A Vulnerabilidade Social Sob A Perspectiva Do Idoso
A Vulnerabilidade Social Sob A Perspectiva Do Idoso
A Vulnerabilidade Social Sob A Perspectiva Do Idoso
ENVELHECIMENTO HUMANO
RESUMO
INTRODUÇÃO
O crescimento da população idosa é tido como uma das mais relevantes transições
demográficas, acontecendo de modo rápido e abrupto, sobretudo nos países em
desenvolvimento, sem adequado acompanhamento do progresso social e econômico. Um
reflexo dessas transformações pode ser observado por meio das projeções estatísticas
internacionais, em que, nos anos entre 2000 e 2050, a proporção de habitantes do planeta
1
Graduando do Curso de Enfermagem do Centro Universitário de João Pessoa, [email protected]
2
Graduanda do Curso de Enfermagem do Centro Universitário de João Pessoa, [email protected]
3
Mestre do Curso de Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, [email protected]
4
Doutora pelo Curso de Sociologia da Universidade Federal da Paraíba, [email protected]
5
Professor orientador: Mestre, Centro Universitário de João Pessoa, [email protected]
maiores de 60 anos irá duplicar, passando de 11% a 22%. Em números absolutos, este grupo
passará de 605 milhões para 2000 milhões no decurso de meio século (WHO, 2014).
A velhice constitui-se um fenômeno heterogêneo e múltiplo, visto que está relacionado
às formas materiais e simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo, variando com a
época, o local e a cultura em que vivem, apresentando-se em cada ser humano de modo singular.
Na análise do processo de envelhecimento, na perspectiva social, ressalva-se que o fenômeno
é permeado por questões socioeconômicas, culturais e psicológicas, cuja ação social
generalizada é de tratar os idosos com atitudes paternalistas, privando-os da função de
interlocutores válidos e desrespeitando a sua individualidade. Evidencia-se ainda os conflitos
intergeracionais, que podem apresentar como consequência o isolamento e a solidão
(FERNANDES; GARCIA, 2010; ALENCAR; CARVALHO, 2009).
O aumento da proporção de idosos na população brasileira suscita a discussão acerca da
necessidade de instrumentos e modelos teóricos, que direcionem a prática em relação à saúde
do idoso e compreendam a sua amplitude e complexidade. Para tanto, no contexto da
gerontologia, explora-se o conceito da vulnerabilidade, definido como o estado de indivíduos
ou grupos que, por alguma razão, têm sua capacidade de autodeterminação reduzida, podendo
apresentar dificuldades para proteger seus próprios interesses devido a déficits de poder,
inteligência, educação, recursos, força ou outros atributos (RODRIGUES; NERI, 2012).
Destaca-se no presente estudo a dimensão da vulnerabilidade social, a qual se atribui ao
modo de obtenção das informações, como o acesso aos meios de comunicação, a
disponibilidade de recursos cognitivos e materiais, a escolaridade, o poder de participar nas
decisões políticas e institucionais, bem como as possibilidades de enfrentar barreiras culturais,
estar livre de coerções violentas ou poder defender-se delas. Destarte, deve-se considerar as
condições culturais, econômicas e políticas caso se deseje compreender as razões pelas quais
os indivíduos pensam, fazem e querem coisas que os expõem a um agravo de longa duração ou
a eventos que não condizem com a qualidade de vida (AYRES et al, 2012).
O grau de vulnerabilidade submete-se a uma série de combinações dos elementos dos
três domínios físico, social e programático, bem como as experiências relativas a cada um deles
no passado e como lidaram e lidam com as facilidades e dificuldades da vida (AYRES et al,
2012). O constructo ora apresentado auxilia na reflexão de como a presença ou a ausência de
problemas físicos, psicológicos ou sociais podem influenciar a qualidade de vida e a percepção
de saúde. Diante disso, objetivou-se com o presente estudo identificar a presença de
vulnerabilidade social entre a população estudada.
METODOLOGIA
DESENVOLVIMENTO
Tabela 1 – Distribuição da regressão linear dos indicadores que compõe o IVS. João Pessoa –
PB – 2014 - Brasil (n = 368).
Variável B Coeficiente ß p
* Estatisticamente significativo
Por meio do modelo de regressão logística foi possível analisar as relações entre os
índices de vulnerabilidade social e o IVS. Verificou-se que o modelo mostrou um ajuste
excelente, indicando que o conjunto dos índices representou 56,6% da variabilidade do escore.
No que diz respeito aos coeficientes dos indicadores que compõem o IVS, evidenciou-se que a
disponibilidade de rede de esgoto foi o maior preditor de influência (ß = 0,427), demonstrando
que, quanto menor o acesso ao saneamento básico, maior é o escore do IVS, ou seja, maior será
a vulnerabilidade social. Destaca-se também o alcoolismo no domicílio (ß = 0,237) e o
analfabetismo entre maiores de 15 anos e menores de 65 (ß = 0,212), conforme demonstrado
na tabela 1.
A problemática da vulnerabilidade social vem assumindo uma visibilidade crescente,
visto que se propõe a compreender determinados eventos como resultado de um processo social
que remete à condição de vida e aos suportes sociais. Sabe-se que o comportamento protetor
relacionado à saúde não é resultado apenas de acesso a informações e volição, mas passa por
coerções e recursos de natureza cultural, econômica, política e jurídica, distribuídos entre os
gêneros, países, segmentos sociais, grupos étnicos e faixa etária. O resultado da integração
desses diferentes aspectos resulta em debilidades ou desvantagens para o desempenho e
mobilidade social dos atores e está relacionado com o maior ou menor grau de qualidade vida
dos indivíduos (AYRES et al., 2009; MORAIS; RAFFAELLI; KOLLER, 2012).
Após a mensuração do índice de vulnerabilidade social entre os idosos, identificou-se
que 80% da população idosa investigada residia em áreas de baixa vulnerabilidade,
corroborando com estudo semelhante realizado no Estado de São Paulo. Entretanto, pesquisas
semelhantes desenvolvidas em diferentes contextos evidenciaram maior prevalência de idosos
domiciliados em áreas de média e alta vulnerabilidade social. Essa discrepância pode ser
justificada pelo fato de o IVS ser parcialmente construído por indicadores da mortalidade
precoce e socioeconômicos da população mais jovem que compõe a rede familiar, bem como a
possível preferência do Agente Comunitário de Saúde em encaminhar o entrevistador para
residências mais acessíveis e estruturadas (SANTOS; PAVARINI, 2012; BRAGA et al, 2010).
As mudanças demográficas aceleradas, ocorridas nas décadas recentes no país, levaram
a um crescimento da população idosa sem adequação das estruturas de suporte, como a saúde.
Circunstâncias sociais e econômicas determinam condições desiguais de vida e de trabalho,
com acesso diferenciado à alimentação, à habitação, à educação, entre outros aspectos,
influenciando na construção do capital social e dos comportamentos e estilos de vida, que
expõem os indivíduos a uma condição de vulnerabilidade (GEIB, 2012).
As desigualdades e iniquidades sociais, como ausência de saneamento básico,
alcoolismo e analfabetismo, demonstram relações diretas com as condições de saúde. Nesse
contexto, discutem-se os Determinantes Sociais de Saúde (DSS), os quais correspondem a um
conjunto de fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e
comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco
na população, constituindo uma rede complexa de fatores interrelacionados e condicionadores
do processo saúde-doença na especificidade do indivíduo e na abrangência do modo de vida
coletivo. Ressalta-se que a saúde e seus determinantes necessitam ser pensados na dimensão
social, cultural e econômica, que se manifestam no ambiente onde o indivíduo e sua
coletividade se inserem (GEIB, 2012; SANT’ANNA et al, 2010).
As características de determinada comunidade correspondem a uma diversidade e a uma
complexidade de fatores que pertencem às condições de vida e saúde local. Destarte, o presente
estudo levantou dados de diferentes setores censitários com variadas infraestruturas básicas,
evidenciando que a disponibilidade de uma rede de esgoto estruturada e água tratada contribuía
para menores índices de vulnerabilidade social entre os domiciliados. O saneamento básico,
definido como um conjunto de ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta
de lixo, é um dos fatores determinantes da saúde. Deve ser compreendido como um direito dos
cidadãos e um item imprescindível para a qualidade de vida, por reduzir de forma significativa
os indicadores como a mortalidade infantil e a ocorrência de epidemias (SANT’ANNA et al,
2010; ANDREAZZI; BARCELLOS; HACON, 2007).
Apesar de ser um direito estabelecido na Constituição Federal do Brasil, por meio das
diretrizes gerais do saneamento e entre as atribuições do SUS, verifica-se que os projetos foram
focalizados em áreas urbanas, começando pelos grandes centros e gradativamente estendendo
suas ações para as regiões periféricas, em que quanto menor a renda per capita e o número
médio de anos de estudo, mais vulnerável está a população à exclusão sanitária (JULIANO et
al, 2012; TEIXEIRA; GOMES; SOUZA, 2012).
Dessa forma, a infraestrutura deficiente desempenha uma interface com a situação de
saúde e com as condições de vida das populações dos países em desenvolvimento, em que as
doenças infecciosas continuam sendo uma importante causa de morbidade e mortalidade,
demonstrando a fragilidade dos sistemas públicos de saneamento. Tais condições inadequadas
a que essas populações estão submetidas por gerações, restringem suas opções de vida e
influenciam suas práticas de saúde, expondo adultos e crianças a riscos para doenças e agravos,
deficiências físicas, limitações da atividade e restrições à participação social (TEIXEIRA;
GOMES; SOUZA, 2012; DRACHLER et al, 2014).
Evidenciou-se, no presente estudo, o expressivo fator de impacto do alcoolismo no
índice de vulnerabilidade social. O álcool é a droga psicoativa mais utilizada em todo o mundo,
sendo considerado um problema de saúde pública por acarretar consequências em todos os
setores da vida. Entre os possíveis fatores associados ao alcoolismo, destacam-se os biológicos
(quando há uma predisposição genética e o metabolismo alterado do álcool ocasiona uma
resposta fisiológica inadequada), os psicológicos (favorecidos pela baixa autoestima, busca de
prazer e prevenção da dor e relações familiares prejudicadas), e os socioculturais, determinados
pela disponibilidade e aceitação cultural do uso abusivo de substâncias, atitudes, normas e
valores culturais, nacionalidade, etnicidade e religião (GONÇALVES; GALERA, 2010; SENA
et al, 2011).
Independentemente da etiologia, o alcoolismo constitui uma patologia que pode ser
considerada uma das mais graves para a humanidade, devido a suas implicações não se
restringirem ao indivíduo em si, mas todos aqueles que convivem com ele diretamente e
indiretamente. Acomete suas relações sociais, o âmbito familiar e a sociedade, seja pelas
implicações financeiras ou pela natureza emocional, associando-se a acidentes, mortes no
trânsito, delinquência, violência, ruptura e desorganização das relações interpessoais (SENA et
al, 2011).
O cotidiano da maioria das famílias que convivem com o alcoolismo pode ser caótico,
marcado por inconsistência e fragilidade nas relações afetivas, causando distanciamento
emocional entre seus membros além dos conflitos e crises existenciais frequentes em que os
familiares convivem com a infelicidade, a ansiedade e o sentimento de impotência diante da
situação vivenciada. Sabe-se que os crescentes desentendimentos familiares e afetivos surgem
a partir do hábito do consumo de bebidas alcoólicas no seio intrafamiliar, culminando em
delitos de médio e baixo potencial ofensivo, entre os quais se pode citar a violência doméstica
(SENA et al, 2011; GONÇALVES; GALERA, 2010).
O consumo de álcool entre a população idosa foi descrito como um problema complexo
e multifatorial, caracterizado por uma epidemia invisível, uma vez que os problemas e, por
conseguinte, os índices são subestimados e mal identificados. Embora a literatura aponte a
prevalência do uso de álcool entre os jovens, estudos demonstraram uma prevalência de 14,3%
de consumo entre os idosos, sendo 10 vezes maior entre os homens (PILLON et al, 2010; LIMA
et al, 2009; GEIB, 2012).
Considerado um fator de risco para doenças cardiovasculares, diabetes, doenças
hepáticas, doenças cerebrovasculares e determinados tipos de câncer, a utilização frequente do
álcool culmina em consequências negativas, sobretudo para os idosos devido às mudanças
fisiológicas relacionadas à idade. A quantidade elevada de gordura corporal, a redução da massa
muscular e a diminuição no metabolismo hepático contribuem para a manutenção de níveis
prolongados de álcool no sangue, aumentando os efeitos deletérios no organismo, mesmo se
consumido em pequenas doses (PILLON et al, 2010; LIMA et al, 2009; GEIB, 2012).
Ainda que o idoso apresente menor probabilidade de usar drogas, uma vez exposto a
alguma delas, é particularmente vulnerável ao desenvolvimento da dependência. O abuso do
álcool provoca efeitos claros e profundos na saúde e no bem-estar, com risco para o
desenvolvimento de problemas físicos e psicológicos, como baixa autoestima, enfraquecimento
da habilidade de enfrentamento e comprometimento das relações interpessoais e sociais
(PILLON et al., 2010)
A identificação precoce do alcoólatra permite aos profissionais planejarem o cuidado
tanto no âmbito individual quanto no coletivo, compreendendo que a família que convive com
um membro alcoolista constitui prioridade no contexto das políticas de saúde e, especialmente,
das políticas de saúde mental, considerando que todos os membros da família são vulneráveis
a agravos ao ter que compartilhar a situação do alcoolismo, rompendo com o modelo de
assistência fragmentada, cuja ênfase tem sido apenas na pessoa dependente (LIMA et al, 2009).
Ressalta-se que, por meio do IVS, é possível reconhecer as iniquidades sociais, culturais
e econômicas, utilizando-as na identificação de áreas socialmente vulneráveis, permitindo,
assim, alocação de recursos e adequação das ações a serem desenvolvidas de forma equitativa,
objetivando a integralidade e a universalidade da atenção à saúde por meio de ações
descentralizadas e intersetoriais, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados, concluiu-se que a maioria dos indivíduos entrevistados residiam
em áreas de baixo índice de vulnerabilidade social. Ao analisar quais indicadores mais
contribuíram para o aumento do IVS, verificou-se que o baixo acesso à água tratada, ausência
de rede de esgoto estruturada e alcoolismo no domicílio influenciaram no aumento da
vulnerabilidade social entre os idosos entrevistados.
O conceito da vulnerabilidade permite a reflexão sobre os diversos componentes que
interferem no estado de saúde, devendo-se considerar as condições individuais, sociais,
econômicas e políticas caso se deseje compreender as atitudes que expõem os indivíduos à
maior suscetibilidade ao adoecimento e incapacidades.
Em decorrência do acentuado crescimento da população idosa e as dificuldades
enfrentadas por essa parcela da população, ressalta-se a importância do conhecimento dos
idosos vulneráveis, especialmente por estes poderem subsidiar, com um aporte teórico, a
construção de uma adequada assistência ao idoso, assim como a elaboração de estratégias de
intervenção à saúde de forma integral e resolutiva, além de servir como embasamento para o
desenvolvimento de estudos que possam subsidiar a prática que envolve o cuidado da
enfermagem com a pessoa idosa.
Diante de tais ponderações, espera-se que este estudo instigue novas reflexões a partir
do aprofundamento das investigações clínico-científicas em diferentes cenários geográficos,
especialmente na atenção primária à saúde, devido ao acesso à clientela e seu elevado potencial
na prevenção e na identificação precoce de idosos vulneráveis. Destaca-se que com o estímulo
ao desenvolvimento de práticas educativas compatíveis com os valores e condições sociais da
população em questão, dada a importância do compartilhamento de saberes, sobretudo na
prevenção de agravos.
REFERÊNCIAS