Capitulo1 NocoesBasicasemEpidemiologia
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Introdução
O estudo da Epidemiologia é fundamental para qualquer curso de formação em saúde.
Conhecer o processo saúde-doença, a distribuição da saúde e das doenças nas populações
é indispensável para controle das doenças e promoção da saúde, sendo essencial para a
busca por qualidade de vida das populações.
Para os profissionais que lidam com saúde, é importante saber como se dá o processo saúde
doença. Para isso, é necessário entender a história natural da doença e o conceito de
etiologia, bem como se torna fundamental atuar preventivamente, entendendo aos níveis de
prevenção e qual melhor forma de atuar em cada um delas.
Objetivos
O objetivo deste capítulo é tornar a epidemiologia acessível, disponível e útil ao estudante da
área da saúde. É objetvo conhecer conceitos básicos e como se desenvolve a doença em
âmbito coletivo, sua importância em Saúde Pública, conhecendo meios de utilizá-la para as
diversas estratégias preventivas em saúde e ajudar a modelar a formatação dos serviços de
saúde. São objetivos específicos deste capítulo:
Esquema
1.1 Epidemiologia: definição, objetivos e aplicação
1.2 História Natural das Doenças e níveis de prevenção
1.3 Epidemiologia e Seviços em Saúde
1.4 Saúde Única
Noções Básicas em Epidemiologia
1.1.1 Definição
A origem da palavra Epidemiologia remete a “ciência do que ocorre com o povo”. Já usada
desde a antiguidade por Hipócrates para conhecer as doenças que se abatiam sobre a Grécia,
a epidemiologia vem sendo aplicada através dos tempos para a compreensão das doenças,
suas relações causais e suas distribuições.
O mais famoso epidemiologista brasileiro foi Carlos Chagas, que descreveu todo o ciclo da
tripanossomíase conhecida como Doença de Chagas, mas também trabalhou no combate à
malária, leptospirose e infecções sexualmente transmissíveis. Trabalhou para aumentar a
atuação do Estado nos cuidados de saúde da população brasileira, defendendo a vacinação
ampliada.
O famoso dicionário Aurélio (Ferreira, 2010) define epidemiologia de maneira que ressalta o
valor preventivo da epidemiologia:
A Epidemiologia é uma ciência fundamental para a Saúde Pública. Ela estuda as ocorrências
de saúde e doença nas populações, os determinantes de saúde, biológicos e sociais, além de
realizar mapeamento das doenças nos territórios geográficos.
Como área, faz parte do tripé fundamental da grande área da Saúde Coletiva, a qual envolve
a própria epidemiologia, as ciências sociais em saúde e as políticas públicas de saúde (Paim
e Almeida-filho, 2014). Os três funcionam como engrenagens de um mesmo motor (Figura 1).
Ciências
Sociais em
Saúde
Saúde
Políticas
Coletiva Públicas
de Saúde
Epidemiologia
Ao longo da sua história, a epidemiologia se voltou para as patologias que pior acometiam as
populações. E já houve momentos de grande preocupação com a saúde de mães e bebês,
considerando grandes índices de mortalidade materno-infantil. Recentemente, a
epidemiologia inclinou-se para o estudo das doenças crônicas não transmissíveis, como a
hipertensão, a diabetes e a saúde mental. Isso porque essas doenças têm grande expressão
em números de acometidos e encabeçaram por muito tempo as estatísticas de anos de vida
produtiva perdidos e de óbitos.
1.1.2 Objetivos
Segundo o guia da Associação Internacional de Epidemiologia (MONTILLA, 2008), são
objetivos da epidemiologia:
Assim, o papel da Epidemiologia na Saúde Coletiva, para além do estudo das epidemias, está
diretamente relacionado com o conhecimento da distribuições das doenças e como elas
afetam a coletividade. Ou seja, como as doenças afetam as populações em seus territórios,
interferindo na dinâmica das vidas das pessoas em sociedade.
Conhecendo a distribuição das doenças, seus ciclos de causa e efeito é que se pode
desenvolver adequadamente políticas públicas de saúde, desenhos de modelos de prevenção
e organização e implementação de serviços de saúde (Paim Silva e Almeida-Filho, 2014).
Além disso, é foco da epidemiologia conhecer a etiologia ou causa das doenças. Neste
sentido, quando temos dados sobre quais as comunidades ou bairros da nossa cidade que
tem mais casos de uma determinada doença, podemos traçar métodos de prevenção
específicos para essa comunidade ou bairro. Imaginemos uma cidade X, com três bairros A,
B e C (Figura 2).
Figura 2. Esquema de cidade, chamada Cidade X, para reflexão dos objetivos da epidemiologia.
O bairro A tem um acúmulo de lixo e grande quantidade de mosquitos Aedes Aegypt. Nesse
bairro, é óbvia a preocupação com a dengue. Sabemos que o vírus da dengue é transmitido
por um mosquito que o controle desse mosquito é maneira de prevenir esta doença. Assim,
conhecer o mecanismo de transmissão das doenças permite atuar em diversos meios de
prevenção da ocorrência delas.
E quando sabemos que ter dengue mais que uma vez está relacionado à forma grave da
doença, que é a dengue hemorrágia, precisamos prevenir esta complicação ao diminuirmos
a quantidade de doentes no nosso bairro A. Desta maneira, também dimunuímos a
quantidade de óbitos relacionada a esta doença, ou seja, diminuição da mortalidade.
O bairro B está próximo a uma floresta onde vivem diversos animais silvestres, como por
exemplo, macacos. Desta maneira, atuar na floresta do bairro B, minimizando a depredação
do ambiente de modo a diminuir a quantidade de macacos que venham até o bairro para se
alimentar, também é maneira de diminuir risco dos moradores do bairro B, uma vez que os
macacos podem ser sinalizadores de febre amarela.
1.1.3 Aplicação
A epidemiologia aplicada acontece quando usamos os conceitos epidemiológicos para
estudar as morbidades que acometem e afetam determinada população. Também é
conhecida como epidemiologia aplicada aquela que empregamos nos serviços de saúde.
Pode-se dividir em epidemiologia clássica e epidemiologia clínica (Gordis, 2014).
Lembrando da Cidade X e seus bairros, poderíamos estudar todas as crianças que são
acompanhadas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) da cidade para saber seu estado
nutricional. Depois, avaliaríamos o impacto de um programa de exercícios nas crianças
obesas. Poderíamos descobrir que as crianças do bairro B têm mais tempo ao ar livre pela
maior disponibilidade de área verde e, por isso, têm menores índices de obesidade. Desta
maneira, estaríamos desenhando um estudo de epidemiologia clínica. Conheceríamos os
fatores associados à obesidade nas crianças da cidade X e poderíamos pensar em ações não
só terapêuticas, mas também preventivas em cada um dos bairros, de acordo com o perfil de
cada grupo de crianças. Quem sabe, descobriríamos diferenças na merenda escolar entre os
bairros?
Para isso, os conceitos de doença e saúde são muito importantes, podendo-se entender
doença como processo que causa distúrbio ao equilíbrio de um organismo. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (2013), “saúde é um estado de completo bem-estar físico,
mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade. ”
O modelo da história natural desenvolvido por Leavell e Clark por volta da metade do século XX
tem servido de referência, mesmo com restrições, para a compreensão dos conceitos de saúde
e doença enquanto partes integrantes do processo contínuo. Por natural, subentende-se a
evolução dos processos de adoecimento geral , sem que nenhuma intervenção implementada
no sentido de eviá-la ou alterar o seu curso.
Do ponto de vista epidemiológico pode-se distinguir fases de evolução, associados por sua
vez à distintos níveis de prevenção por ações de saúde (Figura 3):
Fase inicial ou de susceptibilidade, é o período que antecede qualquer doença (período pré
patogênese ou pré-clinica). Importante destacar a inter-relação entre agente, hospedeiro e
meio ambiente que podem gerar estímulos suficientes para desencadear uma determinada
doença e os fatores de riscos envolvidos em cada doença. Neste momento, medidas
preventivas na promoção da saúde durante a atenção primária devem ser realizadas a fim de
evitar a doença como: quarentena, higiene pessoal, vacinação. Apesar da ausência de
sintomas, pela proteção específica do hospedeiro frente a este agente, está no limiar entre a
susceptibilidade e fase clínica.
Após, vem o período de patogênese. Ele começa quando o agente causador afeta o indivíduo
com ações diversas que abalam o equilíbrio fisiológico. Período de patogênese precoce,
caracterizada pelos início dos sintomas de uma doença. A prevenção secundária é
caracterizada pelas formas de diagnóstico precoce a fim de identificar a causa, e inferir um
tratamento específico frente a esta enfermidade gerando uma limitação de dano. Acesso aos
serviços de saúde em tempo hábil à toda população é uma medidade de prevenção
secundária, mas um grande desafio.
Assim, o paciente gera processos de reabilitação que podem levar a recuperação clínica, com
adaptação ao meio ambiente como as sequelas produzidas pela doença e/ou ao controle
(estabilização) das manifestações clínicas das doenças crônicas. Recondicionamento físico,
fisioterapia, a terapia ocupacional e a reabilitação psicossocial são exemplos de prevenção
terciária.
Entretanto, caso este indivíduo não tenha acesso à saúde ou se a forma de diagnóstico ou
tratamentos não forem eficazes, observa-se um agravamento progressivo do cenário, saindo
de doença precoce para uma doença avançada, podendo gerar invalidez e morte.
É importante saber o que causa a doença, um mecanismo ou motivo pelo qual uma pessoa
previamente saudável desenvolve sintomas de uma doença que a prejudica em suas
capacidades.
Algumas doenças têm estágios muito bem definidos e um causador, conhecido como agente
etiológico, também bem definido. Outras, possuem diversas causas colaborativas, ou seja,
são multifatoriais, o que pode dificultar os meios de intervir nela.
A promoção da saúde atua na redução dos fatores que facilitam que a pessoa adoeça, ou
seja, promover saúde requer melhora dos determinantes sociais e ambientais. A prevenção
primária visa reduzir a incidência de uma doença, ou seja, a quantidade de novos casos.
Intervém diminuindo os fatores causadores de doença. São ações de proteção específica,
como por exemplo: imunização, saúde do trabalhador, proteção contra acidentes, uso de
Equipamentos de Proteção Individual, controle de vetores.
A prevenção quaternária é um conceito mais recente, não tendo sido desenvolvido por Lewis
e Clark e se refere ao tipo de prevenção que visa proteger os pacientes da intervenção
terapêutica excessiva e desnecessária.
Pensar em níveis de prevenção de uma doença como a COVID19, por exemplo, e seu
comportamento no Brasil, pode facilitar o entendimento e aplicação dos níveis de prevenção:
A 8a Conferência Nacional de Saúde, que debateu em 1986 a ideologia que deu corpo à
organização do SUS, defendia um serviço de saúde organizado para produzir mudança no
perfil epidemiológico com relação aos problemas de saúde (riscos e danos), coletivos e
individuais. Desta maneira, a epidemiologia foi e é fundamental para a construção do Sistema
Único de Saúde Brasileiro, o SUS (Paim e Almeida-filho, 2014).
É a epidemiologia que avalia a efetividade e a eficiência dos serviços de saúde. Isso significa,
por exemplo, determinar a eficiência dos tratamentos para hipertensão realizados em
determinada ESF. Ou, ainda, saber quantas pessoas um determinado programa do Ministério
da Saúde atinge (Paim Silva, 2002).
Estes dados colaboram, por exemplo, para o funcionamento e regulação da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária – ANVISA, ainda que precisemos avançar neste aspecto. Também
colaboram com a lista de medicamentos de distribuição gratuita, que são realizados de acordo
com a prevalência de determinadas patologias.
É, portanto, vital que se disponha de sistemas de informações atuais, de boa qualidade, com
dados pertinentes e de fácil acesso a todos os serviços. Embora ainda não tenhamos todos
esses adjetivos nos nossos bancos de dados nacionais, as informações em saúde existentes
colaboram para subsidiar efetivamente as decisões (Novaes e Tanaka, 1995).
Entretanto, também está presente a nível federal, visto que os programas preventivos do
Ministério da Saúde se desenvolvem e se modificam a partir de dados epidemiológicos e estão
implementados nos serviços municipais e estaduais.
Desta maneira, a epidemiologia é fundamental para a gestão racional e eficiente do SUS, para
poder atender a demanda das doenças de cada região. Observe a complexidade de um
organograma da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Frutal, Minas Gerais (Figura 7).
Observe como a gestão é complexa e deve ser atuante nas diversas esferas de atuação da
secretaria municipal de saúde. Ela deve estar presente desde a promoção de saúde e
contenção de riscos na estratégia de saúde da família; no diagnóstico precoce e limitação de
danos, como o que acontece na saúde bucal; incluindo os sistemas de vigilância em saúde e
atuação em atenção secundária e controle de danos, como acontece nos centros de atenção
psicossocial.
Assim, a epidemiologia pode ser usada de diversas maneiras na gestão dos serviços de
saúde. Seja nas políticas públicas de saúde, nos movimentos de integração dos serviços nos
programas ministeriais, nas avaliações das práticas dos profissionais e redefinição da
formatação dos serviços e estratégias. Atualmente, tem-se uma lógica epidemiológica
definindo as ações dos gestores em saúde, incluindo sendo utilizados dados epidemiológicos
nas produções de documentos oficiais do SUS.
Um ambiente doente torna as pessoas e animais também doentes. Assim como, um animal
doente pode transmitir essa doença para os seres humanos e adoecer também o ambiente,
bem como humanos podem transmitir doenças aos animais e alterar o meio ambiente.
A cada 5 novas doenças que surgem no mundo, 3 delas são de origem animal (OMS, 2017).
O grande exemplo atual é a Pandemia de Covid19 que mostra que a convivência de humanos
com animais vivos em um grande mercado na China de Wuhan possa ter sido a origem viral,
que tem adoecido tantas pessoas ao mesmo tempo.
O termo zoonose surgiu desta percepção das doenças humanas causada por animais. Vários
esforços são necessários e acontecem no mundo para melhorar o controle das zoonoses.
Tanto com relação aos animais que são fonte de alimento, como o gado que tem necessidade
de ser controlado com relação à Encefalopatia Espongiforme Bovina (doença da Vaca Louca),
por exemplo. Mas também com relação aos animais de estimação, como os cachorros, que
podem ser reservatórios de leishmaniose, como outro exemplo.
A saúde única ou medicina única captura a inter-relação entre a saúde de diferentes espécies.
Reconhecer sua importância de reduzir os riscos que as doenças zoonóticas representam
para as pessoas, seus alimentos e suas economias é fundamental. É, atualmente, um
conceito ampliado para abranger a saúde dos ecossistemas, bem como a saúde humana, dos
animais domésticos e selvagens.
Dado o reconhecimento contínuo existente entre doenças infecciosas provenientes de seres
humanos para animais e de animais para humanos; por que existe tão pouco progresso em
direção a saúde única?
1.6 Conclusão
Resumo
A epidemiologia é essencial na formação dos profissionais de saúde e essencial para a busca
de saúde e qualidade de vida das populações.
Seus objetivos são descrever a distribuição e impacto dos problemas de saúde das
populações, levantamento de dados para possibilitar acoes de prevenção, controle e
tratamento de doenças, determinar prioridades em saúde e identificar fatores causais das
doenças.
Para além da saúde do indivíduo, se faz cada vez mais necessário e urgente a saúde
integrativa e entre setores, considerando a saúde humana, animal e ambiental como uma só,
considerando fundamental a perspectiva da Saúde Única.
Leituras
Atividades
Referências
• BONITA R, BEAGLEHOLE R, KJELLSTROM T. Epidemiologia Básica. 2ª ed. São
Paulo: Grupo. Editorial Nacional; 2010.
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https://core.ac.uk/download/pdf/288188626.pdf Acesso em: 27 mai. 2020.
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• PAIM SILVA, J.; ALMEIDA-FILHO, N. Saúde Coletiva: teoria e prática. Medbook. 2014.