AUJ de 30 de Abril de 1996
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11/03/24, 16:53
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11/03/24, 16:53
Ramiro Vidigal,
Aragão Seia,
Torres Paulo,
Figueiredo de Sousa,
Miguel Montenegro,
Costa Soares,
Henriques de Matos,
Roger Lopes,
Cortez Nunes,
Metello de Nápoles,
Mário Cancela,
Ferreira da Silva,
Lopes Pinto,
Cardona Ferreira,
Fernandes de Magalhães,
Lopes Cardoso,
Machado Soares,
Pais de Sousa,
Herculano Lima.
Decisões impugnadas:
Acórdão de 20 de Outubro de 1994 do Supremo Tribunal de
Justiça;
Declaração de voto, no processo n. 87236:
I - Parece-me que, em rigor, não há soluções divergentes entre o acórdão-fundamento e o
acórdão recorrido.
O primeiro respeitava a recurso interposto pelos réus, proprietário e condutor de veículo
automóvel, do acórdão da Relação que os havia condenado, solidariamente, "com base no risco"
e com os limites estabelecidos no artigo 508 do Código Civil, pretendendo os recorrentes que
não eram responsáveis, com esse fundamento, por falta de prova, que caberia aos autores, de o
proprietário ter a direcção efectiva do veículo, e por falta da alegação do risco quanto ao
condutor; o acórdão da Relação foi confirmado, embora com "argumentação diferente", por se
ter considerado que não competia aos autores a prova de o proprietário ter a direcção efectiva ou
de o condutor ser ou não comissário e que "este não provou... não ter tido culpa".
O acórdão recorrido respeitou a recurso de revista interposto pela seguradora (única demandada
na acção) e nele se excluiu a culpa presumida prevista no artigo
503 n. 3 do citado Código, por falta de prova de relação de comissão entre o proprietário e o
condutor, tendo a ré sido condenada com base na responsabilidade pelo risco do seu segurado, o
proprietário do veículo.
Assim, para idêntica situação de facto, foi proferida decisão também idêntica - a condenação
com os limites da responsabilidade pelo risco.
A divergência respeita só à fundamentação, ou seja, ao
ónus da prova da relação de comissão, mas isso não é relevante para a existência de soluções
opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, uma vez que, em ambos os casos, se
chegou à mesma conclusão, à condenação com base no risco.
O conflito apenas existiria, em concreto, se, no caso do acórdão recorrido, tivesse sido
demandado o condutor do veículo, cuja responsabilidade seria logicamente excluída, ao
contrário do que se verificou no acórdão-fundamento; porém, isso não estava em causa mas só a
responsabilidade com base ou não na culpa, o que não era objecto de discussão na hipótese do
acórdão-fundamento.
II - Quanto à solução do acórdão, a relação de comissão entre o proprietário e o condutor do
veículo, exigida para a configuração da hipótese do n. 3 do artigo 503, ou seja, com a natureza
prevista no artigo 500 n. 1, deixa de fora situações frequentes, como a de a condução ser feita
por familiar ou amigo do proprietário, por mera cortesia deste, e afigura-se que elas devem ter
tratamento idêntico ao de a condução se processar por virtude de uma relação de dependência
própria do conceito técnico de comissão.
A razão da culpa presumida prevista no cit. n. 3 do artigo 503 é a de os condutores "por conta de
outrem" não serem responsáveis pelo risco, como apontou Vaz Serra em diversos (cfr. Rev. Leg.
J., 114, página 206), e essa razão é extensiva a qualquer daquelas hipóteses, não se
descortinando motivo válido para que em algumas delas possa ter lugar, e em outras não, essa
culpa presumida.
De outro modo, deveria considerar-se que, sendo a condução feita por algum daqueles familiares
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jurisprudencial.
Não se descortina motivação fundada que implique por parte do Tribunal Pleno decisão em
sentido contrário, permitida pelo n. 3, do citado artigo 766.
II - ARGUMENTOS DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO:
1 - Incumbe ao dono do veículo o ónus de provar não ter a direcção efectiva nem o veículo
circular no seu próprio interesse.
2 - Face ao artigo 503, n. 1, do Código Civil, o dono do veículo que não tenha feito a referida
prova é responsável pelos danos causados, solidariamente com o condutor que não tenha
provado, como lhe competia - n. 3 daquele artigo 503, não ter tido culpa do acidente.
3 - Não é realista obrigar o lesado, que nada sabe de quanto fica para trás do acidente, a provar
que o condutor não era ou era comissário do dono do carro.
III - ARGUMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO:
1 - Só existe culpa presumida, nos termos do artigo
503, n. 3, do Código Civil, quando o condutor do veículo o for por conta de outrem, ou seja, por
haver uma relação de comissão, nos termos do artigo 500, n. 1, do mesmo Diploma, pois a culpa
presumida equivale à culpa provada.
2 - Não é lícito usar as expressões do n. 1, do artigo 503, para integrar o conceito de comissário e
concluir bastar provar-se a propriedade ou presunção da direcção efectiva e interessada do
veículo a favor do titular daquele direito, uma vez que tais conceitos só dizem respeito à
responsabilidade pelo risco e só servem para determinar este tipo de responsabilidade e não a
que deriva de culpa, seja ela efectiva ou presumida.
3 - Admitindo que o facto de alguém ser proprietário de um veículo é suficiente para se poder
concluir, salvo prova em contrário, que tem a direcção efectiva do mesmo e o utiliza no seu
próprio interesse, já não é legitimo que daí se parta para uma presunção de culpa, porque esta
depende da alegação e prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão.
4 - Relação que pressupõe uma situação de dependência entre comitente e comissário, que
autorize aquele a dar ordens ou instruções a este e que só tal possibilidade de direcção é capaz de
justificar a sua responsabilidade pelos actos do segundo.
5 - Não se provando essa relação de comissão inexiste responsabilidade do condutor a título de
culpa presumida e cai-se no domínio da responsabilidade civil por risco a cargo do proprietário
do veículo.
V - JURISPRUDÊNCIA:
Para além dos acórdãos em confronto, detectámos as seguintes decisões proferidas por este
Supremo Tribunal.
No sentido do acórdão recorrido:
Acórdão de 17 de Novembro de 1977, in Proc. n. 66755 (B.M.J. 271/201);
Acórdão de 07 de Janeiro de 1991, in Proc. n. 79788
(B.M.J. 403/393);
Acórdão de 18 de Abril de 1991, in Proc. n. 80270;
Acórdão de 17 de Junho de 1992, in Proc. n. 80460;
Acórdão de 06 de Maio de 1993, in Proc. n. 83009;
Acórdão de 20 de Setembro de 1994, in Proc. n. 85235;
Acórdão de 12 de Janeiro de 1995, in Proc. n. 85994;
Acórdão de 26 de Abril de 1995, in Proc. n. 86771.
No sentido do acórdão fundamento, embora por forma apenas implícita:
Acórdão de 21 de Junho de 1990, in proc. n. 78849.
VI - SOLUÇÃO PROPOSTA
1 - Começando por melhor precisar as hipóteses subjacentes aos acórdãos em conflito,
caracterizando-as, importará reter que em ambos os casos estamos perante uma colisão entre
dois veículos, um conduzido pelo dono e o outro dirigido por quem não era o seu proprietário.
Accionada que foi, também em ambos os casos, a responsabilidade civil por acidentes de
circulação terrestre do proprietário e do condutor daquele segundo veículo, em qualquer das
lides, não só se não logrou apurar a culpabilidade na produção do evento, como também se não
provou a direcção efectiva e interessada do proprietário e muito menos a existência entre ele e o
condutor de uma relação que sugerisse que este conduzia o veículo por conta daquele.
Perante este quadro, enquanto o acórdão fundamento, através de duas presunções sucessivas, a
da direcção efectiva e interessada do proprietário e, a partir desta, a da condução por sua conta
do veículo, sancionou a verificação de uma relação comitente/comissário e, concomitantemente,
a existência de culpa presumida do condutor e obrigação de indemnização dos danos causados
solidariamente com o dono do veículo (artigos 497, 500, n. 1 e 503, n. 3, do Código Civil);
Diferentemente, o acórdão recorrido considerou apenas legítima, na ausência de prova em
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contrário, a presunção da direcção efectiva e interessada do proprietário do veículo, uma vez que
pressupôs que a culpa presumida depende da alegação e da prova de uma relação de comissão
entre ele como detentor do veículo e o respectivo condutor e, consequentemente, afastou este
tipo de imputação subjectiva e quedou-se no domínio da responsabilidade civil do proprietário
pelo risco.
Entendimentos, cujas consequências práticas se repercutiram necessariamente, sobretudo face
aos lesados, por forma diversa, quer no tipo e natureza da responsabilidade (ali, plural, solidária
e fundada na culpa ainda que presumida e aqui, exclusiva e fundada no risco), quer no
"quantum" indemnizatório (ali, sem limitações e aqui, com os constrangimentos decorrentes do
disposto no artigo 508, do Código Civil).
2 - Cremos que a solução adequada do diferendo jurisprudencial acabado de mencionar
(circunscrito ao âmbito de aplicação do disposto nos ns. 1 e 3, do artigo 503, tendo como pano
de fundo o preceituado no artigo 500, n. 1, ambos do Código Civil) foi a acolhida pelo acórdão
recorrido que, por isso mesmo, passamos a sustentar.
3 - O artigo 503, do Código Civil, contém a seguinte formulação: Artigo 503
Acidentes causados por veículos
1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no
seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos
provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489.
3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se
provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas
funções de comissário, responde nos termos do n. 1.
Por seu turno o artigo 500, do mesmo Diploma, estatui: Artigo 500
Responsabilidade do comitente
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa,
pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de
indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário,
ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi
confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso
de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será
aplicável o esposto no n. 2 do artigo 497.
Segundo ANTUNES VARELA (In Rev. de Leg. e Jur., Ano 121, n. 3767, página 46), o artigo
503, do Código Civil, trata, em três proposições normativas distintas, da determinação das
pessoas responsáveis pela indemnização dos danos causados por acidentes de viação, a saber:
"No n. 1 define-se a responsabilidade do detentor do veículo (da tal pessoa que tem a direcção
efectiva do veículo e o utiliza no seu próprio interesse, no momento em que o acidente ocorre),
impondo-lhe uma responsabilidade marcadamente objectiva (ele "responde pelos danos
provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação").
No n. 2 determina-se, por sua vez, os termos em que respondem, nesta zona especial do risco da
circulação terrestre, as pessoas não imputáveis, sujeitando-as ao mesmo regime de equidade e de
culpa objectiva aplicável à sua responsabilidade por factos ilícitos.
Por fim, no n. 3, estabelecem-se as regras a que obedece, em termos perfeitamente autónomos, a
responsabilidade dos comissários (daqueles que conduzem o veículo por conta de outrem),
distinguindo para o efeito dois tipos de situações: o primeiro, constituído pelos casos em que o
causador dos danos conduzia por conta de outrem no momento em que o acidente ocorreu, para
os quais a lei (1. parte do n. 3 do artigo 503) estabelece a presunção de culpa do condutor; o
segundo, formado pelos casos em que o causador do acidente conduzia fora do exercício das
suas funções de comissário, aos quais a lei (2. parte do n. 3 do artigo
503) manda aplicar o princípio da responsabilidade objectiva (pelos riscos próprios do veículo)
consagrado no n. 1 do mesmo artigo 503.
Por força da consideração autónoma dos três números em que o corpo do artigo 503 do Código
Civil se divide, o comissário responde por todos os danos que causar através do acidente de
viação, desde que não consiga ilidir a presunção de culpa que a lei faz incidir sobre ele. O
detentor do veículo, por conta de quem este seja conduzido, responde nesse caso, não por força
do disposto no n. 1 do artigo 503, mas em obediência à doutrina que o artigo 500 do Código
Civil estabelece para a responsabilidade do comitente pelos danos que o comitido causar".
4 - Porém e no que para o caso interessa, como adverte o já mencionado acórdão deste Supremo
Tribunal de 7 de Janeiro de 1991 (In B.M.J. 403/393) - cuja orientação influenciou o acórdão ora
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objecto de recurso e que também vamos seguir de perto -, nem sempre se atenta na distinção
que, nos sobreditos termos, há que operar entre o n. 3, do artigo 503, quando estabelece um caso
de presunção de culpa do condutor e o n. 1 do mesmo preceito, quando estabelece a
responsabilidade pelo risco de quem tem a direcção efectiva e o interesse na utilização do
veículo, independentemente do facto que esteve na origem do acidente.
Distinção que mais se evidenciou, se é que necessário, através da doutrina do Assento de 14 de
Abril de 1993 (In B.M.J. 326/302) que, pondo termo à divergência que se verificava sobre o
alcance do mencionado n. 3, se relacionado apenas com as relações internas entre os
responsáveis pelo acidente, o condutor e o seu comitente, ou entre o condutor e os titulares do
direito a indemnização, decidiu neste último sentido, estatuindo que:
"A primeira parte do n. 3 do artigo 503 do Código
Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos
danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a
indemnização".
E que ulteriormente saiu reforçada, primeiro através do Assento de 26 de Janeiro de 1994 (In
Diário da República, I S., de 19 de Março de 1994), segundo o qual:
"A responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no artigo 503, n. 3,
primeira parte, do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no artigo
506, n. 1, do mesmo Código".
E depois por intermédio do Assento de 2 de Março de 1994 (In Diário da República, I S., de 28
de Abril de 1994), de acordo com o qual:
"A responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do artigo 503, n. 3, do
Código Civil, não tem os limites fixados no n. 1 do artigo 508 do mesmo diploma".
Forçosa, pois, a conclusão de que a responsabilidade por culpa presumida, consagrada na
primeira parte do n. 3, do artigo 503, do Código Civil, só existe como tal quando o condutor do
veículo o é por conta de outrem, ou, o que é a mesma coisa, quando age como comissário de
outrem, e não simplesmente quando a propriedade e/ou detenção do veículo é de outra pessoa.
5 - Por outro lado e não obstante a responsabilidade pelo risco, consagrada no n. 1, do artigo
503, abranger não apenas o proprietário, mas quem - seja ou não proprietário - tiver a direcção
efectiva de qualquer veículo e o utilizar no seu próprio interesse, é perfeitamente legítimo, em
termos de normalidade e razoabilidade, salvo prova em contrário, afirmar que a propriedade faz
presumir a direcção efectiva e interessada do veículo pelo proprietário, com os inerentes reflexos
na respectiva esfera jurídica (Cfr. acórdãos do S.T.J. de 6 de Maio de 1980, 13 de Junho de
1983 e 25 de Outubro de 1983, no B.M.J. 295/369, 328/559 e 330/511, respectivamente).
Isto na medida em que esses conceitos - direcção efectiva e utilização no próprio interesse - são
plenamente compatíveis com o conteúdo do direito de propriedade, tal como este se mostra
definido pelo artigo 1305, do Código Civil, mas já o não serão para integrar e definir uma
relação de comissão, sendo certo que só esta é determinante da responsabilidade baseada na
culpa (comprovada ou presumida) do condutor e extensível a outrem, o comitente.
6 - Tudo se refere, com inteira pertinência e lúcida percepção, o já citado acórdão de 7 de Janeiro
de 1991 (In B.M.J. 403/393), que, nessa parte, nos permitimos passar a transcrever:
"Não parece lícito utilizar as expressões interesse efectivo e utilização no próprio interesse para
fundamentar a responsabilidade por culpa (solidária) nos termos do artigo 500, n. 1, que se
verificará exclusivamente quando alguém encarrega outrem de qualquer comissão, o que
significa o mesmo que quando alguém conduzir o veículo por conta de outrem, como se diz no n.
3 do artigo 503.
No primeiro caso, a perspectiva é do comitente. No segundo é do comissário. Mas a relação é a
mesma, como resulta necessariamente da excepção da segunda parte do mencionado n. 3, que
alarga a responsabilidade pelo risco ao simples condutor quando estiver fora do exercício das
suas funções de comissário.
Sendo, pois, diversos os âmbitos de aplicação dos artigos 500, n. 1, e 503, n. 1, e ligando-se o n.
3 do artigo 503 ao artigo 500, n. 1 - responsabilidade por culpa do condutor - têm
necessariamente fundamentos diversos.
Só a existência de comissão faz presumir a culpa do condutor e a consequente responsabilidade
do comitente - seja ou não proprietário - nos termos do artigo 500, n. 1. A sua inexistência exclui
a presunção de culpa e torna o condutor só responsável a título de culpa provada. A não ser que
possa incluir-se em qualquer das situações do n. 1 ou do n. 3, segunda parte, do artigo 503.
Mas então só ele será responsável a título de risco.
Aqui chegados, parece já claro que não é lícito usar as expressões do n. 1 do artigo 503 para
interpretar o conceito de comissário e concluir que basta poder provar-se a propriedade ou a
presunção legal da direcção efectiva e interessada do veículo a favor do proprietário, pois que
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estes conceitos dizem respeito à responsabilidade pelo risco e só servem, para determinar esta e
não a responsabilidade por culpa, ainda que presumida.
Sendo esta, aliás, uma excepção, alargá-la com fundamento na atribuição da responsabilidade
pelo risco será nitidamente exceder os objectivos do legislador, será não apenas interpretar a lei,
mas integrá-la por analogia sem razão de ser, porque se trata de casos que não são análogos.
Assim, admitindo que o facto de ser proprietário de um veículo é suficiente para se poder
concluir, salvo prova em contrário do próprio, que tem a direcção efectiva do mesmo e o utiliza
no seu próprio interesse, donde a sua responsabilidade pelo risco do uso desse veículo, já não é
legítimo que se use da mesma presunção para concluir pela existência de presunção de culpa,
porque esta depende da verificação de uma relação de comissão, que depende da alegação e
prova de factos que a tipifique, e não se presume em face dos factos mencionados no n. 1 do
artigo 503 do Código Civil".
7 - Tanto quanto basta para permitir afirmar que a culpa presumida para que aponta o artigo 503,
n. 3, do Código Civil, acrescido dos subsídios resultantes da sua interpretação autêntica
veiculada pelos referidos
Assentos, pressupõe uma relação de comissão, pressupõe, em suma, que o condutor de certo
veículo causador de um acidente esteja então a agir como comissário de outrem (o comitente),
entendido que "o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos artigos
266 e seguintes do Código comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada
por conta e sob direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou
numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc." (Cfr.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, volume I, 4. edição, página
507).
Não estando provada essa relação comitente/comissário, como sucede nos acórdãos ora em
confronto, óbvio se torna que, na ausência desse facto-base impossível é dar por verificada, nos
quadros daquele artigo 503, n. 3, do Código Civil, uma situação de responsabilidade civil por
factos ilícitos em que o elemento culpa (do condutor) fosse apenas presumido. Nessa medida,
subsistirá tão-só a responsabilidade civil pelo risco, nos termos do n. 1 do mesmo preceito, do
proprietário e/ou detentor do veículo, como titular comprovado ou presuntivo da respectiva
direcção efectiva e interessada, mas com os limites indemnizatórios decorrentes do disposto no
artigo 508, do mesmo Diploma Legal (como julgou o acórdão recorrido ao contrário do acórdão
fundamento).
VII - CONCLUSÃO:
Face ao exposto, somos de parecer que o presente conflito jurisprudencial deverá ser solucionado
através da prolação de Assento, para o qual se propõe a seguinte redacção:
"A responsabilidade por culpa presumida, consagrada na primeira parte do n. 3, do artigo 503, do
Código Civil, pressupõe a alegação e a prova de factos que tipifiquem uma relação de comissão,
nos termos do artigo 500, n. 1, do mesmo Diploma Legal."
Cuja aplicação ao caso concreto em litígio é determinante da confirmação do douto acórdão
recorrido e, consequentemente, da improcedência do recurso.
O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO
ANTÓNIO ALBERTO PEREIRA DA COSTA.
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