UNESP-Marília (SP) : Cyntia@marilia - Unesp. BR
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RESUMO
O presente texto busca relacionar os estudos da literatura, da enunciação, da
leitura e do ensino com base nos pressupostos da Teoria Histórico Cultural, bem
como da teoria bakhtiniana no sentido de realizar uma reflexão sobre as formas de
atuar com crianças na Educação Infantil. Nesse estudo procura-se ainda evidenciar
a relação existente entre conteúdo e forma com a finalidade de contribuir para que
concepções e práticas educativas na Educação Infantil possam ser revistas,
especialmente as vinculadas às práticas didáticas de leitura mecanizadas e
utilitárias, cujo intuito é formar o sujeito, em última instância, para atuar de forma
alienada e descontextualizada na sociedade. Por isso o texto propõe uma possível
superação, no sentido de buscar as bases para uma didática da leitura intencional
com crianças pequenas e pequenininhas, em que o livro seja um objeto presente na
formação do leitor mirim.
Palavras-chave: Educação Infantil e literatura. Teoria histórico-cultural. Didática da
Leitura.
ABSTRACT
This paper seeks to relate the literature studies, the enunciation, the reading
and the teaching based on the assumptions of Vygotsky’s cultural historical theory,
as well as Bakhtin's theory in order to reflect on ways of working with children in
kindergarten. This study also focus on highlighting the relationship between content
and form in order to contribute so that conceptions and educational practices in early
childhood education can be reviewed, especially those related to teaching practices
of mechanized and utilitarian reading, whose purpose is ultimately to form the subject
to act in an alienated and decontextualized way in society. For that reason this text
proposes a possible improvement in order to get the basis for a didactic of intentional
reading for small and very small children, which the book could be a present object in
the early readers’ formation.
Keywords: Children's Education and Literature. Cultural Historical Theory. The
Didactic of Reading.
Palavras iniciais
Associar os estudos da literatura, da enunciação, da leitura, do seu ensino e
de sua história à maneira como as crianças aprendem e se desenvolvem, sob uma
perspectiva histórico-cultural e bakhtiniana, problematiza e desarmoniza a unidade
forma-conteúdo praticada convencionalmente pelos professores da Educação
Infantil, em particular, naquelas detidas e “fincadas” na formação de uma
consciência fonológica. A esses professores, que educam e cuidam dos pequenos e
pequenininhos, caberia a possibilidade e oportunidade de rever suas concepções e
práticas, também a partir de tais pressupostos dirigidos para uma vertente didática
da leitura a eles coerentes. O que demanda rever alguns conceitos científicos
relacionados à leitura, discutidos ao longo deste artigo, fruto de nossas pesquisas
(GIROTTO, 2016).
Segundo Arena (2013), as crianças não esperam se tornar alunas para poder
aprender a ler, ou melhor, para adentrar na cultura escrita. Elas já querem fazer isso
1
CHRISTIN, Anne Marie. L'invention de la figure. Paris: Flammarion. 2011. (nota do autor)
2
Este texto se baseia na experimentação do Projeto Arrastão, descrita no livro A descoberta da língua
escrita (São Paulo: Cortez, 2012). O exemplo de Vitor provém de uma experimentação semelhante,
desenvolvida na Prefeitura de Marília, SP, em 2013-2014. (nota do autor).
3
CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C. Alfabetização: Método fônico. São Paulo: Memnon,
Capes, Inep, Fapesp, CNPq. 2007, p. 76. (nota do autor).
com o estatuto de crianças, em casa, nos ambientes familiares, nas bibliotecas, em
ambientes em que predominam as atividades de jogo, etc. Antes de assumir o
estatuto de estudantes, os pequenininhos e os pequenos usam, manuseiam, tocam,
sentem, cheiram, brincam com os livros em sua materialidade gráfica ou via os
suportes e dispositivos digitais; vão imitando os adultos; vão buscando significar os
gestos relacionados ao ato de ler, aos modos de ser leitor, já desde pequeninas,
cristalizados neste objeto da cultura humana – o livro. Ninfa Pereiras, no estudo que
realiza sobre “os livros e a literatura para os pequenos”, evidencia que
4
Vygotsky, em duas de suas obras, a saber, Obras Escogidas, tomos II e III, ao discutir pensamento
e linguagem e as funções psíquicas superiores, traz descobertas científicas fundantes para essa
conclusão de Foucambert. Para o pesquisador bielo-russo, a aquisição da escrita tem um papel
enorme no desenvolvimento cultural e psíquico da pessoa, uma vez que dominar a escrita significa
dominar um sistema simbólico extremamente complexo, que cria sinapses e meios cognitivos
essenciais para outras formas mais elaboradas de pensamento.
os textos, e se ajuntam outras palavras, e se constroem frases novas
com palavras para desestabilizar a criança e obrigá-la de novo a
decifrar. E, desesperadamente, a criança lê, quando pode; às vezes,
ela até inventa: de acordo com o que compreendeu, antecipa a
palavra seguinte; se engana, o professor percebe e se aborrece; [...]
Localiza-se muito rapidamente essa criança desviante, que diz a
palavra porque a reconheceu; mas a outra, a conscienciosa, que crê
que é preciso fazer o que o professor diz, se dedica a descobrir, pela
sétima vez, sempre com muito esforço, cada segmento da palavra,
porque não pensa em olhá-la na sua totalidade, ou antes não ousa
fazê-lo, já que nunca se disse a ela que era isso o que precisava
fazer para ler; e isso nunca lhe foi dito porque é exatamente isso que
não se deve fazer para decifrar. (FOUCAMBERT, 2008, p. 109-110,
grifos nossos).
Para Britto (2009), ensinar a escrita é mais que ensinar a escrever, é um ato
de desalienação. É evidenciar o caráter social da escrita que revela a ideologia
presente na cultura da dominação. É compreender que quando a escrita é objeto de
alienação se baseia em práticas fundamentadas no pragmatismo pedagógico, cujo
fundamento está calcado em uma conduta que sustenta a produção de
“competências” para atuar na sociedade competitiva, e por isso a defesa de teóricos
quanto a um método fônico para os pobres. Ademais, o autor defende a ideia de que
na Educação Infantil se deve reconhecer a valorização da cultura:
5
ZUMTHOR, Paul. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.(nota do autor)
pedagógicas decorrentes, uma vez que estão mais relacionadas à formação dos
ouvintes, do que a dos leitores.
Os postulados do professor Élie Bajard sustentam essa convicção. Para o
pesquisador francês, erradicado no Brasil desde a década de 1990, cujas retomadas
histórias fundamentam suas reflexões,
Palavras finais
Queremos enfatizar com este conjunto de reflexões, pautadas na perspectiva
vygotskyana e bakhtiniana e na dos pesquisadores contemporâneos da área da
leitura, a necessidade de os professores reverem suas concepções e práticas na
busca por uma didática da leitura já para as crianças pequenas.
Desse ponto de vista, enfatizamos o ato de ler como sendo um momento de
“dialogar com o texto”, pois a formação de leitores genuínos dá-se no silêncio do
texto, na interação do pequeno leitor com a obra. Ela se efetiva no silêncio, isto é, na
entrega do leitor mirim ao texto verbal e imagético da literatura infantil. Nessa
medida, vale ressaltar que ao aprender a ler, lendo, a criança se converte em leitor,
na medida em que vai se revelando a si mesma, neste processo, também no desejo
ao texto, na necessidade gerada.
Preservar, nesse sentido, o espaço para a leitura silenciosa, individual,
secreta é vital à constituição de uma identidade leitora. O contato assíduo com o
livro, já desde a primeira infância, leva ao estabelecimento de um vínculo íntimo com
este objeto precioso da cultura humana chamado livro, uma vez que a cada leitura
estimulamos os processos de compreensão (ainda que em atos embrionários da
leitura – GIROTTO, 2016) e, por meio deles, construímos mundos, virtuais e
possíveis, e essa constituição vai depender da atribuição de sentidos proveniente
das estratégias de leitura empregadas pelo leitor conectadas com o seu
conhecimento prévio, interligadas a todas as suas vivências com os modos de ler,
com sua história de leituras e de formação de leitor.
Destacamos, portanto, não somente o valor da leitura/contação de histórias
para o leitor mirim em constante formação, mas sobretudo para o leitor professor da
infância (quer seja em sua formação inicial, quer seja em sua formação continuada),
que, ao compreender e encantar-se com tais processos, tem aberto canais de
percepção de uma nova concepção de leitura em distintos atos culturais (ato de
contar histórias; ato de oralizar, de ler para o outro; ato de decifrar; ato de ler
silenciosamente para compreender de forma autônoma, ato de ler o seu próprio
texto para reescrevê-lo, dentre outros) que a acompanham historicamente, sendo
imprescindível uma sólida base científica para quaisquer uma das escolhas teórico-
metodológicas que embase uma possível didática da leitura na Educação Infantil.
Por fim, vale dizer que a história da humanidade e, nela, a da leitura e as
histórias de vivências e formação de leitores, esboçam a possibilidade de enxergar
este conjunto de atos como uma unidade produtiva – ou seja, uma unidade de
sucesso no tateio, por exemplo, das vivências literárias junto às crianças pequenas
Se esta unidade representa uma alternativa às dicotomias articuladas à formação de
ouvintes X formação de leitores, é por nos assegurar contra os males de um mundo
de “não-leitores” e carente de sentimentos e emoções, de formação humana, enfim,
de fruição da arte estético-literária, desde a mais tenra idade.
Referências
BRITTO, L. P. Educação Infantil e Cultura Escrita. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart de;
MELLO, Suely Amaral. (Orgs). Linguagens infantis: Outras formas de leitura.
Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
MELLO, S. A.; FARIAS, M. A. A escola como lugar da cultura mais elaborada. In:
Educação, Santa Maria, v. 35, n. 1, p. 53-68, jan./abr. 2010. Disponível em:
<http://www.ufsm.br/revistaeducacao>2010. Acesso em: 26 jul. 2016.
RIZZOLI, Maria Cristina. Literatura com letras e sem letras na Educação Infantil do
norte da Itália. In FARIA, Ana Lúcia Goulart de; MELLO, Suely Amaral. (Orgs.)
Linguagens infantis: Outras formas de leitura. Campinas, SP: Autores Associados,
2009.