A Tradução Como Prática (E Teoria) - Entrevistas Com Tradutoras e Tradutores
A Tradução Como Prática (E Teoria) - Entrevistas Com Tradutoras e Tradutores
A Tradução Como Prática (E Teoria) - Entrevistas Com Tradutoras e Tradutores
Anna Palma
FALE/UFMG
Belo Horizonte
2021
Diretora da Faculdade de Letras
Graciela Inés Ravetti de Gómez
Vice-Diretora
Sueli Maria Coelho
Coordenador
Cristiano Barros Silva
Comissão editorial
Elisa Amorim Vieira
Emilia Mendes
Fábio Bonfim Duarte
Luis Alberto Brandão
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra
Sônia Queiroz
ISBN
978-65-87237-28-2 (digital)
978-65-87237-27-5 (impresso)
5 Introdução
Anna Palma
91 Sobre os autores
Introdução
Anna Palma
1
MESCHONNIC, Poétique du traduire, 1999; Poética do traduzir, 2010.
Introdução 7
Na continuação sobre a tradução de textos gregos da Antiguidade,
Gabriel Portella entrevista o professor da Faculdade de Letras da UFMG,
Antonio Orlando de Oliveira Dourado Lopes. A primeira parte do diálogo
é dedicada a obter informações sobre o percurso da sua formação, e o
professor de grego mergulha nas suas lembranças, nos presenteando
com preciosas reflexões e descrições de sua época de estudante, ressal-
tando sua paixão pelo estudo das línguas, que o acompanha ainda hoje.
Conversa, entre outros assuntos, sobre a tradução de Alcibíades, um diá-
logo de Platão, no qual estava trabalhando contemporaneamente à entre-
vista, e dos projetos que tem para o futuro próximo, das dificuldades de
traduzir do grego arcaico, das técnicas pessoais que desenvolveu durante
seus trabalhos, juntamente às teorizações sobre tradução baseadas em
suas práticas.
Saindo definitivamente dos tradutores ligados à academia, nossa
coletânea de entrevistas passa a se dedicar a tradutores/as profissionais
ou com projetos autônomos, além das publicações editoriais. A primeira
conversa é com Diogo Rufatto, tradutor técnico e literário, além de ficcio-
nista e poeta. A responsável pela entrevista é Milene Rocha Vieira, que
iniciou com perguntas para entender o que levou Diogo a empreender,
desde muito jovem, sua carreira de tradutor, especialmente técnico, mas
com algumas experiências de tradução de livros infantis. No âmbito da
tradução literária, ele se dedica, atualmente, mais à atividade de revisão
e de preparação de textos editoriais. Nas suas respostas, Diogo expõe
também suas concepções teóricas sobre a diferença entre traduções téc-
nicas e “editorias”, nascidas da prática, mas também dos estudos de
Especialização e Pós-Graduação que ele realizou, especificamente sobre
tradução.
Isabela Braga Lee entrevista a jornalista, poeta e tradutora
Stephanie Borges, que nos conta o valioso percurso de sua jovem carreira
– ou melhor, carreiras –, utilizando um estilo autobiográfico e literário.
Descobrimos que a tradução está presente na sua profissão de jornalista
e também nas atividades de leitora e escritora de poesia, e é a partir das
muitas leituras de autoras desconhecidas no Brasil, que Stephanie decidiu
começar a traduzir, especialmente, obras de autoras negras. Foi em 2015
que começou a se interessar mais especificamente pelo feminismo negro,
Referências
MESCHONNIC, H. Poétique du traduire. Paris: Verdier, 1999.
MESCHONNIC, Henri. Poética do traduzir. Trad. Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo,
Perspectiva: 2010. 279 p.
Introdução 9
Transmutar-se pela palavra, no corpo da palavra:
Entrevista com Álvaro Faleiros
Douglas Francisco
Elisa Cordeiro Praes
Tauani Lavarini
P: Qual foi o seu primeiro projeto de tradução profissional que foi publi-
cado? Qual é a sua relação com as editoras de suas traduções no que diz
respeito a revisões, edição, comentários etc.?
R: No último ano de minha graduação [em Ciências Sociais] na Unicamp,
em 1994, fiz o curso de tradução francês-português com o professor Paulo
Ottoni. Meu trabalho final da disciplina foi a tradução de várias quadras
do Bestiário de Apollinaire. Naquele mesmo ano ganhei um prêmio de
poesia da prefeitura de Campinas, o que me levou a procurar o Samuel
León da editora Iluminuras para publicar o livro de poemas Coágulos.
Falei pra ele do Apollinaire, ele se interessou e assim já fizemos os dois
livros, que saíram em 1995 e 1997. Aí também aprendi duas coisas funda-
mentais: 1) um livro pode demorar vários anos para sair, mesmo depois
de fechado o contrato; 2) ninguém traduz poesia por dinheiro. Descobri
assim que, para ser tradutor de poesia, eu precisaria de outra profis-
são. Pensei na diplomacia e acabei virando professor. Desde então minha
relação com editores tem sido tranquila, pois não tenho expectativas de
ganhar dinheiro e já sei que os livros podem demorar anos para chega-
rem às prateleiras físicas e virtuais.
P: Você traduziu Mallarmé, que dizem ser um poeta muito difícil, cujo
sentido comunicativo soa “fechado”, “hermético”, que não chega ao leitor.
Comenta-se na orelha do livro na edição da Ateliê das “sinuosas dobras”
da tradução de Haroldo de Campos do poema “Un coup de dés”. O que a
sua proposta de tradução destaca como soluções em nível macro e micro-
estruturais relevantes em Mallarmé? Quais foram os maiores desafios?
Foi o autor mais difícil que você traduziu?
R: A dificuldade é sempre relativa. Depende do que se almeja. Nesse
sentido o que traduzi de mais “difícil" foram os Feitiços [Charmes], de
Paul Valéry, em parceria com o professor Roberto Zular, a sair em breve
pela editora Iluminuras. No que concerne a tradução de Mallarmé, como
“Um lance de dados” é um poema muito estudado, não é hoje mais tão
difícil mapear as imagens ali em jogo. O grande desafio foi não deixá-lo
mais hermético do que é. Quis, nesse sentido, fazer uma retradução mais
APOLLINAIRE, Guillaume. Coágulos / Guillaume Apollinaire; tradução de Álvaro Faleiros. São Paulo:
Editora Iluminuras Ltda., 1995.
BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Tradução, introdução e notas de Jamil Mansur Haddad.
São Paulo: Difel, 1958.
BERARDI, Franco. Asfixia: capitalismo financeiro e insurreição da linguagem. São Paulo: Ubu
Editora, 2020.
BENJAMIN, Walter. Die Aufgabe des Übersetzers (1921). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1980.
Tradução de Susana Kampff Lages: A tarefa-renúncia do tradutor, p. 66- 81. Belo Horizonte: Viva
Voz FALE/UFMG, 2009. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/site/e-livros/Tarefa%20do%20
Tradutor,%20A%20-%20de%20Walter%20Benjamim.pdf. Acesso em: 04 out. 2020.
BENJAMIN, Walter. Tableaux parisiens – Charles Baudelaire: Deutsche Übertragung mit einem
Vorwort über die Aufgabe des Übersetzers von Walter Benjamin. Heidelberg: Verlag von Richard
Weissbach, 1923.
FALEIROS, Álvaro. À flor do mal. Apresentação de Viviana Bosi. – São Paulo: V. de Moura Mendonça
– Livros, 2018. (Selo Demônio negro).
FALEIROS, Álvaro. Caracol de nós. São Paulo: V. de Moura Mendonça – Livros, 2018. (Selo
Demônio negro).
FALEIROS, Álvaro. Traduções canibais (uma poética xamânica do traduzir). Florianópolis: Cultura
e Barbárie, 2019.
LARANJEIRA, Mário. Poética da Tradução. São Paulo: Edusp, 2003, (Criação & Crítica, V. 12).
P: Além de tradutor, você também é poeta. O que você pensa sobre essa
relação? É necessário ser poeta para traduzir poesia?
R: Primeiramente, eu acredito que, para se ter uma experiência estética
numa língua estrangeira, é preciso que se tenha tido antes uma experi-
ência estética na própria língua materna. Então, é muito importante que
o tradutor de poesia, principalmente, esteja familiarizado com as formas
poéticas e com a linguagem da poesia em geral. Se precisa ou não ser
poeta para ser tradutor de poesia, para o bem e para o mal, eu diria que
sim. Tanto melhor se o tradutor já for um poeta experimentado, pois
muito de sua prática poética poderá ser útil na confecção da tradução.
Eventualmente, a sua tradução poderá adquirir características de sua
obra autoral, redundando numa tradução que reduz o outro a si mesmo.
O bom é quando há uma congenialidade entre ambos, e o poeta-tradu-
tor consegue expressar-se a si mesmo e também deixar transparecer a
alteridade do poeta traduzido, de tal forma que o comércio entre eles
redunde em ganhos de novas formas para a poesia em seu novo contexto
de recepção. Retornando à pergunta, eu faria uma pequena mudança na
sua formulação, dizendo: É necessário ser poeta ao traduzir poesia? A
resposta continua afirmativa, mas aqui, eu diria que, o tradutor, mesmo
nunca tendo feito poesia autoral, pode sim, através do estudo e da apli-
cação dos conceitos, regras e procedimentos poéticos, estabelecer uma
relação criativa com o poema a ser traduzido e, dessa forma, adquirir
competência para realizar o seu trabalho a contento. Então, é preciso
entender a figura do poeta não como um título adquirido e conferido pela
comunidade de leitores, mas como uma habilidade e uma disposição inte-
lectual e espiritual de processar uma experiência poética numa língua e
transpô-la para um novo contexto cultural e linguístico.
Referências
CARVALHO, R. Bucólicas de Virgílio: uma constelação de traduções. 1999. Tese (Doutorado em
Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
CARVALHO, R. Filêmon e Báucis (Metamorfoses VIII, 611-724), de Ovídio. Revista Texto Poético,
v. 15, n. 26, p. 182-190, 2019.
CARVALHO, R.; MOTA, I. L. B.; VARGAS, D. Circo universal. Belo Horizonte: Dimensão, 2000.
CARVALHO, R.; FLORES, G. G.; GOUVÊA JÚNIOR, M. M.; NETO, J. A. O. (orgs.). Por que calar nossos
amores? Poesia homoerótica latina. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
NETO, J. A. O. Livro de Catulo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
VIRGÍLIO . Bucólicas. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Editora
Melhoramentos, 1982.
Douglas Francisco
Elisa Cordeiro Praes
Tauani Lavarini
P: Quando foi que você traduziu o seu primeiro texto ou poema? Você
traduziu de qual língua? Quais foram as maiores dificuldades no início do
aprendizado e das suas primeiras traduções de grego?
R: Não saberia dizer com precisão. Lembro de leituras de Hölderlin e de
Ésquilo e Sófocles que eu comparava com algumas poucas traduções às
quais tinha acesso – e chegava a uma conclusão, em parte ingênua, de
que era impossível traduzir o que havia de mais poético em uma pas-
sagem. Eu nunca fiz uma disciplina sobre tradução e nunca li um livro
técnico sobre o tema, de sorte que acho que só perdi certas ideias equi-
vocadas do que é traduzir quando tive o privilégio de trabalhar com Maria
Emília Bender na edição da minha tradução da Odisseia para a Cosac Naif.
P: Além disso, nessas traduções você admite que algo se perde na tradu-
ção como “figuras etimológicas”. Poderia nos dizer um pouco sobre isso?
R: Acabou de ser publicado um livro inteiro sobre isso, Hesiod’s verbal
craft, de A. Vergados (Oxford, 2020). Resumidamente, os dois poemas de
Hesíodo o mostram como um autor que reflete sobre seu próprio meio, a
linguagem. A Teogonia é um poema sobre a evolução do cosmos, sobre
nascimentos e transformações, que se refletem nos próprios nomes das
divindades: nos nomes inscreve-se uma evolução diacrônica.
Referências
BLOOM, Harold. The Anxiety of Influence: Theory of Poetry. Nova York: Oxford University Press,
1973.
FLORES, Guilherme Gontijo. Análise: Tradução de Christian Werner da ‘Odisseia’ torna leitura
acessível. Folha de S. Paulo, São Paulo, 08 de nov. 2014. Disponível em: https://www1.folha.uol.
com.br/ilustrada/2014/11/1544778-analise-traducao-de-christian-werner-da-odisseia-torna-
leitura-acessivel.shtml. Acesso em: 20 de ago. de 2020.
HESÍODO. Teogonia. Tradução, introdução e notas de Christian Werner. São Paulo: Hedra, 2013.
HESÍODO. Trabalhos e os dias. Tradução, introdução e notas de Christian Werner. São Paulo:
Hedra, 2013.
HOMERO. Ilíada. Tradução e ensaio introdutório de Christian Werner. São Paulo: Ubu Editora, 2018.
HOMERO. Odisseia . Tradução e ensaio introdutório de Christian Werner. São Paulo: Cosac Naify,
2014.
HOMERO. Odisseia. Tradução e ensaio introdutório de Christian Werner. São Paulo: Ubu Editora, 2018.
VERGADOS, Athanassios. Hesiod’s verbal craft: studies in Hesiod’s conception of language and its
ancient reception. Oxford: Oxford University Press, 2020.
P: Você acha que na Europa talvez tenha uma demanda maior? As pes-
soas falam mais sobre isso? Já ouvi falar que eles estudam grego antigo
e latim nas escolas…
R: É, isso foi mais disseminado. Eu sei que tem um pouco na França,
mas acho que já foi mais comum. Sei que tem bastante na Itália e na
Alemanha. Não sei se tem reduzido. Tenho a impressão de que na Itália
deve ser um dos países em que isso é mais frequente, a opção do grego
e do latim nas escolas. O que eu senti na minha experiência na França,
quando eu morei lá pro Doutorado, é que é uma área mais reconhecida.
O número pequeno de pessoas que se dedicam a ela não a desmerece.
Eles sabem que é uma área tradicional, importante, ela compõe o reper-
tório das ciências humanas, tem um papel chave na formação, mas o
número de alunos não é muito grande nas universidades que eu fre-
quentei. Mas você continua tendo profissionais se formando. Mantendo
vivo, mas em algumas regiões com bastante precariedade, com muita
Referências
BENVENISTE, Émile. O vocabulário das instituições indo-européias. Campinas: Editora Unicamp,
1975.
DOLET, Etienne. A maneira de bem traduzir uma língua para a outra. In: FAVERI, Cláudia Borges
de; TORRES, Marie-Hélène Catherine (orgs.). Clássicos da teoria da tradução I. Florianópolis:
UFSC, Núcleo de Tradução, 2004. p. 15-21.
COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE POESIA GREGA ARCAICA DO NEAM / UFMG: POESIA HEXAMÉTRICA, II, 2018,
Belo Horizonte. [Congresso]. Belo Horizonte, 2018.
HOMERO. Ilíada. Tradução e introdução de Christian Werner. São Paulo: Ubu editora, 2018.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Cia. das Letras, 2013.
HOMERO. Ilíada. Tradução e prefácio de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
HOMERO. Ilíada. Tradução, prefácio e notas de Trajano Vieira. São Paulo: Editora 34, 2011.
HOMERO. Odisseia. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
HOMERO. Odisseia. Tradução e introdução de Christian Werner. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
HOMERO. Odisseia. Tradução, prefácio e notas de Trajano Vieira. São Paulo: Editora 34, 2011.
RILKE, Rainer Maria. Poemas: Rainer Maria Rilke. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012.
WEST, Martin (ed.). Odyssea. Berlin, Boston: De Gruyter, 2017. Disponível em: https://doi.
org/10.1515/9783110420234. Acesso em: 12 nov. 2020.
P: Você crê ser um tradutor melhor por também ser escritor e poeta?
R: Eu acho que uma coisa vai complementando a outra. Eu acho que
quando eu comecei a traduzir eu comecei a prestar mais atenção na
estrutura do texto, em como o texto foi construído, o que também me
ajudou a ser um escritor melhor. Eu acho que as coisas são complemen-
tares, uma coisa ajuda a outra. Mas com essa minha fala eu não quero
dizer que se você não for um escritor você não pode ser um tradutor. Mas
eu acho que a tradução editorial exige um certo traquejo com a escrita,
eu acho que alguns tradutores podem ser excelentes tradutores técni-
cos e não conseguirem dar conta de uma linguagem mais literária, mais
estética. É um domínio mais específico, eu acredito que você pode ser um
tradutor técnico que não vai conseguir se aventurar nas [traduções] edi-
toriais, e a mesma coisa o contrário, você pode ser um excelente tradutor
de livros, de ficção e você pegar um contrato e não conseguir fazer, dar
conta de traduzir aquele contrato. Mas as duas atuações, como escritor e
tradutor, elas só complementam. Mas também eu acho que a gente tem
que ter o cuidado para não cair no conto, na armadilha de você querer
ser muito autor daquilo que você está traduzindo, eu acho que aí pode
P: Qual foi seu último projeto de tradução, e se tem algum que está acon-
tecendo no momento.
R: Tenho um pra acontecer nos próximos dias que eu ainda estou pra
receber as informações, então nem posso falar muito porque ainda não
sei. Mas acho que meu último de tradução foi uma revista para a empresa
Referências
LEFEVERE, André. Tradução, reescrita e manipulação da fama literária. Tradução de Claudia
Matos Seligmann. Bauru: Edusc, 2007.
RUFATTO, Diogo da Costa. O livro fúcsia – da linguagem tripartida. São Paulo: Urutau, 2017.
RUFATTO, Diogo da Costa. Exercícios de ser e não ser. São Paulo: Urutau, 2019.
P: Pra começar a traduzir livros você foi meio que se divulgando então
né?
R: Sim. A minha trajetória é de certa forma um pouco diferente porque
passei muito tempo dentro de editora. Então conheço vários editores e
sabia por exemplo que para um editor me chamar para trabalhar, eu pre-
cisava primeiro mostrar o trabalho. Não adiantava chegar pedindo um
teste, eu tinha que mostrar um poema traduzido e o original, mostrar um
ensaio e o original. E para isso usei bastante o meu perfil no Medium,1
porque eu lia um poema que gostava, aí traduzia e deixava lá o poema
e o original. E aí quando eu pedia um teste para as pessoas e elas me
pediam que mandasse uma coisa que eu já traduzi, mandava os textos,
entendeu?
1
Medium é uma plataforma de publicação de textos. O perfil da Stephanie se encontra aqui: https://
medium.com/@stephieborges.
P: Quando você faz essas traduções literárias tem vários gêneros (ficção,
poesia, ensaios), qual é a particularidade da tradução de cada um para
você?
R: Acho que é uma questão minha, de personalidade, gostar de traduzir
gêneros diferentes, sou uma pessoa inquieta. Esse ano traduzi muitos
ensaios e agora estou doida para pegar um romance, porque isso muda
um pouco a minha lógica. Porque cada uma dessas traduções tem suas
peculiaridades; assim como cada autora tem sua voz e questões estéti-
cas, cada gênero tem a sua peculiaridade e ritmo de trabalho. O que dá
mais trabalho de traduzir é a poesia. Embora as pessoas achem que é
fácil por ser relativamente curto, na verdade o trabalho de linguagem é
muito maior. As palavras, as referências, poesia às vezes também pre-
cisa de muita pesquisa, às vezes eu leio crítica literária ou artigo que saiu
sobre aquele determinado livro pra me ajudar com minhas escolhas.
O ensaio é uma coisa que eu gosto muito de fazer e de ler, acho
que hoje em dia depois que eu comecei a traduzir é o que eu mais leio na
minha vida. E o ensaio é aquela peça fechada, ele tem um número x de
páginas. Depende muito do estilo da autora. Tem ensaios muito pessoais
P: Existe alguma área da sua carreira para a qual você pretende dar
mais prioridade no futuro (tradução, jornalismo, poesia), ou você conti-
nua querendo explorar todas?
R: Olha, de uma maneira geral, não pretendo dar um foco específico para
nenhuma dessas áreas não. Gosto de fazer várias coisas diferentes. O
que noto é que, por exemplo, cada uma dessas coisas precisa de alguns
ajustes. Tenho muita vontade de parar e estudar tradução mais a fundo.
Tem algumas leituras aqui que faço por minha conta em casa, tipo um
livro de ensaios do Álvaro Faleiros sobre tradução de poesia e antropo-
logia, chamado Traduções canibais. Separei para ler o livro de tradução
literária do Paulo Henriques Britto. Porque eu acredito que tem todo um
pensamento sobre a tradução que pode me ajudar a ser uma tradutora
melhor. Um grupo de tradutoras profissionais do RJ criou uma empresa
chamada A Pretexto, com cursos curtos de formação de tradução. Tipo
curso de reciclagem de português para tradutores, que me interessa, por
exemplo. Na verdade, em algum momento talvez voltar para a academia
e fazer algo relacionado a essa experiência dos últimos 4 anos. Escrever
a respeito de uma maneira organizada, sistematizada, com bibliografia…
Tenho vontade, na verdade, então de organizar um pouco a minha
bagagem teórica como tradutora e tenho vontade de dar uma desacele-
rada nessa vida louca de traduzir um livro atrás de outro, não só para
estudar, mas também para parar e pensar nas outras coisas que quero
escrever. Esse ano tive uma experiência incrível de escrever um ensaio,
uma coisa que achei que nunca ia conseguir fazer. O pessoal da Serrote
me chamou para escrever um ensaio sobre a pandemia porque um dia
fiz uma análise semiótica de uma imagem do Bolsonaro no Twitter, e
aí escrevi um ensaio sobre imaginação, colonização e apocalipse zumbi
dentro do contexto da pandemia. Mas o que eu quero é simplesmente
escrever. Esse processo de escrever uma coisa totalmente diferente, que
foi o ensaio, foi ótimo para sair disso de pensar a poesia o tempo todo.
Mas meu plano, na verdade, é nesse sentido de começar a ler outras
coisas que estão paradas aqui, me organizar e começar a pensar em
P: Bom, Stephanie, era isso. Muito obrigada, fiquei muito feliz com a
entrevista e com a chance de poder compartilhá-la com meus colegas.
R: Espero que tenha ajudado, porque fico preocupada quando as pes-
soas vêm me pedir para falar da minha trajetória profissional, porque
ela é meio caótica, simplesmente fui mudando. O que eu queria era tra-
balhar com livro, mas tive que fazer uma grande volta para chegar a
esse ponto. Às vezes as pessoas me pedem dicas para dar para quem
está começando e o que eu tenho a dizer é: traduza antes, mostre seu
trabalho, faça portfólio. Agora não dá para fazer isso, mas vá a eventos,
ouça outros tradutores falarem, veja lives. Porque o mais complicado
foi entre a minha primeira tradução sair e a segunda aparecer. Eu tinha
traduzido um livro, mas ele não estava visível, não podia falar dele nem
divulgar, então isso era uma coisa que me criava uma certa ansiedade.
Mas, para mim, é muito importante essa questão do portfólio, não ficar
necessariamente esperando pintar um teste, achar coisas que você acha
diferente, que não tem outras pessoas fazendo. Uma outra coisa que eu
fiz também foi procurar editoras que faziam livros que tinham a ver com
os que eu queria fazer. Arrumar um esquema para mostrar o seu trabalho
é o melhor jeito. Porque com tradução não tem outra, as pessoas têm
que ler a sua tradução e bater o olho no original e ver como você resolve
certas coisas, como você se vira, isso é fundamental. Eu acho engraçado
porque conheço várias tradutoras que reclamam da invisibilidade do tra-
dutor. Uma coisa que faço muito é falar das minhas traduções. Tem coisas
sobre traduzir a Audre Lorde que só eu vou conseguir falar porque só eu
quebrei a cabeça fazendo esses poemas, não vou ficar preocupada se a
editora está falando ou não de mim. Às vezes eu marco a editora no post
só para ela ficar sabendo [risos]. Ainda se dá pouco crédito ao tradutor,
mas já se deu menos e hoje em dia, com redes sociais, ninguém vai falar
do seu trabalho como você.
Referências
BORGES, Stephanie. Talvez precisemos de um nome para isso. Recife: Cepe, 2019.
COATES, Ta-Nehisi. Entre o mundo e eu. Tradução de Paulo Geiger. São Paulo: Objetiva, 2015.
FALEIROS, Álvaro. Traduções canibais: uma poética xamânica do traduzir. Florianópolis: Cultura
e Barbárie, 2019.
FREITAS, Angélica. Canções de atormentar. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
GAY, Roxane. Má feminista. Tradução de Tassia de Carvalho. São Paulo: Novo Século, 2016.
GYASI, Yaa. Caminho de casa. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo:
Elefante, 2019.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira.
Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.
LERNER, Ben. The hatred of poetry. New York: FSG Originals, 2016.
LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo:
Autêntica, 2019.
MOORE, Darvid Barlclay. As estrelas sob os nossos pés. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo:
Plataforma 21, 2018.
PARKER, Morgan. There are more beautiful things than Beyoncé. Portland: Tin House Books, 2017.
VERKAIK, Robert. Jihadi John: Como nasce um terrorista. Tradução de Stephanie Borges. São
Paulo: Harper Collins Brasil, 2017.
WOODSON, Jacqueline. Um outro Brooklyn. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Todavia, 2020.
1
Disponível em: https://www.redemoinhotraducoes.com.br ou em @redemoinhotraducoes no
Instagram.
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Disponível em: https://www.revistacupim.com.br.
Meu objeto de estudo é a Teoria da Literatura, centralizada nas
produções pré-modernas presentes no sistema literário português. Gosto
e me interesso pelo processo de dar nome às coisas, principalmente
às coisas literárias. Estudo, portanto, a relação entre essas práticas de
escrita, trovadorismo e a poesia narrativa renascentista, e o processo de
sistematização delas, suas poéticas, tanto em sua própria temporalidade
quanto na recepção crítica contemporânea.
Fora das questões envolvendo minha pesquisa de Doutoramento,
sou Editor das revistas Em Tese, gerida pelos estudantes da Pós-
Graduação em Estudos Literários da UFMG, e da Revista Cupim, plata-
forma voltada para publicação e divulgação de literatura, tradução literá-
ria e crítica literária.
CAMILLA: Olá, meu nome é Camilla Felicori, tenho 36 anos de idade,
nascida em Belo Horizonte em 1984. Aos dezessete anos, ingressei
na UFMG no curso de Comunicação Social, o qual cursei por dois anos
quando pedi reopção de curso para Filosofia, Graduando-me em 2008.
Neste mesmo ano comecei um Mestrado interdisciplinar em Literatura,
Arte e Filosofia na Universistat Pompeu Fabra, em Barcelona, recebendo
o título em 2009. Ao retornar ao Brasil, dei aulas de Filosofia em uma
escola para o ensino fundamental e médio e depois comecei a trabalhar
na Editora Bernoulli como redatora (cargo que se assemelha ao de edi-
tora) de Filosofia, trabalhando com materiais didáticos de Filosofia. Em
meio a tudo isso casei-me e meu atual ex-marido conseguiu uma bolsa
de doutorado na Alemanha, em Hannover, quando nos mudamos para lá.
Impossibilitada de trabalhar ali por não falar alemão, comecei a trabalhar
com tradução ao ser aprovada numa seleção para a empresa de legen-
dagem Sfera Studios, hoje denominada Deluxe Entertainment, onde não
trabalho mais. Hoje, de volta ao Brasil, comecei a cursar Psicologia na
PUC-Minas.
P: Ainda nesta mesma temática, sabemos que o MEI não reconhece o tra-
dutor como microempreendedor no Brasil. O que isso diz a vocês?
CAMILLA: Para mim o fato de não haver a categoria de tradutor no MEI
é mais uma mostra de como nossa profissão é desvalorizada, apesar de
sua extrema importância.
P: Otávio, você pode nos contar por que a Revista Cupim decidiu que
haveria uma sessão dedicada exclusivamente a traduções?
OTÁVIO: Acreditamos em uma perspectiva “tradutorial” muito afinada
com uma concepção poética, ou seja, de prática criadora. Nesse sentido,
tanto as obras originais quanto as traduções compõem o mesmo “setor”
da revista: escrita. A ideia de conjugar tradução e produções autorais
tem como reivindicação a realização “espacial” de uma convicção de que
a tradução, tanto na ensaística quanto no literário, é verdadeiramente
“transcriação”.
P: Qual o último texto que vocês traduziram? Gostaria que vocês comen-
tassem um pouco sobre ele.
OTÁVIO: "Eu te amei", Alexandre Pushkin
Referências
PUSHKIN, Alexandre. I loved you. Tradução de Yevgeny Bonver. Disponível em: https://www.
poetryloverspage.com/poets/pushkin/i_loved_you.html. Acesso em: 18 nov. 2020.
STAËL, Madame de. Do espírito das traduções. Tradução de Marie-Hélène Torres. In: FAVERI,
Cláudia Borges de; TORRES, Marie-Hélene Catherine (orgs.). Clássicos da teoria da tradução. V.
2. Florianópolis: UFSC, Núcleo de Tradução, 2004. p. 15-21.