Vanessa 2
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BAURU-SP
2021
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BAURU-SP
2021
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RESUMO
O ato de desenhar na educação escolar, muitas vezes, é subvalorizado em relação ao ato
de escrever. Consequentemente, entende-se que é mais importante a criança ser ensinada
a escrever do que a desenhar. Diante disso, a prática pedagógica na educação infantil, em
alguns casos, focaliza mais os processos ligados diretamente à alfabetização e
secundarizam outras aprendizagens que indiretamente contribuem significativamente ao
processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Diante disso, a presente pesquisa de
iniciação científica tem como principal objetivo expor, na perspectiva histórico-crítica, o
desenho como potencializador no processo de aquisição da língua escrita. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa. A coleta de dados foi realizada por meio do levantamento de teses
dissertações, capítulos de livros e artigos, no período de outubro 2020 a fevereiro de 2021.
Os dados coletados e analisados foram organizados em quatro momentos. No primeiro,
apresentamos o estofo teórico que fundamenta esta pesquisa: o enfoque histórico-crítico
e destacamos importância da tríade forma-conteúdo-destinatário (MARTINS, 2013), no
planejamento pedagógico na educação infantil, para justificarmos que defender a
alfabetização neste nível da educação básica, não significa antecipar práticas e conteúdos
específicos do ensino fundamental I. No segundo momento, estudamos o
desenvolvimento da linguagem oral e a pré-história da escrita na psicologia histórico-
cultural. O terceiro momento foi dedicado ao estudo da arte sobre as pesquisas que têm
como objeto de estudo as relações entre desenho e alfabetização na educação infantil. Já
no último momento, por meio de revisão bibliográfica, explanamos sobre as capacidades
necessárias para a alfabetização, segundo Lemle (2007), com destaque para a ideia de
símbolo e argumentamos como o ato de desenhar pode auxiliar no desenvolvimento do
simbolismo no psiquismo das crianças, em seguida, estudamos os conceitos de signo de
primeira e segunda ordem, propostos por Vygotski (2012), e sintetizamos os contributos
teóricos e metodológicos à atuação docente na educação infantil, a partir do uso dos
gestos, jogos de papeis sociais e, especialmente, do desenho.
Palavras-chave: Alfabetização; Desenho; Educação Infantil; Pedagogia Histórico-
Crítica; Psicologia Histórico-Cultural.
4
ABSTRACT
The act of drawing in school education is often undervalued in relation to the act of
writing. Consequently, it is understood that it is more important for the child to be taught
to write than to draw. Therefore, the pedagogical practice in early childhood education,
in some cases, focuses more on processes directly linked to literacy and secondary to
other types of learning that indirectly contribute significantly to the process of learning
to read and write. Therefore, this scientific initiation research has as its main objective to
expose, in the historical-critical perspective, the drawing as a potentiator in the written
language acquisition process. This is a qualitative research. Data collection was carried
out through the survey of theses, dissertations, book chapters and articles, in the period
from October 2020 to February 2021. The collected and analyzed data were organized in
four moments. In the first, we present the theoretical background that underlies this
research: the historical-critical focus and highlight the importance of the triad form-
content-recipient (MARTINS, 2013) in pedagogical planning in early childhood
education, to justify defending literacy at this level of education basic, does not mean
anticipating specific practices and contents of elementary school I. In the second moment,
we study the development of oral language and the prehistory of writing in cultural-
historical psychology. The third moment was dedicated to the study of art on research
that has as its object of study the relationship between drawing and literacy in early
childhood education. At the last moment, through a literature review, we explained about
the skills needed for literacy, according to Lemle (2007), with emphasis on the idea of
symbol and we argued how the act of drawing can help in the development of symbolism
in the psyche of children , then, we study the concepts of first and second order signs,
proposed by Vygotski (2012), and synthesize the theoretical and methodological
contributions to the teaching performance in early childhood education, from the use of
gestures, social role games, and especially , from the drawing.
Keywords: Literacy; Design; Child education; Historical-Critical Pedagogy; Historical-
Cultural Psychology.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 6
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 86
6
INTRODUÇÃO
Considerando que a maior parte das crianças no Brasil, especialmente aquelas que
são filhas da classe trabalhadora, ingressa nas instituições escolares (creches e escolas de
educação infantil) aos seis meses de idade, concluímos que as habilidades e destrezas
necessárias à alfabetização devem ser desenvolvidas na educação infantil. Sendo assim,
a aprendizagem de “[...] um certo número de técnicas que prepara o caminho para a
escrita, técnicas que a capacitam e que tornam incomensuravelmente mais fácil aprender
o conceito e a técnica da escrita” (LURIA, 2014, p. 143-144) devem ser objeto do
processo de ensino e aprendizagem, ou seja, do planejamento pedagógico do professor.
Todavia, é preciso cautela para não cairmos no erro de acreditar que o
desenvolvimento das habilidades necessárias ao aprendizado da língua escrita, que devem
ser desenvolvidas na educação infantil, limita-se ao processo de ensino e aprendizagem
do nome e do traçado das letras. Do mesmo modo, não devemos antecipar, na educação
infantil, conteúdos e didáticas específicas do ensino fundamental, consequentemente, é
preciso pensar nas especificidades do desenvolvimento humano dos alunos de educação
infantil para seleção adequada dos conteúdos e formas de ensino nessa etapa da educação
básica (PASQUALINI & ABRANTES, 2013).
A discussão e as dúvidas entorno sobre a função da educação infantil no processo
de alfabetização são frequentes e se materializam em perguntas, como por exemplo: deve-
se alfabetizar na educação infantil? Pode ensinar o nome e o traçado das letras às crianças
da educação infantil ou isso é prejudicial ao desenvolvimento da criança? Qual a idade
correta para se alfabetizar? Estas e outras perguntas pairam entre os educadores e são
respondidas a partir de diferentes correntes teóricas da psicologia e da pedagogia.
Diante disso, questionamo-nos quais seriam as habilidades necessárias à
alfabetização e como a educação infantil pode contribuir para desenvolvê-las
considerando a tríade forma-conteúdo-destinatário. Dentre as habilidades apontadas por
Lemle (2007), selecionamos a ideia de símbolo como objeto de pesquisa e como ela pode
ser desenvolvida a partir do desenho (escrita pictográfica) na educação infantil tendo
como fundamentos pedagógicos e psicológicos a perspectiva histórico-crítica.
Defendemos que a relevância social e pedagógica desta pesquisa, de cunho
bibliográfico, consiste no levantamento de pesquisas histórico-críticas acerca da
contribuição do desenho ao processo de alfabetização contribuindo para a compreensão
de que alfabetizar na educação infantil não se resume a ensinar os alunos a recitarem o
7
alfabeto e traçar as letras corretamente. Deste modo, estabelecemos como objetivo geral
desta pesquisa expor, na perspectiva histórico-crítica, o desenho como potencializador
no processo de aquisição da língua escrita. Como objetivos específicos, definimos:
Estabelecer a relação entre a ideia de símbolo e o ato de desenhar (escrever
pictograficamente);
Identificar a relação e as características do desenho como uma forma de
linguagem;
Apresentar pesquisas sobre o desenho como uma atividade potencializadora para
o processo de alfabetização;
Elucidar as possibilidades do desenho no processo de ensino e aprendizagem da
escrita na educação infantil.
Neste trabalho, nos fundamentamos nos princípios teóricos e metodológicos da
pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico-cultural, ambas ancoradas no
materialismo histórico-dialético. Os procedimentos metodológicos desta pesquisa, de
natureza qualitativa, foram realizados por meio da observação indireta, isto é, a partir do
levantamento de pesquisas de autores que evidenciaram as possibilidades do desenho
como auxiliador no processo da aprendizagem da escrita. Severino (2007, p. 122) afirma
que
CAPÍTULO 1
Nesta perspectiva teórica, nós não nascemos humanos, mas sim nos tornamos
humanos a partir da apropriação das criações materiais e imateriais do gênero humano.
Portanto, a psicologia histórico-cultural tem importantes contribuições para
compreendermos o processo de humanização dos indivíduos a partir da criação de
comportamentos culturalmente formados da complexificação das funções psíquicas,
indicando que as condições objetivas e subjetivas de vida de cada ser humano são fatores
decisivos para seu desenvolvimento, sendo que este “desenvolvimento, a formação das
funções e faculdade psíquicas próprias do homem enquanto ser social, produzem-se sob
uma forma absolutamente específica – sob a forma de um processo de apropriação, de
aquisição” (LEONTIEV, 1978, p. 235) daquilo que foi produzido pela humanidade. Este
processo de apropriação, isto é, de aprendizagem não ocorre de modo natural e/ou
espontâneo, pois este processo requer mediação, transmissão sistematizada e intencional
do ser mais desenvolvido para o menos desenvolvido.
Leontiev (1978) aponta concepções que naturalizam o desenvolvimento
filogenético do homem como um processo linear e regido apenas pelas leis da biologia.
O autor explica que a evolução dos Autralopithecus ao homem de Neandertal era regida
especificamente pelas leis biológicas, “nestes estágios, [...], o desenvolvimento é
constituído por uma série de variações morfológicas bem conhecidas, como as
importantes modificações do endocrânio, superfície interior da cavidade craniana” (Idem,
p. 162). Já no desenvolvimento do Homo Sapiens, um ser social, o predomínio já não são
mais as leis da evolução biológica, mas sim as leis sociais, visto que
12
Entretanto, para que os indivíduos sejam humanizados, ter apenas o que a natureza
fornece do ponto de vista biológico não é suficiente. Do mesmo modo, também não basta
que o indivíduo viva em sociedade. Martins (2009, p. 120) afirma que “não basta o
contato com a sociedade pelas bordas”, sendo assim, cada ser humano deve se apropriar
da experiência e/ou vivências sociais e históricas, ou seja, das objetivações materiais e
ideias já produzidas pelo gênero humano.
É por meio do desenvolvimento dos processos funcionais sensação, percepção,
atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação, emoção e sentimento que o
psiquismo dos indivíduos se transforma e se complexifica por meio do processo de ensino
e aprendizagem (MARTINS, 2013).
A linguagem, em especial, desempenha importante função na transmissão aos
indivíduos das objetivações humanas, já que é por meio da palavra que iniciamos o nosso
conhecimento sobre o mundo. É sabendo o nome dos elementos da natureza e dos
elementos culturais criados pelo gênero humano que aprendemos sobre o mundo natural
e social e formamos a imagem subjetiva da realidade objetiva (MARTINS, 2013;
LEONTIEV, 1978). Deste modo,
Portanto, a linguagem é umas das funções psíquicas que exercem papel decisivo
no desenvolvimento psíquico dos indivíduos, pois se trata de uma forma de mediação
imprescindível no processo de humanização, ou seja, no processo de ensino e
aprendizagem. Em síntese, para a perspectiva histórico-crítica, no Homo Sapiens a
ontogênese (desenvolvimento do indivíduo) não repete a filogênese (desenvolvimento da
espécie) (LEONTIEV, 1978).
13
Para Saviani (2012, p. 13), “o que não é garantido pela natureza tem que ser
produzido historicamente pelos homens, e aí se incluem os próprios homens. Podemos,
pois, dizer que a natureza humana não é dada ao homem, mas é por ele produzido sobre
a base da natureza biofísica”.
experiência que ele possui, não lhe são suficientes para que se possa compreender as
articulações entre a importância da escola e sua prática social para além dela. Neste
primeiro passo, Martins (2012) considera que a proposição de Saviani (2009) é filosófica
e não procedimental e/ou metodológica. Sendo assim, o núcleo da questão reside no fato
do ato educativo ser parte da prática social, num determinado modo de produção, que não
gera apena produtos materiais, mas também imateriais, e é neste ponto que se enquadra a
formação da subjetividade de cada indivíduo. Sendo que a participação de professores e
alunos na prática social se expressa de formas diferentes: o professor na condição de quem
ensina e o aluno na condição de aprendiz. A partir disso, Martins (2013) supera as
interpretações imediatistas dos cinco passos e afirma não compreender
[...] que o ponto de partida seja representado por algum “problema” que
se desprenda da realidade circundante e imediata e se coloque como
conteúdo escolar, muito menos por aquilo que os alunos já sabem – seus
conhecimentos experienciais – e que coabitam seu nível de
desenvolvimento real. Pensamos que, em tela, está a necessidade de se
reconhecer tanto o professor quanto o aluno em sua concretude, isto é,
como síntese de múltiplas determinações e a prática pedagógica como
um tipo de relação que pressupõe o homem unido a outro homem, em
um processo mediado pelas apropriações e objetivações que lhes são
disponibilizadas (MARTINS, 2013, p. 227).
Nesta direção, a atividade-guia não é aquela que ocorre com mais frequência na
vida do indivíduo ou à qual ele dedica maior tempo. Ela é a base para a formação de
outras atividades, sendo que os processos psíquicos são formados e/ou reorganizados a
partir dela (LEONTIEV, 2014). Em síntese, é “[...] a atividade cujo desenvolvimento
governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos
da personalidade da criança, em um certo estágio de seu desenvolvimento” (Idem, p. 65).
Deste modo, para compreender as fases do desenvolvimento infantil, o professor
não deve se atentar apenas à idade cronológica da criança, pois, esse critério não é
suficiente para saber qual é o momento do processo de desenvolvimento do psiquismo da
criança. Isso porque, não é a maturação do organismo que determina os períodos do
desenvolvimento, e sim a atividade social da criança, sua relação concreta com o mundo.
É nesse sentido que na periodização do desenvolvimento o conceito atividade-guia é de
suma importância.
Elkonin (1987) não objetivou elaborar uma teoria universal que explicasse o
desenvolvimento psíquico independente do momento histórico, da cultura ou espaço. A
universalidade da teoria encontra-se no conceito de atividade-guia como categoria central
para compreensão do desenvolvimento humano, sendo assim, a atividade-guia de cada
período dependerá do momento histórico, social, político e econômico.
Em síntese, essa teoria se orienta pela vida concreta e entende que o
desenvolvimento de novas capacidades, interesses os novos processos psíquicos na
criança são provocados pelo movimento da vida. É por meio das necessidades e demandas
que as situações sociais provocam na criança, que ela vai se apropriando de recursos
materiais e culturais, consequentemente, se desenvolvem novas possibilidades de
compreensão e ação no mundo (PASQUALINI & SACCOMANI, 2021).
Em tese, segundo as autoras, em cada período da vida da criança se mobiliza por
diferentes necessidades, e sua consciência se orienta por diferentes aspectos da realidade,
ou seja, cada período da vida é caracterizado por uma determinada atividade que estimula
intensamente o desenvolvimento psíquico, caracterizando a atividade-guia. Portanto, é
papel do professor identificar qual a atividade social que em cada momento da vida pode
guiar o desenvolvimento infantil, provocando, promovendo e sustentando a formação de
novas funções psíquicas e capacidades, atingindo a reestruturação da consciência infantil.
A periodização na perspectiva da psicologia histórico-cultural é composta por
épocas; períodos; crises; atividade-guia; relação afetivo-emocional e intelectual-
cognitivo; épocas: primeira infância; infância e adolescência; períodos: primeiro ano (0
22
brincadeira, no entanto, para o professor é trabalho, trata-se de uma atividade lúdica para
ensino de conteúdos. Gradativamente, o professor deve transitar do jogo de papéis sociais
às atividades produtivas (desenho, modelagem, recorte, construção de objetos, atividades
manuais, entre outros) (LAZARETTI, 2016). A principal neoformação no
desenvolvimento psíquico da criança, neste momento, é o autocontrole da conduta. Ao se
submeter às regras do jogo de papéis sociais a criança precisa reprimir aos seus desejos e
impulsos imediatos e agir conforme as regras e normas do jogo que imita as relações
sociais.
a pronúncia, dicção e domínio da estrutura gramatical da linguagem oral. Isso pode ser
feito por meio da contação de histórias, músicas, gestos, cantigas, parlendas, poemas,
trava-línguas, enfim, diversos gêneros da tradição oral.
Na idade pré-escolar, que tem como atividade-guia o jogo de papéis sociais, a
criança aprende a simbolizar a realidade social por meio de objetos, desenhos, gestos,
desenhos, esculturas e etc. Por exemplo, leão é um animal que existe na realidade
concreta. A criança que já viu um leão no zoológico, na televisão ou por outros meios,
criou a imagem subjetiva do que seja um leão na realidade. O desenvolvimento da
linguagem permite que ela pense ou fale sobre esse animal sem necessariamente estar
vendo-o. Em suma, para representação esse animal ele pode: dizer /leão/; imitar ou fazer
gestos que caracterizam um leão; se fantasiar de leão; desenhar um leão; fazer uma
escultura que se assemelhe a um leão; e, futuramente, ela poderá simbolizar este animal
com letras, ou seja, por meio da palavra escrita LEÃO.
É nesse sentido, que na educação infantil, é essencial compreender que para
promover o processo de alfabetização na criança, são necessárias práticas pedagógicas
que a permita desenvolver adequadamente uma série de capacidades e habilidades
essenciais que a auxiliarão na aprendizagem da leitura e da escrita, ou seja, o aprendizado
da língua escrita, na educação infantil, está longe de se resumir apenas ao ensino do
traçado ou nome das letras, em síntese, há uma complexidade nesse processo que deve
ser dominada pelos professores de educação infantil para que de fato eles contribuam com
o processo de alfabetização.
Nós vimos que a atenção destinada às crianças das creches restringia-se aos
cuidados de alimentação, higiene, sono e atividades de lazer. No caso das crianças que
frequentavam a pré-escola, muitas vezes, eram submetidas a práticas pedagógicas e
aprendizagem dos conteúdos específicos do ensino fundamental. Martins & Cavalcante
(2005) afirmam que em cada faixa etária a escola tem uma função específica na formação
do aluno. Portanto, os conteúdos e, especialmente, os encaminhamentos didáticos
possuem especificidades a depender do destinatário, ou seja, do aluno.
Assim sendo, Pasqualini & Martins (2008, p. 96) evidenciam a “[...] defesa da
compreensão da escola de educação infantil como instituição de socialização do
conhecimento”. Em suma, o ensino dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos
devem estar presentes na educação infantil e o professor não deve perder de vista a tríade
Conteúdo-Forma-Destinatário (MARTINS, 2013) no planejamento de cada aula.
26
CAPÍTULO 2
A língua, por usa vez, “representa um sistema específico de comunicação por meio
da linguagem, que se estrutura por vocabulário, gramática e sistema fonológico
específicos” (PETROVSKI, 1985, p. 191 apud MARTINS, 2013, p. 133). Cada língua
possui um vocabulário específico para designar os objetos, pessoas, natureza,
sentimentos, enfim, tudo que compõem o mundo social e natural. Esse vocabulário é
regido por uma gramática que varia também de acordo com a língua, por isso que a
conjugação dos verbos e outras normas gramaticais da língua portuguesa são diferentes
de outras línguas. Além disso, cada língua possui um sistema fonológico específico, por
exemplo, o fonema da letra J em português é um, em espanhol a letra J tem som R, o V
tem som de B e etc.
Já a linguagem “[...] é um sistema de signos que opera como meio de comunicação
e intercâmbio entre os homens e também como instrumento da atividade intelectual”
(PETROVSKI, 1985, p. 191 apud MARTINS, 2013, p. 133). A linguagem é uma função
psíquica que permitiu que o homem desse um salto qualitativo no desenvolvimento de
seu psiquismo, pois permitiu que a imagem subjetiva da realidade objetiva fosse
convertida em signo (MARTINS, 2013). Deste modo, a representação da realidade por
meio da palavra permitiu que o homem se libertasse do campo sensorial imediato e
caminhasse em direção ao desenvolvimento da capacidade de pensar. Isto significa que
ao ouvir ou ler a palavra leão não é necessário trazer o animal de verdade ou uma foto
para as pessoas saberem do que se trata (isso se a pessoa já tiver construído a imagem
subjetiva do que é um leão), no caso de palavras desconhecidas é preciso explicar ou até
mesmo recorrer a recursos mais concretos para a pessoa entender o que é e construir a
referida imagem, ou seja, pensar. Por conseguinte, para que os indivíduos aprendam a
pensar é necessário a mediação de outros (MARTINS, 2013), na educação escolar, o
professor é o principal agente no desenvolvimento de tal capacidade.
Diante disso, vemos que o desenvolvimento da linguagem, assim como o de outras
funções psíquicas, ocorre primeiro no plano interpsíquico (na mediação e relação entre
os indivíduos) para depois ocorrer no plano intrapsíquico (na dimensão pessoal e interna).
A linguagem como processo interpsíquico perpassa as linhas naturais e culturais
do desenvolvimento humano, e segundo Vygotski (2012), o desenvolvimento da
linguagem oral se dá pelas seguintes fases: pré-linguística; linguística fonética e
linguística gramatical.
A fase pré-linguística da linguagem oral é caracterizada pelo reflexo
incondicionado e condicionado das reações vocais. Enquanto reflexo incondicionado, as
31
reações vocais têm como função exclusiva revelar os estados emocionais do organismo,
sendo assim, o bebê chora, balbucia e sorri para expressar suas necessidades. No início
esse reflexo é incondicionado, ou seja, a relação com o outro ainda não interviu
(condicionou) nos reflexos (choro, sorrisos, balbucios, entre outros) e o bebê chora ou
sorri por puro reflexo de seu organismo. Trata-se de reações instintivas que revelam
externamente os estados emocionais do organismo (VYGOTSKI, 2012). Em síntese, “[...]
nas reações vocais do recém-nascido não há um reflexo incondicionado único, mas,
talvez, uma série deles, intimamente ligados entre si” (Idem, p. 169) que são
transformados, com significativa rapidez, em reflexos condicionados já em suas primeiras
semanas de vida.
Desta forma, as vozes das pessoas ao seu entorno passam a condicionar as reações
vocais (MARTINS, 2013). “Um dos exemplos de tal generalização é quando a criança
reage vocalmente quando vê sua mãe ou sua enfermeira. No início, a reação vocal
manifesta-se ao ver qualquer pessoa, depois difere e aparece apenas quando vê a mãe ou
os pertences de seu traje relacionados à sua nutrição” (VYGOTSKI, 2012, p. 170). Neste
momento, os choros, sorrisos e balbucios não tem mais origem natural, não são mero
reflexo do organismo, eles passam a ser condicionados pelas relações interpessoais. A
criança sorri ao ouvir a voz de uma pessoa conhecida, chora ou começa a ficar manhosa
quando está chegando a hora habitual de se alimentar ou dormir.
É importante ressaltar que mesmo ainda não conseguindo estabelecer relação entre
som e significado, o bebê deve ser colocado em situações que o estimulem a perceber e
se atentar aos diferentes sons (verbais e não verbais), portanto, deve haver a relação com
o outro, ou seja, a comunicação emocional direta como atividade-guia no primeiro ano de
vida. Nesse momento, como proposta pedagógica, é muito importante que a criança seja
estimulada a formas imitativas gestuais e sonoras. Em suma,
[...] quando a criança pronuncia pela primeira vez ainda que uma única
sílaba embrionariamente dotada de significado, por exemplo, “ma”, tal
episódio não representa, meramente, a palavra “mãe”. Nela encontra-se
contida, condensada, todo uma frase ou mesmo orações, de tal forma
que, do ponto de vista interno, a criança não pronuncia uma simples
sílaba ou palavra, mas expressa um complexo único na forma de dada
configuração linguística, que atende à ordem do todo para as partes
(MARTINS, 2013, p. 177).
1
“Como fica claro em todo o contexto, o autor, usando a expressão metafórica “evaporação da linguagem
no pensamento”, leva em consideração a variação qualitativa do processo verbal no ato do pensamento e
de modo algum o desaparecimento da palavra. [Nota da edição russa]” (VYGOTSKI, 2014, p. 307).
37
Por conseguinte, a linguagem escrita deve ser compreendida como uma aquisição
psicológica extremamente complexa e não apenas como um hábito motor. Isso significa
que “o domínio da linguagem escrita representa para a criança o domínio de um sistema
simbólico altamente complexo e dependente, em alto grau, do desenvolvimento das
funções psíquicas superiores do comportamento infantil” (MARTINS, 2013, p. 184).
Ao se apropriar da linguagem oral como meio de comunicação e representação da
realidade a criança vai descobrindo outros meios de simbolização, como os gestos, o
desenho e a escrita cultural. Então, surge a necessidade de representar a realidade, de se
comunicar e expressar o pensamento não apenas falando, mas gesticulando, desenhando
e escrevendo. No item a seguir, descreveremos o processo de desenvolvimento da língua
escrita na criança, a partir dos estudos de Luria (2014).
39
Para superar a fase pré-instrumental “[...] a criança deverá estabelecer uma relação
sígnica com as marcas no papel, ou seja, o que foi grafado deve expressar um conteúdo
específico que possa ser recuperado posteriormente” (MARTINS, CARVALHO &
DANGIÓ, 2018, p. 342).
Na fase da escrita não-diferenciada, apesar dos rabiscos em si não terem nenhum
significado, eles ganham significado na dependência de alguns fatores, como por
exemplo, a posição, situação e relação com outros rabiscos. Luria (2014, p. 157)
exemplifica tal fato:
Após essa etapa, temos a fase da “escrita pictográfica”, que se inicia por volta dos
5 a 6 anos de idade, quando já possui habilidades para desenhar, porém não relacionam o
desenho como um expediente auxiliador da memória. O ensino nessa fase tem como
finalidade superar o uso do desenho como simples brincadeira para ser utilizado como
recurso auxiliar, para, posteriormente, ser substituído pela escrita simbólica.
Deste modo, o desenho espontâneo não desempenha qualquer função mnemônica,
todavia, na escrita pictográfica a criança passa a fazer representação direta do conteúdo
da frase ditada e/ou utiliza traços e marcas que possam representar o conteúdo da sentença
(LURIA, 2014). Luria, (2014, p. 174) afirma que:
É por meio do desenho que a criança consegue criar e recriar suas próprias formas
expressivas, desenvolvendo a percepção, imaginação, reflexão e sensibilidade, e é nessa
faixa etária de idade que as crianças começam a relacionar os seus desenhos com o
mundo, o desenho transmite sentimentos, uma forma de linguagem e expressão da
subjetividade. “O desenho transforma-se, passando de simples representação para um
meio e o intelecto adquire um instrumento novo e poderoso na forma da primeira escrita
diferenciada” (LURIA, 2014, p 166).
A criança passa a fazer uso do desenho como um auxiliador e não só como
brincadeira, ou seja, a criança compreende a função simbólica do desenho e passa-o a
utilizar como meio de comunicação e expressão do pensamento.
Na infância, há uma grande e importante relação entre o desenho e o
desenvolvimento da escrita, podemos observar então, que esse mecanismo é um grande
aliado para a alfabetização, além de ser uma das maneiras mais eficientes de
comunicação, desde nossos ancestrais. Em condições adequadas de desenvolvimento, a
criança pode desenvolver uma verdadeira fascinação sobre a escrita e, desde muito cedo,
42
pode utilizar símbolos para representar a realidade (gestos, desenhos, etc.) e imitar a
escrita dos adultos.
Para Luria (2014), a última etapa, denominada escrita simbólica, que ocorre entre
6 a 7 anos, só acontece depois que a criança percorre os caminhos da “pré-história da
escrita”, pois, é necessário que ela consiga assimilar o processo de representação e
internalização para desenvolver a comunicação escrita.
Essa etapa é dividida em duas sub etapas, segundo o autor, a inicial, que tem como
características o uso da escrita dentro do sistema socialmente estabelecido sem recorrer
as marcas ou desenhos, afim de ampliar o uso do sistema alfabético dominando suas
particularidades.
E a fase final, entre 7 a 10 anos, ocorre quando a escrita é usada dentro do sistema
socialmente estabelecido, bem como tendo conhecimentos de diferentes gêneros, nessa
fase, exige um grau maior de complexidade dos domínios adquiridos pela criança,
relacionado à gramática e aos gêneros textuais.
Martins, Carvalho & Dangió (2018) identificaram na literatura histórico-cultural
a existência de um hiato no tratamento dispensado, especificamente, à transição entre a
pré-história e a escrita simbólica, dado que conduziram as autoras à busca de
aclaramentos sobre tal transição.
Com base no trabalho das autoras como professoras alfabetizadoras e
pesquisadoras sobre o tema, Martins, Carvalho & Dangió (2018) analisaram o
desempenho de crianças em situações reais de alfabetização com o objetivo de esclarecer
o interstício que marca a viragem do estágio da escrita pictográfico à escrita simbólica.
As autoras constataram “[...] que o estágio pictográfico se encaminha para o
estágio da escrita simbólica pela mediação de duas subetapas, as quais denominamos
como pré-gráfica e subetapa do simbolismo gráfico” (Idem, p. 343).
Na subetapa denominada Pré-Gráfica a criança descobre que existe uma
representação gráfica para cada palavra. Tal descoberta representa um significativo
avanço na capacidade abstrativa do educando, todavia, ao escrever, a criança ainda não
estabelece relações estáveis entre sons e símbolos, isto é, entre grafemas e fonemas (Idem,
2018). As pesquisadoras explicam que
Martins, Carvalho & Dangió (2018) analisam tal situação e afirmam que a criança
ainda não domina os procedimentos necessários para generalizar as relações entre sons e
símbolos, portanto, apesar de escreverem ou lerem algumas palavras corretamente, ainda
não dominam de maneira autônoma a leitura e a escrita. “Para tanto, ela precisa
ultrapassar a conexão aleatória fonema/grafema convertendo o som em signo. Trata-se,
44
pois, da compreensão do significado das letras e das sílabas tanto na articulação da fala
quanto da escrita” (MARTINS, CARVALHO & DANGIÓ, p. 344).
É por essa via que a criança adentrará na subetapa do Simbolismo Gráfico que
abrange os mecanismos acústicos necessários à organização léxico-semântica e a sintaxe.
Segundo as pesquisadoras, o domínio do mecanismo acústico da palavra, isto é, a
consciência fonológica em seus diferentes níveis possibilita que a criança identifique e
domine as correspondências grafofônicas e o código léxico. “Para tanto, os sons são
isolados mentalmente e sequencialmente aglutinados, conquistando significação fonética
que orienta a transposição do fonema em grafema, caminhando para a consolidação das
relações grafofônicas” (MARTINS, CARVALHO & DANGIÓ, 2018, p. 344).
A escrita da criança nesta subetapa é caracterizada por erros gramaticais,
ortográficas e pela dificuldade na escrita de sílabas não-canônicas, como por exemplo, na
escrita de fãtazia para fantasia; caza para casa; abela para abelha, entre outras.
Nesta etapa que exige alta complexidade do psiquismo infantil, há o predomínio
das ações sob as operações e para superá-la é preciso a inversão de tal prevalência.
Fundamentadas nos estudos de Leontive (1978), as autoras explicam que as ações no
processo de alfabetização são componentes ou elementos intermediários orientados
conscientemente, ou seja, a criança as executa tendo uma finalidade específica de modo
consciente.
Um exemplo, é a decomposição da palavra em letras e/ou sílabas no momento da
escrita, “[...] fazendo-o, não raro, em voz alta, com a finalidade de, parte a parte, encontrar
seu correspondente gráfico. Trata-se, pois, da realização de uma série de ações cuja
finalidade é o pareamento adequado entre os sons e seus símbolos gráficos” (MARTINS,
CARVALHO & DANGIÓ, 2018, p. 344).
O mesmo se aplica ao ato de ler, pois nesta subetapa a consciência da criança está
focada na decodificação da relação entre grafema e fonema, ficando em segundo plano o
significado da palavra, da frase ou do texto lido.
CAPÍTULO 3
Marsiglia & Bremenkamp (2017) analisaram que não havia diferenciação nos
desenhos feitos pela criança e que, portanto, não funcionavam como signo auxiliar, deste
modo, a criança autora dos desenhos ainda não havia superado a escrita pictográfica, pois,
“[...] conforme demonstram as figuras apresentadas, não foi dado destaque a nenhuma
característica solicitada (tamanho, substantivos abstratos e substantivos etc.)” (Idem, p.
107).
As autoras não culpabilizaram o aluno e muito menos a professora. Salientaram a
precarização da formação docente, por um lado, por outro, a valorização da
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Tomada de consciência sobre a sua própria prática, a partir de então, por meio
da apropriação do conhecimento, o indivíduo é conduzido a mudanças;
O que as imagens dizem sobre a constituição do sujeito autor, com a análise feita
a partir das imagens, a autora se dispôs a observar os elementos que influenciaram
o processo criador dos educadores (TSUHAKO, 2016).
Já o terceiro núcleo temático, “Transformações do Educador a Partir da Atividade
e a Ação do Outro”, diz respeito da apropriação do conhecimento ser sempre ativo e da
necessidade de se apropriar dos objetos que são produtos do desenvolvimento histórico,
porém, essa atividade do desenvolvimento do sujeito deve ser mediada pela ação de outro
sujeito, que lhe servirá de exemplo, contanto com a experiência do mesmo. Os itens
divididos, foram apresentados da seguinte forma:
Mudança de concepção, de percepção e do olhar, a autora relata, que as mudanças
nas práticas se a apropriação do conhecimento, a partir da atividade, for condição
fundamental para conduzir o sujeito à tomada de consciência sobre a sua
realidade;
Valorização das intervenções para o processo educativo, é preciso então
compreender a função da escola como espaço privilegiado para aquisição do
conhecimento cultural, afirma Tsuhako (2016);
O outro como fonte de conhecimento, a autora diz, que entendendo a perspectiva
histórico-cultural, o desenvolvimento de um sujeito não é realizado somente das
transformações do organismo, o mesmo aprendera a partir de representações,
imitações, de sua ação no ambiente social no qual pertence;
O que dizem as imagens sobre as transformações do educador a partir da
atividade e ação do outro?, a partir dessa concepção, foi possível, a autora
identificar a diferença significativa do desenho espontâneo em relação ao desenho
educacional, ou seja, do desenho como linguagem, destacando a necessidade de
se trabalhar com o desenho desse a educação infantil (TSUHAKO, 2016).
Enfim, no percurso da pesquisa a autora buscou
CAPÍTULO 4
A criança precisa compreender a ideia de símbolo, e além disso entenda que não
é obrigatório que haja uma relação entre o símbolo e o que ele simboliza, ou seja, a razão
da forma de um símbolo não está nas características da coisa simbolizada. A autora
afirma, que uma criança que não consiga compreender a relação entre dois objetos não
conseguirá aprender a ler e escrever (LEMLE, 2007). Em síntese, “[...] entender que os
risquinhos pretos no papel são símbolos de sons da fala, é necessário compreender o que
é um símbolo” (LEMLE, 2007, p. 7). Portanto, o simbolismo é uma aquisição cultural
basilar à apropriação da língua escrita (CARVALHO & MARSIGLIA, 2017). Carvalho
(2019, p. 168) explica:
Compreender tal relação não é algo fácil e simples, pois “uma coisa é símbolo de
outra sem que nenhuma característica sua seja semelhante a qualquer característica da
coisa simbolizada” (LEMLE, 2007, p. 7), resume-se à uma relação totalmente arbitrária,
uma vez que “[...] a razão da forma de um símbolo não está nas características da coisa
simbolizada” (Idem, p. 8).
Na segunda capacidade, o aluno precisa ser capaz de descriminar as formas das
letras, com isso exige refinamento na percepção, já que são sutis as diferenças que
determinam a distinção entre as letras do alfabeto. A criança deve ser capaz de raciocinar
sobre essas percepções visuais para aprender a ler e escrever (LEMLE, 2007). Carvalho
(2019, p. 168) explana:
Por meio das mímicas e dos gestos, as crianças aprendem que podem
se expressar ou estabelecer comunicação sem utilizar a linguagem oral,
ou seja, podem representar o que desejam falar com movimentos,
explorando especialmente suas associações. Estas ações demandam
uma série de operações do psiquismo da criança. Por exemplo, ao ter
que imitar um animal, ela precisa pensar: que animal é esse; quais suas
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com os alunos, deste modo, o professor não deve determinar previamente os símbolos,
mas levar as crianças a pensarem o que pode ser utilizado para simbolizar as atividades
realizadas na escola.
A partir das possibilidades didáticas apresentadas anteriormente, vimos como que
por meio de atividades lúdicas, a capacidade de simbolização pode ser desenvolvida na
criança desde a educação infantil. Deste modo, ao planejar processos de ensino e
aprendizagem que objetivem o desenvolvimento da ideia de símbolo, o professor estará
formando as bases necessárias para a alfabetização, sem utilizar conteúdos e práticas
específicos de alfabetização típicos dos anos iniciais do ensino fundamental. Nas
atividades propostas, as crianças deverão imaginar que uma coisa é outra, isto é,
simbolizar, por exemplo, ao brincar de mímicas deverá imaginar que o gesto realizado é
um determinado animal ou que um cabo de vassoura é um cavalo.
Por esta via, inicia sua compreensão de que ‘algo’ pode ocupar o lugar
de outro ‘algo’, dado de maior grandeza para a futura aprendizagem
escrita. Para escrever, a criança terá que tomar uma ‘coisa’ por ‘outra’,
ou seja, terá que transformar os sons das palavras em signos gráficos
(FRANCO & MARTINS, 2021, p. 128).
Em suma, é preciso libertar a criança dos limites de seu campo sensorial imediato
e abrir as possibilidades para o processo de simbolização, imprescindível à aprendizagem
da língua escrita.
A seguir, apresentaremos o gesto, o desenho e os jogos de papeis sociais como
meios de simbolização na educação infantil. Focaremos no desenho como atividade que
tem o potencial de formar bases na infância para a apropriação da língua escrita.
Além disso, Tsuhako (2016) explana que a criança passa a perceber as diferentes
formas e repete os rabiscos que se assemelham a elas. “A partir das bolinhas surgem as
figuras irradiadas, representadas por uma linha fechada, de onde saem traços para várias
direções. Esses desenhos são o início da figura humana” (Idem, p. 57).
Vygotski (2012) afirma que para nós, os desenhos das crianças são garatujas,
todavia, eles são mais gestos do que desenhos no sentido estrito da palavra. Além do mais,
ao desenhar figuras mais complexas, a criança representa suas propriedades gerais e não
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suas partes específicas. “Por exemplo, quando a criança representa com a mão um vaso
cilíndrico, o faz sob a forma de uma curva fechada para indicar com o gesto de que se
trata de algo redondo” (TSUHAKO, 2016, p. 57).
O segundo momento refere-se aos jogos infantis nos quais, ao brincar de faz-de-
conta, objetos passam a representar outros, por exemplo, um cabo de vassoura vira
facilmente um cavalo. Deste modo, o cabo de vassoura passa a simbolizar ou significar
algo que ele não é de fato. “O mais importante é o seu uso funcional, a possibilidade de
fazer o gesto representativo com a sua ajuda. Acreditamos que só nisso reside a chave
para a explicação de toda a função simbólica das brincadeiras infantis” (VYGOTSKI,
2012, p. 187).
É importante destacar que neste momento, a criança encontra-se na idade pré-
escolar cuja atividade-guia é o jogo de papeis sociais. Deste modo, o foco da atividade
da criança está nas relações sociais entre crianças e adultos e as regras que organizam tais
relações.
[...] não desenha propriamente aquilo que vê, pois a criança desenha de
“memória, e se alguém lhe propõe que pinte sua mãe que está sentada
em frente ou qualquer objeto que tenha em frente, a criança desenha
sem olhar uma vez o original, representando, portanto, não o que vê,
mas o que sabe” (VYGOTSKI, 2000). Por isso, é comum ver
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Diante do exposto, destacamos neste capítulo a importância dos gestos, dos jogos
de papeis sociais e, especialmente, do desenho como meios para desenvolvimento da ideia
de símbolo na criança, capacidade tão importante ao processo de alfabetização. Por fim,
apresentamos as estratégias didáticas, com base nos estudos de Tsuhako (2016), para que
o desenho seja utilizado pela criança como signo, isto é, como linguagem gráfica para
representar a realidade e expressar seu pensamento, emoções e sentimentos com
autonomia na escolha dos riscadores, suportes, cores, linhas, formas, texturas e outros
materiais que possam ser utilizados como instrumentos de criação artística.
Como explicamos anteriormente, para aprender a ler e a escrever a criança precisa
saber o que é uma relação simbólica entre uma coisa e outra, pois os grafemas são
representações dos fonemas, ou seja, não são exatamente os sons da fala, são signos que
os representam. A linguagem oral/palavra são signos de primeira ordem, pois representam
diretamente os aspectos da realidade, assim como os gestos, o desenho e o jogo de papeis
sociais. Já a língua escrita é um signo de segunda ordem, já que ela é uma representação
da linguagem oral/palavra. Sendo assim, se a criança não se apropriar durante a educação
infantil dos signos de primeira ordem, é provável que tenha dificuldades no processo de
apropriação dos signos de segunda ordem, como por exemplo, a língua escrita.
Em suma, urge que os docentes da educação infantil sejam formados para
compreender tal questão e que o pensamento de senso comum a respeito de que a
alfabetização se inicia quando a criança começa a aprendizagem dos nomes e traçados
das letras seja superado. Somente assim, estaremos aptos a transformar, especificamente,
no ensino da língua materna na educação infantil, ofertando processos de ensino e
aprendizagem que complexifiquem o psiquismo infantil a partir da internalização de
signos e, por conseguinte, o universo simbólico disponibilizado à criança.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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escrita ela precisa compreender que para cada palavra existe uma representação gráfica,
que condiciona, inclusive, o seu significado” (FRANCO & MARTINS, 2021, p. 162).
A aquisição da escrita é algo que exige a complexificação do psiquismo humano,
sendo assim, antes de se apropriar de signos de segunda ordem, a criança precisa
compreender os signos de primeira ordem, como por exemplo, a linguagem oral, o gesto,
os jogos de papeis sociais e o desenho. Franco & Martins (2021) explicam que a escrita
é altamente complexa e que, portanto, exige da criança autocontrole de seu
comportamento.
Franco & Martins (2021) apontam que, atualmente, a alfabetização tem sido vista
ora como um problema de mecanismos cerebrais, ora como mera associação entre sons e
letras, entretanto, a base do complexo processo de alfabetização é bem mais ampla. “Por
conseguinte, a alfabetização não é um fenômeno meramente ‘cognitivo’ e/ou
‘pedagógico’, haja vista que ela e o processo de humanização dos indivíduos encontram-
se necessariamente imbricados” (Idem, p. 168).
Deste modo, fundamentadas na pedagogia histórico-critica e na psicologia
histórico-cultural, não podemos finalizar esta pesquisa sem antes destacar que o nosso
compromisso com a educação escolar, de modo geral, e com a alfabetização, mais
especificamente, além de ser pedagógico, ele também é político, logo, entendemos que o
REFERÊNCIAS
SEVERINO, J. (2007). Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez.