Função Social Da Dogmática

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Centro Universitário – Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB

Mestrado Profissional em Direitos Sociais e Processos Reivindicatórios


Disciplina: Metodologia Aplicada da Pesquisa Jurídica
Prof. Dr: Márcio Evangelista
26 jun. 2023

RESUMO - Função social da dogmática jurídica


(Introdução e capítulo 1, “As origens do pensamento dogmático”)

FERRAZ Júnior, Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica / Tércio


Sampaio Ferraz Júnior. - 2. ed. – São Paulo : Atlas, 2015.

Kleber Moreira da Silva

1. Credenciais do autor1

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, nascido em 2.7.1941, é um jurista brasileiro,


professor aposentado do Departamento de Filosofia do Direito da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo.

Graduado em Filosofia, Letras, Ciências Humanas e Ciências Jurídicas e


Sociais pela Universidade de São Paulo – USP, Tércio Sampaio é doutor em
Filosofia pela Universidade de Mainz, na Alemanha e doutor em Direito pela USP.

1
CONTEÚDO aberto. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%A9rcio_Sampaio_Ferraz_J%C3%BAnior. Acesso em: 6
jun. 2023).
2

No período de 1991 a 1993, o autor foi Procurador-Geral da Fazenda


Nacional. Atualmente ele é consultor da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES e professor de cursos de pós-graduação da
Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo.

Suas principais obras são: Introdução ao Estudo do Direito - Técnica,


Decisão, de 1988; Teoria da Norma Jurídica - Ensaio de Pragmática da
Comunicação Normativa, 1978; A Superação do Direito Como Norma: uma Revisão
Descolonial da Teoria do Direito Brasileiro, 2020; Função Social da Dogmática
Jurídica, 1978; Argumentação Jurídica, 2014; A Ciência Do Direito, 1977; Estudos
de Filosofia do Direito: Reflexões sobre o Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito,
2002; Direito, Retórica e Comunicação, 1973.

2. Introdução

Tércio Sampaio estruturou sua obra “Função social da dogmática jurídica” em


“Introdução” e mais três capítulos: 1 As origens do pensamento dogmático, capítulo
subdividido em cinco tópicos; 2 Características e funções da dogmática, subdividido
em três tópicos; e 3 Os instrumentos dogmáticos e sua função, subdividido em três
tópico.

A parte da introdução subdivide-se em: 1. Sobre a situação da dogmática


jurídica; 2 Objetivos desta investigação; e 3 Relação entre a teoria e a praxis.

2.1. Sobre a situação da dogmática jurídica

O autor reconhece que ainda pairam dúvidas em torno do conceito de


Dogmática Jurídica. Segundo ele, atualmente “a tendência é identificá-la com um
tipo de produção técnica capaz de atender à demanda do profissional, no
desempenho imediato das funções, ou de vê-la na produção didática” (p. 1).
3

Ele diferencia a Dogmática Jurídica da Teoria Jurídica, atividade esta que se


afigura como “instrumental de outras ciências, como a Sociologia, a Política, a
Filosofia, a Antropologia etc.” (p. 2).

Nos países de tradição românica, inicialmente o conhecimento do Direito se


dava por meio da técnica que os romanos chamaram de jurisprudentia, uma forma
peculiar de decisão da autoridade para resolver conflitos, mas utilizando “fórmulas
generalizadoras que constituiriam as chamadas doutrinas” (p. 2).

Na época dos glosadores, acrescentou-se à técnica jurisprudencial a


vinculação a determinados textos romanos, em especial o Código Justinianeu,
moldando o pensamento exegético como base da Dogmática Jurídica (p. 2-3).

Nos séculos XVII e XVIII, afirma o autor, os textos romanos foram substituídos
pelos “princípios da razão” que deveriam ser investigados e serem aplicados de
modo sistemático. No entanto, foi no século seguinte que as bases da Dogmática
Jurídica se assentaram na herança jurisprudencial, na herança exegética, na
herança sistemática e na “perspectiva histórica e social”.

Nos últimos anos, a Dogmática Jurídica enfrentou uma crise em relação às


exigências políticas, sociais e econômica, chegando aos “fundamentos, ao seu
potencial argumentativo, à sua praxis decisória” (p. 3).

Na realidade, “as tentativas de adequação vêm tomando conta da


Epistemologia Jurídica”, impulsionando o reexame da Dogmática, principalmente no
que se refere às suas deficiências exegéticas (p. 4).

Segundo o autor, busca-se proposições de novas bases de reflexão sobre a


função e o conceito da Dogmática, sem ignorar que ela “está ligada a uma dupla
abstração”: a sociedade e as normas. Diz o autor que “A Dogmática, transformando-
se assim em abstração de abstração, vai preocupar-se, por exemplo, com a função
das classificações, com a natureza dos conceitos etc.” (p. 5).
4

Nas obras de Dogmática Jurídica, desde o século XIX, nota-se a constância


do trabalho de aferição de dados a partir de dogmas preestabelecidos e a
investigação de dogmas tidos como “princípios supremos da razão prática”. Nesse
contexto, forçosamente surgiram as “pesquisas de base”, constituindo um “outro
campo de indagação que a Dogmática tende a incorporar” (p. 6-7).

2.2 Objetivos desta investigação

O autor indaga qual a função social da Dogmática Jurídica, não apenas como
uma teoria pura e simples do conhecimento (p. 7). O problema consiste em
“determinar as relações entre seus processos cognoscitivos e a própria realidade
social à qual ela se dirige” (p. 8).

Parte-se do pressuposto de que o fator social é relevante nos processos de


conhecimento, o que obriga o investigador a ter uma visão interdisciplinar do
problema, levando em conta “elementos de natureza filosófica, sociológica,
antropológica, psicológica etc.” (p. 8).

Para o autor o conhecimento é uma atividade capaz de servir de mediação


entre a realidade e a “resposta comportamental do indivíduo”, gerando “expectativas
cognitivas” (p. 9).

Diz o autor que “As sínteses significativas da ciência, de um modo geral,


garantem a segurança e a certeza de expectativas sociais”. Em caso de
discrepância, a falha estaria na avaliação da expectativa das interações sociais (p.
9).

Desse modo, o conhecimento dispõe de uma margem de indeterminação e


variabilidade. Consequentemente, a Dogmática Jurídica se inclina para a descrição
do modo como, objetiva e subjetivamente, a realidade é construída numa
determinada sociedade. Nesta perspectiva, a função da Dogmática Jurídica estaria
5

mais centrada na “estruturação da realidade” do que propriamente na distinção entre


conhecimento falso e verdadeiro.

Segundo o autor, a função de socialização da ciência é controvertida, tendo


em vista a questão referente à relação entre o conhecimento teórico e a praxis social
(p. 10).

2.3 Relação entre a teoria e a praxis.

De acordo com o autor, ao enfrentar o tema da relação entre teoria e a praxis,


Platão se vê obrigado a indagar como legitimar o domínio político.

No âmbito público, inicialmente Platão justificava o domínio público na tirania.


Depois, reconhecendo que o tirano privava o cidadão da faculdade política, ele
abandonou esse modelo.

Já no âmbito doméstico, Platão via o chefe da como um déspota. Esse


modelo político também não servia porque na cultura grega todos deveriam ser
iguais e livres (p. 11).

Em sua obra A República, Platão propõe “a ideia do governo utópico da razão


na pessoa do rei filósofo”. Seria, então, a força da razão, o conhecimento
especializado, as ideias percebidas pelo governante, que legitimaria o domínio
político. “O problema, porém, é que a coerção da razão só valia para uma minoria”
(p. 12).

Tanto na dimensão teórica quanto na prática, o dilema se afigura tal qual no


mito da caverna. Diz o autor que os neokantianos colocam o dilema no contexto de
“uma oposição entre ser e dever ser” (p. 13-4).
6

Para influenciar aquela maioria que repudia a “visão da verdade”, Platão diz
que o filósofo deve recorrer a mitos, tais como o mito do inferno, o que perverteria a
própria razão (p. 15).

Segundo o autor, “Nesse contexto, o âmbito das teorias sociais passa a ser
constituído por questões técnicas [...] e por questões práticas” (p. 15).

A propósito dessas questões, o autor percebe no mundo contemporâneo, de


um lado, o crescimento da atividade intervencionista do Estado, o que justifica a
utilização da ciência para assegurar a estabilidade e o desenvolvimento econômico;
e, de outro, a interdependência “entre pesquisa técnica e administração estatal, que
faz da ciência uma espécie de força de produção de primeira grandeza”. Segundo
ele, a “ligação entre ciência e atividade estatal serve, assim, de mascaramento para
as relações de domínio” (p. 16).

Em sua obra, o autor pretende examinar o problema da função da


Dogmáticos sob dois aspectos: “(1) qual a função que a ciência passa a assumir na
sociedade?; (2) como a sociedade acaba influindo na própria elaboração da
ciência?” (p. 17).

3. As origens do pensamento dogmático

Para analisar a função social da Dogmática Jurídica, inicialmente, o autor


descreve um panorama histórico da evolução do pensamento dogmático.

3.1 A jurisprudência romana

Na época da República e do Principado, como a legislação era limitada a


matéria muito especiais, o edito do pretor servia, supletivamente, apenas como
“molduras que deveriam, então, ser preenchidas para uma aplicação prática”.
7

No período clássico o Direito Pretoriano era incipiente, até porque “a


jurisprudência era exercida por jurados, em geral leigos”. Com o surgimento de
juízes profissionais, a partir do desenvolvimento do Concilium imperial, é que se
possibilitou a construção de uma teoria jurídica (p. 20).

Por meio dos responsa, os jurisconsultos interpretavam e davam consultas


sobre o direito, não sendo lícito ao juiz se afastar das respostas deles. “Os responsa
são, por assim dizer, o início de uma teoria jurídica entre os romanos” (p. 20-1).

Para o autor, os romanos apreenderam com os gregos, por meio de sua


retórica, gramática e filosófica, instrumentos técnicos. Essa influência permitiria, ao
menos, caracterizar como romana a “maneira de pensar que se pode denominar de
jurisprudencial”.

O termo jurisprudência está ligado àquilo que os gregos chamavam de


fronesis, virtude exercida por meio de uma arte ou disciplina que, por sua vez,
aproximava-se do que Aristóteles denominava dialética (p. 21-2).

“O uso da técnica dialética no desenvolvimento do pensamento prudencial


conduziu os romanos a um saber considerado de natureza prática”, uma forma de
pensamento ligada à figura do homem prudente. Apesar de considerar a praxis
tipicamente romana, o autor diz que se pode estabelecer uma analogia com a
distinção jurídica entre personae (nomina própria) e res (appellativa) da Gramática
grega (p. 24-5).

O Direito alcançou um nível maior de abstração, assumindo “a forma de um


programa decisório no qual eram formuladas as condições para uma decisão
correta”.

As figuras construtivas da incipiente Dogmática passam a se dissociar do


Direito para serem mediação entre a ordem jurídica e as decisões concretas, com
critérios próprios e abstratos (p. 26-7).
8

Para os romanos, a legitimação do domínio político decorria da tradição, da


autoridade daqueles que fundaram a cidade, da religião, havendo distinção entre
potestas e auctoritas (p. 28-9).

Diferente da prudência grega, a jurisprudência romana não era uma busca,


mas, sim, “uma confirmação, ou seja um fundamento do certo e do justo”.

3.2 A dogmaticidade na idade média

Diz o autor que, a ciência europeia do Direto nasceu em Bolonha, no século


XI, sem abandonar o pensamento prudencial dos romanos, com a introdução de
uma nota diferencial: “sua dogmaticidade”. Seu desenvolvimento se deu a partir de
uma resenha crítica dos digestos justianeus, transformados em textos para o ensino
universitário.

Esses textos eram analisados por meio de técnicas explicativas, “sobretudo


no Trivium – Gramática, Retórica e Dialética” (p. 31).

A disciplina da teoria jurídica embasava-se no estudo de textos do “Corpus


Juris Civilis, de Justiniano, do Decretum de Graciano, de 1140, além das fontes
eclesiásticas que formavam os cânones”. O caráter do pensamento prudencial foi
transformado de casos problemáticos para casos paradigmáticos, tornando-se
dogmático (p. 32).

Com o declínio do império romano, a Igreja se institucionaliza politicamente,


tornando-se, após Constantino, “religião no sentido romano”, com grande influência
do pensamento grego.

Após o século V, a Igreja então reclama para si a auctoritas, deixando a


potestas aos príncipes seculares, reintroduzindo o mito do inferno, agora
9

transformado em dogma de fé. Tais dogmas produzem a Teologia que influencia o


pensamento jurídico dogmático.

Nesse período, a principal característica do pensamento dogmático está na


presença do “princípio da não negação dos pontos de partida das séries
argumentativas” (p. 33-4).

Diz o autor que, como o pensamento dogmático organiza os conceitos dos


textos vinculantes, a Dogmática se transforma num instrumento de poder (p. 35).

3.3 A teoria jurídica na era moderna

Para o autor, a era do Direito Racional, marcada pela presença dos sistemas
racionais na teoria jurídica, vai de 1600 a 1800 (p. 36).

Não se elimina a vinculação aos textos, mas a exegese jurídica torna-se mais
livre. Quando o pensamento europeu distancia-se da “cosmovisão medieval”,
sustenta o autor, a teoria jurídica se desconecta de suas bases metódicas, abrindo
as portas para a ciência moderna (p. 37).

Nessa época é que o pensamento jurídico se liga ao chamado pensamento


sistemático. Sobretudo no início do século XVII, o pensamento sistemático “foi
transposto da Teoria da Música e da Astronomia para a Teologia, para a Filosofia e
para a Jurisprudência” (p. 38).

Segundo o autor, Lambert reelabora o conceito de sistema como sendo a


“intenção fundamental e geral capaz de ligar e configurar as partes num todo”. Ao
lado de système, Foucault menciona a méthode. Apesar das diferenças, tanto um
quanto o outro têm a função fundamental do saber clássico (p. 39-40).
1

Assinala o autor que, “Numa teoria que devia legitimar-se perante a razão,
através da exatidão lógica da concatenação de suas proposições, o Direito
conquista uma dignidade metodológica especial” (p. 40-1).

Na visão do autor, para Pufendorf, o Direito Natural tem seu fundamento na


vontade divina que fixou, originariamente, os princípios perpétuos da razão humana
(p. 42-3).

Sustenta o autor que a teoria do Direito Natural, apesar de quebrar o elo entre
a jurisprudência e o procedimento dogmático embasado na autoridade dos textos
romanos, não lhe retira o caráter dogmático, mas “tenta aperfeiçoar ao dar-lhe uma
qualidade de sistema que se constrói a partir de premissas, cuja validade repousa
na sua generalidade racional”.

Nesse período, observa-se que a função social da teoria jurídica consiste no


“estabelecimento da paz, a paz do bem-estar social, a qual consiste não apenas na
manutenção da vida, mas na vida mais agradável possível” (p. 44).

Tendo em vista a ruptura com as experiências romana e grega, abre-se


caminho para uma ciência moderna, “como procedimento empírico-analítico”, com
sentido pragmático, sem, contudo, desprezar o paradigma (p. 45).

A teoria jurídica adquire um novo critério técnico que é sua funcionalidade (p.
46).

Para o autor, o novo Direito Natural elimina o pensamento prudencial “para


estabelecer o pensamento sistemático como uma espécie de técnica racional da
convivência (p. 48).

Contudo, com o fracasso entre a teoria e a praxis e na perspectiva de inserir a


Dogmática Jurídica como uma categoria de ciência em sentido estrito, o Direito
1

passa a enfrentar o “problema de se saber se a Dogmática Jurídica constitui ou não


uma teoria científica” (p. 49).

3.4 A positivação do direito a partir do século XIX

Nos séculos XVII e XIX houve uma radical mudança no quadro das teorias
científicas. A ciência se torna uma atividade construtora dos objetos conhecidos e
não meramente contemplativa (p. 49).

Em decorrência de suas funções sociais, a Dogmática assume características


distintas das demais ciências (p. 49-50).

Dia o autor que a obra de Gustav Hugo fornece as bases para o


desenvolvimento de uma nova sistemática do pensamento jurídica, antecipando-se à
chamada Escola Histórica (p. 50). Gustav Hugo propõe uma divisão tripartida do
conhecimento científico do direito em: Dogmática Jurídica (“o que deve ser
reconhecido como de direito”); Filosofia do Direito (“é racional que o que seja de
direito, efetivamente, se já?”); e História do Direito (“como aquilo que é de direito se
tornou tal?”) (p. 51).

O autor aborda também o pensamento de Savigny, segundo o qual a fonte


originária do direito deixa de ser a lei para ser o povo, enfatizando a “intuição do
jurídico” em detrimento da regra genérica e abstrata (p. 52). É a partir dos institutos
jurídicos que a regra é extraída (p. 53).

Com o surgimento daquilo que, na Escola Histórica, Koschaker chamava “o


Direito dos professores”, a doutrina passava a se destacar em relação à praxis (p.
54).

Puchta, segundo o autor, afirmava que “Direito era o Direito do povo”, fazendo
“uma simbiose entre o Direito posto e o Direito formado na consciência histórica” (p.
1

55). Embora fosse considerada algo que não integrasse a ciência, a Dogmática
Jurídica vai ocupando um lugar principal.

Entende-se que o resultado da pesquisa é “mais importante do que a própria


investigação que o precedera” (p. 58).

Aos poucos, com a multiplicação das regras, o Direito escrito passa a


predominar sobre o não escrito, fazendo crescer a consciência da elaboração
dogmática (59).

Com a consolidação das condições políticas (soberania nacional e separação


dos poderes) e jurídicas (assunção da lei como fonte do Direito e a concepção do
direito como sistema normativo), viabiliza-se a “transformação do raciocínio
dogmático em Teoria Dogmática” (p. 61).

Caberá à Dogmática, dado à positivação do Direito, a elaboração de uma


séria de conceitos, “como a proibição da decisão contra legem, a distinção entre
fontes formais e materiais, a oposição entre Direito Objetivo e Direito Subjetivo, a
distinção entre governo e administração” (p. 64).

Considerando a crescente importância da lei no século XIX, aos poucos a


positivação vai modificando a atuação do Direito na sociedade, refletindo no
“desenvolvimento da Dogmática como uma teoria autônoma” (p. 68).

Surge a Escola da Exegese, tornando a tarefa do jurista tipicamente


dogmática, circunscrita à teorização e sistematização, desviando-se, no final do
século XIX, “para o positivismo legal, com uma autodelimitação do pensamento
jurídico ao estudo da lei positiva e ao estabelecimento da tese da estatalidade do
Direito” (p. 69).

Dessa evolução resulta o modo típico de pensar que hoje denominamos


Dogmática Jurídica, um sistema fechado, sem lacunas na lei. As lacunas seriam
1

meramente aparentes, pois “O sistema jurídico é necessariamente manifestação de


uma unidade imanente, perfeita e acabada, que a análise sistemática, realizada pela
Dogmática” (p. 70).

A segunda característica básica da Dogmática está na ideia do sistema como


um instrumento metodológico ligado ao procedimento construtivo e ao dogma de
subsunção (p. 71-2).

3.5 A dogmática na atualidade

No início do século XX, acentuam-se as preocupações metodológicas


surgidas no século anterior. A Dogmática Jurídica se constrói, então, “como um
processo de subsunção dominado por uma dualidade lógica em todo fenômeno
jurídico”, reduzindo-se sua natureza jurídica ao enquadramento de Direito Público ou
Direito Privado, Direito Real ou Direito Pessoa, sociedade civil ou comercial (p. 74-
5).

Contudo, a Dogmática percebe não lida com conceitos da mesma natureza,


alguns são empíricos e outros genéricos. Dada essa multiplicidade, Kelsen, por
exemplo, propõe a chamada teoria pura com a pretensão de reduzir todos os
fenômenos jurídicos a uma dimensão normativa, distinguindo o conhecimento
humano em duas categorias básicas: “ser e dever-ser, a partir da qual se distingue o
mundo da natureza e o mundo das normas” (p. 75-6).

Concebe-se, então, o Direito como norma e não como realidade empírica,


mas tendo outras dimensões, o que exige da Dogmática Jurídica uma “reformulação
constante dos seus próprios conceitos” (p. 77-8).

4. Conclusão
1

Na introdução e no capítulo 1 da obra em comento, o professor Tércio


Sampaio faz um histórico da evolução da Dogmática Jurídica desde a jurisprudência
romana até a atualidade.

Levando em conta a obra como um todo, a Dogmática Jurídica é visualizada


como um modo de pensar, um instrumento metodológico, fundado basicamente no
princípio da inegabilidade dos pontos de partida e na exigência de resposta aos
problemas, trabalhando com incertezas aparentemente eliminadas pelos dogmas.

Essa resposta, aliás, seria a principal função social da Dogmática Jurídica,


além da função de harmonizar e estabilizar os diversos mecanismos de controle
social, criando condições normativas para legitimar a decisão judicial.

Extrai-se de toda obra que, ao entrar em contato com a realidade, a


Dogmática Jurídica assume a função de gerar segurança e criar expectativas de um
controle social válido e coerente.

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