(20230500-PT) Courrier Internacional 327
(20230500-PT) Courrier Internacional 327
(20230500-PT) Courrier Internacional 327
Courrier
internacional
internacional
Maio 2023
NÚMERO 327 | MENSAL |
ÍNDIA
O DESAFIO GIGANTE
O país mais populoso do mundo, após ultrapassar a China,
estará à altura do seu potencial demográfico
e económico? e a sua democracia irá sobreviver?
SCROLL.IN, FINANCIAL TIMES, THE HINDU, THE ECONOMIST
ÍNDIA: O DESAFIO GIGANTE
MAIO 2023
04 Editorial
06 Cartoons
08 Retrato
Bola Tinubu
Atual
FRANÇA
Capa
36 Índia, o despertar
do gigante
38 O potencial da imensa
população jovem
44 Os negócios
PROPRIETÁRIA Courrier International S.A.
- O Courrier Internacional é publicado sob licença da
Courrier International S.A. - Sede: 80, Boulevard Auguste
Blanqui, 75013 Paris, França - CRC Paris, Inscrita no Registre
du Commerce et des Sociétés de Paris n.º B344 761 861
- Capital Social: € 106 400
PROPRIETÁRIA/EDITORA:
TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Sede: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte
Edifício Fernão de Magalhães, nº8, 2770-190
Paço de Arcos
NIPC: 514674520.
GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros,
Principal acionista: Luís Delgado (100%)
Courrier internacional
82 Flashback
MAIO 2023 - N.º 327 3
E
A
EDITORIAL
R U I T AVA R E S G U E D E S A AMBIGUIDADE É UMA ARMA
[email protected]
Logo após a proclamação da independência da Índia, em 1947, quando o mundo
já se dividia em dois blocos vencedores da II Guerra Mundial, o primeiro-ministro
Jawaharlal Nehru proferiu a frase que, desde então, tem marcado a política externa
de Nova Deli: “Não somos pró-russos nem pró-americanos. Somos pró-indianos.”
Com essa declaração, Nehru abriu caminho para a formação do Movimento dos
Países Não Alinhados, que, no caso da Índia, lhe permitiu atravessar a Guerra Fria
sem se envolver nos conflitos por procuração, que marcaram esse período e com
consequências dramáticas para muitos outros países.
Nesses primeiros tempos de independência, a Índia, herdada do império
britânico por Nehru, era muito diferente da atual. A sua população rondava os 370
milhões de pessoas, a maioria em pobreza extrema e com uma taxa de literacia que
não ultrapassava os 12%, e a economia encontrava-se em declínio absoluto: o país
que, em meados do século XVIII, representava cerca de 30% da riqueza mundial,
estava então reduzido a um quinhão inferior a 3%, quando os britânicos entregaram
aquela que classificavam como a “joia da coroa”.
Nessas condições e à frente da nação que já era, à data, a segunda mais populosa
do mundo, a estratégia dos novos dirigentes da União Indiana passou por procurar
alianças com os novos países que, entretanto, surgiam das cinzas dos impérios
coloniais, ao mesmo tempo que se esforçava por manter relacionamentos cordiais
com as potências mundiais – todas as ajudas, viessem elas de onde viessem, eram
bem-vindas, fosse para resolver emergências alimentares (como sucedeu com os
EUA) fosse para reforçar as Forças Armadas indianas perante a ameaça do vizinho
Paquistão (e daí o facto de, atualmente, a maior parte do armamento indiano ainda
ser de origem russa). Tudo isto foi feito com um objetivo sempre em mente e que
se mantém até hoje: afirmar-se como um polo independente de poder global,
manter uma voz própria em todos os assuntos e ser um líder entre os países em
desenvolvimento.
Ao longo de décadas, a Índia tem conseguido uma proeza única: manter relações
cordiais com todos os principais atores da política mundial, uma postura sempre
assente numa ambiguidade estratégica, capaz de confundir tanto os aliados como
os adversários. Essa estratégia é hoje levada ao extremo. Num mundo em ebulição
devido à invasão russa na Ucrânia, a Índia consegue quase a quadratura do círculo:
recusou os apelos para se juntar às sanções económicas à Rússia e, pelo contrário,
aumentou o volume de negócios com Moscovo, ao ponto de estar prestes a concluir
um acordo de livre comércio entre os dois países; continua a ser um membro ativo
na Quad, a aliança promovida pelos EUA com o Japão, Índia e Austrália, para tentar
conter o avanço da China na região do Indo-Pacífico; e mantém uma postura cordial
com a China, no âmbito dos BRICS, apesar da rivalidade histórica e de algumas
tensões recentes nos Himalaias, procurando que os seus problemas com Pequim não
sejam contaminados pela retórica habitual do Ocidente.
A estratégia indiana, sempre assente numa neutralidade cuidadosamente
COURRIER INTERNACIONAL coreografada em todas as grandes cimeiras internacionais, foi bem descrita pelo
App para tablets. atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Subrahmanyam Jaishankar, num livro
Disponíveis na Applestore publicado um ano antes do início da guerra na Ucrânia. Nele, aquele que é o
e na Googleplay principal homem de confiança do primeiro-ministro, Narendra Modi, escreve que a
as aplicações necessárias. grande estratégia indiana, num mundo mais multipolarizado e repleto de incertezas,
deve saber “explorar as oportunidades criadas pelas contradições globais”,
por forma a tentar “extrair o máximo de ganhos do maior número de empates
possíveis”. Essa estratégia era depois descrita numa frase exemplar: “Este é um
momento para nos envolvermos com os EUA, sabermos administrar a tensão com
a China, cultivarmos a relação com a Europa, tranquilizarmos a Rússia, trazermos
o Japão para o jogo, atrairmos vizinhos e ampliarmos a vizinhança.” O plano, pelos
vistos, está a ser cumprido a preceito.
Neutralidade
indecisa
“Então? Posso enviar as granadas
para a Ucrânia? Responda sim ou
não”, pede o militar alemão. “Sim A ver o mundo a arder
ou não”, responde o funcionário A inércia dos dirigentes políticos mundiais perante
suíço acerca do armamento de a emergência climática: mais a assistir do que a agir
fabrico... alemão COST, PARA LE SOIR, BRUXELAS, BÉLGICA
CHAPPATTE, PARA NZZ AM
SONNTAG, ZURIQUE, SUÍÇA
Dor de cabeça
O primeiro-ministro
israelita Benjamin
Netanyahu ficou
à beira do abismo
com as manifestações
populares em defesa
da democracia no país
KICHKA, PARA
I24NEWS,TELAVIVE, ISRAEL
NIGÉRIA
Dançar à beira
do abismo
MAL FOI DECLARADO PRESIDENTE DA “MAIOR DEMOCRACIA
DE ÁFRICA”, BOLA TINUBU VIU A SUA VITÓRIA SER CONTESTADA PELOS DOIS
PRINCIPAIS RIVAIS. O PAÍS PARECE TER FICADO EM SUSPENSO
Em todo o caso, a mobilização a favor Resta ainda saber se os apoiantes de pessoas e os fluxos económicos. A taxa de
de Obi – por parte das classes trabalha- Obi transformarão a energia dos últimos inflação subiu aos 21% e encareceu o custo
doras, da esquerda e de uma multidão de seis meses num processo de mobilização de vida, endividando o país.
jovens – representa um compromisso para política de longo prazo. (Obi tem 60 anos; Tinubu pretende cortar os subsídios à
com a democracia e um desafio à ordem daqui a quatro, ainda será um jovem em energia, para aliviar as finanças públicas,
estabelecida. De ora em diante, será in- comparação com o Presidente eleito e com mas isso arrisca-se a agravar ainda mais a
teressante observar se Obi se manterá fiel o Presidente cessante, Muhammadu Bu- crise e a causar, potencialmente, protes-
ao Labour (ele já mudou de partido várias hari, que tem 80. A idade real de Tinubu tos populares (como já aconteceu muitas
vezes no passado – foi o “número dois” de é um mistério e tem sido alvo de muita vezes no passado, quando se reduziram
Atiku Abubakar na candidatura às presi- especulação na Nigéria. Ele diz que tem subvenções sociais, principalmente os que
denciais de 2019, na lista do PDP) e se dará 70 anos. Muitos nigerianos garantem que foram incentivados pelo movimento Oc-
prioridade, nos próximos quatro anos, à ele é, pelo menos, dez anos mais velho.) cupy Nigeria, em 2011).
mobilização dos jovens e dos sindicatos, Há um certo receio de que a fúria e a Vai ser necessário um trabalho mais
tendo em vista futuros atos eleitorais. frustração dos “Obidients” – os apoiantes sistemático para acabar com a corrup-
de Obi, a maior parte deles jovens – em ção. Tinubu não fez grande coisa enquanto
... relação ao processo eleitoral venham a dei- governador de Lagos, em matéria de luta
xar a juventude mais apática, a intensificar contra a fraude fiscal e combate à corrup-
Tinubu vai assumir a desconfiança face ao sistema e de que ção. O seu próprio historial em termos de
tudo isto resulte num maior desinteresse transparência e corrupção nos negócios
as rédeas do poder pela política. não é um bom exemplo para os nigerianos.
numa altura em que o Tinubu vai assumir as rédeas do poder Vamos assistir novamente a uma caça
país está mergulhado numa altura em que o país está mergulhado seletiva aos corruptos: alguns ficarão isen-
numa profunda crise social, económica e tos e os opositores estarão mais expostos.
numa profunda crise de segurança – um país que é também o A maioria dos nigerianos, cansados da
social, económica e de maior do continente africano em termos corrupção, concorda que, seja qual for a
de economia e de população [213,4 milhões ideologia, é preciso acabar com este flagelo.
segurança – um país que de habitantes – um em cada seis africanos é
é também o maior do nigeriano]. O que acontece na Nigéria tem Escapar ao precipício
continente africano em repercussões para lá das suas fronteiras. Há uma necessidade profunda de, e um
No curto prazo, há necessidade de en- potencial enorme para, revitalizar a eco-
termos de economia frentar um défice de tesouraria e a escassez nomia. A taxa de desemprego é de 33%
e de população de combustível que trava a mobilidade das (e é ainda mais alta entre os jovens) num
país com imensos recursos, naturais e hu- É preciso salientar que a Nigéria tem
manos. Durante o boom da exploração de sido gravemente afetada pelas alterações
petróleo, de 2000 a 2014, aumentaram o climáticas e está a ser devastada pela deser- A PUBLICAÇÃO
crescimento e os investimentos na Nigé- tificação no Norte, pelo aumento do nível Criado em 2009 pelo
ria, em particular na Lagos de Tinubu. No das águas do mar e por múltiplas e terríveis académico sul-africano Sean
entanto, o país não conseguiu recuperar inundações (que causaram centenas de Jacobs, Africa is a Country
da queda dos preços do crude em 2014, mortes e mais de um milhão de deslocados (África é um País) é um
nem está a saber aproveitar o atual au- internos no delta do Níger). Tinubu recusa site de notícias, opinião e
mento da procura e a subida dos preços adotar medidas de luta contra os efeitos análise sobre o continente.
dos hidrocarbonetos. das alterações climáticas, a menos que os O seu objetivo é desafiar os
Há ainda uma enorme necessidade de países ocidentais financiem essa política. estereótipos tradicionais que
diversificar a economia, dado que a Ni- Outra questão fundamental é a inse- prevalecem nos meios de
géria é extremamente dependente de um gurança: a violência, as insurreições e a comunicação social ocidentais
recurso natural cuja importância tende a criminalidade continuam a aumentar, e sobre os 54 países africanos.
diminuir na economia mundial, com uma são alimentadas pela crise social e por uma É uma plataforma que acolhe
indústria prejudicada pela corrupção, pela desconfiança profunda no Estado, nos seus muitos intelectuais africanos
criminalidade e por desastres ambientais representantes e nas suas instituições. e reivindica uma orientação
que alimentam profundas desigualdades Por fim, os leitores poderão interro- política de esquerda. Todo o seu
no país. gar-se se a eleição presidencial poderá conteúdo pode ser reproduzido
remediar, de uma maneira ou de outra, a ao abrigo da licença Creative
... crise nigeriana no seu conjunto. A maioria Commons. Jacobs, o fundador,
dos observadores (nigerianos ou amigos é autor do livro Media in
A Nigéria tem sido que se preocupam com o nosso país e o seu Postapartheid South Africa:
gravemente afetada pelas povo) acredita que, nesta fase, qualquer Postcolonial Politics in the age
mudança é bem-vinda. of Globalization.
alterações climáticas Não há uma solução miraculosa nem
e está a ser devastada uma solução a curto prazo. Além disso, a
Nigéria é um país de destinos espetaculares.
pela desertificação no Por vezes, subestimam-se as boas histórias
Norte, pelo aumento do e a política normal e informal do dia a dia.
nível das águas do mar e Recorde-se que muitas vezes se disse que a
Nigéria estava “à beira do abismo”, mas a
por múltiplas e terríveis realidade é que, à última da hora, sempre
inundações conseguiu afastar-se do precipício.
cubisMo
A VIDA E A OBRA DE UM DOS PAIS DA ARTE MODERNA
DI
ª E Ç ÃO
13
5,50€
JÁ A
À VEND
Preços válidos apenas para Portugal. Consulte todas as opções em loja.trustinnews.pt
Campanha válida até 31/12/2023, na versão impressa, salvo erro de digitação.
APROVEITE OS B EN EFÍCIOS FISC AIS E R ECU PER E PARTE DO IVA DA SUA A S S I NATU R A
O
aos 41% em 2022.
Servidores do Estado
A França não pode continuar assim. Che-
gou a hora de acabar com a V República, e
a sua presidência omnipotente – o que de
mais próximo há de um ditador eleito no
mundo industrializado –, e inaugurar uma
VI República, menos autocrática. Macron
bem poderá ser a pessoa certa para essa
missão.
A V República foi proclamada em 1958,
entre o caos da guerra da Argélia e receios
de um golpe de Estado militar. A Consti-
tuição foi redigida para, e em parte por,
Charles de Gaulle, o herói de 1,96 metros de
altura, “o homem providencial”, que per-
sonifica a velha França. De Gaulle aceitou
regressar ao poder se o país amordaçasse
os partidos e os deputados (detestava até o
Os manifestantes na Praça da República, de mínima de reforma dos 62 para os 64 próprio partido, Rassemblement du Peuple
em Paris, entoavam, curiosamente em anos, pois não conseguiu aprovar o seu Français/RPF – União do Povo Francês,
italiano, siamo tutti antifascisti – “somos plano na Assembleia Nacional [precisava dissolvido em 1955).
todos antifascistas”. Já em francês, ata- de uma maioria de 287 votos favoráveis e Foi assim que a Constituição criou um
cavam o principal inimigo, o Presidente: a coligação, que apoia o governo, só tem executivo forte, ainda que não centrado na
Nous, on est là, même si Macron ne veut 250 deputados]. pessoa do Presidente. O Artigo 49.3 permi-
pas, nous, on est là [Estamos aqui, mesmo Em Paris, depois de um inverno sal- te que o governo aprove leis sem votação
que Macron não queira; estamos aqui]. picado de greves ininterruptas, o metro- na Assembleia Nacional. Para aprovar a
Vigiavam-nos cordões de agentes politano revela-se um conceito teórico, reforma do sistema de pensões, Élisabeth
da polícia de choque (CRS, Compagnies enquanto, nos passeios, ratos vasculham Borne, a primeira-ministra de Emmanuel
Républicaines de Sécurité), que, de acor- as montanhas de lixo por recolher. Em Macron, teve de invocar aquele artigo – o
do com a tradição francesa, não faziam Paris, atingiu-se indiscutivelmente o clí- que fez pela décima primeira vez, em 10
qualquer esforço para se misturarem max no sábado, 18 de março, com uma meses no cargo.
na multidão e acalmar a situação, mas manifestação a favor dos ratos. “NÃO, A filosofia subjacente à V República
esperavam pelo momento de usar o seu os ratos não são responsáveis por todos tornou-se uma espécie de regra franco-
gás lacrimogéneo e os seus bastões. Os os males da França!”, proclamou a as- -confucionista promulgada por gente de
manifestantes também aguardavam por sociação organizadora, Paris Animaux primeira classe, oriunda de todos os estra-
esse momento. “ACAB”, exclamaram, Zoopolis. tos da população. O pai do primeiro-mi-
usando a abreviatura inglesa de All Cops A fúria dos franceses transcende as nistro, Pierre Mendès France [descendente
Are Bastards [“Todos os polícias são ca- pensões e a arrogância de Macron. Há de uma família judaico-portuguesa sefar-
brões”]. Na boca de um francês, ela soa uma raiva generalizada e duradoura con- dita, forçada a fugir depois do massacre
a “A-ca-buh!” tra o Estado e a figura que o personifica: de Lisboa de 1506], vendia roupa interior
Entretanto, alguém incendiou um o Presidente. A viver aqui há 20 anos, barata; o de Georges Pompidou foi pro-
contentor de lixo – uma imagem perfeita habituei-me à suspeita dos franceses de fessor numa cidadezinha; e o de François
para o Instagram –, e os que participavam que, independentemente de quem for o Mitterrand foi chefe da estação de com-
no protesto começaram a filmar. Sabiam eleito para a presidência, este é neces- boios de Angoulême. Tradicionalmente,
que, ao fazer isso, estavam a seguir uma sariamente um vilão imbecil, e o Estado, nas cimeiras do G7, o líder com o QI mais
gloriosa tradição parisiense, de 1789 em vez de ser a emanação do coletivo, é elevado e com mais conhecimentos fora
[Revolução Francesa] até 1968 [a crise o seu opressor. do campo político é o Presidente francês.
de Maio de 68], passando por 1944 [li- No entanto, a decisão de Macron Os tecnocratas da República foram,
bertação de Paris da ocupação nazi]. Os forçar a aprovação do novo sistema de gradualmente, alargando a sua autoridade
polícias avançaram e os manifestantes pensões, sem o submeter à votação no às aldeias mais isoladas. Quase tudo o que
começaram a atirar garrafas. Parlamento, aumenta o risco de os fran- se movimentava no maior país da Euro-
A França já estava em crise mesmo ceses imitarem os EUA, o Reino Unido e a pa Ocidental era administrado a partir de
antes da decisão unilateral de Emmanuel Itália e de elegerem Marine Le Pen para a uma área exígua de alguns quilómetros
Macron de, em março, aumentar a ida- presidência em 2027. O voto extremista quadrados em Paris.
Múltiplas vagas de “descentralização”,
desde 1982, nunca foram longe. O princípio
AUTOR DATA TRADUTORA orientador dos tecnocratas parisienses,
F Simon Kuper 24.03.2023 Maria Alves segundo o filósofo, escritor e político li-
beral Gaspard Koenig, é o estatismo ou
A elite e a colónia
Os tecnocratas franceses passaram a maior
parte das suas vidas profissionais num pu-
nhado de bairros localizados no Boulevard
Périphérique, um anel rodoviário [de 35
quilómetros] que se estende como um fosso
[em redor e sobre as antigas fortificações
de Paris, que marcavam as fronteiras da
cidade]. Eles tratam o resto da França
como uma colónia ou quase, povoada de
camponeses fedorentos, incapazes de as-
similar a cultura parisiense, ensinada na
escola, e que votam nos extremos, direita
ou esquerda.
Os fundamentos da vida nas províncias
escapam aos decisores. Quando Macron
decidiu acrescentar alguns cêntimos aos
impostos sobre os combustíveis, em 2018,
estava longe de imaginar que a sua de-
cisão iria desencadear o movimento de
sublevação nacional dos coletes amare-
los, que haveria de durar vários meses,
porque ele e os tecnocratas à sua volta
não faziam ideia do quanto as pessoas do
outro lado do Périphérique precisavam
dos seus carros.
Quando as coisas dão para o torto,
os franceses culpam os tecnocratas – e
principalmente o Presidente, que toma
decisões sem os consultar. A vida do ci-
dadão comum parece estar determinada,
até ao dia em que se reforma, por uma falsa
meritocracia parisiense da qual é excluí- QUANDO AS COISAS DÃO PARA O TORTO, OS FRANCESES
do desde o nascimento. Três quartos das
pessoas que afirmam pertencer às “classes CULPAM OS TECNOCRATAS – E PRINCIPALMENTE
trabalhadoras” queixam-se de ser objeto
de desprezo social e de falta de reconhe- O PRESIDENTE, QUE TOMA DECISÕES SEM
cimento, constata Luc Rouban, cientista
político em Sciences Po, uma universidade
OS CONSULTAR. A VIDA DO CIDADÃO COMUM PARECE
de elite em Paris. ESTAR DETERMINADA, ATÉ AO DIA EM QUE SE REFORMA,
Isto é particularmente irritante, dado
que o lema do país, espalhado nas facha- POR UMA FALSA MERITOCRACIA PARISIENSE, DA QUAL
das de todas as estações de correios e das
escolas primárias, é Liberdade, Igualdade, É EXCLUÍDO DESDE O NASCIMENTO
Fraternidade. A França não é o Reino Unido
ou os Estados Unidos da América, onde problema residisse na incapacidade de os o voto nunca gostaram dele nem achavam
é mais direto o poder da classe social e cidadãos entenderem a realidade. que, ao fazê-lo, estavam a apoiar o seu
do dinheiro. programa, que já continha a promessa de
Se o povo desconfia dos tecnocratas, os Macron, o sabe-tudo aumentar a idade da reforma. Só que, na
tecnocratas também desconfiam do povo, Emmanuel Macron tem sido alvo da ira segunda volta das presidenciais de 2017
diagnostica Chantal Jouanno, que acaba popular desde que foi eleito Chefe de e de 2022, a outra opção era Marine Le
de cumprir um mandato de cinco anos Estado, em 2017. Dizia-se que o Presi- Pen. Em França, o Chefe de Estado passou,
como diretora da Comissão Nacional para dente norte-americano George H. W. em 60 anos, de “homem providencial”
o Debate Público (CNDP). Os “decisores” Bush lembrava às mulheres os primeiros a “escolha que permite evitar o diabo”.
franceses descrevem muitas vezes a so- maridos. Macron lembra aos franceses o A breve passagem de Macron pelo
ciedade como “conflituosa, incontrolável, seu chefe: um sabe-tudo, muito culto, que Banco Rothschild & Co. gerou, inevita-
irreformável”, disse ao diário Le Monde. menospreza a sua equipa. Ele percebeu velmente, teorias de conspiração antis-
Talvez se estivesse aqui a referir à piada que a Hollande [de quem foi conselheiro semitas entre os que confundem o que é
de Macron sobre os “gauleses refratá- económico] faltava grandeza presidencial hoje um banco parisiense especializado em
rios”. [Numa entrevista à televisão, em e denominava-se “jupiteriano”. investimentos e o império pan-europeu do
22 de março], ele lamentou: “Ainda não A maior parte dos eleitores via em Ma- século XIX. Macron é muitas vezes acusado
conseguimos convencer [os franceses] da cron apenas um ex-banqueiro promissor de ser um “neoliberal” ou, pior, um “ul-
necessidade desta reforma.” Como se o disfarçado de rei. Muitos dos que lhe deram traliberal”: muito ocupado a desmantelar
PROTESTOS
claros – vindo principalmente da extrema-
-esquerda, mas também da extrema-direi-
Violência sem
ta e da fração brutal do movimento Gilets
Jaunes [Coletes Amarelos] de 2018-2019.
O problema agravou-se com o incon-
controlo
sistente comportamento das unidades da
polícia de choque francesa, que oscila en-
tre o profissionalismo estoico perante as
Num país onde até os motins costumavam ter regras, agressões ferinas de que são alvo e os seus
as imagens de manifestações de protesto cada vez mais ataques e detenções injustificados quando
truculentas e caóticas suscitam receios de que a cultura enfrentam multidões relativamente pací-
ficas.
do conflito está numa espiral Uma parte da classe política e dos mé-
The Local dia em França adota uma atitude estranha-
Paris mente ambígua – para não dizer hipócrita
– diante da violência terrível a que Paris e
outras cidades assistiram em 23 de março (e
A França tem um problema misso [rules of engagement, ferramentas no dia 29, em menor escala). A destruição de
EUROPA
Estes muros
que nos dividem
O financiamento de novas barreiras físicas nas fronteiras
externas da UE, para impedir a entrada de refugiados e migrantes
clandestinos, volta a azedar o debate sobre uma questão
que divide os Estados-membros
El País
Madrid
Letónia 2018
Dinamarca 2021
Irlanda 2017 Lituânia
Abreviaturas: Rússia 1999
Al. Albânia, Reino
Unido Países Bielorrússia
Be. Bélgica, 2021
B-H Bósnia e Herzegovina, 2015 Baixos Polónia
Cr. Croácia, Alemanha
Be.
Ko. Kosovo,
Lux. Luxemburgo, Lux. Rep.
MdN Macedónia do Norte, Ucrânia
Checa
Mo Montenegro Eslováquia
Mold. Moldávia França
Esl. Eslovénia Áustria Mold.
Suíça Hungria
2015
2015
Esl. Roménia
2015
Portugal 2015
Cr. B-H Sérvia
Mo Ko. Bulgária
Espanha Itália 2014
MdN
2012
Al. 2015
Grécia
1993
1996 1974
500 km Malta Chipre
FONTE: ELPAIS.COM
agora, esta fronteira era apenas delimita- e da colocação de arame farpado tem sido esse dinheiro poderia ser aplicado noutros
da por cercas de madeira, para impedir a um tabu. A diretiva europeia é ambígua e, projetos. Bruxelas considera muito mais
passagem de gado; depois da invasão da embora várias fontes da UE acreditem que eficaz investir em acordos com os países
Ucrânia, aumentou o número de russos não haveria obstáculos legais, a Comissão de onde são originários os migrantes para
que por ali tentam entrar, para fugir ao recusa-se a fazê-lo. que aceitem os seus cidadãos que entraram
recrutamento militar obrigatório. O muro A 9 de fevereiro, a presidente do exe- ilegalmente na UE.
de 200 quilómetros que começou a ser er- cutivo europeu, Ursula von der Leyen, Os que se opõem às barreiras físicas são
guido em março visa “travar a entrada em voltou a insistir na necessidade de uma inflexíveis: erguer muros é dispendioso, cria
massa de imigrantes russos”, confirmaram “abordagem integrada”, envolvendo a tensões, não impede os migrantes de virem
as autoridades em Helsínquia.] mobilização – e o reforço, se necessário – para a Europa e, pelo contrário, encoraja a
A União Europeia não hesita em investir da Frontex nas fronteiras europeias, assim criação de novas rotas, mais longas, mais
quantias desmedidas para conter os fluxos como o financiamento de infraestruturas caras e mais perigosas. E os únicos vence-
migratórios: para gerir as fronteiras de 2021 móveis e estáticas, torres equipadas com dores são as empresas que constroem os
até 2027, a Comissão disponibilizou 6,7 mil equipamentos de vigilância e veículos. A muros e os traficantes que os contornam.
milhões de euros. No entanto, até agora, Comissão fala de “infraestruturas”, mas A este respeito, diz Klaus Dodds, pro-
o financiamento da construção de muros não de “muros” ou “cercas”, considerando fessor de Geopolítica na Universidade Royal
estes inadmissíveis sempre que são mencio- Holloway, em Londres: “Muros e barreiras
nados, como se verificou durante o último raramente são eficazes. Agastam os migran-
... Conselho Europeu. tes e dão falsas esperanças aos habitantes
das localidades onde eles tentam entrar.”
A União Europeia pode Ferida que não cicatriza Os muros têm “uma dimensão sim-
ter sido fundada para Em todo o caso, os muros já dividem ideo- bólica excessiva”, acrescenta Dodds. “Se
logicamente a Europa. Ursula von der Leyen os governos querem dar a impressão de
suprimir fronteiras está, de facto, a desviar-se da linha da sua fazer alguma coisa, para as comunidades
internas, mas sempre família política, o Partido Popular Europeu que vivem num e noutro lado da fronteira,
(PPE), que gostaria de relançar o debate como acontece com os Estados Unidos e
reforçou as fronteiras sobre os muros. Mas a recusa da Comissão o México, isso é mais complicado, porque
externas. O nervosismo em atribuir fundos europeus à sua cons- famílias e habitantes têm laços nos dois
sobre a segurança trução também é uma posição pragmática, lados. O muro é como uma ferida que não
segundo algumas fontes na União Europeia. cicatriza.”
destas fronteiras surge Erigir muros ao longo de vários milha- O espanhol Gil Arias, que foi vice-dire-
regularmente res de quilómetros custará uma fortuna, e tor da Frontex, também se mostra cético:
UE
Áustria e pela Grécia, oito países – incluin- Sérvia, o que representou um aumento de
do a Dinamarca, a Eslováquia, a Estónia, a 136% em relação a 2021.
Letónia e a Lituânia (que ergueu a barreira “Não faz sentido a UE financiar drones,
de separação mais longa da Europa, 550
quilómetros, ao longo da sua fronteira com
tecnologia ou equipamentos de vigilância
e, ao mesmo tempo, recusar financiar os
A ilusão da
a Bielorrússia) – exigiram avanços “tangí-
veis” para reforçar as fronteiras comuns.
A Áustria requereu, nomeadamente,
meios para nos protegermos”, indignou-se
o primeiro-ministro grego, o conserva-
dor Kyriakos Mitsotakis. “É preciso uma
fortaleza
que a Comissão Europeia conceda dois mil
milhões de euros em fundos de emergência
reflexão a nível global. Os muros têm de
fazer parte do orçamento comunitário.”
europeia
para a reconstrução de uma barreira mais A Áustria “é um país que considera úteis Ao erigir muros e contratar guardas
as barreiras fronteiriças”, sublinhou, por costeiros, a União Europeia gasta
... seu turno, o chanceler, Karl Nehammer.
Este debate não vai ter um desfecho
quantias colossais para impedir
fácil. Para o professor Dodds, o risco de a chegada de migrantes ilegais.
Espanha alinha com a uma decisão sobre muros e vedações é de É um desperdício. Para este
posição da Comissão que estes “despertem ainda mais paixões” jornalista italiano, a chave
Europeia e reconhece enquanto continuam a adiar-se discussões é a integração
mais urgentes sobre como cuidar das po-
que os muros não pulações que, em vários pontos do mundo, Il Foglio (excertos)
Milão
resolvem o problema da são afetadas pela guerra, por catástrofes
naturais ou pelo aquecimento do planeta.
migração clandestina. Esta questão, que a União Europeia
Mas o discurso oficial deveria abordar no seu novo pacto sobre
de Madrid nem sempre migração e asilo, avança a passos muito
AUTOR DATA TRADUTORA
lentos, em grande medida devido à relu-
está em sintonia com tância daqueles que se sentem mais seguros
F David 10.03.2023 Maria Alves
Carretta
a realidade no terreno atrás de uma muralha.
N “Europa-fortaleza”, a União
Europeia e os seus Estados-
busca e salvamento no mar, e usa os que
restam o mínimo possível. As operações
muito pouco, se compararmos com quase
um milhão de pedidos de asilo registados
-membros estão a esquecer-se policiais desapareceram e as operações de na UE só em 2022.
de um dos elementos principais da ges- socorro são cada vez mais raras. Além dis- A abordagem “holística” promovida
tão de migrações: a integração. Durante so, não foi aberta nenhuma via legal para pela Comissão Europeia ignora a integra-
o Conselho (Justiça e Assuntos Internos), a imigração de refugiados (os náufragos ção. Esta é uma chave para gerir as mi-
realizado a 9 de março, repetiu-se a habitual em Steccato di Cutro eram na sua maioria grações. Desde 2015, na Alemanha, mais
hipocrisia a que se assiste desde o início afegãos). de dois milhões de pedidos de asilo foram
da crise dos refugiados de 2015-2016. O Sempre que a Europa fecha uma rota, apresentados por migrantes que ali che-
naufrágio em Steccato di Cutro [em que está a desviar migrantes para outras rotas. garam de forma clandestina. Após a sua
morreram, pelo menos, 92 das 180 pes- Quando o mar Egeu é menos acessível, há chegada, eles puderam aprender a língua
soas a bordo de uma barcaça de madeira o mar Jónico. Da Turquia, foram reabertas e a cultura [do país de acolhimento], ti-
proveniente da Turquia], a 26 de fevereiro, as rotas terrestres para a Grécia e a Bulgá- veram o direito de começar a trabalhar,
já tinha sido esquecido. ria, e as rotas marítimas para a República os seus filhos entraram na escola e, hoje,
E o novo pacto sobre migração e asilo do Chipre e Itália. Assim que a situação se contribuem para a prosperidade alemã.
também não avançou um passo. Mais uma complica na Líbia, o trânsito é feito pelo [A 2 de abril, Ryyan Alshebl, um refugiado
vez, a UE está empenhada em forçar repa- Egito e pela Tunísia. Se os migrantes não sírio que chegou à Alemanha em 2015, vindo
triamentos, em lutar contra os traficantes e passam por Marrocos, a alternativa é a rota da ilha grega de Lesbos, onde, aos 21 anos,
em impedir as partidas [de embarcações de procurou guarida para não ser recrutado
migrantes] através de uma série de medidas pelo regime para combater na guerra civil,
que já foram testadas no passado, em vão. ... foi eleito, com maioria absoluta, presiden-
É hipócrita prometer uma solução que te da câmara de Ostelsheim, no estado de
não existe – e só insistir em deportações em Os traficantes são Baden-Württemberg.]
massa, proibidas pelo Direito Internacional. mais rápidos do [Esta integração] é exatamente o que
Os ministros até podem alegar que estamos está a ser concedido aos quatro milhões
perante uma emergência, mas os números que os ministros da de refugiados ucranianos que receberam o
mostram outra realidade. Em 2022, é um Administração Interna, estatuto de “proteção temporária” [desde a
facto, a Frontex [agência que controla as invasão russa, em fevereiro de 2022]. A 8 de
fronteiras externas da UE] registou 330
e é uma quimera querer março, a própria Comissão elogiou o êxito
mil entradas clandestinas no continente erradicá-los, a não ser desta proteção temporária, que permite
europeu – um continente em plena crise que enviemos exércitos aos ucranianos trabalhar, estudar, ter uma
demográfica. casa e beneficiar de cuidados de saúde,
É igualmente verdade que a UE e a europeus para países sem terem de esperar anos e anos por uma
Comissão Europeia têm feito muito para terceiros resposta aos seus pedidos de asilo.
24 MAIO 2023 - N.º 327 CAROLINE VAN DER PLAS, DIRIGENTE DO BBB, NUMA ILUSTRAÇÃO DE SCHOT, HOLANDA
é bela demais para deixarmos que Bruxe- Estas linhas de fratura coincidem com di- A voz do mundo
las [União Europeia] e Haia ditem o modo visões geográficas e níveis de educação, em
como vivemos.” grande detrimento da democracia.
rural
Numa década, os Países Baixos evoluí- Nascido em novembro de 2019, o partido
Uma nação dividida ram para uma democracia da elite urbana BoerBurgerBeweging (BBB, Movimento
Não se trata apenas de um problema de e culta, cujos valores e gostos prevalecem Agricultor-Cidadão) assume que quer levar
energia e clima. O sistema político também sobre os valores e gostos de outros. De res- a voz do mundo rural para Haia. Foi fundado
está a passar por uma grande transição. A to, como regra geral, os holandeses com logo após as primeiras manifestações de
sociedade vive sob alta tensão e o sistema mais estudos situam-se economicamente agricultores contra as políticas ambientais do
tradicional de grandes partidos vacila. à direita e culturalmente à esquerda, en- governo holandês, em particular um plano para
Mudanças rápidas criam tensões perigo- quanto a maioria da população está um forçar a compra (e o eventual encerramento)
sas entre os que sairão como derrotados pouco mais à esquerda economicamente dum grande número de explorações
destas transições. E a pressão avassaladora (devido a um contrato social mais justo) e agropecuárias no país, com o objetivo de reduzir
que o governo exerce sobre a população é culturalmente mais conservadora. para metade as emissões de nitrogénio no solo
para responder às crises climática e mi- A vitória do BBB também deve ser en- e na água que, nos Países Baixos, excedem os
gratória está a gerar “stresse social”. Em carada sob este prisma. Penaliza o último limites impostos pela União Europeia.
particular, porque os efeitos das políticas governo de Rutte, que deu um lugar de Os “ruralistas” do BBB não se opõem apenas
sobre ambiente e migração irão afetar os destaque aos Democratas 66 (D66 [centro aos cortes nas emissões de nitrogénio, mas
diferentes segmentos da população de uma liberal, um dos quatro partidos da coligação também à proibição dos neonicotinoides,
forma desigual. no poder]). Este foi o sacrifício que o Parti- inseticidas que são quimicamente semelhantes
Os líderes holandeses, alheados da rea- do Popular para a Liberdade e Democracia à nicotina, com efeitos nocivos que afetam
lidade no terreno, decidem como os agri- (VVD, direita liberal) teve de fazer para que abelhas e aves. Eles contestam as propostas
cultores devem reduzir as suas emissões Rutte, o seu líder, se mantivesse no cargo de mitigação das alterações climáticas e
de nitrogénio. Soma-se a isso o facto de de primeiro-ministro. A verdade é que a insurgem-se contra a elite urbana do país,
Bruxelas exigir muito em termos de clima, aliança governamental de quatro partidos usando uma retórica eurocética semelhante à
mas permitir pouca margem de manobra no tem sido desastrosa para a confiança da de outros partidos conservadores e populistas.
que toca à imigração. [Em 2022, a imigração população nos seus dirigentes políticos. O BBB tinha apenas uma deputada a nível
fez aumentar para o dobro – 17,8 milhões nacional – a fundadora e líder, Caroline van der
(mais 227 mil) – o número de habitantes Uma elite presunçosa Plas, política e jornalista, eleita em 2021. No
face a 2021, segundo estatísticas oficiais.] No capítulo do clima, a cruzada do D66 em entanto, depois das eleições regionais de 15
Em tudo isto, as classes altas progres- fazer das emissões de nitrogénio o seu novo de março, o partido foi, surpreendentemente,
sistas gostam de assumir um papel de des- cavalo-de-batalha exacerbou as divisões o mais votado em todas as 12 províncias do
taque: veem o clima e a imigração como políticas e sociais no reino. Divide os Paí- reino, desse modo conquistando 15 lugares
campos de batalha moral, mas oferecem ses Baixos entre bons alunos e poluidores, no Senado. “Nunca pensei que isto pudesse
garantias mínimas quanto às consequências entre metrópoles e regiões, entre cidades acontecer”, exultou Van der Plas ao celebrar a
a longo prazo das políticas que defendem glamorosas e bairros carenciados, entre vitória com os apoiantes. “Chegou a hora de
para a economia e a coesão social. gente feliz e infeliz. nos levarem a sério.”
Vários estudos indicam que os Paí- O Partido Trabalhista (PvdA) e o Apelo
ses Baixos estão cada vez mais divididos. Democrata Cristão (CDA) devem sentir-
Divididos entre “pessoas satisfeitas, que -se muito envergonhados por se verem desde 2014 e apoia a causa da autonomia
possuem um capital social, económico assim catapultados para o campo da elite da Flandres, no contexto de uma “confe-
e cultural significativo”, e pessoas insa- presunçosa, que está totalmente desligada deração”], conseguiu suprimir a influência
tisfeitas, que dispõem de menos recursos da outra parte dos Países Baixos. da extrema-direita populista flamenga.
para encontrar o seu lugar num mundo em No dia seguinte às eleições, colocou-se Uma pesada responsabilidade está so-
rápida mudança. Divididos entre os que uma questão premente: o BBB vai construir bre os ombros das autoridades nos Países
acham que a nação está no caminho certo pontes entre o país dos satisfeitos e dos Baixos. Têm de enfrentar a crise do poder
e os que estão convencidos do contrário. insatisfeitos? A inesperada afluência às público: o abismo entre a política e o meio
urnas, de 58%, enviou um sinal positivo. rural, os efeitos perversos de uma socieda-
... Poderá augurar um regresso, mesmo que de da eficiência que se apoia em sistemas
cauteloso, da confiança do povo nos seus tecnocráticos e jurídicos em prejuízo das
Grandes setores quadros políticos: os eleitores que tinham pessoas e das comunidades. Uma imensa
da sociedade holandesa desistido estão de volta às assembleias de responsabilidade pesa também sobre os
já não se sentem voto. ombros da fundadora do BBB, Caroline van
As eleições de março também podem der Plas. É preciso que o seu partido seja
representados ou revelar-se cruciais: talvez com o BBB tenha mais do que um lobby do agronegócio e
respeitados pelos seus nascido finalmente o partido antissistema que se mantenha longe da franja obscura
indispensável para restabelecer o equilí- e conspiratória do protesto camponês.
líderes. Quanto menos brio na nossa democracia da elite urbana Vamos fazer figas para que este terra-
estudos universitários e culta, e para que os que se distanciaram moto de agricultores-cidadãos nos condu-
têm, mais se sentem da política por ela se interessem de novo. za à reconciliação e permita que os Países
De certa forma, o BBB é o irmão ho- Baixos voltem a ser um Estado organizado
esquecidos landês da Aliança Neoflamenga (N-VA) e justo. Mesmo que isso implique uma crise
e incompreendidos que, na Bélgica [onde governa Antuérpia governamental e o fim da era Rutte.
ALEMANHA
Os céticos da guerra
Mostram-se cautelosos, preocupados, indecisos. Muitos exprimem dúvidas quanto
à política ocidental de ajuda militar para que Kiev se defenda da invasão russa
Die Zeit (excertos)
Hamburgo
Assim que atendeu o telefone, regularmente nos Estados Unidos, onde preocupou os russos. [Em 1999, após a
Fonte de tormento
O que incomoda neste debate é que pode-
mos defender ambos os pontos de vista – a
favor ou contra a entrega de armas –, mas
ambos têm pontos fracos. “Ora, só nos in-
teressam os ângulos mortos nos discursos
daqueles que criticam [o fornecimento de
armamento]”, assinala Siekmeier. “La-
mento o facto de não haver, na Alemanha,
um debate sério sobre um plano B.”
Na preparação deste artigo, temos de
reconhecer, deparámo-nos com formas
curiosas de pensar. Como um professor
de shiatsu no estado de Hesse, que acha
possível pôr fim à guerra com a ajuda da
“pedagogia da paz”, da justiça social e de
uma carta endereçada a Putin. Bastou-
-nos lembrar-lhe que estava a dar um mau
exemplo aos seus próprios filhos para ele
mudar de ideias.
Também encontrámos um professor
de História que argumentou o seguinte:
não só termos a obrigação de ajudar a
Ucrânia, como também devemos garantir
que sabemos o que acontece às armas que
fornecemos. Disse ainda que o Ocidente
deve ter voz – e desde já – nas decisões
relativas ao fim da guerra. IANOMÂMIS
“A nossa política deve ter como missão
estancar o derramamento de sangue”, co-
mentou aquele professor. “Terminar uma
guerra sob certas condições, por exemplo,
Vítimas dos
pagando o preço de ceder determinados
territórios, não significa que isto seja imu-
militares
tável para sempre.” Muitos daqueles para
quem a entrega de armas é um problema
admitem não ter uma solução simples para
e de Bolsonaro
o fim do conflito. Para eles, esta guerra é O ex-Presidente de extrema-direita prosseguiu a mesma
uma verdadeira fonte de tormento. política que a ditadura: integração forçada ou extinção
Houve até quem mudasse de opinião.
Em 2022, Carola Wendt-Kettenburg, uma The Intercept Brasil
Rio de Janeiro
personal trainer, de 65 anos, residente em
Berlim, também ela, sim, signatária do
apelo de Schwarzer-Wagenknecht, estava É um facto: a tragédia dos ia- de Integração Nacional, com o objetivo de
convencida de que a Ucrânia precisava de
ajuda. “Devo dizer que fizemos bem em É nomâmis não é simplesmente
consequência da negligência
alargar as fronteiras internas do país, de
construir estradas e de criar novas cidades.
fornecer as armas. Quem teria pensado que do governo de Jair Bolsonaro. Isto passou pela perseguição, pela prisão,
os ucranianos poderiam lutar tão bem e Ela vem de muito mais longe, inclusive pela tortura e pelo assassinato de impor-
por tanto tempo? Isso só foi possível com de um velho projeto do exército brasi- tantes figuras ameríndias que defendiam as
o apoio de todo o mundo. E é ótimo o que leiro lançado logo no início da ditadura suas terras. Em 1972, o general Ismarth de
as pessoas fazem na Ucrânia.” militar. A Fundação Nacional dos Povos Araújo, presidente da Funai, declarou que
Agora, um ano depois, Carola Wend- Indígenas (Funai) foi criada três anos após “o índio integrado é aquele que se torna
t-Kettenburg está convencida de que os o golpe de Estado de 1964 por militares mão de obra”. Os ameríndios que se re-
ucranianos nunca serão capazes de derrotar guiados pelo lema da bandeira do Brasil, belaram contra este projeto pagaram com
a Rússia. Talvez consigam derrubar Putin, Ordem e Progresso. A política indigenis- as suas vidas. O capitão aposentado Jair
mas quem pode saber se ele os deixará em ta da ditadura pretendia trazer os povos Bolsonaro, deputado de notória preguiça,
paz? Putin, adianta, é imprevisível, san- indígenas para o “mundo civilizado”. Em fez muito contra os povos ameríndios, e
guinário, raivoso. “Apesar de tudo, eu 1970, o regime militar lança o Programa em particular os ianomâmis, durante o
recomendo: negoceiem com o inimigo.
Perguntem-lhe o que ele quer. Há centenas
de milhares de pessoas a morrer em com- AUTOR DATA TRADUTORA
bate. Há milhões de refugiados. Mortes. F João Filho 28.01.2023 Helena Araújo
Destruição. São muitos horrores.”
SURINAME
Legal [a região brasileira que une os nove
RORAIMA estados amazónicos] durante três anos.
Em nenhum momento o general propôs
que funcionários da Funai entrassem para
PARÁ o conselho: nomeou 19 soldados da sua
Território
Ianomâmi confiança.
AMAZONAS
Embora a função da instituição seja
Manaus ajudar as populações ameríndias da Ama-
Amazonas
zónia, Mourão e os seus oficiais afirmaram
não ter visto nenhuma catástrofe. Numa
COURRIER INTERNATIONAL
BRASIL entrevista à TV Globo, o porta-voz ia-
nomâmi, Dário Kopenawa, contou que
tinha falado pessoalmente com Mourão em
julho de 2020. A sua principal exigência
500 km era o desmantelamento de minas de ouro
ilegais localizadas em território índio. A
grande maioria desta atividade é reali-
homens, mulheres e crianças ianomâmis zada por empresas clandestinas ligadas
desnutridos, esqueléticos, com ossos sa- ao contrabando e ao crime organizado.
lientes sob a pele, são a prova do sucesso O general Mourão ouviu as exigências e
deste projeto. teve o cuidado de publicar uma foto sua
A desnutrição e a fome são as con- com Kopenawa – sem tomar, em momento
sequências diretas da ocupação das suas algum, qualquer medida.
terras pelos garimpeiros, os exploradores E não é só a reivindicação que não foi
ilegais do ouro. A extração de ouro na re- seguida. Os militares bolsonaristas tra-
gião impede os ianomâmis de realizarem balharam inclusive para legalizar a ga-
seu tempo nas bancadas da Assembleia as suas atividades básicas de produção. rimpagem nas terras ianomâmis. No final
[a partir de 1990]. Trabalhou incansa- É uma tragédia anunciada como jamais do mandato de Bolsonaro, o general de
velmente para a extinção deste povo. Em nenhuma outra foi. Durante os últimos reserva Augusto Heleno, que chefiou o
1992, lançou um projeto de lei que previa quatro anos, a disseminação da extração gabinete de segurança presidencial, au-
o desaparecimento da reserva ianomâmi, ilegal de ouro e a saúde dos povos ame- torizou precipitadamente a extração de
cujos limites tinham sido oficialmente ríndios têm sido questões importantes no ouro numa área adjacente ao território
estabelecidos no ano anterior. O projeto debate nacional. ianomâmi.
foi abandonado, mas Bolsonaro tentará Em 2020, a procuradoria-geral do Os militares não só autorizaram a mi-
reanimá-lo quatro vezes. Durante um Brasil (Ministério Público Federal, MPF) neração de ouro em terras indígenas, mas
dos seus discursos em plenário para de- lançou o primeiro alerta ao governo sobre também conspiraram com os garimpeiros.
fender a iniciativa, declarou: “A cavalaria a fome do povo ianomâmi no estado de Por exemplo, os membros do 7.º Batalhão
brasileira tem demonstrado uma grande Roraima [no extremo norte do país], di- de Infantaria Florestal tinham um grupo
incompetência. Ao contrário da cavalaria zendo que a Secretaria Especial de Saúde no WhatsApp com mineiros de ouro na
dos Estados Unidos, que dizimou os seus Indígena (Sesai) deveria providenciar a região ianomâmi para que estes pudessem
índios – e hoje este país não tem qualquer compra de alimentos para esta comuni- avisá-los das operações no terreno. E é
problema.” dade. Nada foi feito. Em vez disso, a Sesai apenas um dos muitos exemplos.
A presidência bolsonarista [janeiro de foi colocada ao serviço do antigo projeto A ministra dos Povos Indígenas [do
2019-janeiro de 2023] permitiu a conti- do regime militar. Militares sem qualquer Presidente de esquerda Lula da Silva],
nuação deste projeto militar. Tal como conhecimento sobre questões de saúde Sônia Guajajara, tem estado a trabalhar
sob a ditadura, o governo de Bolsonaro nas populações ameríndias foram então na desmilitarização da Funai. Até à data,
resumiu a sua política indigenista a uma colocados ao seu comando. 43 soldados que se opuseram à proteção
alternativa simples para o povo: integra- Postos e serviços-chave foram abo- da população ameríndia foram demitidos.
ção forçada ou extinção. As imagens de lidos. Mecanismos de controlo e partici- É apenas o início do longo processo de
pação, tais como os Conselhos Distritais reconstrução deste corpo. O Brasil deve
... de Saúde Indígena (Condisi) e o Conselho punir rápida e severamente os militares
Nacional de Política Indigenista (CNPI) e todos aqueles que participaram neste
desapareceram. A fome que está a dizi- projeto para eliminar os povos amerín-
O genocídio ianomâmi mar os ianomâmis é o resultado de uma dios, concebido durante a ditadura militar.
não foi simplesmente política planeada por parte do exército e Este é um crime contra a humanidade. O
devido à incompetência do governo de Bolsonaro. exército deve ser supervisionado de forma
a nunca mais relançar este projeto.
ou à negligência de um Crime contra a humanidade Deve ser dito sem ambiguidade: o ge-
determinado governo; A mão dos militares é evidente em todas nocídio ianomâmi não foi simplesmente
para os militares, foi as fases da tragédia que os ianomâmis es- devido à incompetência ou à negligência
tão a viver. O senador Hamilton Mourão, de um determinado governo; para os mi-
um verdadeiro e vasto vice-presidente de Bolsonaro, foi presi- litares, foi um verdadeiro e vasto projeto
projeto governamental dente do Conselho Nacional da Amazónia governamental.
CRIME
Para os seus críticos, e são mui-
A hondurenha Xiomara Castro, que fez a experimentar um crescimento econó- também na República Dominicana e no
campanha à esquerda e prometeu lutar con- mico lento e uma dívida externa colossal. Panamá, existem instituições do Estado de
tra os abusos da polícia no seu país, tomou De acordo com o Fundo Monetário Inter- direito bastante fortes que deverão refrear
Bukele como modelo e declarou estado de nacional, a dívida de El Salvador (que foi as tentações de Bukele. E, acima de tudo, a
emergência em 16 dos 18 departamentos das agravada por uma campanha antigangues resistência pode vir dos próprios cidadãos.
Honduras, apesar de ainda não ter havido e por medidas económicas populistas mui- Mas as ambições de Bukele na América
uma grande onda de detenções. to dispendiosas) atingirá 97,5% do PIB até Latina encontraram demasiadas ressonân-
E o salvadorenho está a espalhar ainda 2027. Mas se os cofres do Estado estiverem cias para serem simplesmente ignoradas. O
mais a sua influência. Em janeiro, o seu vi- vazios, é pouco provável que a polícia e os crime e a violência alimentam o desejo de
ce-presidente, Félix Ulloa, informou que militares continuem a patrulhar as ruas de políticas intransigentes ao estilo Bukele, e
funcionários do governo se tinham encon- El Salvador gratuitamente. quase toda a América Latina é flagelada por
trado com o primeiro-ministro haitiano, Outro obstáculo potencial é a grande crimes violentos. Desde os oásis pacíficos do
Ariel Henry, para estabelecer um escritório diversidade da América Central, que já Chile e do Equador até à violência crónica
em Porto Príncipe destinado a trabalhar frustrou muitas tentativas de integração. no Haiti, nas Honduras e na Colômbia, as
numa estratégia antigangues para o Haiti. A Guatemala e as Honduras, que têm elas populações descontentes têm visto dema-
As ideias e a retórica de Bukele conti- próprias territórios maiores, geografia mais siados planos de segurança convencionais
nuam a seduzir. Resta saber até que ponto contrastante e sociedades civis mais mobi- falharem. A abordagem dura contra o crime
elas podem ser traduzidas em políticas fora lizadas, podem ter dificuldade em copiar de Bukele só pode ser apelativa. Por todo
de El Salvador. Nem tudo funciona a seu a estratégia agressiva de policiamento de o continente, os seus homólogos estão a
favor. Em primeiro lugar, El Salvador está Bukele. Na Costa Rica, e provavelmente observar, e a tomar notas.
AINDA DEVEMOS
ENSINAR AS
NOSSAS CRIANÇAS
A ESQUIAR?
Com temperaturas-recorde no início deste ano
e estâncias de inverno a terem de recorrer cada vez
mais ao uso de canhões de neve, este diário bávaro
interroga-se sobre o futuro do esqui
SIM,
É UMA
EXPERIÊNCIA de aprendizagens elementares, sem as quais seríamos conside-
MÁGICA rados pouco instruídos na Europa. Se ainda respondemos pela
positiva a esta pergunta em 2023, é porque acreditamos que
Süddeutsche Zeitung não se deve ser sempre razoável em tudo, na vida. E porque
Munique
queremos viver uma experiência mágica com os nossos filhos.
É que o esqui é um desporto maravilhoso: está-se ao ar livre
o dia todo; aliás, idealmente, ao sol. Nele, juntam-se elegância
e rapidez de uma forma que não acontece na maioria das outras
modalidades. E, quando a neve cai vigorosamente, transformando
É
as encostas em pistas, o esqui torna-se também um desporto
É segunda-feira de manhã, segunda semana de janeiro, de Natureza – com vistas de cortar a respiração sobre vales co-
bem cedo, e estamos na zona este de Munique. O ter- bertos de neve e cumes pintados de branco, é um desporto que
mómetro marca 8 °C. Uma espécie de rajada outonal, se pratica em família, a partir do momento em que os miúdos
fria e húmida, abana os pompons dos barretes. O miniautocarro já não precisam de andar agarrados ao telesqui. Um desposto
Volkswagen cinza antracite da escola de esqui, que transporta dispendioso, se se quiser subir as pistas altas num grupo de
seis alunos do jardim de infância, está pronto a arrancar para oito pessoas, e fazê-lo sentado em telecadeiras aquecidas. Mas
uma estância de esqui… na Áustria. O motivo? Na Baviera, não pode ser mais acessível, se a família optar por uma estância mais
se avista um único floco de neve nas montanhas. pequena e menos cara. E ainda mais acessível será, claro, se se
Aprender a esquiar, comer pizza e batatas fritas e andar calçar esquis de fundo para ir lá acima. É evidente que podemos
de tapete rolante são as novidades que esperam esta pequena viver sem isto. Porém, seria uma pena recusar a oportunidade.
pessoa de 4 anos. O programa foi reservado logo após as férias A questão de saber qual é o futuro do esqui inclui-se num
de verão: no inverno anterior, ficou com uma inveja profunda debate maior, fundamental, política e socialmente, que de-
do irmão mais velho, que foi deslizar nas pistas com a ajuda correrá nos próximos anos e ao longo das próximas décadas.
do telesqui. Mas, hoje em dia, coloca-se a seguinte questão: O facto de que cada um terá de renunciar a certas coisas, que
com as alterações climáticas e a crise energética que vivemos, devemos mudar a nossa forma de agir se quisermos combater a
com glaciares a derreter e a utilização cada vez mais frequente crise climática, parece óbvio. Mas renunciar a quê, exatamente?
de neve artificial, será que ainda se justifica ensinar mais uma E quem é que decide isso? Somos nós, individualmente, dando
geração a esquiar? provas de um bom senso elementar, ou são os políticos, proi-
A verdade é que, se os pais deste pequeno “pompom” de 4 bindo, por exemplo, o motor térmico?
anos respondem a esta pergunta pela positiva, não o fazem por O esqui não é o principal responsável pelas alterações cli-
motivos razoáveis ou depois de muito refletir. Se ensinamos as máticas, é uma causa, entre outras. Trata-se de uma prática
crianças a nadar e a andar de bicicleta, é para que elas não se de lazer que está a passar de moda e que deixará de ser viável
afoguem e para que não tenhamos de lhes dar boleia de carro brevemente num número significativo de estâncias, porque,
para os treinos de futebol. Já o esqui não se inclui nesse leque com o termómetro nos 12 °C, nem os próprios canhões de neve
de Hubert Aiwanger [homem-forte da Baviera, que defende a
neve artificial] têm qualquer utilidade. Se algum dia chegarmos
AUTORA DATA TRADUTORA ao ponto em que não é possível esquiar nem na Baviera nem na
F Katharina Riehl 13.01.2023 Margarida Bak Gordon
Áustria, ou em que não somos autorizados a fazê-lo, os entu-
siastas da neve terão de se conformar.
NÃO,
a menor das preocupações da Humanidade, sobretudo porque
o esqui, ao contrário de outros desportos, como a natação (que
serve também para evitar afogamentos) e o ciclismo (forma de
mobilidade ecológica), não nos ajuda a progredir na vida, mas
cumpre apenas o objetivo de nos entreter.
É UMA ABERRAÇÃO Porém, quando se vive no Sul da Alemanha, no sopé das
montanhas, a tendência é olhar o assunto por um prisma di-
ECOLÓGICA ferente. Ali, atravessamos as pistas, com os esquis nos pés,
desde os 2 anos de idade. E, no dia em que cultivarem quivis na
Der Tagesspiegel Kampenwand [montanha bávara com 1 669 metros de altura],
Berlim
o jardim de infância irá organizar idas à neve, na Áustria, nas
estâncias mais altas. É a política do canhão de neve: quando
algo não está a funcionar, dá-se a volta para que volte a fun-
cionar. Pomos a economia local a funcionar “ligada à máquina”
e continuamos a esquiar, custe o que custar. Os exploradores
dos aparelhos mecânicos de elevação injetam milhões para que
a montanha seja cada vez mais alta e para fundir estâncias e,
FOTOS: GETTYIMAGES
Índia
O potencial
da imensa
população jovem
Saberá a Índia aproveitar o dinamismo da sua população
em idade de trabalhar? Para isso, terá de melhorar
os setores-chave da Educação e da Saúde
Scroll.in
Nova Deli
1,4 MIL
milhões de pessoas
É o número que terá atingido a população da Índia no dia 14 de abril, de acordo com as projeções das
Nações Unidas. A Índia ultrapassou assim a China, tornando-se o país mais populoso do mundo.
Um estatuto que ela pode, na verdade, reivindicar há algum tempo. De facto, o país não conta a sua
população desde 2011. Deveria ter havido um censo em 2021, mas foi adiado devido à pandemia
Covid-19. No entanto, esta contagem “é necessária, pois constitui a base de todos os planos e
programas que o governo quer implementar”, particularmente em termos de apoios sociais, recorda
THE INDIAN EXPRESS. Poderá haver até 100 milhões de pessoas atualmente excluídos do programa de
distribuição de alimentos do governo aos mais pobres, sendo os números da população utilizados
para calcular o número de beneficiários provenientes do censo de 2011.
DE EDUCAÇÃO E DE COMPETÊNCIAS,
E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE PRECISAM
DE SER RAPIDAMENTE MELHORADOS Ucrânia + Polónia
Rajastão
80 milhões
relacionados com a idade mais depressa
do que os do Norte. Por exemplo, Kerala
atingiu esta fase em 1998, enquanto não
se espera que o crescimento populacional
de Bihar estabilize até 2039.
Isto também significa que a melhor Turquia
altura para colher os benefícios do divi- Tailândia Madhya Pradesh
dendo demográfico varia de estado para Gujarat 85 milhões
estado. Por “dividendo demográfico” en- 70 milhões
tende-se capacidade de alcançar um bom
crescimento económico devido à presença
de uma elevada percentagem de pessoas
em idade ativa, mais elevada do que a de
Japão
pessoas em idade não ativa. Maharashtra
Deste ponto de vista, os estados do Sul Guiana
Dadra 125 milhões
estão à frente dos do Norte, explica Poonam e Nagar Haveli
e Damão e Diu
Malásia +
A grande ultrapassagem 0,8 milhões
Singapura
Telangana
38 milhões
Depois de anos com um crescimento quase paralelo, a Índia
suplantou a China – que entrou agora em declínio populacional
1,70
mil milhões Guiné Equatorial
Índia Goa Myanmar
1,6
1,43 2 milhões Andhra Pradesh
mil milhões 54 milhões
1,4
1,53 Reino Unido
1,2 mil milhões Karnataka
70 milhões
1,0 1,16
mil milhões
China
800
600
766,67
330 milhões Alemanha
400 milhões Tamil Nadu
Ilhas Caimão 84 milhões
200 Laquedivas
200,73 0,1 milhões Arábia Saudita
0 milhões
Kerala
1800 1850 1900 1950 2000 2023 2050 2064 2100 35 milhões
FONTE Our World in Data MT/VISÃO
42
Há falta de bons empregos Algumas figuras da oposição ridiculari-
para os mais jovens, na Índia zaram a iniciativa. O presidente do partido Não há mulheres
FOTO GETTYIMAGES do Congresso, Mallikarjun Kharge, disse suficientes
que as medidas eram “muito insuficientes”. “A Índia está a enfrentar um declínio
Outro político afirmou que esta feira de em-
Desemprego, raiva e medo prego foi “uma piada cruel para os jovens
espantoso na participação das
O país tem uma população jovem que, em desempregados”. Rahul Gandhi, herdeiro mulheres no mercado de trabalho”,
2023, ultrapassa a China como a maior da família fundadora do partido do Con- adverte o MONEYCONTROL. O site indiano
do mundo. Um número crescente de gresso, sublinhou a sua intenção de criticar de notícias de negócios indica que as
empresas procura reduzir a sua depen- o primeiro-ministro quanto à questão do mulheres representavam apenas 19%
dência dos fornecedores e consumidores desemprego durante a campanha eleitoral,
da força de trabalho, em 2021, face
chineses, tanto em termos de cadeias de quando o mais provável é que Modi ganhe
abastecimento como de vendas. Na Índia, um terceiro mandato. aos mais de 40% no início dos anos
tanto o governo central como os governos “O verdadeiro problema é o desemprego, 90. Milhões de mulheres desistiram
estaduais, como o de Karnataka, do qual e é isso que está a causar muita raiva e medo”, de trabalhar, nas últimas décadas, e a
Bangalore é a capital, estão a gastar mi- disse Rahul Gandhi numa entrevista com o Índia tem uma das mais baixas taxas
lhares de milhões de dólares para atrair think-tank londrino Chatham House, em de participação feminina no mercado
investidores em indústrias como a ele- fevereiro. “Não acho que um país como a
trónica e a produção de baterias de última Índia possa empregar toda a sua população
laboral do mundo. As razões incluem
geração no âmbito da campanha Made in no setor dos serviços.” a segurança no local de trabalho, a
India, liderada pelo governo Modi. Ashoka Mody, economista indiano da discriminação e o sexismo.
Recentemente, as autoridades tam- Universidade de Princeton, nos Estados À medida que os rendimentos
bém flexibilizaram o direito laboral para Unidos da América, refere o termo time- domésticos aumentam, as mulheres
o tornar mais semelhante aos regulamen- pass, que em inglês da Índia significa “matar
abandonam o mercado de trabalho
tos chineses, na sequência de pressões de tempo de uma forma não produtiva”, para
empresas, como a Apple e o seu subcon- explicar outro fenómeno que está a dificultar como sinal de prosperidade. “A
Índia não pode dar-se ao luxo de
A INDÚSTRIA EMPREGA SÓ PERTO DE 35 MILHÕES deixar as mulheres educadas fora do
mercado de trabalho”, adverte um
DE PESSOAS, E AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO artigo de opinião, publicado no The
APENAS DOIS MILHÕES, NUMA POPULAÇÃO ATIVA INDIAN EXPRESS. Os três académicos
que assinaram o texto apelam a uma
DE CERCA DE 410 MILHÕES NA ECONOMIA FORMAL mudança nas normas e atitudes
masculinas. De acordo com as suas
tratante Foxconn, que planeia fabricar o mercado de trabalho: o subemprego de pesquisas num site de encontros,
iPhones no estado de Karnataka, no Su- pessoas em trabalhos que não se encaixam
os homens preferem uma mulher
doeste do país. no seu perfil. “Há centenas de milhões de
Acresce ainda que a produção indus- jovens indianos que estão a ‘matar tempo’ que fique em casa, e no “mercado
trial indiana está a crescer mais lentamente no trabalho”, diz Ashoka Mody, autor do matrimonial” as mulheres
do que outros setores, por isso é pouco ensaio India Is Broken (Stanford University
provável que se torne um grande cria- Press, 2023), no qual critica as políticas
dor de emprego a curto prazo. A indústria económicas dos governos indianos desde
emprega apenas cerca de 35 milhões de
pessoas, e as tecnologias de informação
apenas dois milhões, numa população ati-
a independência. “Muitos deles estão nesta
situação, apesar de terem vários diplomas
e frequentado várias universidades.”
3,470 mil
va de cerca de 410 milhões na economia Dildar Sekh, de 21 anos, mudou-se de milhões de
formal, de acordo com o último inquérito Calcutá para Bangalore, depois de completar
do CMIE, que abrange os dois primeiros um curso informático no Secundário. Após
dólares
meses de 2023. não conseguir assegurar um dos poucos
Segundo um alto-funcionário de Kar- empregos do governo, acabou a trabalhar É o PIB da Índia em 2022, com um
nataka, jovens extremamente qualificados no aeroporto de Bangalore, para um su- crescimento de 6,8%, de acordo
e instruídos estão a candidatar-se a agentes bempreiteiro que ajuda os passageiros em com o FMI. Este indicador parece ter
da polícia. cadeira de rodas. O emprego dá-lhe 13 mil
explodido desde o início dos anos 2000,
O governo de Narendra Modi parece rupias por mês (€145).
estar consciente do assunto. Em outubro “O trabalho é bom, mas o salário não”, posicionando a Índia como a quinta
de 2022, o primeiro-ministro presidiu a diz Dildar Sekh, que sonha em poupar di- maior economia do mundo. O país
uma campanha de recrutamento, durante nheiro suficiente para comprar um iPhone parece ainda estar muito atrás da China
a qual entregou cartas de recomendação e oferecer aos pais um voo de helicóptero. (classificada em segundo no ranking) e
a 75 mil jovens, para mostrar que o seu “Não há um bom emprego para uma pessoa dos seus 18,320 mil milhões de dólares
governo estava seriamente empenhado jovem. As pessoas com dinheiro e uma rede
em criar empregos e em “dar à juventude de contactos conseguem ter bons empre-
do PIB em 2022, de acordo com o FMI.
da Índia competências essenciais para um gos; os outros têm de continuar na labuta O crescimento da China foi apenas de
futuro melhor”. até morrer.” 3,2% em 2022.
A próxima fábrica
Os negócios do mundo?
O primeiro-ministro indiano, Narendra
em primeiro lugar Modi, repete-o até à exaustão: a
Índia tem todos os trunfos para se
tornar o novo centro de produção do
A estratégia económica da Índia é baseada em democracia, mundo. As autoridades querem atrair
demografia e desenvolvimento. O país quer atrair investimento investimento estrangeiro a todo o custo,
ocidental e, tanto para o governo como para os investidores nomeadamente através de uma série
estrangeiros, a procura é o mais importante... muito à frente de programas de incentivo em setores-
da democracia chave, como o dos semicondutores.
Foxconn prevê, assim, a criação de
The Hindu
Madras duas fábricas no Sul do país, revelou THE
ECONOMIC TIMES, a 9 de março. O gigante
taiwanês já ali fabrica iPhones e monta
No mesmo dia em que a Air partidos da oposição [depois de ter sido telefones Xiaomi.
N India (do grupo Tata) anunciou
uma encomenda de 470 aviões
exibido um documentário sobre o papel
de Modi nos motins de Gujarat, em 2002].
Os Estados Unidos da América e a Índia
assinaram igualmente um memorando
aos construtores aeronáuticos Modi encontrou-se em videocon-
de entendimento, no dia 10 de março, para
Boeing e Airbus, o fisco indiano chegou ferência com Emmanuel Macron, e Joe
aos escritórios da BBC [em Nova Deli e Biden felicitou-o ao telefone pelo negócio
coordenarem a sua estratégia em matéria
Bombaim]. Quando o primeiro-ministro da Boeing. Entretanto, o primeiro-mi- de semicondutores. Os dois países
Narendra Modi falou do reforço das par- nistro britânico, Rishi Sunak, cujo país “procuram colaborar nas políticas de
cerias estratégicas com os Estados Unidos é um dos beneficiários do contrato com semicondutores”, por forma a enfrentar
da América e a França, os funcionários a Airbus (Rolls-Royce fará os motores), os desafios da cadeia de fornecimento
do BJP [Partido Bharatiya Janata, partido publicou um tweet entusiástico. Tudo isto e “reduzir a dependência em relação à
nacionalista hindu do governo de Narendra diz muito sobre o papel que a Índia pre- China”, sublinha, por sua vez, o Mint.
Modi], incluindo os ministros da União tende desempenhar perante o Ocidente, A Índia continua a ser um pequeno
[indiana], acusaram a televisão britânica um papel definido na “doutrina estratégica ator no mercado dos semicondutores,
de atividades anti-Índia com o apoio dos do hindutva” [a forma predominante de mas o país está a emergir como um
centro mundial de produção eletrónica,
impulsionado pelas estratégias de
AUTOR DATA TRADUTORA
F Varghese K. 15.02.2023 Helena Araújo gigantes como a Apple e a Dell, que estão
George a estabelecer-se no país.
A ÍNDIA DEPENDE DA TECNOLOGIA E DO INVESTIMENTO que leva a cabo ações anti-Índia. De facto,
OCIDENTAIS, AO MESMO TEMPO QUE RESISTE as democracias ocidentais não são estra-
nhas a esta lógica: os Estados Unidos da
ÀS IMPOSIÇÕES OCIDENTAIS SOBRE QUESTÕES América e a União Europeia impuseram
uma série de restrições aos media russos
DE POLÍTICA INTERNA pelos mesmos motivos.
Quando questionado pelos norte-a-
termos de dólares), e a segunda melhor Negócio à frente da democracia mericanos sobre a violência policial contra
em volume. Macron apresentou Modi como um amigo, os agricultores que protestavam em Nova
“Esta compra resultará em mais de 1 e ambos saudaram a “parceria estratégi- Deli, em janeiro de 2021, o governo Modi
milhão de empregos norte-americanos ca” entre os dois países. A atratividade lembrou-os do assalto ao Capitólio. De
em 44 estados, muitos dos quais não exi- do mercado indiano, sustentada na sua facto, a retórica de um confronto global
girão os quatro anos de faculdade”, disse demografia, parece mais importante do entre democracias e autocracias está re-
o Presidente Joe Biden em comunicado. que o primeiro D, a democracia. pleta de contradições, e a agitação nos
“Este contrato é uma prova da força dos Embora o governo britânico não te- países democráticos é significativa, pelo
laços económicos entre os nossos dois nha feito, até ao momento, qualquer co- que o Ocidente não pode reivindicar su-
países”, acrescentou. “Estou ansioso por mentário sobre a busca nas instalações perioridade nesta matéria.
levar a nossa parceria económica com o da BBC pelas autoridades fiscais indianas, A doutrina estratégica do hindutva
primeiro-ministro Modi ainda mais lon- o porta-voz do Departamento de Estado quer pôr o Ocidente ao serviço das suas
ge e enfrentar os desafios globais que se norte-americano, Ned Price, recusou-se a ambições nacionalistas. Como resulta-
avizinham.” comentar, reiterando apenas a importân- do, a Índia depende da tecnologia e do
De acordo com Sunak, esta encomenda cia da liberdade dos media numa demo- investimento ocidentais, ao mesmo tem-
de aviões irá criar “empregos mais bem cracia. Interrogado sobre se estas medidas po que resiste às imposições ocidentais
pagos e novas oportunidades nos nossos se opunham aos valores democráticos, sobre questões de política interna. Além
polos industriais, desde Derby [onde a Price disse: “Sabemos que estas buscas disso, quando confrontados com uma es-
Rolls-Royce está sediada] até ao País de ocorreram, mas eu não estou em posição colha entre uma oportunidade de negócio
Gales”, o que ajudará “a crescer a eco- de fazer uma avaliação.” concreta e um objetivo moral abstrato,
nomia e a defender melhor a política” do BJP defende que a BBC não é uma Im- os ocidentais nunca hesitam: primeiro a
Reino Unido. prensa livre, mas um agente estrangeiro economia.
A ‘voz’ de modi
Uma democracia “S. Jaishankar, a voz da política externa na-
cionalista hindu de Modi”, titula THE CARAVAN,
Negócio
Sem TikTok, a Índia Manifestação de apoio a Rahul
vira-se para outras Gandhi, líder da oposição,
expulso do Parlamento
aplicações FOTO GETTYIMAGES
Desde que a Índia proibiu a aplicação chinesa,
os criadores voltaram-se para o Instagram
Reels e para o YouTube Shorts, bem como
para uma multiplicidade de novas plataformas
feitas na Índia. Em 30 de junho de 2020, em
Haiderabade, em apoio à proibição indiana do
TikTok, membros de uma organização juvenil
queimaram cartazes com o logótipo da aplica-
ção chinesa. Nesta altura, milhões de utiliza-
dores ficaram órfãos. A aplicação chinesa tinha
vindo a crescer a uma velocidade vertiginosa.
“O TikTok foi banido a 29 de junho de 2020,
por razões de segurança nacional”, recorda o
INDIA TODAY. Após um confronto mortal entre
os exércitos chinês e indiano, ao longo da sua
disputada fronteira em Ladhak, a Índia baniu
cerca de 200 aplicações chinesas.
O TikTok era uma fonte de entretenimento, mas
também uma fonte de rendimento para muitos
indianos, que se tornaram celebridades na pla-
taforma de partilha de vídeos. Qual o segredo
do sucesso da aplicação ByteDance na Índia?
Estava disponível em 15 línguas regionais,
tornando-a amplamente acessível neste país OS LÍDERES DA OPOSIÇÃO NA ÍNDIA TÊM ENFRENTADO
com mais de 1,3 mil milhões de pessoas.
A proibição reduziu a cinzas meses de tra- CADA VEZ MAIS DIFICULDADES LEGAIS. DOIS LÍDERES
balho para criadores de conteúdos como o
Geet. “Num estalar de dedos, perdeu cerca DO PARTIDO AAM AADMI, OUTRO IMPORTANTE
de 8 milhões de assinantes”, diz o INDIA TODAY. GRUPO DE OPOSIÇÃO, ESTÃO A SER INVESTIGADOS
Durante a noite, cerca de 200 milhões de
utilizadores perderam o acesso às suas contas, PELA DIREÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DO GOVERNO,
adiantou o BUSINESS STANDARD. QUE INVESTIGA CRIMES ECONÓMICOS
Mas a proibição beneficiou outros, a come-
çar pela Meta, que estava prestes a lançar o
ser visto, por outros líderes da oposição, É possível que o tratamento duro dado
Instagram Reels e o YouTube Shorts. Muito como um aviso para não serem muito a Gandhi saia pela culatra. A sua expulsão
rapidamente surgiram aplicações feitas na diretos nas críticas a Modi e ao BJP. Esta do Parlamento foi condenada por outros
Índia, tais como Josh, Moj e Chingari, que violência pode ser considerada gratuita, líderes da oposição nacional, numa rara
estão entre as dez mais usadas no país. Estas tendo em conta a fraca a ameaça que, até demonstração de solidariedade. No en-
últimas conseguiram angariar grandes somas ao momento, Gandhi tem sido para Modi. tanto, o príncipe Gandhi é uma vítima
de dinheiro. Por exemplo, a VerSe Innovation, O Partido do Congresso foi derrotado pelo improvável. Até agora, os ativistas do seu
que é proprietária do Josh, angariou mais de BJP, nas duas últimas eleições gerais, e partido não conseguiram reunir protestos
805 milhões de dólares no ano passado, relata mostra poucos sinais de renascimento. na rua em seu nome, e os líderes dos maio-
o Business Standard. “A Mohalla Tech, que O governo também não se esforçou por res partidos regionais, os adversários mais
gere a Moj [...] e a ShareChat, angariou 266 desmentir as exigências de Gandhi para sérios de Modi, mostram pouca vontade
milhões de dólares de um consórcio liderado que se abrisse uma investigação sobre o de trabalhar com ele.
pela Google. Estas três plataformas já atraíram envolvimento de Modi na saga de Adani. O mais provável é que o longo processo
Mesmo assim, sugere Milan Vaishnav, do legal que Gandhi terá de enfrentar bene-
400 milhões de utilizadores”, continua o diário
Carnegie Endowment for International ficie o governo do BJP. O seu caso conti-
empresarial indiano.
Peace, um think-tank em Washington, nuará a dominar as manchetes, tornando
Enquanto os norte-americanos refletem as alfinetadas de Gandhi foram longe de- difícil para o Congresso ou qualquer outro
quanto a uma proibição total e estão preo- mais para os membros seniores do BJP se partido de oposição sustentar um ataque
cupados com as consequências económicas conterem: “Uma razão do seu sucesso é sério ao seu líder histórico. A única vítima
e políticas, a experiência indiana pode servir que, para eles, nenhuma ameaça é pe- indiscutível nesta lamentável farsa será a
como uma lição, diz a REST OF WORLD. quena demais.” democracia da Índia.
Índia em movimento
Pequenos retratos atuais de um país imenso
e sempre em transformação
Legenda
FOTO GETTYIMAGES
NEGÓCIO DE PURIFICADORES
EM CRESCIMENTO
Com o Estado a não conseguir encontrar uma solução para
o flagelo da poluição do ar, a necessidade de purificadores
de ar está a crescer, e o seu elevado custo está a gerar novas
desigualdades, adverte a WIRED.
Os meses de inverno são sempre agitados para Revathy K.,
pneumologista de Bombaim (Mumbai), neste ano ainda mais
do que o habitual, revela a WIRED. Entre novembro e janeiro,
os médicos em Mumbai verificaram um aumento na tosse
crónica persistente e sintomas semelhantes aos da bronquite
aguda. “A poluição do ar na Índia é um desastre contínuo, que AVIAÇÃO
não mostra sinais de melhoria”, adverte a revista.
“Em novembro, uma súbita queda na temperatura do AIR INDIA FAZ HISTÓRIA
oceano abrandou os ventos que normalmente sopram o A companhia aérea indiana pela Casa Branca, enquanto
pó da construção, detritos e gases de escape para fora da assinou contratos com a o acordo com a Airbus foi
cidade”, explica a WIRED. A icónica ponte marítima Bandra- Boeing e com a Airbus para revelado pelo primeiro-mi-
Worli, que atravessa o mar Arábico e liga o centro da cidade a entrega de 470 aeronaves, nistro indiano Narendra
aos subúrbios do Norte, chegou mesmo a desaparecer por um recorde na História Modi e pelo Presidente
detrás de uma densa névoa de poluição. da aviação comercial. O francês Emmanuel Ma-
Um relatório de 2022 do Centre for Research on Energy fabricante de aeronaves, cron” numa conferência
and Clean Air descobriu que praticamente toda a população privatizado no ano passado de Imprensa. Um sinal da
indiana estava exposta à poluição do ar acima das diretrizes e propriedade do conglo- importância estratégica
estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. Em 2019, merado Tata, aposta no destes contratos.
a poluição do ar matou cerca de 1,6 milhões de indianos. crescimento expressivo do Esta operação “faz parte da
“Como as tentativas de resolver o problema falham, um novo transporte aéreo no país. remodelação da Air India,
tipo de desigualdade está a instalar-se nas cidades indianas”, A Air India acaba de a transportadora privatiza-
continua a WIRED. Os indianos mais ricos estão a pagar para anunciar “o maior contrato da no ano passado”, nota
respirar livremente, criando um mercado para purificadores para companhias aéreas da FINANCIAL TIMES. Em 2022, a
de ar – já em expansão – que deverá crescer 35%, atingindo História”, de acordo com Tata Sons tinha “comprado
cerca de 5 555 milhões de euros até 2027. Num país já THE WALL STREET JOURNAL. A a Air India ao governo”,
muito desigual, respirar ar puro está a tornar-se um luxo que companhia indiana está recuperando a empresa que
apenas uma fração da população pode pagar. a comprar 470 aviões da o conglomerado familiar
“Estamos a normalizar um mundo que não valoriza a Airbus e da Boeing, 250 ao tinha vendido quando foi
Natureza e os direitos naturais: necessidades básicas como fabricante europeu e 220 ao nacionalizada em 1953. “A
água limpa, ar limpo e não poluído, e espaço para andar a norte-americano. Tata prometeu modernizar
pé fazem parte das políticas de planeamento urbano”, diz Esta encomenda ex- a outrora glamorosa trans-
Suryakant Waghmore, professor de Sociologia no Instituto traordinária, avaliada por portadora”, explica o diário
Indiano de Tecnologia em Mumbai, citado pela WIRED. Além especialistas em 85 biliões de negócios britânico.
disso, ele acredita que as pessoas mais ricas podem respirar de dólares (€79 biliões), O diretor comercial da
melhor o ar graças aos purificadores, enquanto o resto da destina-se “a fornecer mais Airbus, Christian Scherer,
população é deixada à sua sorte. aviões para servir a Índia, disse que era “a primeira
Os purificadores mais baratos custam cerca de seis mil que se espera vir a tornar- vez que o A350 sobrevoava
rupias indianas (cerca de 68 euros), enquanto 60% da -se o mercado de aviação a Índia”, um país que está
população da Índia vive abaixo da linha média de pobreza, de mais rápido crescimento “à beira de uma revolução
segundo o Banco Mundial, de 3,10 dólares (€2,88) por dia. do mundo”, salienta o diário do transporte aéreo
norte-americano. internacional”. Por sua
O contrato com a Boeing, vez, a Boeing espera que
no valor de 45,9 mil mi- a Índia se torne “o terceiro
lhões de dólares (€43 mil maior mercado de aviação,
milhões) de acordo com a atrás dos Estados Unidos
lista de preços do fabrican- da América e da China”,
te, foi “anunciado primeiro dentro de dez anos.
assentou na qualidade dos ativos (todas dores criticaram o banco de São Francisco mitaram os seus stress-tests [“testes de
aquelas hipotecas duvidosas e pilhas ver- por ter estado sete meses sem um diretor esforço”, para avaliar o capital interno
tiginosas de produtos derivados apoiados de gestão de risco, mas ter encontrado e a liquidez] a bancos com mais de 250
por tão poucos capitais), desta vez, o foco tempo para divulgar os seus resultados em mil milhões de dólares [cerca de 230 mil
está na liquidez. questões como as comunidades LGBTQI milhões de euros] de ativos.
Em teoria, o Silicon Valley Bank (SVB), ou o ambiente, designadamente a pro- Assim, bancos como SVB (com um ca-
que foi encerrado a 10 de março, e o Credit messa de investir cinco mil milhões de pital de pouco mais de 200 mil milhões
Suisse, resgatado pelo grupo UBS [no dia dólares [mais de 4 500 milhões de euros] de dólares/183 mil milhões de euros) não
9, por mais de três mil milhões de euros, na sustentabilidade até 2027. Sem dúvi- foram obrigados a respeitar o mesmo ín-
para evitar uma bancarrota], tinham um da que os seus banqueiros poderiam ter dice de liquidez, graças a uma novidade
património relativamente elevado para encontrado alguns minutos para vigiar que entrou em vigor durante a presidência
cobrir as suas eventuais dívidas. Mas não o mercado obrigacionista. de Donald Trump, sob pressão de vários
tinham dinheiro suficiente para respon- Os principais alvos são, porém, os CEO, incluindo o do SVB. E descobrimos
der a longas filas de depositantes que, de bancos centrais, acusados de manter as agora que o SVB era também too big to
repente, iriam exigir o seu dinheiro de taxas de juro baixas por muito tempo, para fail [demasiado grande para falir].
volta. Se é certo que tudo aconteceu nos depois as aumentar depressa demais. Sim, O principal ajuste terá de ser uma mu-
ecrãs dos computadores, essas corridas eles mantiveram as taxas muito baixas dança de mentalidade. Provavelmente,
dos clientes seriam semelhantes às da durante muito tempo. O dinheiro barato as recentes decisões dos reguladores não
época das filas de espera junto aos bal- criou bolhas e encorajou os bancos a correr teriam agradado a Adam Smith, mas te-
cões dos bancos.
Pôr toda a culpa numa súbita falta de
liquidez isenta o SVB e o Credit Suisse de DESTA VEZ, A RESTRUTURAÇÃO DAS FINANÇAS PARECE
qualquer responsabilidade. Mas os depo-
sitantes só querem apressar a recupera- ASSENTAR MENOS NUM CONJUNTO DE REGRAS E MAIS
ção do seu dinheiro e não confiam nos NUMA MUDANÇA DE MENTALIDADE POLÍTICA: A ACEITAÇÃO
banqueiros. E, nesta matéria, o SVB e o
Credit Suisse erraram em vários aspetos. DE UMA FORMA MERCANTIL DE FINANCIAMENTO QUE ADAM
No início das nossas carreiras no jor-
nalismo, o Credit Suisse era sinónimo de SMITH TERIA ODIADO, MAS QUE ESTÁ EM PERFEITA SINTONIA
uma extraordinária integridade bancária.
Quando o presidente (era sempre um ho-
COM AS POLÍTICAS ESTATISTAS DA ATUAL GEOPOLÍTICA
mem) do principal banco suíço discursava
num congresso financeiro, ele limpava a atrás de rendimentos questionáveis. E, riam feito sorrir o francês Jean-Baptiste
sala. Mas a virtude cardeal do tédio foi-se sim, se o Fed não se tivesse apressado a Colbert, ministro das Finanças do rei Luís
perdendo. Desde o início do século XXI, o aumentar as taxas tão rapidamente, os XIV e pai do intervencionismo. Está de
Credit Suisse foi prejudicado por uma série imbecis do SVB continuariam a colecionar regresso a ideia de que as finanças são um
de casos embaraçosos, apresentados pela troféus bancários e o Credit Suisse estaria braço do Estado.
sua administração como erros isolados a planear outra remodelação. A missão do Esperava-se isso há algum tempo.
e não como um problema de cultura de Fed é, no entanto, proteger a economia Os mercados financeiros podem alegar
risco sistémico. O seu nome continuou como um todo, isto é, controlar a inflação que são livres e internacionais, mas são
a aparecer, escândalo após escândalo, de e não manter as taxas baixas para salvar limitados por regulamentações nacio-
Moçambique à Rússia. Pouco a pouco, a alguns bancos mal geridos. nais: basta olhar para o número muito
amplitude dos levantamentos já não se pequeno de aquisições transfronteiriças.
assemelhava a um fio de água, mas a um “Too big to fail” E há alguma novidade em relação aos
rio torrencial. A verdadeira questão é, mais uma vez, resgates nacionais? Mervyn King, go-
No caso do SVB, a implosão foi mais saber se existe uma maneira melhor de vernador do Banco de Inglaterra durante
brutal e o erro humano, ainda mais administrar estes bancos. Já ressurgiu uma a crise de 2008, gostava de destacar que
grosseiro. Todos os tipos espertos deste velha querela entre os que defendem uma as empresas capitalistas têm uma vida
banco californiano pareciam dedicar-se proteção ainda maior para os depositantes internacional e uma morte nacional, e
a empréstimos de luxo para capitalistas e os que querem acabar com o risco moral contam sempre com as autoridades do
de risco. Comprar obrigações do tesouro criado pela impunidade dos banqueiros país onde têm a sua sede quando as coisas
de longo prazo e taxa fixa quando se tem quando estes cometem erros. dão para o torto.
passivos de curto prazo e taxa variável é Na nossa opinião, haverá novas leis, Só que a musiquinha dos planos de
uma assimetria gritante. Com a subida mas não na mesma escala das que surgi- resgate mudou muito. Em 2008, as três
das taxas de juro, o valor da “cautelosa” ram depois da crise de 2008, porque os maiores economias do mundo – Estados
carteira de títulos do SVB derreteu – e o bancos têm hoje muito mais capital. A Unidos da América, União Europeia e Chi-
banco viu-se à beira do abismo. evolução mais interessante poderia ser na – atuaram em conjunto. A aquisição
O que iriam fazer os políticos e re- a redefinição do que é um banco. Des- de bancos foi entendida como um desvio
guladores? Apontaram-se vários bodes de 2008 que os reguladores nos Estados temporário antes do estabelecimento de
expiatórios. No caso do SVB, foi o wokismo Unidos da América têm optado por se um sistema financeiro global liberal. Hoje,
[um movimento de consciência social em concentrar nos inventários patrimoniais a economia mundial está a desintegrar-se
que ideias inaceitáveis, como o racismo, das grandes instituições de importância em vários blocos regionais concorrentes.
são consideradas imorais]. Os conserva- sistémica. Surpreendentemente, eles li- É o regresso do mercantilismo. O SVB não
EMBORA OS BANCOS “DEMASIADO GRANDES PARA FALIR” Apesar da sua reputação de cosmopo-
litas desenraizados, os bancos mundiais
RECEBAM TODA A ATENÇÃO, OS EUA CONTINUAM A TER ficarão muito contentes por seguir o cami-
nho do mercantilismo. Como diria Adam
MUITOS BANCOS PEQUENOS DEMAIS PARA FUNCIONAREM Smith, os banqueiros já eram oportunistas
BEM. O PAÍS TEM QUATRO MIL BANCOS, A MAIORIA PEQUENAS muito antes de serem cosmopolitas. Se
a classe política ocidental quer gigantes
INSTITUIÇÕES LOCAIS, POR VEZES PROTEGIDAS POR LÓBIS nacionais, então os banqueiros financiá-
-los-ão de bom grado. Se a classe políti-
POLÍTICOS LOCAIS E EXCESSIVAMENTE DEPENDENTES ca quer substituir o comércio livre pelo
mercantilismo, irá oferecer atalhos para
DE EMPRESAS LOCAIS. NA NOVA ERA DO CAPITALISMO lá chegar. E se lhes pedirem para comprar
FINANCEIRO DOMÉSTICO, ISSO PARECE MAIS UMA FRAQUEZA um dos seus concorrentes, não verão nisso
necessariamente um inconveniente.
DO QUE UMA FORÇA Deste ponto de vista, é bem possível
que o UBS acabe por ser visto como aquele
consumidores estão em situações piores ricano e a persuadir os consumidores a que deu o primeiro passo. Agarrou o seu
em termos de serviços básicos, como co- comprar produtos fabricados nos EUA, principal rival por um vigésimo do que
missões cobradas sobre cartões de débito independentemente da sua qualidade, valia há dez anos; conseguiu imensas ga-
e contas à ordem. então aceita-se que o financiamento seja rantias do Estado, incluindo uma garantia
Embora os bancos “demasiado grandes concebido como um pilar da economia. de financiamento de 100 mil milhões de
para falir” recebam toda a atenção, os Se esses microchips são um recurso vital dólares [mais de 91 mil milhões de eu-
Estados Unidos da América continuam a para a nação, também o são os credores ros]. Nos Estados Unidos da América,
ter muitos bancos pequenos demais para dos seus fabricantes. note-se que [o investidor e filantropo]
funcionarem bem. O país tem quatro mil A viragem protecionista dos Estados Warren Buffett, rei dos bons negócios, está
bancos, a maioria pequenas instituições Unidos da América deu a outros países novamente a oferecer os seus serviços ao
locais, por vezes protegidas por lóbis polí- a oportunidade de seguirem o exemplo. governo norte-americano para o ajudar
ticos locais e excessivamente dependentes As capitais europeias estão furiosas com a organizar o setor financeiro.
de empresas locais. Na nova era do capi- a Lei da Redução da Inflação aprovada Hoje, assistimos ao nascimento de uma
talismo financeiro doméstico, isso parece por Biden – e têm todo o tipo de ideias nova forma de capitalismo financeiro – os
mais uma fraqueza do que uma força. para erigir também a sua própria forta- bancos estão mais ligados aos governos,
leza. [Esta lei, que entrou em vigor em que escolhem os vencedores e tentam
Viragem protecionista agosto de 2022, prevê subsidiar direta- apoiar as indústrias do futuro. Alguns
Nos Estados Unidos da América, faz sen- mente empresas norte-americanas com terão muito êxito, mas, ao olharmos para
tido levar as finanças para uma nova era o equivalente a 350 mil milhões de euros os volumes guardados na Biblioteca dos
de mercantilismo. Se, tal como a Admi- se produzirem localmente tecnologias Erros, vemos que o colbertismo também
nistração de Joe Biden, você já estiver a limpas, o que coloca as companhias da teve as suas falhas. Basta observar os limi-
subornar as empresas de semicondutores UE em desvantagem – algumas poderão tes do sistema bancário chinês, dirigido
para entrarem em território norte-ame- abandonar o continente.] pelo Estado.
ILUSTRAÇÃO DE CÔTÉ, PARA “LE SOLEIL”, CANADÁ MAIO 2023 - N.º 327 61
Ciência
N remos a um renascimento da
exploração lunar. O programa
inclui o envio de dezenas de
missões e a construção de bases perma-
nentes na Lua. Os desafios a enfrentar serão
muitos. Entre eles está uma pergunta que
pode parecer trivial, mas a que os me-
trologistas estão a tentar responder: que
horas são na Lua?
“Estamos apenas a começar a defi-
ni-la”, adverte a engenheira aeroespa-
cial Cheryl Gramling, responsável pelos
sistemas de navegação, posicionamento
e cronometragem no Centro de Voo Es-
pacial Goddard da NASA, em Greenbelt,
Maryland.
Atualmente, a Lua não tem um sis-
tema horário específico. Cada missão
usa a sua própria medição, baseada no
Tempo Universal Coordenado (abrevia-
do internacionalmente como UTC), que
é uma referência na Terra para acertar
os relógios. Mas este método é relativa-
mente impreciso, e as naves espaciais que
exploram a Lua não estão sincronizadas
umas com as outras, obedecendo antes ao
tempo dos seus patrocinadores. Isto não é
um problema enquanto a Lua receber um
punhado de missões independentes, mas
pode vir a sê-lo quando várias tripulações
quiserem trabalhar em conjunto. As agên-
cias espaciais também vão querer seguir os
movimentos dos seus veículos, utilizando
sistemas de navegação por satélite, que
se baseiam em sinais de tempo precisos.
A definição do tempo lunar universal
está longe de ser óbvia. Os relógios não
correm à mesma velocidade na Terra e na
Lua, porque os dois astros têm campos
gravitacionais diferentes. Um tempo lunar
oficial terá, portanto, de ser baseado num
sistema sincronizado com o UTC ou ser
independente do tempo da Terra.
ESPAÇO Representantes de agências espaciais e
universidades de todo o mundo reuniram-
62 MAIO 2023 - N.º 327 ILUSTRAÇÃO DE VASQUEZ, PARA EL PAÍS, MADRID, ESPANHA
Trabalho
...
A duração de um
dia terrestre será
PRODUTIVIDADE
importante para os
astronautas por causa
O vírus
do ritmo biológico
humano, que exige que
das reuniões
O crescimento do teletrabalho levou a uma explosão
eles durmam um certo no número de reuniões – e ao desperdício de tempo.
número de horas num Algumas empresas querem pôr um ponto final a isto
ciclo de 24 horas
The Wall Street Journal
Nova Iorque
Neste último cenário, os dias lunares
podem mesmo ser definidos de forma di-
ferente dos da Terra, tendo em conta que “Obrigado a todos pelo vos- em mais do dobro o número de reuniões
um dia lunar [correspondente à duração
da rotação no seu eixo] dura, em média, O so tempo. Iremos diretos ao
assunto.” Para informar os
semanais entre fevereiro de 2020 e fe-
vereiro de 2022, enquanto o seu tempo
29,5 dias terrestres. A duração de um dia seus empregados dos planos gasto em reuniões mais do que triplicou.
terrestre ainda será importante para os de reestruturação em janeiro, a Reynolds E, sim, com ou sem “tempo de cére-
astronautas por causa do ritmo biológi- American, uma subsidiária da British bro disponível”, havia uma necessidade
co humano, que exige que eles durmam American Tobacco, pensou em realizar frenética de “nos vermos”, de “rever”,
um certo número de horas num ciclo de uma reunião de 90 minutos numa grande de “fazer uma proposta”, a menos que
24 horas. Mas os metrologistas terão de sala. Em vez disso, passou um vídeo de fosse estabelecida uma data-limite, caso
chegar a acordo sobre a definição desta dez minutos. em que o próximo passo era rapidamente
hora lunar. As empresas têm um novo lema: planeado: “Vamos lá falar disso!” (Ah,
E terão igualmente de decidir onde se- “Acabar com as reuniões.” Na Shopify, espere, alguém levantou a mão).
rão colocados os relógios mestres. Tal como Wayfair [plataformas de compras online] e “Na segunda-feira passada, tive 13
na Terra, a altitude irá afetar a velocidade noutros locais, os gestores garantem que, reuniões”, diz Jennifer Wakefield, CEO
a que eles rodam. Podem ser colocados em devido ao aumento do teletrabalho, que da Greater Richmond Partnership, uma
órbita ou no chão, acrescenta Jörg Hahn: já não permite trocas rápidas e informais, organização de desenvolvimento econó-
“Começámos agora a discutir isto com os as agendas estão a transbordar e milhares mico em Richmond, Virgínia. A maioria
nossos colegas da NASA.” de horas estão a ser desperdiçadas, em das reuniões tinha 30 minutos de duração.
As agências espaciais estão também detrimento da produtividade. Ao longo do dia, das 7h30 às 18h, teve dois
a trabalhar noutros sistemas de refe- Quanto exatamente? Desde que anun- intervalos de meia hora. E o que fez ela
rência comuns necessários – como ma- ciou, no início de janeiro, que certos tipos com estes preciosos momentos de pausa?
pas da Lua e sistemas de coordenadas a de reuniões seriam temporariamente re- Recuperou o atraso na leitura dos emails.
serem utilizados para a navegação – no movidos, a Shopify eliminou 12 mil eventos A reunião que mais tem aborrecido Jenni-
Interagency Operations Advisory Group da agenda dos seus empregados e libertou fer Wakefield ultimamente é aquela que,
[Grupo Consultivo de Operações Intera- 95 mil horas, conta a direção. “Estamos a todas as semanas, parece ter como único
gências], um agrupamento de agências começar o ano mais leves, livrando-nos do objetivo… fazer uma reunião. “Deixa-me
espaciais governamentais, e no Comité tempo excessivo e absurdo de reuniões, e louca. Por vezes, é só para ouvir alguém
Internacional sobre GNSS da ONU. Para enriquecidos com mais tempo de ação”, a agitar o ar. Se não há agenda, eu não
que os sistemas de diferentes países sejam escreveu o presidente da Shopify, Kaz quero ir.”
interoperáveis, os repositórios terão de Nejatian, aos seus empregados. No Shopify, as reuniões de todas as
ser acordados internacionalmente, insiste Intermináveis e incontáveis, as reu- equipas foram suspensas, as reuniões de
Cheryl Gramling. niões são uma velha praga da vida de quarta-feira, proibidas (tirando circuns-
Com a ajuda da ESA, a NASA está a escritório. Para as tornar mais concisas tâncias excecionais) e as reuniões de 50 ou
desenvolver uma rede de comunicações, e produtivas, os empregadores já tinham mais pessoas, restringidas a um horário
a LunaNet, que espera que venha a ser tentado outros métodos, como discussões de seis horas à quinta-feira.
adotada pela comunidade internacional. É em pé ou a andar. Mas, como muitos es- De acordo com um porta-voz, a Rey-
um conjunto de normas e protocolos que tudos mostram, a quantidade de tempo nolds American fez a mudança para um
permitiria a todos os sistemas de navegação gasto em reuniões explodiu durante a pequeno vídeo em janeiro, depois de se
e comunicação por satélite dedicados à Lua pandemia. Usando os dados recolhidos ter apercebido de que a informação a ser
formarem uma rede única, semelhante através do seu conjunto de software transmitida não justificava uma reunião
à internet, independentemente do país empresarial, a Microsoft descobriu que longa. A experiência é considerada um
que os instale. A definição do tempo lu- o utilizador médio do Teams viu aumentar sucesso. “Tivemos uma série de boas
nar é apenas um tijolo num muro muito
mais vasto. “A ideia é criar uma internet
que cubra todo o sistema solar”, explica AUTORA DATA TRADUTORA
Gramling. “E a primeira parte será na F Lauren Weber 01.02.2023 Helena Araújo
Lua.”
360
CIÊNCIA
Sim, os gatos
gostam de nós!
Têm fama de ser sociopatas, mas vários estudos mostram que os gatos
estão mais atentos aos humanos do que aquilo que pensamos
New Scientist Londres
ILUSTRAÇÃO DE PUDLES, PARA “THE WOMEN’S JOURNAL”, BROMLEY, REINO UNIDO MAIO 2023 - N.º 327 67
planeta
360
desta vez liderada por Saho Takagi da Uni-
versidade de Quioto, mostrou que os gatos AMBIENTE
tinham um “mapa” mental da localização
do seu humano na sala, apenas ao ouvi-lo.
Quando as vozes gravadas eram emitidas
por vários altifalantes, dando a impressão
Na sombra dos
de que o humano se tinha teletranspor-
tado de um lado da sala para o outro, os
gatos mexiam as orelhas e olhavam à volta,
petroleiros
como se estivessem surpreendidos. “Isto
mostra como eles ouvem com atenção os
No estreito de Ormuz, os pescadores fazem parte de um esquema
humanos”, diz Saho Takagi. complexo em que a indústria petrolífera transforma o seu ambiente,
Talvez os dados mais impressionantes fornecendo-lhe os utensílios necessários à sua atividade
venham de Kristyn Vitale da Unity College,
nos EUA. Num estudo de 2017, ela e a sua
Sapiens Nova Iorque
equipa apresentaram aos gatos quatro op-
ções de estímulos: comida, um brinquedo,
um cheiro ou interação com um humano. Desligamos o motor no mo- da região e o seu orgulho. Mas depois da
A maioria dos gatos escolheu o humano,
com a comida a chegar em segundo lugar. D mento em que os primeiros
raios de sol surgem no hori-
perfuração dos primeiros poços, rapida-
mente foi eclipsada pela extração de hi-
Kristyn Vitale prosseguiu o trabalho zonte e deixamos o pequeno drocarbonetos – um setor de dimensão
com outro estudo, em 2019, onde explo- barco à deriva em direção ao nosso alvo: internacional. Os pescadores tiveram de
rava a natureza da ligação emocional dos um enorme navio carregado de gás na- aprender a lidar com mares ensombrados
gatos aos seus humanos. Usou um teste que tural liquefeito que ancorou a poucos pelo petróleo e invadidos por engenhos
também é oferecido, numa versão modifi- quilómetros da costa. Acompanho o meu industriais. Hoje, pescar na região é pescar
cada, aos recém-nascidos humanos. Um a amigo Abu Abdullah (pseudónimo), que à sombra dos combustíveis fósseis – no
um, 70 gatinhos, com idades entre os três foi pescar com a sua tripulação habitual – o sentido literal e figurado.
e os oito meses, foram levados pelos seus irmão, um dos filhos e um primo. Ao pé A supremacia do ouro negro na eco-
donos para um quarto desconhecido. Após do petroleiro, que se ergue sobre as nossas nomia local levou a uma recomposição da
dois minutos, o humano saiu e o gatinho cabeças e faz a nossa pequena embarcação paisagem marítima de toda a Península
foi deixado sozinho durante outros dois parecer minúscula, conversamos enquanto Arábica. O petróleo e as suas questões fi-
minutos. Depois o humano voltou para o apanhamos oumas e simas (“sardinhas” nanceiras estão agora omnipresentes. As
quarto. A maior parte dos gatinhos (64%) e “carapaus”) às centenas. plataformas petrolíferas cobriram áreas
mostrou apego emocional. Nas águas quentes do golfo Árabe e onde os mergulhadores costumavam
Quando os donos voltaram, os gatos do golfo de Omã, a extração de petróleo procurar pérolas não há muito tempo, e
correram para interagir com eles e parece- e a pesca estão intimamente ligadas – um os barcos de pesca têm de fazer slalom
ram felizes em vê-los. Depois, tranquilos, assunto que conheço bem, pois estudo a cuidadosamente entre os petroleiros que
retomaram a sua exploração do quarto. exploração dos recursos naturais (pei- enchem o perímetro do estreito de Ormuz,
“Os gatos, que estão confiantes, veem o xes, pérolas, esponjas, hidrocarbonetos) através do qual passam, todos os dias, 20%
seu humano como uma fonte de confor- na região. da produção mundial de petróleo.
to e segurança”, diz Kristyn Vitale. “Este Esta manhã, Abu Abdullah e a sua tri- Plataformas, petroleiros, terminais e
estudo mostra que os gatos podem formar pulação estão a tentar apanhar pequenos bacias são protegidos por enormes dispo-
fortes laços com os humanos.” peixes em quantidade suficiente para atrair sitivos de segurança, e os pescadores, por
Por isso, talvez nos tenhamos enganado uma captura muito mais rentável: atum (e vezes, colocam-se em perigo ao aventu-
sobre os nossos gatos. Parte da confusão eu estou a tentar não os perturbar dema- rarem-se a chegar perto deles. O preço de
veio do facto de eles não serem tão efu- siado na sua tarefa). Os bancos de pequenos um barril de petróleo também se reflete no
sivos como os cães, explica Charlotte de peixes aprenderam a refugiar-se na sombra preço do peixe. “Se o preço do atum sobe,
Mouzon. “São animais muito subtis.” Os de grandes barcos, para escapar aos seus é principalmente por causa do petróleo”,
gatos não desenvolveram os músculos para predadores, mas os pescadores aprenderam explicava um pescador de Omã, no TikTok,
levantar as sobrancelhas e nos enternecer, a encontrá-los, aventurando-se (muitas no ano passado.
como um cachorro faria. No entanto, os vezes ilegalmente) nas águas frias, à sombra Mas a sombra do ouro negro também
dados recolhidos ao longo da última déca- das plataformas petrolíferas e dos navios. paira sobre os pescadores locais de outras
da mostram que os gatos desenvolveram, O atum, capturado graças a estes iscos, formas menos percetíveis. Nessa manhã,
apesar das aparências, muitas habilidades será então vendido nos mercados locais – e no barco, reparei como os produtos pe-
sociais para se integrarem num mundo constitui a principal fonte de rendimento trolíferos estão omnipresentes. A nossa
dominado pelo Homem. para a tripulação. pequena embarcação de plástico reforçado
Pergunto-me se os gatos estão a mudar Antes do boom petrolífero dos anos 60, com fibra de vidro está cheia de fios de
e a tornar-se mais domesticados, à medida a pesca artesanal era o maior empregador nylon, baldes de plástico, boias e geleiras de
que se deslocam do campo para a sala de
estar. No entanto, é claro que gatos como
Peggy estão presos aos seus donos, e este
AUTOR DATA TRADUTORA
pensamento conforta-me enquanto pego F Scott T. Erich 05.01.2023 Helena Araújo
nos pedaços da taça que ela partiu.
poliestireno, iscas em forma de lula feitas contornos políticos e económicos do nosso -nos que a indústria petrolífera é relati-
de plastisol. Isto provavelmente explica tempo e desvendar “eventuais páginas de vamente jovem, e que não é nem eterna
porque a maior parte do plástico que po- história em construção”. nem invulnerável. As técnicas ousadas,
lui os oceanos, especialmente no “sétimo Um dos pontos fortes desta teoria dos mesmo impertinentes, que estes homens
continente”, no oceano Pacífico, provém arranjos é que ela altera a dinâmica do po- encontraram para continuar a ganhar a
de artes de pesca perdidas ou abandonadas. der, reorientando a nossa atenção para os vida à sombra das companhias petrolíferas
No entanto, os pescadores do golfo atores (e fatores) capazes de influenciar o realçam as falhas na imagem de omnipo-
também têm sido criativos na apropriação curso dos acontecimentos. À medida que tência e imortalidade que os magnatas do
de outros objetos retirados da petroquími- os desastres naturais se tornam mais in- petróleo projetam.
ca, fabricados pela, mas também para a, tensos e frequentes, devido às alterações E mesmo que a reapropriação dos pro-
indústria petrolífera. Eles sempre usaram climáticas antropogénicas, o planeta parece dutos derivados do petróleo pelos pesca-
tudo aquilo a que puderam deitar a mão. por vezes destinado à destruição total. A dores tenha nascido da necessidade, não
No passado, foram as fibras de tamareiras influência do petróleo sobre o futuro pa- deixa de ser rica em ensinamentos: a lon-
e coqueiros, mas desde o advento da era rece inabalável. gevidade única dos petroquímicos pode ser
do petróleo, materiais derivados do ouro Mas é possível uma abordagem mais igualmente uma coisa boa. Os plásticos e
negro proliferaram: plástico, nylon, po- abrangente, a longo prazo. Se tivermos em outros materiais derivados do petróleo que
liestireno extrudido ou poliéster. Ao longo conta o que acontece nos “limites indis- devastam o ecossistema marinho também
das costas de Omã e dos Emirados Árabes ciplinados” da extração de petróleo – nas vêm contradizer a necessidade de extrair
Unidos, não é raro ver barris de plástico palavras de Anna Lowenhaupt Tsing [“un- cada vez mais petróleo. Uma vez que estes
convertidos em armadilhas para peixes. ruly edges”] –, então a própria indústria produtos são infinitamente reutilizáveis, a
Eles são usados para capturar ouma, a isca petrolífera, apesar da sua omnipotência, procura de petróleo está a diminuir, pelo
favorita do atum, que não consegue resistir é apenas um ator na multidão de criatu- menos entre os pescadores.
ao seu cheiro pungente. ras e modos de vida que interagem neste No barco, estamos prestes a deixar a
ambiente. sombra do enorme navio e a afastar-nos
Inter-relações E na sombra do petróleo, a história mais da costa para os cardumes de atum,
No convés do nosso barco, naquela manhã, ainda está a ser escrita. a 50 milhas [80 quilómetros] de distância.
com o petroleiro à cabeça, a sardinha de- Tal como o tiktokeur, os pescadores O Sol está cada vez mais alto no céu e, à
baixo do nosso casco e todo o lixo derivado estão bem cientes das múltiplas inter- medida que preparamos as nossas linhas
do petróleo aos nossos pés, participamos -relações entre a sua atividade e o setor e o isco que apanhámos mais cedo, um
num estranho bailado, em que se cruzam petrolífero. Eles têm um olhar aguçado marinheiro filipino chama-nos a partir
ritmos, coisas, espécies e indivíduos muito e feroz para as convulsões causadas pela do navio. Gritando em inglês, pede um
diferentes. extração de combustíveis fósseis. chumbo para a sua linha de pesca. Tam-
Os antropólogos e outros cientistas so- As próprias gerações mais jovens lem- bém ele quer pescar nas águas frias que se
ciais chamam a isto “arranjos”. O ritmo bram-se dos velhos tempos, quanto mais estendem sob o casco.
dos navios que saem ou entram no porto, não seja pelas histórias que ouviram. Elas “O que ele quer?”, pergunta Abu Ab-
assim como o destino da sua carga – pe- sabem que os danos causados ao oceano dullah em árabe. Eu traduzo. O meu amigo
tróleo bruto, gasolina ou plástico – é di- pelos resíduos plásticos, os derrames de desfaz um dos pesos da sua própria linha
tado pelas exigências do capitalismo. Ao petróleo e a poluição industrial estão a e atira-o em direção ao enorme navio.
mesmo tempo, o movimento dos bancos ameaçar o frágil ecossistema marinho e Ele salta do convés. O filipino pega nele,
de sardinhas que ondulam entre os cascos a sua subsistência. Mas também estão bem segura-o e escorrega para preparar a sua
é governado pela biologia, as marés e as conscientes de que os seus barcos, redes e linha. Para este marinheiro, como para nós,
estações do ano. Segundo a antropóloga fios são feitos de petróleo. Por isso tentam a indústria petrolífera é apenas um pano
Anna Lowenhaupt Tsing, estes arranjos, utilizá-los o máximo de tempo possível, de fundo que lança a sua sombra sobre um
em que “natureza” e “cultura” conver- mesmo que isso signifique encontrar-lhes ambiente saturado de petróleo, mas não
gem, oferecem um posto de observação novas funções. A história, as iniciativas e a totalmente destruído. Uma sombra em que
privilegiado: permitem-nos vislumbrar os filosofia dos pescadores do golfo lembram- agora pescamos lado a lado.
360
JAPÃO
E se o “haiku” não
tiver estação?
Pode a cultura tradicional japonesa, tão sensível às estações
do ano, sobreviver ao aquecimento global? Na época das cerejeiras
em flor, cresce essa preocupação
Nikkei Asia Tóquio
360
AS GRANDES E AS PEQUENAS HISTÓRIAS SOBRE O MEIO AMBIENTE
ENERGIA
“VIRAGEM” NA PRODUÇÃO
DE ELETRICIDADE
As emissões de gases com efeito de estufa da
produção global de eletricidade podem começar
a diminuir já este ano, impulsionadas por uma
dependência crescente das energias renováveis, de
acordo com o grupo de reflexão Ember. “É provável
que o mundo utilize menos combustível fóssil para
a produção de eletricidade neste ano, marcando
um ‘ponto de viragem’ para a energia amiga do
planeta”, relata a BBC. De acordo com o último
relatório do think tank de energia Ember, as emissões
globais de gases com efeito de estufa da produção
de eletricidade atingiram o seu pico em 2022 e
começarão a diminuir.
Para a sua quarta Revisão Global da Eletricidade
anual, a Ember utilizou dados de 78 países que
representam 93% da procura global de eletricidade.
O documento mostra que as emissões da produção
de eletricidade aumentaram 1,3%, no ano passado,
para um valor recorde, alimentadas por um ligeiro
aumento na utilização do carvão, para satisfazer
a crescente procura de eletricidade após o fim da
contenção relacionada com a Covid-19.
Globalmente, as energias renováveis atingiram um
BIODIVERSIDADE novo recorde: o vento e a energia solar forneceram
CAÇA À ARANHA AJUDA CIENTISTAS 12% da produção global de eletricidade em 2022,
representando 10% da produção global de eletricidade
Nos últimos anos, a caça à aranha tem-se tornado cada vez mais popular no ano anterior, contra apenas 5% em 2015. “A União
no Reino Unido. Este passatempo invulgar fornece aos cientistas informações Europeia está à frente, com 22% da eletricidade
valiosas sobre a fauna do país. proveniente de fontes renováveis e um crescimento
O THE GUARDIAN acompanhou o sexagenário Mike Waite, “especialista na caça à de 24% na energia solar, em comparação com o ano
aranha” numa pesquisa pela reserva natural de Brentmoor Heath em Surrey, no anterior”, relata o LE TEMPS.
Sudeste de Inglaterra, propriedade do Ministério da Defesa do Reino Unido. Trata- Outro ator com um efeito importante na tendência
se de uma época do ano particularmente boa para as aranhas saírem da hibernação. geral é a China. “Cerca de 50% da energia eólica extra
“Observamos um espécime da família Lycosidae, uma Evarcha arcuata e uma produzida em todo o mundo tem estado na China,
Dolomedes fimbriatus”, revela o diário britânico. Tudo isto numa única manhã. e cerca de 40% da energia solar extra tem vindo do
O objetivo de Mike Waite era encontrar o maior número possível de aranhas, país que é também o maior consumidor mundial de
“montando uma série de ‘armadilhas’ à noite”. Esta prática, algo invulgar, tem carvão”, observa a BBC.
conhecido um ressurgimento no Reino Unido nos últimos anos. “A British Estes dados sugerem que a transição energética
Arachnological Society já recebeu 57 mil relatos de avistamentos de aranhas desde global está realmente em curso. O analista e coautor
o início do ano”, revela o THE GUARDIAN. do relatório Malgorzata Wiatros-Motyka afirma:
O Ministério da Defesa é um dos maiores proprietários de terras no Reino Unido. “Nesta década decisiva para o clima, este é o início
Possui “169 sítios de especial interesse científico, o que significa que a natureza é do fim da era fóssil.” James Glynn da Universidade
mais protegida lá.” E entre eles está Brentmoor Heath, um dos melhores lugares de Columbia de Nova Iorque, entrevistado pela NEW
para caçar aranhas. O Reino Unido é um local de reprodução de aracnídeos: mais SCIENTIST, acredita que a tendência descendente das
de 650 espécies diferentes vivem aqui, e algumas variedades estão provavelmente emissões não será confirmada por mais um ou dois
apenas à espera de serem descobertas. Ou redescobertas. anos. “É possível que 2022 tenha visto o pico das
“A maior descoberta de Waite foi em 2020, quando avistou uma Alopecosa fabrilis, emissões globais da geração de energia, mas não
uma das maiores aranhas do Reino Unido, mas presumiu-se que estava extinta saberemos até 2024 ou 2025 [se é realmente um pico
porque ninguém a tinha visto desde 1999.” ou o início de um planalto]”, diz.
Para além de ser um passatempo invulgar, a caça à aranha pode ser útil para os
cientistas. “Sem a dedicação destes observadores, simplesmente não saberíamos
como está a nossa fauna de aranhas”, diz Richard Gallon, membro da Sociedade
Britânica de Aracnologia.
As aranhas são conhecidas por darem indicações sobre a saúde do ambiente.
De acordo com o THE GUARDIAN, uma melhor compreensão de como estes
animais funcionam é também a compreensão de “como o ambiente poderá
evoluir face à crise climática”.
El País Semanal
Madrid
Viagem
H
Há dois dias que chegara a Málaga. Tinha minuto 39 da nossa entrevista para o ou- também vir aqui simplesmente para dar
vindo para tentar compreender as razões vir falar do que, na sua opinião, explica a um longa e agradável caminhada desde
da inegável popularidade de que a cidade crescente popularidade de Málaga junto de o miradouro de Gibralfaro até ao passeio
tem desfrutado nos últimos anos. Ouvira empresas e trabalhadores especializados: de La Farola, por ruas que têm pouco em
a versão de Francisco de la Torre, o presi- “O que temos dado às pessoas aqui, tanto comum com as decadentes e até perigosas
dente da câmara há mais de 22 anos, e que no parque como na cidade, é afeto. Tanto de há 20 anos. E como se isso não fosse
é considerado por muitos como o grande às empresas como aos visitantes. E, como suficiente, a última moda não é com-
responsável pelo milagre. Também vira o sabe, o afeto é gratuito, mas é a coisa mais prar um bilhete de comboio ou avião de
franzir de olhos com que muitos habitantes difícil de dar.” alta velocidade para chegar a Málaga na
locais acolhem o sucesso que encheu Mála- sexta-feira e regressar no domingo, mas
ga de turistas e fez subir as rendas. E, pela Risco de parque temático? comprar um bilhete único.
quarta vez, tinham-me perguntado: “Já te Melina Frías confessa uma vontade obs- Melina Frías teme que este afluxo de
encontraste com o Felipe Romera? – Não, tinada de aprender a dançar flamenco. turistas e trabalhadores estrangeiros, todos
ainda não. – Bem, devias falar com ele.” “Porque faz sofrer.” A rapariga de 39 anos, com um poder de compra fora do alcance
Então, no dia seguinte, apanhei um que passa muito tempo no estrangeiro no da maioria dos habitantes da cidade, aca-
táxi. “Pode levar-me até ao parque tec- âmbito do seu trabalho, também sofre pela be por transformar Málaga numa espécie
nológico, por favor? – Claro que sim. Vai sua cidade. Até recentemente, Melina era de parque temático, como Barcelona ou
ver o Felipe Romera?” uma das poucas vozes discordantes que Veneza. Há já algum tempo que ela tem
Toda a cidade parece convencida de questionava o enorme sucesso da cidade a impressão de que Málaga se está a tor-
que este homem de 68 anos guarda o se- – um grito solitário no meio dos aplausos. nar cada vez mais uma espécie de grande
gredo do sucesso de Málaga. Numa sala Agora, porém, com a mudança nos hábitos aeroporto.
adjacente ao seu escritório, refastelado de trabalho provocada pela pandemia, há “Eu trato da logística da rodagem de
numa cadeira, o diretor do parque tec- cada vez mais vozes a fazerem-se ouvir. alguns dos grandes filmes, por isso passo
nológico de Málaga [Málaga TechPark, Porque Málaga está na boca de todos. muito tempo nos aeroportos”, diz Melina.
de seu nome oficial Parque Tecnológico Em Espanha, é claro, mas também no es- “São terras que não pertencem a ninguém,
de Andalucía] mal espera que eu lhe faça trangeiro. É o lugar perfeito para ir feste- que estão no limbo, por assim dizer. Os
uma pergunta para começar a falar. Sem jar num fim de semana, a tal ponto que a milhares de pessoas que vemos naquele
omitir um detalhe, um nome ou uma data, câmara municipal está a tentar travar as espaço num momento serão catapultadas
conta a história de como um terreno vazio despedidas de solteiro mais desmedidas, para outras partes do mundo e substi-
situado na periferia da cidade se tornou, mas também para uma escapadela cultural tuídas, três ou quatro horas depois, por
no espaço de 30 anos, o que é hoje: um (pode escolher entre o Museu Picasso, o milhares de outras. Os aeroportos são
parque tecnológico onde se juntam, e co- Centro Pompidou e o Thyssen, entre ou- lugares que, embora sempre lotados,
laboram, 600 empresas com mais de 20 tros). não têm caráter nem memória. Quando
mil empregados originários dos quatro É também uma paragem gastronómica: regresso a Málaga depois de uma longa
cantos do mundo. come-se nos seus restaurantes estrelas ausência, sinto que as referências que lá
O seu relato é mais apaixonante do que Michelin ou apreciam-se espetadas nas tenho estão a desaparecer.” E continua:
o meu resumo, mas tive de esperar até ao praias de Pedregalejo ou El Palo. E pode-se “É um produto concebido para turistas,
não para aqueles que lá vivem. A cidade
é bonita, é verdade, mas fica-se com a
AUTOR DATA TRADUTORA impressão de que se está a tornar bonita
F Pablo Ordaz 04.12.2022 Helena Araújo só para a vender depois.”
com os adversários. “Sem uma cooperação aceitar. E essa capacidade de atrair e reter
Málaga
Território constante e duradoura entre as institui- talentos tem sido crucial, uma vez que nos
britânico ta del Sol ções, este projeto nunca se poderia ter tem permitido evitar sermos mantidos
de Gibraltar Cos Enclave
espanhol ARGÉLIA realizado”, sublinha Romera. Mas rece- reféns da tecnologia americana ocidental.
150 km de Melilla beu o apoio do PSOE [Partido Socialista Ao longo dos anos, Málaga tornou-se não
MARROCOS Operário Espanhol], do PP, da Izquierda só um destino cultural e turístico de eleição
mas também uma cidade que tem um apelo Javier Calleja, um artista de 51 anos cujo
inegável para as empresas tecnológicas e trabalho faz furor em todo o mundo, re-
especialmente para os seus empregados.” corda aqueles dias: “Antes, não tinha outra
escolha senão ir viver para Paris, Londres
Ganhar menos, mas apanhar sol ou Berlim... Ou, no mínimo, para Madrid
O jornalista Nacho Sánchez, que se mudou ou Barcelona. Todos falavam sobre a fuga
de Antequera [uma cidade vizinha], em de cérebros, mas ninguém mencionava a
1999, para estudar na universidade em emigração cultural. De facto, eu fui viver
Málaga, assistiu na primeira linha a este para Nova Iorque até me aperceber de que,
tipo de êxodo inverso. Em vez de exportar graças primeiro ao aeroporto e depois ao
mão de obra a baixo custo, Málaga acolhe comboio de alta velocidade, eu podia vi-
há vários anos os principais especialistas ver muito bem em Málaga. É verdade que
em tecnologia de ponta. Mais recente- se tem a impressão de que Málaga está a
mente, os operadores do setor financeiro tornar-se uma cidade cara, mas depende
também começaram a afluir a Málaga. daquilo a que se compara. O custo de vida
“Sempre houve praias e um clima é muito mais baixo do que em Nova Ior-
agradável, mas isso não era suficiente que ou mesmo Madrid. E a oferta cultural
para atrair grandes empresas, diz. Mui- em Málaga é suficiente para fazer inveja
tos fatores fizeram evoluir as coisas, sen- a qualquer outra cidade. É verdade que
do um deles a pandemia. Cada vez mais teria de ser desenvolvida uma política momento. Os múltiplos museus da cidade,
pessoas querem mudar-se para um lugar para assegurar que as pessoas em certos o Teatro Soho [de que é proprietário] e o
onde possam ter uma boa vida sem de- bairros não sejam desfavorecidas, mas, de Festival de Cinema, que serve de montra
sistir de uma carreira profissional. Fiquei uma maneira geral, há mais vantagens do para todo o cinema latino-americano, são
particularmente surpreendido ao ver que que desvantagens.” exemplos claros desta pátina cultural que o
os empregados do Citigroup [a empre- ADN da cidade adquiriu e que se espalhou
sa de serviços financeiros com sede em Melhor que Hollywood a todos os seus habitantes.”
Nova Iorque abriu um centro para os seus Antonio Banderas é um daqueles artistas Esta última afirmação, no entanto, é
analistas juniores em Málaga, em 2022], que teve que sair de Málaga para prosseguir mais difícil de corroborar. Basta visitar
todos eles na casa dos vinte anos, membros a sua carreira. Quase 40 anos depois de ter as zonas periféricas, aquelas que não se
da Geração Z, não vêm com a intenção partido, o ator voltou para se estabelecer encontram à beira-mar, aquelas das quais
de ganhar mais dinheiro. Eles preferem na sua cidade natal, onde se tornou um não se pode ver os grandes navios de cru-
ganhar menos, 30% a 40% menos do que ícone. Na noite [de 2015], quando recebeu zeiro que atracam no porto todos os dias,
os seus colegas em Londres, e ser capazes o Goya de Honra, descreveu aos membros para constatar que o horizonte permanece
de caminhar até ao escritório, andar de da indústria cinematográfica reunidos para bloqueado para alguns dos habitantes.
bicicleta ou apanhar sol em meados de a ocasião uma memória que sempre lhe
novembro.” ficou na mente: a da plataforma da esta- A outra cidade
“Málaga combina benefícios naturais ção ferroviária de Málaga, a 3 de agosto No bairro de La Palmilla, eleva-se uma
com as vantagens de uma cidade de ta- de 1980, às 18 horas. Duas silhuetas, as voz, a de José Miguel Santos. Este professor
manho médio, onde não existem grandes dos seus pais, a encolher à medida que o de Matemática tem a impressão de que
engarrafamentos e em que os transportes comboio da Costa del Sol se afastava em nada está a mudar e que ele continua a
públicos funcionam bem, prossegue Nacho direção a Madrid, onde o jovem Anto- gritar no deserto. “Esta é a outra cida-
Sánchez. Não se encontra isso em todo o nio pretendia realizar o seu sonho de se de. Mas esquecemo-nos que esta outra
lado. O facto do Citigroup ter recebido tornar ator. cidade existe. Se compararmos os dados
3 700 currículos, para 27 empregos em “Têm de acreditar em mim, quando recolhidos nestes bairros há 20 anos, há 10
Málaga, no espaço de poucos dias, diz mui- digo que cada vez que acabava um take anos e hoje, quando Málaga está em plena
to sobre a atração da cidade... E quando ou um filme pensava em Espanha. Não no expansão, podemos ver que os problemas
conheci alguns dos que conseguiram um Arizona, não em Cleveland. Para mim, o de insucesso, absentismo e abandono es-
emprego, todos eles sublinharam a loca- mais importante era saber como o meu colar e a falta de interesse nos estudos e
lização estratégica da cidade em relação trabalho seria recebido no meu país e, mais no futuro ainda lá estão. O que tem sido
a outros lugares interessantes. Isadora especificamente, em Málaga e na minha vi- feito para resolver o problema? O que é
Sunderhus, uma brasileira de 23 anos, zinhança”, acrescentou. Antonio Banderas que pretendemos fazer? Seria assim tão
disse-me que em apenas dois meses já é agora um produtor de teatro de sucesso, difícil assegurar que o sucesso da cidade
tinha visitado Praga e Paris. O Aeroporto mas também uma importante atração tu- beneficie, até certo ponto, os mais desfa-
de Málaga-Costa del Sol, que fica a pouco rística. A sua casa é uma paragem obriga- vorecidos, que os ajude a sair destes becos
mais de 15 minutos de carro ou comboio tória no circuito turístico. “Quando estou sem saída?”
do centro, é um fator decisivo.” no terraço, há pessoas que gritam a plenos Durante a nossa entrevista, anotei três
A capacidade de ir e voltar rapidamente pulmões o meu nome desde a Alcazaba [a números no meu caderno – 30, 15, 8 – e
para Madrid ou para qualquer outro lu- fortaleza]: ‘Antonioooo!’ Acho que vou ter um gesto. O primeiro, 30, é o número de
gar é, efetivamente, um fator importan- de colocar uma silhueta de cartão.” jovens que começam o primeiro ano do
te, tanto para aqueles que vêm viver para Mais sério, diz que a cidade mudou Ensino Secundário obrigatório na escola
cá como para aqueles que, não há muito muito desde que ele partiu, mas que tam- onde ele ensina; 15 é o número de alunos
tempo, tiveram de escolher entre partir bém evoluiu a sua maneira de ver: “É ine- que ainda lá estão, quatro anos mais tar-
para o estrangeiro ou mudar de emprego. gável que Málaga está a viver um grande de, e 8 é o número daqueles que entram
MONTBLANC MEISTERSTÜCK:
VOLTA AO MUNDO
EM 80 DIAS
Inspirada no espírito de viagem e
aventura, a segunda edição da coleção
Montblanc Meisterstück Volta ao Mundo
em 80 Dias começa onde a última BAUME & MERCIE
MERCIER
CIER
edição parou – a viagem de Bombaim a O RELÓGIO RIVIERA COMEMORA SEUS 50 ANOS
Yokohama – e inclui uma nova edição COM UM NOVO FORMATO DE 39MM
limitada de 811 peças que interpreta de relógios de forma esportiva. Sua abordagem criativa e suas aspirações recreativas
elementos-chave de design da coleção - que são a essência do estilo da Casa - ainda estão presentes nos espíritos de quem
com materiais premium e mestria aprecia este modelo. Para comemorar seus 50 anos, o Riviera regressa novamente
artesanal de elevada qualidade. este ano em três versões inéditas de 39 mm de diâmetro. Estas versões conservam
o bisel dodecagonal de doze faces, equipada com quatro parafusos.
EISENBERG
MASQUE ULTRALIFT OR
Regeneradora e com um efeito
ultra!lifting, esta preciosa máscara
para a zona do contorno de
olhos, enriquecida com Ouro,
oferece um reforço de colagénio
para resultados visíveis desde a
primeira aplicação.
F FLASHBACK
H
DIÁSPORA DE LÍDERES
O que têm em comum
Sundar Pichai, Satya Nadella,
Shantanu Narayen e Arvind
Krishna, para além de serem
os CEO de grandes empresas
tecnológicas como a Alphabet
(Google), Microsoft, Adobe
e IBM, respetivamente?
Todos eles nasceram na
Índia e distinguiram-se em
universidades indianas antes
de partirem para os EUA, onde
prosseguiram os seus estudos
e, mais tarde, construíram
carreiras sólidas em empresas
líderes. Sundar Pichai e Satya
Nadella, devido ao poder da
Google e da Microsoft, surgem
com frequência nas capas das
principais revistas económicas
e de tecnologia. Mas há muitos
outros CEO indianos a dar
cartas nas grandes empresas,
como Leena Nair (Chanel),
Amrapali Gan (OnlyFans),
Jayshree Ullal (Arista), Nikesh
Arora (Palo Alto Networks),
Punit Renjen (Delloite), Anjali
Sud (Vimeo), entre outros.
A
NOVA
EDIÇÃO
FIBROMIALGIA
Preços válidos apenas para Portugal. Consulte todas as opções em loja.trustinnews.pt.
Campanha válida até 31/12/2023, na versão impressa e digital, salvo erro de digitação.
A doença mental
pode ser um
gatilho?
REPORTAGEM
Histórias da
Leprosaria
Nacional
CÉREBRO
Os estragos
provocados pela
Covid-19
CONSULTÓRIO
Mitos e verdade
sobre o jejum
intermitente