COSTA, Luiz - Fraude PROCONSULT 1982/83

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Faculdade de História
Departamento de História

Luiz Henrique da Costa Moreira

O CASO PROCONSULT
UMA TENTATIVA DE FRAUDAR A ELEIÇÃO DE 1982

Belford Roxo
2023
Luiz Henrique da Costa Moreira

O CASO PROCONSULT
UMA TENTATIVA DE FRAUDAR A ELEIÇÃO DE 1982

Projeto de Graduação apresentado ao


Departamento de Filosofia e Ciências
Humanas da Faculdade de História,
Universidade do Estado Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos para obtenção do
Diploma de Graduação e Bacharel pelo
Curso de História.

Orientador: Prof.ª. Henrique Gaio

Coorientador: Prof.ª. Henrique Gaio

Belford Roxo
2023
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/F

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


deste projeto final de graduação, desde que citada fonte.

_____________________________________ _______________________
Assinatura Data

_____________________________________ _______________________
Assinatura Data
Luiz Henrique da Costa Moreira

Projeto de Graduação apresentado ao


Departamento de Filosofia e Ciências
Humanas de Faculdade de História,
Universidade do Estado Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos para obtenção do
Diploma de Graduação e Bacharel pelo
Curso de História.

Aprovados: ___/___/2023
Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________
Prof.ª:

___________________________________________________________________________
Prof.ª.

___________________________________________________________________________
Prof.ª.

Belford Roxo
2023
Dedico este trabalho a minha família, minha mãe, meu pai e meus parentes por
investirem na minha educação e me apoiarem. Dedico também este trabalho para
minha amada namorada, que me ajudou nos momentos mais difíceis.
AGRADECIMENTOS

Direciono meu saudoso agradecimento ao Professor


Henrique Gaio, que junto teve a imensa colaboração em
aceitar meu projeto e me dar condição de avançar na
minha área de atuação com toda a profundidade que lhe é
designada.
Quando tivermos que discutir polícia, vamos ter que
discutir ministério público, vamos ter que discutir as
questões legislativas e o setor do judiciário, junto a
isso o papel do Estado perante a sociedade. (1997)

Hélio Luz, Ex-secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro


RESUMO

Após a Lei da Anistia e a revogação do AI-5 o Brasil começava a sentir de maneira


“lenta e gradual” os ventos da Democracia. Exilados políticos, como personagens
que circundam esta história, seriam peça chave na luta pela volta dos direitos civis e
políticos no país. Mas as Forças Armadas Brasileiras estavam divididas neste
processo, a chamada Linha Dura que eram opostos aos militares da chamada
escola de Sorbournne confeccionavam planos para fazer o já regime militar que caia
de podre se perpetuar no poder. Antes mesmo do pleito de 1982, militares do 1º
Batalhão de Polícia do Exército, da famigerada Rua Barão de Mesquita, explodiram
bombas em um show que comemorava o dia 01 de maio. A empreitada falhou, e os
militares que buscavam culpar os movimentos de esquerda e de demasiadas
vertentes políticas foram pegos em flagrante, inclusive um deles, com uma bomba
no colo. Porém, militares da Linha Dura iriam tentar novamente, dessa vez, sem
explosão. Contudo, militares usariam as escabrosas técnicas inovadoras e métodos
sujos que o SNI possuía e em conluio com a grande mídia, para frear o que já se
chamava Nova Democracia. Mas uma maneira de se pensar? Justo quando militares
pedem para sair, eles pedem para retornar? Ou seria algo mais obscuro? Que
talvez, por si só, prejudicaria seus companheiros de farda e que qualquer convulsão
social daria jeito? Neste trabalho, analisamos documentos retirados do Sistema de
Informação do Arquivo Nacional o SIAN a procura de documentos que pudessem
dar um outro olhar para esta tentativa de fraude que se tentou no Estado do Rio de
Janeiro no ano de 1982.

Palavra-chave: SNI, PROCONSULT, SERPRO, FRAUDE;


ABSTRACT

After the Amnesty Law and the revocation of AI-5, Brazil began to feel the winds of
Democracy in a “slow and gradual” way. Political exiles, as characters that surround
this story, would be a key player in the fight for the return of civil and political rights in
the country. But the Brazilian Armed Forces were divided in this process, the so-
called Hard Line that were opposed to the military of the so-called Sorbornne school,
making plans to make the already rotten military regime perpetuate itself in power.
Even before the 1982 election, military personnel from the 1st Army Police Battalion,
on the infamous Rua Barão de Mesquita, exploded bombs at a show celebrating the
1st of May. The venture failed, and the military who sought to blame leftist
movements and too many political strands were caught in the act, including one of
them, with a bomb in his lap. However, the Hard Line military would try again, this
time without an explosion. However, the military would use the scabrous innovative
techniques and dirty methods that the SNI had and in collusion with the mainstream
media, to curb what was already called New Democracy. But a way of thinking? Just
when military personnel ask to leave, do they ask to return? Or is it something more
obscure? That perhaps, in itself, it would harm his comrades in uniform and that any
social upheaval would come in handy? In this work, we analyze documents taken
from the Information System of the National Archive, the SIAN, in search of
documents that could give another look to this fraud attempt that was attempted in
the State of Rio de Janeiro in the year 1982.

Keywords: SNI, PROCONSULT, SERPRO, FRAUD;


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Manual pioneiro da ESG, 1950, Ministério do Silêncio............................16

Figura 2 – Ismar Pfaltzgcaff Brasil,1956....................................................................18

Figura 3 – Lacerda assume Guanabara, Tribuna da Imprensa, 1960.......................23

Figura 4 – Explosão popular, Jornal do Brasil, 1962.................................................25

Figura 5 – Leonel Brizola na volta do exílio, 1979.....................................................26

Figura 6 – IPM do Riocentro, Jornal do Brasil, 1981.................................................30

Figura 7 – Comício Quinta da Boa Vista, PDS, O GLOBO, 1982.............................34

Figura 8 – Passeata na Zona Oeste, O GLOBO, 1982.............................................34

Figura 9 – Ressurge a Democracia, O GLOBO, 1964..............................................38

Figura 10 – Explosão no Riocentro, SNI, 1981.........................................................41

Figura 11 – Arrastão em Ipanema, Jornal Nacional, 1984........................................43

Figura 12 – Arrastão em Ipanema, Jornal Nacional, 1984........................................43

Figura 13 – Ligações Telefônicas, Brizola, SNI, 1982...............................................45

Figura 14 – Denúncia ao TRE, Brizola, SNI, 1982....................................................46

Figura 15 – Perícia do JB mostra erros na Proconsult, Jornal do Brasil, 1982.........47

Figura 16 – Proconsult não consta de cadastro no Gov, Jornal do Brasil, 1982.......51

Figura 17 – Transferência de agentes estaduais para esfera federal, CIE, 1983.....51


LISTA DE SIGLAS

CIE – Centro de Informações do Exército;

CIA – Central Intelligence Agency;

OSS – Office of Strategic Services;

CEP – Centro de Estudos do Pessoal;

PROCONSULT – Proconsult;

SNI – Serviço Nacional de Informações;

IPM – Inquérito Policial Militar;

SSP-RJ – Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro;

SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados;

ESG – Escola Superior de Guerra;

SFICI – Serviço de Informações e Contra Informações;

IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais;

IBAD – Instituto Brasileiro de Atuação Democrática;

ARENA – Aliança Renovadora Nacional;

MDB – Movimento Democrático Brasileiro;

IGRA – Instituto Rio Grandense do Arroz;

COFAP – Comissão Federal de Abastecimento e Preço;

PDS – Partido Democrático Social;

PDT – Partido Democrático Trabalhista;

PT – Partido dos Trabalhadores;

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro;

CENIMAR – Centro de Informações da Marinha;


SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO.....................................................................................................13
2 – METODOLOGIA TEÓRICA EMPREGADA.........................................................14
2.1 – ANTECEDENTE NOTÓRIO..............................................................................15
2.1.2 – SNI E A POLÍTICA.........................................................................................19
2.2 – ABRIL DE 77.....................................................................................................21
2.3 – LEI DA ANISTIA 79...........................................................................................22
2.4 – BRIZOLA, O ÚLTIMO CALDILHO....................................................................24
2.5 – O PDT E O PLURIPARTIDARISMO.................................................................26
2.6 – A CARA DO ARENA, JEITO DO PDS..............................................................27
3 – MOREIRA FRANCO, JOÃO FIGUEIREDO E O JOGO......................................33
3.1 – O PLEITO E SEUS OBSTÁCULOS..................................................................36
3.1.2 – PROCONSULT, SERPRO E A FRAUDE.......................................................37
3.2 – A TV GLOBO E AS ORGANIZAÇÕES MARINHO............................................38
4 – O PROVÁVEL MOTIVO DA FRAUDE.................................................................40
4.1 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................53

REFERÊNCIAS..........................................................................................................55

ANEXO DE MÍDIA VOL. A.........................................................................................56


1 – INTRODUÇÃO

No ano de 1992 acontecia a ECO92 que era uma cooperação de diversos


países para combater o desmatamento e o aquecimento global com medidas
implementadas por governos signatários do tratado. Os olhos do Brasil e do mundo
estavam voltados para um local específico: o Rio de Janeiro. Historicamente, o Rio
de Janeiro para o resto do mundo foi o cartão de visitas para o resto do Brasil, e isso
tem consequências enormes para o que se dedigna há como o Estado Brasileiro
conduz suas políticas internas. Quando tratamos do final da Ditadura Militar, onde o
fogareiro foi aceso no famoso Discurso da Central do Brasil no Centro do Rio, e
onde no ano de 1983 as ruas se encheram para pedir a volta do direito ao voto,
subtraído a ferro e fogo por militares golpistas. Novamente, o Rio de Janeiro é palco
de uma trama que será vital para a consolidação de uma Justiça Eleitoral autônoma,
com recursos e acima disso, inviolável.

Após a devolução da liberdade subtraída com violência do povo, os direitos


civis deram tração para que movimentos políticos e sindicais erguessem voz em
favor de ainda mais direitos. E depois de muitos episódios de violência, e sendo por
último também da morte do jornalista Vladmir Herzog, a ditadura militar já não se
sustentava. Os militares caminhavam a passos largos em direção ao Crepúsculo dos
Deuses – obviamente carentes de deidade – Estamos falando de um período que se
compreende de 1979 à 1983, o DOPS e DOI-CODI só encerrariam suas operações
de grupo de extermínio no ano de 1985, ou seja, embora a sociedade da
denominada Década Perdida estivesse sentindo a brisa da democracia, ainda do
outro lado do muro, estavam apostos os assassinos para agir em favor de um
estado criminoso.

Criminosos como eram, e como são, tentariam por mais de uma vez
obstruir as vias para a liberdade constitucional e individual. O arbítrio ainda rondava
junto aos fantasmas para quem saiu para o exílio e voltava com medo de morrer.
Aos que ficaram, foram seviciados e barbaramente mortos. O regime militar, assim
como diz na música da digníssima Gal Costa: mostrou sua cara.
2 - METODOLOGIA TEÓRICA EMPREGADA

Em nosso prisma teórico e arcabouço documental, assim como artigos e


livros que nos dão diversas direções para pesquisar, trazendo grande gama e
matizes de interpretação e de finalidade. Aos documentos oficiais e obtidos em
Arquivos Públicos Estaduais e em órgãos da União e do Ministério da Justiça e
Segurança Pública como o Arquivo Nacional utilizaremos como prisma teórico o
Materialismo Histórico Dialético, pois em nossa historiografia não temos uma história
governamental uniforme e linear, sendo interrompida a ordem constitucional vigente
e sendo implantadas ditaduras na história política brasileira, provocando diversas
mudanças sociais e causada de diferentes formas. Portanto, não seria possível
analisar a Fraude PROCONSULT a partir de uma lógica atual ignorando totalmente
o último estado de exceção no Brasil de 1964 a 1985, onde o Estado Brasileiro
aparelhou os órgãos de segurança, entre eles as agências de inteligência para
perseguir e reprimir opositores políticos. Aqueles que foram perseguidos,
promoveram a luta para a reabertura da democracia e pelos direitos humanos, logo
seriam inimigos do Estado de Exceção.

Em questão aos acontecimentos sociais e que geram grande impacto na


sociedade como um todo, faremos uso do prisma da História-Cultural. Pois ainda
temos presente em nossa sociedade o famigerado fantasma de que eleição no
Brasil é fraudada desde o final da Ditadura Militar. É trivial pensar que poderíamos
simplesmente olhar para Justiça Eleitoral e analisar sua atuação no dia de hoje e
categorizar como insegura e sem credibilidade. Mas a questão é que estabelecendo
uma ordem cronológica ou não dentro da temática, em todos os momentos vamos
nos deparar com uma Justiça Eleitoral que nesse período é muito jovem e que não
possuía o aparato que hoje possui. Contudo, ainda no século XXI esse debate
infundado ganha cada vez mais força, estabelecendo contato em primeiro plano com
a Farsa e em segundo plano com a Tragédia.

Para matérias de jornal e imprensa no geral, seria mais adequado utilizar


o prisma da Antropologia Histórica, que estabelece o estudo das sociedades em sua
constante mudança e adaptação a ordem. Sendo assim, matérias de imprensa no
período da repressão do regime militar podem ser ainda que interpretadas de
maneira subjetiva, pois havia órgãos de censura em todas as redações vigiando
cara repórter e jornalista responsável pela matéria. Estabelecer essa norma para as
matérias além de ser fundamental, é de suma importância, pois nos dá o contraste
de imprensa livre e imprensa enviesada. Não são raros os casos de jornais
sensacionalistas que estampavam as capas de guerrilheiros ou membros da
esquerda como o MR-8 e ALN com titulação escandalosa, glorificando a ação
covarde das forças de repressão, consolidando a aceitação da mídia hegemônica de
que o “inimigo interno estava sendo combatido” e mais que isso, provando que este
existia, causando e incutindo aquilo que chamamos de Populismo Punitivo Midiático
Sensacionalista. Imprensa essa que no geral, apoiou o regime militar e suas práticas
violentas, então fazer uso da antropologia histórica é vital para as matérias de jornal
que compreendem do período de 1964 a 1985.

2.1 – ANTECEDENTE NOTÓRIO

Antes mesmo do Golpe Civil Empresarial Militar, homens fardados


tramavam contra a democracia que no recorte histórico aqui mencionado se dava
pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Porém, ainda faltava um
setor de inteligência forte, que pudesse suprir as necessidades dos militares. Isso só
seria possível após o ano de 1949, com a instalação da primeira escola superior de
guerra no Brasil.

Da Política da Boa Vizinhança à Campanha na Itália contra o Eixo, os


militares Brasileiros e Americanos estreitaram laços, algo que vinha tentando ser
feito desde a Grande Guerra em 1914, e que em 1943 era possível com a entrada
do Brasil no conflito mundial ao lado dos aliados. Com a instalação da Escola
Superior de Guerra, implementada pelos estadunidenses baseados no conceito de
War College1 o manual viria em 1950 com o título Manual Pioneiro da ESG. Este,
continha 17 páginas e foi elaborada onde nasceu a Divisão de Informações do
Exército Estadunidense, no Fort Leavenworth. O autor do manual era um brigadeiro-
do-ar que fazia um curso de navegação na instalação militar estadunidense, seu
nome era Ismar Pfaltzgcaff Brasil e no arquivo que enviara ao Brasil de maneira
confidencial, determinaria a nova diretriz de inteligência e contra insurgência.

1
War College – Conceito para estabelecer o novo método de guerra; aos vencedores da Segunda
Guerra Mundial, no caso os Estados Unidos e a União Soviética, estabelecerem um novo conceito de
Conflito Moderno;
“Entre outros temas, abordava as diferenças entre tipos de
informação (táticas, militares e estratégicas) e seus respectivos
campos de interesse (política, economia, topografia, sociologia,
militar, biografia, ciência e tecnologia).”

FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio. pp. 57.

Figura 01

No documento, que fora redigido aos moldes americanos, estabelecia uma


nova diretriz que ainda viria se chamar Doutrina de Segurança Nacional. Mas para
uma nação segura, precisaria ter uma equipe que despojasse segurança. O que não
dava segurança e tirava o sono dos militares brasileiros era a infiltração do
Comunismo e da Komintern2.

2
Komintern – A Internacional Comunista também conhecida como Terceira Internacional (1919 – 1943) foi
uma organização fundada por Vladmir Lenin em março de 1919 no intuito de reunir os partidos comunistas de
todo os países;
Então, militares que cursaram a ESG junto com outros militares que fizeram
formação no Fort Leavenworth elaboraram um serviço secreto aos moldes
estadunidenses, e principalmente para o combate ao inimigo interno.

“Simultaneamente com o choque emocional que nos trouxera a


derrocada da França [na Segunda Guerra], eivando de
suspeição todos os ensinamentos que havíamos haurido de
seus mestres militares, fomos compelidos, de súbito, a cooperar
ativamente com as Forças Armadas norte-americanas na grande
coligação que logo se arquitetou para a defesa da liberdade
ameaçada. Assim, de uma hora para outra, a doutrina militar
brasileira [setor de informações] se viu inundada por uma
avalanche de processos [...] e principalmente por uma
terminologia que nossos aliados do Norte, com prodigalidade de
noveaux riches3, criaram em ritmo comparável ao de sua
fabulosa produção industrial.”

FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio. pp. 58.

Quando, a doutrina militar brasileira precisou de informações, ou


infraestrutura para conseguir, foi o Fort Leavenworth junto com a Divisão de
Informações do Exército estadunidense quem cedeu treinamento, equipamentos e
suporte financeiro. O embrião do que chamaríamos após 1964 de SNI, se chamava
nos anos 1950 de Sfici. Versado na filosofia de espionagem estadunidense, o Sfici
era nada mais que apenas diretriz, nada muito sofisticado. Seu único problema eram
seus pais, sendo eles o General Odylio Denys, Rubens Bayma Denys, Geraldo
Knack e José Henriques Soares. Todos eles citados eram militares de alta patente e
estavam fazendo um curso na CIA em 1956 logo após Juscelino Kubitschek assumir
a presidência da república. Os pais do Sfici ficaram hospedados em bons hotéis
estadunidenses, com carro à disposição e empréstimos vultosos, tudo isso sendo
uma “cortesia” do Governo Estadunidense.

3
Noveaux Riches - Novo-rico, é um termo derrogatório usado para descrever pessoas cuja riqueza tenha sido
obtida na sua geração, ao invés de forma sequencial, sobretudo hereditária.
De volta ao Rio de Janeiro, ainda em 1956 quando o estado ainda era capital
federal, o Edifício Inúbia – que já fora demolido – abrigava secretamente a sede do
Sfici na Avenida Presidente Wilson, nº 210. O nome do famigerado Golbery de
Couto e Silva só apareceria mais tarde nos anos 1960, pois seria ele o principal pai
do que viria ser o Serviço Nacional de Informações, o SNI. Contudo, toda a
desenvoltura para o “vigiar e punir” como espionar possíveis insufladores do
comunismo no Brasil como Carlos Marighela e Luiz Carlos Prestes. Aos inimigos do
governo como Carlos Lacerda – que nos anos 50 fazia campanha contra Juscelino.
Por ser jornalista e um dos diretores de maior prestígio do jornal udenista Tribuna da
Imprensa, Lacerda fazia pressão e era crítico ferrenho do governo Vargas e foi o
principal motivador do suicídio do mesmo em 1954. Logo, postura e petulância para
afrontar o governo Lacerda tinha e deveria ser vigiado como os comunistas para
aplicação formal da já habilitada Doutrina de Segurança Nacional.

Figura 02

Já no início dos anos 1960, com a eleição de Jânio Quadros, o já Coronel


Golbery de Couto e Silva articulava nas sombras com os nomeados Generais como
Olympio Mourão, Amaury Kruel, Humberto de Alencar e Arthur da Costa e Silva, pois
em 21 de agosto de 1961 o presidente Jânio Quadros condecorava com a Ordem do
Cruzeiro do Sul à Ernesto Guevara para fúria dos militares. A divisão da Cortina de
Ferro4 já refletia no Serviço Secreto Brasileiro, observando a movimentação de
comunistas conhecidos, seus respectivos movimentos de massas e sindicais. Após o
famoso discurso da Central do Brasil realizado por Jango já em 1964 quando os
ânimos já estavam acirrados ao máximo, os militares golpistas dariam o golpe em 31
de março daquele ano, inaugurando assim uma nova fase do serviço secreto
brasileiro, um novo capítulo. Após o golpe, o serviço deixaria de se chamar Sfici para
ter a sigla SNI.

2.1.2 – SNI E A POLÍTICA

Após o golpe triunfar em 1964, os militares não perderam tempo para


inserir a lógica da ideologia positivista, vide que, o Brasil estava doente e ficaria bem
se fosse curado. Exceto que, a “doença” eram os subversivos e os corruptos. De
longe, os políticos que assaltavam o erário público eram os principais alvos da
repressão que ainda não ganhara caráter linha dura. Não muito distante, o AI-1 já
cassava alguns parlamentares e governadores que pudessem pôr em risco a já
aplicada – a partir deste momento com mais rigor do que nunca – Lei de Segurança
Nacional. A mesma, tinha caráter repressivo, que se fazia valer pela identificação
dos subversivos através do SNI que acabara de nascer oriunda da disputa entre
militares linha dura e de Sorbournne. O manual, servira bem ao Serviço Nacional de
Informações que de principal mecanismo operacional contra subversão amparado
na tecnologia e métodos de atuação estadunidense, o que havia de “melhor”. Além
disso, o SNI através do IPES e IBAD aprendeu a como derrubar um governo com
propaganda, algo que seria vital para o modus operandi contra a subversão no
Brasil.

Golbery começou a trabalhar arduamente para a consolidação do mais


novo serviço de inteligência. Sabendo disso precisava de que o SNI teria amparo
legal e irrestrito na atuação em prol da segurança nacional, portanto, redigido por ele
mesmo, um projeto de lei de Nº1.968 compunha ao todo dez artigos, que ampliava
os poderes do serviço secreto. Sendo eles:

4
Cortina de Ferro – Terminologia constituída no cenário da Guerra Fria onde o Oriente era influenciado pela
URSS e o Ocidente era influenciado pelos países da OTAN. Busca-se Winston Churchill; Câmara dos Comuns;
Commonwealth;
“Art. 1º É criado, como órgão da Presidência da
República, o Serviço Nacional de Informações (SNI), o
qual, para os assuntos atinentes à Segurança Nacional,
operará também em proveito do Conselho de Segurança
Nacional.

Art. 4º O Serviço Nacional de Informações compreende


uma chefia (Chefe do Serviço e Gabinete), uma Agência
Central no Distrito Federal e Agências Regionais.

§ 1º Fica incorporada ao SNI, como Agência Regional


com sede no Rio de Janeiro (Guanabara), o Serviço
Federal de Informações e Contra Informações (SFICI) que
atualmente integra a Secretaria Geral do Conselho de
Segurança Nacional.

Art. 5º. O Chefe do SNI, civil ou militar, da confiança do


Presidente da República, terá sua nomeação sujeita à
aprovação prévia do Senado Federal.

§ 1º As funções de Chefe do SNI não podem ser


desempenhadas cumulativamente com as de qualquer
outro cargo.

§ 2º Ao Chefe do SNI são devidas as honras e


prerrogativas de Ministro de Estado.

§ 3º O Chefe do SNI perceberá vencimentos iguais ao


fixado para os Chefes de Gabinete da Presidência da
República.”

Câmara dos Deputados, Lei 4341 de 13 de junho de 1964.

O projeto de lei impulsionava o Serviço Nacional de Informações para uma


terra obscura, onde não prestava contas a ninguém, nem mesmo suas organizações
internas, quanto mais seus dados internos. Além disso, o pagamento a pessoas sem
vínculo com o governo federal recebia do SNI por informações relevantes. Somente
o Presidente da República teria acesso aos dados. Porém, o professor da primeira
turma de formação de profissionais do Serviço de Informações foi o então Coronel
João Baptista Figueiredo. A maioria dos que puderam acessar os dados do SNI
foram os presidentes militares do regime de exceção, pouco dentro e fora das
cercanias de Brasília sabiam o que o SNI fazia por debaixo dos panos e cortinas do
Regime Militar, o único presidente civil que teve acesso e controle sobre o Serviço
de Informações foi José Sarney em 1985. O serviço também prestava contas a
militares que colocavam escutas nos gabinetes de parlamentares que em tese
estariam apoiando o governo de exceção, mas ainda de forma tímida. Ou seja,
espionagem à serviço do regime para cassar inimigos no parlamento brasileiro.

2.2 – ABRIL DE 77

Já no governo do General Ernesto Geisel, a repressão continuava a todo


vapor e obviamente, seguindo os passos de seu antecessor, não deixou de
fortalecer o serviço secreto brasileiro, muito ao contrário, manteve João Figueiredo
desde o governo Emílio Médici na chefia do SNI. Porém, com a abertura das
eleições legislativas em 1974 e ainda sobre a égide do bipartidarismo entre ARENA
e MDB o governo perdeu cadeiras no parlamento. Após o resultado, a maioria das
cadeiras que antes eram controladas por deputados e senadores biônicos5, agora
passaram para o controle do MDB. O Regime Militar não podia tolerar perder a
maioria do parlamento, então no ano de 1977 o General Ernesto Geisel decretava o
famigerado Pacote de Abril, fechando temporariamente o Congresso Nacional cuja
medida para ter maior proporção de parlamentares no Legislativo. A maior de todas
as implicações foi a rejeição sistemática da reforma do judiciário proposto pelo
governo, em consequência disso, passaram a ser nomeados de forma indireta. Em
meio a isso, o SNI trabalhava nas sangrias6 para identificar parlamentares que
seriam alvo das cassações do Regime Militar.

5
Deputados e Senadores Biônicos – Parlamentares eleitos por indicação do presidente no regime militar;
6
Sangria – Termo pejorativo para grampos telefônicos realizados sem autorização da justiça;
2.3 – LEI DA ANISTIA 1979

Com o retorno dos exilados políticos conforme descrevia a Lei Nº


6.683 de 28 de agosto de 1979, perdoava e anistiava todos aqueles que o Regime
Militar perseguiu, torturou e considerou como inimigo público. Do outro lado,
perdoava e anistiava os algozes e carrascos dos porões do DOPS e do DOI.
Embora, o retorno destes como o nomeável mais à frente a exemplo de Leonel de
Moura Brizola ainda em 79, o SNI não parava de vigia-los. Afinal, quem comandava
o país era o ex-diretor do Serviço de Informações. Agora, mais do que nunca o
serviço trabalharia a todo vapor para colher nomes e informações, realizar sangrias,
consumar campanas e sondar pessoas do meio político. Em suma, o SNI colhia
informações de quem devia, quem cobrava e de quem requeria, ou seja, dos
próprios políticos aos quais ajudaram um dia a criar o órgão de inteligência.

2.4 – BRIZOLA, O ÚLTIMO CAUDILHO

Leonel de Moura Brizola se filiou ao PTB em 1945 enquanto ainda


cursava faculdade de Engenharia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Na eleição de 1947, com apoio do partido e de entes universitários, Brizola foi eleito
Deputado Estadual com 3.839 votos, sendo essa vigésima oitava maior votação
daquele pleito. Deixou a secretaria de obras do Governo do Estado do Rio Grande
do Sul à qual ocupava desde 1952 para que no ano de 1954 pudesse se candidatar
à uma vaga na Câmara dos Deputados no pleito que seria realizado no mesmo ano.
Com uma votação nacional recorde acabou sendo eleito com expressividade. Sendo
crítico e ríspido com parlamentares da UDN como por exemplo Carlos Lacerda, que
criticava o PTB pelo mandato de Vargas. Quando Lacerda foi jurar na então Tribuna
da Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes, Brizola proferiu a seguinte frase:

“Pela ordem, senhor presidente! Este é um


juramento falso! Ele está jurando democracia aqui
dentro e pregando o golpe lá fora!”

GUIMARÃES, Rafael. Legalidade 25 anos. pp. 73


Mas o destino colocaria dois inimigos ferrenhos da câmara dos
deputados em um patamar ainda mais acirrado. Na virada dos anos 1950 e início da
década de 1960, Carlos e Leonel foram elevados à Governadores. Brizola como
Governador do Estado do Rio Grande do Sul e Lacerda no Estado da Guanabara.

Figura 03

Leonel Brizola, claramente um político de viés legalista e socialista,


modificou a estrutura do Estado do RS acolhendo todos os bens e serviços para a
tutela estatal, como por exemplo o Instituto Rio Grandense do Arroz. Brizola também
seria peça chave após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, no que ficaria para a
história como uma tentativa de golpe fracassada, pois Jango estava em visita oficial
à China de Mao Tse Tung e teria que assumir o cargo, o que para cúpula dos
militares verde-oliva não era aceitável. Brizola, temendo que o cargo de seu
cunhado fosse usurpado de sua legítima posse, mandou que fechassem as vias
próximas ao Palácio Piratini e que o mesmo fosse fortificado, pois a cúpula das
Forças Armadas deu ordens para bombardear o edifício quando a Campanha da
Legalidade foi anunciada. Ordem essa que não foi cumprida pelos pilotos da FAB da
Base Aérea de Canoas, que se recusaram a levantar voo para bombardear o
palácio. Leonel Brizola, que postumamente seria chamado de último caudilho
resistiu à tempestade golpista que atingiu o Rio Grande do Sul por quase dois
meses. A Campanha da Legalidade venceu, e Jango tomava posse no dia 7 de
setembro de 1961 à contra gosto das Forças Armadas. Embora Goulart tenha
mantido seu cargo em detrimento da renúncia do presidenciável Jânio Quadros, os
ânimos ainda andavam muito pesados. O triângulo do sudeste, composto por São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro estavam sendo governados pelos golpistas
Ademar de Barros, Magalhães Pinto e Carlos Lacerda. Estes, faziam campanha
contra o Governo de Goulart e eram pró-golpe de estado descaradamente, com o
Tribuna da Imprensa e outros jornais estampando manchetes como “ESTADOS JÁ
EM ELEIÇÃO CONTRA JG” – “ADEMAR ANUNCIA EM SP MARCHA PARA
KRUEL” – “MAGALHÃES PINTO: JG TRAI LEGALIDADE”. Em uma sessão solene
no Palácio Tiradentes, Lacerda disparou:

“No momento, o Brasil e em particular o Estado da


Guanabara estão sendo atingidos pela guerra
subversiva e revolucionária. Não vejo como o Brasil
possa conservar ao mesmo tempo, liberdade e a
traição.”

CORREIO DO AMANHÃ, 21 de março de 1964.

Brizola, que tinha sobre seu controle o IGRA poderia atingir os estados
pró-golpe. Nos anos de 1959 e no início dos anos 1960 o Rio Grande do Sul bateu
recordes de produção de arroz e feijão. Estes perecíveis ficavam sob controle do
IGRA que por sua vez estava sob tutela do governo do estado. Brizola, em
retaliação às manifestações golpistas dos governadores do triângulo do sudeste,
deixaria ou reteria remessas destes para a COFAP. Em 1962, o Estado do Rio de
Janeiro e o Estado da Guanabara viveriam momentos de convulsão social devido à
falta destes mantimentos, como ocorreu no que ficou conhecido como Saque de
Duque de Caxias ou também a Revolta de Niterói.

.
Figura 04

Em uma ação covarde, o 1º Exército sediado na Vila Militar no Rio de


Janeiro foi enviado aos respectivos municípios para intervir. O caos, proporcionado
pela falta e escassez de perecíveis gerou fúria na população que invadiu lojas e
mercados. Esta seria uma de muitas disputas envolvendo unidades federativas no
Brasil de 1960. As próximas que viriam seriam no Clube Militar do RJ e na Reunião
dos Fuzileiros Navais que foram convocadas por militares rebelados. Contudo, após
o Golpe Militar de 1964, Brizola teria seu mandato como governador cassado e iria
para o exílio no Uruguai junto com o presidente deposto. Assim como outros
políticos, Brizola continuou engajado na luta pela abertura da democracia no Brasil.
Em 1978, em exílio nos EUA, Brizola se reuniu com o Presidente Jimmy Carter para
denunciar crimes de violações aos direitos humanos cometidos pelo Estado de
exceção no Brasil. Com o decreto lei Nº6.683 mais conhecida como Lei da Anistia, e
o retorno de Leonel ao Brasil, o mesmo ainda exilado em Lisboa após o sucesso da
Revolução dos Cravos que derrubou a Ditadura Salazarista fundara o PDT
marcando assim o retorno do pluripartidarismo no Brasil.

2.5 – O PDT E O PLURIPARTIDARISMO

Após ter brigado com Ivete Vargas pelo controle do Partido Trabalhista
Brasileiro, Leonel Brizola em 17 de junho de 1979 fundou o Partido Democrático
Trabalhista, um partido cuja vertente seria Social-Trabalhista e de viés centro-
esquerda. Em seu retorno ao Brasil após o exílio em três países diferentes,
começava uma campanha em massa pela disputa das eleições que haveriam de vir
em breve. A questão é que com a promulgação da Lei da Anistia, também houve o
Decreto Lei Nº6.767 ao dia de 20 de dezembro de 1979, que restaurava e colocava
na legalidade todos os partidos cassados – menos o PCB que continuaria na
ilegalidade até 1985 - ao início do regime militar. O retorno do Pluripartidarismo no
Brasil nesse período ainda seria muito tímido, apesar de lideranças como Tancredo
Neves e Ulysses Guimarães já estarem a frente do único partido de oposição dentro
do regime de exceção no Brasil, o pluripartidarismo serviu para restaurar o equilíbrio
democrático e não amarrando as divergências e convergências políticas dentro de
um só. Foi necessário Leonel Brizola fundar o PDT ainda em 1979, pois nesse
período ainda havia um grande vácuo de poder, sendo ocupado por diversas vezes
e por sua maioria pelo MDB. No Rio de Janeiro, não seria diferente. Desde 1965 o
cargo de Governador do Estado estava ocupado de maneira indireta pela ARENA, o
último que ocuparia o cargo seria Floriano Peixoto Faria Lima, sendo sucedido por
Chagas Freitas que foi eleito de forma também indireta pela Assembleia Legislativa.
Chagas Freitas, foi muito criticado pela cúpula do MDB, pois ora estava alinhado
com os interesses democráticos, ora com os interesses dos militares. Com isso, se
interpreta um vácuo de poder, algo que Brizola soube perceber ao se inserir na
disputa para governador do estado do rio no ano de 1982 ao final do mandato do
emedebista.

Figura 05

O PDT também possui uma categoria política singular, ao que se refere


ao Socialismo Moreno, com políticas voltadas não ao exímio socialismo tradicional,
mas o que se refere ao povo da periferia, ao desfavorecido propriamente. Sua
vertente Social-Trabalhista fazia contraste com uma sociedade carioca e fluminense
completamente desigual, um abismo absurdo que se encontrava. Cada vez mais
aumentavam a decadência e a falta de estrutura no Rio de Janeiro ao final da
década de 70 e início de 80, a cidade maravilhosa se deixava evidenciar conforme a
falta de políticas públicas. Notadamente, o PDT ganhou o gosto da população
carente, algo que só viria a mudar conforme o Partido dos Trabalhadores ganhava
força a partir de 1980. Antes disso, o PDT era o único partido de base comunitária, e
Leonel Brizola não queria que fosse diferente, para ser governador de um estado
escancaradamente desigual, era preciso olhar para todos com atenção, e Brizola
tinha seu histórico como governador no RS, logo, saberia muito bem as demandas e
necessidades da população fluminense.

2.6 – A CARA DO ARENA, JEITO DO PDS

No mesmo decreto que dizia respeito ao Pluripartidarismo, estava a


carta de dissolução do ARENA. O Governo, que era composto pela base do partido
dissolvido agora virava os olhos para um outro partido criado para defender os
interesses e status quo do regime militar, o PDS. Este partido, fundado em 1980
pelo maior expoente do ARENA, o ex-governador de SP Paulo Maluf seria
responsável pela liderança da extensão do que era o partido base da ditadura,
porém, trabalhado no viés centro-direita e coadunando com as práticas do já
empossado presidente ditador João Baptista Figueiredo. Partidos como o PT, PTB e
PDT eram combativos e retaliavam o quanto podiam as propostas legislativas na
câmara dos deputados em Brasília, a nomeação de Delfim Neto para Ministro da
Fazenda novamente não agradou os parlamentares que eram filiados do MDB, pois
para a sociedade intelectual e econômica brasileira, a crise a qual se encontrava o
país naquele período era causada pela dívida externa deixada pelos militares. O
Milagre Econômico7 agora no início da década de 1980 cobrava um preço alto, mas
o PDS continuava fortalecendo uma base minoritária dentro da câmara dos
deputados. O presidente da mesa diretora da alta casa parlamentar era o Deputado
Nelson Marchezan, e as pautas do partido aliado do governo não eram colocadas
em votação. O Deputado Marchezan preferiu colocar no plenário da câmara no ano
de 1983 a PEC Nº05/1983 que tinha as principais propostas de mudança à
Constituição de 1967:

7
Milagre Econômico – Período que se compreende do final dos anos 60 e início da década de 1970, onde o
Regime Militar pediu empréstimos vultosos ao Fundo Monetário Internacional, controlado pelos EUA, sendo
este empréstimo em moeda Dólar; Busca-se: Milagre Econômico, Usina de Itaipu, Transamazônica, Obras
Faraônicas, Ponte Rio-Niterói, Programa de Energia Atômica e Nuclear Brasileiro;
“Art. 1º - Os artigos. 74 e 148 da Constituição Federal,
revogados seus respectivos parágrafos, passarão a viger
com a seguinte redação:

• "Art. 74 - O Presidente e Vice-Presidente da República


serão eleitos, simultaneamente, entre os brasileiros
maiores de trinta e cinco anos e no exercício dos direitos
políticos, por sufrágio universal e voto direto e secreto,
por um período de cinco anos.

• Parágrafo Único - A eleição do Presidente e Vice-


Presidente da República realizar-se-á no dia 15 de
novembro do ano que anteceder ao término do mandato
presidencial."

• "Art. 148 - O sufrágio é universal e o voto é direto e


secreto; os partidos políticos terão representação
proporcional, total ou parcial, na forma que a lei
estabelecer."

Art. 2º - Ficam revogados o art. 75 e respectivos


parágrafos, bem como o § 1º do art. 77 da Constituição
Federal, passando seu § 2º a constituir-se parágrafo
único.”

Emenda Dante de Oliveira, 1983, Câmara


Federal.

Por se tratar de uma emenda constitucional, eram necessários votos


favoráveis de dois terços da Câmara Federal para que a proposta seguisse ao
Senado Federal. Embora a emenda tivesse amplo apoio popular, o PDS que
compunha ainda que uma base pequena, decidiu por votar contra ou se ausentar da
votação. Pela votação e pelas ausências de parlamentares do PDS em plenário, a
emenda foi rejeitada e não subiu ao Senado. O fato é que o partido que nada tinha
interesse nos vieses democráticos, cruzava seus braços para defender um interesse
que onerava a população mais carente e abria espaço para o neoliberalismo no
Brasil. Ao aderir o modelo capitalista neoliberal, o estado brasileiro abria mão das
suas principais estatais em detrimento da ocupação industrial e econômica
alienígena, favorecendo a entrada de serviços e abolindo o protecionismo comercial
no país. Aderindo também ao Consenso de Washington realizado no ano de 1989,
que delimitava e colocava requisitos para países que quisessem receber o benefício
do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e o Departamento do Tesouro
Estadunidense. Todo este processo foi feito com base aliada entre parlamentares
emedebistas e pedessistas que formavam a base aliada no âmbito econômico.
Mesmo assim, tendo como pauta aliada a economia nacional no início da década de
1980 o PDS se recusava a votar a favor da abertura política no país. No final de
tudo, parlamentares que antes eram ligados intrinsicamente ao ARENA agora
formavam um partido que de fachada usava o nome da Democracia para sobrepor
suas reais intenções ao jogo político nacional. A partir daquele momento, já não era
mais possível uma reestruturação ou uma outra causa provável. Nos anos 1980 foi
muito comum que a linha dura cometesse atentados como explodir banca de jornais
alternativos pró abertura democrática, o mais famoso deles aconteceu em 1981 no
Pavilhão do Rio Centro. O PDS àquela altura já estava com o governo e não
abdicaria da posição que tomasse o presidente naquele momento, caminhasse pra
onde iria, o PDS era escudeiro de Figueiredo. Em um manifesto do jornal O Estadão
na edição de 31 de junho de 1981 se observa a falta de mobilidade do PDS no
atentado do Rio Centro.
Figura 06

No manifesto, o jornal estampava suas dúvidas e palavras de ordem


de parlamentares do MDB, Tarcísio Delgado, Alencar Furtado e Francisco Pinto.
Porém, pontos deste manifesto trazem questionamentos muito pertinentes ao que se
debate neste artigo. Nele, há duas observações sobre o que se designa sobre o
assunto fraude, é como se toda cúpula do PDS e parlamentares de bases estaduais
estivessem cientes de tudo, e nada fingiam saber. Entre tais pontos estão:

“O “fim do regime autoritário, pelo voto popular,


universal, direto e secreto dos brasileiros” foi
defendido em manifesto organizado por
professores da PUC-Rio e do Instituto Universitário
de Pesquisas do E. do Rio de Janeiro, que será
entregue amanhã aos presidentes de todos os
partidos políticos, inclusive ao PDS, contendo cerca
de 300 assinaturas de intelectuais e artistas
cariocas.”

O Estadão, 31 de junho de 1981


O fato de ser ressaltado que as organizações que realizaram o
manifesto que irão também entregar ao PDS, como se o mesmo não fizesse questão
ou fizesse pouco caso das diversas manifestações e notas de repúdio direcionada
ao diretório partidário desde sua fundação, traz grande surpresa. Como de costume,
um partido que vota e está alinhado com os interesses do finalizado e derrotado
regime militar não os permitia ser aberto a qualquer pauta ou organização que
ousasse se referir a palavra democracia aberta. Assim como o manifesto, traz
consigo toda carga de pressão sobre o Partido Democrático Social, ainda faz um
anuncio.

“Diz ainda o manifesto que “governo quer eleições


manipuladas, os radicais querem suprimir as
eleições. [os militares da linha dura]; as bombas
seriam lançadas para conter o governo e,
simultaneamente desviar a atenção das forças
democráticas do seu objetivo central: eleições
livres e honestas em 1982.”

O Estadão, 31 de junho de 1981

Fazendo valer que as próximas eleições estaduais ocorreriam em 1982


o PDS não poderia se deixar ser vinculado ao atentado do Rio Centro. Sua principal
estratégia foi fazer uma postura neutra, o GAL. Waldyr Muniz que era Secretário de
Segurança do Rio, um aliado do governo federal e próximo ao PDS defendeu os
terroristas em uma versão mentirosa do Jornal Nacional do dia 01 de maio de 1981.
Anexo de mídia vol. A - 01

Anexo de mídia vol. A – 01

No que diz respeito à veiculação da matéria mentirosa e caluniadora de


movimentos de esquerda já desbaratados foi esta edição. Que teve como uma
defesa covarde dos militares que lá estavam para cometer fraude e terrorismo a fim
de recuperar os tempos sombrios do regime militar após dezembro de 1968. Na
transcrição da defesa de Muniz, ele diz o seguinte:

“[...] Quem são esses terroristas? Quem são esses


maus brasileiros? Quais são esses materialistas?
[se referindo aos movimentos de esquerda] será
que esses materialistas não tem mãe? Não tem pai
e não tem irmãos? Será que não creem nessa
pátria acolhedora, que há de ser grande, custe a
violência que custar?”

Jornal Nacional, GAL Waldyr Muniz, 1 de maio de 1981.

O atentado do Rio Centro em 1981 era uma tentativa truculenta de


retorno da linha dura ao poder, das torturas arbitrárias nas ruas e porões do DOI e o
adiamento da abertura democrática. Obviamente, a tentativa fracassou e a verdade
veio à tona. Militares estavam por trás da elaboração e da execução do ato
terrorista, fazendo com que os parlamentares do PDS que eram aliados de primeira
hora do governo ficassem constrangidos sendo um partido com tal posição. Depois
do atentado, o PDS buscou se afastar do Governo Federal, mas a estratégia não
funcionou, o dano eleitoral estava feito. Os movimentos pelas Diretas Já começavam
a surgir nas principais capitais do Brasil, e o Partido Democrático estava fora da
fotografia, se recusando à aceitar a abertura política. O que iniciou o PDS foi sua
extensão do que era o ARENA nos tempos do bipartidarismo, já no pluripartidarismo,
precisava assumir uma postura eleitoral legalista, porém estavam envolvidos com
setores golpistas da linha dura, fazendo total descaso com qualquer tentativa no
início da década de 1980 com a abertura democrática no país.

3 – MOREIRA FRANCO, JOÃO FIGUEIREDO E O JOGO

Moreira Franco que foi para o PDS ainda em 1979 na transição do


ARENA para o partido pela indicação de seu sogro, o ex interventor do Rio de
Janeiro Amaral Peixoto. Sem que houvesse disputado cargo algum, foi indicado pelo
PDS a disputar vaga para governador do Rio de Janeiro, no que seria a primeira
eleição direta para governador desde a edição e decretação do AI-2 em 27 de
outubro de 1965. As ligações entre Moreira Franco e João Figueiredo iriam além da
união que o PDS tinha com o Governo Federal. O candidato pelo PDS tinha como
padrinho político o presidente João Figueiredo além de seu sogro, Figueiredo tinha
um filho, Johnny Figueiredo que tinha conexões com agentes do SNI e os
contraventores do Rio de Janeiro à época, um deles o mais notável: Castor de
Andrade.

Figura 07

Figura 08

De acordo com relatos vívidos de Cláudio Guerra no livro Memórias


de uma Guerra Suja, ex-agente do DOPS que escreveu sobre Castor e suas
conexões do SNI e dos contraventores que futuramente iriam apoiar políticos no
pleito de 1982. O CEL Freddie Perdigão Pereira que era da linha dura e que estava
envolvido diretamente com os acontecimentos do Rio Centro fazia o elo de ligação
entre bicheiros, o filho do presidente, e o SNI. Perdigão, era um bárbaro torturador e
de acordo com a Comissão Nacional da Verdade realizada no ano de 2013 ele tinha
como codinome “Doutor Roberto”. Atuante na Casa da Morte em Petrópolis,
Perdigão e mais outros cinco oficiais participaram da tortura e assassinato do
dirigente da ALN e da tortura de Inês Etienne Romeu. Foi Perdigão que apresentou
Cláudio Guerra à contravenção no Rio de Janeiro.

“[...] Fui apresentado a Castor de Andrade, que era


o chefe dos bicheiros, o mais importante de todos.
(...) A relação entre Castor e as Forças Armadas
era tão próxima que ele tinha uma credencial do
Cenimar. Ele gostava de usar para dizer que era
agente, oficial da reserva. Ele era atrevido. Mas
existia de fato, colaboração entre o SNI e o jogo. A
partir daí, figurei como chefe de segurança da alta
cúpula dos bicheiros do Rio de Janeiro. (...) O
Coronel me levou pro esquema.”

NETTO, Marcelo. Memórias de uma Guerra Suja. pp. 193

Castor e Johnny Figueiredo usavam as conexões obscuras para


serem sócios em uma indústria Pesqueira no Rio Grande do Norte, no que ficaria
mais esclarecido na CPI do Narcotráfico com seus primeiros trabalhos que seriam
realizados no ano de 1994, onde todos os bicheiros foram enquadrados na
contravenção penal de formação de quadrilha e condenados pela juíza Denise
Frossard, a condenação dos bicheiros se deu pela associação por sociedade capital
na criação da LIESA, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio. Moreira
Franco, fez uso dessa conexão e se aproveitou para angariar votos pelas regiões de
domínio dos bicheiros, como o Grande Rio, Baixada Fluminense, Zona Oeste e Zona
Norte. Sua relação com João Figueiredo estava consolidada embora o PDS tenha
deixado boa parte da base fora do jogo político devido ao constrangimento do
atentado em 1981.
3.1 – O PLEITO E SEUS OBSTÁCULOS

Naquele início de verão que se iniciava já no último trimestre de 1982,


Lulu Santos lançava o single Um certo alguém que no ano seguinte acompanharia o
álbum Tempos Modernos. Era o momento do Brasil eleger pela primeira vez em 19
anos os primeiros governadores de forma direta e secreta. Porém as coisas não
seriam da maneira mais fácil e tranquila, estamos ainda no início da década de 1980
e toda e qualquer eleição no mundo era realizada a cédulas de papel, os
microcomputadores ainda davam os primeiros passos em direção ao avanço
tecnológico de ponta. Nossa Justiça Eleitoral aos moldes atuais dava os primeiros
respiros, pois desde 1964 os Tribunais Regionais Eleitorais somente organizavam
pleitos de vereadores e prefeitos nos municípios, se limitando apenas às eleições
isoladas e em tempos cronologicamente desiguais. É também no ano de 1982 que a
informática também tenta ser inserida através de empresas que tinham poder
tecnológico para tal, uma dessas empresas era a PROCONSULT.

Ao contrário do que se pensa, a empresa privada não tinha de dar


satisfações à Justiça Eleitoral, mas sim à SERPRO, que é um órgão do Governo
Federal que à época era responsável pela organização e contagem dos votos, tudo
que a PROCONSULT deveria fazer era programar os computadores que faziam as
contagens das cédulas de votação marcadas computassem os votos, totalizando em
um vencedor. A regra à época é que os votos seriam para um mesmo partido, sendo
ele o mesmo partido para deputado federal, deputado estadual, senador, prefeito e
governador. Era o primeiro passo em direção ao Sistema Informatizado Eleitoral no
Brasil. O sistema ao qual estamos habituados nos dias de hoje só seria
implementado em todo o país a partir do ano de 1996. Dado o parâmetro de
organização da primeira eleição para governadores para suas respectivas unidades
federativas é notável que violabilidade e suscetibilidade à fraude este processo são
diversas. Sendo em questões empresas que estavam sob controle do capital privado
e que estavam voláteis a qualquer desvio de conduta sem ter que ser
responsabilizada por qualquer comunicação, somente à um órgão de
armazenamento do Governo Federal, à época ainda controlado por muitos militares.
Obstáculos os políticos que subiam os palanques junto com Leonel Brizola, Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves, Luís Inacio Lula da Silva, Mário Covas e outros
políticos que aderiram ao Movimento Diretas Já lançado oficialmente em março de
1983, justo no mês em que todos os governadores tomaram posse de seus devidos
cargos. A fraude para favorecer candidatos do PDS era inevitável, e marcaria o
pleito de 1982 no Rio de Janeiro.

3.1.2 – PROCONSULT, SERPRO E A FRAUDE

Como relatado ao tópico anterior, a empresa PROCONSULT era


responsável por utilizar seus super computadores à época para calcular os votos
para os candidatos e após isso armazenar nos bancos de dados da SEPRO que era
responsável por comunicar Tribunal Regional Eleitoral para a validação da
contabilidade total dos votos em porcentagem de acordo com cada zona eleitoral de
determinada região, desse modo passaria pelo crivo da Justiça Eleitoral validar a
eleição e declarar o vencedor do pleito. A mecânica da fraude consistia em transferir
votos não validados, nulos ou em branco para que fossem contabilizados a favor do
candidato do PDS Moreira Franco. A PROCONSULT e a SERPRO eram à época
comandadas por colaboradores do regime militar que se homiziaram no seio do
governo federal a partir da subida de João Baptista Figueiredo à presidência. Como
também relatado ao tópico anterior, a única exigência do pleito que acontecia em
1982 era que o mesmo partido fosse escolhido para os cargos em questão na
eleição. Ou seja, se partido X fosse escolhido por representante de um deputado
federal, o mesmo eleitor deveria eleger o governador do também partido X. O que se
cogitava aos fraudadores da PROCONSULT aliado dos militares era que a
quantidade de votos nulos e brancos fossem altíssimas, o que não aconteceu em
questão. A empresa Sysin Sistemas contratada em auditoria paralela pelo PDT
acusou a fraude que a PROCONSULT tentava sob Leonel Brizola, contrariando o
resultado oficial.
3.2 – TV GLOBO E AS ORGANIZAÇÕES MARINHO

A Rede Globo de televisão juntamente com a Fundação Roberto


Marinho e as Organizações do mesmo entraram de cabeça na onda golpista dos
militares. Muito além do que se pode imaginar, Roberto Marinho foi Muito Além do
Cidadão Kane (1993) ao que se refere à radiodifusão televisiva do país. Ao herdar o
Jornal O GLOBO de seu pai ainda quando muito jovem, transformou o matutino em
um grande conglomerado midiático. Marinho, não conseguiria tamanho feito se não
tivesse ajuda de capital estrangeiro inserido em seu hall8 de disposições financeiras.
Ao que se refere o devido processo legal, a TV GLOBO jamais poderia ter recebido
investimento do Grupo Time Life por ser um conglomerado de mídia estadunidense,
logo estrangeiro e esbarrando na lei de soberania nacional como apontava a
Constituição de 1946.

Figura 09

Ao receber capital externo, Roberto Marinho esbarrava na lei e a lei


poderia ir atrás dele, quando o Golpe Empresarial Civil e Militar é deflagrado o Jornal
O GLOBO saúda os tiranos da seguinte forma:

“Vive a nação dias gloriosos, porque souberam


unir-se todos os patriotas, independentemente de
8
Hall – Palavra que traduz do inglês/english para: sala, quarto.
vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre
problemas isolados, para salvar o que é essencial:
a democracia, a lei e a ordem. [...] Graças à
decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, o
Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que
insistia em arrastá-lo para os rumos contrários à
sua vocação e tradições. [...] Poderemos, desde
hoje, encarar o futuro confiantemente, certos,
enfim, de que todos os nossos problemas terão
soluções, pois os negócios públicos não mais serão
geridos com má-fé, demagogia e insensatez. [...]
Salvos da comunização que celeremente se
preparava, os brasileiros devem agradecer aos
bravos militares, que os protegeram de seus
inimigos. [...] Atendendo aos anseios nacionais, de
paz e tranquilidade e progresso, impossibilitados
nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada
pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas
chamaram à si a tarefa de restaurar a Nação na
integridade de seus direitos livrando-a do amargo
fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que
haviam envolvido o Executivo Federal. [...] Mais
uma vez o povo brasileiro foi socorrido pela
providência divina, que lhe permitiu superar a grave
crise sem maiores sofrimentos e luto sejamos
dignos de tão grande favor.”

O GLOBO, Ressurge a Democracia, 1 de abril de 1964

Claramente, o apoio irrestrito ao golpe de 1964 não foi em vão,


Roberto Marinho estava protegendo seu império midiático ajudando a consolidar
uma ditadura sangrenta e assassina no Brasil. Seus recursos e concessão de
radiodifusão televisiva foram renovados ao longo do regime de exceção, algo que
hoje sabidamente foi para apoiar e dar base midiática de sustentação às atrocidades
cometidas pelo regime militar.

4 – O PROVÁVEL MOTIVO DA FRAUDE

Pode parecer trivial pensar que toda essa alegoria golpista pode ter
servido a somente à um propósito, mas não é somente essa linha de raciocínio ou
cronologia dos fatos. Assim como golpistas em 1964 não estavam somente dando
um golpe para eliminar o comunismo do Brasil, os golpistas de 1982 não queriam
somente o retorno da linha dura às ruas.

Tudo nessas condições pode à priori parecer difuso e até confuso,


mas ao analisar documentos que fazem menção a toda essa construção de
cronologia dos eventos fica constatado que havia ainda mais intenções por trás de
retardar a abertura democrática, que só ocorreria após 1985. Não podemos aqui
deixar de ressaltar a emenda Dante de Oliveira que demonstra total intenção da
sociedade brasileira de querer e aprovar o retorno da democracia por meio do voto
direto e secreto e sua insatisfação e rejeição ao regime militar. Para poder entender
tudo que estamos discutindo aqui, é preciso voltar para 1981.

Após os diversos atentados a bomba no país, principalmente em


bancas de jornais alternativos e em sedes de organização pró democracia, e com o
adicional do atentado do Rio Centro as coisas começaram a ficar complicadas para
o regime militar. Sem já se sustentar e com uma onda de primavera da democracia
soprando sua queda, os militares começaram a elaborar relatórios que foram
difundidos nas principais agências de inteligência.
Figura 10

Um mês após o atentado do Rio Centro, o Informe redigido e


difundido pelo Serviço Nacional de Informações destacado na Figura 09:

“Está havendo um recrudescimento nas posições


tomadas pela imprensa em relação ao Exército, após o
vazamento da informação do I Exército sobre a infiltração
comunista na imprensa. É vista, como surpreendente, a
posição adotada, em relação ou evento do RICENTRO,
pelos jornais "JORNAL DO BRASIL", "O GLOBO", "O
ESTADO DE S. PAULO" e outros órgãos de comunicação
social, anteriormente tidos como órgãos de imprensa
equilibrados. Os seguintes pontos foram abordados: a
hipótese do que há por traz dessa "cortina de fumaça" e
as influências que estão ocorrendo, que poderiam ser
uma ação de grupos económicos, de multinacionais ou da
Igreja. A popularidade do Presidente FIGUEIREDO é
vista, nos meios políticos do RIO DE JANEIRO, como
descendente, pela difusão de que o mesmo "não dispõe
mais de poder, estando ilhado no PALACIO DO
PLANALTO, sem forças perante o sistema militar".

Informe Nº 0617, SNI, 05 de junho de 1981


Após a breve tentativa de algumas mídias e conglomerados de
imprensa subverterem a opinião pública a postura adotada foi publicar erratas e
noticiar o que realmente aconteceu: um atentado promovido por militares do DOI-
CODI de jurisdição do I Exército. Sendo assim, a imprensa que antes tinha uma
postura pró regime não mais coadunaria com as práticas dos militares, postura essa
tomada como subversiva e “revés de esquerda” ao qual eles sempre tiveram como
moderadas. Moderadas aqui leia-se: apropriada para a causalidade. Não era, de
forma alguma, vantagem para a Rede Globo adotar uma postura de defesa dos
militares, visto que muitos jornalistas e profissionais da base estavam também nas
ruas pedindo o retorno da democracia. Nesse mesmo período, podemos observar
que o movimento pelas Diretas Já estava começando a surgir, ainda que de forma
difusa, mas usando aqui o exemplo do próprio show no Rio Centro, o mesmo evento
foi organizado por entidades que representavam a luta pelo retorno da democracia.

Com esta configuração, a tendência é que a mídia de um modo


geral e especificamente a Rede Globo irá tomar uma posição de maior neutralidade.
Logo, o mesmo conglomerado de mídia fazia extenso debate e cobertura da
reabertura política do país desde a promulgação da Lei da Anistia, porém não é de
neutralidade que se trata, mas qual será a oportunidade perfeita para fazer lobby em
causa própria. esse documento se implica qual seria a famigerada posição de
esquerda quando na verdade se tratava de puro e simples oportunismo político, de
que na verdade se tratava de puro e simples oportunismo político. Mas aqui
tratamos do que acontece posteriormente à esse relatório do SNI. Mas nele, está
caracterizado a posição de neutralidade e oportunidade. Em uma reunião na casa do
empresário, e ex-prefeito de Paraíba do Sul Rogério Onofre e registrada em
filmagem VHS, o ex-presidente ditador João Baptista Figueiredo faz revelações
sobre diversas pessoas e a repartição da antiga TV TUPI que se partiu em 1981
para três emissoras que foram a TV Manchete, SBT e a TV Bandeirantes em
detrimento de não ceder mais concessões de rádio e TV para as Organizações
GLOBO.

Mas Roberto Marinho queria mais, como muito bem citado


anteriormente, o conglomerado adotava uma posição de neutralidade desde a Lei da
Anistia em 1979. Nesse vídeo-tape, é possível saber que João Figueiredo era uma
pessoa que Roberto Marinho detinha o poder e a opinião pública do país, descobrir
que eles negociaram sobre o destino dessas três emissoras de TV nos leva a crer
numa provável recompensa pela fraude que estava prestes a acontecer. Portanto,
não havia margem para interpretação se não fosse uma colaboração com fins de
benefícios pessoais para que o finado governo militar pudesse talvez continuar
tendo uma base de sustentação, embora aparentando neutralidade, o documento
cita que essas mídias por reportarem uma notícia verídica e factual passaram a ser
de “esquerda” demonstrando sua parcialidade.

Ainda comentando o Rio Centro, no documento também diz que


Figueiredo era um presidente isolado e também não tinha apoio do Gabinete Militar.
Sugerindo falta de apoio seja ele popular ou midiático, é notável que o mesmo órgão
que acusa setores da imprensa de imparcialidade é aquele que detrata o próprio
presidente que defende.

Anexo de mídia A – Vídeo 01

Anexo de mídia A – Vídeo 01


“[...] É a melhor rede que existe no Brasil. Mas ele é dono
da opinião pública do país. [...] Faz os ministros das
comunicações. Muda quem ele quiser. No dia em que
quiser virar contra o governo, o governo cai. [...] Não a
mim não. Ele brigou comigo por que não dei uma estação
de rádio e nenhuma estação televisão pra ele. E disse pra
ele: não vou dar por que você já tem demais. Aí ele ficou
com raiva de mim, porque era só ele.”

ANEXO DE MÍDIA A – Vídeo 01 – Revelações Figueiredo, 1999.

Nessa transcrição do trecho do vídeo que vai do minuto 07:33 à


07:58 é possível seguir a linha de raciocínio de que sim, houve uma negociação pela
extinção da TV TUPI em detrimento do conglomerado GLOBO. Porém como já
citado o ex-presidente ditador, não lhe concedeu as estações pois ele já tinha
demais. Sugestão essa que cai por terra vide ao documento aqui relacionado, pois o
governo estava dando conotação de mídia de esquerda justamente às Organizações
Globo e aos seus respectivos jornais, já não mantendo mais a neutralidade que
havia se mantido desde a Lei da Anistia. Nesse mesmo modo, a Rede Globo não
desagradava a opinião pública, reportando e trazendo a notícia verídica, que estaria
em desacordo com a versão dos militares.

Um outro fato interessante é que a Rede Globo sempre foi contra o


Brizolismo ou o Socialismo Moreno, detratando o Governo Brizola e suas políticas
públicas a cada matéria de jornal. Não é possível precisar quando que a rivalidade
Globo Vs. Brizola começou, o que documentos apontam é que desde antes do pleito
de 1982, ou seja, antes mesmo de Brizola assumir o primeiro mandato como
Governador do Rio a emissora já dava aparência de inclinação ao favoritismo ao
candidato do PDS Moreira Franco. Ao que se refere ao antibrizolismo, a emissora
fazia estampar matérias sensacionalistas, buscando a insegurança do eleitor e
fazendo com que o viés de voto mudasse.
Anexo de mídia A – Vídeo 02

No programa apresentado por Jô Soares que se chamava Onze e


meia no ano de 1994, Brizola dá detalhes de como a emissora fazia o que ele
mesmo chamou de linchamento midiático.

“[...]chega no jornal nacional, joga aquilo, forneceu as


imagens pra CNN e pro mundo inteiro. Repete três noites
seguidas no jornal nacional, uma coisa irrelevante, que
não tinha nada haver com aquele espetáculo.
Arrebentando com o turismo no Rio de Janeiro. Dando
cobertura para toda esta posição discriminatória, quase
que racista de apresentar aquela juventude que vem dos
bairros porque é escurinha, como se viesse massacrar,
viesse roubar, não houve naquele incidente qualquer
pessoa de cabeça quebrada, não se tirou ninguém da
ambulância, não houve nada. Rigorosamente nada! Não
houve um roubo, não houve um assalto, não houve nada,
rigorosamente. A não ser uma arruaça de garotos,
apresentando aquilo como se fora um terremoto social.
[...]”

Anexo de mídia A – Vídeo 02 – entrevista Brizola, 1994.


Como evidenciado na transcrição da fala de Brizola, fica clara a
postura antipovo que tinha a Rede Globo mantinha naquele momento e nos anos
que se dá nosso recorte temporal. Imagens essas que mostram majoritariamente a
população pobre de comunidades, justamente onde o PDT fazia seu trabalho de
base. A verdade é que a posição da Rede Globo nesse período era muito elitista e
estava alinhada com os paradigmas do candidato do PDS, que ia completamente
aos desencontros do que propunha Brizola ao Estado do Rio de Janeiro, que como
citado anteriormente, vivia sob um abismo social profundo e uma desigualdade
social contrastante.

Figura 11

Figura 12

Ao mostrar essas imagens cotidianamente a emissora não dá outra


margem de interpretação se não buscar o pânico da sociedade carioca e fluminense
com o Governo Brizola. A Rede Globo ignorava todo o afastamento da população
periférica e oriunda das comunidades e favelas, renegando-os aos mesmos espaços
que ocupavam desde a Velha República: os morros. O afastamento das populações
negras e periféricas das praias da Zona Sul, ao qual Brizola não permitiu em seu
governo com ônibus encampados pelo Estado do Rio e com passagens acessíveis
para população da periferia e do Grande Rio pudessem ter direito ao lazer nas
praias cariocas. O descontentamento dos moradores naturais da Zona Sul fica
claramente evidenciado em um programa apresentado pela TV Manchete chamado
Os pobres vão à praia.

Como demonstrado no documento estampado na figura de número 16, o


SNI grampeava Brizola, e no momento da apuração – que levou cinco meses –
Brizola questionava ao analista da Globo Homero Icaza Sánchez sobre o por que a
emissora estava dando favoritismo ao candidato Moreira Franco.

Figura 13

“Logo após se iniciarem as apurações do pleito de 15


NOV 82, LEONEL BRIZOLA procurou saber de HOMERO
SANCHES o porquê de a TV Globo estar divulgando
resultados que o desfavorecia. Na oportunidade, o
referido funcionário classificou de desonesta a atitude da
empresa, argumentando, no entanto, que tal
procedimento devia-se ao fato do estar sendo justificado,
pela emissora do TV uma manchete veiculada pelo jornal
"O Globo", a qual apontava MOREIRA FRANCO como o
candidato da preferência do eleitorado. Sugeriu, ainda, ao
candidato pedetista conceder uma longa entrevista aos
órgãos de imprensa concorrentes da Rede Globo,
negando-se fazer o mesmo com a sua empresa.”

Informe 001/15/ARJ/83, SNI, 1982.

Nesse grampo telefônico, é possível observar que Leonel Brizola possuía


contatos internos dentro da Rede Globo, justamente com o analista de audiência
Homero Sánchez. O mesmo classificou a atitude da emissora como “tramoia e o
interesse da emissora” com a veiculação da matéria no jornal O GLOBO.

“Cerca de uma semana após o pleito, HOMERO


SANCHES aconselhou BRIZOLA a não dar respostas as
provocações da emissora e formar uma "frente única"
quanto a fiscalização da apuração dos votos. Questionado
por BRIZOLA sobre qual o "interesse" da Globo,
considerou que se tratava de tramoia para "ver se havia
lastro para fazer, a coisa". Observou ainda que o fato de
haver sido dada uma entrevista à imprensa estrangeira
por parte do BRIZOLA, sua repercussão no âmbito
internacional frustraria qualquer tentativa de fraude.”

Informe Nº001/15/ARJ/83, SNI, 1982.

Mesmo sendo funcionário da emissora, Homero Sánchez não


coadunava com a prática delituosa e mentirosa da Rede Globo. Ao contrário, no
grampo pode se observar que o analista de audiência da emissora aconselha Brizola
a adotar uma apuração paralela com outros órgãos de impressa. Em uma denúncia
ao Tribunal Regional Eleitoral – representado na Figura 16 - após o início da
apuração do pleito, o candidato Brizola trás revelações aterradoras.

“No dia 26 novembro, Leonel Brizola verificou que a


Proconsult, empresa encarregada de processar
eletronicamente os números das eleições do Rio de
Janeiro, não vinha cumprindo determinações do Tribunal
Regional Eleitoral do Estado (TRE-RJ), as quais
estabeleciam que aquela firma, em seus relatórios,
apresentasse os dados referentes a cada urna do Estado.
Esta seria, no entender de Brizola, a única mineira de
confrontar os números já em poder dos partidos com
aqueles oriundos do processamento eletrônico. Além
disso, Brizola firmou a convicção que a Proconsult não
agia segundo a orientação do TRE-RJ, mas pressionada
por agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI).
Nestas circunstâncias, Brizola tomou duas decisões:
exigir do TRE-RJ uma atitude mais firme em relação à
Proconsult; e contatar jornalistas de alguns órgãos de
imprensa, entre estes "O Estado -de São Paulo" e a
"Folha de S. Paulo" e solicitar-lhes que de:*sem respaldo
ao "Jornal do Brasil", órgão que, em suas matérias, já
vinha pondo em suspeição o trabalho desenvolvido pela
Proconsult.”

Informe Nº08347 30/AC/83, SNI, 1983.


Figura 14

Como o próprio relatório indica, Brizola assim como aconselhado por


Homero Sánchez, pediu que órgãos divergentes da Rede Globo fizesse a apuração
paralela à da PROCONSULT e acusava e colocava em suspeição todo o trabalho de
apuração dos votos ao candidato que a Rede Globo apoiava e já declarava
vencedor Moreira Franco.

Figura 15

Um desses órgãos foi o Jornal do Brasil, que desde o início da


apuração dos votos para eleição, denunciou que a empresa que praticava delito
eleitoral de mais alto nível. A PROCONSULT estava computando votos brancos e
nulos e transferindo-os para o candidato Moreira Franco do PDS. Após todo o
processo de denúncia, foi descoberto pelo mesmo jornal que a empresa não tinha
registro no Governo, e que desse modo não poderia estar em qualquer processo
licitatório, configurando assim uma fraude de competição entre empresas.

Figura 16

Como via de regra, nenhum órgão pode competir em processo de


licitação sem antes constar cadastro nas instituições de fiscalização. Mas à que
custo poderia sair e o que estava em jogo nessa tentativa de fraude? É o que
documentos até então confidenciais liberados nos anos de 2019 no Arquivo Nacional
sob a gestão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nesse documento fica
claro um, de vários motivos que levaram à tentativa de fraude.

Figura 17
“1. Em consequência da eleição de governadores filiados
a partidos oposicionistas em diversos Estados da
Federação, é de esperar-se que funções estaduais de
cúpula, sejam ocupadas por elementos interessados em
promover perseguições políticas, de cunho revanchistas.;
2. Os alvos naturais dessas perseguições seria os
funcionários da administração pública estadual,
particularmente os pertencentes as Secretarias de
Segurança, que mais se notabilizaram por seu
engajamento, pessoal ou funcional, com o ideário da
Revolução de 1964 ou que, por suas convicções e
posicionamentos, deram origem a antipatias nos círculos
políticos que assumirão funções governamentais
proximamente; 3. Com isso em vista, este Centro solicitou
aos Comandos Militares de Área, que indicassem os
funcionários estaduais de suas respectivas jurisdições
que, abrangidos pelo item (2) acima, seriam os mais
visados por uma possível represália oposicionista. A
passagem desses funcionários a disposição da área
Federal, livrando-os de situações de constrangimento e
aflição, seria uma medida de justiça e reconhecimento.”

Informe Nº002182, CIE, 1983.

Esse relatório consta do dia 01 de fevereiro de 1983, Brizola já


tinha sido declarado vencedor pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas sua posse só
ocorreria no dia 15 de março de 1983. Uma medida dessas, de cunho desesperado
era talvez o Plano B que eles tinham de salvaguardar os criminosos do regime
militar, sendo eles torturadores, policiais, carcereiros, militares do exército e agentes
do DOPS e do DOI-CODI.

Ao que se refere todo o esquema orquestrado para fraudar uma


eleição, este documento carrega nomes que hoje, com a conclusão da Comissão
Nacional da Verdade são considerados torturadores de alto escalão do regime
militar. Alguns como José Paulo Boneshi que participou da tortura e da ocultação do
cadáver do militante do PCB e operário em uma fábrica de automóveis em 1975
Mário Alves. Luiz Alberto Cunha de Andrade também conhecido como Luizinho
Andrade, era um escrivão de polícia que colaborou com o regime militar na tortura e
captura de diversos militantes e com o clã de bicheiros Abraão David, apadrinhado
do já falecido e ex-deputado estadual por mais de um mandato Simão Sessim. Os
nomes são variados, e dão conta do I Exército que é sediado no Estado do Rio de
Janeiro. O medo que talvez o regime militar tivesse era que com a eleição de
Brizola, nomes como o de Boneshi e Andrade caísse nas mãos da Justiça que agiria
– ao menos se leva em consideração – a favor do governo estadual. Para que isso
fosse postergado ou que nem fosse necessário ser investigado, seria preciso fraudar
o processo eleitoral, evitando a eleição de Leonel Brizola à Governador do Rio.
Brizola, que mesmo no exílio não ousou vociferar contra o regime militar tinha para
si que os crimes cometidos pelo estado de exceção brasileiro fossem julgados e
apontados pela justiça. Ele se mostrou desde a articulação do golpe em 1964 um
baluarte contra a intentona golpista fardada, se configurando no cenário político aqui
mencionado um líder pela abertura política no Brasil.

4.1 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista, todo esse arcabouço documental não é possível


para rejeitar a tese de que a fraude pode ter várias vertentes, sendo assim, não
podemos afirmar com plena certeza que a fraude serviu ao interesse da
transferência de torturadores para a tutela federal. Além disso, a Rede Globo teve
um papel crucial em todo esse processo desde o início da ditadura, pois a mesma
adotou ao início do regime uma postura pró ditadura em reações às mudanças
sociais empregando uma postura imparcial e a favor da causa democrática. Isso não
significa que a aceitação da mídia hegemônica em reabrir a política no Brasil
amplamente estava a favor do povo. Em diversos momentos, como em matérias de
imprensa, inclusive na Rede Globo, as políticas sociais de Leonel Brizola foram
duramente criticadas e a mesma buscava desde o início da década de 1980
manchar e colocar sob a sombra da desconfiança popular de que o caos no Rio de
Janeiro iria piorar consideravelmente. Postura essa considerada completamente
elitista e antipovo e que está atrelado ao PDS, pois os políticos que compunham a
base partidária se consideravam e autointitulavam conservadores. Mas
conservadores da ordem vigente de arbítrio que se vivia no país, fazendo lobby com
justiça eleitoral e pregando golpe com o governo militar em busca de salvar aqueles
que estiveram na linha de frente do regime. Aos criminosos que agiram em favor do
estado de exceção, nunca foram julgados, vivendo a margem da justiça sem nem
sequer serem incomodado, como José Paulo Boneshi e Luizinho Andrade até o fim
da vida viveram sem responderem pelos seus atos covardes. Enquanto que o
Estado do Rio de Janeiro permanece sob um regime policial, os criminosos ainda
são lembrados pelas suas audácias e covardias, enquanto políticos progressistas
tiveram seus legados descontinuados, deixando mais uma vez, assim como no
regime militar, renegados aos espaços que lhes foram impostos desde a Velha
República: os morros. Lá, sem educação, sem infraestrutura, sem a dignidade
humana são renegados ao crime e a morte por violenta causa, sendo também
coagidos por uma ordem que ainda deixaram para trás: o ódio ao povo e tudo aquilo
que ele representa. Não muito distante ainda desse recorte aqui analisado, a Rede
Globo não deixaria de tentar mais uma vez. Ao invés de recorrer ao meio militar ou o
serviço secreto para mudar os rumos de uma eleição, mais do que nunca na eleição
presidencial de 1989 a Globo e a genialidade do mal de Alberico Souza Cruz fariam
com que Fernando Collor ganhasse as eleições para presidente. Novamente, a
Rede Globo não seria o artífice, mas também o fio condutor que leva a todas as
saídas em um só beco, e nele é escuro e ainda pouco pesquisado. O esquema que
se montou na fraude de 1982 não é nada parecido com que se teve êxito em 1989,
porém, a tentativa de 82 foi um mero aprendizado para um conglomerado de mídia
que sim, se mostrou durante esse recorte uma mídia oportunista e que nada havia
de benefício para o povo, se não o seu próprio escárnio e sofrimento. Há nesse
momento, uma série de indagações a serem feitas sobre documentos sigilosos e
matérias de imprensa, mas o que salta aos nossos olhos é ver que o Brasil, um país
ainda tão desigual pudesse se superar entre aqueles que merecem a democracia e
que os merecem a abnegação, justamente, quando o povo pedia pelo retorno
democrático, uma baixa elite fardada tentava impedir por meio de uma fraude,
novamente tirando o voto popular da mesa e fazendo imperar o arbítrio.
REFERÊNCIAS

JUPIARA, Aloysio. Porões da Contravenção. Ed. RECORD. (2021).

FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Silêncio. Ed. RECORD. (2009).

NETTO, Marcelo. Memórias de uma Guerra Suja. Ed. TopBooks. (2012).

GUIMARÃENS, Rafael. Legalidade 25 anos – A Resistência Popular que Levou


Jango ao Poder. Ed. Redactor. (1986).

GOV. FEDERAL. Comissão Nacional da Verdade (CNV). (2013) – vol. I, II, III. Aps. II

SIAN. Sistema de Informação do Arquivo Nacional. (Códices. ARJ ACE 7453/83, AC


ACE 29821/82, AC ACE 30765/82, AC ACE 17548/81). 2023.
ANEXO DE MÍDIA - VOL. A

Anexo de mídia vol. A - Fraude Proconsult 1982 - por Luiz Henrique da Costa Moreira

Arquivos disponíveis no OneDrive. Atualizado em 11/06/2023 às 14:23hrs GMT


Brasília.

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