Flávia Pereira Serra
Flávia Pereira Serra
Flávia Pereira Serra
SÃO LUÍS
2018
SÃO LUÍS
2018
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Banca Examinadora
SÃO LUÍS
2018
5
AGRADECIMENTOS
Durante esses dois anos, os aprendizados que tive foram muito além dos
conhecimentos advindos dos estudos e discussões de textos teóricos. Hoje, posso dizer que
concluí uma das etapas mais árduas que já enfrentei e que isso não seria possível sem o apoio
e suporte de algumas pessoas, às quais dedico essa dissertação.
Agradeço, primeiramente, a Deus, por ser/ter sido minha maior companhia durante
esses meses; por ter me apoiado, enxugado cada lágrima e por ter me dado ânimo e força para
sempre seguir em frente.
A minha família, meus pais e meus irmãos, por todo suporte, compreensão, carinho e
amor demonstrados durante toda minha vida. Sou grata a Deus por ter escolhido cada um de
vocês para fazer parte da minha história.
Aos amigos de escola, em especial Neylla e Nayara, por serem as irmãs que Deus
enviou para cuidar de mim. Obrigada pelas conversas, saídas, conselhos e apoio, que foram
fundamentais em mais em mais uma etapa da minha vida.
Aos amigos GPS, em especial Gabriel, por ter me acompanhado durante os momentos
finais do mestrado. Obrigada pelas conversas, “brigas” e risadas que foram essenciais para
suavizar os dias tensos de escrita e estudo. Agradeço a todos pelas orações, companheirismo e
por sempre me acolherem com tanto carinho.
A Layane, por ter sido uma verdadeira companheira durante meu mestrado. Reconheço
você em cada pedacinho dessa dissertação. Obrigada pela companhia e ajuda durante as
entrevistas – etapa que nos proporcionou uma viagem ao quilombo, passeios de pau-de-arara e
visitas aos mais diversos bairros de São Luís – e durante as transcrições, nas quais você também
teve grande participação. Agradeço à UFMA, ao PGLetras e ao Projeto ALiMA, por terem
proporcionado essa parceria entre o Mestrado e a Graduação, que nos permitiu enriquecer não
só academicamente, mas nos deu também a oportunidade de estreitar nossa amizade.
A Theciana, por ser uma das minhas maiores incentivadoras durante toda minha
trajetória acadêmica. Obrigada pelos conselhos, pelo apoio e por me encorajar a superar os
7
medos e as barreiras que enfrentei durante esses anos. Encontrei em ti uma amiga/irmã, que às
vezes parece me conhece melhor do que eu mesma. Não posso deixar de agradecer também por
ter me adotado, junto com o Roger, durante os dias que passei em São Carlos. Vocês foram
ótimos pais postiços.
Aos queridos Daniel, Neylla, Luana, e em especial, Mylena, que, juntamente com
Layane, ajudaram a transcrever as entrevistas realizadas para esta pesquisa.
A Lindionora, Darlene e toda família de Jamary dos Pretos, por terem recebido a mim
e a Layane com tanto carinho, nos ajudando em tudo que precisamos durante nossos dias no
quilombo.
Ao Celso Vasconcelos e sua esposa, que, mesmo sem nos conhecer, nos levaram a
Turiaçu e nos abrigaram em sua casa. Agradeço o carinho e a preocupação de pais que tiveram
conosco durante a viagem.
Aos informantes desta pesquisa, que separaram um tempo para conversar conosco e
para colaborar com o trabalho realizado aqui. Vocês foram de fundamental importância.
Ao professor Tácito Borralho e sua aluna, por terem se disponibilizado a participar das
gravações dos áudios utilizados em um de nossos testes.
Ao professor Luís, pela ajuda, apoio e incentivo, principalmente nos períodos iniciais
do mestrado.
A todos que se fizeram presentes em minha vida, mesmo que indiretamente, e que
contribuíram para o meu crescimento pessoal e profissional.
8
A negação, um universal linguístico, tem sido foco de muitos estudos, tendo em vista que as
línguas naturais a representam de diferentes formas. O Português Brasileiro (PB) se destaca
como a única língua românica a apresentar três estruturas negativas, a saber: a negação pré-
verbal (NÃO + sintagma verbal), a dupla negação (NÃO + sintagma verbal + NÃO) e a negação
pós-verbal (sintagma verbal + NÃO). O presente trabalho, de orientação Sociolinguística, tem
por objetivo investigar as crenças e atitudes acerca da dupla negação que reverberam no
imaginário de falantes maranhenses, relacionando-as com o uso real da estrutura no português
falado no Maranhão, em especial nas localidades investigadas, a saber São Luís e Jamary dos
Pretos. Estas foram escolhidas a fim de observarmos se há diferença entre a realidade urbana e
rural quanto à realização da estrutura e das crenças a respeito desta. Um teste de atitudes
aplicado por Roncarati (1996) mostrou que essa estrutura negativa, assim como a negação pós-
verbal, foi identificada por falantes cearenses como um caso de nordestinismo, e com
características discursivo-pragmáticas específicas. Com base nesses resultados e em outros
estudos a respeito da estrutura, buscamos observar: (i) a influência de aspectos sociais e
discursivos que condicionam a expressão da dupla negação nas localidades investigadas; (ii)
quais crenças a respeito do uso da dupla negação os falantes maranhenses apresentam; (iii) se
as atitudes refletidas por essas crenças são mais de natureza negativa ou positiva. Como aporte
teórico para o exame dessas questões, baseamo-nos nos estudos de Labov (1966, 1972), Tarallo
(1983, 1997), no que concerne à Sociolinguística; de Lambert & Lambert (1968), Moreno
Fernández ([1998] 2009), López Morales ([1989] 2004), Botassini (2015), no que diz respeito
a percepções e atitudes linguísticas; e nos trabalhos de Schwegler (1991), Roncarati (1996),
Furtado da Cunha (2001), Schwenter (2005), para questões acerca do fenômeno no PB. Para
constituição da amostra, aplicamos Testes Produção e Percepção e um Roteiro de Discurso
Semidirigido a falantes naturais da capital do Estado, São Luís, e de Jamary dos Pretos, uma
das maiores e mais antigas comunidades quilombolas do Maranhão, de níveis de escolaridade
diferentes – nível fundamental e nível superior – e de duas faixas etárias – 20 a 40 anos e 55 ou
mais. O corpus da pesquisa é constituído por dados de fala de 24 informantes, sendo 16 naturais
de São Luís e oito, de Jamary dos Pretos. A análise dos dados apontou que a dupla negação é a
segunda estrutura negativa mais recorrente nas duas localidades investigadas – em São Luís,
foram computadas 19% das realizações e, em Jamary, 13% –, proferidas por 19 – 12 de São
Luís e sete de Jamary – dos 24 informantes selecionados para a pesquisa. Durante o Teste de
9
Produção, a dupla negação foi realizada por 16 informantes, apesar de a maioria destes
considerar seu uso inadequado, e, durante o Teste de Percepção, foi escolhida 108 vezes como
a mais adequada nas situações-estímulo (SE) apresentadas. Por meio da aplicação desse teste,
foi possível identificar 36 crenças a respeito do uso da dupla negação no PB, sendo 10 de
natureza estrutural, nove contextuais/discursivas e 17 de natureza social. Dessas 36 crenças, 24
evidenciaram atitudes negativas dos falantes. Por meio desta pesquisa, concluímos que, apesar
de a maioria dos informantes ser usuária da estrutura e alguns deles nem se reconhecerem como
tal, a dupla negação é, ainda assim, caracterizada de forma majoritariamente negativa pelos
falantes, sendo considerada como erro gramatical, característica do falar interiorano, caipira.
"EU NÃO DIGO ‘NÃO’DUAS VEZES NÃO” (I DO NOT SAY 'NO' TWO TIMES IN
A SENTENCE (NOT)": USES AND EVALUATION PERCEPTIONS ON DOUBLE
NEGATION IN PORTUGUESE SPOKEN IN MARANHÃO
Negation, a linguistic universal, has been the focus of many studies, mainly because it is
represented in different ways on natural languages. The Brazilian Portuguese (BP) stands out
as the only Romance language to present three negative structures, namely: pre-verbal negation
(NO + verbal syntagma), double negation (NO + verbal syntagma + NO), and post- verbal
(verbal syntagma + NO). The present work, that has a sociolinguistic orientation, aims to
investigate the beliefs and attitudes about the double negation that reverberate in the imaginary
of Maranhão speakers, relating them to the real use of the structure in Portuguese spoken in
Maranhão. For this research, we considered speakers of São Luís and Jamary dos Pretos in
order to observe if there are differences related to the expression and beliefs about double
negation in urban and rural reality. A test of attitudes applied by Roncarati (1996) showed that
this negative structure, as well as post-verbal negation, was identified by Ceará speakers as a
case of nordestinism, with specific discursive-pragmatic characteristics. Based on these results
and other studies about the structure, we sought to observe: (i) the influence of social and
discursive aspects that influence the expression of double negation on the two localities; (ii)
which beliefs speakers of Maranhão have; (iii) if the attitudes reflected by these beliefs are more
positive or negative. As a theoretical support to the examination of these questions, we are
based on the studies and studies of Labov ([1966] 2006, [1972] 2008), Tarallo (1983, 1997),
regarding Sociolinguistics; of Lambert & Lambert (1968), Moreno Fernández ([1998] 2009),
López Morales ([1989] 2004), Botassini (2015), with regard to linguistic perceptions and
attitudes; and in the works of Schwegler (1991), Roncarati (1996), Furtado da Cunha (2001),
Schwenter (2005), for questions about the phenomenon in PB. For the constitution of the
sample, we applied Production and Perception Tests and a Semi-Directed Speech Script to
natural speakers from the state capital, São Luís, and from Jamary dos Pretos, one of Maranhão
's largest and oldest quilombola communities. The speakers are distributed in levels of
schooling – elementary and senior - and of two age groups - 20 to 40 years and 55 or more. The
corpus of the research is constituted by speech data of 24 informants, 16 being natural from São
Luís and eight from Jamary dos Pretos. Data analysis showed that double negation is the second
most recurrent negative structure in the two locations investigated – in São Luís, 19% of the
accomplishments were computed and in Jamary, 13% - performed by 19 – 12 from São Luís
and seven from Jamary dos Pretos – of the 24 informants selected for the research. During the
Production Test, the double negation was performed by 16 informants, although most of them
11
considered their improper use, and during the Perception Test, 108 times were chosen as the
most adequate in the stimulus situations (SE) presented. Through the application of this test, it
was possible to identify 36 beliefs about the use of double negation in BP, being 10 of a
structural nature, nine contextual / discursive, and 17 of a social nature. Of these 36 beliefs, 24
showed negative attitudes of the speakers. Through this research, we noticed that, although
most of the informants are users of the structure and some of them do not even recognize
themselves as such, the double negation is nevertheless characterized in a negative way by the
speakers, being considered as a grammatical error, characteristic of the inner, country speech.
Key words: Linguistic Perception. Beliefs and Linguistic Attitudes. Double negation.
Portuguese Spoken in Maranhão.
12
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição geral das ocorrências das três estruturas negativas considerando as
localidades investigadas (SOUSA, 2016) ................................................................................. 40
Tabela 2 - Distribuição geral das ocorrências de estruturas negativas, considerando realizações
de Neg1 em contextos de informação nova .............................................................................. 82
Tabela 3 - Distribuição geral das ocorrências de estruturas negativas, considerando apenas
realizações nas quais as três estruturas são intercambiáveis .................................................... 82
16
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 18
2 PERCEPÇÃO E CONSCIÊNCIA LINGUÍSTICA ......................................................... 21
2.1 A perspectiva sociolinguística: o caminho até a consciência linguística .................. 21
2.2 Crenças e atitudes: panorama geral ............................................................................ 24
3 DUPLA NEGAÇÃO: A ESTRUTURA EM FOCO ......................................................... 33
3.1 Negação: diálogo entre perspectivas funcionalista e pragmática ............................. 33
3.2 A dupla negação sob a perspectiva sociolinguística ................................................... 38
3.3 A dupla negação em gramáticas e outras que têm como foco a língua portuguesa 41
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...................................................................... 47
4.1 Locus da pesquisa .......................................................................................................... 48
4.2 Perfil dos informantes................................................................................................... 51
4.3 Instrumentos da pesquisa ............................................................................................. 53
4.3.1 Roteiro de Discurso Semidirigido ............................................................................ 54
4.3.2 Testes........................................................................................................................ 55
4.3.2.1 Produção ................................................................................................................ 56
4.3.2.2 Percepção .............................................................................................................. 59
4.3.2.3 Teste de falsos pares.............................................................................................. 65
4.4 Pesquisa de campo ........................................................................................................ 67
4.5 Escolha das variáveis a serem analisadas ................................................................... 68
4.5.1 Variáveis sociais....................................................................................................... 69
4.5.2 Variáveis discursivo-pragmáticas ............................................................................ 71
4.5.3 Variáveis de reação subjetiva .................................... Erro! Indicador não definido.
4.6 Constituição do corpus da pesquisa ............................................................................. 78
5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................................................... 81
5.1 A dupla negação no português falado no Maranhão: análise dos dados relativos ao
nível 1 de estímulo ............................................................................................................... 81
5.1.1 Distribuição geral dos dados .................................................................................... 82
5.1.2 Variáveis sociais....................................................................................................... 84
5.1.3 Variáveis discursivo-pragmáticas ............................................................................ 92
5.2 Teste de Produção: análise dos dados relativos ao nível 2 de estímulo .................... 94
5.3 Teste de Percepção: análise dos dados relativos aos níveis 3 e 4 de estímulo .......... 98
5.3.1 Crenças a respeito de estruturas negativas no português ....................................... 100
5.3.1.2 Crenças contextuais/discursivas acerca da dupla negação .................................. 129
5.3.1.3 Crenças sociais acerca da dupla negação ............................................................ 142
17
1 INTRODUÇÃO
A negação, um universal de linguagem, tem despertado o interesse dos estudiosos da
área, sendo um constante tópico de discussões e análises. O PB destaca-se entre as línguas
românicas por ser a única desse grupo a apresentar três possibilidades em sua estrutura 1, sendo
elas:
Trecho 1:
DOC.: Ah, você é filho único?
INF.: Sim. Não gosto muito disso, mas sim.2
(Inf. 5, mulher, faixa 1, grau 2 de escolaridade, São Luís)
(ii) a dupla negação, denominada Neg2, formada pelo advérbio de negação NÃO
+ sintagma verbal + advérbio de negação NÃO.
Trecho 2:
DOC.: E a senhora é membro de alguma associação aqui do bairro?
INF.: Já fui, hoje não sou mais não.
(Inf.8, homem, faixa 1, grau 2 de escolaridade, São Luís)
1
Schwegler (1991) mostra que as línguas Proto-Indo-Europeias (PIE) seguem o padrão XV, isto é, apresentam
partícula negativa em posição pré-verbal; podendo apresentar ainda uma segunda partícula – geralmente
posicionada logo após o verbo – acrescentada para tornar a negação enfática. Em 2013, Lindblom realizou um
estudo micro-tipológico da negação em línguas românicas, mostrando estruturas negativas de onze línguas
diferentes. Destacamos aqui o Catalão, o Francês, o Italiano, o Lombardo, o Occitano e o Vêneto, que apresentam
duas possibilidades de negação, uma com uma partícula pré-verbal e outra com duas partículas negativas (com
exceção do Francês, cuja partícula negativa opcionalmente apagada é a pré-verbal ne); o Franco-provençal, o
Friuliano, o Piemontês, que apresentam apenas uma partícula negativa na estrutura, podendo estar em posição
pré ou pós verbal; e o Ladino, que possui duas partículas negativas, ne e mia, a primeira anteposta ao verbo e a
segunda, posposta.
O Catalão, por exemplo, realiza a negação acrescentando a partícula pré-verbal no e, nos casos em que se deseja
expressar ênfase, uma segunda partícula, pas, é acrescentada. Sendo assim, a língua apresenta duas possíveis
estruturas negativas (Ex. Joan no menja (pas) peix).
2
As normas adotadas para transcrição encontram-se no Apêndice 4.
19
Segundo (ILARI; BASSO, 2016), a estrutura Neg1 costuma ser descrita como a mais
comum e preferida na norma culta e em textos escritos, e Neg2 e Neg3 parecem ser mais
comuns na língua falada e em registros menos formais, sendo assim consideradas estruturas
não-canônicas no PB.
Escolhemos investigar o uso de Neg2 por ser esta uma estrutura que vem ganhando
espaço no cenário de pesquisas sobre o PB. A considerável frequência de uso da estrutura tem
sido comprovada em outras regiões do País, o que nos faz refletir acerca de seu status de marca
do falar nordestino (RONCARATI, 1996). No que tange a investigação da estrutura na
variedade maranhense, há apenas o estudo de Sousa (2016), de natureza sociolinguística, que
visa a descrição do uso da dupla negação segundo variáveis sociais, linguística e discursivo-
pragmáticas. Nosso estudo, no entanto, além de observar esse uso, enfoca principalmente as
variáveis de reação subjetiva, que abrangem outra dimensão dos estudos sociolinguísticos: a da
percepção linguística (cf. TARALLO, 1997).
Os estudos sobre percepção linguística tornam-se relevantes uma vez que possibilitam
avaliar/observar o nível de consciência linguística dos falantes, suas atitudes e crenças perante
a dupla negação, estrutura foco deste trabalho; esses fatores podem influenciar diretamente no
processo de mudança linguística, já que atitudes e crenças negativas a respeito de determinada
forma podem levar ao rechaço desta, enfraquecendo seu uso e possibilitando seu
desaparecimento. Dessa forma, torna-se possível examinar o encaixamento não só linguístico,
mas também social dos fenômenos em foco. Assim, é possível Como aporte teórico para o
exame dessas questões, baseamo-nos nos estudos e apontamentos de Labov ([1966] 2006,
[1972] 2008), Lambert & Lambert (1968), Moreno Fernández ([1998] 2009), López Morales
([1989] 2004), Aguilera (2008), Botassini (2015), entre outros.
Nosso objeto de estudo, a dupla negação – estudada sob diferentes vieses linguísticos,
como o gerativismo, funcionalismo, sociolinguística e pragmática, tem seu uso e origem por
vezes justificados por questões de ênfase, reforço, caráter pressuposicional, ativação discursiva.
A fim de respaldar-nos teoricamente acerca do fenômeno, nos valemos dos estudos de Givón
([1979] 2012), Schwegler (1991), Roncarati (1996), Furtado da Cunha (2001) e Schwenter
(2005), que enfocam o estudo das estruturas negativas relacionando-as com fatores sociais,
discursivos e/ou pragmáticos.
Com isso, estabelecemos como objetivo geral investigar as crenças apresentadas por
falantes maranhenses a respeito da dupla negação, relacionando-as ao uso real da estrutura no
português falado no Estado; e, como objetivos específicos: (i) observar a influência de aspectos
sociais e discursivos que condicionam a expressão da dupla negação nas localidades
investigadas; (ii) observar quais crenças a respeito do uso da dupla negação os falantes
maranhenses apresentam; (iii) observar se as atitudes refletidas por essas crenças são mais de
natureza negativa ou positiva.
Para discutir essas questões, desenvolvemos uma metodologia baseada nos postulados
da Sociolinguística e da Psicologia Social, que nos auxiliaram na elaboração de três
instrumentos de pesquisa utilizados para a coleta de dados, a saber: Roteiro de Discurso
Semidirigido, Teste de Produção e Teste de Percepção, que estão organizados em níveis
escalares de estímulos, de modo a permitir a observação da dupla negação tanto em seu contexto
real de uso, que se caracteriza como um uso inconsciente da estrutura, como em relação à
percepção do falante acerca das estruturas, por meio de perguntas diretas a respeito da estrutura
negativa.
Pretendemos com isso contribuir para a descrição do português falado no Estado e para
o aprofundamento do conhecimento acerca do uso da dupla negação no PB, ressaltando,
contudo, que o foco principal da nossa investigação não é a frequência de uso e sim a
observação da estrutura por meio dos olhos dos próprios falantes, ou seja, com base em sua
produção, percepções, crenças e atitudes.
Entretanto, Lavandera (1978) ressalta que este conceito de variante foi proposto com
base em variáveis fonético-fonológicas, e que alterações nesse nível da língua não causam
grandes prejuízos semânticos, porém, quando se trata de variáveis pertencentes a níveis mais
profundos, como o morfossintático, encontramos dificuldades em relação à equivalência
semântica de suas variantes.
3
É importante ressaltar que consideramos essa discussão entre Lavadera (1978) e Labov (1978) a respeito do
conceito de variante para refletir sobre o caso das três estruturas negativas no PB. Neste trabalho, seguimos o que
22
Essas atribuições sociais podem ocorrer tanto dentro como fora do nível de consciência
dos falantes. No entanto, elas geralmente são feitas fora deste nível de consciência, como sugere
Labov (1974), ao afirmar que “(...) as pessoas reagem como um todo, e raramente têm
consciência do que gostam ou não gostam no padrão de fala dos outros.” (LABOV, 1974, p.
60).
Indicadores, que mostram a variação social, mas geralmente não a estilística, e têm
pouco efeito sobre o julgamento do ouvinte quanto ao status social do falante;
Marcadores, que mostram tanto a variação social quanto a estilística, e têm efeitos
consistentes sobre o julgamento consciente ou inconsciente do ouvinte sobre o status
do falante;
Estereótipos, que são os tópicos externos de impacto social na comunidade de fala, e
podem ou não corresponder ao comportamento linguístico real. (LABOV, 1974, p.
82)
Os indicadores são os casos nos quais há pouca força de avaliação, mas que podem
apresentar variação correlacionada a fatores sociais, como idade, sexo, estrato social. Um
exemplo é a monotongação dos ditongos /ey/ e /ow/, como em peixe e couro. Já os casos de
marcadores linguísticos são aqueles que evidenciam estratificação social e estilística e que
postula Rocha (2013) a respeito do assunto. Norteado pelos estudos pragmáticos de Schwenter (2005), Rocha
assume que há contextos nos quais as três estruturas não são intercambiáveis, como nos casos em que não há
ativação prévia da proposição negada (cf. Cap. 4 desta dissertação). Assim, de modo a permitir uma análise
quantitativa coerente, dentro dos preceitos da Sociolinguística, consideramos também apenas esses contextos na
análise da dupla negação em discursos livres.
4
Acerca do uso de pronome TU no Sul do País, conferir Coelho et al (2010), e no Maranhão, conferir Alves
(2015).
23
podem ser medidos por meio da aplicação de testes de atitudes e avaliação; no entanto, ainda
assim, o julgamento das variantes é, por vezes, feito inconscientemente, haja vista que muitos
demonstram sensibilidade ao uso destas como “errado” ou “feio”, apesar de usarem-nas. É o
caso do alternância entre tu e você, uma vez que a primeira forma é, no geral, associada a
pessoas que possuem uma relação mais próxima, isto é, de mais intimidade, enquanto a segunda
parece característica de um falar mais formal, além de ainda existir a variação diatópica. Por
último, os estereótipos são os casos que são marcados socialmente de maneira consciente (cf.
COELHO et al, 2010).
Assim, esses julgamentos, que podem estereotipar ou não uma variante, só são
possíveis por meio da consciência linguística que os falantes de uma comunidade de fala têm.
Dessa forma, apesar de não serem plenamente conscientes de cada fenômeno linguístico
realizado, existem aqueles fenômenos acerca dos quais o falante apresenta maior sensibilidade.
O falante demonstra consciência linguística quando percebe as opções que a língua lhe
oferece, a partir do momento em que tem contato com outras variedades além da sua; é capaz
de perceber diferenças, fazer comparações entre tais variedades e julgá-las, independentemente
do conhecimento linguístico, teórico, acadêmico que possa ter. Corroborando essa ideia, Hora
Henrique (2015, p. 101) afirmam que “os ouvintes leigos são conscientes da variação linguística
à medida que eles podem imitá-la, usá-la para identificar de onde são as pessoas e fazer
julgamentos sobre as características sociais dos falantes.”.
A eleição de uma forma linguística prestigiosa A (por exemplo, a forma -ste como
marca da pessoa verbal tu, do pretérito perfeito comiste (em espanhol)), diante de
outra estigmatizada B (-stes: comistes– (em espanhol)), implica, pelo menos, duas
circunstâncias; uma é de um inventário: conhecimento da existência de ambas
variantes; e a outra aponta diretamente à consciência sociolinguística, ao saber que a
24
O autor ainda sugere que a maneira de falar dos sujeitos funciona como um índice
classificatório na maioria dos casos, pois muitos falantes têm consciência da variação
linguística e de suas implicações sociais. Vale ressaltar que, além de se levar em consideração
a escolha pela provável variante de prestígio, o falante pode ainda optar por uma das variantes
por questões de intencionalidade, isto é, escolher determinada variante pensando no impacto
que esta pode causar em seu interlocutor.
Essas escolhas estão relacionadas diretamente com a percepção que os falantes têm
acerca das variantes, e essa percepção, por sua vez, é construída com base nas crenças
individuais de cada falante e compartilhadas pela sua comunidade de fala. Dessa forma, com
base nessas crenças, os falantes podem ter atitudes negativas ou positivas acerca das variantes.
No entanto, foi na Psicologia Social que o estudo sobre atitudes ganhou ênfase e
começou a ser sistematizado. Com os estudos de Lambert & Lambert (1968), as atitudes são
apresentadas como componentes que influenciam diretamente no comportamento social dos
indivíduos, além de estarem diretamente relacionadas com as crenças que estes têm a respeito
de fenômenos sociais – linguísticos ou não –, uma vez que dependem destas para se manifestar
em sociedade. No entanto, como lembra Botassini (2015), não há consenso quanto à definição
5
Tradução livre de: “La elección de una forma lingüística prestigiosa A (por ejemplo, el formante –ste como marca
de persona verbal tú del indefinido: comistes, frente a otra estigmatizada B (-stes: comistes), implica al menos dos
circunstancias; una es de inventario: conocimiento de la existencia de ambas variantes; la otra apunta directamente
a la conciencia sociolingüística, al saber que la comunidad prefiere una a la otra, generalmente por ser la que
caracteriza a los socioletos altos del espectro”.
6
Tradução livre de: “(...) the type of language which speakers used had an effect upon their credibility or ethos”.
25
desses termos, talvez devido à pouca exploração do termo crença, e maior atenção voltada para
termo atitude.
(...) uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir, reagir em relação a pessoas,
grupos, questões sociais ou, mais genèricamente, a qualquer acontecimento ocorrido
em nosso meio circundante. Seus componentes essenciais são os pensamentos e as
crenças, os sentimentos (ou emoções) e as tendências para reagir. (LAMBERT &
LAMBERT, 1968, p. 77-78)
Dessa forma, as atitudes abrangem uma forma de pensar, que está relacionada com o
que o falante sente em relação a determinada situação e que, consequentemente, resulta em uma
reação, que externaliza esse modo de pensar, comprovando assim que as atitudes são, segundo
esta visão, uma atividade processual que interfere em nosso comportamento social, uma vez
que podem afetar nossos julgamentos e percepções a respeito dos demais e ajudar a definir
nossas escolhas no meio social, como os grupos nos quais nos inserimos, as profissões que
exercemos e até nossas convicções (cf. LAMBERT & LAMBERT, 1968).
Os conceitos propostos por essa linha de pesquisa foram utilizados como base para os
estudos de atitudes e crenças no âmbito da Sociolinguística. Os estudos, no geral, têm
comprovado que atitudes e crenças presentes no imaginário de uma comunidade têm relação
direta com o processo de variação e mudança linguística, além de afetarem a eleição de uma
língua em detrimento de outra em comunidades bilíngues e o ensino-aprendizagem de línguas
nas comunidade em geral (cf. CORBARI, 2013).
Percebemos assim uma relação direta entre o meio social e a atitude dos falantes
perante a língua/variedade adotada na comunidade, conforme sugere Pastorelli (2012), ao
ressaltar que as atitudes que se têm em relação a um grupo de determinada identidade estão
relacionadas às variedades linguísticas por ele usadas, uma vez que “(...) normas, regras e
características culturais de um grupo são transmitidas ou sedimentadas pela língua, modificada,
de maneira particular, na fala de cada pessoa” (PASTORELLI, 2012 p. 252).
Uma atitude é demonstrada/formada, como sugere Lambert & Lambert (1968), quando
os falantes partilham de pensamentos e crenças acerca da língua, do dialeto, da variante sobre
os quais estão emitindo juízo de valor. Dessa forma, as crenças se tornam um componente
necessário para que as atitudes sejam formadas. Segundo Amaral (2016, p. 83), crenças são
“(...) um conjunto de verdades culturais impostas a cada indivíduo desse grupo”; já Labov
([1972] 2008, p. 176), retoma o conceito adotado por Lambert & Lambert (1968) definindo-a
como “um conjunto uniforme de atitudes frente à linguagem que são partilhadas por quase todos
os membros da comunidade de fala, seja no uso de uma forma estigmatizada ou prestigiada da
língua em questão”.
Segundo Sabadin (2013, p.58), “as crenças que um falante tem de sua língua, isto é, se
ele a considera apropriada perante outras variedades, farão com que ele a utilize e de certa forma
propague sua maneira de falar”. Isto é, as crenças são determinantes quando se trata de reforçar
ou rechaçar o uso de uma variante em uma comunidade de fala. As crenças, assim como já
7
Tradução livre de: Respuesta emocional e intelectual de los membros de la sociedad a las lenguas, dialectos,
acentos, formas lingüísticas concretas y sus propios hablantes en su entorno social que constituye un aspecto
importante de la compleja psicologia social de las comunidades lingüísticas. Diccionario de Sociolingüística.
8
Tradução livre de: La actitud lingüística es una manifestación de la actitud social de los individuos, distinguida
por centrarse y referirse específicamente tanto a la lengua como al uso que de ella se hace en sociedad”
27
afirmava Lambert & Lambert (1968), na Psicologia Social, são um dos fatores que compõem
as atitudes, formadas por três componentes principais: crenças, emoções e comportamento.
Quanto aos fatores que compõem a atitude, Moreno Fernández ([1998] 2009) destaca
que, para o método mentalista, a atitude é formada por três componentes: avaliação –
componente afetivo –, saber ou crença – componente cognitivo – e um comportamento –
componente conativo.
9
Tradução livre de: “(…) una reacción o respuesta a un estímulo, esto es, a una lengua, una situación o unas
características sociolinguísticas determinadas”.
28
10
Tradução livre de: “(…) la actitud lingüística de un individuo es la resultante de sumar sus creencias y
conocimientos, sus afectos y, finalmente, su tendencia a comportarse de una forma determinada ante una lengua o
una situación sociolingüística”.
11
Tradução livre de: “(…) las creencias, dan lugar a actitudes diferentes; éstas, a su vez, ayudan a conformar las
creencias, junto a los elementos cognoscitivos y afectivos, teniendo en cuenta que las creencias pueden estar
basadas en hechos reales o puden no estar motivadas empiricamente.”
29
López Morález ([1989] 2004) explica que as atitudes, por serem formadas por
comportamentos, podem ser positivas ou negativas: as positivas geralmente reforçam o uso
linguístico em foco, enquanto as negativas, por vezes associadas a fenômenos rurais ou
vulgares, produzem rechaço. Há ainda os casos em que as crenças não produzem atitudes,
conhecidos como atitude neutra.
Quando um falante apresenta uma atitude positiva em relação ao seu modo de falar,
diz-se que ele é seguro linguisticamente; no entanto, quando este apresenta atitude negativa, de
vergonha ou rechaço diante do seu próprio uso linguístico, diz que ele mostra-se inseguro.
Acerca da segurança linguística, Calvet (2002, p. 63-64) diz:
Fala-se de segurança linguística quando, por razões sociais variadas, os falantes não
se sentem questionados em seu modo de falar, quando consideram sua norma a norma.
Ao contrário, há insegurança linguística quando os falantes consideram seu modo de
30
falar pouco valorizador e têm em mente outro modelo, mais prestigioso, mas que não
praticam.
A forma de medição das atitudes nas duas perspectivas também difere entre si:
enquanto no método comportamentalista são utilizadas formas de avaliação mais diretas e
objetivas e, portanto, mais seguras; o viés mentalista se vale de formas de avaliação mais
complexas, que se propõem avaliar praticamente um estado mental, que é de acesso mais difícil
e não pode ser avaliado diretamente, o que pode justificar a escassa quantidade de estudos nesta
perspectiva. Essas formas de avaliação podem ser tanto diretas como indiretas.
As formas de avaliação indiretas são aquelas em que o falante não tem consciência do
foco da pesquisa, isto é, do objeto que está sendo investigado. Dentre as formas de avaliação
dessa natureza, destacamos a técnica matched guise ou falsos pares, proposta Lambert &
Lambert (1968). A técnica consiste na avaliação da percepção sociolinguística de 130
estudantes universitários – anglófonos e francófonos – acerca das línguas inglesa e francesa.
Para isso, Lambert utilizou como estímulo a gravação da leitura de um texto, originalmente
escrito em francês e traduzido para o inglês, feita por quatro falantes bilíngues. Aos informantes
da pesquisa, eram expostas as gravações dos dois textos lidos pelo mesmo falante, para que, a
partir da disso, eles emitissem julgamentos e opiniões sobre o falante, a respeito de sua
aparência, personalidade, profissão, entre outros. Os informantes expressavam suas opiniões
sem serem informados de que se tratava do mesmo falante, e os resultados mostravam que eles
não percebiam tal fato, o que levou os pesquisadores a concluir que os informantes não
avaliavam as gravações, mas sim a língua. Os resultados apontaram que tanto os falantes
anglófonos como os francófonos avaliavam a língua inglesa mais positivamente do que a língua
francesa.
31
Essa técnica tem sido utilizada com frequência nos estudos sociolinguísticos (cf.
OUSHIRO, 2015) e é avaliada por Giles & Billings (2004), segundo Oushiro (2015, p. 268),
“como um método rigoroso e elegante que, ao controlar uma série de variáveis com a criação
de estímulos comparáveis, permite investigar apropriadamente o papel da linguagem na
formação de impressões e julgamentos sociais”. No entanto, levantamos um questionamento:
essa técnica talvez não seja a mais eficaz quando o fenômeno em análise é de natureza
morfossintática, retomando assim a inquietação de Lavandera (1978) acerca do conceito de
variante aplicado a fenômenos que se encontram fora do nível fonético-fonológico. As
“variantes” desse tipo de variável, vale destacar, carregam matizes de natureza pragmática e
discursiva, que podem influenciar na escolha de uma estrutura em detrimento de outra. Assim,
o julgamento de fenômenos morfossintáticos por meio da técnica de falsos pares poderia não
abarcar o fator intencionalidade, de natureza pragmática.
Diante desse panorama, vale ressaltar que, para este estudo, nos valemos do viés
sociolinguístico apresentado por López Morales ([1989] 2004), para quem a atitude é formada
por um comportamento, estimulado por uma crença, um saber, formado por componentes
afetivos e cognitivos. Assumimos, portanto, que crenças são formadas por saberes, juízos de
valor e sentimentos dos falantes perante uma língua, uma variedade linguística ou um fenômeno
linguístico e, a partir dessas crenças, atitudes positivas ou negativas podem ser externalizadas.
Os estudos que focam a análise da consciência linguística dos falantes vêm trazendo
contribuições principalmente no que tange à análise do processo de mudança e variação
linguísticas, à eleição de uma língua em contexto de comunidades bilíngues e à análise de
métodos de ensino a fim de melhorar o processo ensino-aprendizagem. Observamos, com esses
estudos, que atitudes positivas e negativas dos falantes podem ter impacto social.
32
Síntese conclusiva
No presente capítulo, apresentamos pressupostos teóricos que norteiam a pesquisa no
âmbito da Sociolinguística, principalmente no que tange à análise de crenças e atitudes
linguísticas. Lambert & Lambert (1968), Calvet (2002), López Morales ([1989] 2004), Moreno
Fernández ([1998] 2009) fundamentam as ideias desenvolvidas ao longo do capítulo. Tomamos
em particular Moreno Fernández ([1998] 2009) para definir consciência linguística como a
percepção que o falante tem acerca das possibilidades que a língua põe a sua disposição. Com
base nessas possibilidades, ele realiza escolhas considerando seus interlocutores e o meio social
no qual está inserido.
Ainda, segundo o autor, o falante, geralmente, opta pela forma de prestígio, uma vez
que esta tende a ser mais aceita em sociedade. Isso pode ser um indício de atitude positiva
perante essa forma, e provável atitude negativa em relação às demais, uma vez que estas não
foram escolhidas como apropriadas num dado contexto.
O conceito de consciência linguística está relacionado com as noções de atitude e
crençalinguística, fundamentais para o estudo da percepção. As atitudes podem estar
relacionadas com crenças que o falante pode apresentar em relação à língua, às variantes
linguísticas, a fenômenos linguísticos. Conceituamos crenças como julgamentos e avaliações,
socialmente construídos, feitos sobre nós mesmos ou sobre o mundo que nos rodeia (YERO,
2010 apud BOTASSINI, 2015; BARCELOS, 2007). Crenças e atitudes evidenciam ainda,
segundo López Morales ([1989] 2004), o nível de segurança linguística do falante, que pode
mostrar-se seguro, quando é usuário da forma de prestígio, ou inseguro, quando não o é.
Atitudes podem ainda ser avaliadas e interpretadas sob duas perspectivas diferentes: a
mentalista e a condutivista ou comportamentalista.
Esses conceitos vêm sendo constantemente explorados em pesquisas sociolinguísticas,
principalmente no que tange à análise de fenômenos fonético-fonológicos e também
morfossintáticos. Sobre a negação, alguns pesquisadores já investigaram a percepção
linguística que têm os falantes acerca das três estruturas negativas citadas. Então, visando a dar
mais subsídios para nossa análise, comentaremos, no capítulo seguinte, brevemente os trabalhos
de Roncarati (1996), Alkmim (2001), Furtado da Cunha (2001) elaborados com base em dados
de fala do português, o que nos possibilita estabelecer um paralelo entre os resultados obtidos
nessas pesquisas e os nossos resultados, além de apresentar um quadro-síntese composto por
comentários feitos acerca da negação, e especialmente, a dupla negação, em gramáticas e obras
específicas sobre a língua portuguesa.
33
Para exemplificar sua asserção, o autor compara duas situações (GIVÓN, [1979]
2012):
A primeira apresenta uma informação nova, de sentido completo, que não necessita de
mais informações contextuais, apesar da probabilidade de que o interlocutor busque mais
informações como “qual filme? era bom? em qual cinema?”, que, no entanto, não são
necessárias para fazer com que a tenha sentido dentro de um contexto.
12
Nesta síntese, não adotamos uma perspectiva cronológica com relação aos estudos sobre a negação.
34
Tomando como base essa asserção, Schwegler (1991) realiza um estudo das estruturas
negativas considerando os falares de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Em primeira instância,
o autor percebe que existem contextos nos quais Neg2 e Neg3 não são permitidas; assim, ele
demarca os tipos de oração nos quais as três estruturas são intercambiáveis, a saber: declarativas
em resposta a uma pergunta, declarativas espontâneas, interrogativas e imperativas. Na Bahia,
as estruturas não-canônicas se mostraram mais recorrentes que a negação pré-verbal, o que
poderia ser um indício de que o caráter enfático da segunda partícula poderia ter se perdido. A
respeito dos tipos de sentença, o autor conclui que o fato de haver pouca incidência de negativas
não canônicas poderia estar ligado a uma distinção pragmática: o caráter pressuposicional seria
obrigatório apenas para Neg2 e Neg3, enquanto Neg1 é neutra pressuposicionalmente (cf.
LIMA, 2010). Assim, as duas negativas não canônicas são usadas para rejeitar uma expectativa
(implícita ou explícita) no discurso, o que contrasta com o que foi postulado por Givón, que
afirma que todas as estruturas negativas possuem caráter pressuposicional.
Para comprovar sua colocação, Schwegler (1991) apresenta como exemplo duas
orações:
Observando dados de fala do Rio de Janeiro, o autor sinaliza que o fator determinante
para a permissão da dupla negação e da negação pós-verbal é a ativação prévia da proposição
no discurso. Segundo Schwenter, a negação pré-verbal não necessariamente precisa ser ativada,
diferentemente das outras duas estruturas negativas.
35
Ex.(1):
[o falante está andando pela rua e de repente se lembra que esqueceu de desligar o fogão]
Nossa! Eu não desliguei o fogão (não*)!13
Ex. (2):
[mesma situação do Ex. 1]14
A: Você desligou o fogão, né?
B: Nossa! Não desliguei não!
13
Tradução livre de: [speaker walking down the street and suddenly remembers she forgot to turn off the stove]
Nossa! Eu não desliguei o fogão (#não)! (SCHWENTER, 2005, p. 1434).
14
Exemplo extraído de Schwenter (2005, p. 1435)
15
Apesar de afirmar que Neg3 só seria permitida no discurso se houvesse ativação direta da proposição, mais a
frente, no mesmo artigo, Schwenter (2005) relata uma ocorrência de Neg3 ativada indiretamente no discurso, em
dados de fala da Bahia, local onde a estrutura tem maior índice de ocorrência.
36
De acordo com o autor, as três estruturas só são intercambiáveis em situações nas quais
há ativação indireta da proposição. Vale ressaltar que os trabalhos de Schwenter representaram
um grande avanço nos estudos da negação, principalmente no âmbito das pesquisas
sociolinguísticas, uma vez que se tornou possível identificar, de forma mais eficaz, os contextos
nos quais as três estruturas representam variantes da mesma variável, conforme a noção
apresentada por Labov (2008).
Sob a perspectiva funcionalista, Furtado da Cunha (2001) afirma que a dupla negação,
estrutura foco deste trabalho, surgiu por meio do processo de gramaticalização, uma vez que a
segunda partícula negativa ultrapassa o plano discursivo e passa a pertencer ao plano
gramatical. O processo acontece da seguinte forma: a segunda partícula negativa é adicionada
à estrutura, primeiramente, como um reforço da negação, e, posteriormente, se torna necessária
na oração, uma vez que a primeira partícula sofre desgaste semântico e fonológico e passa a
não mais ser suficiente para negar.
Esse processo corresponde a uma das etapas do Ciclo de Jespersen ([1917] 2012), o
qual explica o surgimento das estruturas negativas Neg1, Neg2 e Neg3. Utilizando como base
o francês, Jespersen afirma que, em um primeiro momento, há apenas a negação pré-verbal [ne
V] e, posteriormente, uma segunda partícula é adicionada por motivos de ênfase [ne V (pa)];
esta partícula torna-se se obrigatória na estrutura [ne V pa], uma vez que a primeira perde
propriedades semânticas e fonológicas e, consequentemente, torna-se opcional [(ne) V pa]; em
sua última fase, apenas a segunda partícula negativa é suficiente e a primeira é apagada [V pa].
O francês estaria em uma fase intermediária, na qual a quarta e a quinta estruturas supracitadas
coexistem.
No que tange à aplicação desse ciclo ao PB, acredita-se que a negação esteja passando
por um processo de mudança linguística, como afirma Furtado da Cunha, (2007, p. 1640):
37
Para a autora, essa trajetória de mudança é comprovada pelo fato de a negação pré-
verbal ser mais gramatical, isto é, não apresentar restrições discursivas; enquanto a dupla
negação as apresenta e a negação pós-verbal é ainda mais restritiva (cf. FURTADO DA
CUNHA, 2001). No entanto, Schwenter (2006) ressalta que a frequência das três estruturas nos
estudos sociolinguísticos é bem semelhante, o que poderia ser um contraindicador para essa
afirmação. Segundo o autor, a dupla negação geralmente apresenta frequência de, em média,
20% das realizações de estruturas negativas, enquanto a frequência da negação pós-verbal não
ultrapassa 5% das realizações. Com isso, ele sugere que o que poderia ser realmente
determinante no uso das estruturas não seriam fatores sociais, mas sim discursivo-pragmáticos.
Acerca dos contextos nos quais a dupla negação seria favorecida, Furtado da Cunha
(2007), observando o corpus de sua pesquisa, sugere que esta seria mais comum em contextos
nos quais “o falante momentaneamente interrompe o tema ou tópico central de uma conversa,
fazendo uma digressão que corresponde a uma pausa temática” 17. (FURTADO DA CUNHA,
2007, p. 1643), enquanto Roncarati (1996), pesquisadora que também utiliza princípios
funcionalistas para análise da negação, apoiada nos preceitos de Schwegler, afirma que
16
Tradução livre de: “In the case of negation in Brazilian Portuguese it seems that we have a linguistic change in
progress. Thus, the preverbal, postverbal and double negatives are in variation, assuming that variation is a
necessary consequence of the gradualness of language change (see Lichtenberk, 1991). These three forms
originated at different times in the past: the preverbal negative is the oldest one, followed by the double negative
and finally the postverbal negative (see Jespersen, 1917; Horn, 1989; Croft, 1991; Dahl, 1979).
17
Tradução livre de: “The speaker momentarily interrupts the theme or central topic of the conversation, making
a digression which corresponds to a thematic pause.”
38
Mariana/MG (ALKMIM,
2001) 1787 (71,5%) 489 (19,5%) 40 (1,5%)
São Paulo – Amostra geral
(ROCHA, 2013) 5279 (94%) 324 (5,8%) 4 (0,2%)
Vale ressaltar ainda que poucos são os estudos que enfocam especificamente a dupla
negação. Dos trabalhos apresentados acima, apenas o de Rocha (2013) investiga
especificamente essa estrutura, enquanto os outros analisam as três estruturas negativas.
18
São Luís é a única localidade a apresentar oito informantes, uma vez que somente na capital o fator escolaridade
foi considerado.
40
Estado, São Luís, a estrutura apresentou menor frequência (9,7%), como mostra a tabela a
seguir:
Tabela 1 - Distribuição geral da ocorrência das três estruturas negativas considerando as localidades investigadas
(SOUSA, 2016).
VARIANTES
LOCALIDADES Neg.1 Neg.2 Neg.3
Vale ressaltar que, nessa análise, Sousa considerou oito informantes para São Luís e
apenas quatro nas demais localidades. O resultado é interessante, pois indica que, ainda assim,
na capital do Estado, talvez pela presença de mais agências de monitoramento da língua e
melhores condições de ensino, a negação canônica foi a mais recorrente, enquanto em todas as
outras localidades, houve maior incidências das estruturas não-canônicas.
Quanto ao fator sexo, a dupla negação apresentou maior frequência entre os homens
(61,3%), o que corrobora o que é postulado pela Sociolinguística Variacionista: as mulheres
usam mais a forma padrão, devido à cobrança social que impõe um comportamento compatível
com as regras impostas pela sociedade (cf. CEZÁRIO &VOTRE, 2015). Já no que tange ao
fator escolaridade, a dupla negação mostrou-se mais recorrente entre os falantes com ensino
fundamental (72%), apesar da pouca quantidade de dados, o que aponta para o que postula
Labov acerca do uso da variante inovadora ser mais frequente entre os falantes com menor nível
de escolaridade.
3.3 A dupla negação em gramáticas e outras que têm como foco a língua portuguesa
Quadro 3 - A negação nas gramáticas e em outras obras que têm como foco a língua portuguesa e seus
apontamentos acerca da negação e dupla negação.
19
O quadro-síntese (cf. Quadro 3) que apresentamos inclui gramáticas normativas, descritivas, históricas, de uso.
42
se preocupado em registrar o uso da estrutura, recorrente no PB, sem associá-lo à noção de erro
gramatical, o que mostra que, apesar de esta crença estar presente no imaginário dos falantes,
ela não se confirma quando observamos essas obras.
Síntese do capítulo
Neste capítulo, enfocamos a dupla negação, apresentando, primeiramente, uma breve
discussão sobre o que vertentes linguísticas como o funcionalismo e a pragmática discorrem
acerca da estrutura. Assim, respaldados em Givón ([1979] 2012), Schwegler (1991), Schwenter
(2005), Roncarati (1996, 1997), Furtado da Cunha (2001, 2006), apresentamos as ideias de
ênfase, reforço e ativação da proposição, geralmente associadas à dupla negação.
Posteriormente, enfocamos o percurso seguido por gramáticas e outras obras que têm
como foco o português, de modo a observar se a dupla negação vem sendo abordada ao longo
dos anos, pois, apesar de haver registros do uso dessa estrutura no português já no século XVI,
em textos de Gil Vicente (NOLL, 2008), verificamos que só recentemente essa estrutura vem
ganhando espaço nas gramáticas do português, em especial nas que se voltam para a língua
falada. Por conta disso, um percurso histórico da dupla negação nas gramáticas do português
faz-se necessário para entendermos de forma mais completa a expressão e aceitação dessa
estrutura no PB. Até o presente momento, encontramos referência à estrutura nos trabalhos de
Jucá (1953), Said Ali (1965), Castilho (1996, 2008), Neves (2000), Abaurre & Rodrigues
(2002), Raposo et al (2003), Brito et al (2010), Perini (2010) e Mateus et al (2003).
47
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Conforme essa vertente, variáveis sociais, como localidade, sexo, faixa etária, estrato
social, entre outras, influenciam diretamente a língua falada. Neste trabalho, analisamos a
atuação dos três primeiros fatores na realização da dupla negação.
Para a coleta da amostra, utilizamos instrumentos que foram elaborados segundo níveis
escalares de estímulos, para que pudéssemos avaliar a dupla negação desde a ausência de
estímulo para sua realização, até o nível máximo de estímulo, quando perguntamos diretamente
sobre essa construção. A seguir, apresentamos um quadro com os níveis de estímulos:
NÍVEL DE INSTRUMENTO DE
OBJETIVO
ESTÍMULO PESQUISA
Estimular a produção de relatos, tendo como
tópicos orientadores do discurso: a história e a
Roteiro de Discurso
Nível 1 cultura da localidade, hábitos e experiências
Semidirigido
pessoais, sem necessariamente provocar o uso
da negação.
Motivar o falante a responder os
Nível 2 Teste de Produção questionamentos propostos utilizando uma das
estruturas negativas possíveis no PB.
Confrontar o falante com situações-estímulo
que representam contextos discursivos, para
Teste de Percepção:
Nível 3 que ele escolha uma das opções de resposta
situações-estímulo
(cada uma com uma estrutura negativa) e
justifique sua escolha.
Questionar o falante a respeito do uso da dupla
Teste de Percepção:
Nível 4 negação, dos contextos favoráveis ao emprego
perguntas abertas
dessa estrutura e dos perfis de seus usuários.
Fonte: Elaborado pela autora
Escolhemos essas duas localidades, pois buscamos verificar o uso da dupla negação
no Maranhão, comparando o meio urbano e o rural, para verificar se o tipo de localidade –
isolada geográfica e socialmente (comunidade rural de difícil acesso e com pouco contato com
49
meios de comunicação externos e com a escola, por um lado, fonte primordial do letramento
em nossa sociedade e, por outro, agência padronizadora da língua) ou mais acessível (meio
urbano, formado por diversas influências e maior contato com meio externo) – influencia o uso
e a percepção que os falantes têm acerca do fenômeno.
A segunda localidade selecionada para a realização desta pesquisa é Jamary dos Pretos,
uma comunidade rural do município de Turiaçu, situado na mesorregião Oeste Maranhense, na
microrregião Gurupi, na Baixada Ocidental maranhense, a 467 km de São Luís. A comunidade
fica a 60 km da sede do município e a 18 km do trecho da rodovia estadual MA-209, a partir
do qual se segue um caminho que leva diretamente ao quilombo. Esse acesso, no entanto, é
bastante precário, facilitado apenas pelo desmatamento manual da área. O tráfego de veículos
automotivos é bastante limitado e impraticável em períodos chuvosos. Para chegar ao quilombo,
a comunidade utiliza como meios de transportes mais comuns paus-de-arara e motocicletas,
que realizam percursos apenas uma vez ao dia, de segunda a sexta-feira.
Jamary possui duas escolas: uma municipal, que oferece turmas do Ensino
Fundamental, e outra estadual, onde estudam os alunos do Ensino Médio. No período em que
realizamos a pesquisa de campo no quilombo, a escola estadual encontrava-se desativada há
vários meses, segundo nos informaram os moradores da localidade. Apesar dos esforços de
alguns líderes da comunidade para estimular os moradores, principalmente os mais jovens, a
lutar pela educação, as condições reais não são favoráveis. O funcionamento irregular das
escolas e as escassas oportunidades de trabalho fora da lavoura são fatores desmotivadores do
ingresso na escola e de sua permanência nela e assim se explicam tanto o significativo índice
de analfabetismo da população como seu baixo grau de escolarização.
Jamary é uma comunidade bastante fechada, isto é, com pouco contato com o meio
exterior. Trata-se de uma área rural, com casas de taipa e algumas de alvenaria; não possui
cobertura telefônica; o sinal de internet só é acessível em apenas em uma das escolas; só
51
possuem aparelhos de televisão em algumas casas, e o rádio sintoniza apenas as estações mais
próximas da região.
Figura 3 - Mapa de Turiaçu com a localização da comunidade rural Jamary dos Pretos.
Para a pesquisa que deu origem à presente dissertação, selecionamos dados de fala de
24 informantes, sendo 16 de São Luís e oito de Jamary dos Pretos, divididos igualmente entre
os dois sexos – masculino e feminino – e duas faixas etárias – faixa I, 20 a 45 anos, e faixa II,
de 55 ou mais. Os informantes são naturais da localidade pesquisada ou nela vivem há, no
mínimo, um terço de suas vidas.
52
O fator escolaridade também foi considerado, uma vez que buscamos investigar se o
conhecimento da língua padrão influencia diretamente nas crenças e atitudes que os falantes
entrevistados podem ter acerca da estrutura. No entanto, devido ao baixo grau de escolarização
dos moradores de Jamary dos Pretos, optamos por analisar os níveis de escolaridade – ensino
fundamental (Grau I) e ensino superior (Grau II) – apenas na capital do Estado, São Luís.
SÃO LUÍS
Informante Faixa etária Escolaridade Sexo
1 Mulher
2 Homem
Grau I
3 Mulher
4 Homem
Faixa I
5 Mulher
6 Homem
Grau II
7 Mulher
8 Homem
9 Mulher
10 Homem
Grau I
11 Mulher
12 Homem
Faixa II
13 Mulher
14 Homem
Grau II
15 Mulher
16 Homem
JAMARY DOS PRETOS
Informante Faixa etária Escolaridade Sexo
17 Mulher
18 Homem
Faixa I
19 Mulher
20 Homem
Grau I
21 Mulher
22 Homem
Faixa II
23 Mulher
24 Homem
Fonte: elaborado pela autora
Como critério de seleção dos informantes, optamos por utilizar as entrevistas em que:
(i) ocorreu maior uso de estruturas negativas em discursos livres, a saber: negativa pré-verbal,
53
dupla negação e negação pós-verbal, para que pudéssemos observar a expressão da dupla
negação em relação às outras estruturas; (ii) os informantes foram mais espontâneos e
desinibidos em sua fala.
A Ficha do Informante (cf. Anexo 2) foi elaborada com base na Ficha de Informante
usada pelo projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA) 20 e reúne informações gerais
acerca dos falantes, como sexo, faixa etária, nível de escolaridade, diversões e lazer. Há ainda
um campo para observações para que o entrevistador possa explicitar suas impressões acerca
da entrevista (cf. CARDOSO, 2010).
20
O Projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA) é um projeto que se insere na área da sociolinguística e
dialetológica e tem como objetivo primeiro investigar as particularidades do português maranhense nos diversos
níveis de análise linguística. O ALiMA segue a mesma orientação teórico-metodológica do Atlas Linguístico do
Brasil (ALiB), usando, portanto, os mesmos instrumentos de pesquisa elaborados pelo ALiB, mas com algumas
modificações, de modo a dar conta das particularidades linguístico-culturais do Estado. A equipe de de
pesquisadores do atlas estadual também integra a equipe de pesquisadores da nacional.
54
pois foram necessárias atualizações para que estes se tornassem mais eficazes e de fácil
compreensão para os informantes.
Além dos instrumentos que serviram de apoio para a recolha dos dados analisados
neste trabalho, elaboramos ainda um teste de falsos pares, a fim de observar se este seria um
instrumento válido para alcançarmos nossos objetivos, tendo em vista que esse é um dos testes
mais utilizados em análises de crenças e atitudes linguísticas (cf. Apêndice 3).
Vale lembrar que outro critério utilizado para a seleção das perguntas foi a
predisposição à realização da negação; para isso, buscamos manter os temas que poderiam
suscitar o aparecimento de estruturas negativas no discurso.
Após esses ajustes, a versão final do Roteiro utilizado para esta pesquisa (cf. Apêndice
2) apresenta 17 tópicos/questionamentos que possibilitam ao informante discorrer sobre suas
experiências pessoais e opiniões a respeito de assuntos específicos. Segundo Tarallo (1997, p.
23), esse modelo de entrevista, que permite ao falante relatar suas experiências, é bastante eficaz
na investigação de fenômenos linguísticos, pois envolve o falante em suas memórias e
sentimentos, fazendo-o voltar sua atenção para o que diz e não para a forma como diz.
4.3.2 Testes
A utilização de testes de Produção e Percepção tem sido cada vez mais frequente em
pesquisas sociolinguísticas, principalmente na análise de fenômenos fonético-fonológicos (cf.
LABOV, 1966; SILVA, 2005; BATTISTELLA, 2010; SANTOS, 2014). A pesquisa de Labov
(1966), na qual o autor investiga a variação dos ditongos /ay/ e /aw/ na comunidade de Martha’s
56
Vineyard, é uma das pesquisas que mais se destaca neste meio, pois foi ele um dos pioneiros a
sugerir a investigação da consciência sociolinguística dos falantes, isto é, do saber que a
comunidade tem ao preferir uma forma em detrimento de outra(s), geralmente quando aquela
se caracteriza por ser uma forma pertencente a um espectro mais elevado. (cf. LÓPEZ
MORALES, [1989] 2004).
Gómez Molina (1998, p. 25) ressalta os benefícios desse tipo de investigação para os
estudos sociolinguísticos, afirmando que há diversas contribuições da análise de atitudes
linguísticas relacionadas com o comportamento interativo e social do falante, como, por
exemplo,
Entendemos que, para que esse tipo de análise seja possível, é necessária a aplicação
de testes de produção e percepção. Tarallo (1983), em sua tese de doutorado intitulada
Relativization strategies in Brazilian Portuguese, utilizou testes com o intuito de coletar
informações que pudessem substanciar suas análises. Em seu livro A pesquisa sociolinguística,
o autor comenta que, “(...) ao submeter seus informantes a testes, você estará definitivamente
embutindo as variantes no meio social em que elas coexistem.” (TARALLO, 1997, p. 54).
Portanto, considerar a opinião do falante na pesquisa amplia a visão do pesquisador a respeito
do fenômeno estudado, de modo a acrescentar uma nova dimensão ao trabalho.
4.3.2.1 Produção
21
Tradução livre de: “actúa de forma muy activa en los cambios de código o alternancia de lenguas; es un factor
decisivo, junto a la conciencia lingüística, en la explicación de la competencia de los hablantes; permite
aproximarnos al conocimiento de las reacciones subjetivas ante la lengua o lenguas que usan los hablantes; influye
en la adquisición de segundas lenguas, etc.” (GÓMEZ MOLINA, 1998, p. 25)
57
resposta, com vistas a simular um momento de interação real entre ele e um interlocutor que é,
no caso, o pesquisador.
Trecho 4:
DOC.: Ei, V., e tu achas que existe vida na Lua?
INF.: Não, tem não. Só aluados.
(inf. 5)
22
As perguntas iniciais do teste eram:
1) Você tem filhos?
2) Eu gosto de dançar. E você?
3) Já viajou para fora do Maranhão? Já viajou para o Amazonas? (Outro lugar que a pessoa provavelmente
não visitou)
4) Eu comprei umas bananas que não estão mais onde deixei. Você comeu minhas bananas que estavam
ali?
5) Você brincava de peão quando era criança?
Essas perguntas foram pensadas com base em nossas observações a respeito dos contextos/situações em que se
observa a realização da dupla negação, e nos estudos de Schwenter (2005); Furtado da Cunha(2001) e Roncarati
(1996) sobre a negação.
58
acreditamos que a relação entre primos não é tão forte quanto a de uma mãe e seu filho e, assim,
o sentimento de rejeição não aconteceria ou seria atenuado.
Como mais uma tentativa para atenuar essa situação de desconforto, no momento da
explicação do teste, dissemos aos informantes que naquele momento participaríamos de uma
brincadeira, um jogo descontraído durante o qual eles teriam que responder a questionamentos
negativamente. Utilizando essa estratégia, percebemos que os entrevistados começaram a se
sentir mais confortáveis.
Ainda com relação a essa questão, convém ressaltar que, embora a tipologia das
perguntas não tenha sido selecionada como uma das variáveis em nossa pesquisa, usamos
perguntas de sim/não e perguntas indiretas, por crermos que esses tipos de estrutura propiciam
o uso da negação. De acordo com Roncarati (1996), as variantes não-canônicas de negação têm
frequência mais baixa em respostas a perguntas indiretas, nas quais o verbo não é empregado
no questionamento, principalmente no que tange à negação pós-verbal.
Assim, perguntas como “Eu adoro sushi. E você?” – pergunta indireta – não suscitaria
tanto a realização da negação não-canônica como em “Você gosta de cultura japonesa?” –
pergunta direta –, em que o verbo aparece explicitamente, motivando o uso da construção.
Vale ressaltar que, para que o informante não fosse influenciado pela fala do
entrevistador, tivemos o cuidado de explicar o teste sem utilizar o advérbio de negação “não”.
23
Essa pergunta faz parte da subseção Colocação do NÃO em respostas negativas da seção Advérbio do
Questionário Morfossintático usado pelo ALiMA.
59
4.3.2.2 Percepção
Para que fosse possível analisar a percepção dos falantes, isto é, como o falante avalia
o uso da dupla negação, seus níveis de consciência linguística, atitudes e crenças, fez-se
necessário aplicar um Teste de Percepção.
Fizemos um levantamento dos testes já realizados e optamos por nos basear, a priori,
no trabalho de Nunes (2014), por também ser uma pesquisa que visa ao estudo da dupla
negação, apesar de apresentar objetivos diferentes dos nossos 24. Esse teste serviu como ponto
de partida para a elaboração das situações que foram utilizadas como estímulo neste trabalho.
Vale destacar também os estudos de Roncarati (1996) a respeito da negação, uma vez que a
autora contou com testes de atitudes para observar a avaliação dos falantes a respeito das
estruturas negativas. No entanto, não tivemos acesso a esse material e nem sobre a forma como
ele foi aplicado.
Segundo López Morales (2004) e Moreno Fernández ([1998] 2009), há duas vertentes
na questão das atitudes: mentalistas e comportamentalistas. A primeira se caracteriza por definir
atitude como uma disposição mental, enquanto a segunda observa a atitude como
comportamento em resposta a estímulos, analisando as respostas de falantes diante de
determinadas situações sociais. Adotamos para a pesquisa a segunda definição, que permite
24
O trabalho de Nunes visa ao estudo da dupla negação nas posições de tópico e comentário em contextos
discursivos.
60
investigar atitudes linguísticas por meio da aplicação de questionários e testes de medição direta
de comportamentos.
A estrutura dos materiais de medição direta pode ser tanto fechada – quando são
oferecidas ao informante opções limitadas de respostas – quanto aberta – no caso em que o
falante responde como lhe convém, da maneira que considera mais adequada. (cf. MORENO
FERNÁNDEZ, [1998] 2009, p. 185). No teste de percepção, trabalhamos com os dois tipos de
estrutura. (cf.Apêndice 2).
25
Tradução livre de: “manifestación de la actitud social de los individuos, distinguida por centrarse y referirse
específicamente tanto a la lengua como al uso que de ella se hace em sociedade” (MORENO FERNÁNDEZ, 2009,
p. 177)
61
Para as SE, adotamos uma estrutura fixa: um contexto, explicitado oralmente; a fala
de uma pessoa; e três opções de réplica de outra. Cada uma dessas três opções segue uma
estrutura negativa distinta, para que o falante possa escolher a estrutura que considera mais
adequada ao contexto. Dependendo da resposta do falante, perguntamos por que ele optou ou
não pelo uso da dupla negação.
Após a elaboração das situações, fizemos as gravações dos áudios que serviram como
estímulo. Os áudios foram gravados em formato .mp3 com auxílio de um telefone celular e de
um gravador portátil. No momento da gravação, entregamos um roteiro previamente elaborado
ao falante e pedimos que lesse as situações e depois as reproduzisse da forma mais espontânea
possível.
26
Para os estudantes de Letras consultados, a dupla negação seria mais adequada na SE 8, pois, segundo eles, seria
mais amena, menos cortante; enquanto a negação pré-verbal seria mais adequada na SE 9, pois, por parecer mais
ríspida, demonstraria a chateação da namorada.
62
experimentais, um informante relatou que o áudio com a reprodução dos contextos lhe causou
estranhamento, pois pareciam situações informais, mas que estavam retratadas com uma
linguagem relativamente formal. Por isso, optamos por retirar os contextos dos áudios e deixar
apenas as opções com estruturas negativas. Assim, no momento da aplicação, o entrevistador
explicaria o contexto de forma espontânea e reproduziria apenas as opções de estruturas
negativas nos áudios.
Para que chegássemos à versão final do teste, foram necessárias seis atualizações, pois
várias modificações foram feitas a partir das entrevistas experimentais que foram realizadas
com o propósito de verificar a eficácia dos testes e, principalmente, dos estímulos gravados.
Para que fiquem claras todas as etapas de elaboração, comentamos brevemente cada uma das
versões, justificando as alterações feitas.
A versão inicial continha quatro situações com apenas uma opção de resposta, que
continha uma estrutura com dupla negação27. Inicialmente, pensamos em não apresentar as
outras estruturas negativas, pois buscávamos investigar apenas a percepção do falante a respeito
da dupla negação. Os contextos, nesse caso, serviriam apenas de apoio para a realização da
negação. Porém, posteriormente, pensamos que seria oportuno fornecer aos informantes opções
com as três estruturas negativas características do PB, o que lhes permitiria optar ou não pela
dupla negação. Dessa forma, ampliaríamos nosso corpus e a extensão de nossas análises.
Considerando os estudos de Roncarati (1996), Furtado da Cunha (2001), Schwenter (2005), que
afirmam que há contextos discursivos em que a dupla negação – e a negação pós-verbal – não
podem ser empregadas, buscamos verificar se o falante tem consciência dessa propriedade das
estruturas.
Os contextos desse primeiro momento foram elaborados com base no teste de Nunes
(2014), uma vez que ainda estávamos em uma fase bastante inicial da pesquisa e ainda não
tínhamos muita leitura sobre percepção, atitudes e crenças linguísticas.
27
A seguir, as situações- estímulo da primeira versão do teste:
1. Em uma festa de aniversário, os pais do aniversariante/donos da casa perguntam: Quer um pedaço de
bolo?
Não quero não. Já comi.
2. Mas tu vais ou não pro cinema?
Não vou não. Tenho muita matéria pra estudar.
3. Estudou para prova de literatura?
Ah, fiquei tanto tempo fazendo aquela atividade que não tive tempo. Não estudei não.
4. Já entrevistou a Luíza?
Já sim. Até que ela não é ruim não. É muito esforçada.
63
Nesse momento também pensamos em fazer duas vias do teste: uma para o
entrevistador, contendo os contextos e as opções, e outra para o entrevistado, com apenas as
opções de resposta, intitulada Via do falante. O objetivo dessa segunda via era facilitar a
acompanhamento do teste para o entrevistado, uma vez que ficaria claro para ele quais
estruturas estavam sendo analisadas. No entanto, na entrevista experimental em que esse
instrumento foi utilizado, percebemos que a entrevistada não apresentou uma boa reação, o que
causou o comprometimento da coleta de dados. A dupla negação na escrita parece lhe ter
causado estranhamento: segundo ela, é estranho ver uma frase escrita com dois advérbios de
negação, como evidencia o trecho a seguir:
Trecho 5:
(Falante: mulher, primeira faixa etária, ensino superior, São Luís. Nesse momento, ela responde a
indagações sobre a situação-estímulo1)
DOC.: Qual dessas tu responderias?
INF.: “Quero não, já comi”.
DOC.: Assim que tu falarias?
INF.: Ahn rã.
DOC.: Por quê?
INF.: Num sei, parece que eu falaria isso. Me imaginei dizendo e imaginei dizendo “quero não”.
DOC.: “Quero não”...
INF.: Em vez de negar duas vezes...
DOC.: Uhn run. Mas por que tu não negarias duas vezes?
INF.: Fica esquisito.
DOC.: Tu achas estranho negar duas vezes?
INF.: É... “Não. quero. não” (pausadamente).
DOC.: Mas tu não falas assim? “Não quero não”, “não sei não”?
INF.: Eu falo! Mas olhando assim, no papel, fica esquisito.
28
Vale ressaltar que, no momento das entrevistas, alguns falantes não conseguiram explicar o motivo de suas
escolhas. Acreditamos que, nesses casos, o informante apresenta um baixo nível de percepção da variante, já que
não consegue informar características especificas da negação que o fizeram optar por essa forma. Outros ainda
relataram que não percebiam diferenças entre as opções, o que demonstra nenhuma consciência acerca das
estruturas, porém essas questões serão explicitadas no momento da análise.
64
por unanimidade, a negação pré-verbal, estrutura canônica, foi a escolhida pelos informantes,
com 184 realizações. Para a autora, isso ocorre devido aos estágios iniciais de gramaticalização
em que as duas estruturas não-canônicas se encontram. Interessante observar que o falante não
demonstrou incômodo em relação à negação pós-verbal em sua forma escrita, mesmo sendo
esta, também, uma estrutura de uso coloquial. Com base nessas observações, decidimos não
mais apresentar o texto sob a forma escrita.
Na quarta versão, acrescentamos mais duas situações para verificar o uso da dupla
negação em frases interrogativas, que foram encaixadas logo no início do teste. A primeira foi
baseada em exemplos dados por Cavalcante (2007), que afirma que, em frases interrogativas
em que a proposição não foi ativada anteriormente, as estruturas com dupla negação se tornam
agramaticais. Buscamos, com essa situação, investigar se nossos informantes partilham da
mesma opinião. Já a segunda foi adicionada por evidenciar um momento de surpresa, que
favorece o uso da estrutura, conforme Furtado da Cunha (2001).
Na quinta versão do teste, deslocamos a situação 14, até então posicionada no início
do teste. Ela foi inserida para que pudéssemos verificar se os informantes optariam pela dupla
negação em um contexto no qual o interlocutor – no caso, a mãe –, mostra-se contrariada com
o fato da filha que não queria ser medicada.
Na sexta e última versão do teste, decidimos transferir as três primeiras situações, nas
quais a dupla negação aparecia em frases interrogativas, para o final do teste, pois consideramos
que seria mais fácil para o leitor começar observando o uso da dupla negação em frases
declarativas, contextos mais favoráveis à sua ocorrência.
Vale lembrar que, no momento de aplicação do teste em Jamary dos Pretos, foi
necessário adaptar algumas situações, para que pudessem condizer com a realidade dos
moradores do quilombo. Como sabido, para que possamos observar as atitudes dos falantes em
relação à estrutura em estudo, é importante que estes se identifiquem com as situações a fim de
sinalizar como responderiam se estivessem inseridos nos contextos. Não consideramos, no
entanto, essa adaptação como uma atualização do teste, pois os contextos continuaram
basicamente os mesmos e as interferências foram mínimas.
65
ÁUDIO 1
Você viu o copo que estava em cima da mesa?
Não vi não, mas eu acho que tá em cima do armário.
ÁUDIO 2
Tu sabes onde fica o mercado?
Não sei, mas deve ter um aqui perto.
ÁUDIO 3
Você viu o copo que estava em cima da mesa?
Não vi não.
66
ÁUDIO 4
Tu sabes onde fica o mercado?
Não sei.
Como nosso interesse é apenas verificar se tal instrumento aponta para os mesmos
resultados encontrados em nossa pesquisa, por meio da aplicação do Teste de Percepção,
aplicamos o Teste de Falsos Pares a apenas cinco falantes maranhenses, nos quais apenas um
deles – informante 6 – ~coincide com os demais informantes maranhenses selecionados para a
pesquisa.
29
A pergunta 9, por se tratar de uma pergunta aberta, não pode ser classificada como indicador de característica
positiva ou negativa.
67
A pesquisa de campo nas duas localidades investigadas foi realizada com o apoio dos
instrumentos elaborados previamente – Ficha do Informante, Ficha de Acompanhamento,
Roteiro de Discurso Semidirigido, Teste de Produção, Teste de Percepção –, dois gravadores,
uma caixa de som e um pen-drive que continha os áudios a serem reproduzidos no momento do
segundo teste.
O ambiente escolhido para a realização das entrevistas foi a residência dos próprios
informantes ou algum ambiente que lhes fosse familiar, uma vez que é de extrema importância
que o falante se sinta confortável para que possa se expressar da forma mais natural possível.
Considerando ainda o Paradoxo do Observador (TARALLO, 1997), tentamos minimizar ao
máximo as interferências negativas que a nossa presença poderia causar durante a entrevista.
Quase todas as entrevistas, com exceção das experimentais, foram realizadas com o auxílio de
uma bolsista do Programa de Iniciação Científica, da aluna Layane Sousa, da graduação do
Curso de Letras e auxiliar do Projeto ALiMA. Vale lembrar que essa aluna também
desenvolveu uma pesquisa acerca da dupla negação no português maranhense (SOUSA, 2016),
cujos dados foram comentados no Capítulo 3 desta dissertação.
aleatoriamente. Nesta etapa, essas pessoas não só responderam às perguntas, como também
foram solicitadas a emitir opiniões acerca da forma como o teste estava sendo aplicado.
Vale ressaltar que, além das entrevistas experimentais, conversamos também com
alunos de graduação do curso de Letras para verificar se estes compartilhavam das mesmas
suposições que nos motivaram a criar algumas situações-estímulo, principalmente no que tange
ao fator intencionalidade.
Concluída a versão final dos testes, partimos para a realização das entrevistas
definitivas em São Luís. Entrevistamos 22 informantes na localidade, entretanto, dessa amostra,
16 foram considerados para compor o corpus da pesquisa. Para a seleção, levamos em conta o
número de realizações de estruturas negativas em discursos livres e a espontaneidade do sujeito
da pesquisa no momento da fala.
Após a realização das entrevistas em São Luís, viajamos para Jamary dos Pretos para
a coleta dos dados na comunidade. Passamos lá quatro dias e entrevistamos 12 quilombolas
para a composição da amostra. Destes, selecionamos oito informantes para constituição do
corpus, seguindo os mesmos critérios adotados em São Luís, com exceção do nível de
escolaridade, tendo em vista que, em Jamary, como assinalado anteriormente, trabalhamos
apenas com informantes com escolaridade de nível fundamental.
a) Localidade
b) Sexo
70
É notório que há diferenças entre homens e mulheres que vão além da fisiologia. Suas
posições na sociedade implicam distinções em comportamentos não só sociais, como também
linguísticos. Labov ([1966] 2006, [1972] 2008) sinaliza que as mulheres, por exemplo, tendem
a realizar formas menos estigmatizadas que os homens em contextos monitorados, pois se parte
do pressuposto, dentre outros, de que o meio social geralmente cobra da mulher um
comportamento mais formal, rígido, em diversas áreas, incluindo a linguística. (cf. CEZARIO
& VOTRE, 2015).
No que tange à análise desse fator em estruturas negativas, os estudos divergem quanto
à frequência de dupla negação entre os dois sexos. Apesar de esse fator não ter sido considerado
relevante em pesquisas quantitativas já realizadas a respeito da dupla negação, consideramos
analisá-lo a fim de verificar se o pressuposto de Labov ([1966] 2006, [1972] 2008) se
confirmaria: o uso da variante não-padrão – neste caso, a dupla negação – seria ou estigmatizado
pelas mulheres.
c) Faixa Etária
30
Vale ressaltar que, na análise feita por Souza e Lucchesi (2004), os autores amalgamaram as estruturas dupla
negação e negação pós-verbal, considerando a segunda uma variação fonética da primeira.
71
d) Escolaridade
Verificamos, também, se os dados coletados por meio da aplicação dos nossos testes
corroboram os resultados de Alkmim (2001) que, ao realizar uma pesquisa com aplicação por
meio de testes de atitudes a falantes de Ouro Preto, observou que, aos usuários de negação pós
verbal – outra variante não-canônica atribuída ao uso coloquial da língua –, foram atribuídos
empregos/ocupações associadas a status social mais baixo, levando-nos a deduzir que o uso
dessa estrutura é de menor prestígio social.
Assim, selecionamos dois graus de escolaridade para serem avaliados nesta pesquisa:
Grau I – falantes que estudaram até o ensino fundamental –, e grau II – falantes que estão
cursando ou já completaram um curso de nível superior.
a) Ativação da proposição
A variável ativação da proposição é apontada como uma das mais relevantes para o
estudo da realização das estruturas negativas não-canônicas. Schwenter (2005) defende a
hipótese de que, para que a dupla negação seja permitida no discurso, a proposição negada tem
que ser ativada anteriormente no discurso Isto é, a proposição é ativada quando está inserida de
alguma forma no discurso, no processo de comunicação verbal. Essa propriedade não deve ser
72
A proposição pode ser ativada tanto por meio de uma referência explícita à informação
negada, ou seja, pode ser proferida verbalmente por um dos envolvidos no processo
interacional, como também pode ser inferida durante o diálogo, por meio de gestos, olhares,
entre outros fatores não verbalizados no discurso.
Assim, a ativação da proposição seria um licenciador para o uso das negativas não-
canônicas, por isso resolvemos testar essa hipótese, verificando se a variante apresenta
ocorrência sem que a proposição esteja ativada e se, quando ativada, esse processo acontece de
forma direta ou inferencialmente. Sendo assim, a negação pré-verbal seria a única possível em
contextos nos quais a informação fosse nova, isto é, quando a proposição não for ativada. A
seguir, apresentamos os exemplos 6, 7 e 8, retirados de nossa amostra:
Trecho 6:
DOC.: E essas manifestações folclóricas? A senhora costuma ir, assistir quando tem...
INF.: Só pela televisão.
DOC.: Só pela televisão, né?
INF.: Primeiro, você não pode mais estar no meio de muita multidão.
AUX.: É verdade...
(Inf.8)
Trecho 7:
DOC.: Mas a senhora conhece, assim, alguém próximo [casados com primos]...
INF.: Da minha família, não.
DOC.: Não, amigos, amigas suas assim...
INF.: Deixa eu ver...
DOC.: Conhece?
INF.: Agora eu não lembro não, mas deve ter mais distante.
(Inf.8)
Trecho 8:
DOC.: Ai ai... E a senhora é membro de alguma associação aqui do bairro?
INF.: Já fui, hoje não sou mais não.
(Inf.8)
73
Buscamos ainda verificar se o falante percebe que, em contextos nos quais não há
ativação da proposição, a dupla negação não seria adequada e se ele consegue justificar sua
resposta. Os trabalhos de Furtado da Cunha (2001) e Rocha (2013), Goldnadel et al (2013)
ratificam essa ideia.
(i) sequências dialogais – aquelas em que há maior troca de turno entre os interlocutores,
geralmente em um contexto de perguntas e respostas;
Trecho 9:
DOC.: E... é... peraí que eu me perdi. E tu lembras de algum grupo do teu bairro?
INF.: Não, odeio meu bairro. Odeio esse pessoa do meu bairro.
DOC.: Menino, mas tu eras até amigo das velhinhas marocas do teu bairro?
INF.: Eu era. Não, essas são minhas amigas.
DOC.: Elas são novas? Elas são mais velhas?
INF.: Elas são mais novas que eu um ano só. A gente tem amizade de infância.
DOC.: Ah, é? Eu jurava que eram pessoas bem velhinhas.
INF.: Não, não. A gente é amigo desde criança.
DOC.: Aí ficam só vocês na porta marocando?
INF.: E não é só a gente não. A rua toda é assim.
(Inf.5)
INF.: Olha, a noite, meu pai, minha mãe, não ficava muito não, porque ela era costureira e
era eu, meu pai e meu irmão. A história, a gente contava histórias no meio da noite. Tinha
muito esse costume. Quando os meus filhos era pequenos também, quando eu chegava do
colégio umas 6 horas, tomava meu banho, jantava, via as lições deles e tudo, aí a gente ia
contar história. Quando dava pro lado, um já tava dormindo, outro num demorava, o outro
dormia também e a contadora já tava dormindo também.
(Inf. 8)
(iv) sequências narrativas de fatos não pessoais – aquelas em que o falante narra fatos ou
histórias;
Trecho 12:
DOC.: (risos) E de amarelinha? A senhora costumava brincar?
INF.: Jogar bola, chuchu... tudo isso eu brinquei. Hoje você não vê ninguém brincando, às
vezes a gente ainda faz alguma coisa assim, quando eu ensinava o quinto ano, a escola é muito
grande, a gente ia empinar papagaio lá na quadra.
DOC.: Uhn run.
INF.: Cansada de fazer isso.
DOC.: E hoje...
INF.: Não, hoje não tem não. E mesmo menino não quer mais isso não. Menino que quer é
menino pequenino, mas esses outra já do quinto, sexto ano, num querem não.
(Inf. 8)
Trecho 13:
(ii) Nível Um
Trecho 14:
Trecho 15:
AUX.: Na escola os meninos falam?
INF.: Não, é muito difícil. Geralmente é quando eles vêm de outros lugares assim, aí a
gente vai dando um jeitinho aqui pra ele ir conversando melhor. Mas a gente conversa,
tem gente que conversa é muito!
AUX.: Uhn run. Outros lugares como, assim?
INF.: Interior. Muito, muito...
(...)
AUX.: A senhora não falaria “Não fui eu não”?
INF.: Não. Não falo assim essas coisa não. L. brinca muito comigo. “Poxa, mãe! A senhora
presta atenção...”, “Mas, minha filha! Como é que eu não vou prestar atenção?
(Inf. 5)
Trecho 16:
INF.: A primeira.
DOC.: A primeira?
INF.: Sim.
DOC.: “Ixe, desliguei o fogão não”, é?
INF.: Uhn run.
DOC.: Por quê?
INF.: Porque eu estaria respondendo só a pergunta que ela fez diretamente.
(Inf. 6)
b) Atitudes linguísticas
Essas reações – as atitudes dos falantes – podem ser tanto positivas, negativas ou
neutras (que caracteriza a ausência de atitude), como evidenciadas nos exemplos a seguir:
(i) Atitude positiva
Trecho 17:
Trecho 18:
DOC: A senhora acha essa resposta, ela é natural pra senhora (Não quero não. Já comi), é
estranha, ela é comum?
INF: É, ela é comum, porque as pessoas aqui... elas têm essa mania de negar. Não, de repeti o
NÃO duas vezes. Dizer: Eu não quero não.
DOC: Ah tá.
INF: Isso aí é um hábito que as pessoas têm, um... Eu não sei nem como te explicar. Dizer o
nome disso, mas elas sempre falam assim.
DOC: Uhn... tá. A senhora acha que isso acontece muito aqui, em São Luís.
INF: Acontece muito. Inclusive eu falo assim.
(...)
INF: É... Eu sei que não é certo, mas digamos que é o comum as pessoas falarem assim.
DOC: Certo. A senhora acha comum, né?
INF: Eu acho.
(Inf. 8)
Trecho 19:
DOC.: Qual desses três jeitos a senhora acha que falaria numa situação dessa?
INF.: Acho que “E tu não feh não!” (risos)
DOC.: Porque a senhora falaria assim?
INF.: Porque eu ia perguntar quase com certeza que ele não tinha feito, porque já faz tanto
tempo, né?
(Inf.9)
Com base nesses pressupostos, avaliamos as atitudes dos falantes como positivas ou
negativas, com vistas a observar se a dupla negação é estigmatizada pelos falantes entrevistados
para a pesquisa. Nossa hipótese é que os falantes apresentam atitude negativa perante a variante,
por não esta não ser a variante padrão,
d) Crenças
Assim, quando o falante diz que percebe a realização da dupla negação e não se
reconhece como usuário por achar que esta se refere à fala típica de pessoas interioranas (cf.
Exemplo 17), observamos que a opinião emitida por ele reflete sua crença a respeito da variante,
evidenciada também por meio de sua atitude negativa, ao rechaçar o uso do que considera
incorreto, inadequado.
Com isso, buscamos verificar quais são as crenças dos falantes a respeito da dupla
negação e se estas condizem com a realidade de uso da variante. Relacionamos também essas
crenças com o nível de consciência e o tipo de atitudes adotado por eles.
Como visto no item 4.2, nosso corpus foi extraído de uma amostra formada por dados
de 32 sujeitos, sendo 20 de São Luís e 12 de Jamary dos Pretos. Dessa amostra, selecionamos
dados de 24 sujeitos, sendo 16 de São Luís e oito de Jamary. O corpus é constituído por: (i) um
conjunto de realizações da dupla negação de níveis de estímulo 1 e 2, extraídas de discursos
livres, conforme indicado no início deste capítulo, que foram analisadas conforme as variáveis
79
Para que fosse possível comparar o uso da dupla negação com as percepções que os
usuários têm a respeito da variante, reunimos em nosso corpus dados que foram catalogados
segundo níveis de estímulo, conforme indicado no início deste capítulo. Com isso, os dados
foram organizados em um arquivo Excel, dividido em quatro planilhas, nomeadas conforme os
instrumentos de pesquisa e suas respectivas etapas. São elas: Discurso livre, Teste de Produção,
Teste de Percepção I e Teste de Percepção II.
31
Nas situações em que o falante indicou mais de uma estrutura adequada para os contextos que lhe foram
apresentados, todas as suas respostas foram incluídas na planilha. O mesmo procedimento foi adotado para os
casos de inadequação apontados pelo falante.
32
As crenças a respeito da dupla negação foram destacadas em vermelho.
80
Vale ressaltar que optamos por não fazer uma análise puramente quantitativa, pois
nosso foco não é apenas mostrar frequência de uso das variantes de acordo com os fatores
selecionados, mas analisar os dados mais profundamente, relacionando-os com as percepções
dos falantes, de modo a nos permitir enxergar o fenômeno tanto sob os olhos do pesquisador,
como dos pesquisados/falantes em evidência.
Síntese do capítulo
Este capítulo apresentou uma explicação detalhada das etapas necessárias para o
desenvolvimento da pesquisa que deu origem à dissertação. Aqui, explicitamos a elaboração
dos instrumentos da pesquisa, escolha das localidades, delimitação do perfil dos informantes,
organização dos dados dentre outros passos. Após a conclusão dessas etapas, seguimos para
descrição e análise dos dados, como mostra o capítulo a seguir.
81
Por fim, analisamos os comentários feitos pelos falantes a respeito da dupla negação
no momento da aplicação do Teste de Percepção. Observamos as crenças que demonstram e
suas atitudes perante o emprego da estrutura. Esses dados foram cotejados com o uso real que
eles fazem da dupla negação.
A análise dos dados está organizada em níveis de estímulo. Dessa forma, podemos,
primeiramente, observar as ocorrências da dupla negação em uso real e, a seguir, fazer uma
análise gradativa, relacionando esses resultados com as demais escolhas feitas pelos
informantes ao longo das entrevistas.
5.1 A dupla negação no português falado no Maranhão: análise dos dados relativos ao
nível 1 de estímulo
Tabela 2 - Distribuição geral das ocorrências de estruturas negativas, considerando realizações de Neg1 em
contextos de informação nova
Tabela 3 - Distribuição geral das ocorrências de estruturas negativas, considerando apenas realizações nas quais
as três estruturas são intercambiáveis
Quanto à dupla negação, registramos apenas 133 ocorrências, num universo de 770
estruturas, contabilizando 17% das realizações. Schwenter (2005) observa que essa estrutura
geralmente é apontada como a segunda estrutura mais frequente nos estudos sobre a negação
no PB, apesar de sua frequência atingir em média 30%, o que não chega a ser nem metade das
realizações. No trabalho de Rocha (2013), por exemplo, a frequência de Neg2 não ultrapassa
15% das realizações em nenhuma das amostras consideradas para a pesquisa – Amostra Geral:
5,8%; Amostra Geração: 6,2%; Amostra Região: 5%; Amostra Geral 2: 13,9%.
A mesma observação pode ser feita a respeito dos demais estudos que enfocam a
negação no português falado, principalmente em localidades das regiões Sul e Sudeste do
Brasil. Estudos considerando o português falado em Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre,
registram frequência de 4,4%, 2,6% e 0,6% de dupla negação, respectivamente (cf.
GOLDNADEL et al, 2013). Essa frequência se torna relativamente maior quando considerados
os estudos realizados na Região Nordeste do país, como nos trabalhos de Roncarati (1996),
sobre o português falado em Fortaleza (18%), e o de Furtado da Cunha (2001), sobre o
português falado em Natal (20,6%).
No que tange à realização de Neg3, constatamos que, assim como na maioria dos
estudos já realizados sobre essa estrutura, sua frequência é bastante baixa: das 511 estruturas
negativas identificadas nesta pesquisa, apenas 17 delas foram realizações de negação pós-
verbal, reunindo apenas 6% das realizações. Observamos frequência similar no estudo de Rocha
(2013), cujo registro é de 0,5%, na cidade de São Paulo, e no de Nascimento (2014), com 1,5%,
no português falado em Vitória.
84
a) Localidade
Considerando que há trabalhos que estudam a negação tanto na realidade rural quanto
urbana, buscamos com este estudo fazer uma comparação entre essas realidades tomando para
tanto as localidades Jamary dos Pretos e São Luís, para representarem o português falado no
Maranhão. Vale ressaltar, no entanto, que nosso objetivo com esta comparação não é verificar
a suposta origem africana da estrutura, mas sim verificar o comportamento da dupla negação
em duas realidades sociais distintas.
2
0,85%
30
Jamary dos Pretos
13%
199
86,15%
16
3% 103
São Luís
19%
421
78%
33
Vale ressaltar que não usamos o programa GoldVarb para a análise, pois, após a primeira rodada de dados, o
programa não selecionou nenhum dos fatores como relevante para análise, o que fortalece a observação de
Schwenter (2005), ao ressaltar que a realização da dupla negação independe de fatores sociais, sendo uma escolha
guiada principalmente por questões pragmáticas.
86
Vale ressaltar que, para este cômputo, não houve uma divisão igualitária de
informantes entre as duas localidades, uma vez que, em São Luís, foram considerados 16
informantes e, em Jamary, apenas oito, totalizando os 24 informantes selecionados para este
estudo.
b) Sexo
Nas pesquisas a respeito das estruturas negativas no PB, nem sempre a variável sexo
é considerada relevante. Para Alkmim (2001), por exemplo, os dados não mostraram diferenças
significativas entre os dois sexos e, por isso, não foi considerado. A pesquisa de Nascimento
(2014), no entanto, considera esta variável e a aponta como relevante no que tange à realização
da negação pré-verbal, favorecida pelos homens (PR .53), e a dupla negação, pelas mulheres,
com mesmo peso relativo. Segundo a autora, esse resultado não corrobora a proposta laboviana
de que a variante padrão seria mais frequente entre as mulheres, em fenômenos em situação de
variação estável.
negação pré-verbal – devido à cobrança social que impõe um comportamento compatível com
as regras determinadas pela sociedade.
Apesar de não haver um consenso quanto ao resultado dessa variável nas pesquisas
que concernem à dupla negação, optamos por considerar a variável sexo a fim de observar o
comportamento da estrutura diante dessa variável. O gráfico 2 mostra apenas as realizações de
Neg2 por parte dos 24 informantes.
57
43%
76
57%
Homem Mulher
Por meio do Gráfico 2, verificamos uma distribuição quase igualitária entre os dois
sexos, sendo a realização da dupla negação levemente favorecida pelas mulheres, reunindo 57%
das realizações. Observamos que esse resultado se distancia, mesmo que de forma discreta, dos
resultados apontados por Sousa (2016), que também analisa a estrutura no português
maranhense. Apesar desta não ser uma pesquisa quantitativa, consideramos esses resultados a
fim de se ter um panorama geral do uso da estrutura nas localidades investigadas. Vale lembrar
que os dados coletados durante o Teste de Percepção não evidenciaram crenças relacionadas
com o fator sexo.
88
c) Faixa etária
Sousa (2016), em sua pesquisa, constata que a realização da dupla negação entre as
duas faixas não se mostrou relevante ao considerar o cômputo dos dados de todas as localidades
reunidas, uma vez que a dupla negação foi realizada por 44,8% dos informantes da Faixa I e
por 55,2% dos informantes da Faixa II. No entanto, ao observar cada localidade isoladamente,
a pesquisadora percebeu que, em São Luís, houve considerável diferença em relação ao uso de
Neg2 nas duas faixas: 28% das realizações ocorreram entre os mais jovens e 72%, entre os mais
velhos.
Diante disso, optamos por observar a distribuição das realizações nas duas faixas
etárias selecionadas para a pesquisa, conforme consta no Gráfico 3.
57
42%
80
58%
Faixa I Faixa II
Assim como fez Sousa (2016), decidimos observar este fator considerando as duas
localidades separadamente, a fim de verificar se os resultados seriam diferentes. A seguir, o
gráfico 4 mostra essa distribuição.
Gráfico 4 - Distribuição de Neg2 por faixa etária, considerando as duas localidades investigadas separadamente
29
São Luís 28%
74
72%
18
Jamary dos Pretos 60%
12
40%
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Faixa II Faixa I
jovens (cf. Crenças 23 e 24), como a informante 15, que é da segunda faixa etária, grau II de
escolaridade, e se declara não-usuária da estrutura, apesar de sê-lo.
d) Escolaridade
Selecionamos a variável escolaridade para a nossa análise por ser este um fator
geralmente considerado nas pesquisas que têm a negação como objeto de estudo. Presume-se
que o maior contato do falante com a variedade padrão da língua influencia-o a optar por formas
que dela se aproximem. Assim, quanto menor o nível de escolaridade do falante, maior seria
sua opção por variantes coloquiais, que, neste caso, seriam a dupla negação e a negação pós-
verbal.
Cavalcante (2007) comenta essa hipótese e informa que, apesar da escolaridade não
ter sido selecionada pelo VARBRUL como relevante no processamento quantitativo dos dados
de sua pesquisa, os resultados apontam que falantes com nível mais baixo de escolaridade
realizaram menos a estrutura canônica do que se costuma observar nas pesquisas (59,2%) e a
dupla negação apresentou percentual pouco mais alto que o usual (34,3%), enquanto os falantes
com nível de escolaridade um pouco mais alto fizeram maior uso da negação canônica (71%) e
menor uso da dupla negação (24%). Nos trabalhos de Rocha (2013) e Nascimento (2014),
também verificamos que os falantes com menor nível de escolaridade foram os que mais
realizaram a dupla negação.
Em nosso estudo, como consideramos dois níveis de escolaridade apenas em São Luís,
fizemos a análise desse fator com dados de fala dos 16 informantes da localidade. Dessa forma,
consideramos dois informantes de grau I – falantes que estudaram até o nível fundamental – e
dois de informantes de grau II – falantes que estão cursando ou já concluíram um curso de nível
superior. No Gráfico 5 observamos esse uso considerando as ocorrências de dupla negação
distribuídas entre os dois graus de escolaridade.
91
40
39%
63
61%
Grau I Grau II
É válido ressaltar que essas escolhas estão refletidas na avaliação que os próprios
falantes fazem da estrutura. As crenças 5, 25, 26, 27 (cf. seção 5.3.1) fazem referência ao grau
de escolaridade dos falantes, além de todas retratarem negativamente a dupla negação.
Vale lembrar que as informantes 13 e 15, duas mulheres da Faixa II, com grau II de
escolaridade, demonstraram atitude negativa perante a estrutura ao se declararem não-usuárias,
apesar de sê-lo, além de crerem que a dupla negação representa um erro de português (cf. Crença
4) característico de uma fala rudimentar (cf. Crença 26) e interiorana (cf. Crença 27). Com isso,
supomos que, de certa forma, as informantes relacionam o uso da dupla negação ao nível de
instrução/escolaridade dos falantes. O fato de serem usuárias inconscientes que rechaçam o uso
da estrutura nos remete ao que postula Labov (1966): as mulheres tendem a fazer uma
autoavaliação que não condiz com sua realidade linguística, uma vez que acreditam ser mais
92
usuárias da variante padrão do que realmente o são. Em contrapartida, os homens tendem a não
se autodeclarar usuários da variante padrão quando, de fato, não o são. Como podemos
observar, apesar de informantes relacionarem o uso da estrutura à falta de instrução, leitura, fala
interiorana e caipira, a dupla negação é, na verdade, de acordo com nossos dados, mais realizada
pelos informantes com maior grau de ensino.
a) Ativação da proposição
A variável ativação da proposição tem sido constantemente apontada como uma das
mais relevantes nos estudos da negação, uma vez que, segundo Schwenter (2005), este é o único
fator necessário para licenciar o uso da variante. Assim, para que a dupla negação seja permitida
no discurso, é necessário que esta seja ativada previamente, seja de forma direta ou indireta.
Em seus dados, Rocha (2013), ao analisar esta variável, que foi selecionada como
relevante em todas as suas amostras, verifica que a porcentagem de proposições ativadas
diretamente (.73) é maior que as ativadas indiretamente (.47). Os dados de Goldnadel et al
(2013) corroboram esses resultados, enquanto os de Nascimento (2014) mostram que a variável
não foi estatisticamente relevante.
66 67
50% 50%
Em nossos dados, apesar das poucas ocorrências de dupla negação, observamos que,
assim como no estudo de Nascimento (2014), a dupla negação também se mostrou mais
recorrente em contextos nos quais houve maior troca de turno (sequência dialogal), com
frequência de 58%, como mostra o Gráfico 7.
15
11%
15
11%
77
26 58%
20%
A análise apresentada nesta seção corresponde aos dados coletados por meio da
aplicação do Teste de Produção (cf. Apêndice 2), no qual solicitamos ao informante que
respondesse às perguntas negativamente. Partimos da suposição de que, se ele fosse usuário da
95
dupla negação, poderia optar pelo uso da estrutura, uma vez que todas as opções preenchem os
requisitos para a realização de tal variante34.
Neg3 19
Neg2 50
Neg1 188
O Gráfico 8 mostra que a dupla negação foi a segunda estrutura negativa mais
recorrente, reunindo 20% das realizações, sendo esta uma frequência semelhante à obtida em
34
Embasamo-nos, aqui, na hipótese levantada por Schwenter (2005), segundo a qual, para que a dupla negação
seja possível em determinado contexto, é necessário que a proposição tenha sido ativada anteriormente no discurso.
Em todos os questionamentos presentes no teste, as proposições a serem negadas foram ativadas diretamente.
35
Vale lembrar que, conforme explicado no Capítulo 4, solicitamos ao falante que respondesse aos
questionamentos da forma espontânea/natural e que, sempre que possível, complementassem suas respostas.
96
discursos livres. A negação pré-verbal se manteve como estrutura mais recorrente, computando
73% das realizações.
P. 1 7 (14%)
P. 2 1 (2%)
P. 3 3 (6%)
P. 4 3 (6%)
P. 5 7 (14%)
P. 6 2 (4%)
P. 7 7 (14%)
P. 8 5 (10%)
P. 9 11 (22%)
P. 10 4 (8%)
TOTAL 50 (100%)
Fonte: elaborado pela autora
Nº do informante
Houve ainda seis informantes que usaram apenas a Neg1. Destes seis, três são da
capital do Estado e três de Jamary dos Pretos. Os informantes 10 e 12, incluídos neste grupo,
não realizaram a dupla negação nem em discursos livres nem durante o Teste de Produção, e,
durante o Teste de Percepção, foram taxativos ao afirmar que para eles a dupla negação é uma
questão de erro gramatical, que faz parte do falar de pessoas sem instrução/caipiras (cf. Crenças
25 e 27), razão por que não são usuários dessa estrutura.
98
Já a informante 17, que também não realizou a Neg2, nem mesmo nos discursos livres,
afirmou que esta estrutura não é utilizada em Jamary e se declarou não usuária de construções
com dupla negação. No entanto, é válido observar que a informante se mostrou pouco
confortável durante a entrevista, o que pode ter contribuído para a não-realização da estrutura.
Supomos que esse comportamento possa ter facilitado o uso de estruturas não-canônicas, uma
vez que notamos que, quando há maior monitoramento da fala nesse teste, há maior realização
da estrutura padrão e/ou respostas mais simples/curtas, com apenas o uso do advérbio de
negação NÃO.
Vale lembrar que o não-uso de estruturas negativas não significa, necessariamente, que
os informantes não sejam seus usuários. Este fato pode ser notado quando observamos o
informante 22 que, apesar de não ter realizado a dupla negação durante o Teste de Produção,
mostrou atitude positiva perante a estrutura no Teste de Percepção, afirmando que esta faz parte
do falar de sua comunidade, além de ser um costume herdado dos mais antigos (cf. Crença 20).
A informante 19, também de Jamary dos Pretos, declarou-se usuária da estrutura e mostrou
atitude positiva perante realização desta, apesar de não tê-la realizado nenhuma vez durante o
Teste de Produção.
Após observar as escolhas feitas pelos falantes nesta etapa da pesquisa, pudemos
comparar essas realizações com suas percepções a respeito da dupla negação, inseridas em
diversos contextos, a fim de verificarmos se os sujeitos reconhecem a dupla negação como
possível nessas situações e, consequentemente, quais suas atitudes e crenças a respeito da
estrutura em foco. Esses dados poderão ser observados na seção a seguir.
5.3 Teste de Percepção: análise dos dados relativos aos níveis 3 e 4 de estímulo
Neste tópico, avaliamos as respostas dadas pelos falantes diante dos estímulos de nível
3 e 4. Com isso, buscamos verificar, primeiramente, se os falantes consideram a dupla negação
adequada aos contextos apresentados no momento de aplicação do Teste de Percepção. Para
isso, apresentamos a eles situações-estímulo (SE), nas quais foram inseridas opções com as três
estruturas negativas presentes no PB, para que indicassem qual seria mais adequada. Com base
em suas escolhas e justificativas, avaliamos quais atitudes/crenças eles têm a respeito da dupla
negação.
No Quadro 3, a seguir, apresentamos as escolhas dos informantes diante das SE. Vale
ressaltar que houve situações em que o informante escolheu mais de uma estrutura como
99
adequada, já em outras considerou como inadequadas todas as estruturas que lhe foram
apresentadas. Por isso, o cômputo das escolhas dos falantes resultará em 14, que é o número de
SE que compõem o teste.
SÃO LUÍS
Informante Neg1 Neg2 Neg3
Inf. 1 12/14 2/14 0/14
Inf. 2 4/14 10/14 0/14
Inf. 3 9/14 3/14 3/14
Inf. 4 10/14 4/14 1/14
Inf. 5 3/14 9/14 2/14
Inf. 6 6/14 5/14 6/14
Inf. 7 9/14 5/14 0/14
Inf. 8 10/14 9/14 0/14
Inf. 9 9/14 4/14 1/14
Inf. 10 13/14 2/14 0/14
Inf. 11 9/14 7/14 1/14
Inf. 12 8/14 0/14 0/14
Inf. 13 13/14 0/14 4/14
Inf. 14 11/14 7/14 4/14
Inf. 15 14/14 1/14 0/14
Inf. 16 11/14 5/14 1/14
JAMARY DOS PRETOS
Inf. 17 13/14 1/14 0/14
Inf. 18 11/14 3/14 1/14
Inf. 19 9/14 4/14 2/14
Inf. 20 9/14 5/14 0/14
Inf. 21 10/14 5/14 0/14
Inf. 22 2/14 11/14 1/14
Inf. 23 11/14 3/14 0/14
Inf. 24 9/14 3/14 0/14
Fonte: elaborado pela autora
Conforme mostra o Quadro 3, a dupla negação foi escolhida como mais adequada em
pelo menos um das SE por 22 dos 24 informantes selecionados para esta pesquisa. Os
informantes 12 e 13 foram os únicos que não escolheram a estrutura em nenhuma das situações.
Vale lembrar que os dois foram taxativos ao afirmar que não são usuários da estrutura e que a
consideram um erro gramatical (cf. Crença 4). O informante 12, de fato, não realizou a estrutura
durante os discursos livre e o Teste de Produção, no entanto a informante 13 fez uso da dupla
100
negação tanto em discursos livres como no Teste de Produção, além de, por vezes, justificar
suas escolhas durante o Teste de Percepção fazendo uso, inconscientemente, da estrutura.
O informante 2 também se destaca por ter apontado a dupla negação como mais
adequada em 10 das 14 SE que compõem o teste, apesar de se encaixar no nível 0 de consciência
linguística. Supomos que ele optou pela estrutura por esta ser comum e bastante utilizada por
ele espontaneamente, uma vez que foi ele um dos informantes que mais realizou a dupla
negação em discursos livres. Por vezes, apesar de não ter indicado especificamente a opção com
dupla negação como mais adequada, consideramos essa resposta pelo fato de ele reformular as
opções respondendo de sua própria maneira, fazendo uso da estrutura.
Embora o nosso objeto de estudo seja a dupla negação, organizamos, no quadro 11, as
crenças a respeito de Neg1, Neg2 e Neg3, dividas nos seguintes campos aspectuais: estrutural,
contextual/discursivo e social a fim de termos um panorama geral a respeito das crenças
existentes sobre as demais estruturas.
36
Vale lembrar que algumas crenças foram atribuídas a mais de uma estrutura negativa. Nesses casos, foram
consideradas no cômputo geral separadamente, isto é, quando repetidas, foram contabilizadas uma vez para cada
estrutura negativa.
102
37
Optamos por não reunir sob mesmo título as crenças de número 28 a 32, identificadas como o falar de outra
região, mesmo considerando que nesse grupo as referências são basicamente a falares nordestinos – baiano,
cearense e pernambucano. Com relação à Brasília, que também poderia ter sido incluído nesse grupo, vale destacar
que sua população é, em grande parte, oriunda do Nordeste ou é descendente de nordestinos. Agora, quanto ao
falar paraense, que também representa o falar do outro, é uma das primeiras referências que têm os habitantes de
Turiaçu, município em que se situa a comunidade Jamary dos Pretos, dada a proximidade do município com o
Estado vizinho e os deslocamentos frequentes de turienses para o Pará e do Pará para Turiaçu. Para essa decisão,
levamos em consideração nossa ideia de deixar bem demarcada cada localidade a que foi atribuído o uso da dupla
negação como lhe sendo característico.
103
Quadro 13 - Crenças e atitudes sobre Neg2 demonstradas pelos informantes e as SE que suscitaram seu
aparecimento.
CRENÇAS ESTRUTURAIS
1. Denota uma afirmação: duas 6 (SE2, 13)
negações que resultam em uma Neutra
afirmação.
2. Inadequada em estruturas 15, 20, (SE 12)
Neutra
interrogativas.
3. Não tem boa sonoridade, é 8 (SE14)
esquisito, estranho, anormal. 3 (SE12)
Negativa 17 (SE13)
8 (SE1)
12, 24 (SE5)
4. É um erro gramatical. 3, 7 (SE5)
4 (SE3, 4, 6, 8, 12, 13, 14)
Negativa 10 (SE2, 7, 8,6, 10)
13 (SE2, 4, 5, 8)
12 (SE12)
5. Erro gramatical, resultado de 11 (SE11)
Negativa
pouca leitura. 13 (SE13)
6. Errado para a Linguística. Negativa 13 (SE5)
7. Não é um erro. Positiva 14, 20 (SE1)
8. Inaceitável na modalidade 7 (SE8);
escrita e característica, 10 (SE6);
portanto, da língua oral. Negativa 8 (SE 7)
13 (SE5, 7)
14 (SE6)
9. Repetição desnecessária, 4 (SE5);
negação excessiva. 7 (SE1);
10 (SE 3, 5, 11);
Negativa
12 (SE 2, 3, 5, 13)
13 (SE 4, 5);
15 (SE5, 6);
10. É um vício de linguagem, 7 (SE8)
mania. 6 (SE5)
Negativa
9 (SE7)
16 (SE14)
CONTEXTUAIS/DISCURSIVAS
11. Encerra o assunto, indica que a 9 (SE6)
pessoa não quer conversar, o 5, 22 (SE6);
Negativa
que pode denotar certo 22 (SE1)
aborrecimento.
105
38
Nas crenças 17 e 22 foram identificadas atitudes positivas e negativas, dependendo do ponto de vista de cada
informante e, por isso, foram classificadas como “positivas/negativas”.
106
A fim de observar a distribuição de crenças por campos aspectuais, esses dados foram
organizados no gráfico 9, considerando as duas localidades investigadas isoladamente.
107
Gráfico 9 - Distribuição das crenças por campo aspectual em cada uma das localidades
8
C. SOCIAIS
11
4
C. CONTEXTUAIS
9
3
C. ESTRUTURAIS
10
0 2 4 6 8 10 12
Como é possível observar, a maior parte das crenças encontradas é de natureza social,
provavelmente por se encontrarem em um nível mais perceptível aos informantes. Assim,
dentre os informantes de São Luís, foram registradas 11 crenças sociais, enquanto entre os de
Jamary, apenas oito.
Além das crenças, é interessante observar os tipos de atitudes dos falantes perante a
estrutura. Dessa forma, organizamos em um gráfico esses tipos de atitudes por campos
aspectuais, com vistas a observar as atitudes em cada campo, separadamente. Vale lembrar que
a atitude neutra não se enquadra como um tipo de atitude, mas sim como sua ausência (cf.
Capítulo 2).
1
C. SOCIAL 5
12
1
C. CONTEXTUAL/DISCURSIVA 5
4
2
C. ESTRUTURAL 1
7
0 2 4 6 8 10 12 14
Com base no Gráfico 11, verificamos que a maior parte das crenças denota uma atitude
negativa perante o uso da dupla negação, apesar de parte dos falantes não se perceberem
usuários da estrutura. Ao observar essas atitudes por campo aspectual, constatamos que as
crenças sociais são as que mais denotam atitude negativa. Por vezes, conforme expomos na
discussão dos dados, a dupla negação foi associada ao falar caipira, interiorano, de pessoas sem
instrução ou estudo, o que nos faz perceber a estigmatização da estrutura. No entanto, o fato de
muitos não perceberem seu uso espontâneo na língua nos faz classificar a variante não como
um estereótipo, mas sim como um marcador linguístico.
Crença 1 – A dupla negação denota uma afirmação: duas negações que resultam em uma
afirmação
39
Há casos, como afirma Barme (2005 apud ROCHA, 2013), que duas negações resultarão em uma afirmação,
isto é, quando os operadores negativos da estrutura apresentarem escopos diferentes. Ex: [Eu não quero [não me
lembrar do dia de hoje!], que corresponde a “Eu quero me lembrar do dia de hoje!”, cujo escopo do primeiro não
está no verbo querer e do segundo, no verbo lembrar.
110
O falante que apontou este princípio lógico, talvez pelo fato de ser um estudante
universitário da área de ciências exatas, tentou relacioná-lo às situações apresentadas a ele,
como mostra o trecho a seguir:
Trecho 20:
DOC.: É? Mas seria diferente se ele falasse “não vou não, tenho muita matéria pra estudar”?
INF.: Não. Mas se ele tá negando duas vezes não seria uma afirmação? Enfim...
DOC.: Tu acha que é uma afirmação, tu falar duas vezes?
INF.: É coisa de lógica, relaxa.
DOC.: Menos com menos dá mais? Ah, tá. Mas tu acha que fica assim, que dá impressão de
afirmação?
INF.: “Não vou não”... (analisando a frase). Sim (ele conclui). Não, não, não (depois de um
momento de pausa)). Pra mim é a mesma coisa, eu entenderia da mesma forma.
DOC.: (Risos) Menos com menos, negação com negação dá afirmação.
INF.: Isso! Exatamente!
(In.6)
Segundo Schwenter (2015), para que a dupla negação seja permitida no discurso, a
proposição necessariamente deve ser ativada, indireta ou indiretamente (cf. Capítulo 3). No
entanto, para verificar se os falantes percebiam estranhamento ou agramaticalidade em
situações cujas proposições não haviam sido ativadas, incluímos duas situações-estímulo (SE 5
e 12) no Teste de Percepção (cf. Apêndice 2) com informações novas no discurso, isto é, sem
ativação prévia.
A observação feita pela informante 15, que não se reconhece usuária de Neg2, apesar
de perceber o uso dessa variante em sua comunidade de fala, ratifica a ideia de Cavalcante
111
(2009). Para a informante, a dupla negação parece não ser adequada nesse tipo de contexto,
embora não estranhe o uso de estruturas negativas não canônicas em frases imperativas.
Trecho 21:
DOC.: Mas a senhora já escutou pessoas fazendo perguntas dessa forma “Por que você não gosta
da Maria não?”? Perguntas assim?
INF.: Não lembro… “Por que você não faz isso não?”. Eu já escutei assim “Faça isso não, menino”.
DOC.: uhn rum.
INF.: mas “Por que” aí eu não… não tenho esse registro assim, pelo menos não que eu lembre.
DOC.: Não, né? Então a senhora falaria “Por que você não gosta da Maria?”?
INF.: É. “Por que você não gosta de fulano?” Por que… entendeu?
(Inf. 15)
Notamos que, ao ser questionada acerca da estrutura nesse contexto, a informante faz
um esforço, buscando seu conhecimento linguístico para avaliar se tal construção seria possível.
No entanto, conclui que a negação pré-verbal seria a mais adequada. Assim como ela, o
informante 20, natural de Jamary dos Pretos e com grau I de ensino, também demonstra
estranhamento ao ver tal estrutura na mesma SE, e também sinaliza que o mais comum nesse
tipo de situação, em sua comunidade de fala, é o uso da negação pré-verbal, como vemos a
seguir:
Trecho 22:
INF: “Por que você não gosta da Maria?”
DOC: As outras duas são estranhas?
INF: Eu acho estranho “Por que você não gosta da Maria não?”Até que a gente não usa essa palavra,
usa mais é “Por que você não gosta da Maria?”
(In.20)
Supomos que esse estranhamento seja decorrente do fato de que perguntas do tipo QU
geralmente apresentam uma informação nova no discurso; portanto, não ativada. Dessa forma,
a dupla negação não seria permitida em tais contextos.
Vale ressaltar que, nessa situação, alguns informantes adaptaram a estrutura para sua
realidade linguística, substituindo o uso do “você” pelo “tu” sem concordância verbal e
retiraram o artigo diante do antropônimo Maria. Essas são marcas do falar maranhense,
evidenciadas em estudos feitos com dados do Atlas Linguístico do Maranhão.
Crença 3 – A dupla negação não tem boa sonoridade, é esquisita, estranha, anormal
112
É fato consabido que tudo que foge ao padrão pode causar estranhamento às pessoas
e, na língua, não é diferente. Geralmente, uma comunidade de fala tende a rechaçar variantes
linguísticas que não são prestigiadas, o que pode, por vezes, desencorajar seu uso.
A dupla negação, provavelmente por ser uma estrutura não canônica no português e
também por apresentar um elemento “a mais” na estrutura, é por vezes vista como estranha ou
esquisita pelos falantes, além de “não apresentar boa sonoridade”.
Trecho 23:
INF.: Acho que ele falaria… acho que as pessoas daqui falaria mais da primeira maneira.
DOC.: “E tu não queres ficar boa não?”
INF.: Isso.
DOC.: É? Mas, eh …
INF.: Eu falaria dessa maneira “Tu não queres ficar boa não?”
DOC.: Uhn.
INF.: Mas acho que na hora da… a sonoridade num… não é muito legal, mas a gente costuma falar
assim.
(Inf. 8)
Trecho 24:
DOC.: Perguntaria como? (ÁUDIO)
INF.: “Maria não?” É eu nem… quase nem falo esse nome assim. “Maria não”. “Não”.
DOC.: “Por que que tu gosta de Maria não?” poderia falar assim, fazer essa pergunta desse jeito?
INF.: Não.
DOC.: Não? Não perguntaria assim?
INF.: Não, não.
(Inf. 3)
vezes durante o teste; no entanto, sinalizou que a estrutura é “estranha” na SE 13, talvez por se
tratar de um contexto em que a dupla negação aparece em estrutura interrogativa.
Trecho 25:
DOC.: E alguém fala assim “E tu não fizeste?”
INF.: Não. “E por que tu não fez?”
(...)
DOC.: Ah sim... Aqui em Jamary falam desse jeito. Lá em São Luís também o pessoal fala assim
((referindo-se ao TU sem concordância)).
INF.: É. “Por que tu não fez?”
DOC.: “Por que tu não fez?” Agora “por que tu não fez não”?
INF.: Não, esse aí é estranho ((responde prontamente)).
(Inf. 17)
Trecho 26:
INF.: Qual a outra ((opção)) mesmo?
DOC.: “Não quero não, já comi”.
INF.: É estranho.
(Inf. 8)
Trecho 27:
DOC: E aqui em Jamary as pessoas não falam assim?
INF: Não, aqui as pessoas falam normal.
(Inf. 24)
Trecho 28:
DOC.: E o senhor não fala assim?
INF.: Não, pode ser até que eu fale assim, mas geralmente eu tenho muito cuidado, porque como eu
acho aquilo muito fora do normal, eu tento falar aquilo que tá normalidade.
(Inf. 12)
negativa perante a dupla negação, uma vez que, apesar de presente no falar das duas localidades,
o uso dessa estrutura ainda é rechaçado por alguns falantes.
Curiosamente, como observamos no Quadro 3 (cf. Capítulo 2), das obras nele
incluídas, nenhuma apresenta a dupla negação como um erro de português, tal como a avaliam
alguns dos sujeitos desta pesquisa. As observações contidas nas obras elencadas no quadro
aludem a noções de reforço, marca do falar brasileiro, “elegante torneio enfático”, dentre
outras...
Trecho 29:
INF.: Eu acho que é isso, um vício, sei lá, dizer não: “Não desliguei não”. Caso a pessoa não tenha
escutado o primeiro não, o segundo pra não deixar escapar, pra reforçar. Mas isso é uma coisa que
acontece muito.
DOC.: Tu escutas muito no teu bairro as pessoas falando assim?
INF.: Não. Eu acho que… sim. Mamãe fala isso, sei lá. Quem fala isso? Eu sei que falam. Vou prestar
atenção agora.
40
Reunimos, neste tópico, as crenças 4, 5 e 6, uma vez que estas têm em comum a noção de erro.
115
A informante 3, primeira faixa etária e grau I de escolaridade, afirma que, por vezes,
é corrigida por professores com os quais convive em seu ambiente de trabalho. Dentre essas
correções, ela destaca o uso da interjeição “ixe” e da dupla negação.
Trecho 30:
DOC.: Fala assim “Desliguei o fogão não”?
INF.: É. Aí o pessoal diz assim “Tu é caboca?”.
DOC.: (risos)
AUX.: (risos)
DOC.: Ah, é?
INF.: “Tu é caboca?” Daí eu digo “Eu não”, tem hora que sai, tendeu?
DOC.: Que sai, né, essa forma de “Ixe, desliguei não”?
INF.: Porque eu trabalho com… um pessoal que é mah… só professor, né?, e aí que (inint.) “Tu é
caboca?”.
DOC.: Ah, tá.
INF.: Tendeu?
DOC.: Mas porque o pessoal que fala assim é pessoal…?
INF.: Diz que é caboca. Tem hora que eu falo (inint.) eu acho que eu falo errado, né?
(...)
INF.: Eles me corrige…
INF.: Manda falar direito.
DOC.: E qual é o falar direito que a senhora disse?
INF.: Num falar desse “Ixe”, esse “Ixe”.
(...)
DOC.: Ah, é o “Ixe” que é coisa de… de… de gente caboca que eles dizem?
INF.: É, e esse outro ((fazendo referência a Neg2))(inint.).
AUX.: “Não desliguei não”.
INF.: “Não desliguei não”.
DOC.: Uhn…
INF.: Tendeu?
DOC.: Aí também é… eles chamam atenção?
INF.: Chamam atenção.
(Inf. 3)
Trecho 31:
DOC.: as outras duas o senhor acha que num…?
INF.: é, eu acho que tá errado o português dele lá.
DOC.: Ah, tá. Ah, certo.
(Inf. 4)
Trecho 32:
DOC.: mas ela poderia falar assim “Ixe, não desliguei o fogão não”?
INF.: acho que tá errado, né, a pronúncia?
DOC.: o senhor acha que tá errada?
INF.: uhn uhn. (...)
DOC.: e… mais as outras duas, ela poderia falar?
INF.: qual é as outras duas?
DOC.: (AÚDIO)
INF.: é… a senhora quer pra mim explicar é?
DOC.: é, por que que o senhor acha que ela falaria assim? Por que que o senhor escolheu essa (INF.:
uhn.) e não as outras?
INF.: é porque eu acho que é a mais certa a… a pronúncia, a… a… falagem, sei lá.
DOC.: uhn.
INF.: a gente podendo… a gente… a gente que sabe falar, a gente não vai… pelo menos o pouco que a
gente sabe, a gente tem que esse… falar o… o… o… o necessário assim, bem explicado.
DOC.: uhn…
INF.: pra outras pessoa não olhar a gente também falando errado, pá falar errado também.
(Inf.4)
Trecho 33:
117
DOC.: e o senhor se… costuma é… escutar as pessoas falando assim “E tu não quer ficar boa não?”?
INF.: a gente vê… a gente escuta.
DOC.: “Eu não fiz não”?
INF.: uhn uhn.
DOC.: “Não sei não”? O senhor escuta?
INF.: acho que até eu falo… falo assim mehmo, né, também. Eu, no caso, aqui. Eu não sei conjugar
direito.
DOC.: uhn…
INF.: estudei pouco.
(Inf. 4)
Trecho 34:
DOC: Mas porque o senhor considera certa? ((Neg1))
INF: porque assim “Não vou”, ele foi diretamente a frase “Eu não vou, tenho muita matéria pra estudar”.
Quanto a essas outras ele “Não vou não”, basta ele dizer “Não vou”. Ele afirma e, ao mesmo tempo, não
reafirma “Não vou não”, entendeu?! Isso eu considero erro.
DOC: Então “Não vou não” o senhor usaria?
INF: Não, a primeira. Eu usaria a primeira, a verdadeira, a certa, o texto certo.
(Inf. 10)
Trecho 35:
INF: a primeira é a certa.
DOC: Por quê?
INF: Porque ela volta a repetir os mesmos erros anteriores. “EU NÃO VOU NÃO, ESTOU
CANSADA”. A outra é a mesma, a mesma pergunta, ela volta a cometer o mesmo erro. Sempre
introduzindo o “não” no texto que não tem nada a ver.
(...)
DOC: Então o senhor acha que tem que tirar esse “não”?
118
INF: Exatamente! Lógico! Porque assim se torna um texto, uma pergunta, um texto errado.
(...)
DOC: Qual o senhor considera errado?
INF: Tudo que contém “EU NÃO SEI NÃO”. Então o certo...toda palavra que tem no texto “VOU
NÃO” “EU NÃO VOU NÃO”, então tudo isso aí eu considero errado.
(Inf. 10)
O informante 12, tal qual o informante 10, também parece desconsiderar os contextos
em que as estruturas estão inseridas:
Trecho 36:
INF.: É sempre a mehma coisa, tá sempre batendo na mesma tecla (risos)
DOC.: eh... porque a gente quer ver se nas situações diferentes vai mudar alguma coisa.
INF.: É porque sempre que você me faz essa pergunta, você sempre comete o mesmo erro, porque tá
sempre repetindo uma mesma palavra duas vezes, que não tem necessidade.
(Inf. 12)
Trecho 37:
INF: Por mim, certo a última “NÃO FUI EU”, porque é a mehma coisa, ele volta a usar a palavra “não”.
“NÃO FUI EU... NÃO”. Olha, você ver que não encaixa o texto, a palavra, a pregunta no texto “NÃO
FUI EU NÃO” isso tá... é uma pergunta assim... elaborada pra iniciante.
DOC: O senhor acha que esse tipo de resposta é pra iniciante?
DOC: E o senhor já ouviu alguém falar assim?
INF: Já. Eu lido e tô em contato constantemente, até dentro da minha profissão mesmo eu lido com
pessoas de pouca instrução, como eu, entendeu, que a gente ver muito esses erros. É no cotidiano.
(Inf. 10)
Trecho 38:
DOC: Então essas formas aí o senhor considera como sendo erro?
INF: Eh...como eu tô te falando. Eu estudei pouco e onde eu...até onde eu estudei, eu considero erro
de...pode ser até...vocês podem até dá outro nome, ou pode ser considerado hoje em dia no estudo
moderno, porque eu estudei foi há quarenta anos atrás, então pode considerar erro, mas eu acho,
particularmente falando, eu considero um erro gramatical, um erro de português, que, por sinal, pra
119
mim,eu considero grave, gravíssimo, porque a palavra não tá pedindo pra, o texto não tá pedindo pra
você responder daquela forma “SEI NÃO”, você tá respondendo à pergunta ao mesmo tempo tá
respondendo repetitivamente. Basta você dizer assim “VOCÊ VAI AO MERCADO?” / “NÃO SEI” ...
soa mais bonito “NÃO SEI”. “SEI NÃO” ou “NÃO SEI NÃO”, então tá repetindo demais aquela coisa
ali.
DOC: O senhor acha que tá repedindo muito “não”?
INF: Muito “não”. Logicamente! Eu acho que... considero um erro. Hoje, né, os estudos atuais do
português, eu não sei, mas eu...quando eu estudei, me ensinaram a pronunciar, a responder dessa forma
certa “EU NÃO SEI”, “EU NÃO VOU”.
(Inf. 10)
Interessante observar que o informante classifica o uso das estruturas negativas não-
canônicas como “erro de português gravíssimo”, alegando que, em seus tempos de escola, ele
foi ensinado a “pronunciar e a responder corretamente”. Notamos assim que ele também utiliza
o termo “pronúncia”, assim como o informante 4, o que também pode estar relacionado com a
crença comentada anteriormente de que a dupla negação apresenta “sonoridade ruim”, uma vez
que a estrutura apresenta “‘não’ a mais”.
É válido lembrar que o ensino de língua portuguesa nas escolas vem passando por
modificações: de um ensino bem mais normativo, busca-se atualmente maior contextualização
no ensino de língua portuguesa, com vistas a proporcionar ao aluno a observação e o estudo da
língua em uso, de modo a respeitar a variedade linguística, distanciando-se, portanto, da
memorização de um conjunto isolado de regras.
A informante 13, segunda faixa etária, grau II de escolaridade, também apresenta nível
2 de consciência linguística, além de ser, assim como o informante 10, categórica quanto ao
afirmar que a dupla negação representa um erro gramatical. Quando indagada sobre a
adequação do uso da dupla negação na SE 2, a informante afirma: “pro meu português, eu acho
que não deve ser”.
Trecho 39:
AUX.: E se ela falar assim: “Não vou não, tenho muita matéria pra estudar”. A senhora acha que tem
alguma diferença?
INF.: De quê? “Vou não” ou “não vou”?
AUX.: “Não vou não”. Falar: “Não vou não, tenho muita matéria pra estudar”.
INF.: Ah, não, não. Se fosse “Não vou. Tenho muita matéria pra estudar”.
DOC.: Uhn run...
AUX.: Ah, então “Não vou não” a senhora acha que é...
INF.: Bom, pro meu português, eu acho que não deve ser.
(Inf. 13)
120
Trecho 40:
INF.: Ela falou aí “Vou. Não.” Não?
DOC.: “Não vou não”.
INF.: “Não – Vou – Não.” Não vou.
AUX.: A senhora costuma falar assim?
INF.: Eu sou professora de português.
DOC.: Ah... (risos)
INF.: (risos)
AUX.: A senhora ensina português?
INF.: Ensinei de quinta a oitava muitos anos.
AUX.: Ah... então, pra Gramática, isso tá errado?
INF.: Eu acho.
(Inf. 13)
Trecho 41:
AUX.: Mas a senhora acha que tem diferença quando a pessoa responde dessa forma: “Não vou não,
estou cansada”? A senhora acha que dá uma ideia diferente quando ela responde desse jeito em vez de
falar “não vou, estou cansada”?
INF.: Eu acho que não dá a ideia da Gramática, digamos.
(Inf. 13)
Apoiada, portanto, em uma visão normativa da língua, afirma que a estrutura negativa
não canônica é errada não só para a Gramática, como também para a Linguística.
Trecho 42:
AUX.: Escutando a pergunta: “você desligou o fogão?”, a resposta:
INF.: “Não desliguei o fogão”.
AUX.: As outras duas...
INF.: Não, tanta repetição de “não”!
DOC.: Uhn run.
INF.: Pra gente, pra nós, eu acho assim, pra nós... na Linguística, tá errado.
(Inf. 13)
A informante sinaliza ainda que este erro está relacionado com a falta de leitura e
instrução dos falantes. Segundo ela, “até pessoas formadas e professores” fazem uso de tal
estrutura.
Trecho 43:
INF.: Hoje você vê pessoas, pessoas formada! Colega, colega, colega, professor! Já feita num sei o quê,
que fala tanta coisa... Claro que tu não vais corrigir, né? Mas aquilo não te sai...
DOC.: Uhn...
INF.: Ouve...
AUX.: Não soa bem, né?
INF.: De jeito nenhum! Não. Então não precisa! Vamos ler um pedacinho de jornal todo dia, vamos
ouvir. Porque se você ouvir com atenção, você sabe direitinho como (inint.) as coisas.
(Inf. 13)
Vale ressaltar que, apesar de não se considerar usuária da estrutura e rechaçar com
veemência seu uso, a informante 13 foi uma das informantes que mais realizou a dupla negação
em discursos livres – das 33 estruturas negativas proferidas por ela, 19 foram de dupla negação
–.
Apesar de ser considerada por muitos um erro gramatical, houve dois informantes,
dentre os 24 selecionados, que não compartilharam da crença de que a dupla negação é um erro
gramatical.
Trecho 44:
DOC.: falaria, por exemplo, o “Não quero não, já comi”?
INF.: (é esse.) Sou cansado de falar essas coisas.
DOC.: ah, o senhor fala também?
INF.: Eu falo. Falo sim.
(...)
INF.: não, essa que eu tô dizendo, a segunda é a correta ((Neg1)).
DOC.: sim, mas (inint.).
INF.: “Não, já comi”. Não, também não tem erro não.41 Acho que não é errado não ((referindo-se a
Neg2)).
DOC.: uhn.
41
As marcações feitas em itálico representam as ocorrências espontâneas de dupla negação.
122
Interessante observar que, ao afirmar que não se trata de um erro, o informante faz uso
da dupla negação duas vezes inconscientemente, o que comprova ser ele um usuário real da
estrutura. Ele ressalta que, apesar de haver redundância na estrutura devido à presença de dois
advérbios de negação, a construção, ainda assim está correta.
O informante 20, por sua vez, natural de Jamary, sinaliza que a maioria das pessoas na
comunidade fala “certo” e que o certo seria o uso da dupla negação.
Trecho 45:
INF: Sobre linguagem aqui, eu não sei, mas tem umas pessoas aqui, quase a maioria, falam certo.
DOC: E o senhor acha que o certo seria como?
INF: NÃO QUERO NÃO.
(Inf. 20)
É válido observar que apenas esses dois informantes, homens, mas de perfis sociais
diferentes, apresentaram esta concepção. Isso nos remete ao que postula Labov: as mulheres
tendem a supervalorizar sua fala e a ser mais inseguras linguisticamente. Dentre todos os
informantes selecionados para a pesquisa, apenas informantes do sexo masculino afirmaram
que a estrutura não significa um erro gramatical.
Trecho 46:
123
INF.: Agora eu num sei, né? Porque tem outros... (interrupção telefone). Pois é isso aí, se vocês for fazer
uma redação, qualquer coisa, você não vai tá tanto “não, não, não”. “Ixe, não desliguei o fogão não por
isso, isso e isso”.
DOC.: Mesmo nessa situação, sendo uma pergunta bem direta, esse “não desliguei o fogão não”, a
senhora acha...
INF.: Eu acho que a resposta é “Não desliguei o fogão”. Né? “Não desliguei o fogão... não” Por que
esse não? Eu acho que seria “Eu não desliguei o fogão”.
DOC.: Uhn...
(...)
DOC.: Mas a senhora já viu alguém escrevendo assim?
INF.: Não, engraçado...
DOC.: “Não fui eu não”
INF.: Tem.
DOC.: Tem?
INF.: Mas, gente! A gente vê cada barbaridade que você fica de boca aberta!
(Inf. 13)
Já o informante 14, que não considera o uso da dupla negação um erro gramatical,
consegue fazer ponderações quanto aos contextos nos quais a dupla negação seria aceitável ou
não. Para ele, o uso da estrutura seria: (i) inadequado, na escrita; em diálogos com pessoas de
nível cultural mais elevado, o que exigiria um estilo mais formal; e (ii) aceitável, na linguagem
oral, em que, segundo ele, pode-se falar “qualquer besteira”. Com este comentário, entendemos
que o falante é consciente da grande variedade de fenômenos linguísticos presentes na língua
oral e que, quando se trata dessa modalidade linguística, não se dá muita atenção ao como se
diz. Portanto, variantes não canônicas seriam aceitas mais facilmente, nessa modalidade.
Trecho 47:
INF.: As duas estão corretas (Neg2 e Neg1), entendeu?
DOC.: (inint.) então as… as outras duas poderiam ser? Então qual que o senhor escolheria entre as duas?
INF.: a mais correta ((Neg1))… se eu tivesse escrevendo (DOC.: ah, sim.) ou tivesse falando com uma
pessoa, de uma cultura mais (inint.) eu não ia falar, cê entendeu?, ia me retrair e dizer… ia falar o… o
correto, você entendeu?
DOC.: sim… sim. É porque está falando (inint.).
INF.: (inint.) falando pessoalmente pode falar qualquer bobagem.
(Inf. 14)
verificamos que o falante demonstra certa segurança linguística em relação à estrutura, além de
também se considerar usuário dela.
Trecho 48:
DOC.: Tu escolherias “Não fui eu”?
INF.: Foi.
DOC.: Mas tu falarias…?
INF.: “Não fui eu não”.
DOC.: “Não fui eu não”. Mas tu acha que tu falas muito assim? “Não fui eu não”?
INF.: Eu acho que na maneira de escrever, eu acho que f… se… se eu fosse… eh... escrever eu ia botar
a terceira ((Neg1)), mas falando ia essa aí “Não fui eu não”.
(Inf. 8)
A informante 7, uma mulher, com mesmo perfil social do informante 8, também afirma
que, na linguagem oral, a dupla negação “parece que sai, é automático”, isto é,
espontaneamente, como provável mecanismo de reafirmação; enquanto na modalidade escrita,
seria inadequado.
Trecho 49:
INF.: Então… eu acho que se fosse falando seria “Não vou não”.
DOC.: Por que será que falando seria “Não vou não” e escrevendo seria “Não vou”?
INF.: Não sei. Não sei, eu não tenho resposta, cara, não tenho. (risos)
DOC.: (risos)
INF.: Não tenho resposta (risos). Mas eu ainda tenho a impressão de que ser falado “Não vou não”
parece que sai, é automático, é… sei lá, pra confirmar a negação. Bem confirmado.
DOC.: Uhn.
INF.: Se fosse por mensagem, a gente não escreve por mensagem “Não vou não”, “Não fui eu não”,
“Fui eu não”.“Não fui”, entendeu?
(Inf. 7)
O informante 10, que foi enfático ao considerar a dupla negação como um erro
gramatical (cf. Crença 4), afirmou que o segundo advérbio de negação “não” deveria ser retirado
da estrutura, uma vez que torna o “texto” errado.
Trecho 50:
DOC: Então o senhor acha que tem que tirar esse “não”?
INF: Exatamente! Lógico! Porque assim se torna um texto, uma pergunta, um texto errado.
(Inf. 10)
ao qual é atribuído, por vezes, a noção de reforço e ênfase sendo, portanto, nesses casos,
opcional na estrutura. Se considerássemos a ideia defendida por Jespersen ([1917] 2012) a
respeito do caráter evolutivo da negação, o PB estaria nos estágios 4 e 5 do processo cíclico por
ele proposto, uma vez que o português permite o uso intercambiável das três estruturas
negativas, sendo que a primeira delas, a canônica, continua sendo a mais recorrente tanto na
língua oral, como na língua escrita (cf. Capítulo 3). Supomos que este seja o motivo pelo qual
o segundo marcador negativo ainda não é considerado essencial na estrutura, salvo em certos
contextos, nos quais se buscam efeitos de sentido diferentes no discurso.
Assim, tendo a negação pré-verbal como a padrão, parte dos informantes crê que o
segundo “não” da estrutura é “excessivo” e “desnecessário”, o que denota uma atitude negativa
perante a estrutura. Vale lembrar que apenas os informantes de São Luís compartilham tal
crença, o que pode estar relacionado com o fato de que a realidade urbana tem mais contato
com órgãos sistematizadores da língua, uma vez que, sob uma visão normativa, a repetição de
palavras na mesma estrutura não é considerada adequada. A seguir, trechos que comprovam
essa asserção.
Trecho 51:
DOC.: e agora, em vez da mãe perguntar desse jeito, a mãe vai perguntar assim “Minha filha, você
desligou o fogão?”, e aí ela vai responder.
INF.: é… só essa… só isso… tá provável que… “Não desliguei o fogão”.
DOC.: uhn.
INF.: acho que não carecia esse “não”.
DOC.: não o quê?
INF.: não carecia esse “não”.
DOC.: o… o “não” aonde?
INF.: na… no último. “Não desliguei o fogão não”.
DOC.: ah, sim. Num… num… o senhor acha que não precisa?
INF.: Uhn uhn.
(Inf. 4)
Trecho 52:
INF.: Não sei. Acho que sei lá… Tu tá negando demais “Não quero não”, “Não quero não” ((testando a
variante)), “Não quero não”. Mas a gente costuma dizer isso, né, “Não, não quero não”?
(Inf. 7)
126
Para o informante 10, alvo de nossa análise sobre a crença 4 – A dupla negação é um
erro gramatical –, a justificativa para o rechaço das estruturas que lhe foram apresentadas reside
na repetição do “não”, sendo, portanto a negação pré-verbal a mais adequada.Vale lembrar que
o falante hesita em relação ao julgamento que faz, ao afirmar que: “pode ser erro e ao mesmo
tempo pode não ser erro”.
Trecho 53:
DOC: Mas assim, por que o senhor considera errada?
INF: Eu acho assim, pode ser erro e ao mesmo tempo pode não ser erro. Porque o seguinte, ele reafirma
a frase, por exemplo, “EU VOU NÃO”, num é? ... “EU NÃO DESLIGUEI O FOGÃO NÃO”, basta ele
ter dito “EU NÃO DELIGUEI O FOGÃO”, entendeu?! Eu acho que o certo seria essa...a última seria a
certa. As duas primeras...é os mesmos erros desses textos que eu vi agora, é os mesmos erros. Torna
repetitiva, num é?
(...)
DOC: Então essas formas aí o senhor considera como sendo erro?
INF: Eh...como eu tô te falando. Eu estudei pouco e onde eu...até onde eu estudei, eu considero erro
de...pode ser até...vocês podem até dá outro nome, ou pode ser considerado hoje em dia no estudo
moderno, porque eu estudei foi há quarenta anos atrás, então pode considerar erro, mas eu acho,
particularmente falando, eu considero um erro gramatical, um erro de português, que por sinal pra mim
eu considero grave, gravisssímo, porque a palavra não tá pedindo pra, o texto não tá pedindo pra você
responder daquela forma “SEI NÃO”, você tá respondendo a pergunta ao mesmo tempo tá respondendo
repetitivamente. Basta você dizer assim “VOCÊ VAI AO MERCADO?” / “NÃO SEI” do que...com soa
mais bonito “NÃO SEI”, “SEI NÃO” ou “NÃO SEI NÃO”. Então tá repetindo demais aquela coisa ali.
(Inf. 10)
O informante 12, que apresenta o mesmo perfil social do informante 10, também
afirma que não há necessidade de uma segunda partícula negativa na estrutura.
Trecho 54:
INF.: No caso, eu escolheria a primeira (Neg1).
DOC.: É? Por que o senhor escolheria a primeira?
INF.: Porque eu não usava... eu não repetia o termo duas vezes. Porque na segunda você disse: Não vou
((pausa)) não, porque tenho muita coisa pra estudar”. Você usou a palavra “não” mais de uma vez, sem
necessidade.
DOC.: Ah! E não tem necessidade?
INF.: Não, porque você diz “Tu vai lá?”, “Não vou não.” Porque não há necessidade! Se você já disse
não, por que o outro NÃO depois?
(Inf. 12)
A informante 13, grau II de escolaridade, também foi taxativa ao afirmar que a dupla
negação, assim como a negação pós-verbal, são erros gramaticais, além de sinalizar que o
segundo marcador negativo é desnecessário na estrutura, mesmo na negação pós-verbal.
Entendemos, com isso que, para a informante, o erro não está apenas na repetição, mas também
na posição pós-verbal do marcador negativo. Ela, conforme dito anteriormente, foi uma das
informantes que mais realizou a dupla negação.
127
Trecho 55:
DOC.: Isso... E se, por exemplo, se falasse “Ixe, desliguei o fogão não”? A senhora usaria?
INF.: Não, eu não usaria. Porque, pra mim, “não desliguei o fogão”. Se eu já tenho “não” aqui, pra que
repetir no fim da frase?
(...)
AUX.: Oh, escutando a pergunta: “você desligou o fogão?”, a resposta: (ÁUDIO)
INF.: “Não desliguei o fogão”.
AUX.: As outras duas...
INF.: Não, tanta repetição de “não”!
(Inf. 13)
Já a informante 15, de mesmo perfil social, não afirma explicitamente que a adição do
segundo “não” à estrutura seria desnecessária, mas afirma que a dupla negação é menos direta
e que a segunda partícula negativa “deixa um elo perdido” na construção. Isso nos leva a inferir
que a informante não conseguiu perceber que ambas as partículas negativas têm os mesmo
escopo.
Trecho 56:
INF.: eu ficaria com a do meio: “Não quero falar sobre isso”.
DOC.: desse jeito né?
INF.: é.
DOC.: por que que a senhora falaria?
INF.: porque (a gente) daria uma resposta mais… direta e não colocaria essa dúvida, porque na hora que
vocês “Não quero falar sobre isso não”, você deixa assim uma… alguma coisa… algum elo assim
perdido. “Não quero falar sobre isso não”, você tá colocando duas vezes o nega… o… a negação (DOC.:
uhn rum.): “Não, falar sobre não.”
(Inf. 15)
Conforme afirmam Ilari &Basso (2016), dentre outros autores, a dupla negação é uma
estrutura não canônica característica da língua oral, sendo a segunda estrutura negativa mais
recorrente no PB, suplantada apenas pela negação pré-verbal. Provavelmente por ser
característica da linguagem oral, é por vezes associada pelos próprios falantes à noção de erro,
o que evidencia uma atitude negativa perante a estrutura (cf. Crença 8).
42
Segundo CÂMARA JUNIOR (1973, p. 787), vício é “qualquer desrespeito à norma lingüística (v.), que não é
um erro fortuito, mas um hábito inveterado, num dado idioleto (v.), por má assimilação dessa norma, no âmbito
fonológico, morfológico ou sintático”. Gramáticas normativas, que adotam esta mesma concepção, por vezes
dedicam seções a vícios de linguagem, como é o caso da Moderna Gramática Portuguesa (BECHARA, 2004). Em
dicionários gerais da língua portuguesa como o Houaiss, Vício é “qualquer costume supérfluo, prejudicial ou
censurável; 5 p.ext. erro contra as regras da linguagem ou de um outro saber” (HOUAISS & VILLAR, 2001, p.
2857); enquanto mania é “1. Hábito extravagante; prática repetitiva; costume esquisito, peculiar excentricidade;
128
lembrar ainda que esta crença foi identificada apenas na fala de informantes da capital do
Estado, São Luís.
Trecho 57:
DOC.: Mas por que será que as pessoas falam… esse “não” duas vezes?
INF.: Sei lá. Acho que pra ficar bem dito que é não mesmo.
DOC.: Uhn…
INF.: Eu acho que é isso, um vício, sei lá, dizer não, “Não desliguei não”. Caso a pessoa não tenha
escutado o primeiro não, o segundo pra não deixar escapar, pra reforçar.
(Inf. 7)
Trecho 58:
OC: E antigamente o senhor escutava o pessoal falando assim “TU NÃO QUERES FICAR BOA
NÃO?”
INF: Escutava sim. Escutava, escutava. Porque às vezes as pessoas que trabalhavam ou que vem do
interior pra trabalhar, elas têm outro sotaque, outra...vamos dizer, vício de linguagem, porque é da
região, típico dali da região. Sai errado pra gente.
(Inf. 16)
Trecho 59:
DOC.: Entenderia do mesmo jeito, né? Agora, uma garota e a mãe tão passeando no centro da cidade, e
de repente, a garota lembra:.
INF.: É o Yoda43? (risos) Eu falaria a segunda (“Não desliguei o fogão não”) porque eu tenho essa mania
de ficar repetindo as negações ou as afirmações que eu faço.
(Inf. 6)
(...) 4. Costume nocivo, prejudicial; vício.” (HOUAISS & VILLAR, 2001, p. 1836). Diante da conotação negativa
e significados semelhantes apresentados pelas noções de vício e mania, decidimos uni-las em uma mesma crença.
43
Yoda é um personagem da saga Star Wars, que, segundo o informante, tem o hábito de falar “ao contrário”. Para
ele então, essas estruturas que possuem o advérbio de negação “não” em posição final se assemelham ao falar do
personagem, uma vez que o natural seria o “não” em posição pré-verbal.
129
Trecho 60:
INF.: “Não fui eu não”
DOC.: E por que a senhora responderia assim?
INF.: Porque a gente já tem mania de falar assim “Não fui eu não”.
(Inf. 9)
Como visto, das 36 crenças identificadas a respeito da dupla negação, 9 são de natureza
contextual/dicursiva.
Crença 11 – O uso da dupla negação encerra o assunto, indica que a pessoa não quer
conversar, o que pode denotar certo aborrecimento
Apoiamo-nos ainda em Furtado da Cunha (2001, p. 13) que, ao fazer uma análise
funcionalista das estruturas negativas, conclui que os casos de dupla negação em seu corpus
correspondem a uma “pausa temática, isto é, trechos em que há uma suspensão, interrupção ou
digressão da cadeia tópica principal”.
Trecho 61:
INF.: Acho que essa “Não quero falar sobre isso não”, porque aí a pessoa não ia insistir. Se a pessoa
falasse “Não quero falar sobre isso”, o outro podia dizer “não, mas...”. Se falar “Não, não quero falar
sobre isso não”, já vai entender que a gente não quer mesmo.
130
(Inf. 9)
Trecho 62:
DOC.: O senhor escuta as pessoas falando assim “Não quero não”?
INF.: “Não quero não”, eu sempre escuto as pessoas falar. “Eu não quero, eu não quero não”.
DOC.: Uhn... e o senhor fala assim também?
INF.: Eu, às vezes. Quando às vezes a gente tá aborrecido. Aí, “rapaz, eu tenho tal coisa aqui pra ti.”
“Não, eu num quero não”.
DOC.: Ah, é quando tá aborrecido...
INF.: Quando tá aborrecido
DOC.: ... que fala?
INF.: Aí é “eu num quero não”.
(...)
INF.: Aí, “não quero falar sobre isso não”, porque aí ela tava aborrecida, porque os outros fizeram tudo
e ela não.
DOC.: Ah sim.
INF.: Tá vendo? Aí “Eu não quero falar sobre isso não”
DOC.: Ah, essa é do aborrecido que o senhor falou, né?
INF.: É sim. Ela tá aborrecida porque ela tá chocada, porque os outros fizeram e ela não.
DOC.: Uhn run.
INF.: Aí ela “Ah, não quero saber disso não” “Não quero mais saber dessa conversa mais” (risos)
(Inf. 22)
Trecho 63:
INF: “NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO NÃO”, essa daí com certeza, porque eu já tinha... porque,
assim...a não ser que eu tivesse tanta certeza das respostas, entendeu? Mas se eu estivesse respondido e
tal, e marcado, eu “NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO NÃO”, porque já tinha percebido que eu já
tinha errado.
DOC: Tu falaria como, que tu disse?
INF: “NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO NÃO”,
(Inf. 5)
131
Vale ressaltar que essa crença foi apontada por informantes diferentes diante da mesma
SE, que foi elaborada justamente com base nos estudos de Roncarati (1996) e Furtado da Cunha
(2001), a fim de verificar se, diante de uma situação aparentemente desconfortável ao falante,
ele optaria pela dupla negação a fim de provocar mudança temática. Esta hipótese, como
podemos observar, se confirmou.
Além da SE 12, duas outras situações em que a dupla negação aparece como estrutura
interrogativa foram incluídas no Teste de Percepção (SE 13 e 14), mas, nestes casos, como
perguntas do tipo sim/não. Na SE 13, a proposição é ativada por meio da pressuposição de que
os estudantes já haviam realizado uma atividade proposta a eles anteriormente. No entanto, a
fala do locutor possibilita que seu interlocutor entenda que a tarefa não foi realizada. Assim,
nega-se uma pressuposição de fundo, uma informação afirmativa compartilhada pelos falantes.
Desse modo, o segundo falante faz a pergunta utilizando a negação de forma um tanto incrédula
diante da situação.
Trecho 64:
DOC.: Acha estranha?
INF.: Eu não sei... Quando ele diz “E tu não fez não” ele tá afirmando que não fez?
DOC.: Tá afirmando? E quando pergunta “E tu não fez?”
INF.: Tá só perguntando.
DOC.: E se ele falar só “E tu fez não?” A senhora acha...
INF.: Num sei, tá estranho.
DOC.: A senhora falaria desse jeito?
INF.: Não!
DOC.: Qual desses três jeitos a senhora acha que falaria numa situação dessa?
INF.: Acho que “E tu não feh não!” (risos)
DOC.: Porque a senhora falaria assim?
INF.: Porque eu ia perguntar quase com certeza que ele não tinha feito, porque já faz tanto tempo, né?
(Inf.9)
Para ela, o uso da dupla negação sinaliza que a segunda pessoa do discurso já sabia
que o falante não havia realizado a tarefa antes mesmo de que lhe fosse perguntado.
Consequentemente, o uso dessa estrutura constata a pressuposição do inquiridor. Ela justifica
que Neg2 seria adequada nesse contexto, pois a pergunta é formulada sem o objetivo de receber
132
uma resposta, mas apenas para causar certo efeito retórico, surpresa, talvez. Neg1, no entanto,
não causaria o mesmo efeito. Para ela, o uso dessa estrutura indicaria que o falante deseja, de
fato, saber se seu interlocutor realizou ou não a tarefa.
Trecho 65:
INF: A segunda “E TU NÃO QUERES FICAR BOA?”
DOC: Por quê?
INF: Porque “queres” quase ninguém... Eu não falaria “queres”. “Queres” falaria Tia D. ((pessoa mais
velha)), mas não, eu ia perguntar mais... eu ia tentar...até porque a gente tá numa situação de
convencimento, entendeu, então eu tinha que perguntar mais tranquilo “E TU NÃO QUER FICAR BOA
NÃO?”
DOC: Tirando o “queres”, qual desse tu falarias?
INF: “E TU NÃO QUER FICAR BOA?”
DOC: Por quê?
INF: Eu escolheria “E TU NÃO QUER FICAR BOA NÃO?”. Por causa do NÃO no final, porque eu ia
perguntar pra ela já esperando que ela dissesse que queria, eu ia incentivar ela à resposta “E TU NÃO
QUER FICAR BOA NÃO?”, pra deixar mais livre a resposta dela.
(Inf.5)
Verificamos que, assim como a informante 9 – que sinaliza que a dupla negação é
adequada quando já se presume uma resposta –, a informante 5 também afirma que esta seria
uma situação de pressuposição. A mãe, na SE 13, não pergunta à filha se ela quer ficar boa com
o intuito de realmente saber a opinião da criança. Na verdade, ela reforça que, para ficar boa –
algo que, com certeza, a criança deseja –, é preciso tomar a medicação. Isso nos leva a crer que,
nesse contexto, a dupla negação transmite a ideia de convencimento.
faixa etária, no entanto, a primeira é natural de Jamary, com grau I de escolaridade, enquanto a
segunda é natural de São Luís, com grau II.
Diante da mesma situação (SE2), elas tiveram reações diferentes acerca da dupla
negação, como podemos verificar nos trechos a seguir:
Trecho 66:
DOC.: Uhn. Aí falaria assim “Vou não” é? E se falasse assim “Não vou não”?
INF.: Aí é muito… assim já é muito assim... sei lá, a pessoa vai… já vai se sentir ofendida.
DOC.: ah… ele ficaria ofendido, é?
INF.: É.
(Inf. 19)
Trecho 67:
INF: A segunda (Neg2), pela maneira de...por não ser ignorante, por responder ela, tentando responder
uma maneira explicativa “Não vou não. Tenho muita matéria pra estudar”, pra não demonstrar que eu
não queria ir por outro motivo, ou então por simplesmente não querer.
(Inf. 5)
A SE 1 envolve um diálogo entre duas pessoas com pouca intimidade, em que uma
oferece um pedaço de bolo a outra e a oferta deveria ser recusada, por meio do uso de uma das
três estruturas negativas. Por se tratar de uma situação de recusa, esperava-se que o informante
sinalizasse àquela considerada por ele mais polida.
Diante dessa SE, os informantes 4 e 5 optaram pela dupla negação por esta ser mais
“leve, suave”.
Trecho 68:
INF.: a primeira (Neg2).
DOC.: a primeira?
INF.: uhn uhn. Tá mais… tá mais leve… a outra… a outra já tá mais engrossando (Neg1).
DOC.: é?
(Inf. 4)
Trecho 69:
DOC.: ah, sim. E o senhor acha… o senhor diz que o senhor acha a primeira melhor por quê?
INF.: Porque é mais suave, né?, nas (inint.) ele só tá… só tá dizendo que ele não quer.
DOC.: ah, sim. Então, a primeira é mais suave do que as outras, né?
INF.: uhn uhn.
(Inf. 5)
O informante 4 faz uma comparação entre Neg1 e Neg2: o uso da primeira parece ser
grosseiro, “tá mais engrossando”, sendo mais rude; e o da segunda dá leveza ao diálogo. A
informante 5 também sinaliza que a opção com dupla negação é mais suave que as outras.
A SE 8 representa um diálogo entre duas pessoas íntimas – um casal de namorados –
cuja fala tende a ser mais carinhosa e delicada. No contexto, o namorado faz um convite à
namorada, que deve recusá-lo utilizando uma das estruturas negativas. As informantes 5 e 11,
ambas mulheres, naturais de São Luís, mas de faixas etárias e graus de escolaridade diferentes,
optam pela dupla negação, justificando que esta denota mais cuidado ao negar um convite de
um namorado, algo que não aconteceria se fossem utilizadas as outras estruturas. A informante
11 sinaliza que este uso evidencia mais paciência e não-chateação, contrapondo-se ao uso de
Neg3.
Trecho 70:
INF: Acho que a segunda “NÃO VOU NÃO”
DOC: Por quê?
INF: Porque eu teria um cuidado na hora de dizer “NÃO” pra ele, entendeu, porque ele tá com maior
vontade de ir ao cinema, aí eu “NÃO VOU NÃO”.
(Inf. 5)
135
Trecho 71:
DOC: E NÃO VOU NÃO, ESTOU CANSADA, ela mostra que tá chateada?
INF: Ela mostra paciência, e esse ai VOU NÃO, ESTOU CANSADA ela mostra que tá chateada.
(Inf. 11)
Esta, assim como a ideia de erro gramatical, é uma das crenças mais presentes no
imaginário do povo maranhense, proferida por oito dos 24 informantes. Para a informante 5,
diante da SE 7, Neg2 é mais adequada, pois deixa bem claro, dando a entender que essa é mais
explicativa.
Trecho 72:
INF: a primeira “NÃO FOI EU NÃO”
DOC: Por que a primeira?
INF: “NÃO FOI EU NÃO”, porque seria jamais, porque eu tô deixando bem claro, eu nunca faria isso.
(Inf. 5)
Assim como ela, o informante 16 também afirma que Neg2 é mais adequada nesse
contexto, uma vez que reafirma o que está sendo dito, sendo provavelmente a melhor opção em
situações nas quais o falante está sendo desafiado ou desacreditado. Vale lembrar que, segundo
Roncarati (1996), esse é um tipo de contexto que favorece o uso da dupla negação.
Trecho 73:
DOC: Poderia falar NÃO FUI EU NÃO?
INF: Poderia. Esse ai poderia em virtude da negativa de ser um segredo, uma coisa forte e eu tô
reafirmando que NÃO FUI EU, porque ai é uma situação diferente, aí eu tô sendo inquisitado, tão
fazendo uma inquisição comigo “Foi tu que contaste?” “RAPAZ, NÃO FUI EU NÃO”, ai esse sim.
(...)
INF: tudo tá no mesmo...NÃO LEMBRO. Até que o NÃO LEMBRO NÃO... NÃO LEMBRO DO
BARQUINHO DE MADEIRA. Aquele NÃO FUI EU NÃO eu tô sendo acusado. Não sei se eu tô me
fazendo entender, havia uma necessidade de eu me defender, de eu refirmar.
(Inf. 16)
136
Já o informante 6 afirma que o Neg2 é uma estrutura usual para ele, uma vez que,
diante da necessidade de negar, ele considera importante ser enfático.
Trecho 74:
DOC.: Tu falaria...?
INF.: “Não desliguei o fogão não”. Porque eu tenho que dar ênfase pra mim mesmo e pra quem tiver
perto que eu não fiz aquilo mesmo, por isso eu negaria duas vezes.
(Inf. 6)
Trecho 75:
DOC.: Mas por que será que as pessoas falam… esse não duas vezes?
INF.: Sei lá. Acho que pra ficar bem dito que é não mesmo.
DOC.: Uhn…
INF.: Eu acho que é isso, um vício, sei lá, dizer “Não, não desliguei não”. Caso a pessoa não tenha
escutado o primeiro não, o segundo pra não deixar escapar, pra reforçar.
(Inf. 7)
Trecho 76:
INF.: A segunda ((referindo-se a Neg1)). Da mesma maneira.
(...)
DOC.: Por que aqui tu escolherias essa?
INF.: Escolheria essa aí, não sei te falar o porquê.
DOC.: Não? Mas tu ainda… tu poderia escolher “Por que você não gosta da Maria não?”?
INF.: Isso.
DOC.: Poderia ser essa também.
DOC.: Poderia ser essa também.
INF.: Poderia, mas eu escolheria essa aí, a segunda (Neg2).
DOC.: A segunda. Tu falaria…?
INF.: Eu acho que assim… mas na resposta falaria mais reafirmando, entendeu?
DOC.: Uhn. Falaria com o “não” duas vezes.
INF.: Isso.
(Inf. 8)
137
Trecho 77:
DOC.: o senhor acha que entre essas três formas têm alguma diferença?
INF.: quando eu repito o “não” duas vezes (DOC.: uhn rum.) eu tô querendo reafirmar aquilo, cê
entendeu?
DOC.: uhn rum.
INF.: tô querendo reafirmar.
DOC.: certo.
INF.: dar mais força, mais ênfase a (DOC.: uhn rum.)… à coisa, cê entendeu?
DOC.: certo.
INF.: é isso aí.
(Inf. 14)
Apesar de taxada como um vício ou mania por alguns, à dupla negação também foi
associada a noção de costume e hábito44 por parte dos informantes, o que nos faz entender que
estes, reconhecem o uso da estrutura como corriqueiro em sua comunidade. Os informante 8 e
17, ambos da mesma faixa etária, mas de localidades, sexo e graus de escolaridade diferentes,
compartilham dessa crença.
44
Segundo o Dicionário Houaiss (HOUAISS & VILLAR, 2001), costume é “1 hábito, prática frequente, regular.
2. modo de pensar e agir característico de pessoa, grupo social, povo, nação etc. na contemporaneidade ou numa
determinada época (mais us. no pl.); comportamento (p. 854); e hábito é “1 maneira usual de ser, fazer, sentir,
individual ou coletivamente; costume, regra, modo. 2 maneira permanente ou frequente, regular ou esperada de
agir, sentir, comportar-se; mania. (p. 1502). Para o Dicionário Crítico de Sociolinguística (BAGNO, 2017, p. 183),
hábitos são “práticas, porque muitas das práticas sociais, individuais e coletivas, são o produto de inércias geradas
por determinada experiência social. A experiência compartilhada por pessoas de um mesmo grupo social explica
que tal grupo venha a ter esquemas de percepção, avaliação e ação semelhantes”. Decidimos, portanto, unir na
mesma crença as noções de hábito e costume, uma vez que apresentam significados semelhantes.
138
Trecho 78:
INF.: Aqui… aqui o pessoal fala isso: “Não vou não, tô cansada”.
DOC.: Uhn run. Mas por que será que as pessoas falam dessa forma, desse jeito?
INF.: Não sei te falar.
DOC.: (risos)
INF.: Já é o costume, né?
(Inf. 8)
Trecho 79:
DOC.: Tem alguma ideia? Por que será que eles falam “eu num fiz não”...
INF.: Já tá no costume, né?
(Inf. 17)
O informante 22, o que mais optou pela dupla negação no Teste de Percepção em
Jamary dos Pretos, alega que a estrutura faz parte do costume de sua localidade, herdado pelos
mais antigos.
Trecho 80:
DOC.: Uhn... certo. E o senhor costuma falar mais como?
INF.: Eu costumo falar nessa seguinte forma como eu tô dizendo, porque fui o costume da mãe, e pra
melhor entender, da avó que me criou, aí era só desse jeito que ela falava que eu também falo.
(...)
DOC.: E se o senhor falar “Num quero falar sobre isso” não é aborrecido?
INF.: Não, num é muito aborrecido, porque alguém poderia entender, “Oh, rapaz, foi dizer uma coisa e
ela falou uma palavra ao contrário” Mas, de qualquer uma maneira, foi assim que ela acostumou, foi
assim que ela acostumou falar.
DOC.: Ah sim...
INF.: Aí ela diz: “Não quero saber disso não”.
(Inf. 22)
Trecho 81:
INF.: Acho que ele falaria… acho que as pessoas daqui falaria mais da primeira maneira (Neg1).
DOC.: “E tu não queres ficar boa não?”
INF.: Isso.
DOC.: É? Mas é…
INF.: Eu falaria dessa maneira “Tu não queres ficar boa não?”
DOC.: Uhn.
INF.: Mas acho que na hora da… a sonoridade num… não é muito legal, mas a gente costuma falar
assim.
(Inf. 8)
139
Trecho 82:
AUX.: Mas por que que o senhor acha que as pessoas dizem duas vezes, esse “não”?
INF: Pra mim é por uma questão de hábito, porque o sujeito começou a aprender alguma coisa e fez...
por exemplo, tem pessoas... vamos dizer o caso, tem pessoas que tem até uma certa bagagem, mas ele
viveu muito com essas pessoas e adquiriu os hábitos. Às vezes ele vai escrever, escreve certo a palavra,
mas quando ele pronuncia, ele pronuncia errado, pelo hábito de se acostumar com aqueles termos. Tá
entendendo?
DOC.: Uhn run.
INF.: Por exemplo, muitas pessoas falam: “Oh, meu amor” Quando as pessoas falam muitas vezes, elas
estão se acostumando... elas tão se acostumando. Ele tá falando com você e ele tá repetindo muitas vezes
uma palavra que não tem razão. Ele vai sempre repetindo aquilo ali, porque ele não tá observando que
não há necessidade de repetir aquela palavra.
DOC.: Ah, então ele nem percebe, né?
INF.: Nem percebe, porque já tá acostumado.
(Inf. 12)
O informante 20, natural de Jamary dos Pretos, também sinaliza que a dupla negação
faz parte de um costume de sua comunidade, compondo o “sotaque” da região. Interessante
observar que, enquanto indicava que sua escolha diante da SE 7 seria Neg1, alguém que passava
pelo local durante a entrevista, identificado aqui como CIRC., indicou que usaria Neg2 nesse
contexto. Diante da situação, o informante explica que o pessoal da região costuma “falar
errado” e que geralmente são criticados quando passam um período fora da comunidade e
voltam com marcas do falar de outras localidades. Com isso, notamos que o informante crê que
a dupla negação seja um erro gramatical, e que, provavelmente, não seria uma escolha
adequada.
Trecho 83:
INF: NÃO FOI EU.
CIRC.: Pode dizer que é eu, né? Eu digo: Não fui eu que disse não. Ele ia perguntar: “Tu que disse?”,
“Eu não! Não fui eu não.”
140
INF.: Não, porque assim esse modo de falar a gente fala assim quase iguais. Porque é pelo sotaque, né,
ainda mais morando aqui já há muitos anos, né, e quando a gente sai daqui,quando a gente sai daqui e
volta falando diferente, tem pessoas daqui que começam a caçoar, critica, né, porque tá falando certo,
acha que tá falando as palavras certas, acham que tá só querendo ser falando chiando.
DOC.: Ainda mais quem vem de Belém, né? Verdade... que vem chiando.
INF.: É. E aqui a gente fica nesse costume de ficar nesse costume, porque é só gente daqui, mesmo o
pessoal falando errado pra ti, mas tu quer retornar a palavra do mesmo jeito, quase, né?
(Inf. 20)
Conforme dito anteriormente, a dupla negação, por ser característica da língua oral,
caracteriza um estilo espontâneo, coloquial e informal. Os informantes 7 e 8, que possuem o
mesmo perfil social, diferindo-se apenas no sexo – inf. 7, mulher e o inf. 8, homem –
compartilham desta crença.
Os dois informantes sinalizam que fariam uso da estrutura “no calor do momento”,
quando não estivessem “no racional”. Isto é, diante de uma fala espontânea e sem
monitoramento, a dupla negação provavelmente seria a opção “eleita”, como evidencia o trecho
a seguir:
Trecho 84:
DOC.: Uhn rum. Mas tu escolheria essa “Não vou”?
INF.: É… Mas no calor do momento, sei lá, “Não vou não (risos) ((DOC.: risos)), tenho muita matéria
pra estudar”.
DOC.: Quando tu tá pensando na resposta…?
INF.: Eu acho que é.
DOC.: Aí tu fala…
INF.: Mas eu acho que, involuntariamente, eu acho que sai “Não vou não”, “Quero não”.
DOC.: Ah, sim.
INF.: Eu acho que sim. É uma forma mais… como é que é a palavra? Coloquial.
(Inf. 7)
45
Fazer um breve histórico do informante.
141
Trecho 85:
DOC.: “Não vou não, tenho muita matéria pra estudar”.
INF.: Por que ele… tá falando “não” duas vezes aí, eu preferia falar… tipo, agora, aqui no racional eu
falaria da primeira (Neg1), mas eu posso… posso dar essa resposta aí e nem me tocar.
(...)
INF.: Acho que a segunda (Neg1).
DOC.: A segunda “Não quero falar sobre isso”? Essa aí tu acha que seria a mais adequada aqui?
INF.: Mas eu acho que falaria a primeira (Neg2). (risos) “Não quero falar sobre isso não”. (risos)
(Inf. 8)
Os dois ressaltam que podem fazer uso da estrutura involuntariamente, apesar de julgá-
lo, por vezes, como não adequado em estilos mais formais. Interessante observar que o
informante 8 escolhe a negação canônica como a mais adequada, talvez por perceber que se
trata de um teste linguístico e por estar fazendo essa escolha conscientemente, mas reconhece
que, na fala espontânea, diante de uma situação de uso real da língua, optaria por Neg2.
Crença 19 – A dupla negação é inadequada quando o contexto exige estilo mais formal
Trecho 86:
INF: “NÃO SEI”
DOC: Então...
INF: É a resposta certa, porque a reitora faz a pergunta e lá alguém fala “NÃO SEI NÃO”. Eu considero
assim, não é discriminando, nem preconceito, mas é um resposta muito da caipira.
(Inf. 10)
46
Conforme explicado nos Procedimentos Metodológicos, adaptamos algumas situações para a realidade dos
moradores de Jamary dos Pretos (cf. Capítulo 4).
142
Trecho 87:
DOC.: Mas a senhora… é… acha que algum aluno falaria assim com a reitora? Diria “Não sei não”?
AUX.: “Sei não”.
INF.: Eu sou bem mais velha do que vocês, eu acho que um aluno falar assim com uma reitora já é uma
falta de… de respeito, porque de certa forma, você tá falando com uma autoridade, né?
DOC.: Sim.
INF.: Entendeu? Então… eu não… não concebo essa forma de falar como uma coisa normal.
DOC.: Uuhn rum. Certo.
INF.: Certo. Não tô vendo aí só a colocação, a frase (DOC.: uhn rum.), mas eu tô vendo também a
questão… respeito.
DOC.: Sim. Né, porque é a reitora… certo. E falando no meio de amigos…?
INF.: Ah, aí no meio de amigos, eles vão falar do jeito que eles… eles se entenderem bem (DOC.: uhn.).
Meu filho diz pra mim “Vou nada, mãe”.
DOC.: (risos)
INF.: Entendeu?
DOC.: uhn rum.
(Inf. 15)
No que tange à análise do fator faixa etária em estudos sobre a dupla negação, não há
uniformidade na distribuição da realização da estrutura entre pessoas mais jovens e mais velhas.
O falante 22, que apontou a dupla negação várias vezes como a mais adequada durante o teste,
afirma que o uso da estrutura em sua comunidade é decorrente do falar de pessoas mais antigas,
que foi herdado e permanece até os dias atuais.
Trecho 88:
DOC.: Ahn ran. Mas ela podia falar como?
INF.: A filha poderia dizer “Eu não desliguei o fogão”, mas, pelo costume da mãe, ela diz: “Não
desliguei o fogão não”.
DOC.: Ah tá... Pelo costume da mãe
INF.: É. Pelo costume da mãe, ela aprendeu foi assim, aí ela diz é assim. (...) DOC.: uhn... certo. E o
senhor costuma falar mais como?
INF.: Eu costumo falar nessa seguinte forma como eu tô dizendo, porque fui o costume da mãe, e pra
melhor entender, da avó que me criou, aí era só desse jeito que ela falava que eu também falo.
INF.: Ah... quase tudo assim. É como eu tô dizendo, uma vez uma menina disse pra mim, “onte não,
Ângelo, ontem!” (risos) É assim que é. “Cumpade não, é compadre!”
DOC.: Tentando mudar seu jeito de falar, né?
INF.: Tentando mudar! Mas é só assim que a gente acostumou, é só assim que a gente fala.
(Inf. 22)
Para ele, na SE 4, a garota responderia à mãe fazendo uso de Neg2 justamente por
conta da convivência com ela, que também foi ensinada por seus antepassados a falar da mesma
forma. O informante demonstra ainda certa insegurança linguística, pelo fato de se sentir
julgado pelo modo como fala, no entanto, ele explica que assim lhe foi ensinado pelas pessoas
antigas de sua comunidade e que permanecerá falando da mesma maneira.
Trecho 89:
INF.: Aí “Não sei não” (risos)
DOC.: Ah sim.
((Confirma-se que o falante tem uma atitude negativa a respeito de neg2, apesar de se reconhecer
falante))
INF.: É, todas as palavra da gente, é tudo assim, é como eu tô dizendo, às vezes tem uns... “Aquele
pessoal ali, eles falo tudo é daquele jeito” ((com desdém)) Mas é por causa dos costume dos velho,
DOC.: Uhn run.
INF.: Aí nós apredimo e isso ficou!
DOC.: Com certeza.Aí fica, né? O jeito de falar também é herança.
INF.: Também é herança, o jeito de falar. É! Tudo é herança! A mesma coisa é como eu disse, o tipo de
dança, dança de tambor, num é?
DOC.: Uhn run.
(Inf. 22)
supõe-se que, a dupla negação seria mais recorrente na fala dos mais antigos, uma vez que seu
uso seria passado de geração em geração, estando presente principalmente na fala dos mais
velhos. Além disso, observamos que o informante equipara o jeito de falar à dança de tambor,
uma das incontestáveis heranças africanas para cultura brasileira/maranhense, ao afirmar que
ambos são heranças deixadas pelos mais velhos.
Podemos relacionar ainda essa colocação ao comentário feito pelo informante 12,
natural de São Luís, acerca da origem da estrutura, no qual afirma que a dupla negação pode
ser oriunda da forma precária como os escravos aprenderam a língua falada no Brasil no período
escravagista:
Trecho 90:
DOC.: E o senhor escuta aqui em São Luís as pessoas repetindo o NÃO?
INF.: Olha, em São Luís se fala melhor o português, mas no interior, principalmente no sertão no
Maranhão, não se fala a mesma coisa. Os termos são diferentes, porque foi se passando de pai pra filho
(inint.). Principalmente, porque no sertão, no interior, é onde se localizava os escravos, aquelas pessoas
que não tinham conhecimento, nada de leitura, essas coisas. E eles começaram a aprender o português,
porque tiveram a necessidade de falar, mas sempre falavam mal, atravessado, essas coisas. E isso foi
ficando, foi sendo adquirido pelo sertanejo que continuou vivendo assim. Isso é o que eu acho, não sei
se é certo, porque é o que eu tô pensando, mas eu calculo que essa razão é justamente por falta desses
conhecimentos.
(Inf. 12)
Crença 21 – A dupla negação é realizada por pessoas mais velhas, não sendo tão recorrente
entre os jovens, pois a fala destes se aproxima mais à variedade padrão
O informante 22 afirma que a dupla negação é hábito não só herdado dos seus
antepassados, como também uma prática atual entre os mais velhos. Ele, que faz parte do grupo
da segunda faixa etária, se assume como usuário de Neg2 e afirma que seu uso não é tão
recorrente entre os mais jovens.
Trecho 91:
DOC.: E eles costumam falar assim: “Num vou não. Tenho muita coisa pra fazer”?
INF.: Tem, tem muita coisa que eles digam. “Não, num vou não. tem muita coisa preu fazer”.
DOC.: Uhn...
INF.: Ainda digam assim: “Não, num foi ele que me convidou pra mim ir em tal parte, mas eu num vou
não, tenho muita coisa pra mim fazer”
DOC.: Ah sim... Os mais velhos falam desse jeito, é?
INF.: Falam desse jeito.
(...)
DOC.: E os mais novos também falam assim?
145
INF.: Os mais novo, não. Os mais novo hoje já tem alguma coisa diferente pra dizer. D. chega lá em
casa com os menino. Eu disse: “eu te olhei onte”. Ela disse: “onte não, Ângelo, ontem!” (risos) “Eu te
olhei onte!” Pois é, eles já não falam assim. Ontem! Eu digo “onte”
DOC.: Ah sim.
INF.: Todo tempo eu digo assim. A mesma coisa... “cumpade”, é só assim que eu chamo, “meu
cumpade”, né? Mas eu digo é “compadre”, né? (risos)
DOC.: Compadre, né? Os mais novos falam assim.
INF.: Compadre, e eu falo “cumpade”.
DOC.: E eles falam assim: “Eu num vou não”?
INF.: Eles falam “Eu num vou não, tenho alguma coisa pra fazer”, os mais velho. Os mais novo é algum,
algumas veze quem diga.
DOC.: Ah tá, mas é mais os mais velhos, né?
INF.: É mais os mais velhos.Eu, no caso, é assim que digo.
DOC.: É?
INF.: “Eu num vou não, eu tenho alguma coisa pra fazer”.
(Inf. 22)
Verificamos que ele comenta que os mais novos, além de não serem usuários de Neg2,
costumam “corrigir” os mais velhos, incentivando-os a fazerem uso da norma padrão. Com
isso, supomos que, para o informante, Neg2 é considerada um desvio da norma, uma vez que
ele o equipara à redução do ditongo final em ontem > /onti/ e outras variações fonético-
fonológicas do PB que geralmente são estigmatizadas.
Vale ressaltar que, além do informante 22, a informante 19, também natural de Jamary
dos Pretos, sinaliza que a dupla negação é uma estrutura mais recorrente entre os mais antigos.
Trecho 92:
DOC.: uhn. Os jovens aqui, eles costumam falar assim?
INF.: costumam.
DOC.: é? E os mais velhos também falam?
INF.: também.
DOC.: uhn…
INF.: os mais velho… os mais velho que fala.
DOC.: ah, é? Os mais velhos que falam desse jeito “Não sei não”?
INF.: é.
(Inf. 19)
O informante 20, também de Jamary dos Pretos, ao contrário, afirma que a dupla
negação é mais frequente entre os mais jovens. Embora tenha assinalado a dupla negação como
erro gramatical em outro momento da entrevista, (cf. Crença 4), na SE 2 comentada a seguir, o
informante afirma que a estrutura não é realizada entre os mais velhos, pois eles costumam
“falar errado”.Vale ressaltar que o exame das opiniões (cf. Crença 17) emitidas por esse
146
informante, como visto, evidenciam sua insegurança linguística e isso se torna mais manifesto
quando consideramos a SE 2.
Trecho 93:
INF: A correta, pra falar a verdade...
DOC: Não precisa ser a correta, mas qual o senhor falaria?
INF: NÃO VOU NÃO
DOC: E as pessoas aqui costumam falar desse jeito?
INF: costuma, costuma.
DOC: Os mais velhos também falam assim aqui em Jamary?
INF: Os mais velho é pouco pra acertar, fala realmente quase tudo errado.
(Inf. 20)
A observação feita por este informante contrapõe o comentário feito pelo informante
22 a respeito da estrutura: a dupla negação é um costume aprendido com os mais antigos e
recorrente entre os mais velhos da comunidade (cf. Crença 20).
A informante 15, natural de São Luís, segunda faixa etária, que fez uso da dupla
negação em discursos livres, declara que tanto ela, como suas irmãs da mesma faixa etária, não
são usuárias de Neg2. Quando questionada sobre se seus pais seriam usuários da estrutura,
afirmou:“esses termos, a gente não tinha em casa”.
Trecho 94:
DOC.: suas irmãs não falariam de outra forma?
INF.: normalmente, não. A gente tem mais ou menos o mesmo ritmo de… falar.
DOC.: uhn. Os seus… os seus pais eles falavam também assim? A senhora lembra? De em casa se a
senhora escutava seus pais falando assim “Ah, não lembro não”?
INF.: Não, esse “Não lembro não”, “Faço isso não”, “Quero isso não”… esses termos a gente não… não
tinha em casa.
DOC.: uhn rum. Não tinha, né?
INF.: não.
(Inf. 15)
Os dados quantitativos desta pesquisa (cf. Tópico 5.1.2) mostraram que a dupla
negação foi levemente favorecida na fala de informantes da primeira faixa etária (58% das
realizações), apesar de, por vezes, não ter sido selecionada como relevante em outros estudos
sobre a negação (cf .ROCHA, 2013; NASCIMENTO, 2014). Contudo, observamos que, entre
os falantes entrevistados, principalmente os de São Luís, há a crença de que a dupla negação
seria característica do falar de pessoas mais jovens. A informante 15, que realizou
espontaneamente a dupla negação diversas vezes, afirma não ser usuária, mas reconhece esse
uso na fala de seus filhos.
147
Trecho 95:
DOC.: mas a senhora costuma falar assim?
INF.: não.
DOC.: não, né?
INF.: não.
DOC.: uhn… então é mais… a senhora escuta mais… as pessoas mais…?
INF.: mais as pessoas mais novas.
(...)
DOC.: (risos) não falaria mesmo? (Neg2)
INF.: não.
DOC.: né?
INF.: não falaria mesmo.
DOC.: a sua filha falaria… de outra forma?
INF.: eu acho que a minha filha falaria assim “E tu não quer ficar boa não?”
(...)
DOC.: Mas a senhora escuta, por exemplo, os mais jovens falando de outra forma ou… aqui em São
Luís?
INF.: eu… pelo… pelos meus filhos, em casa, eles usam o “Não vou não”.
DOC.: ah, é? (INF.: é.) Os seus filhos?
INF.: me… meu… meus dois mais novos falam “Não vou não”.
(Inf. 15)
A informante afirma perceber que seus filhos realizam a dupla negação quando estão
em casa, o que nos leva a supor que ela associe o uso da estrutura a um estilo mais informal,
espontâneo.
A informante 17, primeira faixa etária, natural de Jamary dos Pretos, percebe o uso de
Neg2 em sua comunidade, porém apenas entre os mais jovens. Durante o teste, ela escolheu a
negação pré-verbal como a mais adequada em todos os contextos, com exceção da SE 7, o único
contexto em que ela admitiria usar a estrutura. Supomos que este seja um indício de insegurança
linguística, pois ela opta por uma estrutura que não considera característica do falar de sua
geração.
Trecho 96:
DOC.: É? Mas eles costumam falar assim “Não quero não, já comi”?
INF.: Às vezes.
DOC.: Falam?
INF.: Uhn run.
DOC.: Tu escutas muito o pessoal falando?
INF.: Às vezes escuto.
((Afirma que os mais velhos são usuários de Neg1 e não Neg2, e sugere que Neg2 seja mais recorrente
entre os mais novos))
DOC.: Os mais velhos falam assim também?
INF.: Não, falam do jeito que eu falei (Neg1).
DOC.: Ah, os mais velhos falam do jeito que tu falaste.
INF.: Uhn run.
DOC.: Os mais novos que falam assim, é?
148
INF.: É.
(Inf. 17)
Trecho 97:
DOC.: Assim, são pessoas mais novas (que realizam Neg2)?
INF.: é… mais nova, mais velha.
DOC.: todo mundo fala assim?
INF.: e num é?
DOC.: aqui em São Luís o senhor escuta muita as pessoas falando assim?
INF.: tu não é de São Luís não?
DOC.: sou.
INF.: ah…
(Inf. 4)
Trecho 98:
DOC: Mas a senhora escuta as pessoas falando assim desse jeito NÃO VOU NÃO?
INF: Escuto muito.
DOC: São as pessoas mais novas, mais velhas?
INF: Novo ou velho é tudo a mesma coisa.
(Inf. 11)
Trecho 99:
AUX.: A senhora escuta mais é com pessoas mais velhas ou mais novas?
INF.: Tanto faz, minha querida!Porque se eu não leio, eu não sei conversar, eu não sei escrever, eu não
sei nada.
AUX.: É mais então pra quem não tem leitura?
INF.: Justamente. Por isso que eu tava te dizendo que esse palavreado logo do começo a gente ouve
muito, muito, mas dos meus meninozinhos que vêm do interior.
DOC.: Uhn...
INF.: Aí vem a mãe e tal e diz assim: “Maih muié! Ele num feh não, muié!”. E tu vai fazer o quê? São
essas coisas... leitura, tem que ter leitura!
(Inf. 13)
149
Trecho 100:
DOC: E o senhor acha que tem diferença entre os mais velhos e os mais jovens?
INF: Não, eu acho que a linguagem, ela...é da região, do habitat da pessoa.
(Inf. 16)
Há sujeitos que associam o uso da dupla negação ao falar de pessoas sem instrução,
como o informante 10, de São Luís – segunda faixa etária e grau I de escolaridade. Para ele, a
pessoa que responde a um questionamento fazendo uso de Neg2 é uma “iniciante”, isto é,
alguém “que não tem um certo grau de instrução”. Isso nos remete ao comentário feito pela
informante 13 (cf. Crença 4) que relaciona o uso da estrutura à falta de leitura.
Trecho 101:
INF: Por mim, certo a última “NÃO FUI EU”, porque é a mehma coisa, ele volta a usar a palavra “não”.
“NÃO FUI EU... NÃO”. Olha, você ver que não encaixa o texto, a palavra, a pregunta no texto “NÃO
FUI EU NÃO” isso tá... é uma pergunta assim... elaborada pra iniciante.
DOC: O senhor acha que esse tipo de resposta é pra iniciante?
INF: É, e pessoas que eu acho que não tem um certo grau de instrução, pouca instrução, não muita
instrução. A pessoa responder uma pergunta desse tipo, dessa natureza.
DOC: O “NÃO FUI EU NÃO”?
INF: o “NÃO FUI EU NÃO”
(...)
DOC: E o senhor já ouviu alguém falar assim?
INF: Já. Eu lido e tô em contato constantemente, até dentro da minha profissão mesmo eu lido com
pessoas de pouca instrução, como eu, entendeu, que a gente vê muito esses erros. É no cotidiano.
(Inf. 10)
A dupla negação foi apontada também por um dos falantes como característica de um
falar elementar, rudimentar, provavelmente por não compor a norma padrão da língua.
150
A informante 15, que declarou ser a dupla negação mais recorrente entre os mais
jovens, trabalha em uma universidade e diz estar em contato direto com essa geração,
cotidianamente. No entanto, afirma que nem todos fazem uso da estrutura: os que mais a
realizam, segundo crê, são aqueles de fala mais “elementar”, denotando uma atitude negativa
perante a estrutura.
Trecho 102:
DOC.: mas a senhora costuma falar assim?
INF.: não.
DOC.: não, né?
INF.: não.
DOC.: uhn… então é mais… a senhora escuta mais… as pessoas mais…?
INF.: mais as pessoas mais novas.
DOC.: aqui no curso, os meninos chegam pra falar com a senhora, a senhora percebe que eles falam
desse jeito?
INF.: alguns.
DOC.: uhn.
INF.: tem aqui… a gente tem duas… duas coisas diferentes. A gente vê uns alunos que falam bem mais
melhorados e a gente vê outros que falam mais… de forma mais elementar.
(Inf. 15)
Em outro momento da entrevista, ela explica que considera não só o tom de voz do
falante, mas também a estrutura em si que, para ela, é uma forma mais “rudimentar”,
provavelmente por esta não ser a estrutura canônica de negação. A negação pós-verbal – outra
estrutura não-canônica –, por sua vez, seria característica do falar rural, do campo, como
evidencia o trecho a seguir extraído de seus comentários:
Trecho 103:
DOC.: Mas a senhora vê diferença nessas três formas?
INF.: olha, aí a diferença é mais o… o tom de voz das pessoas, certo? (DOC.: uhn.) Agora o… o termo,
significado… o “Não quero não.” é uma forma mais… mais… como é que a gente pode dizer? Mais…
mais rudimentar. “Quero não.” é mais… a fala mais… mais do campo… mais rural.
(Inf. 15)
A dupla negação, além de ter sido associada à linguagem coloquial e rudimentar, foi
também apontada como característica do falar rural, interiorano, pelos falantes 10, 12, 13, 15,
16. Mello et al(1998), ao estudar as estruturas negativas no PB, afirmam que a dupla negação
e a negação pós-verbal são recorrentes em dialetos rurais.
151
Trecho 104:
INF: “NÃO SEI”
DOC: Então...
INF: É a resposta certa, porque a reitora faz a pergunta e lá alguém fala “NÃO SEI NÃO”. Eu considero
assim, não é discriminado, nem preconceito, mas é um resposta muito da caipira.
(Inf. 10)
Trecho 105:
INF.: Não, porque você diz “Tu vai lá?”, “Não vou não.” Porque não há necessidade! Se você já disse
não, por que o outro NÃO depois?
DOC.: Ah sim. O senhor acha que não precisa, né?
INF.: Não, mas é um hábito que muita gente tem, principalmente o caboco do interior. Ele diz: “Cê gosta
disso?”, “Não, eu num gosto não”, e às vezes ele repete três, quatro vezes o mesmo não”.
(Inf. 12)
Trecho 106:
DOC.: E a senhora já ouviu alguém falar....
INF.: Essas coisa aí??
DOC.: “Não quero falar sobre isso não”?
INF.: Mah menino!
AUX.: Na escola os meninos falam?
INF.: Não. É muito difícil. Geralmente é quando eles vêm de outros lugares assim, aí a gente vai dando
um jeitinho aqui pra ele ir conversando melhor. Mas a gente conversa, tem gente que conversa é muito!
AUX.: Uhn run. Outros lugares como, assim?
INF.: Interior. Muito, muito... AUX.: Aí eles falam desse jeito, né?
INF.: “Eita, muié, num fez isso não?”
DOC.: (risos)
INF.: Eu tenho uma neta que fala assim (risos). “M.!” “Oxa, vó, desculpa. Num vou falar maih não.”
“Num vou falar maih não” (avaliando a fala)
DOC.: Ela é de onde?
INF.: São Luís Gonzaga!
(...)
AUX.: A senhora escuta mais é com pessoas mais velhas ou mais novas?
152
INF.: Tanto faz, minha querida! Porque se eu não leio, eu não sei conversar, eu não sei escrever, eu não
sei nada.
AUX.: É mais então pra quem não tem leitura?
INF.: Justamente. Por isso que eu tava te dizendo que esse palavreado logo do começo a gente ouve
muito, muito, mas dos meus meninozinhos que vêm do interior.
DOC.: Uhn...
INF.: Aí vem a mãe e tal e diz assim: “Maih muié! Ele num feh não, muié!”. E tu vai fazer o quê? São
essas coisas... leitura, tem que ter leitura!
(Inf. 13)
Vale observar que a informante, ao representar a fala interiorana, faz uso da dupla
negação realizando ainda fenômenos fonético-fonológicos estigmatizados e geralmente
associados ao falar interiorano.
Trecho 107:
INF.: o “Não, já comi” é uma forma mais… mais aqui pra nós.
DOC.: uhn… daqui da…
INF.: entendeu? Mais assim da pessoa do… do… mais da cidade. Eu vejo essa… essa diferença.
DOC.: ah, certo.
INF.: entendeu? O “Quero não” é uma forma que nós aqui, na vivência que a gente tem, a gente já não…
não tem.
DOC.: uhn…
INF.: mas se você estiver num interior você vê isso com… mais facilidade.
DOC.: qual que a senhora disse que vê com mais facilidade?
INF.: “Quero não”, no interior.
DOC.: ah, o “Quero não”.
INF.: “Quero não”.
DOC.: e “Não quero não”?
INF.: Também.
(Inf. 15)
O informante 16, natural de São Luís, informa que a dupla negação não é usual em sua
comunidade e crê que a estrutura é mais recorrente e no interior do Maranhão. Sugere, ainda,
que o fato de a estrutura ser realizada em sua localidade está relacionado com o processo
migratório, resultante do deslocamento de pessoas do interior para a zona urbana em busca de
melhores condições de emprego. São esses imigrantes, segundo o informante 16, que, trazem
consigo marcas de seu falar, que incluem vícios de linguagem, típicos de sua região. A dupla
negação está, então, inserida nesse grupo de vícios.
153
Trecho 108:
INF: É a segunda NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO. Essa forma NÃO QUERO FALAR SOBRE
ISSO NÃO não é usual pra gente, essa negativa duas vezes. Eu pelo menos não fui acostumado, mas
não tô dizendo que não é usual, que tem em determinadas regiões que falam isso, falam assim dessa
forma.
DOC: Quais regiões?
INF: Não sei te dizer, mas acho que no interior do Estado, do Maranhãomesmo, eu já ouvi gente falar.
(...)
DOC: E antigamente o senhor escutava o pessoal falando assim TU NÃO QUERES FICAR BOA NÃO?
INF: Escutava sim. Escutava, escutava. Porque às vezes as pessoas que trabalhavam ou que vêm do
interior pra trabalhar, elas têm outro sotaque, outra...vamos dizer, vício de linguagem, porque é da
região, típico dali da região. Sai errado pra gente.
(Inf.16)
De acordo com o teste de atitudes aplicado por Roncarati (1996), a dupla negação e a
negação pós-verbal já foram consideradas nordestinismos por falantes cearenses. Entretanto,
pesquisas mais recentes (cf. FURTADO DA CUNHA; 2001, ROCHA 2013, NASCIMENTO,
2014) comprovam que há registro da ocorrência concomitante das três estruturas negativas,
com frequência similar, nas localidades brasileiras onde a negação foi investigada.
Trecho 109:
INF.: E eles lá tão… os gaúcho… tu é doido? Eu não consegui entender o gaúcho… (DOC.: Ah, tá.) o
baiano… aí, tu falou igualzinho o baiano.
DOC.: Foi? O que que eu falei igual ao baiano?
INF.: É… “Não tem… eh... não tem aí não?”
DOC.: Ah, o baiano fala assim, é?
INF.: É, o baiano. Eu digo ((interferência barulho de moto)): “Olha, como o baiano fala”, que eu fui
comprar o acarajé “Oh, menina vem aqui”.
154
(Inf. 3)
Trecho 110:
INF.: O segundo “E tu não queres ficar boa?
DOC.: A senhora falaria assim?
INF.: Ahan
DOC.: Por quê?
INF.: (risos) A segunda então. “E tu não quer ficar boa não”, acho melhor.
DOC.: É? A senhora costuma falar desse jeito? “E tu não queres ficar boa não? E tu não quer ficar boa
não?” A senhora fala assim?
INF.: Não, acho mais parecido com a fala do baiano (risos)
DOC.: É? Mas aqui em São Luís as pessoas falam assim?
INF.: Não.
DOC.: Qual mesmo que a senhora disse que escolheu? Não tô lembrando...
INF.: “E tu não queres ficar boa” (com firmeza).
(Inf. 9)
Trecho 111:
INF: Olha, tem um lugar que as pessoas falam desse jeito ((referindo-se à Neg2)).
DOC: É. Aonde?
INF: No Pará a palavra é quase desse jeito assim.
DOC: Como é a palavra?
INF: Eu não fiz não.
(Inf. 24)
Interessante observar que informantes desta pesquisa, por vezes, apontaram Neg2
como característica de outros falares, não se identificando como usuários da estrutura, como o
informante 24, ao afirmar que em Jamary não se usa a dupla negação.
Para ele, o cearense fala “a palavra toda”, enquanto, para o maranhense a palavra é
“repartida um pouco”. Supomos, pois, que a “palavra toda” seja a dupla negação, talvez por ter
um advérbio de negação no início e outro no final da estrutura, enquanto a “palavra repartida”
remeteria à negação pré-verbal, que conta apenas com um “não” na estrutura.
Trecho 112:
DOC: A mãe pergunta “VOCÊ DESLIGOU O FOGÃO?”
INF: Olha, tem um lugar que as pessoas falam desse jeito ((referindo-se à Neg2))
DOC: É. Aonde?
INF: No Pará a palavra é quase desse jeito assim.
DOC: Como é a palavra?
INF: “Eu não fiz não”. Pra cá a gente escuta “tá tudo escangalhado”. O cearense é “Eu não sei não”.
DOC: Cearense fala desse jeito?
INF: “Eu não sei não, não faço não”.
(...)
DOC: E o senhor conheceu algum cearense que falasse desse jeito?
INF: O meu avô era cearense.Como é que eu não conhecia (risos).
156
O informante afirma que, em Jamary, as pessoas não são usuárias dessa estrutura, pois
na fala de sua localidade não tem “esse arrastado”, atribuição feita provavelmente pelo efeito
sonoro decorrente do acréscimo de mais um elemento – “não” pós-verbal – na estrutura.
Interessante observar que, para afirmar que em sua localidade as pessoas não são usuárias da
dupla negação, ele realizou a estrutura: “não tem esse arrastado assim não”.
Trecho 113:
INF.: Então vamos ver o que pode ser.
DOC.: Sim...
INF.: Porque gente do interior, pernambucano fala muita coisa... Oh, se tô dizendo que minha neta diz
“Oxe, vó!” Oh! (analisando a fala) “Oxe, vó! Num fiz isso não, muié!”, “Que isso, M.?!”
DOC.: (risos)
INF.: “Ixe, vou falar maih não!” Vou falar maih não ((analisando a fala)).
(Inf. 13)
Esta informante, como foi possível observar nas crenças anteriores, associou o uso da
dupla negação à falta de leitura, ao falar interiorano e também ao falar pernambucano. Para
comprovar sua asserção, afirma que sua neta, provavelmente pernambucana, realiza a dupla
negação. Imitando a variedade falada por sua neta, a informante 13 faz a seguinte construção:
“Oxe, vó! Num fiz isso não, muié!”, em que há a ocorrência de fenômenos como a
despalatalização seguida de iotização (mulher > /muié/), o uso da interjeição “oxe” (redução de
“oxente”) apontada como brasileirismo do Nordeste (HOUAISS & VILLAR, 2001, p. 2096) e
a redução do não >num, que contribuem para evidenciar atitude negativa da informante perante
o uso de Neg2. Essa atitude é confirmada pelo fato de ainda julgar a usuária, fazendo a pergunta
“O que é isso, M.?”, com tom julgador.
157
Trecho 114:
DOC.: E… e… tu escuta as pessoas falando assim, C., por aqui assim “Eu não sei não”, “Não fiz não”?
INF.: Não. Eu já… do jeito que tu tá falando eu já vi muito lá fora.
DOC.: Foi? (INF.: Ah rã.) Onde?
INF.: Porque em Brasília tem muita gente de vários estado lá, né (DOC.: Uhn rum. Sim…), então tu vê
muita gente de… uma língua que eu não entende é… gaúcho, gaúcho eu não entendo o que ele tá falando.
DOC.: Ah, é? E eles falam assim também?
INF.: É… quase isso. Mas um… assim eu não entendi o que eles falavo.
DOC.: Uhn rum.
INF.: Tendeu?
DOC.: Sim, é mais complicado de (INF.: Mais complicado.) (entender, de falar). Ah, tá?
INF.: Tendeu?
DOC.: Então é… tu escutas mais, por exemplo, lá em Brasília tu já ouviste as pessoas falando “Eu não
sei não”…?
INF.: “Não sei não”…
AUX.: “Não fiz não”…
DOC.: Uhn rum. Mas aqui... (...)
DOC.: Uhn. Mas tu não costuma falar assim “Eu não sei não”?
INF.: “Não sei não… não… esse aí não. (DOC.: Num fala.) Esse aí é sotaque desse povo daí de fora.
DOC.: Ah, sim. Nem teu filho, nem ninguém por aqui?
INF.: Não.
(Inf. 3)
Interessante observar que a falante afirma não perceber o uso da estrutura em sua
comunidade de fala, pois esta faz parte do “sotaque de fora”. Entretanto, para negar esse uso,
ela realiza a dupla negação.
Dentre eles, o informante 16, em dado momento da entrevista, foi o único que, de
forma positiva, considerou a estrutura tipicamente maranhense. Ele, que se reconhece usuário
da estrutura, apontou a dupla negação como a mais adequada em cinco das 14 SE que lhe foram
apresentadas durante o teste. Das três estruturas, ele afirma que Neg2 é a que ele escuta mais.
Trecho 115:
DOC: O senhor vê diferença nas três?
INF: Vejo. Na primeira tem a negativa “NÃO QUERO NÃO, JÁ COMI” repetindo duas vezes “NÃO
QUERO NÃO, JÁ COMI”. A outra “NÃO QUERO, JÁ COMI” é muito...como se fosse assim “tu tá
me chateando”, “já te disse que não quero”, acho grosseiro, e a outra ! “QUERO NÃO, JÁ
COMI”afirmativa primeiro que quer e depois não. Eu ficaria com a primeira, eu acho mais maranhense
“NÃO QUERO NÃO, JÁ COMI”.
DOC: O senhor acha mais maranhense?
INF: Mais maranhense.
DOC: O senhor escuta as pessoas falando assim?
INF: NÃO QUERO NÃO JÁ COMI, escuto mais.
(Inf. 16)
Trecho 116:
INF.: “E tu não quer ficar boa não”, acho melhor.
DOC.: É? A senhora costuma falar desse jeito? “E tu não queres ficar boa não? E tu não quer ficar boa
não?” A senhora fala assim?
INF.: Não, acho mais parecido com a fala do baiano (risos)
DOC.: É? Mas aqui em São Luís as pessoas falam assim?
INF.:Não.
DOC.: Qual mesmo que a senhora disse que escolheu? Não tô lembrando...
INF.: “E tu não queres ficar boa” (com firmeza).
(Inf. 9)
Já os informantes 12 e 13, que estão na mesma faixa etária, mas graus de escolaridade
distintos – 12, grau I, e 13, grau II –, afirmam que os ludovicenses não são usuários da estrutura,
enaltecendo o português falado na localidade.
Trecho 117:
DOC.: Mas a senhora considera automaticamente correto aqui em São Luís ou no Brasil? ((após a
informante afirmar que, em um prova, a dupla negação não seria aceitável)).
INF.: Não, porque temos palavras e palavras, né? Empregos e empregos de palavras. Porque uma palavra
só tem diversos sentidos.
DOC.: Uhn...
INF.: Só que, pra nós, eu acho, eh... ludovicenses, a gente não fala assim. E quando você ouve, você se
assusta. “Vixe, olha como fulano falou errado!”.
DOC.: Ah...
INF.: Entendeste?
AUX.: Sim. Ah, então quando a senhora escuta o povo falando assim, já acha estranho, né?
INF.: Claro, a gente acha!
AUX.: Uhn run.
INF.: A gente pode é não falar. Mas de achar, acha.
(Inf. 13)
A informante 13, ao afirmar que “nós, ludovicenses, a gente não fala assim”, se insere
em um grupo de patamar aparentemente mais elevado do que o das pessoas que são usuárias da
dupla negação. Para ela, os ludovicenses, além de não serem usuários da estrutura, ainda julgam
o uso desta quando proferidas por outros falantes.
Já o informante 12 afirma que a dupla negação não é usada em São Luís, pois aqui se
fala “o melhor português”. Ele explica que o falar da capital difere do falar do interior pelo fato
de este ter sofrido grande influência dos escravos trazidos para o Maranhão no período
escravagista. De acordo com este informante, o português aprendido pelos escravos, de forma
precária, teria influenciado o português dos sertanejos e deixado marcas que permanecem até
os dias atuais.
Trecho 118:
160
Interessante observar que, mesmo sem ter conhecimento teórico a respeito da estrutura,
o informante apresenta uma explicação similar a uma das correntes teóricas que busca explicar
a origem da dupla negação no PB: a hipótese crioulística.
Segundo essa hipótese, a dupla negação teria se originado do contado entre a língua
portuguesa com as línguas de escravos africanos. Nessa perspectiva, a convivência entre
africanos e portugueses teria ocasionado uma situação de bilinguismo, uma vez que os africanos
tinham sua própria língua, mas tiveram de aprender a língua portuguesa e, nesse processo,
algumas características das línguas africanas teriam sido transportadas para a língua portuguesa,
entre elas, a dupla negação.
Essa “influição” vem de longe, tem suas raízes na velha Coimbra, onde estudaram
gerações e gerações de maranhenses, que foram seus filósofos, seus matemáticos, seus
botânicos, seus romancistas, seus polígrafos de renome. Até hoje, o estilo do
maranhense é oratório, é coimbrão. A velha cidade portuguesa enchia a cabeça dos
jovens, que de lá voltavam com suas capas romanescas, suas cabeleiras empoadas,
saturados de idéias revolucionárias. Tôda uma geração de boêmios intelectuais deu à
nossa gente “êsse” espírito de grande apêgo às letras e às artes. Essa tradição é o maior
orgulho da terra. O maranhense sempre incha o papo quando diz: isto aqui é a “Atenas
Brasileira”. Existe até no homem do povo, êsse orgulhozinho cabloco. (SERRA, 1965,
p. 17).
Trecho 119:
INF.: Tanto que lá, quando eu cheguei lá o rapaz perguntou… eu fui no comércio, eu disse “Boa tarde”,
aí ele disse “Você não é daqui, da onde você é?”, eu disse “Eu sou do São Luís do Maranhão”, porque
tá falando certinho.
AUX.: Ah…
INF.: Tendeu?
DOC.: Ah, é?
AUX.: E no Rio de Janeiro, pra onde a senhora viajou?
INF.: É… eu já… eles… eles sabem logo que a pessoa fala…
AUX.: Eles costumam usar “Não sei não”?
INF.: Não, porque eles chiam muito.
DOC.: Ah, tá.
INF.: Tendeu?
(...)
INF.: Aí ele disse “Você não é daqui”, eu disse “Não, eu sou do São Luís do Maranhão”.
DOC.: Ah…
INF.: Tendeu? Fala certinho, não fala… com sotaque. (DOC.: Uhn…) Assim que ele me disse, tendeu?
DOC.: Ah, sim. Quando tu falou que era de São Luís, eles disseram que tu falava certinho?
INF.: Foi, que falava certinho. Não tem sotaque.
162
(...)
DOC.: E outras pessoas chegaram a falar isso pra ti lá em Brasília que tu falava certinho?
INF.: Já… tem… lá no mês de junho tem a festa do Nordeste (DOC.: Uhn.), e a gente… cada… cada
estado tem a sua barraca (DOC.: Uhn rum), aí tinha a nossa do Maranhão, aí ele disse “Ah, a barraca
que fala certinho”.
DOC.: (risos)
INF.: (inint.) que a gente não tinha sotaque.
(Inf. 3)
O informante 16, que afirma ser o uso da dupla negação independente da faixa etária
do falante, declarou ainda que este uso está relacionado com o fator diatópico e que São Luís,
por ser a Atenas Brasileira, teria o falar mais puro, preservado.
Trecho 120:
DOC: E o senhor acha que tem diferença entre os mais velhos e os mais jovens?
INF: Não, eu acho que a linguagem, ela...é da região, do habitat da pessoa. Às vezes a gente...também
é dito que a gente fala um pouco cantando, mas não excessivamente como o baiano, como o
pernambucano. Eu acho que da região Nordeste , Norte, nós somos...por isso que somos considerados a
Atenas Brasileira, porque a nossa sonoridade é melhor, e ela é correta, com os pronomes, com colocação.
A gente não canta, não verbera. Eu acho isso.
(Inf. 16)
O informante afirma ainda que o falar de São Luís tem “sonoridade melhor, é correto,
que não canta ou reverbera”. Sabemos, contudo, que o português falado atualmente no
Maranhão se distancia dessa visão; no entanto a ideia de que no Estado se fala o melhor
português parece perdurar até os dias de hoje, ainda estando enraizada no imaginário de muitos
falantes, fato evidenciado pelos dados de Miranda (2014), coletados também por meio da
aplicação de um teste de atitudes a falantes de duas localidades maranhenses, e pelos dados
deste estudo.
Crença 35 - A dupla negação não é utilizada por falantes de Jamary dos Pretos
Apesar dos dados apontarem que a dupla negação é a segunda estrutura negativa mais
recorrente em Jamary – reunindo 13% das realizações – e de os informantes da pesquisa
sinalizarem que se trata de um costume da comunidade herdado pelos mais antigos, há ainda
aqueles que afirmam que a estrutura não é recorrente na comunidade.
A informante 17, que apontou a dupla negação como adequada apenas na SE 7, afirma
que não percebe o uso da estrutura em Jamary.
Trecho 121:
163
DOC.: Assim não, né? E assim “Ixe, não desliguei o fogão não”?
INF.: Não, assim também não.
AUX.: Você acha estranha essa...
INF.: Eu acho.
AUX.: “Não desliguei o fogão não”?
INF.: Eu acho.
DOC.: Acha estranho, é? Será que onde o pessoal fala assim? Tu já ouviste alguém de fora falar desse
jeito?
INF.: Não.
(Inf. 17)
A informante afirma que escuta, por vezes, as pessoas falando dessa forma, mas se
declara não usuária, além de afirmar que os mais velhos também não utilizam Neg2 e que
realizam apenas a negação pré-verbal, assim como ela.
Vale observar que a informante pareceu não estar muito confortável durante entrevista
e apontou a estrutura canônica – negação pré-verbal – em 13 das 14 situações apresentados. A
SE7 pareceu ser a situação com a qual a informante mais se identificou e, talvez por isso, tenha
optado pela dupla negação como mais adequada, uma vez que foi a situação na qual demonstrou
mais espontaneidade.
Conforme pudemos verificar no início deste capítulo, a dupla negação, apesar da baixa
porcentagem do nível de ocorrências, é a segunda estrutura negativa mais recorrente no falar
de Jamary dos Pretos. Falantes da comunidade considerados para este estudo, apesar de terem
realizado pouco a estrutura – talvez pelo fato de não se sentirem muito confortáveis durante a
entrevista – afirmaram que reconhecem a dupla negação em sua comunidade de fala e que esta
pode ser considerada até um costume da região.
Trecho 122:
DOC.: ah, então seria “Não quero não, já comi”?
INF.: é.
DOC.: as pessoas em Jamary falam assim?
INF.: Falo, sempre eles falo.
164
(Inf 19)
Trecho 123:
DOC.: e o pessoal em Jamary aqui fala mais como? Que a senhora escuta?
INF.: “Não quero não”.
DOC.: é?
INF.: é.
(Inf. 23)
Trecho 124:
INF: Eu não sei porquê. Porque é assim, ó,em cada cidade, cada povoado tem um modo de falar
diferente.
AUX.: Uhn...
INF.: É.
AUX.: É diferente mesmo...
INF.: É diferente!
AUX: Agora aqui em Jamary... Isso é daqui, é? As pessoas falam assim.
INF: Eh, é o daqui.
(Inf. 21)
Trecho 125:
DOC.: O senhor escuta as pessoas falando assim “Não quero não”?
INF.: “Não quero não”, eu sempre escuto as pessoas falar. “Eu não quero, eu não quero não”.
DOC.: Uhn... e o senhor fala assim também?
INF.: Eu, às vezes. Quando às vezes a gente tá aborrecido. Aí, “rapaz, eu tenho tal coisa aqui pra ti.”
“Não, eu num quero não”.
DOC.: Ah, é quando tá aborrecido, né?
(...)
DOC:Em Jamary as pessoas não falam assim?
165
Já o informante 20, da primeira faixa etária, parece perceber que se trata de um teste
linguístico e, provavelmente, pelo fato de ter estudado pouco, sinaliza que não tem muito
conhecimento sobre o assunto. No entanto, ele indica que grande parte das pessoas da
comunidade fala certo, e o certo, para ele, seria o uso da dupla negação diante do contexto
apresentado.
Trecho 126:
INF: Sobre linguagem aqui, eu não sei, mas tem umas pessoas aqui, quase a maioria, falam certo.
DOC: E o senhor acha que o certo seria como?
INF: NÃO QUERO NÃO.
(Inf. 20)
É possível observar que, diante das crenças identificadas nesta pesquisa, grande parte
delas denota atitude negativa dos falantes perante a estrutura, apesar de muitos serem seus
usuários, mesmo que inconscientemente. Entendemos com isso que, diante da classificação
proposta por Labov, a dupla negação pode ser considerada um marcador linguístico, uma vez
que os falantes, apesar de expressarem suas opiniões e crenças a respeito da estrutura, por meio
da aplicação de um teste de percepção, eles não são totalmente conscientes desse uso e, por
vezes não, se percebem seus usuários, apesar de sê-lo.
NÚMERO DE CRENÇAS
NÍVEL
INF.
CONSCIÊNCIA
Estruturais Contextuais/discursivas Sociais
1 0 - - -
2 0 - - -
3 2 3, 4 - 28, 32
4 3 4, 9 14 24
5 3 - 10, 12, 13, 14, 15 -
6 1 1 15, 16 -
7 3 4, 8, 9 15, 16, 18 -
8 3 3, 8 15, 17, 18 -
9 2 10, 11, 16 28, 34
10 2 4, 5, 8, 9 19 25, 27
11 2 - 14 24
12 2 3, 4, 9 17 27, 34
13 2 4, 5, 6, 8, 9 - 24, 27, 31, 34
14 3 7, 8 15 -
15 2 2, 9 18, 19 22, 23, 26, 27
16 3 - 15, 16 24, 27, 33
17 2 3 17 23, 35
18 0 - - 35
19 2 2 13, 15 21, 36
20 3 2, 7 17 22, 36
21 1 - - 36
22 3 - 10, 15, 17 20, 21, 36
23 0 - - 36
24 2 3 - 29, 30
Fonte: elaborado pela autora
mais frequentes da variante canônica, apesar de não o serem, enquanto os homens tendem a
fazer uma auto-avaliação mais condizente com sua realidade linguística.
Já os informantes com nível zero de consciência demonstraram apenas crenças sociais,
em sua maioria relacionadas com aspectos regionais, além de afirmarem não serem usuários da
estrutura.
Além dos testes já feitos por nós, decidimos fazer uma aplicação “piloto” de um teste
de falsos pares a fim de verificar se obteríamos resultados similares aos encontrados com o
auxílio do Teste de Percepção. Como o objetivo do teste era fazer apenas uma verificação,
entrevistamos apenas três pessoas com o auxílio do instrumento.
Vale ressaltar que os três informantes entrevistados são universitários, que se inserem
na primeira faixa-etária definida para este trabalho.
Diante dos resultados encontrados, vale destacar a pergunta 1 – A pessoa que
respondeu à pergunta é inteligente? –que, diante da reprodução do Áudio 3 – contém realização
da dupla negação sem complemento – foi a única respondida por dois informantes
negativamente, o que indica que eles creem que o uso da estrutura estaria relacionado com o
nível de instrução do falante, o que faz referência à crença 25.
Os informantes, diante desse mesmo áudio, também indicaram que o falante seria
alguém do interior e que não fala corretamente – perguntas 2 e 8 –, além de dois deles crerem
que o falante provavelmente sofre preconceito social.
Vale ressaltar que uma das informantes apontou os dois áudios em que a dupla negação
é reproduzida – áudios 1 e 3 – como uma forma grosseira de falar, o que nos remete à crença
13, comentada anteriormente.
Diante disso, verificamos que os resultados encontrados com auxílio deste teste
convergem com os resultados obtidos por meio da avaliação feita pelos falantes mediante a
aplicação do Teste de Percepção. No entanto, observamos que apenas, o Teste de Falsos Pares
não seria suficiente para avaliarmos a dupla negação de forma mais completa, observando por
exemplo, as crenças contextuais/discursivas não contempladas por ele.
Síntese do capítulo
Neste capítulo apresentamos a discussão dos dados coletados com auxílio do Roteiro
de Discurso Semidirigido, do Teste de Produção e do Teste de Percepção. Assim, além de
mostrar a expressão da dupla negação em uso real, enfocamos principalmente as crenças e
168
atitudes dos falantes acerca da estrutura, além de relacioná-las com o nível de consciência
linguística dos falantes, a fim de ampliar o conhecimento acerca da dupla negação.
169
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como observado nos demais estudos acerca da negação no PB, as estruturas
negativas apresentaram percentuais similares nas duas localidades, não havendo
grandes diferenças entre a expressão da dupla negação na realidade urbana e na
quilombola, apesar de muitas pesquisas assinalarem que as estruturas negativas não-
canônicas tendem a ser mais recorrentes em comunidades negras. Com base nos dados
coletados por meio da aplicação do Teste de Produção, verificamos também que os
falantes de São Luís apresentam maior variedade de estruturas negativas diante de um
pedido de negação. Supomos que isso pode estar relacionado com o caráter mais
globalizado da realidade urbana, que permite ao falante ter contato com diversas
variedades linguísticas, o que expandiria seu leque de possibilidades para fazer escolhas
linguísticas.
Quanto ao fator escolaridade, notamos que nossos dados divergem do que geralmente é
visto nas pesquisas. Esperávamos que a dupla negação fosse mais recorrente entre
pessoas com menor grau de escolaridade; no entanto, foi maior a frequência entre os
falantes de nível superior, e isso pode estar relacionado com o maior contato que esses
falantes podem ter com o meio externo e, consequentemente, com outras
variedades/possibilidades da língua. Relacionando esse resultado com os dados
coletados com o auxílio do Teste de Percepção, registramos que, apesar de os
informantes com nível universitário serem mais usuários da variante, muitos deles
relacionaram o uso da estrutura com um falar rural, caipira, interiorano, de pessoas sem
instrução, além de considerarem a estrutura um erro gramatical.
A ideia defendida por Schwenter (2005) a respeito da necessidade de ativação da
proposição, foi observada durante o Teste de Percepção. O fato de a dupla negação não
ser permitida em discursos nos quais não houve ativação prévia da proposição foi
“confirmado” por alguns informantes que afirmaram ser essa estrutura inadequada nas
SE em que a negação trazia informação nova. Claramente, os informantes não
apresentaram tal justificativa teórica para a inadequação da estrutura no contexto, mas
demonstraram estranhamento e afirmaram ser impossível usá-la em dada situação.
170
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Múltiplos olhares sobre a diversidade linguística: nos caminhos de Vanderci de Andrade
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176
APÊNDICES
178
APÊNDICE 1
Ficha de Acompanhamento
INQ: _____________________________________________________________________
AUX 1: ____________________________________________________________________
AUX 2: ____________________________________________________________________
Início do inquérito: _____h _____ min Término do inquérito: _____ h ____ min
REALIZAÇÃO DA NEGAÇÃO
Roteiro Etnolinguístico:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
179
APÊNDICE 2
ROTEIRO ETNOLINGUÍSTICO
1. Você nasceu em Belém (qualquer outra cidade)? Quais as diferenças entre o local onde
você nasceu e sua cidade natal?
2. Você tem percebido um aumento ou uma diminuição de pessoas da
comunidade/cidade? Deve-se a quê, na sua opinião?
3. Gostaria de morar em outro lugar, por quê?
4. Como se dava a educação dos mais velhos e como é tratada hoje em dia esta questão
entre os jovens?
5. As oportunidades de estudo, trabalho e tratamento de saúde mudaram, melhoraram?
6. Como aconteciam/acontecem os casamentos na comunidade? Se de fora da
comunidade, em geral, qual a origem do noivo(a)? Eram permitidas uniões entre parentes
primos, etc.
7. Fale-me um pouco da cultura local (músicas, danças, festejos religiosos). O que mudou
com o tempo? Quando e como são realizada/os? Você participa dela/es? Alguém da sua
família participa?
8. Quais os tabus (proibições) e crenças religiosas da comunidade (na Semana Santa,
quando morre alguém, no Natal, nas apresentações do Tambor de Mina)?
9. Quais brincadeiras você costumava brincar quando criança (amarelinha, futebol, peão,
etc.)?
10. Você é membro, integrante de alguma das associações de Jamary? Que cargo ocupa?
Que função realiza? Costuma participar das reuniões e eventos promovidos por essas
associações?
11. Você tem o hábito de se automedicar?
12. As pessoas usam medicamentos industrializados na sua família?
13. Seus familiares/ As pessoas procuram mais benzedeiras ou postos de saúde,
hospitais?
14. Fale-me sobre sua infância. De quais brincadeiras você gostava e quais você não
costumava brincar.
15. Fale-me sobre sua adolescência. Quais atividades costumava fazer? Praticava algum
esporte?
180
16. Fale-me sobre algo muito ruim que tenha acontecido com você ou com alguém
próximo. Qual seria sua atitude se pudesse fazer algo diferente?
17. Fale-me sobre um sonho que você ainda não conseguiu realizar.
Tudo que eu lhe perguntar, você irá negar. Mas não precisa negar diretamente. Complemente
sua resposta de acordo, contextualizando-a, justificando-a.
TESTE DE PERCEPÇÃO
2. Dois amigos estão conversando. Um deles pergunta: Mas tu vais ou não pro
cinema?
a) Não vou. Tenho muita matéria pra estudar.
b) Não vou não. Tenho muita matéria pra estudar.
c) Vou não. Tenho muita matéria pra estudar.
4. Uma garota e sua mãe passeiam no Centro da cidade. A mãe pergunta: Você
fez tudo o que eu pedi antes de sair de casa?
a) Ixi! Desliguei o fogão não!
b) Ixi! Não desliguei o fogão não!
c) Ixi! Não desliguei fogão!
5. Uma garota e sua mãe passeiam no Centro da cidade. A mãe pergunta: Você
desligou o fogão?
a) Ixi! Desliguei o fogão não!
b) Ixi! Não desliguei o fogão não!
c) Ixi! Não desliguei o fogão!
11. Em uma reunião familiar, irmãos conversam sobre os brinquedos com que
costumavam brincar quando crianças. A irmã pergunta: E o barquinho de
madeira?
a) Uhn... Não lembro.
b) Uhn... Não lembro não.
c) Uhn... Lembro não.
183
13. Dois alunos conversam sobre uma atividade que a professora passou na
semana anterior. Um deles diz: “Será que a professora vai cobrar aquela
atividade? Faz bastante tempo que ela passou...”. O outro pergunta:
a) E tu não fizeste não?
b) E tu fizeste não?
c) E tu não fizeste?
14. Uma garotinha está doente e se recusa a tomar o remédio: “Tem o gosto
ruim!”. A mãe, com o remédio em mãos, pergunta:
a) E tu não queres ficar boa não?
b) E tu não queres ficar boa?
c) E tu queres ficar boa não?
184
APÊNDICE 3
TESTE DE PARES FALSOS
ÁUDIO 1 A pessoa que respondeu à pergunta: A pessoa que respondeu à pergunta: A pessoa que respondeu à pergunta:
A pessoa que respondeu à pergunta: 1. ... é INTELIGENTE? 1. ... é INTELIGENTE? 1. ... é INTELIGENTE?
1. ... é INTELIGENTE? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 2. ... é DO INTERIOR? 2. ... é DO INTERIOR? 2. ... é DO INTERIOR?
2. ... é DO INTERIOR? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 3. ... é GROSSEIRA? 3. ... é GROSSEIRA? 3. ... é GROSSEIRA?
3. ... é GROSSEIRA? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 4. ... está CHATEADA? 4. ... está CHATEADA? 4. ... está CHATEADA?
4. ... está CHATEADA? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 5. ... é DELICADA? 5. ... é DELICADA? 5. ... é DELICADA?
5. ... é DELICADA? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 6. ... tem BOA CONDIÇÃO 6. ... tem BOA CONDIÇÃO 6. ... tem BOA CONDIÇÃO
6. ... tem BOA CONDIÇÃO FINANCEIRA? FINANCEIRA? FINANCEIRA?
FINANCEIRA? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 7. ... tem ESTUDO? 7. ... tem ESTUDO? 7. ... tem ESTUDO?
7. ... tem ESTUDO? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 8. ... FALA CORRETAMENTE? 8. ... FALA CORRETAMENTE? 8. ... FALA CORRETAMENTE?
8. ... FALA CORRETAMENTE? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 9. ... EXERCE QUAL 9. ... EXERCE QUAL 9. ... EXERCE QUAL
9. ... EXERCE QUAL PROFISSÃO? PROFISSÃO? PROFISSÃO?
PROFISSÃO? _____________________________ _____________________________ _____________________________
______________________ ___ ___ ___
__________ 10. ... é FEIA? 10. ... é FEIA? 10. ... é FEIA?
10. ... é FEIA? SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
SIM NÃO 11. ... SENTE VERGONHA DE 11. ... SENTE VERGONHA DE 11. ... SENTE
11. ... SENTE VERGONHA DE FALAR ASSIM? FALAR ASSIM? VERGONHA DE
FALAR ASSIM? SIM NÃO SIM NÃO FALAR ASSIM?
SIM NÃO 12. ... GOSTA DE CONVERSAR? 12. ... GOSTA DE CONVERSAR? SIM NÃO
12. ... GOSTA DE CONVERSAR? SIM NÃO SIM NÃO 12. ... GOSTA DE CONVERSAR?
SIM NÃO 13. ... SOFRE PRECONCEITO 13. ... SOFRE PRECONCEITO SIM NÃO
13. ... SOFRE PRECONCEITO SOCIAL? SOCIAL? 13. ... SOFRE PRECONCEITO
SOCIAL? SIM NÃO SIM NÃO SOCIAL?
SIM NÃO SIM NÃO
APÊNDICE 4
5. Qualquer pausa acentuada deve ser marcada por reticências ..., assim como casos de
hesitação.
8. Observações e comentários do transcritor devem vir entre parênteses duplos (( )). Esses
comentários serão relevantes para a análise dos dados, portanto, sinta-se livre para
comentar possíveis reações ou impressões do falante percebidas durante a escuta do
áudio.
Exemplo: ((Prontamente, antes mesmo de ouvir o áudio completo, o informante
sinalizou que a opção A seria a adequada para o contexto))
9. Deve-se usar aspas para marcar os casos de discurso direto e as frases que foram
reproduzidas nos áudios quando estas forem repetidas pelo informante ou
documentador.
10. Deve-se registrar a aspiração de sons consonantais, como (mesmo – mehmo; tava –
taha).
186
11. A marcação de risos na entrevista deve ser feita da seguinte forma: (risos)
12. Para preservar a identidade das pessoas citadas na entrevista e dos próprios falantes,
deve-se marcar os nomes próprios apenas com a letra inicial, seguida de um ponto, com
exceção de pessoas públicas. Exemplo: João J.
13. Se surgir alguma dúvida durante a transcrição, faça uma observação entre parênteses
duplos e indique os minutos do áudio que motivaram o questionamento. Exemplo:
((O falante falou NÃO ou NUM? – 33:56))
14. Com exceção dos casos assinalados, o texto deve ser pontuado conforme norma oficial.
15. As ocorrências de estruturas negativas e trechos importantes para análise devem sem
marcados com negrito.
187
ANEXOS
188
ANEXO 1
Ficha da Localidade
1. NOME OFICIAL:
2.NOME ANTERIORES:
ANEXO 2
Ficha do Informante
DADOS PESSOAIS DO INFORMANTE
1. NOME:
25. NOME DO(S) JORNAL(IS): 26. SEÇÕES DO JORNAL QUE GOSTA DE LER:
A.( ) editorial D.( ) programa cultural G.( ) classificados
A. ( ) local B.( ) estadual C.( ) nacional B.( ) esportes E.( ) política H.( ) outra
C.( ) variedades F.( ) página policial
27. LÊREVISTA? A.( ) às vezes B.( ) semanalmente C.( ) mensalmente D.( ) raramente E.( ) nunca
28. NOME/TIPO DE REVISTA: __________________________________________________________
PARTICIPAÇÃO EM DIVERSÕES
FREQUENTEMENTE ÀS VEZES RARAMENTE NUNCA
29. CINEMA A.( ) B.( ) C. ( ) D. ()
30. TEATRO A. ( ) B. ( ) C. ( ) D. ( )
31. SHOWS A. ( ) B. ( ) C. ( ) D. ()
32. MAN. FOLCLÓRICAS A. ( ) B. ( ) C. ( ) D. ()
33. FUTEBOL A. ( ) B. ( ) C. ( ) D. ( )
34. OUTROS ESPORTES A. ( ) B. ( ) C. ( ) D. ( )
190
45. OBSERVAÇÕES: