USF U4 Sociologia Da Educação
USF U4 Sociologia Da Educação
USF U4 Sociologia Da Educação
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
6
Pensamento da Sociologia da Educação brasileira
UNIDADE 4
PENSAMENTO DA SOCIOLOGIA DA
4
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
Sabemos que a Sociologia é uma área do conhecimento que se ocupa da observação e
da análise dos fenômenos sociais da sociedade, e que a Sociologia da Educação é uma
área da Sociologia geral que se ocupa das questões sociais específicas da educação.
94
Florestan Fernandes (1976, p. 212), da mesma forma, indica esse período do final do
século XIX como um primeiro momento da sociologia brasileira, marcada em um aspec-
to pelo contexto social da desagregação da ordem escravocrata, e em outro aspecto
pelo contexto de elaboração pelo seu autodidatismo. Portanto, ainda que a Sociologia
brasileira comece a ganhar espaço como disciplina a partir da década de 1930, isso
4
não significa que ela não estava presente como campo de investigação da sociedade
brasileira, inclusive antes dos anos de 1880.
SAIBA MAIS
Figura 01. Simon Rodriguez
Simon Rodriguez (1771-1854) é um boliviano cuja linha de
Fonte: 123RF.
pensamento serve como base para o pensamento sociológico
progressista da educação. Rodriguez desenvolveu sua obra
com o propósito de criar uma “[...] sociedade republicana através
da educação para todos, como desdobramento necessário da
independência”. (STRECK, 2010, p. 11)
Sociologia da Educação 95
Pensamento da Sociologia da Educação brasileira
Entre o final do século XIX e início do século XX, a sociologia nacional era influenciada
pelo pensamento teórico de Comte, além de Lombroso e Spencer. Ela tinha como prin-
cipais problematizações os temas da identidade nacional e da miscigenação racial
(essa, a partir de uma visão pessimista), além da formação (liberal e autoritária) do
Estado. Esse período era marcado pelos pensadores sociais.
4
Seguindo o mesmo argumento, os métodos de observações sociológicas no Brasil, até o fim do
século XIX (e que foram fundamentais até a década de 1920), eram desenvolvidos, sobretudo,
por juristas (já que, em nosso país, o Direito era a principal formação na área das ciências hu-
manas naquele período). As preocupações desses estudiosos estavam relacionadas em definir
o Estado moderno e interpretar as ligações entre a economia e a estrutura política.
Alberto Torres (1865-1917) foi um dos autores mais importantes desse período pós-década
de 1880 que, em especial até a década de 1910, refletiu sobre os problemas derivados entre
a raça e o meio. Em outras palavras, o autor investigava as dinâmicas dos grupos humanos
com suas “[...] características raciais ajustados a determinado meio com certos recursos à sua
disposição” (CANDIDO, 2006, p. 280), de onde são extraídas as normas políticas.
Outro teórico que serve de referência para a sociologia da educação é Manoel Bomfim
(1868-1932), médico e pedagogo que foi diretor da Escola Normal do Distrito Federal.
Ele defendeu a tese do “parasitismo social” contrapondo a ideia majoritária da época
das “desigualdades inata das raças”.
Em sua clássica obra A América Latina: males de origem, escrita em 1903, em Paris,
Bomfim defende que o problema da desigualdade na sociedade brasileira não é decor-
rente da miscigenação racial, mas sim resultado de um processo de exploração econô-
mica violenta por parte da Metrópole portuguesa sobre o Brasil. Isso porque, em sua ori-
gem, o Brasil teria sido marcado pela ação parasitária da elite europeia. O autor (que era
formado em medicina, mas dedicou-se ao estudo da sociedade brasileira) acreditava que
a educação era o “remédio” para tirar o povo brasileiro do atraso ao qual foi submetido.
A geração seguinte, que se estende da década de 1920 até a década de 1940, desenvolveu
estudos da sociedade brasileira que eram retratados na literatura e nas obras históricas, que
constituem em seu conjunto, importantes trabalhos sociológicos. Superando os estudos de Be-
viláqua, elaboraram “[...] uma fórmula bem brasileira de estudos sociais, em que a reconstrução
do passado se amoldava a certos pontos de vista do presente; em que o estudo se misturava à
intuição pessoal e o cientista ao retórico, ou ao escritor”. (CANDIDO, 2006, p. 272-273)
96
Na década de 1920, a Sociologia brasileira ainda é muito parecida, em termos estru-
turais e epistemológicos, com o período anterior e que remonta ao final do século XIX.
A preocupação dos pensadores sociais era a interpretação da sociedade brasileira
da época e a construção da organização do funcionamento dos poderes da República.
As décadas de 1920 e de 1930 são, assim, indicadas com mais frequência como perío-
do inicial da Sociologia no Brasil, pelo seu processo de institucionalização das discipli-
nas e cursos de Sociologia no ensino superior (CANDIDO, 2006, p. 281). Sendo 1930
a década reconhecida como um período transitório para a organização da Sociologia
brasileira, as especificidades de métodos e conteúdo de análises sociológica desse
contexto se estende até a década de 1940.
A década de 1920, ainda que com muitas marcas do período histórico anterior, desenvolveu
uma Sociologia caracterizada por estudos realizados pelos pensadores sociais sobre a mis-
cigenação racial e a identidade nacional, comprometidos em refletir acerca dos problemas
relativos à questão racial e a organização dos poderes institucionais do Estado brasileiro re-
publicano. No entanto, ainda muito marcada pela visão pessimista da miscigenação racial.
Oliveira Viana (1893-1951) pode ser considerado como uma expressão de intelectual
desse período. Viana foi jurista, discípulo de Alberto Torres e inspirado pelo pensamento
de Sílvio Romero quanto à análise sobre a complexidade e buscava coerência na cons-
trução das normas políticas estruturantes do país, na época.
Sociologia da Educação 97
Pensamento da Sociologia da Educação brasileira
Na década de 1930, já havia algum consenso sobre certos critérios explicativos e problemáti-
cas a serem utilizados nos estudos sociológicos, tais como “[...] o recurso à História, o estudo
da adaptação ao meio, a avaliação das etnias na formação social, o senso da complexidade
cultural” (CANDIDO, 2006, p. 282). Porém, discutia-se a necessidade do aprofundamento
dos métodos científicos e empíricos, sendo que a condição para esses avanços parecia ser a
consolidação do ensino de Sociologia na formação de sociólogos profissionais.
A partir disso, a Sociologia começa a ser estabelecida como disciplina curricular nos
cursos superiores já existentes. Nesse sentido, inicia-se uma sistematização dos seus
princípios, marcados pelas orientações modernas da Sociologia europeia, superando
tendências predominantes do século XIX.
Gilberto Freyre (1900-1987) é uma das principais expressões intelectuais desse pe-
ríodo, ressaltando a sua obra clássica Casa-grande & Senzala, de 1933. Freyre utiliza
as concepções da antropologia, marcando essa área de conhecimento na Sociologia
brasileira. O conteúdo da análise sociológica segue sendo a questão racial, mas agora
as abordagens sobre a miscigenação recebem aspectos positivos na transformação
da cultura, nos contatos raciais e na mobilidade social.
Além dos temas abordados, o decênio foi muito importante quanto a implementação da
Sociologia nos currículos, inicialmente superiores, depois escolares. Sob esse aspecto,
sublinhamos o trabalho do educador e sociólogo Fernando Azevedo (1894-1974), que,
articulado nas esferas de poder público e comprometido com o desenvolvimento educa-
cional do país, projetou e executou planos públicos de educação, ao longo da década de
30, principalmente, no Estado de São Paulo e no Distrito Federal (que era no atual Rio de
Janeiro), colaborando na implantação do ensino e pesquisa da sociologia no país.
As reformas de Fernando de Azevedo no então Distrito Federal e em São
Paulo (1927; 1933) incluem-na [a Sociologia] no currículo das Escolas Nor-
mais e cursos de aperfeiçoamento; a reforma federal de Francisco Campos
(1931), nos cursos complementares. Na Escola Livre de Sociologia e Política
e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade, ambas em
São Paulo, bem como na Faculdade de Filosofia da Universidade do Distrito
Federal, fundam-se em 1933, 1934 e 1935 os primeiros cursos superiores de
Ciências Sociais, figurando ela entre as matérias. (CANDIDO, 2006, p. 284)
98
Fernando de Azevedo tem como problemática organizadora de sua teoria (bem
como suas ações) o tema do desenvolvimento da educação na sociedade bra-
sileira. O autor associava a educação ao progresso da nação, buscando em sua
teoria estabelecer o embasamento científico para os problemas sociais. Para ele,
a educação, em vista dos princípios de liberdade e igualdade, era essencial para a
4
transformação democrática da sociedade brasileira.
SAIBA MAIS
Sociologia da Educação 99
Pensamento da Sociologia da Educação brasileira
` Às obras realizadas.
De acordo com Liedke Filho (2005, p. 377-378), a sociologia, nesse período, estava
marcada por crises, especialmente a partir de meados da década de 60, em razão das
perseguições à intelectuais durante a ditadura militar (1964-1985), mas também uma
diversificação de temas e problemáticas sociológicas, refletindo sobre os impactos do
capitalismo globalizado na sociedade.
100
As diferenças entre as condições de vida que marcavam a formação da sociedade
brasileira era o tema que motivava as problematizações em torno da modernização,
dependência econômica, subdesenvolvimento e desenvolvimento do país. No campo
educacional, a Sociologia se fortalecia como área científica ampliando os cursos supe-
riores e a educação básica, além de fortalecer a ampliação da educação geral no país.
4
Em termos conjunturais, a década de 1950 marcou grandes mudanças socioeconômi-
GLOSSÁRIO
Teoria da dependência: é uma forma observar as sociedades sob os aspectos político e
econômico. Aborda-se a dependência de um Estado sob outro, dentro do sistema internacional
de relações de força e poder.
A dependência faz parte de um processo histórico que configura uma nova versão do modelo
colonial do século XIX, de imposição de sistemas políticos e socioeconômicos de exploração
em nome do capitalismo.
` países desenvolvidos;
` subdesenvolvidos;
` em desenvolvimento.
Esse tema e a problematização que ele gera é basilar para a Sociologia, ao passo que as
mudanças nas estruturas sociais não ocorrem de maneira espontânea e isolada, mas em
contextos historicamente definidos, e que podem ser extras sociológicos. Assim, a Sociologia
se ocupa das estratificações e relações de classes e grupos no interior das sociedades
subdesenvolvidas. (MACHADO, 1999, p. 201).
CURIOSIDADE
Figura 03. Florestan Fernandes Florestan Fernandes nasceu em São Paulo em 22 de julho
de 1920, de origem humilde, suas experiências e dificul-
php?search=florestan+fernandes&title=Special:
Fonte : https://commons.wikimedia.org/w/index.
102
Sua teoria é reconhecida como uma interpretação sociológica autenticamente brasi-
leira, em que analisa que certas tradições conservadoras e históricas da sociedade
hegemônica brasileira são um entrave ao desenvolvimento econômico, educacional e
cultural do país, responsável pela miséria, opressão e todas as formas de desigualda-
des sociais existentes. Por isso, Fernandes alega que a postura do sociólogo deve ser
4
de inconformismo com a realidade social e o engajamento ativo desses pensadores nos
esforços por transformações sociais.
Frigotto (2020) pondera que, na obra A revolução burguesa no Brasil, Florestan Fer-
nandes examina que, ao contrário da classe burguesa clássica, a burguesia brasileira
não busca construir nações autônomas, mas, opta “[...] por um projeto societário hete-
ronômico associando-se, de forma subordinada, aos centros hegemônicos do sistema
capitalista mundial” (FRIGOTTO, 2020, p. 15).
Além dos temas mais comuns estudados no âmbito da sociologia geral brasileira, como
questões raciais, indígenas, cultura e poder, Florestan Fernandes também é reconhe-
cido por sua contribuição à sociologia da educação. Sob esse aspecto, o trabalho de
Fernandes se relaciona sob várias perspectivas à questão educacional:
As lutas no campo do direito à educação começam a surgir por todo o país, demarcado
pelas ações de educação popular, realizadas, especialmente, por parte da Igreja católi-
ca, em que o Movimento de Educação de Base (MEB) foi a expressão mais significativa.
Assim, no desenrolar da década de 1950, que Paulo Freire (1921-1997) aprofundou
seus estudos sobre a educação na sociedade brasileira, defendendo em 1959 sua tese
de doutorado intitulada Educação e realidade brasileira.
Para ele, era indispensável que o povo participasse das decisões públicas do país, para
tanto, seria importante um processo educativo que permitisse tomar consciência da re-
alidade social brasileira. Também é o contexto de analfabetismo e injustiça social que o
leva ao trabalho de Educação popular de adultos, que no exílio constituirá base da sua
obra-prima Pedagogia do Oprimido (1968).
IMPORTANTE
Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu sob uma ditadura militar. Muitos intelectuais que, por meio
de seus estudos faziam crítica ao sistema social e ao tipo de governo antidemocrático foram
obrigados a abandonar seus empregos, viver na resistência ou deixar o país, pois temiam por
suas vidas diante da violência empregada pelos militares na época.
Esse foi o caso de Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, juntamente com
inúmeros outros intelectuais de diversas áreas, políticos, artistas, permaneceram exilados
em países da América Latina e da Europa.
104
Outro importante pensador, sociólogo brasileiro, da segunda metade do século XX, é Darcy
Ribeiro (1922-1997). Por ter a educação com um dos principais objetos de estudo, esse
autor trouxe importantes contribuições para a Sociologia da Educação no país. Ele defendia
a educação como uma ponte entre o cidadão e o Estado, a qual contribui para a construção
de uma sociedade mais justa. Seu pensamento e engajamento social está relacionado com
4
a criação de universidades tanto no Brasil como em outros países da América Latina.
É de Darcy Ribeiro a ideia de que a crise na educação no Brasil não é crise, mas é um projeto.
Ribeiro foi influenciado por Anísio Teixeira, participou da criação e foi o primeiro reitor da
Universidade de Brasília, ocupou cargos públicos e funções políticas. Uma das princi-
pais obras publicadas por esse autor é o livro “O povo brasileiro”, em 1995.
SAIBA MAIS
Importante frisarmos que a Sociologia no Brasil se desenvolve em uma dinâmica que é parecida (e
integrada) com a Sociologia latino-americana. Ainda que haja influências tradicionais europeias, o
contexto e condições históricas (colonização, escravidão e ditaduras) dos países latinos permitem
desenvolver uma teoria sociológica que concilia análise cientifica a práxis transformadora.
Nesse período, que engloba a segunda metade do século XX, a sociologia brasileira e a latino-
americana, em geral, possuem bases marxistas transformadoras, e se inserem em um contexto
de movimentos sociais integrados por diversos setores da sociedade, inclusive de parte da
Igreja católica. Foi a partir desse cenário que muitas conquistas que se constituem avanços
educacionais, especialmente na efetivação do ensino superior, aconteceram.
Alguns nomes de sociólogos latino-americanos podem ser indicados, sobretudo por suas
contribuições sociológicas no campo da educação e sua importância para a Sociologia da
Educação no Brasil, são:
A década de 1970, por sua vez, foi marcada por um processo de formação e de expan-
são da pós-graduação no Brasil, fortalecendo o campo da Sociologia e abrindo espaço
para o campo específico da Sociologia da Educação e a atual formação e problemáticas
sociológicas que veremos a seguir.
4
3. DISCUSSÕES SOCIAIS DA CONTEMPORANEIDADE
Como vimos, em cada época a Sociologia da Educação dedicou-se a diferentes temas
e abordagens sobre problemas sociológicos que se relacionam diretamente com a pro-
blemática educacional. Essa contribuição é significativa na formação docente, pois per-
mite a análise e reflexão da sociedade em que exerce a sua atividade educativa, mas
também da própria práxis pedagógica.
Alguns temas da sociologia, que talvez antes pareciam ter menor impacto na educação, hoje
começam a receber maior atenção da reflexão sociológica. Entre tais temas, podemos apontar:
Esse processo formativo pode ser compreendido, por exemplo, nas promessas de
realização e felicidade do ser humano que alcança reconhecimento social e status
ao “subir na vida” pelo consumo, isso é, na posse de bens e serviços que são deseja-
dos socialmente (SUNG, 2012, p. 58). Outra possível presença do tema está na ques-
tão ambiental e na educação ecológica, em que a educação é desafiada a discutir
os limites de uma sociedade em que a prática do descarte e do utilitarismo consu-
mista provocam a consciência ética sobre os modos do humano viver em sociedade
(COELHO, 2021, p. 162).
106
Outro tema que recupera importância nos estudos sociológicos é a questão da presença
da religião no espaço público. A tese tradicional das ciências sociais modernas, inspira-
da em Max Weber, é a da secularização em que o mundo moderno é uma sociedade da
racionalização contínua, da diminuição do espaço das explicações mágicas ou religiosas
para os problemas da vida (com o respectivo avanço da ciência) e a redução dos aspectos
4
da religião às instituições religiosas (igrejas) e à vida privada de cada um dos cidadãos.
Outro tema da sociologia que emerge como desafio aos educadores é a questão dos
movimentos sociais que, enquanto ação coletiva de intervenção na sociedade visan-
do sua transformação utópica, sempre foram tema da sociologia e, de fato, já estiveram
presentes nos debates educacionais com os estudos da educação popular, a educação
em direitos humanos ou a educação do campo, por exemplo.
EXEMPLO
O sociólogo Pierre Bourdieu (1997, p. 23) afirmou que “[...] a televisão tem uma espécie de mo-
nopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população”.
O autor acredita que podemos ser dominados pela mídia, uma vez que a massa de pessoas
acríticas é envolvida pela magia dos recursos de comunicação no mundo globalizado.
Dentro desse cenário, outro aspecto relevante que chama a atenção do estudo da
Sociologia da Educação é o da relação estreita entre os meios de comunicação e os
interesses das grandes corporações que vem na circulação de dados um interes-
sante meio de acumulação de lucros.
108
3.1 A FORMAÇÃO E GERENCIALISMO
A formação, como uma prática social específica, cumpre certas funções sociais rela-
cionadas com a reprodução, regulação e legitimação do sistema social. Para Maria
Isabel Cunha (2013, p. 3), “[...] o conhecimento tanto pode ser um lugar de resistência
à regulação imposta, como servir de instrumento de poder em um contexto discursivo 4
determinado”. A formação dos professores acontece nessa contradição permanente.
Na perspectiva da hegemonia neoliberal, a partir dos anos 1990, o professor foi, aos
poucos, perdendo sua identidade de referência de valores culturais, formador de opi-
nião social e agente de transformação das pessoas e da sociedade, passando a as-
sumir funções que transpassam o âmbito pedagógico e o foco no estudante. Assim, o
professor ganha uma nova imagem social imposta por esse modelo “neocolonizador”,
na qual se associa o professor ao gerente.
Tal caráter de transição de papel social do professor é uma tendência global, consta-
tada em diferentes países da América Latina e evidenciada também no Brasil. O novo
modelo, em sintonia com o ethos valorativo do neoliberalismo, baseia-se na tendência
da competitividade, do individualismo, do empreendedorismo, da resiliência, na auto-
-gestão laboral individual. Desse modo, o sentido geral da profissão docente vai sendo
adaptado ao sentido maior da vida no sistema social capitalista. Como afirma Jung Mo
Sung (2012, p. 13), “[...] assume-se como dado o modelo de globalização econômica vi-
gente e a competitividade como um dos valores fundamentais para a vida e educação”.
A questão sobre o sentido da vida não é algo evidente, isso é, não se trata de um tema
que se discute no cotidiano e que aparece explícito e coerente para todos. Trata-se de
um tipo de problema existencial que, apesar de afetar a todos, precisa ser desvelado
por um tipo de indagação especial. Mesmo que pareça uma reflexão de âmbito filosófico
e pessoal, tem sua construção nas relações sociais, fortemente influenciada pela ideo-
logia hegemônica, que hoje, sob a globalização capitalista, é o neoliberalismo.
110
do trabalho docente, uma vez que o trabalho em si é uma pura abstração. Trata-se,
portanto, de analisar as condições concretas em que este trabalho acontece, e a mate-
rialidade que permite que a carreira docente se realize.
Todo o estudo sobre a qualidade da educação e seus derivados, de certo modo, pres-
supõe o debate sobre as condições do trabalho docente, a atratividade profissional e a 4
valorização profissional, pois são indicadores incontestes na sociedade atual de se-
A prática gerencialista impõe critérios que comparam realidades concretas com médias
projetadas como parâmetros de produtividade. Essas médias se convertem em um
conceito de qualidade que se torna indicador e seletor para a inserção no finan-
ciamento e mesmo como parâmetro do sistema de promoções. São os critérios fic-
tícios de desempenho e eficiência que desconsideram a realidade social e humana
dos contextos escolares.
Para Sadi Dal Rosso (2008, p. 20), sociólogo da Universidade de Brasília, a intensifica-
ção está relacionada ao emprego de energias realizadas pelos profissionais de maneira
concreta em uma determinada função. Dessa forma, aumentaram-se as frentes de de-
mandas e implicações que o exercício da docência enfrenta.
Na mesma direção, a cientista social e pedagoga Maria Isabel da Cunha aponta que a
intensificação é processo de ações vivenciadas na escola, com a somatória de diversas
questões que modificam o cotidiano da profissão, tal como
[a] violência, a drogadição e a crise de autoridade são problemas da socie-
dade contemporânea que afetam significativamente a escola e impactam o
tradicional papel do professor. Os baixos salários levam ao fenômeno da in-
tensificação e as condições não condizentes de trabalho influenciam a auto-
estima dos docentes, sendo parte substancial das mazelas que se instalam
nas suas trajetórias profissionais. Esses fenômenos ratificam a posição de
que a reflexão a respeito da formação e o exercício docente exige uma rela-
ção intrínseca com o contexto social, seus valores e tensões, explicitando a
constante atualidade de sua discussão (CUNHA, 2013, p. 10).
Para garantir, dessa forma, a efetiva utilização produtiva do tempo de trabalho, tem-
-se utilizado a vigilância direta e o controle biométrico dos docentes, além da busca
inalcançável de “perfeição pedagógica”, em níveis obsessivos. As atividades docentes
extrapolam a jornada de trabalho e o profissional é obrigado a ampliar o tempo de traba-
lho desempenhado em sua residência, em vista de cumprir prazos e atender as metas
burocráticas. (OLIVEIRA, 2006, p. 214-215)
112
Assim, tem-se o intuito de responsabilizar o professor por meio do sentimento de culpa
aliado a deterioração dos salários e das condições de trabalho, tendo como resultado
direto e impacto proporcional na baixo-autoestima docente, no sentimento de frustração
e incapacidade, no desencanto e no adoecimento físico e mental.
GLOSSÁRIO
“Terceirização ou “outsourcing” é o ato de uma empresa contratar outra empresa ou pessoas
para realizar uma atividade profissional. A empresa ou pessoa contratada, no entanto, terá
apenas compromisso com o contratante enquanto durar o trabalho a ser realizado.
A Lei n.º 13.429/2017 regula o trabalho temporário e terceirizado no Brasil, e trouxe mudan-
ças significativas no cenário trabalhista brasileiro.
Como argumento favorável aparece a noção de especialização das empresas que es-
tariam direcionadas, especificamente, para uma área, aprimorando sua prestação de
serviços e dos produtos realizados e entregues ao consumidor. Isso liberaria a empresa
contratante de dispensar recursos e energia gerencial em atividades que não consti-
tuem a sua finalidade maior, gerando assim maior lucratividade.
A terceirização, no entanto, traz consigo aspectos ocultos que deixam sua qualidade
e eficiência em questionamento quanto à noção de justiça social, uma vez que esse
processo, visando a lucratividade e performatividade, demite trabalhadores com direitos
adquiridos e recontrata por intermediários com direitos reduzidos e com menores salá-
rios. Esse sistema também potencializa o aumento da rotatividade, descaracterizando o
contato dos patrões e empregados da empresa e o sentimento de pertença e responsa-
bilidade com a atividade desenvolvida, o que diminui a produção e rendimento.
Esse processo de terceirização, assim como em outros setores, também atinge a edu-
cação. De acordo com a socióloga Selma Venco, após a parceria público-privado, im-
plementado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, construíram-se as bases
legais das empresas públicas-privadas, e as contratações de professores em todo país.
A autora indica que “[é] possível afirmar que a seleção pública para professores da edu-
cação básica nas redes estaduais em todo o país é ainda a forma prevalente, pois seis
em cada dez professores são concursados”. (VENCO, 2021, p. 90)
Do ponto de vista da socióloga supracitada, existe uma adesão dos Estados em não
contratarem professores, na intenção de reduzir gastos. À vista disso, as parcerias
privadas e contratação de profissionais da educação que desempenham a mesma
função, mas que não possuem direitos, estabilidade e garantias, chamadas de “con-
tratos precarizados”, vem aumentando.
114
Esses dados exemplificam a contratação, ano a ano, cada vez mais precária da educa-
ção, sendo flexibilizadas as contratações sem garantias e com salários cada vez mais
reduzidos. O resultado direto se constata em:
4
` Perda de qualidade educacional;
` Desmotivação;
` Evasão escolar;
` Demissões;
No Estado de São Paulo, a realidade também pode servir de exemplo. Com a flexibi-
lização, o Governo do Estado, desde 1989, aceita discentes de último ano universitá-
rio para assumirem as aulas vagas, para as quais deveriam ser contratados docentes
permanente. Essa, entre outras ações, culmina que entre 1996 a 2005, o número de
docentes precarizados ultrapassou os concursados. Diante disso, Venco (2021, p. 95)
confere que “é, portanto, factível presumir que com tais medidas sobejaram aulas não
atribuídas e uma quantidade desconhecida de estudantes permaneceram sem profes-
sor em determinadas disciplinas por tempo indeterminado”.
Por sua vez, na década de 1990, os estudos sobre os movimentos sociais começam
a ser substituídos pelas pesquisas sobre as identidades e representações sociais. Ou
seja, segundo Liedke (2005, p. 425), nesse período, a Sociologia focaliza nas investiga-
ções das “[...] identidades e representações sociais dos movimentos urbanos e rurais,
do movimento sindical, dos movimentos feministas”, movimentos LGBTQIA+, “do movi-
mento negro e dos movimentos ecológicos”
A partir dos anos 2000, a Sociologia em geral passa a dedicar-se às temáticas da globa-
lização, da pós-modernidade e do multiculturalismo muitas vezes em releitura articulan-
do assuntos abordados anteriormente com as demandas exigidas pela época.
Quanto ao ramo da Sociologia da Educação, ela ainda ocupava pouco espaço nas pes-
quisas acadêmicas, na década de 90, porém essa realidade mudou nos últimos anos.
Atualmente, várias universidades possuem pesquisas e inúmeros intelectuais articula-
dos nas problemáticas sociológicas da educação, ainda que essas pesquisas estejam
presentes de forma difusas nos programas de pós-graduação.
Como vimos no item anterior, muitos temas são abordados nessas pesquisas, tais como
o trabalho docente na educação, sociologia da infância, o consumo e educação, direi-
tos humanos, religião na escola, educação e movimentos sociais, são exemplos dessa
multiplicidade de problemáticas.
Uma fonte de pesquisa para os estudos da sociologia da educação tem sido as pla-
taformas científicas e os grupos de pesquisa registrados. A Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) oficializou, em 1990, o Grupo de
Trabalho sobre Sociologia da Educação (GT-14 da ANPED). Os grupos de trabalho
são espaços de apresentação e debate em torno das pesquisas acadêmicas relacio-
nadas a determinados temas. Nesse caso, o GT-14 gira em torno de pesquisas na
área da Sociologia da Educação, funcionando como um fórum de pesquisadores e,
desde sua criação, a agenda de trabalho do grupo sempre priorizou as especificidade
e definição do campo da Sociologia da Educação, bem como as questões temáticas
desenvolvidas pelo grupo de seus pesquisadores.
116
Tradicionalmente, o GT de Sociologia da Educação da ANPED teve pesquisas que
se voltaram para as relações família-escola, as questões de gênero e as relações
entre desigualdades sociais e escolares, em todos os níveis educacionais. Esses
temas vêm sendo ampliados com problemáticas contemporâneas, tais como: escola
e marcadores sociais como etnia e geração; escola e outras matrizes socializadoras
4
como religião, mídias, ONGs, associações voluntárias, grupos de pares; escola e
práticas de cultura como esporte, dança, leitura, lazer; escola e infância; escola e
SAIBA MAIS
Para conhecer um pouco mais sobre o GT-14 você pode visitar o site da Anped e ter acesso
aos estudos publicados, bem como a história desse importante espaço de discussões sobre a
Sociologia da Educação.
O fato é que muitos sociólogos, professores e intelectuais, nos dias de hoje, dedicam-se
a esse vasto campo de assuntos e problemáticas que articulam sociedade e educação.
SAIBA MAIS
A seguir conheceremos um pouco sobre alguns desses sociólogos e sociólogas que compõem
o campo da Sociologia contemporânea da Educação, com o objetivo de conceder rostos e
nomes a quem constrói esse ramo do saber.
Essa apresentação não se trata de uma listagem exaustiva, mas indicativa de diferentes
possibilidades do trabalho nesta linha. A pesquisa de cada estudante é que permitirá encontrar
autoras e autores dedicados aos novos temas e desafios.
CONCLUSÃO
Com o debate sobre o desenvolvimento histórico da Sociologia no Brasil, desde o início
do século XX, as principais problemáticas sociológicas e os sociólogos e as sociólogas
que pesquisam sobre elas, com base em uma perspectiva educacional, encerramos
nosso curso de Sociologia da Educação.
Vimos, nesta unidade, que a Sociologia de uma forma geral se desenvolveu, primeira-
mente, com pensadores sociais, até pautar-se como disciplina cientifica e, posterior-
mente, como área específica de conhecimento e formação universitária.
118
As inúmeras análises sociológicas dão conta de observar e analisar a formação da so-
ciedade brasileira, considerando os vários aspectos envolvidos nessa construção, tais
como as questões raciais, as comunidades agrícolas, as famílias patriarcais, as formas
de trabalho, a composição do governo, a educação, entre outras. De forma crítica, Flo-
restan Fernandes investiga como que a sociedade brasileira se forma a partir de valores
4
conservadores e escravocratas e interpela a necessidade de os estudos sociológicos
voltarem-se para a transformação social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APPLE, Michael Whitman. Maetros y textos: una economia politica de las relaciones de clase y de sexo en
educación. Barcelona: Paidós, 1989.
BARBOSA, Andreza. Salários docentes, financiamento e qualidade da educação no Brasil. Educação &
Realidade, Porto Alegre, v. 39, n. 2, p. 511-5322014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/hXQR-
PMQQwZwJJg7zcD6Dkpx/abstract/?lang=pt#. Acesso em: 29 set. 2021.
BEZERRA, Aída. As atividades em educação popular. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A questão política
da educação popular. São Paulo: brasiliense, 1980. p. 16-39.
BOMFIM, Manoel. A América Latina: Males de origem. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.
CANDIDO, Antônio. A Sociologia no Brasil. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, [S. l.], v. 18, n. 1,
p. 271-301, jun. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ts/a/9KGzSwMnpjKD4cFTWTMYNkz/?lang=pt.
Acesso em: 29 set. 2021.
COELHO, Allan da Silva. Capitalismo como religião: Walter Benjamin e os teólogos da libertação. São
Paulo: Editora Recriar, 2021.
CUNHA, Maria Isabel da. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa
e na ação. Educ. Pesquisa, São Paulo, n. 3, p. 609-625, jul./set. 2013 Disponível em: https://www.scielo.br/j/
ep/a/xR9JgbzxJggqLZSzBtXNQRg/abstract/?lang=pt. Acesso em: 29 set. 2021.
EGGERT, Edla; PACHECO, Joice Oliveira. Maria Lacerda de Moura e a educação libertaria para mulheres. In:
STRECK, Danilo Romeu. (Org.). Fontes da pedagogia Latino-americana: uma ontologia. Belo Horizonte:
Autêntica editora, 2010. p. 199-120
FERNANDES, Florestan. A sociologia numa era de revolução social. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
FERNANDES, Florestan. Ensaios de sociologia geral e aplicada. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 1971.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Maia e Schmidt Ltda, 1933.
120
LIEDKE FILHO, Enno. A sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº
14, jul/dez 2005, p. 376-437. Disponível em: https://www.scielo.br/j/soc/a/4j6LSBRQphh5Jb6cWq9KvWG/?-
format=pdf&lang=pt. Acesso em: 29 set. 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 24ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
4
FRIGOTTO, Gaudêncio. Apresentação. In: FERNANDES, Florestan (Org.). O desafio educacional. São
LÜDKE, Menga; BOING, Luiz. Caminhos da Profissão e da Profissionalidade Docentes. Educ. Soc., Cam-
pinas, vol. 25, n. 89, p. 1159-1180, set./dez. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/FB83Ty4bPSz-
qxXQB6DbvV6t/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 20 set. 2021.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Regulação educativa na América Latina: repercussões sobre a identidade dos
trabalhadores docentes. Educação em Revista. [S. l.], n. 44, p. 209-227, 2006. Disponível em: https://doi.
org/10.1590/S0102-46982006000200011. Acesso em 25 set. 2021.
ROSSO, Sadi Dal. Mais Trabalho! A intensidade do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitem-
po, 2008.
STRECK, Danilo Romeu. (Org.). Fontes da pedagogia Latino-americana: uma ontologia. Belo Horizonte:
Autêntica editora, 2010.
SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Pedagogia e espiritualidade. 3. ed. ampliada. São Paulo:
Editora Reflexão, 2012.
VENCO, Selma. “Estado-patrão”: rumo ao desaparecimento do emprego público? Revista Linhas, Floria-
nópolis, v. 22, n. 49, p. 82-105, 2021. Disponível em: https://periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/
view/20676. Acesso em: 25 set. 2021.