Aula 7 - Remoção Seletiva de Cárie

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AULA 7: REMOÇÃO SELETIVA DE CÁRIE

A remoção seletiva de cárie fica entre o tratamento cirúrgico e o tratamento preventivo da


lesão de cárie.

A remoção seletiva de cárie pode ser indicada para dentes decíduos e permanentes, tanto em
dentes anteriores quanto posteriores, ou seja, não existe restrição quanto ao tipo de dente a
ser tratado.

Objetivos do tratamento:

O objetivo geral da remoção seletiva de tecido cariado que é manter o dente e a saúde, tanto
do ponto de vista da viabilidade (continua depositando dentina ao longo do tempo), quanto da
sensibilidade (polpa vai sinalizar se está tudo bem ou não através da sensibilidade), do tecido
pulpar pelo maior tempo possível. No caso de dentes decíduos o dente deve estar viável até a
esfoliação e sucessão pelo permanente, já os permanentes devem estar viáveis por toda a vida
do indivíduo.

Os objetivos específicos envolvem:

● Prevenção da exposição do tecido pulpar

● Preservação de tecido dentário (remove apenas o tecido que é inviável de ficar na


cavidade, o remanescente será tratado a fim de que permaneça na cavidade)
● Favorecimento da resposta defensiva da polpa (reduz a intensidade da agressão
favorece a capacidade defensiva)
● Adequação da cavidade bucal – criança chega com muitos dentes cariados, faz uma
remoção seletiva, coloca material provisório e depois restaura com o permanente;
esse procedimento é bom pois atende vários dentes em uma única sessão se os dentes
forem candidatos a esse tipo de tratamento
● Controle da ansiedade (particularmente no caso de pacientes infantis)

Pode ser lançado mão desse tratamento em alguns tratamentos, por exemplo:

● Capeamento pulpar indireto

● Tratamento restaurador atraumático (TRA)

● Adequação do meio bucal

Evolução da lesão de cárie: resposta do complexo dentino-pulpar à injúrias

Mecanismos de defesa

Na imagem ao lado podemos observar um corte de um dente com


uma lesão de cárie em esmalte, e tem-se um começo de
comprometimento da dentina. Já existe uma certa reação no tecido
dentinário (área esbranquiçada). Devemos deixar que essa reação
ocorra, pois é um processo inerente, que o próprio complexo
dentino-pulpar abre mão para se defender.
Assim como ocorre em outros tecidos conjuntivos, no tecido pulpar tudo depende do
equilíbrio entre a intensidade da agressão e a capacidade de defesa. A agressão no caso da
cárie, são os microrganismos, que causam a patologia. Nossa função é diminuir o peso da
agressão (injúria química, temperatura, injúria microbiológica), permitindo uma maior defesa
do complexo dentino-polpa.

Os mecanismos de defesa do complexo dentino-pulpar são:

● Inflamação: como todo tecido conjuntivo as respostas se iniciam pela inflamação, que
é uma forma de sinalização para as células de que algo errado está ocorrendo e não
está adequado. Essas células passam a se preparar para defender o tecido.
● Deposição de dentina intratubular e dentina terciária: essas células como forma de
defesa começam a depositar dentina dentro do túbulo dentinário que vão inviabilizar a
difusão dessas bactérias e também vão depositar dentina na periferia da câmara
coronária, tentando distanciar dessa frente de invasão microbiana. Essas células são os
odontoblastos (vão receber e identificar o estímulo nocivo).

Dentina intratubular – denominada clinicamente de dentina esclerótica

● Mais escurecida

● Durante o processo de remoção de cárie é mais dura do que as camadas anteriores


que forem removidas anteriormente (não é mais dura do que a dentina saudável, é
mais dura em comparação às outras camadas de dentina cariada)
● A remoção de tecido cariado deve parar antes da dentina esclerótica

● Túbulos dentinários estão fechados pelos prolongamentos dos odontoblastos que


liberam matriz dentinária, que são mineralizados.
● É resultado de um fenômeno biológico (célula que promove o vedamento) e de um
fenômeno físico (precipitação de cristais)
● A dentina esclerótica não é impermeável (não ocorre em todos os túbulos então ainda
tem certa permeabilidade – não podemos colocar qualquer material pois pode agredir
a polpa)
● Não ocorre em toda a extensão da parede pulpar da cavidade.

Dentina terciária

● Pode ser do tipo reacional ou reparadora (clinicamente não podem ser diferenciadas, a
única situação clínica que pode formar dentina reparadora é no caso de exposição
pulpar, pois tem morte de odontoblastos)
● Se forma em resposta a um agente agressor (em resposta a uma patologia)
Zonas histológicas da lesão de cárie profunda em dentina

1. Necrose tecidual: o tecido perde completamente sua caracterização, não tem


capacidade de reparação ou de modificação.
2. Zona de contaminação: fica abaixo da área de necrose
3. Zona de desmineralização
4. Zona translúcida (esclerótica): corresponde a deposição de dentina intratubular
5. Dentina terciária

Em uma cavidade de média profundidade não existe tempo e nem espaço suficiente para
formação de todas essas camadas, ou se formam são mais finas (a transição é mais suave,
portanto, mais difícil de identificar onde começa uma e termina outra camada).

Uma das camadas se chama zona de contaminação, pois é o segundo lugar que tem mais
microrganismos (vai ocorrendo uma diminuição gradual à medida que vai avançando de uma
camada para outra).

A invasão da dentina por microrganismos via túbulos dentinários precede as alterações visíveis
clinicamente. Mesmo que se remova tudo que consideramos ser tecido cariado, mesmo assim
teremos bactérias dentro dos túbulos dentinários. Portanto, mais importante do que remover
todo o tecido cariado é o selamento das margens da cavidade.

Microbioma da dentina cariada profunda

Devemos remover a maior carga microbiana da dentina e como consequência iremos reduzir a
agressão e favorecer a defesa dentino-pulpar.

As 10 bactérias mais abundantes são microorganismos que estão associados à cárie. Os genes
mais abundantemente identificados na camada mais profunda da lesão de cárie estão
associados ao metabolismo de carboidratos, aminoácidos e transporte de membrana. Tudo
isso acontece pelo grau de acidificação do macroambiente, gradiente de oxigênio e acesso a
nutrientes.

Dentina infectada X dentina afetada


Existem aquelas camadas histológicas que não podem ser vistas clinicamente, mas a
combinação das camadas resulta em duas zonas: uma mais superficial na lesão de cárie, que se
chama dentina infectada, e uma mais abaixo, a dentina afetada.

Dentina infectada:

● Tecido necrótico – pálido

● Consistência amolecida – facilmente removida com cureta, sem muita pressão

● Rica em microrganismos proteolíticos, duas vezes mais bactérias do que a dentina


afetada
● Não passível de remineralização

● Deve ser removida

Dentina afetada

● Acastanhada

● Consistência semelhante ao couro – mais resistência e remoção com cureta

● Rica em bactérias acidogênicas

● Passível de remineralização

● Deve ficar na cavidade para ser mais conservador e não correr risco de expor o tecido
pulpar

Um molar decíduo, por exemplo, com lesão de cárie extensa deve ser feito a remoção
completa da dentina necrótica, remoção superficial da dentina contaminada e depois estender
as margens de esmalte e dentina até uma região sadia. É importante limpar as margens para
ter um melhor selamento dos microrganismos dentro da cavidade.

Propriedades ideais do material restaurador

● Biocompatível

● Bioativo – indutor de mineralização

● Atividade antimicrobiana

● Adesivo à dentina

● Boas propriedades mecânicas

● Insolubilidade

Dentre todas essas propriedades a mais importante é a de biocompatibilidade para que não
seja tóxico, para manter a vitalidade e a viabilidade do tecido pulpar.
Existe uma gama de materiais restauradores para serem usados como forradores cavitários
para proteção pulpar. No entanto, não devemos utilizar os sistemas adesivos ou resinas nessa
situação. Devemos usar um material que tenha biocompatibilidade.

A adesão à dentina afetada por cárie é inferior, cerca de 30-50% da dentina hígida.

A utilização de cimentos de ionômero de vidro e de um cimento de hidróxido de cálcio após


remoção seletiva de dentina cariada resultou em redução significativa de bactérias
cariogênicas viáveis e promoveu alterações da dentina afetada por cárie clinicamente
favoráveis.

Ciência dos 3Bs - o material mais ideal seria o preenchesse os 3Bs:

● Bio+compatível: que não causa danos ao organismo

● Bio+ativo: que reproduz ações biológicas indutoras e/ou protetoras

● Bio+mimético: que imita a estrutura da natureza

O material que mais preenche esses requisitos são os CIVs, então, possuem
biocompatibilidade, bioatividade (pois atuam como remineralizadores), biomiméticos pois
possuem algumas propriedades que se assemelham ao tecido que está sendo aplicado (não
em relação a estética, mas sim ao módulo de elasticidade que é muito semelhante à dentina, e
coeficiente de expansão térmica próximo a dentina). Esses materiais selam bem a interface,
promovendo bom selamento. São os mais bem indicados para remoção seletiva de tecido
cariado.

Podem ser aplicados com segurança em cavidades profundas: vitrebond modificado por
resina, Riva nas duas versões, tanto modificado por resina quanto o químico. O biodentine é
um biosilicato, além dos cimentos de hidróxido de cálcio.

Os cimentos de ionômero de vidro e cimento de hidróxido de cálcio possuem


biocompatibilidade, mas quanto às outras propriedades o CIV ganha do hidróxido de cálcio. O
nosso material de escolha será o CIV (aqueles que sabemos que tem compatibilidade
biológica), mas isso não significa que os outros estão errados.

Remoção seletiva de cárie – critérios de diagnóstico

1. Dados da anamnese:

● Presença e tipo de dor: para as lesões poderem ser submetidas à remoção parcial de
cárie o dente deve ser assintomático, ou seja, dor ausente ou dor provocada (cessa
assim que o estímulo é removido).
● A questão é que às vezes a criança não consegue dar informações se dói sozinho ou se
dói quando come, devemos lançar mão de outros critérios.

2. Características clínicas

● Lesão extensa de cárie

● Ausência de mobilidade patológica


● Ausência de edema gengival e/ou fístula

● Elemento dental passível de ser restaurado

3. Aspectos radiográficos

● Presença de tecido dentinário radiopaco entre a cavidade de cárie e a câmara pulpar

● Ausência de lesão apical/furca

● Deformação da anatomia interna da câmara pulpar

Devemos juntar todas essas informações para definir um diagnóstico. Exemplo, criança de 4-5
anos, com uma lesão de cárie extensa, sem edemas, fístulas, mobilidades. Radiograficamente é
observada uma área de radiopacidade e uma linha entre câmara coronária e polpa. Sem
problemas na região de furca. Nesse caso, optamos por fazer uma radiografia interproximal
primeiro, caso suspeitemos de algum problema podemos completar com a periapical.

As lesões profundas são definidas como lesões que ultrapassam a metade da espessura da
dentina que recobre o tecido pulpar.

Em dentes permanentes, deve ser realizada a remoção seletiva de dentina cariada, uma vez
que essa técnica resulta em um menor número de complicações pulpares, como a exposição
do tecido, quando comparada à remoção não seletiva.

A remoção seletiva de cárie faz parte de alguns procedimentos:

1. Capeamento pulpar indireto

● Um dente ou dois, se forem dentes vizinhos

● Anestesia infiltrativa ou troncular

● Isolamento, preferencialmente absoluto

● Utilização de instrumentos rotatórios

● Restauração definitiva na mesma sessão clínica

● Sem reabertura

● Limite de remoção de tecido cariado: definido pelo profissional com base nos
parâmetros clínicos de dureza e coloração do tecido dentinário cariado; limpeza
adequada das paredes laterais.

2. Tratamento restaurador atraumático (TRA)

● Número de dentes compatível com a idade e tempo de atendimento


● Sem anestesia

● Isolamento relativo

● Curetas afiadas (instrumento rotatório se necessário acesso à lesão)

● Restauração definitiva na mesma sessão clínica

● Sem reabertura

● Limite de remoção de tecido cariado: definido pela reação do paciente (quando


começar a doer devemos parar).

Capeamento pulpar indireto – procedimento clínico

1. Dados da anamnese + características clínicas + aspectos radiográficos = remoção


seletiva de cárie
2. Anestesia
3. Isolamento
4. Profilaxia dental para remoção de biofilme (1 vez após o isolamento e outra vez depois
da remoção da lesão de cárie)
5. Remoção de cárie propriamente dita:
● Instrumentais: curetas e brocas.

● Curetas afiadas e de tamanho compatível para iniciar o procedimento. Sem


exercer muita pressão é possível remover a dentina infectada. A cureta
(trabalha por corte) deve ser parada quando sentir o tecido mais endurecido,
pois chegou na dentina afetada.
● Brocas novas e de tamanhos compatíveis (nº 4, 6, 8). Devem ser utilizadas em
baixa velocidade. A força exercida com a broca é menor que a exercida com a
cureta. Ela trabalha por abrasão.
6. Colocação de um material sobre a cavidade (ex: vitrebond) que seja bioativo,
biocompatível, antimicrobiano, baixa solubilidade, adesivo, boas propriedades
mecânicas.
7. Pode ser feito a finalização com resina por cima para concluir o procedimento
restaurador adesivo, onde se respeitou os preceitos biológicos e técnicos, por ter
respeitado a polpa, preservado a estrutura dentária, selecionado as melhores opções
quanto aos materiais e técnicas adesivas.
8. Tudo deve ser feito na mesma sessão, sem reabertura posterior.

OBS: Não usamos mais a irrigação com água de hidróxido de cálcio para fazer a assepsia
previamente à restauração. Atualmente usamos a clorexidina a 0,12% em cavidades
profundas, e clorexidina a 2% em cavidades médias. Tem atividade antimicrobiana e inibição
de algumas enzimas como as MMPs, CCs, colagenase bacteriana. Ao usar a clorexidina
inativamos cerca de 30% dos microorganismos na cavidade, pois não tem muita capacidade de
penetrar nos túbulos dentinários (a clorexidina vai limitar o substrato para as bactérias
produzirem ácidos e dissolver a dentina).

Incompatibilidade biológica –não podemos usar resina composta como base


● Maior umidade da dentina

● Ausência de bioatividade

● Pequena área de dentina intertubular (camada híbrida)

● Empoçamento do adesivo

● Camada irregular do adesivo

● Dificuldade de evaporação de solventes

● Volume final de composto – volume da resina vai ser muito grande e contrai e
expande muito mais que os tecidos dentários. O desafio da interface é muito maior do
que quando utilizamos o CIV, desafiando as margens da restauração.
● Devemos sempre colocar o CIV no fundo da cavidade, para que se torne de média
profundidade com assoalho regular, e a partir daí podemos fazer o procedimento
restaurador.

Acompanhamento clínico e radiográfico

O dente deve ser avaliado clinicamente e radiograficamente uma vez por mês durante os
primeiros 3 meses, e depois aos 6 meses e 12 meses de procedimento.

Após 3 anos o índice de sucesso chega a aproximadamente 94%, por isso, vale a pena lançar
mão da remoção seletiva de cárie.

Os casos de insucesso estão relacionados com o incorreto diagnóstico inicial e a falha de


selamento da restauração.

Quais são os resultados esperados a longo prazo:

● Ausência de sensibilidade dolorosa

● Remineralização do tecido dentinário remanescente (dentina contaminada), devido ao


aumento da dureza desse tecido
● Redução expressiva e/ou inativação dos microrganismos intencionalmente mantidos
na cavidade
● Não progressão da lesão de cárie

Ao fim da aula devemos conseguir responder...

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