentes, obrigando-as a ser “realistas” e “pragmáticas”, até o ponto
em que essas coalizões jogam de acordo com as regras da acumulação capitalista em vez
de perseguir os objetivos de satisfação das necessidades locais ou de maximização do
bem-estar social.
No entanto, mesmo nesse caso, não parece evidente que a mera ocorrência da
concorrência interurbana seja a principal contradição a se enfrentar. Deve sim se
considerar uma condição que age como “viga mestra” (para usar a expressão de Marx)
com respeito às relações sociais mais genéricas, concernentes a qualquer modo de
produção em que esteja encaixada essa concorrência. Claro que o socialismo em uma
cidade não é um projeto factivel, mesmo sob as melhores circunstâncias. No entanto, as
cidades são importantes bases de poder para se trabalhar. O problema é arquitetar uma
estratégia geopolítica de união interurbana, que mitigue a cencorrência interurbana, e
mude os horizontes políticos da localidade, criando um desafio mais gcneralizável em
relação ao desenvolvimento capitalista desigual. Os movimentos da classe trabalhadora,
por exemplo, demonstraram historicamente a capacidade de controlar as políticas do
lugar, mas sempre permaneceram vulneráveis à disciplina das relações espaciais.

O controle mais poderoso sobre o espaço (tanto


militarmente conto economicamente) é exercido por uma burguesia cada vez mais

deve sufocar
gllmas
das perigosas conseqüências macroeconômicas, muitas das quais,
meio da ascensão do empreendedorismo urbano serve para sustentar e aprofundar as relações
capitalistas de desenvolvimento geográfico desigual, afetando o curso do desenvolvimento
capitalista de maneira intrigante.
No entanto, a perspectiva crítica sobre o empreendedorismo urbano não revela apenas seus impactos
negati dos, mas também sua potencialidade para se transformar numa prática corporativa urbana
progressista, dotada de um forte sentido geopolítico de como construir alianças e ligações pelo
espaço, de modo a mitigar, quando não desafiar, a dinâmica hegemi›nica
da acumulação capitalista, para dominar a geografia histórica da vida social.

É inegável que a cultura se transformou em algum gênero de


mercadoria. No entanto, também há a crença muito difundida de que
algo muito especial envolve os produtos e os eventos culturais (estejam
eles nas artes plásticas, no teatro, na música, no cinema, na arquitetura,
ou, mais amplamente, em modos localizados de vida, no patrimônio, nas
memórias coletivas e nas comunhões afetivas), sendo preciso pô-los à
parte das mercadorias normais, como camisas e sapatos. Talvez façamos
isso porque somente conseguimos pensar a seu respeito como produtos e
eventos que estão num plano mais elevado da criatividade e do sentido
humano, diferente do plano das fábricas de produção de massa e do
consumo de massa. No entanto, mesmo quando nos despímos de todos
os resíduos de pensamento tendencioso(muitas vezes, com base em
ideologias poderosas), ainda assim continuamos considerando como
muito especiais esses produtos designados como“culturais”.Como
acondição de mercadoria de tantos desses fenômenos se harmoniza com
seu caráter específico? A relação entre cultura e capital, é evidente,
requer inquirição cuidadosa e escnitínio matizado.

A renda monopolista e a competição

Começo com certas reflexões sobre o significado do termo renda


monopolista, buscando entender conto os processos contemporâneos de
globalização econômica se relacionam com as localidades e as formas
culturais.

A categoria “renda monopolista” é uma abstração advinda da linguagem


da economia política. Para os mais interessados em questões de cultura,
estética, valores afetivos, vida social e coração, esse termo talvez seja
muito técnico e árido para suportar o peso dos assuntos humanos, além
dos possíveis cálculos dos financistas, dos incorporadores, dos
especuladores imobiliários e dos locadores. No entanto, espero mostrar
que o termo possui um poder multiplicador muito maior: se elaborado
adequadamente, pode propiciar interpretações valiosas sobre muitos
dilemas práticos e pessoais resultantes do nexo entre globalização
capitalista, desenvolvimentospolítico-econômicos locais e evolução dos
sentidos culturais e dos valores estéticos.

Toda renda se baseia no poder monopolista dos proprietários privados


de determinadas porções do planeta. A renda monopolista surge porque
os atores sociais podem aumentar seu fluxo de renda por muito tempo,
em virtude do controle exclusivo sobre algum item, direta ou
indiretamente, comercializável, que é, em alguns aspectos, crucial,
único e irreplicável. Há duas situações em que a categoria renda
monopolista alcança o primeiro plano. A primeira situação surge quando
os atores sociais controlam algum recurso natural, mercadoria ou local
de qualidade especial em relação a certo tipo de atividade, permitindo-
lhes extrair renda monopolista daqueles que desejam usar tal recurso,
mercadoria ou local. No domínio da produção, Marx (1967, vol. 3: 775)
afirma que o exemplo mais óbvio é o vinhedo que produz vinho de
elevada qualidade, que pode ser vendido por preço monopolista. Nessa
circunstância, “o preço monopolista cria a renda”.
A versão localizacional seria a centralidade (para o capitalista
comercial) em relação, por exemplo, à rede de transportes e
comunicação, ou a proximidade (para a cadeia hoteleira) de alguma
atividade muito concentrada (como um centro financeiro). O capitalista
comercial e o hoteleiro se dispõem a pagar um ágio pelo terreno, por
causa de sua acessibilidade. Esses são casos indiretos de renda
monopolista. Não se comercializa a terra, o recurso natural ou o local de
qualidade singular, mas a mercadoria ou serviço produzido por meio do
seu uso. No segundo caso, tira-se proveito diretamente da terra ou do
recurso (como quando as vinhas ou os terrenos imobiliários de primeira
qualidade são vendidos para capitalistas e financistas multinacionais
com
A generalidade do mercado globalizado gera, de modo compatível com a segunda
contradição que identifiquei anteriormente, uma força poderosa, que procura garantir
não apenas a continuidade dos privilégios monopolistas da propriedadeprivada, mas
também as rendas monopolistas que resultam da descrição de mercadorias como
sendo mercadorias incomparáv
exuberante dos financistas
internacionais) se seduzem facilmente pelas perspectiva s lucrativas dos poderes
m
onopolistas, imediatamente percebemos uma terceir a contradição: que o mais ávido adepto da
globalização apoiará os desenvolvimentos locais com potencial para produzir rendas monopolistas (mesmo se o
tal apoio seja a criação
resultado de de um clima político local contrário à globalização!). A ênfase na singularidade e
pureza da cultura local balinesa talvez seja essencial à rede hoteleira, às empresas aéreas e à indústria
turístiGa, mas o que acontece quando isso estimula um movimento balinês de resistência violenta à
“impureza” da
comercialização?
O paÍS basco talvez seja uma configuração cultural potencialmente
exuberante dos financistas internacionais) se seduzem facilmente pelas perspectivas
lucrativas dos poderes monopolistas, imediatamente percebemos uma terceira
contradição: que o mais ávido adepto da globalização apoiará os desenvolvimentos
locais com potencial para produzir rendas monopolistas (mesmo se o resultado de tal
apoio seja a criação de um clima político local contrário à globalização!). A ênfase na
singularidade e pureza da cultura local balinesa talvez seja essencial à rede hoteleira,
às empresas aéreas e à indústria turístiGa, mas o que acontece quando isso estimula
um movimento balinês de resistência violenta à “impureza” da
comercialização? O paÍS basco talvez seja uma configuração cultural potencialmente

à comercialização. Investiguemos com um pouco mais de profundidade essa


contradição, à medida que a mesma afeta a política do desenvolvimento urbano.
Para isso, requer-se situar essa política em relação à globalização. Nas últimas
décadas, o empreendedorismo urbano se tornou importante tanto nacionalmente
quanto internacionalmente. Por empreendedorismo urbano, entendo o padrão de
conduta na governança urbana que combina poderes estatais (local, metropolitano,
regional, nacional on supranacional), diversas formas organizacionais da sociedade
civil (câmaras de comércio, sindicatos, igrejas, instituições educacionais e de
pesquisa, grupos comunitários, ONGs etc.) e interesses privados (empresariais e
individuais), formando coalizões para fomentar ou administrar o desenvolvimento
urbano/regional de um tipo ou outro.

Há agora uma extensa literatura sobre esse tema, que revela que as formas,
atividades e objetivos desses sistemas de governança (diversamente conhecidos
como “regimes urbanos”, “máquinas de crescimento” ou “coalizões de crescimento
regional”) variam amplamente, dependendo das condições locais e do arco de forças
operantes dentro desses sistemas.

O papel desse empreendedorismo urbano em relação à forma neoliberal de


globalização também foi analisado em detalhe, mais geralmente sob a rubrica das
relações local-global e da assim chamada “dialética espaço-lugar”. A maior parte dos
geógrafos que examinaram o problema concluiu corretamente que é um erro
categórico considerar a globalização uma força
causal coin respeito ao desenvo1\•imento local. Nesse caso, o que está em jogo,

No entanto, isso não seria assim tão atraente (como é) se não fosse a maneira pela
qual também pode obter rendas monopolistas. Uma estratégia bem conhecida dos
incorporadores imobiliários, por exemplo, é conservar a melhor e mais alugável parte do
terreno de algum empreendimento para extrair renda monopolista dessa parte depois da
realização do restante do projeto. Os governos astutos, com os poderes necessários, podem
adotar as mesmas práticas. O governo de Hong Kong, como o entendo, é custeado
largamente pelas vendas controladas, a preços monopolistas muito elevados, dos terrenos
públicos para empreendimentos imobiliários. Por sua vez, isso converte os bens imóveis em
rendas monopolistas, tornando Hong Kong muito atraente para o capital de investimento
financeiro internacional, que opera por meio do mercado de bens imóveis. Naturalmente,
Hong Kong possui outras alegações de singularidade, devido à sua localização, sobre a qual
pode também negociar com muita força, oferecendo vantagens monopolistas. Casiialmente,
o governo de Cingapura começou a capturar rendas monopolistas, e foi muito bem-
sucedido, de forma quase similar, ainda que por meios político-econômicos muito
diferentes.
Esse tipo de governança urbana se orienta principalmente para a criação de
padrões locais de investimentos, não apenas em infra-estruturas físicas, como transportes e
comunicações, instalações portuárias, saneamento básico, fornecimento de água, mas
também em infra-estruturas sociais de educação, ciência e tecnologia, controle social,
cultura e qualidade de vida. O propósito é gerar sinergia suficiente no processo de
urbanização, para que se criem e se obtenham rendas monopolistas tanto pelos interesses
privados como pelos poderes estatais. Nem todos esses esforços obtêm êxito, mas mesmo os
exemplos de insucesso podem, parcial ou inteiramente, ser entendidos em termos do seu
fracasso em realizar rendas monopolistas. No entanto, a busca de rendas monopolistas não
se
limita às práticas de empreendimentos imobiliários, iniciati vas econômicas e recursos
governamentais. Essa busca possui uma aplicação bem mais ampla.
O capital simbólico coletivo, os marcos de distinção e as rendas monopolistas
Se as alegaçóes de singularidade,autenticidade, particularidadee especialidade
sustentam a capacidade de conquistar rendas monopolistas, então sobre que melhor
terreno é possível fazer tais alegações do que no campo dos artefatos e das práticas
culturais historicamente constituídas, assim como no das características ambientais
especiais (incluindo,é claro, os ambientes sociais e culturais construídos)? Todas
essas alegações, como nonegócio do vinho, são tanto resultado das construções
discursivas
como dos conflitos baseados em fatos materiais. Muitas alegações se apóiam em
narrativas históricas, interpretações e sentidos das memórias coletivas,
significados das práticas culturais etc.: sempre há um forte elemento social e
discursivo operante na construção de tais alegações. Logo que estabelecidas,
porém, tais alegações podem ser devolvidas com força ao ponto de origem para
a extração das rendas monopolistas, já que, na mente de muitas pessoas ao
menos, não existirão lugares outros além de
Londres, Cairo, Barcelona, Milão, Istambul, São Francisco, ou seja onde for, para ,
obter acesso a tudo quanto seja supostamente único a tais lugares.
O ponto de referência mais evidente on‹le esse processo funciona é o
turismo contemporâneo, mas considero um erro basear a questa”o nisso. Pois o
que está em jogo é o poder do capital simbólico coletivo, isto é, o poder dos
marcos especiais de distinção vinculados a algum lugar, dotados de um poder de
atração importante em relação aos fluxos de capital de modo mais geral.
Bourdieu, a quem devemos o uso genérico desses termos, infelizmente os
restringe aos indivíduos (quase como átomos flutuando num mar de juízos
estéticos estruturados), quando para niim parece que as formas coletivas (e a
relação dos indivíduos com essas formas coletivas) talvez fossem de interesse
ainda maior. O capital simbólico coletivo vinculado a nomes e lugares como
Paris, Atenas, NovaYork, Rio de Janeiro, Berlim e Roma é de grande
importância, conferindo a tais lugares grandes vantagens econômicas em relação
a, por exemplo, Baltimore, Liverpool, Essen, Lille e Glasgow. O problema para
esses lugares citados em segundo lugar é elevar seu quociente de capital
simbólico e aumentar seus marcos de distinção, para
melhor basear suas alegações relativas à singularidade geradora da
rendamonopolista. Dada a perda de outros poderes monopolistas por causa do
transporte e comunicação mais fáceis, e a redução de outras barreiras para o
comércio, a luta pelo capital simbólico coletivo se tomou ainda mais importante
como base para as rendas monopolistas. De que outro modo podemos explicar o
alarde provocado pelo Museu Guggenheim, em Bilbao, da grife arquitetônica
Geluy? E também como podemos explicar a disposição de instituições financeiras
importantes, com consideráveis interesses internacionais, de financiar tal projeto?
A ascensão de Barcelona à proeminência do sistema europeu de
cidades, para considerar outro exemplo, deu-se, em parte, com base na sua firme
acumulação tanto de capital simbólico como de marcos de distinção. Nesse caso,
enfatizou-se a prospecção da história e da tradição caracteristicamente catalã, o
marketing a respeito de suas importantes realizações artísticas e heranças
arquitetônicas (Gaiidí, é claro), e seus marcos distintivos de estilo de vida e
tradições literárias, com o apoio de uma avalanche de publicaçôes, exibições e
eventos culturais celebrantes da distinção. Além disso, hou ve novos
embelezamentos arquitetónicos (a antena de radiocomunicação de Norman Foster
e o Museu de Arte Moderna branco fulgurante
de Meier, nomeio de construções degradadas da cidade velha), investimentos pesados para
permitir o fácil acesso ao porto e à praia, recuperando terrenos baldios para a Vila
Olímpica (com referência sagaz à utopia dos Icários), e a transformação do que fora antes
uma vida noturna lúgubre e perigosa num panorama aberto de espetáculo urbano. Todo
esse processo ainda recebeu a ajuda dos Jogos OlÍmpicos de 1992, que propiciou grandes
oportunidades para acumulação de rendas monopolistas (Juan Samaranch, presidente do
Comitê Olímpico Internacional, por coincidência, tinha muitos interesses imobiliários em
Barcelona).
No entanto, o sucesso inicial de Barcelona parece ter tomado o rumo da
primeira contradição. Enquanto as oportunidades de apropriação das rendas
monopolistas se apresentavam em abundância, com base no capital simbólico
coletivo de Barcelona enquanto cidade (os preços dos imóveis explodiram e o Royal
Institute of British Architects concedeu a toda a cidade sua medalha por realizações
arquitetônicas), seu irresistível chamariz atraiu, como conseqüência, mais e mais a
transformação em commodities multinacional e homogeneizada. As fases
posteriores dos empreendimentos à margem do mar parecem exatamente como
quaisquer outros empreendimentos do mundo ocidental, os espantosos
congestionamentos de trânsito provocam pressões para abrir avenidas na cidade
velha, lojas de propriedade multinacional substituem o comércio local, o
“enobrecimento” de regiões desvalorizadas da cidade transfere os moradores
antigos e destrói construções mais antigas, e Barcelona perde alguns dos seus
marcos de distinção. Há inclusive sinais nada sutis de “disneificação”. Essa
contradição é marcada por questionamentos e resistência. Que memória coletiva
deve ser celebrada pela cidade (os anarquistas, como os Icários, que
desempenharam papel importante na história de Barcelona; os republicanos, que
lutaram tão bravamante contra Franco; os nacionalistas catalães; os migrantes da
Andaluzia; ou um velho aliado de Franco, como Samaranch)' Que estética realmente
tem valor (os arquitetos celebremente poderosos de Barcelona, como Bohigas)? Por
que aceitar a “disneificação”? Os debates desse tipo não podem ser facilmente
silenciados, exatamente porque é evidente para todos que o capital simbóliccoletivo
acumulado por Barcelona depende dos valores de autenticidade, singularidade e qualidades
específicas irreplicáveis. Tais marcos locais de distinção são de difícil acumulação sem
suscitar a questão do exercício local de poder, mesmo
dos movimentos populares e oposicionistas. Nesse ponto, normalmente, os guardiões do
capital simbólico coletivo e do capital cultural (os museus, as universidades, a classe dos
mecenas e o aparelho estatal) fecham suas portas, e tratam de manter fora a ralé (ainda que,
em Barcelona, o Museu de Arte Moderna, ao contrário da maioria das instituições desse
tipo, continuou, surpreendente e construtivamente, aberto às sensibilidades populares).
Nesse caso, os interesses são significativos. Trata-se de
uma questão de determinar que segmentos da população devem se beneficiar mais do
capital simbólico, para o qual todos, em seus próprios e distintivos modos,
contribuíram. Por que deixar a renda monopolista vinculada ao capital simbólico ser
auferida apenas pelas multinacionais ou por uma pequena e poderosa parcela da
burguesia local? Mesmo Cingapura, que criou rendas monopolistas e se apropriou
delas com tanta crueldade e tanto sucesso ao longo dos anos (principalmente, por sua
vantagem localizacional e política), cuidou de que os benefícios fossem distribuídos
por meio da oferta de habitação, saúde e educação.
Pelos tipos de motivos exemplificados pela história recente de Barcelona, a indústria
do conhecimento e do patrimônio, a produção cultural, a arquitetura de grife e o cultivo
de juízos estéticos distintivos se tornaram poderosos elementos constitutivos da
política do empreendedorismo urbano, em muitos lugares (ainda que de modo mais
particular na Europa). Em um mundo altamente competitivo, a luta para acumular
marcos de distinção e capital simbólico coletivo continua. No entanto, isso suscita
todas as questões relativas às opções de memória coletiva, estética e beneficiários. A
supressão inicial de toda menção ao comércio de escravos na reconstrução do Alberto
Dock,’i em Liverpool, por exemplo, gerou protestos por parte da população excluída de
ascendência caribenha, e o Memorial do Holocausto, em Berlim, despertou muitas
controvérsias. Mesmo monumentos antigos, como a Acrópole, cujo significado agora
— assim se poderia imaginar — estaria bem estabelecido, estão sujeitos à
contestação. Tais contestações podem ter implicações políticas muito difundidas,
mesmo indiretas. Considere-se, por exemplo, a argumentação emaranhada em torno
da reconstrução de Berlim, depois da reunificação alemã. Todos os estilos de forças
divergentes colidiram ali, conforme se desenrolava a luta para definir o capital
simbólico de Berlim. De modo evidente, Berlim pode fixar uma alegação a respeito de
singularidade com base na sua potencialidade de mediação entre o leste e o oeste.
Sua posição estratég ica em relação ao desenvolvimento geográfico desigual do
capitalismo contemporãneo (com a abertura da ex-União Soviética) propicia evidente
vantagem. No entanto, há outro tipo de batalha por identidade sendo travado, que
invoca memórias coletivas, mitologias, história, cultura, estética e tradição. Contemplo
apenas uma única dimensão particularmente problemática dessa luta, uma dimensão
que não é necessariamente dominante, e cuja capacidade para fundamentar
alegações em relação à renda monopolista sob a competição global não é clara ou
certa.
Uma facção de arquitetos e planejadores locais (com o apoio de
certa parte do aparato estatal local) procura revalidar as formas
arqiiitetônicas da Berlim dos séculos XVIII e XIX, e, em particular, realçar a
tradição arqiiitetônica de Schinkel, excluindo quase todo o resto. Essa
posição talvez seja vista como simples questão de preferência estética
elitista, mas possui diversos significados, que têm a ver com as memórias
coletivas, a monumentalidade, o poder da história e a identidade política da
cidade. Também se associa ao clima opinativo (articulado em uma
variedade de discursos) que define quem é berlinense e não é, e quem
tem direito à cidade, em termos bem definidos de estirpe ou de adesão a
valores e crenças específicas. Prospecta uma história local e uma herança
arquitetônica carregadas de conotações nacionalistas e românticas. Num
contexto em que os maus-tratos e a violência contra os imigrantes são
comuns, talvez até ofereça legitimação tácita a tais ações. A população
turca (grande parte da qual agora é natural de Berlim) sofreu muitas
afrontas, sendo forçada a abandonar o centro da cidade. Sua contribuição
a Berlim como cidade é inteiramente ignorada. Além disso, esse estilo
romântico'nacionalista se ajusta à abordagem tradicional concernente à
monumentalidade, que, nos projetos contemporâneos (embora sem
referência específica e até talvez sem saber), replica amplamente os
projetos de Albert Speer (esboçados para Hitler na década de 1930) para
um primeiro plano monumental para o Reichstag.'2 Felizmente, isso não é
tudo que está entrando em cena em Berlim, na busca por capital simbólico
coletivo. A reconstrução do Reichstag, de autoria de Norman Foster, por
exemplo, ou o gnipo de arquitetos modernistas internacionais importado
pelas multinacionais (largamente em oposição aos arquitetos locais), para
dominar a Potsdamer Platz, são incompatíveis com a posição inicialmente
mencionada. A reação romântica local à ameaça de dominação
multinacional pode simplesmente acabar sendo um elemento de interesse
inocente num empreendimento complexo relativo a diversos marcos de
distinção para a cidade (Schinkel, afinal, possui considerável mérito
arquitetônico, e a reconstrução de um castelo do século XVIII pode
facilmente se prestar à “disneificação”). No entanto, o possível aspecto negativo da
história desperta interesse, pois realça como as contradições da rendamonopolista podem
terminar. Se os projetos limitadores, a estética excludente e as práticas discursivas se tornarem
dominantes, o capital simbólico coletivo criado dificilmente transacionará com liberdade, pois
suas qualidades especiais o porão largamente fora da globalização. O poder
entanto, o possível aspecto negativo da história desperta interesse, pois realça como
as contradições da rendamonopolista podem terminar. Se os projetos limitadores, a estética
excludente e as práticas discursivas se tornarem dominantes, o capital simbólico coletivo
criado dificilmente transacionará com liberdade, pois suas qualidades especiais o porão
largamente fora da globalização. O poder
tipos de outras dimensões da vida social incompatíveis com a homogeneidade
pressuposta pela produção da mercadoria. Para o capital não destruir totalmente a
singularidade, base para a apropriação das rendas monopolistas (e há muitas
circunstâncias em que o capital fez exatamente isso), deverá apoiar formas de
diferenciação, assim como deverá permitir o desenvolvimento cultural local divergente
e, em algum grau, incontrolável, que possa ser antagônico ao seu próprio e suave
funcionamento. É em tais espaços que todos os tipos de movimentos oposio-ionistas
podem se organizar; pressupondo, como é freqüentemente o caso, que os
movimentos oposicionistas não estejam firmemente ali entrincheirados. O problema
para o capital é achar os meios de cooptar, subordinar, mercadorizar e monetizar tais
diferenças apenas o suficiente para ser capaz de se apropriar das rendas
monopolistas disto. O problema para os movimentos oposicionistas é usar a validação
da particularidade, singularidade, autenticidade e significados culturais e estéticos de
maneira a abrir novas possibilidades e alternativas, em vez de permitir que essa
validação seja usada para criar um terreno mais fértil do qual possam ser extraídas
rendas monopolistas por aqueles que possuem tanto o poder como a inclinação
compulsiva para fazer isso. As lutas resultantes, muito difundidas ainda que
geralmente fragmentadas, entre a apropriação capitalista e a criatividade artística,
podem levar um segmento da comunidade preocupado com questões culturais para o
lado com uma política contrária ao capitalismo multinacional.
No entanto, não é nada certo que o conservadorismo e mesmo a prática reacionária
da exclusão, muitas vezes vinculados a valores “puros” de autenticidade, originalidade
e a uma estética de particularidade da cultura, sejam bases adequadas para uma
política progressista de oposição. Pode-se muito facilmente guinar para políticas de
identidade local, regional ou nacionalista, do tipo neofascista, das quais já há muitos
sinais preocupantes por toda a Europa. Essa é uma contradição básica, que a
esquerda deve combater. Os espaços para políticas de transformação estão ali, pois o
capital não pode se permitir fechá-los completamente, e a oposição de esquerda CSta
gradualmente aprendendo a como melhor usá-los.
Os fragmentados movimentos de oposição à globalização neoliberal, como revelado
em Seattle, Praga, Melbourne, Bangcoc e Nagora, mais consmitivamente, no Fórum
Social Mundial, em Porto Alegre (em oposição ao encontro anual, em Davos, das
elites empresariais e dos líderes governamentais), indica uma política alternativa. Não
é inteiramente antagônica à globalização, mas a quer em condições muito diferentes.

Naturalmente, não por acaso foi Porto Alegre e não Barcelona, Berlim, Sâo Francisco
ou Milão que se abriu a essa iniciativa. Em Porto Alegre, as forças da culmra e da
história estão sendo mobilizadas por um movimento político (liderado pelo Partido dos
Trabalhadores) de modo diferente, buscando um outro tipo de capital simbólicocoletivo
em relação ao ostentado no Museu Guggenheim, em Bilbao, ou na ampliação da Tate
Gallery, em Londres. Os marcos de distinção em acumulação em Porto Alegre se
originam da sua luta para moldar uma alternativa à globalização, que não tire partido
das rendas monopolistas, em particular, ou se submeta ao capitalismo multinacional,
em geral. Ao se concentrar na mobilização popular, está construindo, de modo ativo,
novas formas culturais e novas definições de autenticidade,
originalidade e tradição.
Esse é um caminho difícil de ser seguido, como mostram • exemplos anteriores, como
as experiências notáveis na Bolonha vermelha das décadas
de 1960 e 1970. O socialismo em uma ünica cidade não é um conceito viável. No
entanto, é evidente que alternativa alguma à forma contemporânea de globalização
será apresentada a nós a partir do alto. Terá de vir de dentro dos espaços múltiplos
locais, ligados num movimento mais amplo.
Nesse caso, é que assumem certa importância estrutural as contradições enfrentadas
pelos capitalistas quando buscam renda monopolista. Ao procurarem explorar valores
de autenticidade, localidade, história, cultura, memórias coletivas e tradição, abrem
espaço para a reflexão e a ação política, nas quais alternativas podem ser tanto
planejadas como perseguidas. Esse espaço merece intensa investigação e cultivo
pelos movimentos de oposição. É um dos espaços chave de esperança para a
construção de um tipo alternativo de globalização, em que as forças progressistas da
cultura se apropriam dos espaços chave do capital em vez do contrário.

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