Juris
Juris
Juris
Processo: 1
Nº Convencional: 43/2012
Votação: vencido
SUMÁRIO
1.A lei especial prevalece sobre a lei geral de acordo com velho Brocardo in
specialis non derogati generali.
2.A Lei 38º/VII/2009 de 27 de Abril, no seu artº32º diz o seguinte: Tomado
conhecimento da apreensão o terceiro que invoca a titularidade de coisas,
direitos ou valores apreendidos pode deduzir no respectivo processo a defesa
dos seus direitos através de requerimento fundamentado em que alegue e
prove factos de que resulta a sua boa-fé.
Não disponível.
____________________________
/Manuel Alfredo Monteiro Semedo/Juiz Relator
[1] Diploma a que pertencerão os demais normativos doravante citados, salvo indicação expressa em contrário.
[2] In A posse - Estudo de Direito Civil Português. pag. 222.
[3] In A Posse Estudos de Direito civil Português; Ed. Almedina Coimbra 1981. Pag. 224.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II. da Coimbra Editora Limitada; 3ª Ed. Revista e actualizada. Pag.
190.
Descritores:
Processo: 24.2003
Nº Convencional: 06/2013
SUMÁRIO
Não disponível.
*
Vejamos primeiramente as questões prévias suscitadas e que respeitam à
(ir)recorribilidade do acto impugnado e à (in)tempestividade do recurso
interposto.
Entende a e.r. que o acto impugnado é confirmativo do embargo anterior,
este datado de Julho de 2003, e que também se trata de um acto de
natureza provisória.
Entretanto após esse embargo de Julho, foi proferido despacho, após
requerimento da ora recorrente, pelo PCMP no qual foi ordenada a
suspensão do embargo. Assim sendo, tal despacho deve ser entendido
como acto revogatório desse embargo decretado em Julho de 2003. Tanto
é assim que após esse despacho foram retomadas as obras de construção
do muro de vedação.
Depois de retomadas as obras sobreveio o embargo de 26 de Setembro.
Esse embargo (de Setembro) possui executoriedade própria já que
determinou a paralisação das obras que estavam, de novo, em curso. Esse
embrago não é confirmativo do anterior por conter lesividade própria
para a esfera jurídica da recorrente. O embargo de Julho havia sido
revogado pelo já mencionado despacho do Presidente da CM.
A conclusão que se afigura correcta é a de que esse embargo de Setembro
não constitui um acto confirmativo do embargo de Julho pelo facto de
lesar por si próprio direitos da recorrente daí que seja contenciosamente
impugnável nos termos gerais.
O embargo administrativo definiu a posição jurídica última da entidade
pública e não está a sua duração ou execução dependente de qualquer
acto ou processo posterior produzindo por si efeitos que se projectam na
esfera jurídica de terceira pessoa, “in casu” da ora recorrente, sendo por
tal razão contenciosamente impugnável.
A ocorrência de acto administrativo posterior visará a resolução da
situação jurídica pendente em função dos novos factos que vierem a
ocorrer.
No que respeita à alegação de não se tratar de um acto definitivo, há que
ter em atenção que o artº 5º do DL 14-A/83 elegera o critério da
definitividade e executoriedade do acto administrativo como requisito
para a sua impugnação contenciosa.
A Constituição da República de 1992 veio diferentemente dispor no seu
artº 245º, alínea e), que os cidadãos podem impugnar contenciosamente
os actos da AP que lhes sejam lesivos. A recorribilidade ou
irrecorribilidade contenciosa dos actos administrativos prende-se agora,
face ao disposto no mencionado artigo 245°, alª e) (em conjugação com o
artº 22º, nº 1) da CRCV, não pelo facto de serem (ou não) definitivos e
executórios, mas sim por ofenderem[i] ou lesarem (ou não) direitos ou
interesses legalmente protegidos.
Nos termos dos arts. 245º, alª e) e 22º, nº 1, da CRCV, é garantido a todo o
cidadão o direito de acesso aos tribunais para obter a tutela jurisdicional
efectiva dos seus direitos sempre que estes tenham sido lesados.
Assim sendo, razoável é admitir que a precedência obrigatória de
impugnação administrativa deve ser mantida nos casos especialmente
previstos na lei[ii], a não ser que daí (desse recurso hierárquico necessário
ou obrigatório) resulte uma restrição intolerável ou a supressão do
exercício do direito de acesso ao contencioso administrativo.
O embargo decretado introduziu ou comportou efeitos pessoais para a
recorrente ou para a sua actividade que foram claramente afectados pela
emissão do referido acto e cuja tutela jurisdicional terá de ser efectuada
no âmbito do recurso contencioso.
Desde que se trate de um acto da AP (seja Central ou Local) que lesa
algum direito ou interesse legalmente protegido de determinado
particular, é-lhe facultada a via contenciosa para impugnar tal acto. “In
casu” o embargo de Set. 2003 causou prejuízos à recorrente (que
entretanto não quantificou) ou foi potencialmente idóneo a causar tais
prejuízos, dada a paralisação das obras dele decorrente.
Sendo tal acto directamente lesivo ou com potencialidade lesiva dos
direitos da recorrente, afectando negativamente a sua esfera jurídica
atendendo a que a obra havia sido autorizada pela própria e.r., mediante
licença de construção, que assume a natureza de acto constitutivo de
direito, tal embargo é directamente impugnável pela via contenciosa.
Relativamente à questão da tempestividade do recurso, importa ter
presente que a p.i. deu entrada na Secretaria desta Suprema Instância a
07.11.2003; sendo o embargo datado de 26.09. e o prazo para o recurso
de 45 dias (previsto no artº 16º, nº 1, do DL 14-A/83), conclui-se que o
recurso é tempestivo.
*
A recorrente pede a anulação do embargo administrativo ao qual imputa
os vícios de violação de lei, vício de forma e incompetência. Pede ainda a
condenação da e.r. a pagar-lhe uma indemnização no valor de um milhão
de escudos por danos decorrentes da ilegal paralisação das obras em
referência.
No que respeita à indemnização, embora cumulável nos termos do artº
21º, nº 5, do DL 14-A/83, todavia, tal pedido é de se rejeitar na medida em
que nem sequer a recorrente invocou os requisitos da responsabilidade
civil, em particular não alegou quais os danos que terá sofrido, nem muito
menos forneceu quaisquer elementos de prova que pudessem comprovar
a verificação de tais requisitos.
As fotografias de fs. 24 e 25, os únicos elementos de prova que a
recorrente apresenta, concernem às obras em curso ou já paralisadas e
não aos eventuais danos decorrentes de tal paralisação.
Cabe aferir da sorte do presente contencioso no que respeita a um
embargo de uma obra licenciada pela própria Câmara Municipal.
Alega a recorrente que o embargo foi decretado pela Vereadora da área
do Urbanismo pelo que esse acto está ferido do vício de incompetência.
Nos termos do 98º, nº 1, alª e), do Estatuto dos Municípios[iii] compete ao
PCM “Ordenar a demolição de quaisquer obras, construções e edificações
realizadas sem licença ou com inobservância das condições desta, dos
regulamentos e posturas e dos planos urbanísticos em vigor”, estando
implicitamente compreendida a competência para embargar obras.
Por outro lado, não foi sequer alegado que tivesse havido qualquer
delegação de poderes. Esta não se presume, antes decorre da verificação
de certos requisitos (vd. artº 103º do Estatuto dos Municípios) quais sejam
a existência de lei permissiva, acto delegatório e publicitação do acto
delegatório, requisitos que não se mostram preenchidos para além de não
terem sido alegados.
Defende a recorrente que o acto impugnado padece de vício de forma
uma vez que existe o vício de insuficiência de fundamentação.
Do auto de embrago consta o seguinte: “1. Suspensão de todas as obras
que contrariam os regulamentos existentes (o muro está interrompendo
uma via”. 2. Encetar negociações com a Direcção de Uranismo e vizinhos
que se sentem lesados; 3. Por conseguinte a Cooperativa deverá:
imediatamente suspender todos os trabalhos de construção que já deu
início em Cova de Minhoto e dirigir-se à direcção dos Serviços de
Urbanismo deste Município da Praia para legalizar a situação sob pena de
…”
Tem-se entendido que a falta de fundamentação traduz um vício de forma
na medida em que a AP não exprimiu correctamente como devia a sua
vontade normativa, razão por que esse vício afecta a forma de expressão
dessa vontade.
Daí que não procede a falta ou insuficiência de fundamentação do acto,
enquanto vício de natureza formal, se for possível conhecer, ainda que de
forma sucinta e abreviada, quer a fundamentação de facto, quer a
fundamentação de direito. Ora “in casu” é possível saber qual o
fundamento de facto que é o seguinte facto: “o muro está interrompendo
uma via”. E também a fundamentação de direito: as “obras que
contrariam os regulamentos existentes”.
“In casu”, porém, houve explicitação das razões que levaram a Vereadora
da CM a ordenar o embargo, fundamentação que foi compreendida pela
destinatária do acto, a ora recorrente, que assim se dispôs a impugnar tal
acto contenciosamente, esgrimindo as suas razões em sede do presente
recurso. Daí que não se verifica o alegado vício de forma.
*
Algo diferente consiste em saber se a fundamentação apontada pela e.r.
está em conformidade com a lei, pelo que cabe aferir se se verifica o vício
de violação de lei.
Tratando-se o embargo de um acto sobre acto e que visa a tutela da
legalidade urbanística – o interesse público específico a prosseguir pela AP
- cabe indagar sobre quem recai o ónus da prova da infracção urbanística.
“In casu” o facto alegado e imputado à recorrente é o de que o muro em
construção vai ou está a interromper uma via pública; lê-se no auto de
embargo (fs. 9) que “… o muro está interrompendo uma via”; porém, não
foram apontados os elementos probatórios com base nos quais chegou a
e.r. a tal conclusão.
No ponto 34. da sua resposta afirma a recorrida que “a recorrente, em vez
de aceder ao convite que lhe foi dirigido pela vereadora no sentido de se
dirigir à Direcção do Uranismo da Câmara para a reapreciação da questão
à luz das queixas apresentadas por vizinhos … ignorou o convite…” . E, no
ponto 38. da sua resposta, acrescenta que “Quanto ao processo
administrativo referente ao assunto objecto do recurso, a Câmara não
dispõe de mais documentação a ele respeitante, para além da que foi
junta pela recorrente”.
A verdade é que a e.r. não juntou efectivamente qualquer documento ou
outro elemento de prova, nomeadamente qualquer averiguação ou
inspecção que tivesse mandado efectuar ou eventual prova pericial.
Ora no caso dos autos estamos perante uma obra que fora previamente
licenciada pela CMP, isto é, fora observado o disposto no artº 50º nº 3 da
Lei nº 85/IV/93 (sujeição do direito de edificar à prévia aprovação
municipal).
Em tal caso o ónus da prova de que a construção licenciada não estava a
respeitar ou obedecer as normas urbanísticas vigentes ou o próprio alvará
que havia sido outorgado recai sobre a e.r., o que se traduz em infracção
urbanística imputada à ora recorrente. Tal ónus recai sobre a AP a quem
cabe fazer a prova dos elementos constitutivos da infracção urbanística.
Como já se referiu a e.r. não juntou qualquer elemento de prova que
demonstrasse a veracidade ou a efectiva verificação do facto alegado, isto
é, que “… o muro está interrompendo uma via”, antes referindo que terá
havido “… queixas apresentadas por vizinhos…” e que a Câmara “não
dispõe de mais documentação a ele respeitante, para além da que foi
junta pela recorrente”. Cabe efectivamente interrogar sobre se a e.r. se
terá unicamente estribado em “queixas apresentadas por vizinhos” ao
decretar tal embargo.
Da documentação junta pela recorrente, logo com a sua p.i., consta o
documento de fs. 23, subscrito por “Arquitecto e Mestre em Planeamento
Urbano”, do qual consta explicitamente que “a construção do muro de
protecção do condomínio X está de acordo com o solicitado a CMP e não
infringe quaisquer normas construtivas em vigor”.
Ora nem sequer tal documento, a que cabe ao tribunal livremente
apreciar a sua força probatória, foi de algum modo controvertido pela e.r.
O embargo configura uma medida de tutela cautelar da legalidade
urbanística traduzida na suspensão imediata dos trabalhos em curso e
consequente paralização ou suspensão da licença, quando esta tenha sido
previamente concedida. Por estarmos perante uma obra licenciada, o
embargo traduz-se num acto sobre acto (ou acto de 2º grau) na medida
em que os seus efeitos vão repercutir-se sobre acto anterior que é o acto
de licenciamento da obra, cujos efeitos são suspensos.
Não conseguindo a e.r. comprovar o já mencionado elemento fáctico da
infracção urbanística, tal significa que o embargo decretado padece do
vício de violação de lei, de natureza residual, já que não está demonstrado
que o interesse público, de natureza urbanística na alegada passagem de
uma via pública, foi desrespeitado pela ora recorrente.
Nestes termos deve proceder o presente recurso com a consequente
anulação do embargo impugnado.
III. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto:
Registe e notifique.
Praia, 18/02/2013,
___________________________________
(Texto revisto e confirmado pelo Juiz Relator)
[i] A redacção inicial do artº 267º, nº 1, alª d), da CRCV de 1992 referia-se a actos “que
ofendam os seus direitos ou interesses legítimos”; a ideia de lesividade aparece na alª e) do
artº 241º da CRCV, após a revisão constitucional de 1999.
[ii] É nomeadamente o caso dos actos praticados por um vereador no uso de poderes que lhe
foram delegados pelo Presidente da Câmara, atendendo ao disposto no artº 104º, nº 2, do
Estatuto dos Municípios (“Dos actos … dos vereadores, no uso de competência delegada ou
subdelegada, cabe recurso necessário para a entidade delegante, com efeito suspensivo”).
Processo: 36.10
Nº Convencional: 125/2013
SUMÁRIO
Não disponível.
EXPOSIÇÃO
ACÓRDÃO Nº125/2013
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
em conformidade com a exposição que antecede e se dá aqui como
integralmente reproduzida em julgar extinta a instância por inutilidade
superveniente da lide, (artº287º do CPC anterior).
Custas pelo recorrente
Praia, 31 de Julho de 2013
Dr: Raul Querido Varela- relator,
Manuel Alfredo M. Semedo e
Anildo Martins
Descritores:
18,