Eugênio Gudin - Princípios de Economia Monetária. 1-Livraria Agir (1954)

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Eugenio Gudin

PRINCIPIOS DE
ECONOMIA MONETARIA

1º VOLUME

82 EDIÇÃO

RIO DE JANEIRO

Livraria AGIR Editora


1954
REVISÃO DO AUTOR

Livraria AGIR Editors


Rio de Janeiro — Rua México, 98-B -— Caixa Postal 3291
São Paulo — Rua Bráulio Gomes, 125, loja 2 — Caixa Postal 6040
Belo Horizonte — Avenida Afonso Pena, 919 — Caixa Postal 733
ENDERÊÇO TELEGRÁFICO “AGIRSA”
ÍNDICE DAS MATÉRIAS

Prefácio da 3.2 edição 11


Prefácio da 2.2 edição ..... 13

LIVRO I — MOEDA E CRÉDITO

CAPÍTULO 1
MOEDA
Origem da Moeda, A Moeda como Instrumento de Troca ......
UP (Ara “LD la euro

“alo 'o *o

A Moeda como Meio de Pagamento ...............cccesccos.


o

A Moeda como Reserva de Valor ...........ccccccccrrrceros


CO

A Moeda como Denominador Comum de Valores ..


SO 90 =1 Ga Ga

O Poder de Compra da Moeda .................. .


“c'o'o*o'o

— O Conceito de Moeda-Capital .........cccccccerccrerccacecs


CD LO

— A Moeda e o Estado
— Vantagens e Percalços da Moeda .........ccccccierccccrerasa
Ca CO

— A Moeda numa Economia Socialista ........ccccccceccrreere

CAPITULO II
ESBOÇO HISTÓRICO
EsBôço HISTÓRICO 35

CAPITULO III
MOEDA METÁLICA
Ouro e Prata ......
— A Produção de Ouro
— A Procura de Ouro para Fins Não-Monetários ...............
Ouro Monetário ....
Prata ..............
Prata Monetária ...
Bimetalismo ........

CAPÍTULO IV

MOEDA FIDUCIÁRIA, CONVERSÍVEL, INCONVERSÍVEL


BANCÁRIA

Nota de Banco ou Moeda-Papel ..........ccccccccrrccceero


Com po era eo

oo a

Papel-Moeda ......ccccicrrerarenerecenaenercererarasanaero
'o'oCo 19

Moeda Bancária ....ccccrcccrcerrrerarcaserseas err ascararãa


Meios de Pagamento ........ccccccrcersreecccrracerccearacs
wa
6 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

CAPÍTULO V

CRÉDITO
5 1.º — Noção de Crédito ...........cccicccccrccccesccrererccerear 67
$ 2.º — O Transporte Financeiro da Produção e outras Modalidades de
Crédito a Curto Praro .............cccccsccccrcrresaass 68
8 3.º — A Liquidez do Sistema Econômico ...............ccccccccso.. 73
Gg 4.º — O Crédito a Longo Prazo ........ccccrccceccrrenererecevica 75
8 5.º — O Crédito ao Consumidor ...........ccccccccccccs cc rarerecrs 9

LIVRO II — BANCOS
CAPITULO VI

TEORIA DOS BANCOS


1.º — Origem dos Sistemas Bancários .........cccccccccccrrerescos 83
2.º — Empréstimos criam Depósitos ..........ccccccccccccrcccreaao 84
3.º — Investimentos criam Depósitos ............cccccccereccceeras 86
4.º — Multiplicação da Moeda Manual em Moeda Bancária .......... 86
5.o — Depósito e sua Natureza .......ccccciccccsciccccererrerreras 99
6.º — Bases do Crédito Bancário ...........cccccciisccscccrrercee 106
7.º — Ritmo do Crédito Bancário ...........ccccccssccccicccrcecos 109
8º — Solvabilidade e Liquidez .........ccccciicccciccccccrrerrara 110
9.º — O Capital do Banco ..........ccccresccccsrccesecccircrerãa 112
10 — O Banqueiro .........cccccccisesccererecacrrras
ca rerescava 112
11 — O Destino do Crédito ..........cccccccciccsccccclc scr resa 115
12 — As Necessidades dos Negócios ...........cccccccciciiciccccos 117
13 — Regulamentação e Fiscalização ........ccccicccccisicccraccs 120
14 — Concentração dos Bancos de Desconto ............ccccccccs.. 122

CAPITULO VII
O MERCADO MONETÁRIO
g 1.º — Aceites .....cccccccccccerarcarcrcaracrs
cansa cesso ra rea seso 126
$ 2.º — O Mercado de Letras e o “Call Money” ..........cccc.c..... 129
8 3.º — A Mobilização dos Investimentos .........cccccicccicc loiros 131
$ 4.º — Bancos de Investimento .........cccccccccccraccsiccrrerves 134

LIVRO HI — TEORIA DAS VARIAÇÕES DO VALOR


DA MOEDA

CAPÍTULO VIII
A TEORIA QUANTITATIVA
$ 1.º — Noção de Valor da Moeda .........cccccccccccccrccci
cerca 143
$ 2.º — A Noção Quantitativa do Valor da Moeda ............c.s.... 144
54 3.º — A Equação de Trocas ............. era ne as ee arco racanrera 147

CAPÍTULO IX

A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA


8 1.º — A Determinação da Velocidade .........ccccccicccrecerecca 151
8 2º — Correlação entre a Velocidade da Moeda e o Volume dos Negócios 158
ÍNDICE DAS MATÉRIAS 7

5 8.º — A Equação de Trocas Aplicada à Renda Nacional e a Veloci-


dade de Renda .....c.c.c.
ss Ae r co ro era re aces re ser - 161

CAPÍTULO X

A QUANTIDADE DE MOEDA
& 1.º — Entesouramento .....c.cccccccercccccerrrccerrenseserrreaco 165
$ 2º — A Noção de Preferência pela Liquidez ............ccciccicco. 166
5 3.º — Moeda de Ação Direta e Moeda de Ação Indireta ............ 168

CAPÍTULO XI
PREÇOS
$ 1.º — Causas Monetárias e Amonetárias ...........ccciccccicerars 171
$ 2.º — Nível Geral de Preços e Preços Relativos ..................c. 172
$ 3.º — Índices de Preços .......ccccccccicccccc erre er see 176
$ 4.º — O Sentido de “P” na Equação de Trocas ............ccccccio. 179

CAPÍTULO XII

O VOLUME DAS TRANSAÇÕES


$ 1º — Os “Serviços” .....iccicccreserecrercerea rascercecreraraas 181
$ 2º — Os Bens de Consumo e de Investimento ..................... 182
$ 8º — O Pleno Emprêgo dos Fatôres de Produção ................. X 184
$ 4º — O Sentido de “T”' na Equação de Trocas...........cccccrsos 187

CAPÍTULO XIII
A TEORIA DOS RENDIMENTOS MONETARIOS
$ 1.º — A Teoria das Disponibilidades Monetárias ................... 189
$ 2º — A Teoria dos Rendimentos .............cesccccsraresseccars 193

CAPITULO XIV
OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA
QUANTITATIVA
$ 1.º — Os Antiquantitativistas .......cccccccrrcecersecrncecrereero 199
g 2º — As Antecipações ........ccccicerraccerecererererersre ressa 200
$ 3.º — O Núcleo de Verdade da Teoria Quantitativa ................. 202
$ 4º — O Significado das Equações Quantitativas .................. 203

CAPÍTULO XV
ALGUNS COROLÁARIOS DA TEORIA DA VARIAÇÃO DO
VALOR DA MOEDA
g 1.0 — A Ilusão da Moeda Estável .......cccccciccccccrascacaraicos 205
$ 2º — A Redistribuição da Propriedade e da Renda 207
8 3º — Inflação ......ccciccicccc
cs ceeerraara rss 212
5 4.0 — Inflação e “Economia Forçada” .........ccciiiiiccislccccs 213
8 6º — O Perigoso Argumento do Aumento de Produção ........... X 221
$ 6.º — O Sôpro Inflacionário ........cccccccccrccerercccrrrencreres 221
8 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

& 7.º — Auto-Progressão do Processo Inflacionista ..........ccccccco 222


$ 8º — A Inflação Afeta as Taxas Cambiais ants de Afetar os Preços 223
8 9.º — A Dellação .........ciccisciscccrrracrerinerrersraso Curas 226
& 10 — O Caso da Restrição Voluntária do Consumo ................ 228

CAPÍTULO XVI

FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO
$ 1.º — John Law .......cciscsasiscecessar errar erre raras 231
5 20º — Os “Assignats” e... eeenc cce ces r error 234
8 3.º — Inflação Alemã de 1920-1928 .........cccccccceccerc
crer raro 237
$ 4.º — Inflação Reprimida .........cccccccccccererrerer
err ra rece 251

A
LIVRO IV — TEORIA DOS CÂMBIOS INTERNACIONAIS

CAPÍTULO XVII
BALANÇO DE PAGAMENTOS
8 1.º — A Noção de Balanço de Pagamentos ............cc.cisoco.. 257
8 2º — Classificação e Terminologia do Balanço ..................... 259
$ 3.º — O Equilíbrio do Balanço de Pagamentos .............cuceccs.s 261
8 4º — A Suposta “Teoria” do Balanço de Pagamentos ............... 263

CAPÍTULO XVIII
TEORIA DA PARIDADE DO PODER DE COMPRA
$ 1º — O Princípio .............. decr eres ora or rere secos 267
5 20º — Objeções ......icccccceseeeerec
re renan r cares errar rarenva 268
& 3.º — Paridade dos Salários de Eficiência ..........cccccccctrecers 278

CAPÍTULO XIX

OUTROS ASPECTOS DA TEORIA DOS CÂMBIOS


5 1.º — A Teoria das Elasticidades ...........ccccercccsesrecacerees 275
8 2.º — A Taxa de Equilíbrio ...........c.cccccicccccscrcrceracrres 279
8 3.º — O Contrôle dos Câmbios ...........ccccccccccccecercrrerear 281

CAPÍTULO XX

O BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL


O BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL .....cceccccencerneneeecerssscas 285

LIVRO V — BANCOS CENTRAIS

CAPÍTULO XXI

FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL


8 1.º — Banco dos Bancos e Banco Emissor ............cccccccrccceso 295
$ 2.º — Relações com o Estado ..........ccccccccccccercreccrcrences 297
ÍNDICE DAS MATÉRIAS 9

& 3.º — Sistemas de Emissão e Conversibilidade .........c....c...c... 300


E 4.º — Rigidez ou Ampla Elasticidade? .........cccicicccsiisc coca 304
S& 5.º — Redescontos e Adiantamentos ..........ccccccccicccserrecs 305
E 6.º — Fundo de Compensação do Balanço de Pagamentos ............ 308

CAPÍTULO XXII

O BANCO DE INGLATERRA
$ 1.º — Evolução de Estrutura ......cccccciicccisccricerrercerrra 311
$ 2º — Evolução de Após-Guerra .......cccccccestcciceceracaaeeãs 316
$ 3.º — Taxa de Desconto ........ccciccciiissiice 320
84º — O “Open-Market” cics 325
CAPÍTULO XXIII
O BANCO DE FRANÇA
$ 1.º — Regime Monetário .........ccccccccccciciiiccsi css 329
$ 2º — Estrutura ........... arenosa errors eur rece e eres cas rersãs 330
$ 3.º — Banqueiro do Estado ........cccccccriccccccrcrcercrrrccaa 332
8 4º — O Banco dos Bancos e Banco de Desconto .................... 382
8 5.º — Mercado Monetário — “Open-Market” ...........c.ccc cics. 336
$ 6º — Após-Guerra .......cccicreeecereennarencercerersecsa
cera ss 838

CAPÍTULO XXIV

O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO


$ 1º — O Sistema Bancário Americano até 1913 .................... 841
$ 2º — A Estrutura do Sistema de Reserva ..........cccccresceasos
$ 3.º — Banco dos Bancos .............cccicccrcercrrranreracecsaess 343
g 4.º — As Bases da Emissão ..........ccccersercrrerrecercraneerss 345
8 5º — A Concentração das Reservas .........ceccccerereraraceraso 347
$ 6º — Relações com o Mercado Monetário ...........ccccrercrresoso 348
$ 7º — O “Open-Market” ......ccccccecenerccreecerere
certa rranesa 351
$ 8.º — Defeitos da Rêde Bancária Americana .........cccerteteeas 353
8 9º — As Reformas de 1932-1935 ............cccissscesesecess ve. 356

CAPÍTULO XXV

BANCOS CENTRAIS LATINO-AMERICANOS


$ 1.º — Tipos de Economia .......ccccerccecererrercaneneraaaacanas 368
8 2º — Os Instrumentos da Política Monetária ..................... 365

CAPÍTULO XXVI
O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO
$ 1.º — As Funções do Banco Central
8 2.º — Bancos Comerciais ............. 874
8 3.0 — Reservas Bancárias ........c.ce..es .. 976
$ 4º — Ceixas Econômicas ......... cear sara cesar rca revirar aero 3717
5 5.º — Outras Formas de Crédito ........ccccecccccrrrecrerccrerra 378
PREFÁCIO DA 3.2 EDIÇÃO

No Livro I apenas se suprimiu o 8 2.º do capítulo V,


sóbre “O Juro”, pela dificuldade de expor um assunto de teo-
ria pura dessa complexidade no início do curso. No capítulo II,
do 2.º volume, a matéria é tratada com mais propriedade e am-
pittude.
No Livro II, o capítulo VI, sôbre “Bancos”, sofreu mo-
dificações substanciais, especialmente quanto à “Multiplicação
da Moeda Bancária” e aos “Depósitos e sua Natureza”, ten-
do-se aduzido um parágrafo sôbre “Destino do Crédito” e
transposto para êsse capítulo o parágrafo sóbre “Necessidades
dos Negócios”, que na 2.º edição figurava no capítulo XIV.
No Livro II, sôbre o “Valor da Moeda”, introduziu-se
um novo capítulo, o XIII, para o qual se transpôs a “Teoria
das Disponibilidades Monetárias” (“Equações de Cambridge” ,
do capítulo X, na 2.º edição) e em que se deu mator ênfase à
“Teoria dos Rendimentos Monetários”, tratado na 2.º edição
em parágrafo do capítulo XII. Os capítulos X e XII, sôbre
“Quantidade de Moeda” e “Volume das Transações”, também
sofreram alterações de certa substância.
Na segunda parte dêsse Livro III, sôbre “Alguns Coro-
lários”, desenvolveu-se o estudo sôbre “Inflação”, por causa da
importância que êsse fenômeno tem, lamentavelmente, adqui-
rido entre nós. Ao capítulo XVI (antigo XV) acrescentou-se
um parágrafo sóbre “Inflação Reprimida”,
O Livro IV, sôbre “Teoria dos Câmbios”, foi inteira-
mente remodelado, suprimindo-se os antigos capítulos XVIII
e XIX, que melhor se enguadrariam num compêndio sôbre “Co-
mércio Internacional” e que exorbitam do quadro dos estudos
monetários, a que êste livro se limita. O assunto “Teoria Cam-
bia”, própriamente dito, passou a ser tratado com mais desen-
volvimento e atualidade.
12 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Finalmente, no Livro V, sôbre “Bancos Centrais”, os ca-


pítulos inicial e penúltimo, sôbre “Bancos Centrais em Geral”
e “Bancos Centrais Latino- Americanos”, sofreram várias remo-
delações. Foi acrescentado um capítulo final descritivo do “Sis-
tema Bancário Brasileiro”.
O plano geral do livro continua a ser o de um curso de
Economia Monetária em dois semestres, correspondentes aos
dois volumes. Espero dar em breve a 2.º edição do 2.º volume.
Aqui ficam registrados os meus agradecimentos à dedi-
cada e inteligente colaboração do meu assistente, Prof. Ma-
nuel Ferreira Neto.
E. G.
Janeiro de 1954.
PREFÁCIO DA 2.º EDIÇÃO

As modificações introduzidas nesta 2.º edição do 1.º volu-


me não tiram a êste livro o seu caráter precipuamente didático,
de um curso de Moeda e Crédito em dois semestres, correspon-
dentes aos dois volumes.
Tendo-se esgotado a 1.º edição, fut levado a interromper
o preparo do 2.º volume, já retardado por várias outras ocupa-
ções e incumbências, para proceder à revisão do 1.º.
As modificações introduzidas nesta edição decorrem prin-
cipalmente da necessidade, que verifiguei ao iniciar o 2.º volume,
de estabelecer, desde o 1.º, ligação mais estreita entre os fe-
nômenos da moeda e do crédito e os da produção. Procurei, ao
mesmo tempo, encurtar e condensar o texto, suprimindo o que
não é essencial e reduzindo a parágrafo o resumo de alguns
capítulos da 1.º edição. Pareceu-me, por outro lado, aconselhá-
vel dar destaque, sob a forma de capítulos, a certos parágrafos
de mator importância, como os que se referem à Velocidade de
Circulação da Moeda, à sua Quantidade, aos Preços e ao Volu-
me das Transações.
A premência em dar publicidade a esta 2.º edição, para
atender a instantes solicitações, não me permitiu submetê-la prê-
vtamente ao exame e à crítica de alguns colegas. Muito do que
nela se contém, entretanto, é fruto de troca de idéias com os
meus amigos e colegas Professôres Maurice Byé e Otávio Gou-
veta de Bulhões, que não têm, entretanto, responsabilidade por
suas deficiências.
Deixo de reproduzir o Prefácio da 1.º edição, de autoria
do Prof. Byé, como também a minha própria Introdução, não
só por economia de papel, mas ainda por já haverem aquêles
textos perdido uma parte do interêsse de atualidade, que ti-
nham ao tempo em que foram escritos.
E. G.
Agôsto de 1946.
LIVRO 1

MOEDA E CRÉDITO
CAPÍTULO I

MOEDA

$ 1.º — Origem da Moeda. A Moeda como Instrumento de Troca

O fenômeno da moeda pressupõe uma ordem econômica,


em que a produção é baseada sôbre a divisão do trabalho. O equi-
líbrio da produção e do consumo tem lugar no mercado, onde os
produtores se encontram para trocar mercadorias e serviços, uns
com os outros. A função da moeda é a de facilitar os negócios
do mercado, agindo como intermediário comum de troca.
A troca é dita direta, quando a transação é realizada sem o
auxílio de um instrumento intermediário de troca. Suponhamos
que o indivíduo À vai ao mercado, levando certo número de uni-
dades da mercadoria m, e o indivíduo B, levando a mercadoria n.
Se A deseja a mercadoria n, pelo valor de uso que esta merca-
doria tem para si, e se B deseja, pelo mesmo motivo, a merca-
doria m, a troca se fará sem necessidade de recorrer a qualquer
mercadoria intermediária. É o caso da troca direta.
Mesmo que haja mais de dois indivíduos e mais de duas
mercadorias no mercado, a troca direta ainda é possível. Vamos
supor que À traz ao mercado duas unidades da mercadoria m,
B duas unidades da mercadoria n, e € duas unidades da mer-
cadoria o; e que À deseja adquirir uma unidade de cada uma
das mercadorias n e o, B uma unidade de cada uma das merca-
dorias o e m, e € uma unidade de cada uma das mercadorias m
en. Ainda neste caso, a troca direta é possível, se as estimativas
de A, Be C, do valor de uso das três mercadorias, permitem a
troca das unidades de m, n e o, umas pelas outras. Mas, se esta
ou outra hipótese semelhante não se realiza, o que é o caso da
maioria das transações, À, B e C terão de recorrer a trocas in-
termediárias para chegar a obter as mercadorias que almejam.
Seja, por exemplo, o caso que À, dono da mercadoria m, deseja
18 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

a mercadoria n, enquanto que B, dono den, não deseja a merca-


doria m, e sim a terceira mercadoria, o, cujo dono, €, entretanto,
deseja a mercadoria m. Neste caso, a troca direta não é mais pos-
sível; ela só pode ser feita por forma indireta; B trocará n pela
mercadoria m e em seguida trocará m, que êle não deseja, por 0,
que é a de que êle necessita. A troca foi indireta, e m foi o ins-
trumento de troca.
À troca indireta torna-se tanto mais necessária quanto mais
se desenvolve a divisão do trabalho e quanto mais crescem as
necessidades humanas. No estágio atual do progresso econômico,
a troca direta é excepcional. Ela ainda persiste, no entanto, em
círculos restritos da economia. O caso do pagamento de salá-
rios em mercadorias, por exemplo, é um caso de troca direta;
o empregador usa o trabalho do empregado para satisfação ime-
diata das suas próprias necessidades, e o empregado consome as
mercadorias que recebe, sem ter de trocá-las por outras. Tal pa-
gamento de salários in natura, que ainda prevalece em certas
economias agrícolas, tende a desaparecer com a extensão dos
métodos capitalistas e com a divisão do trabalho.
Na evolução para a troca indireta, aparece no mercado, a
par da procura de mercadorias para consumo direto, uma pro-
cura de mercadorias que o comprador não pretende consumir,
mas que lhe podem ser úteis para novas trocas. É. claro que nem
tôdas as mercadorias se prestam para isso. O indivíduo não tem
motivo para uma troca indireta, se êle não espera que essa troca
venha aproximá-lo do seu objetivo último, que é a aquisição
daquelas mercadorias que êle deseja para seu próprio uso. Só se
recorre à troca indireta quando nisso se encontra uma vanta-
gem, isto é, quando as mercadorias adquiridas podem ser mais
facilmente trocadas do que aquelas de que se dispõe.
Ora, nem tôdas as mercadorias são igualmente trocáveis.
Aguêles que trazem ao mercado mercadorias menos trocáveis,
com o fim de obter as mercadorias de que precisam, têm uma
probabilidade menor de sucesso do que aquêles que vêm ofere-
cer mercadorias de fácil troca. Se, todavia, êles conseguem tro
car suas mercadorias por outras mais fâcilmente trocáveis, êles
se aproximam, por êsse meio indireto, de seu objetivo final,
Foi assim que as mercadorias fâcilmente trocáveis se tor-
naram cada vez mais procuradas, passando a ser adquiridas não
só por seu valor próprio, como por sua função de intermediárias
MOEDA 19
T

de troca. Às mercadorias que, origináriamente, serviam como


meio de troca variavam de país a país, mas, aos poucos, o
seu número foi sendo reduzido. Sempre que uma troca direta
parecia impossível, cada uma das partes procurava trocar as
suas mercadorias, não mais por outras mercadorias mais vendá-
veis, de modo geral, e sim pela mercadoria mais vendável de tô-
das. Quanto mais fâcilmente trocável a mercadoria assim ad-
quirida em uma troca indireta, maior era a probabilidade de se
poder atingir o objetivo final, sem novas operações.
Verificou-se, então, uma tendência para afastar, pouco a
pouco, várias das mercadorias que serviam de instrumento de
troca, concentrando-se, gradativamente, a preferência naquela
de tôdas as mercadorias, que era a mais facilmente trocável, isto
é, na que era universalmente empregada como meio de troca;
em uma palavra, a moeda.'
Essa evolução para o uso de um só instrumento de troca,
quer dizer, para o emprêgo exclusivo de uma única mercadoria
para êsse fim, ainda não está completamente realizada. Nas gran-
des civilizações, em algumas mais que em outras, a extensão das
trocas indiretas conduziu ao emprêgo de dois metais preciosos
— ouro e prata — como meio comum de troca. Mas, a partir
da escolha dêstes dois metais preciosos, verifica-se uma longa
interrupção no processo de unificação. Por centenas, mesmo
milhares de anos, a escolha da humanidade mostrou-se indecisa
entre o ouro e a prata. À causa principal dêsse fenômeno reside
nas qualidades naturais dos dois metais. Sendo física e
quimicamente muito semelhantes, êles apresentam qualidades,
por assim dizer, idênticas para a satisfação das necessidades eco-
nômicas da humanidade.
Em certas economias isoladas, o emprêgo exclusivo de um
ou de outro metal como único meio de troca foi realizado, mas
esta unidade foi muitas vêzes abandonada, por fôrça do con-
tato no mercado internacional, com outras economias, em que
prevalecia o uso comum do ouro e da prata. O comércio entre
duas nações ou duas economias quaisquer, que se utilizam de
meios de troca diversos, conduz naturalmente à dualidade. Con-
forme adiante veremos, porém, o uso dos dois metais preciosos

1. L. von Mises — “Theory of Money and Credit”, 1.º edição inglêsa,


1934, pág. 33.
20 PRINCIPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

como moeda corrente tende a desaparecer, sendo êles substituí-


dos pela moeda-papel, representativa ou fiduciária.

8 2.º — A Moeda como Meio de Pagamento

Uma vez estabelecido o regime de troca indireta, a tran-


sação única que se realizava no regime de troca direta passa
a desdobrar-se em duas, pois que uma troca entre duas mer-
cadorias, efetuada por intermédio da moeda, de fato se dissocia
em duas transações distintas: a de uma venda e a de uma com-
pra. Em qualquer das duas operações, na venda como na com-
pra, aparece a necessidade e a função do pagamento. Assim;
considerada, a função principal da moeda é a de meio de pa-
gamento. Uma venda ou uma compra dão lugar à criação de
uma dívida, que só pode ser extinta pelo pagamento em moeda.
Êste conceito da moeda-meio de pagamento é por vêzes cn-
ticado pelos economistas, por se lhe atribuir caráter jurídico e
não econômico. Em princípio, a extinção de uma dívida é uma
questão jurídica: a troca é que é a questão econômica. E não
há dúvida que o conceito exclusivo de moeda como meio de
extinguir dívidas, isto é, como meio de pagamento, daria, por
vêzes, uma falsa imagem da realidade. Como bem diz Robert-
scn,” é muitas vêzes indispensável descerrar o véu monetário
para descobrir, atrás dêle, a verdadeira natureza da troca de va-
lores, que se está realizando. Do ponto de vista econômico em
geral, o que importa é a troca de mercadorias, umas pelas outras.
Mas em economia monetária, dissociando-se a troca de uma
mercadoria por outra, em duas operações de troca de mercado-
ria por moeda, o objeto de investigação é justamente o de deter-
minar os efeitos e as conseguências da introdução da moeda
nessas operações.
Sob êsse aspecto, a principal função da moeda é a de meio
de pagamento.

8 3.º — A Moeda como Reserva de Valor

O fator tempo introduz-se nas operações monetárias, por-


que certo período de tempo deve normalmente decorrer entre o

2. RoBERTSON — “Money”, pág. 3.


MOEDA 21

recebimento da moeda e sua utilização. Durante êsse período,


a moeda exerce a função de reserva de valor. Uma soma de di-
nheiro, recebida em pagamento, quer se trate do ordenado de
um funcionário, do salário de um operário ou do preço de uma
colheita, tem sempre um duplo destino: ela serve, de um lado,
para as despesas, à medida que elas se apresentam no decurso
da semana, do mês ou do ano e, de outro lado, para conservar
o valor do serviço prestado ou da mercadoria vendida durante
o tempo, às vêzes indeterminado, que vai decorrer, até que a
moeda seja inteiramente despendida. Assim aparece a noção
da moeda como reserva de valor.
O entesouramento da moeda não representa, já hoje, pa-
pel importante no estudo dos fenômenos econômicos, pois que,
nos países civilizados, êle foi largamente substituído pela agui-
sição de títulos, a curto ou a longo prazo, capazes de produzir
juros, e quem entesoura incorre no prejuízo da perda dêsses
juros, às vêzes fora de proporção com o risco de que se arreceia.
O entesouramento da moeda pode ter várias causas. Se há
desconfiança nos bancos, entesouram-se as notas, e, se há tam-
bém desconfiança na conversibilidade efetiva das notas, ente-
soura-se o metal. Em regime de moeda inconversível, só a pri-
meira etapa é possível.
De qualquer modo, o entesouramento de notas traduz des-
confiança nos bancos e confiança nas notas, e o entesouramento
do ouro, desconfiança na moeda-papel representativa e confiança
no metal.
No Extremo-Oriente, especialmente na Índia e na China, o
entesouramento dos metais preciosos é hábito corrente da po-
pulação, resultante da falta de segurança individual. É mais fá-
cil fugir carregando uma fortuna representada por algumas bar-
ras de ouro do que por outros bens menos transportáveis.
O inverso do entesouramento é o fenômeno da fuga da
moeda, que traduz desconfiança na moeda em geral, sob qual-
quer de suas formas. Nesse caso, ninguém quer guardar uma
moeda que se desvaloriza rápidamente e trata de gastá-la, isto é,
de transformá-la, tão depressa quanto possível, em bens tan-
gíveis, edifícios, terras, usinas, etc. Como quer que seja, o con-
ceito de moeda como reserva de valor é inteiramente secundá-
rio no estudo dos fenômenos monetários.
22 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

8 4.º — A Moeda como Denominador Comum de Valores


A moeda não constitui uma medida de valor, como qual-
quer outra unidade de medida. Não se pode aplicar a moeda à
medição dos valores como o metro à medição do comprimento.
Não se pode colocar sôbre um dos pratos de uma balança um
pêso de moeda e sôbre o outro prato os objetos que se trata de
avaliar.
É no mercado, é ao ser trocada contra mercadorias, que o
valor da moeda se fixa a cada instante e esta troca pressupõe
que a própria moeda é desejada como representativa de valor.
Às diferentes relações de troca entre os objetos e a moeda per-
mitem, em seguida, comparar os valores relativos dos objetos
entre si. Mas a moeda não é um valorímetro.
A moeda é um denominador comum de valores, isso sim.
Desde que uma determinada mercadoria é escolhida como meio
geral de troca, ela se torna, inevitâvelmente, o denominador
comum de valores. Um mercado em que cada mercadoria fôsse
avaliada separadamente em função de tôdas as outras, seria ex-
tremamente complicado. A utilização de uma só mercadoria
como moeda permite expressar todos os preços em unidades
dessa mercadoria.
Mas a noção de denominador comum de valores não é a
mesma que a de medida de valor. Um objeto que vale hoje 10
unidades monetárias pode amanhã valer 15; o metro seria de
borracha. Contudo, em dado momento, o valor relativo das mer-
cadorias, umas em relação às outras, pode ser expresso pelo de-
nominador comum da unidade monetária.
Essa função de denominador comum de valores deriva-se
assim, geneticamente, da função de meio único de troca.
Nos sistemas em que o padrão monetário é um metal pre-
cioso, a unidade monetária, seja ela a libra esterlina, o dólar
ou outra, é uma unidade real, no sentido de que ela corres-
ponde a um pêso, determinado em lei, daquele metal precioso.
No caso da moeda inconversível, a unidade monetária é
uma unidade ideal, convencional e arbitrária. É o que se chama,
em linguagem técnica, moeda de conta.
8 5.º — O Poder de Compra da Moeda
Ninguém deseja a moeda pela própria moeda, pois que ela
não é uma mercadoria de produção, nem uma mercadoria de
MOEDA 23

consumo, e sim pelo seu poder de compra. Ninguém procura


a moeda per se e sim pelas unidades de poder de compra que
ela representa, já que não há outro meio de dispor de poder de
compra geral senão sob a forma de moeda.
“A moeda, como tal, não tem qualquer utilidade, senão a
que provém de seu valor de troca, isto é, da utilidade das coisas
que ela pode comprar.”” “A moeda não tem o poder de satis-
fazer os desejos humanos, senão o de comprar coisas que têm
êsse poder.”*
A expressão poder de compra da moeda induz, por vêzes,
à idéia errada de que a moeda cria poder de compra.
O poder de compra só é criado pela produção. Éle é gerado
no esfôrço de trabalho e no sacrifício da economia. Éle nasce
de que um indivíduo produz uma utilidade e não exige, desde
logo, a recompensa equivalente, reservando-se o direito de exigi-
-la mais tarde. Saldo de bens e renúncia à compensação imediata
são as duas condições do poder de compra.”
Assim dizia Bastiat a um homem que possuía um escudo:
“Que significa êste escudo em vossas mãos? Éle é o testemunho
e a prova de que, em uma época qualquer, haveis executado
um trabalho, do qual, ao invés de vos aproveitardes, fizestes
aproveitar a sociedade, na pessoa do vosso cliente. Este escudo
certifica que haveis prestado um serviço à sociedade...” “O es-
cudo certifica, além disso”, acrescenta Bastiat, “que ainda não
retirastes da sociedade um serviço real equivalente, como era
o vosso direito”. A moeda é aceita pela faculdade que dá ao seu
portador de escolher, na massa dos bens disponíveis, a contra-
prestação correspondente à prestação original. Ela é um título
que dá ao seu portador a faculdade de se considerar credor da
sociedade. Ela é o intermediário, o agente de ligação entre a
prestação realizada e a contraprestação a se realizar.
Se alguém recebe moeda sem ter dado a prestação, então
a contraprestação que aufere importa em uma apropriação indé-
bita, obtida à custa daqueles cuja moeda foi ganha com o pro-
duto de seu trabalho.
A moeda adicional, criada pela vontade dos dirigentes, au-
menta a procura de bens, sem modificar a oferta; não corres-

8. KEYNES — “Monetary Reform”, pág. 82.


4. 1. FisHER — “Purchasing Power of Money”, pág. 32.
5. L. BauDIN — “La Monnaie et la Formation des Prix”, pág. 318.
24 PRINCÍPIOS DE ' ECONOMIA MONETÁRIA

ponde a qualquer parcela concreta do produto social; ela vem


apenas concorrer com a moeda preexistente, depreciando-a.
A moeda só vale pelas mercadorias e serviços que ela pode
comprar. Se se aumenta a quantidade de moeda sem aumento
paralelo dessas mercadorias e serviços, o único resultado é o de
aumentar a procura sem aumento da oferta, isto é, o de alta de
preços.
O mundo do século XX dispõe de maior poder de com-
pra do que o do século XVIII; êle consome mais porque produz
mais, e não porque tem maior quantidade de moeda. Pela mesma
razão, 150 milhões de americanos têm maior poder de compra
e consomem mais do que 400 milhões de chineses.
O poder de compra da moeda encontra sua expressão nu-
mérica nos índices de preços. São êstes os índices que expressam
o número de unidades monetárias correspondentes ao valor das
mercadorias e serviços. Quanto maior o número dessas unida-
des, menor o poder de compra de cada unidade. O poder de com-
pra da moeda é, por conseguinte, o inverso do índice médio de
preços.
8 6.º — O Conceito de Moeda-Capital
A moeda não é um bem de consumo nem um bem de pro-
dução.
O ouro e a prata de uma moeda de valor intrínseco podem,
evidentemente, ser classificados em uma destas duas categorias
de bens, como mercadorias de utilidade para o ornamento ou
para a indústria, mas o valor intrínseco nada tem com a noção
de moeda, qua-moeda. Simiand dizia bem que o ouro é a pri-
meira das moedas fiduciárias.
Posta de lado a idéia de valor intrínseco da moeda, que é
uma coisa do passado, a quantidade de moeda fiduciária pos-
suída por uma comunhão econômica não é capital.
Capital é trabalho e terra acumulados (terra, no sentido de
recursos e fôrças da natureza, isto é, energia solar e fôrças fí-
sicas e químicas da terra). O capital de um país consiste em
suas lavouras, seus edifícios, sua maquinaria, seu aparelhamento,
seus sistemas de transportes, etc. Não consiste em moeda fidu-
ciária.
O fato de aumentarem as notas emitidas ou os depósitos
em bancos de 8 para 10 bilhões de cruzeiros, por exemplo, não
MOEDA £6

quer dizer que a riqueza nacional aumentou, a não ser que tenha
aumentado paralelamente a quantidade de bens de produção e
de consumo existente no pais. Mas nesse caso o aumento de ri-
queza proveio dos novos bens de produção e de consumo, e não
do aumento da quantidade de moeda. Esta poderia ter perma-
necido em 8 bilhões de cruzeiros, sem embargo do aumento de
riqueza, oriundo dos novos bens criados. A moeda é simples-
mente um índice, um algarismo indicativo de preço das coisas,
um denominador comum de valores, um meio de troca e de
pagamento.
Do ponto de vista do indivíduo, o aspecto é um pouco di-
ferente. Wagner escreveu: “Papel-moeda é capital do ponto de
vista do negociante privado, mas não é capital para a economia
nacional”. Nós enunciaríamos a proposição de modo um pouco
diverso, dizendo que, “do ponto de vista individual, a moeda re-
presenta um direito de haver capital”, como também um direito
de haver mercadorias de consumo. Porque, se não existirem os
fatôres de produção necessários para produzir o capital a que a
moeda dá direito de haver, êsse direito será frustrado. E nisso
é que está a ilusão dos que ainda pensam que se pode criar ca-
pital emitindo papel-moeda.

8 7.º — A Moeda e o Estado


Em 1905, um professor alemão, George Frederic Knapp,
conhecido até então por seus trabalhos sôbre a história econômi-
ca, apresentou em seu livro “Staatliche Theorie des Geldes”,
uma nova teoria da moeda: a moeda é essencialmente um ne-
gócio de Estado, que o Estado deve regular ao sabor do seu
interêsse; “a moeda é uma criação do direito; ela apareceu no.
curso da história sob formas as mais diversas; uma teoria da
moeda não pode ser senão uma teoria da história do direito”.
“A questão do valor da moeda é secundária; uma só coisa im-
porta: é a Geltung, isto é, a fôrça liberatória que lhe dá o Es-
tado ou aquilo a que ela dá direito em virtude de lei.” E essa
fôrça liberatória da moeda, a quem o Estado a confere? À um
pêso determinado de metal batido de sua efígie? Absolutamente
não. À fôrça liberatória é dada a uma unidade com um nome dife-
rente, conforme os países; pode chamar-se franco, florim ou
dólar, e tem a virtude de liberar definitivamente as dívidas. À
26 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

maneira por que é representada materialmente esta unidade não


tem importância alguma; ela pode ser papel ou ouro, e o Estado
pode escolher tal ou qual substância, É esta unidade que é pro-
vida do direito de liberar dívidas.
Aí está o essencial da tese de Knapp. Na medida em que
essa tese proclama que a essência da moeda é independente do
material de que ela é feita, que o Estado pode criar uma exce-
lente moeda sem valor intrínseco e que a moeda de conta é tão
boa como outra qualquer, os fatos e a experiência monetária
aí estão para confirmá-lo,
O Estado tem o poder de legislar sôbre a moeda, declaran-
do o que é e o que não é moeda legal, admissível em contratos.
O Congresso dos Estados Unidos declarou por lei, em 1933, que
a “cláusula-ouro” existente em contratos passados ou futuros
passaria a ser ilegal.
No que diz respeito a contratos em moeda, como a moeda
para pagamento de dívidas existentes, o Estado é onipotente.
Mas a alma da moeda, a sua capacidade de exercer a fun-
ção de meio de troca e de pagamento, residem em sua aceitação
geral. A moeda pode não ter curso legal (as notas do Banco de
Inglaterra não o tinham até 1833) sem deixar de ser uma exce-
lente moeda, com aceitação até universal, como a libra ester-
lina.
O Estado emite ou controla a emissão da moeda corrente,
mas não pode determinar o valor dessa moeda. Êsse valor se
determina no mercado, nas trocas com as mercadorias. O Es-
tado pode emitir notas e declarar que elas são moeda de curso
legal, mas não lhes pode fixar o valor. Se êle se põe a emitir
desordenadamente, o valor total da emissão monetária decresce
até mais râpidamente do que o aumento de sua quantidade (vide
capítulo XV).
O Estado pode dar curso legal a uma moeda sem aceitação
nem valor e declarar que as dívidas podem ser saldadas nessa
moeda. Isso pode atingir credores infelizes, forçados a dar qui-
tação de seus créditos contra pagamentos em monnaie de singe,
mas não pode forçar ninguém a vender mercadorias nem pres-
tar serviços contra pagamento nessa moeda, se ela não tem
aceitação geral. Foi o caso dos assignats da Revolução francesa,
apesar da pena de morte decretada para os que os recusassem
em pagamento. Foi também o que se deu na Alemanha em 1923
MOEDA 27

e mesmo na França em 1926, em que as transações passaram


a ser feitas em dólares, em vez de marcos ou francos.
O Estado pode alterar a unidade monetária, afetando o seu
poder de compra, mas guardando-lhe o mesmo nome e estipu-
lando que a nova unidade servirá para liberar as dívidas con-
traídas na antiga. Isso afeta, às vêzes injustamente, aquêles que
contrataram, abalando a confiança na instituição do contrato,
sôbre a qual tão largamente se baseia a ordem econômica.
Em princípio, tôda desvalorização monetária constitui van-
tagem para o Estado como um meio de libertar-se de uma parte
de suas dívidas. Por vêzes, o propósito é o de favorecer os
devedores vis-à-vis dos credores ou de promover a alta de pre-
ços em fases de depressão. É um ato político, um ato do prín-
cipe, pelo qual o Estado toma partido em favor de certos inte-
rêsses contra outros, que julga menos importantes. E nem sem-
pre é injusto o ato do príncipe. No caso de uma baixa geral de
preços, isto é, de acentuado aumento de poder de compra da
unidade monetária, os devedores podem ser chamados a resti-
tuir aos credores um valor real muito maior do que receberam.
Seria uma injustiça capaz de levar à falência os que contraíram
dívidas expressas em unidades monetárias.
Outras vêzes, acontece que o Estado, forçado pelas circuns-
tâncias (Inglaterra, 1931) ou mesmo com o propósito de pro-
mover a alta de preços (Estados Unidos, 1933), desvaloriza a
unidade monetária em relação ao ouro. Mas isso nem sempre
importa em reduzir o poder geral dé compra da unidade mone-
tária sôbre mercadorias e serviços; se não houver concomitan-
temente aumento da quantidade de moeda, pode acontecer que
apenas o ouro encareça, sem que se alterem os demais preços.
Em qualquer caso, porém, o Estado não tem o poder de
forçar a aceitação de uma moeda que não merece confiança,
nem de lhe dar valor diverso daquele que se estabelece no mer-
cado, no livre jôgo das trocas entre moeda e mercadorias.
Quanto ao aspecto internacional, Knapp compreendeu bem
que uma moeda estatal é, por fôrça, uma moeda interior, pois
que a soberania do Estado é limitada ao seu território. Para esta-
belecer a ligação dessa moeda interior com as moedas de outros
países, diz Knapp: “É fácil de ver como a estabilização dos câm-
bios pode se realizar sem hilodromia, isto é, sem o emprêgo de
um metal comum. Para isto basta que dois Estados, que que-
28 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

rem estabilizar o seu câmbio, estabeleçam uma determinada pa-


ridade; por exemplo, a Alemanha e a Inglaterra concordam em
manter a paridade de uma libra esterlina contra 20 marcos. Isto
pôsto, a administração monetária inglêsa deverá fornecer sempre
20 marcos contra uma libra esterlina, e a administração alemã
uma libra contra 20 marcos”. “Compreenda-se,” diz Knapp,
“que não estamos nos referindo à troca de soberanos-ouro nem
às duplas coroas de 20 marcos, mas, simplesmente, à troca de
moeda nominal, que poderia consistir, por exemplo, em papel-
-moeda inconversível”.
Ora, se Knapp tivesse tido de se ocupar, êle própric, de
estabilizar os câmbios, na conformidade de sua proposta, êle
teria, dentro em pouco, percebido que a verdadeira dificuldade
para a Inglaterra, na hipótese por êle imaginada, era a de fazer
uma provisão suficiente de marcos, para estar sempre em con-
dições de suprir e de trocar 20 marcos contra uma libra. À Ingla-
terra não pode criar um único marco. Sômente a Alemanha o
pode. É preciso, portanto, que a Inglaterra os adquira. E a super-
veniência de qualquer desequilíbrio no balanço de pagamentos
entre os dois países, com a consegiiência de ser a procura de
marcos maior que a procura de libras, faria com que, no mer-
cado de câmbio, a libra passasse a ser trocada não mais por
20 marcos e sim sucessivamente por 19, 18, 17 ou 16 marcos,
destruindo-se, assim, a convenção de Estado a Estado, imagi-
nada por Knapp.

$ 8.º — Vantagens e Percalços da Moeda

A moeda deve a vida à sua aceitação geral e, subsidiâria-


mente, à lei.
Essa aceitação é derivada da confiança e do hábito. É pre-
ciso, porém, não exagerar — como o fazem certos autores —
o sentido da palavra confiança em matéria de moeda, a ponto
de dizer-se que o edifício monetário repousa sôbre uma base psi-
cológica.
A confiança do público na moeda, como em qualquer outro
título, depende não só do seu valor no momento, como das
perspectivas de variação dêsse valor. Se o homem da rua vê
que a moeda tem um poder de compra cada vez menor, êle
trata de transformar a moeda de que dispõe em bens tangíveis,
MOEDA 2s

cujo valor, expresso em moeda, êle vê aumentar todos os dias.


Assim se inicia a fuga da moeda, causada pela justa descon-
fiança do público. Essa desconfiança não tem nenhuma base
psicológica nem metafísica diferente da de qualquer outro ato
humano. À queda do poder de compra da moeda é devida ao
fato de haver moeda de mais. O homem da rua só dá conta da
depreciação depois de sentir materialmente os seus efeitos, mas
os banqueiros, os comerciantes e os homens de negócio avisados,
se bem que ignorando também as leis do valor, sabem que
deficits orçamentários sucessivos conduzirão fatalmente à emis-
são de moeda e à sua desvalorização, como sabem que, se êles
emitirem promissórias em número e quantias excessivos, elas
perderão valor e confiança. Éles compreendem igualmente que
as agitações sociais, as revoluções e as guerras forçarão o Es-
tado a emitir, de sorte que, quando aparece a perspectiva dessas
perturbações, êles prevêem a desvalorização da moeda, da mesma
forma que qualquer pessoa toma o guarda-chuva quando as
vens estão carregadas . À maioria dos atos humanos são ba-
sbados na previsão; quem compra ou quem vende só o faz por
prever que a operação lhe seja favorável, do mesmo modo que
uem casa só o faz na previsão de obter felicidade ou, pelo me-
os, proveito.
Não há, portanto, nada especialmente psicológico em ma-
E ria de moeda. Há um comportamento racional.

&
+ %

A moeda é um precioso instrumento de progresso eco-


nômico.
Graças a ela, pode o consumidor generalizar seu poder de
compra, e haver da sociedade aquilo a que sua moeda lhe dá
direito, sob a forma que melhor lhe convém. É o instrumento
da liberdade de escolha (freedom of choice).
Dissociando uma transação de troca em duas operações,
uma de venda e outra de compra, a moeda facilita imensamente
as trocas. É muito mais fácil realizar cada uma dessas operações
separadamente do que as duas conjuntamente; é mais fácil ao
vendedor de milho achar quem lhe queira comprar algum dêsse
milho do que quem queira trocar milho por certo pedaço de
30 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

sola que êle deseja adquirir. Graças à moeda, pode-se saber quais
as mercadorias e serviços que são desejados e procurados, e em
que quantidade, e assim decidir sôbre o que e o quanto produ-
zir, de forma a obter-se a melhor utilização da capacidade limi-
tada de produção.
Graças à moeda, pode o produtor concentrar sua atenção e
seu esfôrço no seu trabalho e assim aumentar a produção de
mercadorias e serviços, que constituem a renda real da socie-
dade. Só a moeda permite a divisão e a especialização do tra-
balho em que se baseia a nossa estrutura econômica, o que seria
impossível se cada um tivesse de empregar boa parte de seu
tempo e de suas energias em procurar trocar os seus produtos
pelas matérias-primas de sua indústria ou pelas mercadorias ne-
cessárias a seu consumo.
Graças, ainda, à moeda, pode-se realizar o crédito, isto é, os
empréstimos e adiantamentos necessários à produção. Que é
o pagamento de salários senão um adiantamento feito pelo pro-
dutor aos seus empregados para prover às suas necessidades du-
rante o curso da produção e antes que os produtos estejam aca-
bados? Os empréstimos e adiantamentos feitos por uns a ou-
tros homens de negócios, como pelo público em geral que de-
seja investir suas economias, são grandemente facilitados pela
moeda, cuja existência é essencial ao sistema moderno de pro-
dução tão largamente dependente da transferência de poder de
compra que uns fazem aos outros, na expectativa de fazer fruti-
ficar suas economias ou disponibilidades.
x
« +

O poder de compra da moeda é indeterminado; indetermi-


nado na pessoa, no objeto, no tempo e no espaço, isto é, pode
ser usado por qualquer pessoa, para qualquer fim, quando e onde
lhe aprouver, sob a única reserva de certas limitações evidentes,
como a do objeto ser disponível e da aceitação geral da moeda.
O poder de compra da moeda é indeterminado na pessoa,
porque é transferível de mão em mão ou de conta em conta,
sem que intervenham considerações pessoais.
É indeterminado no objeto, porque é um meio de compra
geral, aplicável a tudo quanto é oferecido no mercado. O vale
MOEDA 31

ou o ticket, como, por exemplo, o bilhete de teatro ou o vale


recebido num vestiário, só dão direito a uma contraprestação
de quantidade e qualidade predeterminadas. O potencial de aqui-
sição da moeda, ao contrário, é indeterminado no objeto.
É indeterminado no tempo e no espaço, porque nada im-
pele o detentor da moeda a restringir o tempo durante o qual
êle a guarda, como nada impede o seu proprietário de trans-
portá-la no espaço. O emigrante que vende seus bens no país
de origem, reduzindo-os a moeda e trocando-a pela moeda do
país de imigração, para aí adquirir uma nova terra e novos ins-
trumentos de trabalho, transporta a sua moeda de país a país,
à sua vontade.
Em suma, a moeda transforma a dívida nascida de uma re-
lação individual em um meio de compra geral; a dívida torna-se
social, estendendo-se no espaço, na pessoa, no objeto e no tempo.
O indivíduo goza de um crédito sôbre a sociedade, porque pres-
tou a essa sociedade, na pessoa de um dos seus membros, um
serviço qualquer. A prestação teve um caráter individual; o po-
tencial da contraprestação tem um caráter social e geral.
Instrumento de troca, de pagamento, de reserva de valor e
denominador comum de valores, a moeda permitiu revolucionar
a economia mundial. Ela tornou os capitais mais fluidos, per-
mitindo-lhes passar às mãos dos mais aptos a utilizá-los. Contri-
buiu para aumentar a divisão do trabalho e a riqueza geral.
A moeda despersonaliza a economia (Sombart), criando
uma espécie de fundo comum de massa situada no mercado,
onde vêm buscar recursos os que se comprometem a fazê-los fru-
tificar. Ela estimula o espírito de previdência e aumenta o espi-
rito de iniciativa, pois que aquêles que são e se sentem capazes
de aplicar as economias da comunhão, têm onde encontrar os ca-
pitais necessários. Ela exerce, portanto, uma grande função civi-
lizadora.
E em princípio, como escreve J. S. Mill,* “é evidente que
a mera introdução de um modo especial de permutar umas coisas
por outras, trocando primeiro uma coisa por dinheiro e depois
trocando o dinheiro por outra coisa, não afeta o caráter essencial
das transações. . . Nada pode haver de mais insignificante numa

: sé J. S. Mui — “Principles of Political Economy”, Livro III, cap. VII,


82 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

sociedade do que moeda, exceto como um meio de poupar tem-


po e esforços... A introdução da moeda não interfere com o
funcionamento das Leis do Valor estabelecidas nos capítulos
precedentes... Às relações de valor entre umas e outras mer-
cadorias não são alteradas pela moeda; a única nova relação
introduzida é a das mercadorias para a própria moeda, a saber,
a maior ou menor quantidade de moeda pela qual elas se tro-
cam; em outras palavras, o Valor de Troca da moeda”.
Oxalá Mill tivesse inteira razão! A verdade é que as imen-
sas vantagens da introdução da moeda não são desacompanhadas
de percalços, por vêzes muito sérios.
Em primeiro lugar, importa que o economista esteja sem-
pre atento a ver como se passam as coisas atrás do véu mone-
tário que encobre as transações e em descortinar o que está,
de fato, acontecendo em têrmos reais de mercadorias e servi-
cos — ou mesmo mais — em têrmos de satisfações e sacrifí-
cios, isto é, de utilidade e desutilidade.”
Cabe ao especialista dos problemas de moeda e de crédito
velar pelo contrôle e manipulação dêstes dois delicados instru-
mentos, para evitar que de seu uso decorram — como não
“raro acontece — graves males para a criação e distribuição
da riqueza e da renda, ou seja, para o bem-estar econômico da
sociedade.
Numa economia de troca direta ninguém pode tirar uma
parcela do estoque de mercadorias sem pôr em seu lugar outra
parcela considerada equivalente. Tôdas as' transações são vir-
tualmente feitas à vista. O indivíduo vem ao mercado com uma
pele de cabra, e volta com o saco de milho por que a trocou.
A transação está terminada. Não fica qualquer poder de com-
pra em suspenso, cujo valor não se sabe como pode variar no
tempo, nem onde, quando e sôbre que mercadorias vai ser
aplicado.
A moeda pode ser entesourada e a procura geral de mer-
cadorias e serviços reduzida proporcionalmente, dando lugar a
uma queda de produção, ao desemprêgo e a uma nova redução
da procura. Por outro lado, a moeda pode ser desentesourada ou
criada artificialmente. À criação como a destruição de moeda,
o entesouramento como o desentesouramento, alteram a hipó-

7. RoBERTSON — Ob. cit. págs. 1 a 10.


MOEDA 33

tese básica da economia de troca, de que a produção cria sua


própria procura (J. B. Say).
As operações de economizar e de emprestar, cobertas pelo
véu monetário, são por vêzes muito diferentes na realidade, do
que parecem ser em têrmos de moeda. Quem economizou e em-
prestou, como quem tomou emprestado, pode, às vêzes, receber
ou pagar finalmente muito mais ou muito menos do que o que
efetivamente emprestou ou recebeu, em têrmos reais de mer-
cadorias e serviços.
Podem, nas épocas de prosperidade e de incremento das
indústrias e dos negócios, os operários receber bons salários em
moeda, mas não encontrar as mercadorias e serviços de que
precisam, porque estas podem não estar sendo produzidas ao
mesmo ritmo de crescimento da fôlha total de salários. Con-
fundem-se, não raro, por uma ilusão de ótica, as notas de moeda
que são simples certificados do direito de obter mercadorias com
as próprias mercadorias.
Variações violentas ou prolongadas do valor da moeda afe-
tam, como adiante se verá, não só a distribuição como a própria
criação da riqueza. '
Pode, às vêzes, o fato de uns comprarem mais barato as
mercadorias produzidas por outros, fazer com que êsses outros
não tenham com que comprar os produtos dos primeiros, que
são assim forçados ao desemprêgo, sem mais poder comprar
coisa alguma.
Todos êsses percalços se originam daquela dissociação da
primitiva transação de troca em uma prestação e uma contra-
prestação. Não só o tempo que medeia entre as duas operações
pode alterar o valor da moeda, como a variação de sua veloci-
dade de circulação afetar a produção e o emprêgo.

8 9.º — A Moeda numa Economia Socialista


Pode-se imaginar que, em um regime comunista, no qual
ifôsse suprimida a liberdade de escolha (freedom of choice), isto
é, em que cada indivíduo ou família recebesse in natura a sua
kota-parte da produção total, por um critério emanado da auto-
Yidade suprema, pudesse ser dispensado o uso da moeda como
instrumento de expressão da escolha e dos desejos de cada um,
da mesma forma que em um exército cada qual recebe sua ra-
34 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

ção e sua roupa, independente de prestação em moeda, ou de


escolha. Suprimida também que fôsse a liberdade de trabalho,
mediante oferta e procura (sendo o Estado o único empregador),
poderia a Sociedade funcionar sem moeda.
Fora dessas hipóteses extremas, a moeda é indispensável.
O problema da formação dos preços em regime socialista
(supressão da propriedade privada dos meios de produção) tem
sido objeto de um dos mais interessantes e complexos debates
de matéria econômica, nos últimos tempos.”
Não há aqui lugar para êsse debate.
Na prática, como em teoria, as sociedades planificadas” mo-
dernas não têm dispensado o mecanismo dos preços e a moeda.
Lênine, por exemplo, declarava em 1921 que os bolchevistas
estavam muito errados em sua presunção de poder atingir mes-
mo o estágio inicial do comunismo, sem ter passado por um
período socialístico de cálculo e contrôle econômicos. Trotsky
escrevia que “os projetos feitos pelos escritórios devem demons-
trar sua viabilidade econômica pelo cálculo comercial e que a
falta de uma unidade monetária definida e de contabilidade co-
mercial só fariam aumentar o caos”."
Seja qual fôr o prisma por que se encare o problema da
formação dos preços em regime socialista, é incontestável que
sem um mecanismo especial de preços é impossível o funciona-
mento, com qualquer grau de eficiência, de um sistema eco-
nômico, qualquer que êle seja. À limitação da quantidade de fa-
tôres de produção disponíveis faz com que sua utilização e seu
destino só possam ser indicados por um processo de preços que
torne possível a comparação das vantagens de sua aplicação a
diversos fins.

8. Vide, por exemplo, “Collectivist Economic Planning”, de Havekx, MISsES,.


BARONE, HALM, etc. e . lo .
9. Entendemos por “planificação” o método de direção totalitária da
economia, para distingui-lo de “planejamento”, conjunto de providências que
o Estado Democrático pode adotar para a melhor e mais completa utilização
dos fatôres de produção, no setor estatal. o .
10. G. HALM — Monetary Theory”, 1.2 edição, pág. 11.
CAPÍTULO II

ESBOÇO HISTÓRICO

A história da moeda não se enquadra no programa dêste


livro, que tem por principal objetivo o estudo da teoria dos fe-
nômenos monetários. É, contudo, oportuno fazer um rápido
esbôço das várias modalidades da moeda desde os tempos pri-
mitivos até os princípios do século XIX, apenas com o fim de
facilitar a compreensão da evolução da moeda primitiva para
a moeda de ouro e prata, para a moeda representativa e para a
moeda fiduciária.
Dois elementos predominam sempre na escolha dos objetos
destinados a instrumentos de troca: a utilidade generalizada e
o hábito.
Tudo quanto era de utilidade e de procura geral em cada
região, gado, cereais, peles, tabaco, sal, etc., bem como os ob-
jetos de adôrno de ouro ou de prata, serviram como intermediá-
rios de troca.
Objetos de procura universal foram, pelo hábito, tornando-
-se moeda usual. Qualquer objeto que passa fâcilmente de mão
em mão adquire o valor derivado de sua aceitação geral, que
ainda hoje é o indispensável e principal predicado da moeda.
O hábito e a convenção sancionam depois o uso já generalizado
do objeto como moeda. Assim foi que os rosários de conchas,
originâriamente apreciados pelos índios como objeto de adôrno,
passaram, com o tempo, a ser o instrumento usual de troca en-
tre os índios e pioneiros, sem mais qualquer atenção a suas qua-
lidades ornamentais. Entre certas tribos africanas, pequenos
machados tornaram-se moeda convencional, por sobrevivência
do tempo em que os verdadeiros machados eram raros e extrema-
mente úteis.

11. F. Taussig — “Principles of Economics”, vol. I, pág. 282.


36 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

A moeda-papel, em época muito mais recente, apresenta a


mesma evolução. Nos primeiros tempos, as notas tinham de ser
realmente trocáveis e conversíveis em espécie e à vista, sem o
que não eram aceitas em pagamento. Mas, uma vez que todos
se acostumaram a receber as notas, elas passaram a circular como
moeda, sem maior atenção à conversibilidade. Por muitos séculos,
os metais preciosos tiveram a consagração do uso e do hábito,
que a moeda-papel só recentemente recebeu.
Dentre as mercadorias utilizadas como instrumento de troca
nas civilizações primitivas, os metais foram gradativamente con-
quistando o primeiro lugar. No Egito e na China, o cobre e o
bronze. Na Grécia interior, as varinhas de ferro (óbulo). Na
Roma primitiva também o ferro circulava. Com o correr do
tempo, o ferro e o cobre foram descobertos e produzidos em
grandes quantidades, perdendo o valor que decorria de sua rari-
dade. O ouro e a prata, originâriamente procurados por sua uti-
lidade como adôrno, foram se impondo por motivos irresistí-
veis (Adam Smith): raridade relativa, sem ser excessiva, dura-
bilidade, homogeneidade, divisibilidade e grande valor em re-
lação ao volume.
A utilização dos metais como instrumento de troca era a
princípio feita a pêso. Havia no Egito, na Grécia, na Itália, os
pesadores, e a moeda a pêso ainda subsistiu por muito tempo
depois da invenção da cunhagem. Em Minas Gerais utilizou-se
o ouro em pó e a pêso, como moeda.
A cunhagem, o ato de bater moeda, consiste em dividir o
metal em peças de dimensão e título uniformes, e em aplicar,
sôbre cada uma, sinais distintivos destinados a certificar o pêso
e o teor metálico. Os historiadores da moeda parecem acordar
em que a cunhagem já aparece em 700 A. €C. Reis da Lídia,
sátrapas persas e cidades gregas bateram moeda. Diz-se que a
cunhagem é livre quando todos têm o direito ilimitado de fazer
converter pela Casa da Moeda as barras de metal em moeda
batida.
À impressão das efígies nas duas faces e os recortes feitos
em tôda a periferia da moeda bem cunhada impedem as raspa-
gens, isto é, a possibilidade de se destacarem partículas do metal
sem que isso seja evidenciado pelo aspecto da moeda.
Com a Renascença, o afluxo de ouro e de prata vindos da
América, juntamente com a descoberta, pelos portuguêses, de
ESBÔÇO HISTÓRICO 37

campos auríferos na Ásia e na África, e de novas minas no


Tirol, no Saxe e na Boêmia, aumentam rápidamente o estoque
monetário europeu. À extração do metal branco progride muito
mais do que a do metal amarelo, sobretudo depois da descoberta
da célebre mina de Potosi, e a prata torna-se a moeda corrente
em tôda a Europa.
Êste grande aumento de produção de metais preciosos não
podia deixar de provocar forte alta de preços, ainda que atenuada
por um acréscimo notável da atividade econômica.
A Espanha recebe essa massa de metais, não só por sua
posição de potência colonial, como pela de única fornecedora
de mercadorias às suas possessões americanas.
Êste enriquecimento aparente e rápido incita os povos da
Espanha a abandonar o trabalho, e marca o comêço da deca-
dência dessa grande nação. À teoria era a de que o Estado de-
via procurar atrair o curo e a prata, e retê-lo o mais possível no
país, interditando sua exportação. Mas, apesar dos interditos,
os metais escapavam de tôdas as partes da península para pa-
gar as compras que se efetuavam no exterior. O ouro e a prata
espalham-se na Europa, provocando o encarecimento de tôdas
as coisas e fazendo nascer os males da inflação. Na Franca, os
preços nominais quintuplicam no decurso do século XVI. A alta
dos preços estimula a indústria e o comércio, e modifica pro-
fundamente a repartição da riqueza: os senhores feudais, o clero,
os capitalistas são despojados de sua riqueza. Surgem os novos
ricos, os banqueiros, os arrendatários de impostos, os armadores,
os grandes negociantes. Os funcionários e os operários, cuja re-
muneração só lentamente aumenta, são as outras vítimas da
inflação. A burguesia enriquece, a nobreza empobrece e torna-se
politicamente impotente, o que não desagrada ao rei. De tempos
a tempos ouvem-se violentos protestos contra o encarecimento
da vida; os operários se reúnem e organizam greves, como a cé-
lebre greve de Lião.
No século XVII as doutrinas monetárias se integram no
sistema que, sob formas diversas, foi denominado de mercanti-
lismo, e que substitui à teoria estreita do acúmulo de metais
preciosos, como representativos de riqueza, uma política de in-
dustrialismo. Vai-se passando do conceito do metal considerado
como riqueza ao conceito de moeda como simples instrumento
de progresso econômico.
38 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

No início do século XVII, a taxa do crescimento anual de


estoque monetário cai a cêrca de 1%, com baixa de preços e
depressão econômica.
A produção dos metais preciosos retoma, porém, seu curso
no século XVIII, graças às minas de ouro do Brasil e às minas
de prata do México. Mas, ao contrário do que acontecera nos
séculos XVI e XVII, o século XVIII goza de uma calma rela-
tiva no domínio monetário. No domínio das idéias persiste a
doutrina chamada mercantilista, em que a política de avareza
nacional é substituída por uma política de balanço comercial.
A idéia de agir sôbre o câmbio já é afastada, com a noção de
que o câmbio é um efeito, e não causa; que êle revela uma
situação, mas não a cria. À concepção mercantilista era a de
obter um saldo ativo do balanço comercial, graças à extensão
dos mercados; daí os esforços para baixar os preços de custo,
melhorar a qualidade dos produtos, criar uma indústria capaz
de oferecer objetos de grande valor e pequeno volume, susce-
tíveis de serem facilmente exportáveis, ou produtos agrícolas de
grande consumo, que o solo e os habitantes são especialmente
aptos a fornecer.
A moeda passa a ser encarada como instrumento dessa
industrialização; ela não é nem riqueza nem criadora direta da
riqueza. A própria indústria é encarada como um meio de ali-
mentar o comércio, fonte de tôda a riqueza (mercantilismo anglo-
-holandês).
Por importante que continue a ser o papel da moeda, ela
perde, pouco a pouco, a predominância que tinha no cenário
econômico, passando à condição de servidora do comércio. As
questões do volume e do estoque monetário já são discutidas,
e, no século XVIII, Gagliani exprime o seu receio pela pletora
como pela falta de numerário, a primeira encarecendo os pro-
dutos e a segunda criando o empobrecimento e a usura. Can-
tillon estuda a quantidade de moeda necessária, tomando por
base o critério da abundância e da insuficiência monetárias e
afirmando que, quando o Estado ultrapassa o ponto ótimo da
quantidade de numerário, advêm perturbações.
Os fisiocratas completam a derrota monetária, fazendo do
metal uma riqueza secundária, relativa e estéril. Adam Smith vê
no ouro e na prata uma fração sômente, e a menos importante,
do capital de um país. Inútil mesmo, diz êle, inquietar-se com o
ESBÔÇO HISTÓRICO 39

volume monetário, que tem de proporcionar-se automãticamente


às necessidades (início do banking principle), graças ao meca-
nismo dos preços.
A moeda, provisôriamente riscada dos problemas angus-
tiosos, que se apresentam ao economista, volta, porém, mais
tarde, ao primeiro plano.
A questão da estabilidade, sobretudo, constitui o objeto
das controvérsias. Alguns recomendam as mutações monetárias
que aliviam os devedores, e em particular o Estado, de uma parte
de suas obrigações; outros insistem sôbre os males dessa depre-
ciação; outros já combatem a inflação e condenam, igualmente,
a deflação, indicando o nível de estabilidade monetária que deve
ser estabelecido.
Com os princípios de universalidade, próprios aos fisiocra-
tas, toma impulso a idéia de uma moeda mundial. Propõe-se en-
tão o estabelecimento de um bimetalismo universal, estatuindo-
-se uma só moeda, como se instituíra um só Deus.
Em França, ao tempo da Revolução, o sistema monetário
ainda é muito incômodo: duodecimal e bimetalista. A prata é
considerada como moeda básica e constitucional; o ouro e o
cobre, como moedas adicionais.
Na Inglaterra, ao contrário, o ouro já domina. À libra de
prata foi estabelecida, desde 1666, como moeda de cunhagem
livre, mas, tendo a relação legal, fixada em 1695, provocado o
êxodo do metal branco, o ouro, introduzido a princípio sômente
para atender às necessidades do comércio internacional, acaba
por predominar.
O Govêrno britânico limitou-se a reconhecer êsse padrão-
-ouro virtual (Hawtrey) por uma lei de 1816 (Coinage Act), que
suspendeu a cunhagem livre e limitou o poder liberatório da
moeda de prata. É assim, de certa forma, ao acaso, que se deve
o fato de o ouro ter ligado o seu destino ao da maior potência
comercial de então e de ter, através dessa etapa, conquistado de-
pois a primazia universal.”
O ouro e a prata, sômente, eram moeda legal. As notas do
Banco de Inglaterra, da Escócia e de outros bancos não tinham
curso legal. Só mais tarde, no século XIX, aparecem as leis que
governam a quantidade de notas emitidas pelo Banco de Ingla-
terra ou por outros bancos.
12. L. BAUDIN — Ob. cit., seção II, capítulos II e IV.
40 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

As guerras napoleônicas fazem com que o século XVIII


se encerre, na Inglaterra, com o Bank Restriction Act, suspen-
dendo os pagamentos em espécie (1797), lei que permanece
em vigor até 182]. Mas já aí se entra em uma das fases mais
interessantes da história monetária moderna da Inglaterra e do
mundo, cujo fio será retomado ao estudarmos o Banco de Ingla-
terra.
A evolução monetária apresenta uma série de hiatos e mes-
mo de regressões. O retôrno ao sistema antigo da troca direta
reaparece, intermitentemente, nos tempos de crise, como os que
se seguem à queda do Império romano, à guerra de cem anos,
à guerra da independência dos Estados Unidos.
No período que sucede na Europa à guerra de 1914-1918,
desenvolvem-se as trocas bilaterais sob o contrôle do Estado.
São criados institutos e centros de troca. Através de uma Central
estabelecida em Berna, desde 1919, a Hungria trocava seu car-
vão pela madeira da Tcheco-Eslováquia; a Tcheco-Eslováguia,
suas máquinas agrícolas pelo gado da Rumânia; em 1920, a
Áustria contratava a reparação do material ferroviário da Ru-
mânia em troca de um fornecimento de cereais. Tudo isso sem
qualquer indicação de moeda, e apenas com especificação das
mercadorias ou serviços a serem fornecidos de lado a lado.
O regime da troca teve novo impulso depois da crise de
1929, através de simples vales, como os marcos de compensação
alemães. Já se pensou, mesmo, em criar clearings plurilaterais
sôbre a base de vales transmissíveis entre os dois países. São evi-
dentemente regressões temporárias, devidas ao desequilíbrio da
economia mundial, provocado por acontecimentos de origem po-
lítica.
CAPÍTULO II

MOEDA METÁLICA

$ 1.º — Ouro e Prata

O ouro e a prata não foram os únicos metais utilizados para


fins monetários. O ferro e o cobre também o foram, mas, com o
correr do tempo, êsses metais foram descobertos e produzidos
em grandes quantidades, perdendo a raridade relativa, indispen-
sável à sua utilização como moeda.
Conquanto a produção anual do ouro e da prata seja hoje
enorme, em comparação com a dos séculos anteriores, ela é ainda
muito pequena em relação à do ferro, chumbo, cobre, estanho
ou zinco."
É a produção anual relativamente pequena do ouro e da
prata, em relação ao estoque mundial preexistente, que constitui
a condição éssencial à relativa estabilidade de seu valor, indis-
pensável à função monetária.
Raridade demasiada ou oscilações violentas de produção
tornam o metal imprestável para a função de moeda. É o caso
da platina. A platina é também metal precioso. Ela serviu de
meio de troca na Rússia, durante uma parte do século passado, e,
quando o Banco de Estado da União das Repúblicas Soviéticas

13. Produção anual em toneladas (F.


Taussig — Ob. cit. pág. 283):
1900 1930
Ferro fundido ............ccccccc re. 41.000.000 80.500.000
Chumbo ........ciccccicci crer 860.000 1.700.000
Cobre .....cccctererearercerrareneera 486.000 1.600.000
Zinco ..cccccccecearrerercrerare
crus 471.000 1.400.000
Estanho 85.000 176.000
Alumínio 7.800 226.000
Níquel .... 7.500 54.000
Prata 5.650 7.500
Ouro 388 591
42 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

foi encarregado, por decreto de outubro de 1922, de garantir a


circulação monetária, com uma reserva de 25% de metais pre-
ciosos e de cambiais sôbre praças estrangeiras, o Govêrno russo,
para não se dirigir ao mercado de ouro em Londres, resolveu
constituir um estoque de platina. De 1924 a 1926, êsse estoque
de platina aumentou muito mais do que a reserva de ouro. Em
1926, porém, o Banco de Estado reconheceu que a platina não
preenche as condições necessárias para garantir uma circulação,
não só porque, não sendo moeda internacional, não pode servir
de regulador nas trocas com o estrangeiro, como por ser sua
produção sujeita a flutuações violentas. À sua raridade é tal,
que a descoberta de uma nova mina pode provocar forte varia-
ção de seu valor. Durante o ano de 1927, em virtude do grande
aumento de produção na Colômbia e na África do Sul e das ven-
das da Rússia, o preço da onça de platina, expresso em dólares,
em Nova York, baixou de cêrca de 30%. E o Banco da Rússia
começou a vender platina, no mercado mundial, a preços cada
vez mais baixos.

8 2.º — A Produção de Ouro


O ouro provinha, primitivamente, da exploração de areias
auríferas, ouro de aluvião. Ainda hoje continua êste método de
produção a ser utilizado na Califórnia, na Austrália, na Rússia e
em nosso país. O ouro de aluvião nada mais é do que o minério
de ouro submetido à ação das águas e por elas mecânicamente
carreado e acumulado nas inflexões dos cursos dos rios. Até o
último quartel do século XIX, quase tôda a produção do ouro
era de origem aluvial.
A quantidade de ouro extraída desde o fim do século XV
até 1850 é insignificante em relação à produção obtida de então
por diante. A descoberta do ouro da Califórnia, em 1848, e da
Austrália, em 1850, dá novo impulso à produção, que passa de
uma média anual de 55 toneladas, no período de 1840-1850, a
200 toneladas, em 1856-1860. Como, porém, a maior parte da
produção ainda é de ouro aluvial, e, portanto, sujeita à irregu-
laridade da descoberta de novas areias auríferas, a média cai a
155 toneladas, no período de 1881-1885.
Na última década do século XIX a mutação é radical. Des-
cobrem-se as minas do Rand, no Transvaal, em uma área de
MOEDA METÁLICA 43

cêrca de 80 quilômetros de extensão por alguns quilômetros de


largura em tôrno da cidade de Johannesburgo. À produção do
Rand é hoje de mais de metade da produção mundial. O Rand é
um fenômeno único, que talvez não se reproduza. Com exceção
do hiato de 1899 a 1902, causado pela Guerra dos Boers, a pro-
dução do Rand subiu quase ininterruptamente até 1930.
A par da descoberta do Rand, aparece o aperfeiçoamento
técnico dos métodos de produção industrial do ouro, que atinge
hoje no Transvaal a alto grau de perfeição.
O produto é obtido e atacado por uma solução de cianu-
reto, e, em seguida, passado sôbre mesas cobertas de veludo,
que retêm as parcelas do metal. À substituição do processo do
cianureto ao processo anterior do amálgama muito contribuiu
para a grande produção do Transvaal.
A indústria da mineração do ouro tem um aspecto peculiar,
porque o seu preço de venda nos países de padrão-ouro é, por
definição, constante. Nos períodos de depressão, as companhias
de mineração tiram proveito da baixa de preço das matérias-
“primas e materiais de que se utilizam, como carvão, explosivos,
ferramentas, etc., e, na medida em que o custo da vida segue a
tendência geral de baixa, elas podem também diminuir os sa-
lários. Já Stuart Mill tinha notado que, nas fases de depressão,
baixa o custo de produção do ouro, enquanto seu preço de ven-
da permanece constante, de sorte que, ao contrário do que acon-
tece com as outras emprêsas, as de mineração do ouro se bene-
ficiam da depressão.
O inverso se verifica nas épocas de prosperidade. Os custos
de produção, por fôrça da alta geral dos preços, aumentam na
mesma proporção que os de qualquer outra indústria, ao passo
que os preços de venda, por uma exceção única, ficam inva-
riáveis.
Durante a primeira guerra mundial, a Inglaterra, recusando-
-se a admitir que sua moeda se havia depreciado, no temor de
alarmar a opinião, decretou o monopólio da compra do ouro,
em favor do Banco de Inglaterra, reservando para êsse Banco
todo o metal produzido no Império. O ouro do Rand era pago
ao mesmo preço, em libras esterlinas de poder de compra redu-
zido, enquanto subia considerâvelmente o custo de produção
As emprêsas estiveram próximas da ruína.
44 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

$ 3.º — A Procura do Ouro para Fins Não-Monetários


Nem todo o ouro extraído é disponível para fins monetários.
Uma parte é usada nas artes, na manufatura de jóias, anéis,
relógios, correntes, óculos, dentes, etc. Outra parte é exportada
para a Índia, a China e o Egito, onde é transformada em jóias
ou, mais geralmente, entesourada em barra. À procura de ouro
para fins não-monetários representa perto de 50% da produção
mundial.
O consumo industrial não tem crescido na proporção do
aumento de produção. As oscilações dêsse consumo acompa-
nham, de certo modo, os ciclos de prosperidade e depressão.
Avalia-se que o consumo industrial é de cêrca de 25% da pro-
dução anual.
À procura de ouro na Índia para entesouramento, prâtica-
mente dobrou de 1840 a 1930. A Índia já mereceu, mesmo, o
epíteto de túmulo dos metais preciosos. Não só os rajás con-
servam grandes tesouros, como a gente do campo, na Índia, mos-
tra especial predileção por pequenas barras de ouro polido, do
pêso de 10 onças, importadas de Londres para êste fim.
A amplitudede variações da procura do ouro para ente-
souramento é muito maior do que para fins monetários ou in-
dustriais; depende das condições da renda nacional no Extremo-
“Oriente, e varia, naturalmente, com os resultados das colheitas
e com o preço do ouro.
O fato importante a considerar é o da possibilidade, em
determinadas circunstâncias, de transferência de ouro do Ex-
tremo-Oriente para os mercados ocidentais, ou vice-versa, afe-
tando as quantidades disponíveis para fins monetários.
Grandes têm sido, por vêzes, os afluxos de ouro vindos de
Londres, de Nova York ou da África do Sul para o Extremo-
“Oriente. A partir de 1923, tendo a Inglaterra permitido a ex-
portação direta do ouro da África do Sul, intensificou-se o mo-
vimento de ouro, diretamente do Rand para a Índia. Em 1924,
a Índia recebeu mais de metade da produção mundial do ouro.
Em 1931, quando a Grã-Bretanha abandonou o padrão-ouro,
o preço do metal, expresso em libras esterlinas-papel, subiu na
proporção da depreciação da libra, dando lugar a um movimento
de desentesouramento do ouro. Os hindus, contrâriamente a seus
hábitos, mandaram para a Inglaterra boa parte de suas reservas
MOEDA METÁLICA 45

de metal amarelo. À moeda hindu é a rupia, moeda de prata,


cujo valor é, entretanto, ligado ao da libra esterlina, por uma
relação fixa de câmbio; tendo subido o preço do ouro em Lon-
dres, o número de libras e, portanto, de rupias, que se obtinha
contra um determinado pêso de ouro, aumentou considerâvel-
mente. De fins de setembro de 1931 a janeiro de 1932, a Índia
exportou cêrca de 30 milhões de libras-ouro, o que representa
mais de um têrço da produção anual de ouro nesse período.
Essa mobilização do ouro em virtude da queda da libra não
se limitou ao ouro da Índia; estendeu-se a outros países, pro-
vocando a fundição de objetos e de jóias.
O Comitê do Ouro da Sociedade das Nações desacertou,
por consegiiência, ao afirmar que nunca haveria um movimento
apreciável das reservas não-monetárias de ouro para as reser-
vas monetárias.

8 4.º — Ouro Monetário


O ouro monetário pode consistir em moeda batida, para
circulação ou, simplesmente, em barra para a reserva de bancos
centrais, destinada a garantir a conversibilidade de suas notas
ou depósitos.
O ouro, como a prata, possui tôdas as qualidades de metal
monetário: durabilidade, maleabilidade, divisibilidade, beleza,
imunidade prática à corrosão, grande valor em relação ao vo-
lume e raridade, sem ser excessiva. Tem apenas um ponto fraco:
dureza insuficiente; o ouro e a prata em estado de pureza são
moles demais para resistir ao desgaste. Daí serem êles sempre
reforçados por uma aliagem, uma pequena percentagem de ou-
tro metal, geralmente o cobre, que supre a dureza necessária.
Tôdas as definições de moedas de padrão-ouro referem-se ao
grau de aliagem: em França, ouro de 900/1.000 de fino; na
Inglaterra, ouro de 11/12 de fino, etc.
Pode-se dizer que o uso do ouro como moeda corrente de-
sapareceu do mundo ocidental em 1914. A moeda-ouro, com a
efígie do soberano ou as armas da República, em circulação
usual, é uma reminiscência do passado.
Quando há moeda metálica ou quando o sistema monetá-
rio é baseado num padrão metálico, estabelece-se uma relação
fixa entre a unidade monetária e o metal-padrão. O caso mais
46 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

geral e mais importante tem sido o do padrão-ouro, em que a


relação fixa é entre a unidade monetária e o ouro. Em outras
palavras, o valor do ouro expresso em moeda de conta, libras,
dólares ou francos, é fixo. No período do padrão-ouro genera-
lizado (1873-1914), o preço legal do ouro de 11/12 era, na In-
glaterra, de £ 3-17-10 1% por onça de pêso. Em França, eram
3.447,74 francos por quilo de ouro de 900/1.000 de fino.
Com base nessa noção da relação fixa entre o ouro e a
unidade monetária, dizia-se vulgarmente que o valor do ouro
era invariável. Com o hábito de apreciar o valor de tôdas as coi-
sas em têrmos de unidades monetárias, concluía-se que o valor
do ouro, sendo sempre igual ao de certo número dessas unida-
des, era constante. Mas o valor do ouro, como o das unidades
monetárias, reside em seu poder de compra de mercadorias e
serviços, que é indicado pelo índice geral de preços, de sorte
que o valor do ouro é expresso por êsse índice, e varia com êle.
O fato de que o valor do ouro é igual ao de determinado número
de unidades monetárias não quer dizer que o valor do ouro é
estável, e sim que o valor do ouro e o dessas unidades mone-
tárias variam conjuntamente.
Durante o século XIX, tendo-se generalizado o padrão-
-ouro, a quantidade de metal anualmente adicionada ao estoque
mundial exercia influência apreciável sôbre a quantidade de
moeda disponível e, portanto, sôbre os preços. Assim é que os
índices gerais de preços subiram no período de 1850 a 1873,
para declinar de 1873 a 1895 e de novo subir a partir de 1896,
com a produção das minas do Rand, até 1914, em correlação
com o aumento do estoque de ouro monetário, que foi de 4,0, 1,6
e 3,7%, e por ano, naqueles três períodos, respectivamente.
Ocorre, pois, desde logo, perguntar se um sistema monetário
que dá lugar às oscilações de preços que se verificaram naque-
les períodos, especialmente na depressão do período de 1873-
-1895, não é eivado de vício inerente.
De 1914 em diante foi-se operando uma transferência, em
grande escala, de ouro monetário, do público e das caixas dos
bancos particulares, para os cofres dos bancos centrais e dos te-

14. A depressão nesse período é, por outros, atribuída à crise agrícola na


Europa, agravada pela concorrência das exportações dos países da América,
de preferência à escassez do ouro resultante da adoção generalizada do padrão-
-ouro nesse período.
MOEDA METÁLICA 47

souros nacionais, como se vê do quadro seguinte,” expresso em


milhões de dólares:

Anos Nos bancos cen- Em circulação e Total


trais e tesouros em outras bancos
1913 ......... 10.905 3.818 8.629
1930 ......... 4.811 641 11.546

Durante êsses 17 anos, os bancos centrais e os tesouros


absorveram uma proporção considerável do ouro em circulação
e nos outros bancos, além de cêrca de 55% do ouro da pro-
dução anual, sendo o restante aplicado às indústrias ou ente-
sourado no Extremo-Oriente.
Partida dos geólogos ou dos economistas, apresenta-se, pe-
riôdicamente, o espectro da penúria de ouro, com o receio de
que os veios auríferos se esgotem rápidamente e de que as no-
vas prospecções sejam infrutíferas. Nas vésperas da descoberta
do Rand, o geólogo austríaco Suess declarava não acreditar na
existência de novas minas de ouro. Em 1881, na Conferência
Monetária Internacional de Paris, Luzzatti falava da penúria de
ouro, como sendo uma séria ameaça; em 1905, Leroy Beau-
lieu dizia que dentro de 15 anos as reservas do Transvaal esta-
riam praticamente esgotadas. Na Conferência de Gênova, de
1922, depois da guerra passada, foi recomendada a volta ao
padrão-ouro, não na base de reservas dos bancos centrais, to-
talmente de ouro, como até então, e sim na de reservas cons-
tituídas, em parte, por divisas ou cambiais sôbre os países de
padrão-ouro. É o sistema chamado do Gold Exchange Standard,
que foi, de fato, adotado por bom número de países. À fim de
aumentar a proteção das reservas-ouro dos bancos centrais,
foi, na maioria dos países, adotado também o sistema do Gold
Bullion Standard (já recomendado por Ricardo), em que a con-
versibilidade só é admitida em quantia mínima bastante elevada,
de 1.700 libras na Inglaterra, 215.000 francos na França, etc.
Malgrado essas providências, o Comitê do Ouro da Liga das Na-
ções dizia, em seu relatório provisório de 1930, que a penúria
de ouro era matéria a ser urgentemente considerada. No rela-
tório definitivo de 1932 foi retificada essa opinião.
15. Goro, em “Encyclopaedia of Social Sciences”, pág. 692.
48 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O sistema do Gold Exchange Standard, em que um mesmo


ouro depositado em um Banco Central garante, a um tempo, a
conversibilidade da moeda do país e as cambiais dos bancos
centrais estrangeiros, não oferece, evidentemente, grande segu-
rança, e em 1931, quando a Inglaterra abandonou o padrão-
-ouro, espalhou-se a desconfiança no sistema, e todos os bancos
centrais procuraram transformar suas cambiais em ouro real.
O ouro só é atualmente utilizado para o pagamento dos
saldos de contas entre países, isto é, para as reservas que cada
país deve guardar, a fim de satisfazer o pagamento de seus sal-
dos de contas, da mesma forma que qualquer boa emprêsa guar-
da um fundo de reserva, ou qualquer indivíduo, uma provisão,
para casos de emergência.
O ouro passa então a constituir o fundo de compensação
dos balanços de pagamentos.
Êsse fundo de compensação deve ser suficiente, em cada
país, para suprir as diferenças normais, que razoâvelmente se po-
dem esperar, nos balanços de pagamentos."

8 5.º — Prata
Há grande diferença entre o ouro e a prata. É que a prata
é extraída, na proporção de 60 a 70%, juntamente com o co-
bre, o chumbo, o zinco, o cobalto, o estanho e mesmo o ouro.
Esta é a sua tara original. Ela passou à categoria de subproduto,
cuja produção fica na dependência da procura e da produção
de outros metais inferiores, mais do que dos movimentos de seu
próprio preço.
Em outras palavras, não existe uma ação constante dos
preços sôbre a oferta, podendo até a produção da prata dimi-
nuir quando seu preço se eleva.
Os principais países produtores têm sido o México, os Es-
tados Unidos e, em menor escala, o Canadá, a Austrália e outros.
A prata é, portanto, um metal americano. O México é o
único país em que a prata é objeto de extração especial; nos
demais, a prata é um subproduto da mineração de outros me-
tais industriais.

16. O “Fundo Monetário Internacional”, criado pelo Acôrdo de Bretton


Woods em 1944, tem exatamente por fim suplementar as reservas nacionais
de cada país para compensação de deficits do balanço de pagamentos.
MOEDA METÁLICA 49

Como para o ouro, a técnica da produção da prata pro-


grediu considerâvelmente durante o século XIX: o emprêgo do
amálgama de zinco data de 1852 e, a partir de 1900, o cianu-
reto passa a ser utilizado como para o tratamento do ouro.
À procura da prata, como a do ouro, divide-se em pro-
cura monetária, industrial e do Extremo-Oriente.
O Extremo-Oriente absorvia, no princípio dêste século, de
um têrço à metade da produção mundial da prata.
À procura industrial da prata vem, principalmente, da ouri-
vesaria e da fotografia. Para o primeiro dêsses fins, ela tende a
declinar, sendo substituída por ligas de outros metais; para a
fotografia e, sobretudo, para a indústria cinematográfica, utili-
zam-se, ao contrário, quantidades cada vez maiores de prata.

8 6.º — Prata Monetária

Como moeda, a prata foi usada, continuadamente, durante


séculos. Ela constituiu a moeda corrente na Europa desde os
fins da Idade Média até a segunda metade do século XIX.
Na Idade Média, quando o mundo era mais pobre e o po-
der de compra da prata muito mais elevado do que o de hoje,
a maior moeda usada na Inglaterra era o penny de prata, de 22
grãos e meio (do tamanho aproximado do de uma moeda de
10 centavos). Com a depreciação subsequente da prata e o au-
mento geral da riqueza, já não podia ela atender a tôdas as. ne-
cessidades da circulação monetária.
Na Inglaterra, o uso monetário da prata decai em fins do
século XVIII, e em 1816 o Coinage Act suspende a sua livre
cunhagem. Mas, na França, onde a população se havia habitua-
do à prata e manifestava certa desconfiança pelo ouro, funcio-
nou o bimetalismo. Em 1847, a Holanda estabelece o padrão
único de prata. A Bélgica conserva a circulação da sua moeda
de prata, apesar de reconhecer poder liberatório às moedas de
ouro dos outros países. À Suíça, a Itália e a Áustria adotam, co-
mo a França, o bimetalismo. A Espanha fica fiel à prata até os
nossos dias.
Em meados do século passado, sômente a Inglaterra, Por-
tugal, Brasil e Uruguai tinham padrão-ouro.
As importantes descobertas de ouro em meados do século
XIX tornaram o ouro mais abundante e perturbaram a relação
50 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

legal então vigente entre a prata e o ouro. À prata tendia a desa-


parecer da circulação, como metal mais valioso que era.
Os desequilíbrios entre o ouro e a prata tomaram caráter
grave depois de 1870. Aproveitando-se da enorme indenização
de guerra paga pela França, a Alemanha decide, em 1873, uni-
ficar sua moeda e seguir o exemplo da Inglaterra, adotando o
padrão único de ouro, vendendo a sua prata.
A França, inundada com a prata que afluía das novas mi-
nas e da que era desamoedada, suspende em 1873 a cunhagem
livre de prata e, portanto, a relação legal entre prata e ouro.
A Bélgica, a Suíça, a Itália e a Grécia, que, com a França, ha-
viam formado a União Latina, com uma moeda decimal ba-
seada no franco, abandonam igualmente a prata.
Em 1873, a Holanda suspende a cunhagem da prata e,
em 1875, adota o ouro. Em 1876, a relação de valor entre a
prata e o ouro passa de 17 a cêrca de 20. Os Países Escandi-
navos, a Áustria, a Rússia e países da América do Sul aban-
donam a prata, uns para adotar o ouro, outros o regime do papel-
-moeda. Acontece ainda que nos Estados Unidos, onde a prata
passou por muitas vicissitudes, se abandona a cunhagem de pra-
ta, também em 1873.
Essa evolução se completa em 1893, quando a Índia, não
podendo mais conter o enorme afluxo de prata à sua Casa da
Moeda, suspende a cunhagem livre de prata.
A prata, que durante séculos fôra a moeda que circulava
no mundo, perdeu o seu lugar. À causa fundamental foram as
variações sobrevindas na produção do ouro e da prata. À prin-
cípio, as grandes descobertas de ouro, em meados do século
XIX, deslocaram a prata da circulação como o melhor dos dois
metais, e, mais tarde, a perspectiva de aumento de produção
da prata e a generalização do padrão-ouro provocaram sua des-
valorização e seu abandono como moeda.
A não ser como moeda divisionária, a prata só é hoje uti-
lizada como moeda na China, Hong-Kong, Macau e Mand-
chúria.
Um metal cuja produção está na dependência da de outros
metais inferiores e cuja cotação passa de 89 d. em 1920 para
I2 d. em 193] não pode servir como padrão de moeda e fator
-de estabilidade.
MOEDA METÁLICA 51

O Coinage Act de 1816 na Inglaterra marca o início do uso


da prata como moeda divisionária, moeda secundária ou moeda
de trôco, com uma quantidade de metal expressamente inferior
a seu valor nominal, O curso legal dessa moeda divisionária de
prata ficou limitado a 40 shillings. Ninguém é obrigado a receber
prata, em pagamento, por uma quantia maior.
O uso da moeda divisionária estendeu-se da Inglaterra ao
mundo inteiro e aplicou-se a outros metais, como o níquel e o
cobre. O metal é preferível ao papel para as moedas de pequeno
valor porque é mais durável e mais econômico, sendo também
mais fácil reconhecer seu valor pelo tamanho da moeda e por
simples tato.
De seu antigo pedestal, passou assim a prata, com raras ex-
ceções, a ser sômente utilizada como moeda divisionária.

8 7.º — Bimetalismo
Vimos como o ouro e a prata podem circular e têm cir-
culado paralelamente. É evidente a necessidade de estabelecer-
-se uma relação determinada entre certo pêso de ouro e o pêso
equivalente de prata. Na França e na União Latina, que funcio-
nou até 1873, essa relação era de 1 para 154. Mas essa relação,
como qualquer outra, é forçosamente arbitrária, porque a na-
tureza não se compromete a produzir sempre 154 gramas de
prata ao mesmo custo que o de uma grama de ouro. À abertura
de novas minas ou o melhoramento dos processos de extração
de um ou de outro metal tendem a alterar a relação.
Desde que a relação de valor legal entre os dois metais,
em um país, difere dessa mesma relação, em outro país, o metal
mais valorizado nesse outro emigra forçosamente do primeiro
para o segundo. Em 1792 os Estados Unidos estabeleceram a
relação legal de 15:1; em 1803 a França estabeleceu 15,5:1.
O ouro passou a emigrar dos Estados Unidos para a França e
para outros países onde se trocava por 15,5 em vez de 15 de
prata.
Se houvesse um acôrdo geral e internacional para a fixação
da mesma relação legal, estaria afastada a maior dificuldade do
padrão bimetálico, pois que ninguém venderia um ou outro me-
tal por preço inferior ao preço oficial. A dificuldade está em
realizar tal acôrdo entre nações produtoras de prata ou com es-
52 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

toques monetários de prata e nações que não têm interêsse na


prata.
Havendo divergência entre as relações legais, nos vários
países, a moeda cujo valor se eleva, relativamente ao da sua
competidora, sem que obtenha o reconhecimento legal dessa
elevação, emigra e vai desaparecendo da circulação, cedendo o
lugar à moeda inferior.
A Sir Thomas Gresham, conselheiro financista da Rainha
Elizabeth, da Inglaterra, é atribuída a paternidade desta propo-
sição:
“Quando duas moedas, ligadas por uma relação legal de
valor, circulam ao mesmo tempo dentro de um país, aquela que
é considerada como a melhor das duas tende a desaparecer”.
O que também se exprime, menos precisamente, pela pro-
posição de que “A moeda má expele a boa”.
Isto é quase um truísmo: o devedor, podendo escolher, para
o pagamento a seu credor, entre duas moedas de mesmo poder
liberatório, serve-se da que lhe parece ter menos valor e guarda
a outra, de sorte que esta outra deixa, pouco a pouco, de cir-
cular, passando a ser entesourada, vendida a pêso ou exportada.
Tivemos, entre nós, um exemplo ainda recente, com as no-
tas das extintas Caixas de Conversão e de Estabilização; essas
notas, que legalmente representavam ouro depositado nas Cai-
xas, foram entesouradas e desapareceram da circulação.
O Estado pode, aliás, intervir para evitar que a boa moeda
seja expelida, procedendo êle próprio à exclusão da moeda des-
valorizada ou que tenha perdido o predicado de certa estabili-
dade de valor.
Foi assim que, a partir de 1873, os Estados da Europa, bem
como os Estados Unidos, abandonaram a prata e decretaram o
padrão monometálico ouro. Outras vêzes o Estado, ou mesmo o
público, com a sanção posterior do Estado, altera a relação legal
entre os dois metais. Foi o que aconteceu com o guinéu de ouro
inglês, moeda criada na Inglaterra em 1673. Em princípios do
século XVIII, o guinéu deveria, pelo mecanismo explicado,
ter sido expelido da circulação, mas como era uma moeda
muito procurada por sua comodidade para efetuar grandes pa-
gamentos, permaneceu na circulação por fôrça do consenso pú-
blico, que passou a dar-lhe o valor de 21 shillings, em vez de 20.
MOEDA METÁLICA 58

Marshall observa” que o bimetalismo nada mais era, de


fato, do que um monometalismo alternado, em que ora predo-
minava um, ora outro metal, e propôs um sistema em que as
notas seriam conversíveis em ouro e prata conjuntamente, como
se fôsse um metal composto em valor, metade de ouro e metade
de prata, sendo a relação de equivalência entre os dois metais
(I para 20, por exemplo) determinada uma vez por tôdas. À isso
se denominou de Simetalismo.

17. MARSHALL — “Money, Credit & Commerce”, págs. 62 e 65.


CaríTULO IV

MOEDA FIDUCIÁRIA, CONVERSÍVEL,


INCONVERSÍVEL E BANCÁRIA

$ 1.º — Nota de Banco ou Moeda-Papel

Em Londres, na Idade Média, era aos ourives que parti-


culares e negociantes confiavam a guarda de dinheiros e valores,
mediante recibo, e era a êsses ourives que geralmente recorriam
quando precisavam de empréstimo.
No século XVII, o Long Parliament decide aceitar os reci-
bos, emitidos pelos ourives, em pagamento dos impostos. Fun-
dado no fim do século o Banco de Inglaterra, os seus recibos
de moeda em custódia tornam-se gradativamente transmissíveis
por endôsso e até pagáveis ao portador. Pouco a pouco, ourives
e banqueiros foram se apercebendo de que seus recibos passa-
vam muitas vêzes de mão em mão, sem que lhes fôssem apre-
sentados para troca por metal. E assim compreenderam que po-
deriam, dentro de certos limites, emitir outros recibos, indepen-
dentemente do depósito de metal e dêles se servir para conceder
empréstimos a À, Be €, sem que daí lhes adviessem dificulda-
des ou aperturas.
Enquanto os banqueiros se limitavam a receber moeda me-
tálica ou barras de metal pertencentes a À, mediante recibo, não
havia criação ou emissão de moeda pelo banco. Apenas o re-
cibo podia circular em lugar do metal, por uma questão de co-
modidade. O recibo era representativo do metal. O banco só
passa a ser emissor quando põe em circulação recibos ou no-
tas, independentemente de depósito de metal, isto é, quando
passa a emitir e entregar notas, sem que, para essas novas notas,
tivesse havido depósito correspondente de metal.
Foi assim que se descobriu o processo engenhoso da emis-
são de moeda fiduciária, que é hoje, prâticamente, a única moe-
56 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

da utilizada nas transações. Os primitivos recibos, relativos à


moeda metálica, de fato depositada à razão de 100% de seu
valor, nada tinham ainda de fiduciário. Eram moeda repre-
sentativa, como ainda hoje são os certificados de ouro emitidos
pelo Tesouro dos Estados Unidos. Desde, porém, que as notas
são emitidas por quantias maiores do que o ouro em depósito
correspondente, aparece a questão da confiança na conversibi-
lidade prometida pelo banco, e a moeda é fiduciária.
Vejamos como se apresenta o balanço do banco em um e
em outro caso. Enquanto o banqueiro se limitava a receber moe-
da metálica de À e a emprestá-la a B, o seu balanço (deixando
de lado, para maior simplicidade, o seu capital) assim se ex-
pressava:
Devido a A: Crg 10.000,00.
Emprestado a B: Crg 10.000,00.
Mas, quando o banqueiro induz B a receber por emprés-
timo, não mais o metal, e sim as notas de sua emissão, o seu
balanço passa a ser:

Passivo Cr$
Devidoa À ............... 10.000,00
Notas em circulação ........ 10.000,00

Total .....cccc...... 20.000,00

Ativo Cr$
Dinheiro em caixa .......... 10.000,00
Empréstimo a B........... 10.000,00

Total ...ccccccsro. 20.000,00

Tendo B recebido o seu empréstimo em notas, o dinheiro


metálico originâriamente depositado por À ficou em mãos do
banqueiro, e o empréstimo concedido a B foi feito em moeda fi-
duciária, conversível em metal, quando assim o exigisse o por-
tador.
Diz-se que essas notas, constituindo uma promessa de pa-
gamento de metal feita pelo banco, representam um emprés-
timo feito por B ao banco, de sorte que B e o banco se tornam
MOEDA FIDUCIÁRIA 57

reciprocamente devedor e credor. A idéia é de que B, tendo


recebido o empréstimo sob a forma de notas, também empres-
tou Cr$ 10.000,00 ao banco, por todo o tempo em que deixa
de exigir a troca das notas por moeda metálica. Na verdade,
porém, só há uma e não duas operações de crédito: a do ban-
queiro que emprestou a moeda. O tomador do empréstimo
nada emprestou ao banco. Unicamente recebeu moeda fiduciária
em vez de moeda metálica. Houve mudança de forma monetária,
mas não empréstimo. O tomador do empréstimo apenas con-
fiou no banco, aceitando como boa sua moeda fiduciária, mas
isso não importa em crédito. Crédito do tomador do emprés-
timo ao banco só passaria a haver se êle depositasse sua moeda
no banco.
Em virtude da emissão de notas feita pelo banco, a quan-
tidade de moeda em circulação foi aumentada de Cr$ 10.000,00,
sem que houvesse necessidade de metal, e êsses Crê 10.000,00
vão permitir a B negociar, fabricar mercadorias ou iniciar qual-
quer empreendimento, como se dispusesse de moeda metálica
de valor intrínseco.
Essas notas de banco, conversíveis em metal à vontade do
portador, não têm ainda, e não terão durante muito tempo,
curso legal; o seu valor decorre de sua aceitação geral e da con-
fiança no banco. Se o banco vai à falência, a nota pode perder
o seu valor nominal, e só dar ao portador um direito sôbre o
ativo do banco. O caso é análogo ao de um warrant correspon-
dente a mercadorias depositadas em um, armazém geral; o war-
rant circula como as notas e é conversível nas mercadorias, à
vontade do portador. Se o armazém vende ou perde as merca-
dorias, o portador do warrant tem direito a haver na falência
do armazém. Mas isso não quer dizer que êle tivesse dado cré-
dito ao armazém. Éle lhe deu sômente confiança, e crédito não
é sômente confiança.
Diz-se que as notas têm curso legal, quando o credor é obri-
gado, por lei, a aceitá-las em pagamento. Diz-se que elas têm
curso livre, quando circulam com aceitação geral, mas o credor
não é obrigado, por lei, a aceitá-las em pagamento. Chama-se
curso forçado ao curso legal, quando o portador não tem o di-
reito de exigir reembôlso em metal; trata-se, então, de papel-
-moeda inconversível.
58 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

As notas de banco podem ter ou não ter curso legal, As


notas emitidas pelo Banco de Inglaterra circularam durante sé-
culos como moeda corrente na Inglaterra, sem que tivessem
curso legal. Êste só lhes foi concedido em 1833, mas, até à pro-
mulgação do Gold Standard Act, de 1925, o curso legal era
condicionado ao fato de o Banco de Inglaterra continuar a pa-
gar efetivamente suas notas em moeda metálica legal e à vista.
As notas de banco trazem sempre uma assinatura manus-
crita, como garantia de sua autenticidade. A aceitação e a cir-
culação generalizada da nota de banco, em substituição ao me-
tal, são o produto de uma longa evolução. Ainda durante a pri-
meira metade do século passado, a circulação das notas de banco,
na Europa continental, era relativamente pequena. Uma sim-
ples modificação na vinheta das notas do Banco de França, em
1863, foi suficiente para abalar a confiança do público e preju-
dicar a sua circulação.
Pouco a pouco, porém, generaliza-se o uso da nota de banco,
que é até por vêzes aceita de preferência à moeda metálica, por
motivo de comodidade. Em nosso país, nos últimos anos do re-
gime imperial, dava-se, fregiientemente, preferência à moeda-
“papel sôbre a moeda-ouro. Para as pequenas denominações,
moeda divisionária ou moeda de trôco chamada, o metal, cobre,
níquel ou prata, é de uso mais cômodo e mesmo mais econômico.
Para as médias, e, sobretudo, para as grandes denominações, po-
rém, o uso das notas é muito mais cômodo e mais econômico do
que o do metal.
O uso de metais preciosos como instrumento usual de troca
representa um capital apreciável. O papel é fácil de transportar
e de contar. Seu uso, como dizia Adam Smith, libera os metais,
que podem ser exportados, em troca de um aparelhamento eco-
nômico capaz de aumentar a renda nacional. Ricardo propunha
substituir tôda a moeda metálica em circulação por moeda-papel,
conservando-se o metal nos bancos, sob forma de barras, para
garantia da conversibilidade das notas e para os pagamentos ao
estrangeiro..O grande economista estabelecia assim o princípio
do Gold Bullion Standard.
A nota de banco garantida por certa percentagem de metal
em depósito permite dar à moeda em circulação o precioso pre-
dicado da elasticidade, isto é, da expansão ou retração, de acôrdo
com as necessidades da produção e dos negócios.
MOEDA FIDUCIÁRIA 59

O perigo da emissão excessiva, resultante dessa elasticida-


de, veio dar lugar, no curso de um longo processo evolutivo, à
tendência de restringir o direito de emissão de notas, em cada
país, a uma só instituição, de caráter nacional, operando em
estreita ligação com o Govêrno: o Banco Central.

$ 2.º — Papel-Moeda

Insensivelmente, passa-se da moeda-papel, conversível em


metal, ao papel-moeda, isto é, à nota inconversível, cujo poder
liberatório emana de sua aceitação geral e da disposição legal
que lhe dá curso forçado.
Às vêzes, os bancos se encontravam, por circunstâncias ad-
versas ou por imprudência, na impossibilidade de satisfazer à
conversão das notas em moeda metálica e, em falta de outro
meio circulante, fôrça era conceder-lhes curso legal. Outras vê-
zes, os governos em aperturas lançavam mão do encaixe metá-
lico. Outras ainda, para promover inflação e aumento de pre-
ços, como estímulo à atividade econômica em tempos de depres-
são, emitiam-se notas inconversíveis.
O caso mais geral era o da emissão para atender à situação
crítica das finanças do Estado, sobretudo em tempo de guerra.
O papel-moeda foi, por vêzes, emitido por antecipação da co-
leta futura de impostos, mas, na prática, os impostos eram arre-
cadados e as notas correspondentes não eram resgatadas. Quan-
do o Estado, em dificuldades, lançava mão da reserva metálica
do banco emissor, isso repercutia sôbre a confiança do público
na conversibilidade da moeda, e o Govêrno era obrigado a de-
“cretar o curso forçado. A História oferece numerosos exemplos
de emissão de papel-moeda por fôrça das guerras: a Inglaterra,
durante as guerras de Napoleão; os Estados Unidos, na guerra
de Secessão; a França, de 1870 a 1878, etc.
No regime de papel-moeda inconversível, a moeda de conta,
libra, dólar, franco ou cruzeiro, não tem ligação com qualquer
padrão objetivo de metal ou de outra mercadoria. Seu valor
emana de sua aceitação geral e de seu curso legal, ao passo que
o valor da moeda metálica ou conversível, além dêstes dois pre-
dicados, ainda se funda, subsidiariamente, em seu valor intrín-
seco. À experiência tem, como veremos, largamente demonstra-
do, ser perfeitamente dispensável êsse fundamento subsidiário
60 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

do valor intrínseco da moeda, até porque êsse valor baixaria


considerâvelmente se o metal deixasse de ser utilizado para fins
monetários.
Quando circula o papel-moeda, tudo depende da sabedoria
do poder emissor. Diz-se que o papel-moeda não é prejudicial por
si mesmo, mas perigoso pela tentação que oferece a possibili-
dade de se abusar dêle, e von Mises manifesta sua preferência
pela moeda conversível, pelo motivo principal de considerá-la
ao abrigo dos políticos da hora. À isso se pode objetar que, se
os políticos da hora não têm sabedoria para conter as emissões
de papel-moeda, em justa proporção, também não a terão para
manter o regime da conversibilidade. Tudo quanto se pode dizer
é que, no regime da conversibilidade, os governos se arreceiam
da repercussão política e do abalo econômico a que pode dar
lugar a suspensão forçada dessa conversibilidade.
No século XIX, o regime do papel-moeda funcionou per-
feitamente em muitos países, quando os governos não abusa-
vam das emissões. Aí estão os exemplos da Áustria, em 1879,
e da Rússia, em 1893.!º Salvo excessos ou abusos, o papel-
-moeda é uma moeda tão boa como qualquer outra.
Basta que isso se tenha produzido uma única vez para
se poder afirmá-lo. Mas os exemplos são inúmeros. Dentre
os fatos monetários do período posterior à guerra passada, ne-
nhum mais ilustrativo do que a história do rentenmark ale-
mão. Quando, depois da derrocada do marco, foi criada essa
nova moeda em 1923, os metalistas previram sua rápida fa-
lência, escrevendo um conhecido economista francês que “será
- para nós grande surprêsa se o rentenmark auxiliar, por pouco
que seja, a reconstituição da situação monetária da Alema-
nha”. Entretanto, o rentenmark realizou, perfeitamente, o ob-
jetivo para que fôra criado. Éle não se depreciou porque as
grandes fôrças econômicas do Reich, então preponderantes, se
opuseram a que fôssem emitidas quantidades excessivas. Isso
bastou.
Aí está a libra esterlina, inconversível desde 1931 e ser-
vindo de padrão, não só à Inglaterra, mas aos países escandi-
navos, a Portugal e outros. Sem recorrer a exemplos do es-
trangeiro, temos tido no Brasil vários períodos de boa gestão
“ag
18. “Paper-Money”, em “Encyclopaedia of Social Sciences”, pág. 605.
MOEDA FIDUCIÁRIA 61

financeira em que o papel-moeda manteve a estabilidade de


seu valor, tão bem como as moedas conversíveis. É que para
o público, mesmo sob o regime de moeda conversível, uma
nota de Cr$ 100,00 não representa, psicolôgicamente, um de-
terminado pêso de metal ou o uso que dêsse metal possa fazer
o seu possuidor, e sim o conjunto das satisfações diversas que
esta nota de Cr$ 100,00 lhe permitirá obter. “Seria tolice in-
sistir sôbre a necessidade de ser o instrumento de troca feito
de uma substância valiosa e com utilidade própria. Isso seria
tão tolo como insistir em que os bilhetes de teatro fôssem feitos
de chocolate, que se poderia comer, caso a emprêsa teatral ti-
vesse emitido bilhetes demais”.”
O público aprecia a moeda não em função do valor in-
trinseco do metal representado, e sim em função da utilidade
e do valor das mercadorias e serviços que hoje e mais tarde
esta moeda lhe permitirá adquirir.
Não fôsse a utilidade do ouro como fundo de compensação
do balanço de pagamentos, podia o metal amarelo permanecer,
como diz Rist, belo, durável e inalterável, que seu valor não
deixaria, por isso, de cair rápidamente no mercado dos metais,
pois que é limitada a utilização extramonetária do ouro.

8 3.º — Moeda Bancária

A princípio, cada vez que o depositante precisava de


moeda para efetuar um pagamento ia buscá-la ao banco. Na
evolução natural dêsse processo, porém, o depositante A, em
vez de ir ao banco retirar dinheiro para efetuar um pagamento
a B, passa a entregar diretamente a B uma ordem escrita de
pagamento dirigida ao banco. E, se acontece que B é cliente
do mesmo banco, basta que êste debite À e credite B pela im-
portância.
"Não há nesse caso utilização do dinheiro; a dívida é li-
quidada sem uso de moeda metálica ou papel, com o mínimo
de risco e com economia de tempo.
Se o credor B é cliente, não do banco X, e sim de um outro
banco, Y, êle entrega a êste banco Y a ordem de pagamento

19. G. HaLm — “Monetary Theory”, pág. 15.


62 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

ou cheque recebido contra o banco X, e o banco Y, no encontro


de contas com o banco X, torna-se credor dêste último, pelo
respectivo montante.
No jôgo normal das transações, acontece, em regra, que
o banco X, em virtude de um outro negócio, é por sua vez
credor do banco Y, de sorte que, balanceadas as contas, apenas
a diferença ou o saldo dará lugar a um pagamento em dinheiro
entre os dois bancos.
Estas compensações são feitas através de institutos espe-
ciais, chamados câmaras de compensação (clearings).
Com exceção de um pequeno saldo, as transações se efe-
tuam únicamente através dos livros bancários. E como, ainda,
em geral, os bancos X e Y fazem parte de um sistema, cuja
chave de abóbada é o Banco Central, no qual todos os bancos
mantêm conta-corrente, a própria diferença final, ou saldo, é
em regra, liquidada por um simples cheque sôbre o Banco
Central.
Ássim, a moeda bancária só se concretiza nos livros dos
bancos, através de algarismos que passam de um a outro livro
ou de uma a outra coluna. Ésses algarismos são animados
pela vontade das partes, mas não saem dos estabelecimentos
de crédito, onde nascem, circulam e desaparecem.
É a esta espécie de moeda fiduciária que se chama de
moeda escritural ou moeda bancária (bank money).
Ela se transmite por via de cheques ou de ordens de trans-
ferência. Históricamente, a letra de comércio, promessa de
pagar determinada quantia em data certa, serviu de transição
entre a nota de banco e o cheque; no princípio do século XIX,
na Inglaterra, antes que se propagasse o uso do cheque, essas
letras circulavam quase como papel-moeda.
O uso generalizado do cheque nasceu das vicissitudes do
sistema monetário inglês durante a primeira metade do século
passado, desde o início das guerras napoleônicas, e se genera-
lizou depois da promulgação do chamado Ato Peel, de 1844,
que deu ao Banco de Inglaterra o monopólio da emissão de
notas.
De acôrdo com essa lei, o Banco não podia emitir notas
senão na base de 100% de ouro em depósito.
MOEDA FIDUCIÁRIA 68

Isto se passava em uma época de plena expansão da civi-


lização industrial e do comércio inglês, de sorte que a estrita
obediência ao Ato Peel teria exigido uma enorme massa de ouro,
impossível de obter.
A lei tivera em vista evitar os abusos das emissões e a
desordem monetária, que se haviam verificado desde o princí-
pio do século, mas não previra a necessidade de um grande
aumento da quantidade de moeda para a expansão da indús-
tria e do comércio da Inglaterra nesse tempo. Se o Ato Peel
tivesse sido estritamente observado, o progresso industrial e
comercial da Inglaterra teria sofrido os maiores embaraços pela
insuficiência de ouro, como único meio circulante para as
transações.
Por outro lado, os bancos da Província, tendo perdido, em
virtude do Ato de 1844, a faculdade de emissão, viam-se amea-
cados de ter de reduzir, grandemente, seus negócios. Nessa
contingência, êles trataram de substituir a moeda-nota, que não
mais podiam emitir, por uma nova forma de moeda fiduciá-
ria, de que já se vinha fazendo uso desde o início do século, a
moeda bancária.
A extraordinária expansão dessa espécie de moeda deve-se
à sua comodidade.
As notas de banco ou o papel-moeda, sendo títulos ao
portador, podiam ser facilmente roubados, ao passo que o che-
que nominativo só podia ser pago à pessoa nêle indicada.
O cheque oferecia também a comodidade de nêle se poder
inscrever a quantia exata do pagamento, independentemente
de trôco, e de constituir, uma vez pago pelo banco, um recibo
de quitação.
O cheque exige, entretanto, um grau de confiança muito
maior do que a nota de banco. ÁÀ nota tem aceitação genera-
lizada ou curso legal; deve ser obrigatôriamente recebida em
pagamento, ao passo que o valor do cheque é subordinado a
duas condições: a existência do depósito contra o qual êle é
sacado e a solvabilidade do banco. O uso do cheque gene-
ralizou-se graças às condições de uma civilização econômica
adiantada e de um nível de honestidade.
Compreende-se, todavia, que não é possível dar ao che-
que curso legal. Não se pode estabelecer em lei a obrigação
64 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de aceitar em pagamento um pedaço de papel assinado por


uma pessoa desconhecida e consistindo em uma ordem contra
um banco, possivelmente também desconhecido.
A comodidade e facilidade para a liquidação das transa-
ções foram os elementos que contribuíram, decisivamente, para
o desenvolvimento do uso do cheque. Várias foram as medi-
das para tornar seu uso mais seguro: a adoção daquilo que
hoje conhecemos por livro de cheques, em papel especial, com
numeração diferente para cada cliente, de modo a facilitar a
verificação de emanar o cheque do cliente que o assinou; a
faculdade de fazer o cheque nominativo, isto é, pagável sômen-
te a determinada pessoa, cuja identidade se verifica e cuja as-
sinatura fica no recibo; o cheque visado, em que a assinatura
do próprio banco já vem, prêviamente, garantir o seu paga-
mento; o cheque cruzado, cujo pagamento não é exigível em
moeda manual e constitui simples ordem de transferência a cré-
dito da conta do beneficiário, etc.
Essas medidas muito contribuíram para a generalização do
uso do cheque, como a mais cômoda das ordens de pagamento.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a moeda bancária é hoje
utilizada na proporção de cêrca de 90% do total das transações.
Os próprios pagamentos de salários já são feitos por cheque,
ficando o uso da moeda manual restrito às despesas miúdas.
À moeda bancária não é uma nova moeda de conta, com
personalidade própria e independente da moeda manual. Ela
é um simples substituto, tanto assim que é da sua essência
poder ser transformada, em qualquer momento, em moeda
manual.
Importa atentar para o fato de que a moeda bancária con-
siste no depósito de que o indivíduo dispõe em um banco, e
não no cheque. O cheque é apenas uma ordem escrita para
movimentar a moeda bancária, isto é, os depósitos. Quando
contamos a quantidade total de moeda existente em uma co-
munhão, computamos tôda a moeda disponível, e não sômente
aquela com que se estão fazendo pagamentos naquele momento.
Da mesma forma, quando se quer computar a quantidade de
moeda bancária existente, toma-se o volume total dos depó-
sitos, e não sômente aquela parte dos depósitos que está sendo
utilizada no momento por meio de uma ordem escrita deno-
minada cheque.
MOEDA FIDUCIÁRIA 65

$ 4.º —— Meios de Pagamento

Quais são os meios de pagamento de que o Comércio, a


Indústria e os particulares podem lançar mão em determinado
momento?
O encaixe metálico dos bancos centrais ou dos tesouros
nacionais, não estando em circulação, não pode, evidentemente,
ser utilizado pelo público. Tampouco as notas de banco ou
papel-moeda, que constituem o encaixe dos bancos comerciais,
são utilizáveis como meio de pagamento.
Assim, a moeda manual, de que uma comunhão econômica
dispõe para satisfação de suas necessidades, é constituída pelo
total da moeda emitida, seja ela de metal ou de papel, menos
os encaixes bancários, quer dos bancos centrais, quer dos bancos
comerciais. . .
Além dessa moeda, chamada manual, o público dispõe,
ainda, para seus pagamentos, da faculdade de sacar cheques
sôbre seus depósitos bancários. É claro que êsses depósitos ban-
cários sôbre os quais o público pode sacar são os depósitos à
vista e não os depósitos a prazo fixo, porque êstes não são
disponíveis. , .
Dos depósitos à vista, importa ainda excluir os depósitos
de uns bancos em outros bancos, porque não são depósitos dis-
poníveis para as transações do Comércio, da Indústria e do pú-
blico em geral.
Chegamos, dêste modo, à conclusão" de que o total de
theios de pagamento à disposição do público é representado
pelo total da moeda manual (metálica ou de papel), menos os
encaixes bancários de tôda' natureza, mais os depósitos à vista
nos bancos, à disposição do público» )
Esta é a noção quantitativa dos meios de pagamento
“means of payment), noção essencial ao estudo da teoria do
valor da moeda.
Dissemos “à disposição do público”, o que evidentemente
exclui os depósitos do Govêrno; isso pode parecer, à primeira
vista, errado, porque o Govêrno também se utiliza de meios de
pagamento para efetuar despesas. Mas é que, enquanto que
as despesas dos indivíduos e de firmas guardam geralmente uma
correlação apreciável com a quantidade dos meios de paga-
66 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

mento a seu dispor, as despesas do Govêrno não são absoluta-


mente reguladas pelos seus saldos de caixa. Daí a exclusão de
depósitos à disposição do Govêrno e de entidades federais na
definição de “meios de pagamento”.

20. Para o caso do Brasil, vide “Conjuntura Econômica”, março de 1952,


Ppãg. 6, e maio de 1953, pág. 17.
CarfruLo V

CRÉDITO

$ 1.º — Noção de Crédito


' A No
Às transações econômicas podem-se dividir em trêsA grupos:
|) Se a prestação e a contraprestação são contemporâ-
neas no presente, é uma operação à vista.
2) Sea prestação e a contraprestação são contemporâ-
neas no futuro, é uma operação a têrmo.
3) Sea prestação e a contraprestação são separadas por
um intervalo de tempo, é uma operação de crédito.
A operação de crédito pode ser definida como a troca de
bens presentes por bens futuros. Não é, porém, bem exata a
referência a bens futuros, já que os bens da contraprestação
podem existir desde o início. Seria melhor dizer que a opera-
ção consiste em “conceder a disposição efetiva e imediata de
um bem econômico, em vista de uma contraprestação futura”.
A transação se dissocia; a prestação é imediata, e a contra-
prestação fica transferida para data posterior. Graças a esta
forma de transigir, é que se tornam possíveis os negócios para
cuja realização o tempo é condição essencial.
O chefe de uma emprêsa não tem necessidade de economi-
zar pouco a pouco, ano por ano, para aperfeiçoar seu aparelha-
mento. O crédito permite-lhe fazê-lo desde logo. O nego-
ciante não precisa, para poder aproveitar as boas oportunidades
de compra, de acumular reservas, que ficariam talvez muito
tempo improdutivas, antes que tais oportunidades aparecessem,
nem o industrial, para adquirir novas matérias-primas, necessita
esperar que o produto fabricado seja vendido.
O fabricante compra, a crédito, as matérias-primas; o co-
merciante grossista adquire, a crédito, os produtos fabricados;
68 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

o retalhista lança mão, igualmente, do crédito e, às vêzes, até


o próprio consumidor também o faz.
O crédito é um dos caracteres essenciais da economia mo-
derna. Do ponto de vista técnico, a produção é cada vez mais
capitalista. Empregam-se métodos cada vez mais indiretos de
produção, que permitem melhor aproveitamento dos fatôres de
produção. Daí resulta que um intervalo de tempo crescente de-
corre entre o início e a conclusão do processo da produção.
É sômente contra o produto acabado, que o consumidor
paga a mercadoria. Êste pagamento é feito, geralmente, à vista,
mas todo o processo de produção implica necessáriamente no
recurso ao crédito. Porque, ou todos que participaram da pro-
dução esperaram pagamento até que o consumidor tivesse pago
e, nesse caso, concederam crédito, pois que forneceram a pres-
tação sem receber a contraprestação, ou então o crédito foi su-
prido por algum banco ou capitalista, que adiantou os recursos,
sucessivamente, aos fabricantes e negociantes.

$ 2.º — O Transporte Financeiro da Produção e outras


Modalidades de Crédito a Curto Prazo

Digamos que o agricultor A, dos Estados Unidos, vende


por 2.000 libras esterlinas a sua colheita de trigo ao negocian-
te B, de Londres. Como a mercadoria ainda não foi embar-
cada, B, sabendo que terá de esperar dois ou três meses antes
de recebê-la, vendê-la e transformá-la em dinheiro, não vê por
que terá de pagá-la desde logo. À, por sua vez, não compreende
por que terá de separar-se do seu trigo, durante todo êsse tem-
po, sem nada receber em troca. Por outro lado, ainda é provável
que o banco do agricultor À, que lhe emprestou dinheiro para a
safra, e deseja ser reembolsado, não concorde com essa longa
espera.
A letra de comércio vem resolver a dificuldade. A, nos
Estados Unidos, saca uma letra, contra B, de 2.000 libras,
pagável a 60 dias de vista (isto é, 60 dias depois da apresen-
tação da letra), e entrega-a ao seu banqueiro. Êste adianta-lhe
desde logo os dólares correspondentes ao valor da letra, menos
os juros, ficando sub-rogado no direito à sua cobrança e com
a garantia subsidiária de À, no caso de a letra não ser paga no
prazo. O banqueiro americano de À remete a letra ao seu
CRÉDITO 69:

agente em Londres, juntamente com os documentos de embar-


que do trigo e respectivo seguro. O agente do banco ameri-
cano em Londres apresenta ao negociante inglês B a letra re-
cebida dos Estados Unidos, juntamente com os documentos de
embarque; B aceita-a, lavrando nela sua assinatura, que importa
em reconhecer o montante da dívida e a data do vencimento,
e entra na posse dos documentos de embarque e, portanto, da
mercadoria, quando chegar.
Se B, negociante de Londres, tem boa reputação, a letra
assim aceita pode ser, desde logo, descontada, isto é, vendida
à vista por seu valor nominal, menos a importância dos juros
a decorrer até a data do vencimento.
Tal é a forma por que a letra de comércio, facilitando as
transações e criando um papel negociável contra uma transa-
ção comercial legítima, resolve o problema do transporte finan-
ceiro da produção.
Ela é um instrumento semelhante ao cheque. Quando A,
extrai uma ordem contra um banco, para pagar determinada
soma, seja a êle próprio À ou a B, sendo o pagamento ime-
diatamente exigível, trata-se de um cheque. E, quando À extrai
uma ordem contra B, seja B um banco ou qualquer pessoa, para
pagamento da mesma soma, não à vista, e sim em uma data
futura, trata-se de uma letra de comércio. Em linguagem cor-
rente dizemos que A sacou ou emitiu um saque contra B. Uma
letra de comércio é como um cheque, uma ordem de paga-
mento, com duas diferenças: uma é que o cheque só é ex-
traído contra um banco, o que não acontece com a letra, e outra
é que a letra, antes de ser paga, deve passar por duas etapas
importantes: ela tem de ser aceita e tem de aguardar o venci-
mento ou ser descontada.
Uma vez aceita, a letra torna-se um instrumento imedia-
tamente negociável, que pode ser convertido em dinheiro pelo
processo do desconto.
A letra representativa de mercadorias é considerada como
o mais legítimo instrumento de crédito, porque se paga por:
si mesma.
Nos grandes mercados monetários, como Londres e Nova
York, ela constitui uma forma de aplicação para os fundos dis-
poníveis dos bancos, pois uma letra que recebeu aceite bancário
70 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

pode, a qualquer tempo, ser convertida em moeda, no mercado


de desconto.
De fato, porém, nem tôdas as letras são representativas
dessa função legítima de transporte financeiro da produção.
Suponhamos que um agricultor, dos Estados Unidos, precisa
fazer, em Londres, o pagamento de máquinas agrícolas que ali
adquiriu, mas que não dispõe, ainda, dos recursos de sua co-
lheita que lhe permitiriam sacar contra Londres: êle vai ao
seu banco nos Estados Unidos, que lhe vende, a crédito, uma
letra de câmbio sôbre Londres. O banco pode vender-lhe essa
letra, porque já entrou em entendimentos com outro banco em
Londres, para aceitá-la, mediante comissão e, possivelmente,
mediante garantias. No momento da colheita o agricultor, que
pode então sacar uma letra legítima contra Londres, pela venda
do seu trigo, paga o seu débito ao banco, o qual, por sua vez,
resgata, com o banco de Londres, o débito pela letra sacada
anteriormente.
Assim é que os bancos, mediante entendimentos entre si,
sacam um contra o outro, em qualquer tempo, haja ou não
haja produção, criando letras, cuja natureza já não tem a le-
gitimidade da letra de comércio primitiva. Estas letras assim
sacadas, sem base na produção, são denominadas letras de fi-
nança. Por essa operação, podem os banqueiros criar instru-
mentos de crédito, descontá-los e transformá-los em dinheiro,
sob a simples segurança das suas assinaturas.
O sistema de criar letras em antecipação de movimentos
de colheita ou de outros produtos constitui ainda uma opera-
ção legítima, pois tende, como teremos ocasião de ver, a redu-
zir as flutuações do câmbio e a tornar desnecessário o trans-
porte de ouro de um para outro país, inútilmente.
O uso e o abuso da letra podem, no entanto, ir além. Tendo
verificado que as letras podem ser criadas e sacadas em ante-
cipação dos movimentos de mercadorias, a finança foi, natu-
ralmente, impelida um passo adiante, criando letras com o úni-
co objetivo de fazer dinheiro pelo seu desconto, Essas letras
só têm base no crédito dos que as assinam.
Resvalando daí para a fraude, pode a letra ser simplesmente
sacada por uma firma ou companhia contra uma outra sua fi-
liada ou associada. Uma casa exportadora de café do Rio de
CRÉDITO PA

Janeiro pode sacar sôbre seu correspondente em Nova York, sem


que haja qualquer movimentação de café e vice-versa, criando-
-se assim uma letra em que o sacador e o sacado são, prática-
mente, a mesma pessoa.
Em princípio, porém, a forma mais legítima de crédito a
curto prazo é a do desconto de letras, que representam transa-
ções legítimas de comércio. O crédito tem uma contrapartida
real, representada por mercadorias.

Ed
% *

Outra modalidade de crédito a curto prazo é a do “emprés-


timo sob caução”, ou “empréstimo em conta-corrente”, garan-
tido por caução de títulos (colateral), vendáveis em bôlsa, no
caso de não pagamento no vencimento. Pode ser feito o emprés-
timo de tôda a quantia de uma só vez, como pode tomar a forma
de um empréstimo em conta-corrente, em que se fixa o limite
máximo a que pode atingir o débito do tomador do empréstimo,
durante o período de sua vigência, só se contando juros sôbre o
saldo devedor diário. É o sistema chamado do overdraft, usual na
técnica bancária inglêsa.
Pode ainda o crédito ser concedido sem outra garantia que
a da promessa de pagamento em prazo certo, expresso numa
“nota promissória”, sendo, nesse caso, frequente a exigência da
assinatura suplementar, ou aval, de um segundo negociante, cuja
responsabilidade subsidiária fica assim firmada.
Nestas outras modalidades de crédito, apesar de não cor-
responder o empréstimo a determinado valor de mercadorias em
curso de comércio, como no caso do desconto de letras, pode o
crédito ser perfeitamente legítimo, como adiantamento de capi-
tal de movimento no curso da produção. Oscilações do volume
das vendas nas várias épocas do ano, necessidade de maiores
estoques de combustível, de almoxarifado ou de matéria-prima,
despesas imprevistas, etc., são fatôres que, em qualquer ramo de
indústria, de comércio ou de transportes, podem aumentar le-
gitimamente as necessidades de capital de giro, sem que haja
desde logo maior quantidade de mercadorias prontas para en-
trega. Acresce que nem todos produzem mercadorias; as em-
72 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

prêsas ferroviárias, ou de navegação, ou de suprimento de ener-


gia elétrica produzem “serviços” e não mercadorias, sem que
por isso seja menos legítima a concessão do crédito a êsses gê-
neros de atividade.
Nada há também de ilegítimo, em princípio, na concessão
de crédito a curto prazo, sob garantia de títulos, para possibili-
tar a aquisição ou a subscrição de outros títulos, geralmente com
o objetivo de aguardar ocasião favorável para a venda daqueles
ou de outros haveres. Esta modalidade de crédito pode, entretan-
to, conduzir a abusos nas épocas de especulação bolsista, quando
o crédito é concedido sob a forma de “garantia marginal”, isto
é, quando o banco adianta os recursos para compra dos novos
títulos, mediante a garantia de sua própria caução, suplemen-
tada por dinheiro ou outros títulos, como “margem” para cobrir.
a possível desvalorização dos títulos adquiridos. Se a “margem”
fôr de 10%, digamos, pode-se adquirir Crê 1.000.000,00 de,
novos títulos com apenas Crg 100.000,00 de capital, o que pode
estimular especulações nocivas, como aconteceu, nos Estados
Unidos, no período agitado de 1927-1929.
Do ponto de vista do banqueiro, não há critério invariá-
vel. É possível que um comerciante, que aceitou uma letra cor-
respondente a mercadorias compradas, não esteja habilitado a
pagá-la no vencimento. Pode êle ser obrigado a ficar com as
mercadorias em estoque, em situação de venda difícil, senão im-
possível, hipótese em que o pagamento da dívida no vencimento
se torna duvidoso, como pode igualmente acontecer, no caso de
empréstimo sob caução de títulos, que o valor dêsses títulos, con-
siderado como garantia suficiente na ocasião da concessão do
crédito, se tenha fortemente depreciado no decorrer da tran-
sação.
Todo crédito, seja qual fôr sua modalidade, envolve uma
margem de risco. Há, contudo, uma diferença: é que, em relação
ao desconto de letras de comércio correspondentes a mercadorias.
acabadas, isto é, prontas para o consumo, a autoliquidação do
crédito só está na dependência do último estágio da produção,
o da venda ao consumidor, enquanto que, no caso do crédito
suprido para aquisição de matérias-primas ou para despesas de
fabricação, a mercadoria final ainda não existe. Vai ser produ-
zida, quer dizer, vários estágios do processo de produção ainda
vão ter lugar, e durante o tempo necessário para que essa pro-
CRÉDITO 73

dução se complete, as antecipações da procura da mercadoria


final podem deixar de realizar-se.
ES
a x

O crédito ao agricultor, destinado a suprir-lhe o capital de


giro necessário para fundar e colhêr a safra, tem duas caracte-
rísticas especiais: a do prazo, que deve corresponder à do pro-
cesso de produção (cêrca de 12 meses), e a do risco, inerente
não só à dependência em que está a produção agrícola de con-
dições atmosféricas favoráveis e de ausência de pragas, dois fa-
tôres que independem da vontade e do esfôrço humanos, como
às oscilações, não raro consideráveis, dos preços dos produtos
agrícolas, em função do maior ou menor volume das safras,
diante de uma procura geralmente rígida.

$ 3.º — A Liquidez do Sistema Econômico


Vimos no $ 1.º como, durante o processo de produção, há
recurso ao crédito. Porque, ou todos que participam do processo
de produção esperam o pagamento até que o consumidor final
tenha pago a mercadoria acabada e, nesse caso, concedem cré-
dito, pois que fornecem a prestação sem receber a contrapres-
tação, ou o crédito foi suprido por bancos ou capitalistas, que
adiantaram os recursos sucessivamente aos produtores da ma-
téria-prima, aos seus negociantes, aos transportadores, aos in-
dustriais, aos atacadistas e aos retalhistas. Cada um dêsses par-
ticipantes no processo de produção toma o crédito necessário
para a sua tarefa e o reembolsa quando passa a mercadoria para
o estágio subsegiiente. Cada produtor, fabricante ou negociante,
se endivida assim por uma parte ao menos do valor das merca-
dorias em curso de produção, enquanto as conserva em suas
mãos. Há, portanto, uma dívida que pesa sôbre essas merca-
dorias durante todo o tempo em que elas constituem objeto de
produção e de comércio, dívida que só se extingue quando a
mercadoria é vendida aos consumidores finais.
Êsses consumidores são, na maior parte, aquêles mesmos
que receberam pagamentos dos produtores, dos fabricantes e dos
negociantes, no decurso da produção para que contribuíram, de
74 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

sorte que o poder de compra dos consumidores é criado, em


grande parte, pelo crédito suprido àqueles fabricantes e nego-
ciantes.
À importância dos adiantamentos das despesas de produção
feitos por banqueiros ou capitalistas aos que nela tomam parte,
tem-se convencionado chamar de “capital de movimento”, su-
prido por aquêles que economizaram (isto é, deixaram de con-
sumir) em períodos anteriores e pelo crédito adicional criado
pelos banqueiros, graças à sua faculdade de emissão temporá-
ria de meios de pagamento.
Êsse “capital de movimento” é entendido como crédito a
curto prazo, ou seja, pelo prazo suficiente para que cada um dos
agentes da produção execute a tarefa parcial que lhe incumbe
e entregue o produto ao estágio subsegiiente. Ao têrmo de cada
um dêsses estágios, o banqueiro ou prestamista recolhe o cré-
dito concedido, para, provavelmente, suprilo novamente ao
agente produtor da etapa seguinte. Êsse crédito de capital de
movimento tem, portanto, as características de um “capital de
giro” (revolving fund), ao qual se pode aplicar o conceito de
velocidade de circulação, já que a sua importância depende da
maior ou menor velocidade com que êle gira.
No processo capitalista da produção e da divisão do tra-
balho, o período de produção desde sua origem até o consumidor
final é, em geral, muito longo, e, quanto mais indireto se torna
êsse processo, mais êle tende a se alongar, salvo quando o pro-
gresso tecnológico e as invenções possam ter por efeito en-
curtá-lo, em vez de alongá-lo. Se considerarmos que quase todos
os modernos processos de produção não dispensam maquinaria e
equipamento e se remontarmos ao início da fabricação do ferro
e do aço com que essa maquinaria foi construída, aos navios
e estradas de ferro em que ela foi transportada, à construção
das instalações supridoras de energia que a movimentam, à fa-
bricação dos tratores e equipamentos com que se extraiu a ma-
téria-prima ou se cultivou a terra, veremos o quanto é longo,
na realidade, o processo de produção.
É de interêsse notar que, quanto mais se remonta aos es-
tágios iniciais da produção, como os da fabricação do ferro e do
aço, dos navios, das estradas de ferro, dos tratores, etc., mais
diversificada pode ser a sua utilização. O trator, a estrada de
ferro, o navio, tanto podem servir para extrair e transportar ma-
CRÉDITO 75

téria-prima para tecidos, como tecidos acabados, como máquinas


ou como trigo. Seu campo de aplicação é muito vasto e por isso
mesmo a sua maior ou menor atividade está na dependência da
atividade de múltiplos e variados setores de mercadorias de con-
sumo final. Êstes primitivos estágios sofrem, portanto, em pe-
quena escala, as repercussões das variações de atividade de cada
um dos estágios finais da produção.
Quanto mais nos aproximarmos dêsses estágios finais, po-
rém, mais direta se torna a dependência de sua atividade eco-
nômica da procura das mercadorias específicas que êles fabri-
cam ou com que negociam. Fabricantes de chapéus de homem,
por exemplo, ou fabricantes de máquinas para fabricar chapéus
de homem (cuja procura decresceu considerâvelmente nos úl-
timos anos) não podem utilizar seu equipamento ou seus ope-
rários especializados senão para êsse fim; não podem fâcilmente,
como acontece nos primeiros estágios da produção, desviar seu
gênero de atividade de uma produção para outra.
Vemos assim que o conceito de crédito para capital de mo-
vimento, como um fundo de giro, cuja liquidez se restabelece
cada vez que êsse capital é restituído ao fim de cada um dos
estágios da produção, está realmente na dependência da maior
ou menor procura que se manifesta no estágio subsequente. A
queda da procura no último estágio da produção dá lugar a uma
onda de iliquidez, que se propaga rápidamente aos estágios an-
teriores e que congela o capital de giro sob a forma de estoques
não vendidos.
O conceito de crédito-capital de movimento como um fun-
do de giro rotativo fica, portanto, na dependência da circulação
efetiva das mercadorias em curso de produção, de um para outro
estágio, circulação essa que depende direta e inelutâvelmente da
procura que se manifesta para o produto acabado. O que mais
uma vez mostra que o valor vem de cima para baixo e não de
baixo para cima.

8 4.º — O Crédito a Longo Prazo


O crédito a que usualmente recorrem industriais e nego-
ciantes tem, como vimos, duração correspondente à dos respec-
tivos estágios de fabricação ou de comércio a que se destina;
76 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

geralmente 90, 120 ou 180 dias. É o chamado crédito a curto


prazo.
O princípio geral é o de que o crédito deve liquidar-se por
si mesmo, isto é, que aquêle que o recebe deve estar habilitado,
ao fim do prazo concedido, a restituir o empréstimo contraído.
Qual será, dentro do mesmo princípio, a duração do crédito
concedido ao industrial, ao agricultor ou à estrada de ferro, para
aquisição de máquinas, edifícios, veículos, etc.? O objetivo dêsse
aparelhamento é o de suprir “serviços” à Indústria ou aos trans-
portes durante todo o prazo de sua utilização, 10 ou 20 anos,
digamos; o valor de cada um dêsses itens de aparelhamento vai
diminuindo à medida que sucessivas parcelas dêsse valor vão
sendo incorporadas nas mercadorias ou serviços de consumo a
que se destinam. Nesse caso, o tomador do empréstimo habilita-
-se automáticamente a restituí-lo em prestações contínuas, cor-
respondentes à gradativa utilização do aparelhamento; em ou-
tras palavras, o empréstimo pode ser gradativamente amortiza-
do durante o prazo de duração do aparelhamento adquirido. Para
êsse fim, o lucro bruto da emprêsa deve ser suficiente, em cada
ano, para cobrir o juro e a amortização do empréstimo con-
traído.
Na verdade, a rapidez da evolução dos processos tecnoló-
gicos modernos, com as repetidas invenções de novas máquinas
e métodos de trabalho mais eficientes e mais perfeitos, dando
lugar ao que Schumpeter denomina, com propriedade, de “cria-
ção destrutiva” do capitalismo, obriga, não raro, o produtor a
substituir periódicamente seu aparelhamento por outro mais mo-
derno, que lhe permita manter o alto nível de produtividade ne-
cessário para não ser vencido no campo da livre concorrência.
Daí a necessidade de prover, além do fundo de amortização, um
fundo de “obsolência” (ou obsolecência, como dizem outros).
O crédito a longo prazo é, quase invariâvelmente, suprido
mediante garantia real constituída pelas próprias máquinas é
equipamentos adquiridos com o produto do empréstimo, muitas
vêzes reforçada com o valor de instalações e aparelhamento pre-
existentes.
Com referência às sociedades anônimas, o crédito a prazo
longo é obtido pela venda de debêntures, com garantia hipotecá-
ria; no caso dos edifícios, pela simples hipoteca do bem; no da
agricultura, pela hipoteca das terras. O crédito a prazo longo não
CRÉDITO 77

deve, em regra, ser suprido pelos bancos de desconto que ope-


ram sôbre a base de depósitos de terceiros, exigíveis a curto
prazo ou à vista. Além do público, que emprega diretamente
suas economias na aquisição dos títulos emitidos, os subscritores
de empréstimos a longo prazo são geralmente as companhias de
seguros, as caixas econômicas e os institutos de previdência so-
cial, cujas responsabilidades para com seus segurados ou bene-
ficiados se escalam gradativamente por longos períodos, tal qual
os juros e amortização que recebem dos tomadores de emprés-
timos. E, como essas responsabilidades são expressas em moeda,
a possível depreciação do valor da moeda, durante o período do
empréstimo, não afeta a estabilidade financeira dessas insti-
tuições.
Entre o crédito a prazo curto e a longo prazo existe a di-
ferença de que o primeiro é suprido pelos bancos de desconto,
mediante emissão de meios de pagamento (uma vez que, como
veremos dentro em pouco, empréstimos criam depósitos, e de-
pósitos são meios de pagamento), enquanto que o crédito a lon-
go prazo é suprido por “economias” prêviamente realizadas, di-
retamente ou através das companhias de seguros, das caixas
econômicas ou dos institutos de previdência. Nesse caso, não
há dinheiro novo; é dinheiro que passa das mãos de uns para
as mãos de outros.
Além das companhias de seguros, caixas e institutos, há
bancos organizados para servir de intermediários entre o público
e os tomadores de empréstimos. Na organização capitalista do
mundo moderno, seria difícil, senão impossível, estabelecer con-
tato direto entre os prestamistas e os tomadores de empréstimos,
sem o auxílio dessas organizações intermediárias. Não são ban-
cos de depósitos e descontos; são simples elos entre os que de-
sejam aplicar suas economias e os que as solicitam para inves-
timento. São, para a Indústria, os bancos chamados de investi-
mento (banques d'affaires, em França, stock brokers ou mer-
chant bankers, na Inglaterra), e, para a Agricultura, os bancos
hipotecários, que emitem e vendem “cédulas hipotecárias” em
quantias correspondentes aos empréstimos que concedem à Agri-
cultura sob garantia de terras.
É evidente que o risco dos empréstimos a prazo longo é
maior do que o dos de prazo curto; o valor do capital investido
na Indústria e na Agricultura é um valor derivado de seus pro-
78 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dutos, produtos êsses cujos preços estão sujeitos às oscilações


das conjunturas econômicas.
Além disso, o possível decréscimo do poder de compra da
unidade monetária, que pode ser desprezado com respeito aos em-
préstimos a curto prazo, afeta integralmente o valor real dos tí-
tulos a longo prazo expressos em moeda, como as debêntures ou
as cédulas hipotecárias. No caso extremo da inflação alemã de
1921-1923, êsse valor ficou reduzido a zero.
Êsse risco que correm os portadores de títulos a longo prazo
é, porém, considerâvelmente atenuado na prática, pela facili-
dade com que os títulos podem ser vendidos em bôlsa, de modo
que o prejuízo real que se possa verificar fica repartido entre
todos os que os compraram e revenderam. Ás guerras, como as
grandes depressões econômicas, conduzem muito mais fregiente-
mente à depreciação do que à apreciação do valor da unidade
monetária, de sorte que, quem adquire, no mundo atual, um
título de prazo longo e rendimento fixo, com o propósito de
guardá-lo e transmiti-lo aos seus descendentes, faz, em geral,
um mau negócio.
São essas as razões por que a taxa de juros dos emprésti-
mos a longo prazo são, em regra, mais elevadas do que as dos
de prazo curto. Na verdade, porém, a linha de demarcação entre
os dois mercados de dinheiro, a prazo curto e a longo prazo, não
é tão nítida, como pode parecer à primeira vista.” A facilidade
com que se vendem em bôlsa os títulos de prazo longo, ações,
debêntures, obrigações, cédulas, etc., confere a êsses títulos
grande possibilidade de liquidez, isto é, de redução a numerário,
em caso de necessidade, podendo, assim, os títulos de longo pra-
zo servir para aplicações ou especulações de prazo curto. Por
outro lado, os que esperam uma aplicação vantajosa de suas
economias são, durante o tempo de espera, supridores de dinheiro
ao mercado de curto prazo. Muitas vêzes, também, industriais e
agricultores recorrem ao crédito a curto prazo para novos in-
vestimentos ou melhoramentos parciais de suas instalações, con-
tando com a renovação dêsses créditos por vários períodos.
Malgrado essas possíveis interferências dos dois mercados,
um no outro, êles não se amalgamam para dar uma única taxa

21. Karin Kock — “A Study in Interest Rates”, págs. 14 e segs.


CRÉDITO 79

de juros. Às taxas são diferentes, e, salvo casos excepcionais,


mais baixas no curto do gue no longo prazo.
Em condições de eguilíbrio, o funcionamento dos dois mer-
cados deve ser harmônico. O mercado a curto prazo supre capi-
tal de giro não só ao setor de mercadorias de consumo como ao
de bens de produção, máquinas, equipamentos, etc. Se não hou-
ver suprimento de capital a longo prazo para a aquisição dessas
máquinas, o capital de giro suprido para sua fabricação ficará
congelado. Nas fases de depressão, a oferta de crédito a prazo
longo, não encontrando tomadores, transfere-se para o mercado
de curto prazo. Nas fases de inflação, verifica-se o contrário: o
crédito a prazo curto é atraído para aplicações de longo prazo
pela febre dos investimentos, preparando o terreno para a situa-
ção de iliquidez que virá provocar a crise.

8 5.º — O Crédito ao Consumidor


O crédito ao consumidor tem tido grande desenvolvimento
nos últimos tempos. O comprador recebe a mercadoria desde
logo, obrigando-se a pagar determinadas prestações em prazos
certos.
Essa forma de crédito tomou, em certos países, proporções
extraordinárias. Em 1925, a percentagem de vendas a crédito
em relação às vendas totais atingiu, nos Estados Unidos, a 90%
para as máquinas de costura e as geladeiras, a 85% para os
pianos e para os aspiradores de poeira, a 80% para os fonógra-
fos, etc.
A expansão dessa forma de crédito tornou-se possível, nos
Estados Unidos, pelas leis que admitem a constituição de hipo-
teca e de reserva de domínio sôbre os objetos móveis. Existem,
ali, organizações chamadas Finance Companies, que se encar-
regam de obter informações sôbre os compradores e que tam-
bém descontam as promissórias em mãos de vendedores neces-
sitados de recursos. A American Rediscount Corporation faz
as operações de redesconto dêsses títulos.
O crédito ao consumidor para aquisição de mercadorias du-
ráveis tem, em princípio, o mesmo fundamento do crédito a lon-
go prazo, suprido aos industriais para aquisição de maquinaria
mediante o pagamento de anuidades correspondentes aos juros
e à amortização do empréstimo. O consumidor, em vez de pagar,
de uma só vez, a geladeira, o piano ou a casa, vai pagando os
80 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

serviços que lhe prestam êsses bens duráveis, à medida que


dêles se utiliza. É uma espécie de aluguel com amortização.
Dado o sistema de desconto e redesconto, a que acima re-
ferimos, o crédito ao consumidor é transferido ao produtor; é,
portanto, indiretamente, um crédito à produção. Apenas o cré-
dito é suprido de cima para baixo, em vez de ser suprido de
baixo para cima.
Há, porém, uma diferença de risco. É que o produtor, in-
dustrial ou negociante, tem, em geral, melhor critério para jul-
gar da medida em que pode lançar mão do crédito do que o
consumidor, vítima, muitas vêzes, da tentação de melhoria ime-
diata de seu padrão de vida antes de acumular capital. É, de
certa forma, um caso semelhante ao da “economia forçada”, de
que trataremos no 8 4.º do capítulo XV; a economia é forçada
e posterior à aquisição do objeto, em vez de ser voluntária e an-
terior.
Até que ponto o consumidor consegue realizar essa eco-
momia forçada, através das possíveis vicissitudes de sua eco-
nomia particular, é o que constitui o aspecto duvidoso da ope-
ração. Em fases de prosperidade ou mesmo em épocas normais,
tudo vai bem; a lei dos grandes números encarrega-se de pos-
síveis compensações e no preço de venda já se inclui uma mar-
gem de prêmio de seguro. Mas, nas fases de depressão, a falta
generalizada de pagamento dá lugar a uma onda de iliquidez,
que se propaga do consumidor ao negociante, dêste ao industrial
e ao fornecedor de matérias-primas, onda essa que se vem jun-
tar à que decorre da contração, usual nessas fases, do volume
de vendas.
LIVRO II

BANCOS
CapíruLO VI

TEORIA DOS BANCOS

8 1.º — Origem dos Sistemas Bancários

Mostramos no capítulo IV, $ 1.º, a propósito das notas de


banco, que, quando os banqueiros começaram a emprestar, não
mais a moeda metálica de seus depósitos, mas as notas por êles
emitidas, moeda fiduciária, o seu balanço tomara a seguinte
forma:
Passivo Cr$
Devido a À ............... 10.000,00
Notas emitidas .........:.. 10.000,00

Total ...........0.... 20.000,00

Ativo Cr$
Dinheiro em caixa ......... 10.000,00
Empréstimo
a B........... 10.000,00

Total ..........0..... 20.000,00

Tal foi o primeiro passo na organização do crédito ban-


cário. Tendo emprestado a B, não moeda metálica, e sim notas,
conversíveis em metal, os banqueiros se aperceberam de que os
portadores dessas notas não as apresentavam, frequentemente, a
trôõco por moeda metálica e que elas circulavam de mão em
mão, por muito tempo, sem serem trazidas a seus guichês. Com-
preenderam êles, então, que poderiam conceder novos emprés-
timos a C, De E, sob a forma de notas de banco, isto é, de
moeda fiduciária, certos de que, com quantidade relativamente
pequena de moeda metálica, estariam sempre habilitados a aten-
der à conversão das notas que lhes fôssem apresentadas a trôco.
84 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Quando o primitivo banqueiro, além de emprestar a B os


Cr8 10.000,00, a que nos referimos, decidiu, sem novas provi-
sões de moeda metálica, conceder outros empréstimos a C, D
e E, de Cré 10.000,00 cada um, o seu balanço passou a apre-
sentar-se com a seguinte forma:
Passivo Cr$
Devidoa À ......cccccc. 10.000,00
Notas emitidas ............ 40.000,00

Total .........cccc. 50.000,00


Ativo Cr$
Dinheiro em caixa ...... 2... 10.000,00
Empréstimos ao público .... 40.000,00

Total ............ 2.00. 50.000,00


Se acrescentarmos a êsse balanço os outros títulos de me-
nor significação, como Capital, Inversões, etc., teremos um ba-
lanço de banco, tal como êle hoje se apresenta.
Essa a origem do Sistema Bancário.
$ 2.º — Empréstimos criam Depósitos
Vamos supor que o indivíduo À vai levantar um emprés-
timo num banco, do valor de Cr$ 20.000,00. Acertadas as con-
dições do empréstimo, o banqueiro concede-lhe permissão para
sacar cheques até o máximo de Cr$ 20.000,00. Na prática.
isso se traduz pelo fato de o banqueiro mandar inscrever À
como tendo depositado a quantia de Cr$ 20.000,00. No balanço
do banco aparecem, no passivo, os depósitos aumentados de
Crg 20.000,00 e, no ativo, a verba Empréstimos ao público tam-
bém aumentada de Crg 20.000,00.
O empréstimo criou um depósito.
Pode parecer, entretanto, que, uma vez que o indivíduo À
tenha sacado um ou mais cheques no total de Crg 20.000,00,
se liquida a operação, e desaparecem os Crê 20.000,00
do balanço do banco. Mas, de fato, não é assim. À tomou
Crê 20.000,00 emprestados para comprar alguma coisa ou
pagar a alguém, e, quando À extrai um cheque de Crg 20.000,00
em favor de B, nada mais há do que uma transferência do depó-
TEORIA DOS BANCOS 85

sito de A para B. Se B é cliente do mesmo banco em que À le-


vantou o empréstimo, o depósito de Cr$ 20.000,00 de A fica
cancelado e substituído pelo depósito de Cr$ 20.000,00 de B,
permanecendo, no passivo, os Crê 20.000,00 de depósitos e, no
ativo, os Cr$ 20.000,00 de empréstimos ao público.
Se, entretanto, como é mais provável, B não é cliente do
mesmo banco onde À levantou seu empréstimo, êle levará o
chegue recebido de A a um segundo banco, em cujos livros apa-
recerão os Cr$ 20.000,00 de depósito de B, correspondentes ao
chegue entregue.
Vemos assim que o primitivo empréstimo de Crg 20.000,00,
dado pelo primeiro banco a À, deu origem a um depósito de
Crê 20.000,00, feito por B em outro banco. Mas B vai, decerto,
utilizar-se dêsses Crê 20.000,00 para suas despesas pessoais ou
outro qualquer fim, de sorte que êle, por sua vez, emitirá che-
ques contra o seu banco, até o montante de Crg 20.000,00, em
favor de terceiros, os quais, por sua vez, irão depositar êsses
cheques em outros bancos, criando, assim, novos depósitos, sem-
pre no total de Crê 20.000,00.
Observamos então que, enquanto o empréstimo primitivo
estiver em vigor, isto é, enquanto êle não tiver sido resgatado,
existirá sempre um depósito correspondente, nos livros de um
ou de outro banco. O depósito só desaparecerá quando um che-
que tiver sido extraído em pagamento do débito ao próprio banco
que concedeu o empréstimo, porque aí haverá uma redução de
Crg 20.000,00 nos depósitos, assim como nos empréstimos.
Donde se conclui que um empréstimo feito por um banco
dá lugar à criação de um depósito no sistema bancário em geral
e que êsse depósito só se extingue quando o empréstimo é res-
gatado.
Os empréstimos concedidos por um banco ocasionam de-
pósitos nos outros bancos, e os seus próprios depósitos provêm,
em grande parte, de empréstimos concedidos por outros bancos.
O encontro de contas entre bancos, pelos cheques recebi-
dos por uns e cobráveis de outros, tem lugar nas chamadas câ-
maras de compensação (clearings), e só os saldos finais de todos
os débitos e créditos originam pagamento em moeda manual.
Em regra, porém, nem isso acontece, porque todos os ban-
cos têm conta no Banco Central, de sorte que os pagamentos
entre bancos são feitos por cheque sôbre o Banco Central.
36 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

$ 3.º — Investimentos criam Depósitos


Por um raciocínio análogo é fácil compreender que, quando
um banco, depois de examinar o emprêgo que deve dar aos re-
cursos de que dispõe, resolve adquirir para o seu ativo deter-
minado valor de títulos, êle tem de pagá-los a alguém e tal pa-
gamento importa forçosamente em creditar a êsse alguém a
quantia correspondente ao valor dêsses títulos.
Se os títulos têm o valor de Crg 100.000,00, cria-se um
depósito adicional de Crg 100.000,00, em consegiiência da de-
cisão do banco de realizar um investimento dêsse valor. No ba-'
lanço aparecerá o ativo aumentado de Crg 100.000,00 de titu-
los e o passivo aumentado de Crg 100.000,00 de depósitos.
Donde se vê que os investimentos feitos pelos bancos, tal
como os empréstimos por êles concedidos, dão lugar à criação
de depósitos.
A conclusão a que chegamos é a de que os depósitos dos
bancos provêm, na maior parte, dos empréstimos concedidos ou
dos investimentos feitos pelo sistema bancário em geral,

$ 4.º — Multiplicação da Moeda Manual em Moeda Bancária


Vamos examinar em que proporção determinado depósito
em dinheiro, efetuado em um banco, dá origem a depósitos no
sistema bancário em geral.
Suponhamos um banco que tenha Crê 10.000.000,00 em
caixa e Crê 100.000.000,00 de depósitos:

- Caixa Depósitos Rel.:


Crg 10.000.000,00 Crê 100.000.000,00 10%

Vem um depositante, que faz um depósito de ....... .


Cré 5.000.000,00. A posição passa a ser:

Caixa Depósitos Rel.:


Crê 15.000.000,00 Crg 105.000.000,00 14,3%

Como o encaixe de 14,3% em relação aos depósitos é ex-


cessivo, o banco pode aumentar seus empréstimos até voltar à
posição de 10% de encaixe em relação aos depósitos.
TEORIA DOS BANCOS 87

Digamos que êle concede um empréstimo de ....... Va


Cr$ 4.500.000,00 e, imaginemos, tomando a pior hipótese, que o
tomador do empréstimo saca tôda a importância em moeda ma-
nual, sem nada deixar em depósito no banco. À posição passará
a ser:

Caixa Depósitos Rel.


Crê 10.500.000,00 Crê 105.000.000,00 10%

O tomador do empréstimo irá, decerto, pagar os ......


Crg 4.500.000,00 a outras pessoas que, por sua vez, depositarão
essa quantia em seus bancos. O banco (ou os bancos) que tiver
recebido os Crg 4.500.000,00, isto é, 0,9 de Crg 5.000.000,00,
fará a mesma coisa que fêz o primeiro banco que figuramos:
concederá novos empréstimos, no valor de 90% do aumento
de seu encaixe, guardando os 10% restantes para manter sua
relação habitual entre encaixes e depósitos.
O tomador do segundo empréstimo, iguala 0,9 de .......
Crg 4.500.000,00, isto é, a 0,9X0,9 ou 0,9” de Crg 5.000.000,00,
por sua vez, depositará, direta ou indiretamente, essa importân-
cia em um ou mais bancos.
Êstes bancos, recebendo um depósito igual a 0,9? de .....
Crg 5.000.000,00, farão empréstimos de 90% da quantia rece-
bida, ou seja, de 0,9º de Crê 5.000.000,00. E assim por diante,
de sorte que um depósito em dinheiro igual a 1, feito em um
banco, pode dar lugar, no sistema bancário em geral, a um total
de empréstimos e depósitos no valor de

COS +09:+09 +09; o


DN

série infinita e convergente cujo limite é 9.


Assim, um depósito de Crg 100.000,00 de moeda manual
feito em um banco, pode motivar, no caso limite da nossa hipó-
tese, empréstimos e depósitos no total de Cr$ 900.000,00.
Chegar-se-ia à mesma conclusão, imaginando que o primeiro
banco, tendo recebido o depósito de Crê 5.000.000,00 em di-
nheiro, tinha concedido, êle próprio, empréstimos no valor de
Crê 45.000.000,00, isto é, de nove vêzes o que recebera e que,
nada tendo sido sacado em dinheiro e tudo depositado no pró-
88 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

prio banco, a relação de caixa (15.000) para depósitos (150.000)


continuara a ser 10%.
Admitamos agora que os sucessivos tomadores dos em-
préstimos guardem 20% da respectiva importância em moeda
manual e só depositem, portanto, 80% do que recebem, conti-
nuando os bancos a emprestar 0,9 dos depósitos que recebem.
Sôbre o depósito inicial de 1, o banco empresta 0,9; os bene-
ficiários do primeiro empréstimo depositam 0,8 de 0,9; sôbre
êsse depósito, o segundo empréstimo é de 0,9 de (0,8x0,9)
ou 0,92X0,8; o terceiro depósito seria de 0,8 (0,9ºx0,8), e o
terceiro empréstimo, de 0,9X0,8 (0,9ºx0,8), ou 0,8ºx0,9, etc.
A série seria, pois,

09 +08x 0,924 0,82x 0,9 + 0,82xX 0,98... =


1
= o LO) + (0722 + (OU 4º ...] =
,

1 0,72 1
x = x 2,57 — 3.21
0,8 1— 0,72 0,8

donde se vê que, se cada beneficiário de empréstimo retirar 20%


em moeda manual, continuando a reserva bancária a ser de
10%, o coeficiente de multiplicação baixará de 9 a 3,21.
Há sempre, portanto, uma multiplicação do depósito origi-
nãriamente feito no sistema bancário, por um coeficiente maior
ou menor, cuja fórmula geral vamos agora estabelecer.
a) Caso de um banco isolado — Vejamos qual a proporção
máxima em que um banco pode, isoladamente, expandir seus
depósitos sôbre a base de uma reserva adicional, enquanto os
demais bancos não o acompanham nessa expansão.?
Quando o banco À expande seus empréstimos, êsses em-
préstimos criam, de início, no próprio banco, depósitos adicio
nais, que chamaremos de “/”. Mas, logo que os tomadores dos
empréstimos sacarem contra “!” e depositarem seus cheques em
outros bancos, aquêles depósitos adicionais no banco À serão

22. Esta exposição é calcada sôbre o excelente trabalho de J. W. ANGELL


e KAREL Ficek — “Expansion of Bank Credit”, publicado no “Journal of Poli-
tical Economy”, fevereiro e abril de 1938.
TEORIA DOS BANCOS B9

transferidos para outros bancos; apenas alguns dêsses cheques


serão redepositados no próprio banco À (o qual, note-se bem,
é suposto ser o único banco que se expande). O valor dêsses re-
depósitos dependerá da importância relativa do banco À; se êle
é um grande banco, os redepósitos serão importantes; se êle é
um pequeno banco, diminutos serão os redepósitos. Vamos en-
tão chamar de “s” a relação média entre os depósitos “D,” do
banco À, antes do processo de expansão, e o total de depósitos
do sistema bancário (D,).
Se chamarmos de “c,” o volume de depósitos do banco À
“drenados” para os outros bancos, “c;”” há de ser diretamente
proporcional ao incremento original “[” de depósitos no banco À,
e inversamente proporcional à importância relativa do banco A,
que designamos por “s”.
Uma vez completada a drenagem, teremos
« q=I1-8). (1)
Além disso, quando se expandem os depósitos de um banco,
dá-se uma outra drenagem, que é a da retirada de notas para a
circulação de moeda manual fora dos bancos. Para determinar o
valor dessa drenagem, vamos, por um momento, transpor nosso
raciocínio para o campo do sistema bancário em seu todo e cha-
mar de “C,” a importância dos depósitos adicionais de todos os
bancos, que é drenada pelas retiradas de notas para circulação
de moeda manual. Se chamarmos de “h” a relação entre o total
da moeda manual em circulação nas mãos do público e o total
de depósitos do sistema bancário, os depósitos serão drenados por
aquelas retiradas até que |

DE =h ê (2)
Ts
londe
C =Ilh—
C,h

( ho
Vo G=|—— (3)

Isto representa a retirada de moeda do sistema bancário em


geral. O nosso banco À sofrerá essa drenagem na proporção de
90 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

sua importância, que designamos por “s”. Chamando de “c,”


a drenagem que sofre o banco À, teremos
cs = Cs
ou es
“2h
l c=Is (4)
| d+h 4
Se somarmos os depósitos drenados para outros bancos
“c;"com as retiradas de moeda manual “c,”, teremos
sh
ete=ifims+ |
14h
mas
sh 1 s
1l—s+ =1—
14h 14h
donde
s
G+co=l 1— (5)
14h

Além disso, ainda, o banco expansionista À deverá manter


uma reserva adicional correspondente ao aumento de depósitos
com que êle tiver ficado depois das duas drenagens supra-refe-
ridas. Se chamarmos “cs” essa reserva adicional e “r” a relação
mínima entre reservas e depósitos, -tefémos — Pp? o, ,
(1
2 . = DA.

EMTa=mo-e) be
Cali (1-8) ].G=
ou So

ésai = 4] É
L-h p—&
scr) O6
RM
Podemos agora determinar o total, que chamaremos de “c”,
das duas drenagens e mais a reserva, de forma que

mo po TESTS
TS ce co + c

RA Ss rs
Pol e=ili— +
- Ih 1+h
ou o
Pl IN s(1—+) "
Uu cs =: p= ) (7)
1+h
TEORIA DOS BANCOS 91

que representa a reserva adicional que deverá manter, mais as


drenagens que sofrerá o banco À, expandindo-se isoladamente.
Podemos agora responder à questão inversa, qual a de sa-
ter de quanto um banco individual, agindo isoladamente, pode
expandir seus depósitos “1”, na base de um determinado incre-
“e.
mento de reservas “c”.
Essa «expansão de. depósitos “P será

ec(1-+-h)

l+-h—s(l-—r) |

-
E podemos também determinar o coeficiente de expansão
máxima “e”, pelo qual um banco pode expandir seus depósitos,
se o faz isoladamente, na base de um determinado incremento de
reservas! “es
c, CEL nr TT
= y O ES - '
“a. E Pá
Ta (l 1+h
E (9 = E; = (9)
“os TG lth—s(1l—r)

Para vermos qual a ordem de grandeza dêsse coeficiente de


expansão, suponhamos (o que corresponde, aproximadamente,
como veremos adiante, aos algarismos do caso brasileiro) que
“h”, relação entre moeda manual em circulação e depósitos ban-
cários, seja igual a 0,33, e que a relação de encaixes para depó-
sitos “r” seja de 0,10; e figuremos ainda que os depósitos do
banco em questão representam 1% do total dos depósitos do
sistema bancário, isto é, que s = 0,0]. Teremos

e-= 1,007
NR)

Mesmo para os maiores bancos do país, em que “s” seja


igual a 3%, o coeficiente “e” não excederá de

e = 1,023

o que mostra que um banco, agindo isoladamente, só pode em-


prestar pouco mais do que as reservas adicionais que recebe.
22 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Não há, portanto, multiplicação da moeda manual em moeda


bancária.
Essa limitação é devida principalmente ao fato de que “s”
é muito pequeno.

b) Caso do sistema bancário — Chamemos agora de “C”


o incremento das reservas (dinheiro em caixa) do conjunto do
sistema bancário. De quanto se poderão expandir os emprés-
timos e depósitos “L”, em todo o sistema com base em “C”2
Podemos aplicar para êsse coeficiente de expansão, que
chamaremos de e, as fórmulas (8) e (9), nas quais “s” que
representava a cota-parte do banco À no sistema bancário to-
tal, passa a ser igual a 1. Teremos então

c( 4h)
=>————— (10)
r4-h

l+h
& = 1)
r4+h

Se tomarmos para “r” e “h” os mesmos valores que acima


adotamos, veremos que o coeficiente de expansão “e ” será
de 3, o que quer dizer que o incremento de reservas de
Crg 1.000.000,00 no sistema bancário poderá servir de base a um
aumento de depósitos bancários de cêrca de Crg 3.000.000,00.
Em outras palavras, o redesconto de Crê 1.000.000,00 pode dar
lugar a um aumento de empréstimos e depósitos de cêrca de
Crg 3.000.000,00.
Se desprezássemos a drenagem de uma parte dos novos
encaixes bancários “C” para a circulação de moeda manual, isto
é, se “h” fôsse igual a zero, teríamos

€=—

o que para r = 0,10 nos daria um coeficiente de expansão de 10.


Vê-se bem a sensibilidade do coeficiente em relação a.“h”.
Se (sendo ainda h = o), em vez de tomarmos o caso de
um “incremento de reservas” “C” (oriundo de redesconto, por
TEORIA DOS DANCOS 98

exemplo), figurássemos a hipótese de um novo depósito em di-


nheiro igual a “C”, seria evidentemente necessário fazer a pro-
visão de reservas correspondente a êsse depósito, passando a
fórmula do coeficiente de expansão a ser *

l—r
f, = - (12)
r

o que para r = 0,10 daria o coeficiente de 9, valor limite da


série 0,9 + 0,9º + 0,9... + 9", a que nos referimos no início
dêste parágrafo.
Todos êsses coeficientes se entendem para a máxima ex-
pansão possível, que os bancos farão ou não.

c) A principal conclusão a reter é a de que, se um banco


isoladamente tentar expandir ao máximo seus empréstimos e de-
pósitos com base em um incremento de reservas “c”, êle não
o poderá fazer por quantia muito superior a essa própria re-
serva (coeficiente de expansão “e”, da ordem de 1,005 a 1,20),
principalmente pela razão de que a maior parte de “c” é, desde
logo, drenada para os outros bancos.
Nos Estados Unidos, onde o uso do cheque está largamente
difundido, e onde, por consegiiência, “h” tem um valor (da or-
dem de 0,10) muito mais baixo do que entre nós, onde o número
de bancos é enorme (portanto, “s” muito baixo), se “r” fôr apro-
ximadamente igual a 0,10, o coeficiente “e”, correspondente ao
caso -do banco isolado, é, em média, de 1.00004 e, no máximo,
para os maiores bancos, de 1,017.*
Nos países da Europa, os bancos são geralmente em menor
número e, relativamente, de maiores dimensões do que nos Es-
tados Unidos. Com s = 0,10, digamos, h = 0,10 er = 0,10, 0
coeficiente “e” seria da ordem de 1,20.
Por conseguinte, é errado dizer que um banco pode empres-
tar várias vêzes aquilo que recebe em depósito. O banco só pode

23. Artigo citado de ANGELL. é FICEK, “Journal of Political Economy”


fevereiro de 1933, pégs. 10 a 122 e 21 a 25.
24. Nos Estados Unidos é comum a obrigação para o tomador do emprés-
timo de deixar no banco um saldo correspondente a certa percentagem “b”
do empréstimo. Para b = 0,20, o coeficiente “e” sobe a cêrca de 1,20, em
média.
94 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

emprestar aproximadamente aquilo mesmo que êle recebe em


depósito. Um banco bem gerido é, em regra, um negócio lucra-
tivo, porque, graças à multiplicação da moeda escritural pelo
sistema bancário em geral, o banco empresta e lucra sôbre um
volume de depósitos várias vêzes maior do que seu capital.
Consideradas, porém, as possibilidades de expansão de cré-
dito não por um só banco, mas por todos os bancos simultânea-
mente, as drenagens de depósitos de uns para outros bancos,
correspondentes ao “c;” da fórmula (1) se compensam.
Não fôsse a drenagem de caixa para a circulação de moeda
manual fora dos bancos, correspondente à relação “h”, a única
dedução a considerar sôbre o novo encaixe inicial seria o da
reserva “r” de encaixe para depósitos; o coeficiente de expan-
são seria então (se r = 10%, por exemplo), como vimos, da
ordem de 9. Computada a drenagem de caixa para a circulação
manual correspondente a “h”, o coeficiente de expansão poderá
variar de cêrca de 3 para países como o Brasil, em que o uso da
moeda bancária (uso de cheque) ainda é reduzido, a cêrca de
5,7 (ou 6,3, quando da obrigação para o tomador do empréstimo
de manter 20% em depósito) para países como os Estados
Unidos, em que a moeda manual representa menos de 10%
(“h”) dos depósitos bancários.
d) Na aplicação das fórmulas encontram-se algumas difi-
culdades. A relação de encaixe para depósitos “r”, por exemplo,
não é a mesma para todos os bancos; em havendo transferência
de reservas de um banco de reserva habitual maior, para outro
que mantém reserva menor, a expansão poderá ser maior. De
qualquer modo, “r” deverá corresponder à média ponderada das
reservas de todos os bancos.
Mais difícil é a distinção entre depósitos à vista, que exi
gem uma reserva maior, e depósitos a prazo, para os quais a
reserva é menor.
Supusemos também constante a relação de moeda manual
para depósitos, “h”, o que, a curto prazo, é perfeitamente per-
missível.
e) Os citados autores, J. Angelle K. Ficek” estudam tam-
bém o caso da existência de um banco central para determinar,

25. “Journal of Political Economy”, abril de 1938, especialmente pá-


ginas 167-168 e 175.
TEORIA DOS BANCOS 95

então, o coeficiente máximo de expansão dos depósitos do eia-


tema bancário em função de um incremento do encaixe-ouro.
É claro que essa expansão depende da estrutura do Banco Cen-
tral quanto à emissão de notas, percentagens de reservas-ouro
para as notas e para os depósitos e de suas relações com os ban-
cos comerciais.
Na hipótese mais comum (Sistema de Reserva Federal) de
consistirem tôdas as reservas dos bancos filiados em depósitos
no Banco Central e de haver uma reserva-ouro legal mínima R
em relação a êsses depósitos e R' em relação às notas de emissão
do Banco, o coeficiente de expansão é

14h
F'=—————
h.R'4+r.R
Tomando R = 0,35, R' = 0,40, h = 0,09 e r = 0,10 (Ee-
tados Unidos), teríamos E” = 15,35, por quanto os bancos filia-
dos poderiam aumentar seus depósitos na base de um incremento
de ouro igual a 1 no Banco Central.
£) Vamos agora aplicar as fórmulas supra ao caso do Brasil,
em que uma parte da reserva dos bancos comerciais é depositada
no Banco do Brasil, o qual, por sua vez, dela se pode utilizar
para expansão de crédito.
Um excelente estudo desta hipótese foi desenvolvido pelo
Prof. Jorge Kingston,” cujos cálculos e considerações vamos
resumir. Chamemos:
R,, R, as reservas do Banco do Brasil e dos demais bancos,
respectivamente;

m,, m, os respectivos encaixes bancários de moeda manual;


d,, d, os respectivos depósitos do público;
I;, Ts as relações de reservas para depósitos, respectivamente
1 R,

e
d, d,

26. “Revista Brasileira de Economia”, setembro de 1948.


96 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

db os depósitos dos demais bancos no Banco do Brasil;


K a relação dos do reservas guardadas no Banco do Brasil,
para Rs, reserva total dos bancos comerciais;
d;
“t+” a relação — entre os depósitos no Banco do Brasil e os
do
dos bancos comerciais.
A reserva R, do Banco do Brasil é constituída únicamente
de moeda manual, R, = m:.

Sendo

Ro = mo + dp e K — ,

teremos
. ma — Ra (1 — K)

O nosso coeficiente de expansão e, da fórmula (11) supra


pode ser escrito, por definição, o
d; + d,
4>————
m; + mz

ou
d; + de
& = (13)
Ri + Ro(1—K)

Dividindo ambos os têrmos por ds, teremos


t+1
en =
R, BR.
+ (1—K)
do do

o que também se escreve


1+t 14+t
O = = (14)
Ri; di Ro. mt r(1—k)
TEORIA DOS BANCOS 97

Faltaria, porém, introduzir, a partir de 1945, as reservas


correspondentes aos depósitos de todos os bancos, inclusive o
Banco do Brasil, na Superintendência da Moeda e do Crédito.
No entanto, a delegação que foi atribuída ao Banco do
Brasil para exercer as funções da Superintendência, até a insta-
lação definitiva desta, redundou em consegiiências muito di-
versas. Viu-se êsse Banco desobrigado de desfalcar suas reser-
vas, tendo realizado a sua cota por um mero jôgo de conta-
bilidade; ainda mais, passou a recolher (à sua caixa), além dos
habituais depósitos bancários, também os depósitos compulsó-
rios a favor da Superintendência.
É, pois, como se a Superintendência não existisse como de-
tentora de reservas, tôdas as reservas sendo recolhidas, de fato,
ao Banco do Brasil.
Finalmente, para determinar, não o simples coeficiente de
expansão das reservas em depósitos bancários, como nas fórmu-
las supra, e sim o coeficiente de expansão dos meios de paga-
mento à disposição do público (total de depósitos mais a moeda
manual fora dos bancos) em relação ao total da moeda manual
(fora e dentro do banco R + M), teremos, chamando “E” êsse
coeficiente de expansão,

d+M
E=———
R+M
A fórmula (13) passa então a escrever-se

d+Hd +M
E =
R+R(1—K) +M

dividindo por d,, teremos


M
t+1+—
d 2

E =
r;d; M
—— +r(—K) +
ds 2
98 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Sendo M = hd, + hd., teremos

hd;
+ hd;
l4t+————
do
hd, + hd.
nt+tr(l—RK) +
do
aryca+h)
=. (15)
nttr(I—K) 4 hQ+t)

Para o período de 194] a 1946 inclusive, o Prof. King:


ston,” achou para a relação entre depósitos e encaixes e ; valo-
n

res de 9 a 13; para “h”, relação de moeda manual fora dos


bancos para depósitos, de 29% a 37%; para “t”, de 33%
a 44%, e para “E”, coeficiente de expansão de todos os meios
de pagamento em relação à moeda manual, de 2,96 a 3,44
(3,26, em média), o que mostra que cada vez que se emite
um bilhão de cruzeiros, isso importa, em média, num aumento
de meios de pagamento de três bilhões e duzentos milhões de
cruzeiros.*
g) A moeda fiduciária criada pelos bancos substitui per-
feitamente a moeda fiduciária manual.
Na evolução monetária, aparece, pois, de início, a nota de
banco, como moeda fiduciária de 1.º grau. Dada a importância
e a responsabilidade da emissão dessa moeda, e os abusos que
poderiam resultar da pluralidade de bancos emissores, esta emis-
são constitui, em regra, monopólio do Banco Central.
Os bancos de desconto continuam, porém, com base nas
notas do Banco Emissor, existentes em seu encaixe, a emitir
moeda bancária, sem curso legal, moeda fiduciária de 2.º grau,
À emissão de moeda bancária constitui privilégio dos ban-
cos. Nada impede que um capitalista conceda crédito ou em-

27. Revista citada, pág. 22, quadro n.º 2,


28. Em outro interessante trabalho, publicado na “Revista Brasileira de
Economia”, setembro de 1953, sob o título “A Sensibilidade do Sistema Ban-
cário Nacional”, procura o Prof. J. KiNGsTON medir a sensibilidade do sis-
tema em relação a cada uma de suas principais variáveis, recorrendo para isso
à diferenciação de “E” em relação a cada variável, “h”, “K", etc. supondo
as demais constantes.
TEORIA DOS BANCOS 99

preste certa quantia a uma ou várias pessoas, mas isso não lhe
permite emitir moeda bancária.
É preciso que o volume dos depósitos, bem como dos em-
préstimos, atinja um vulto bastante considerável para que se
torne possível a criação de crédito por meio de moeda bancá-
ria. Os pagamentos por cheque, que importam em transferên-
cia de uma conta para outra, pressupõem a existência de largo
círculo de clientes do mesmo banco. É uma consegiiência da lei
dos grandes números.
A moeda bancária só pode ser criada por bancos, e não
por simples capitalistas.

8 5.º — Depósitos e sua Natureza


Do exposto se verifica que a origem e a natureza dos depó-
sitos são pouco mais complexas do que pode à primeira vista
parecer. Considerando isoladamente os depósitos de um deter-
minado banco, não há dúvida de que êles representam as dispo-
nibilidades líquidas de seus clientes e de que o banco nada mais
é do que um intermediário” que empresta essas disponibilidades
ao Comércio, à Indústria, à Agricultura, para a movimentação
de seus negócios (capital de movimento). Essas disponibilidades
correspondem ao que os franceses chamam de épargne-réserve,
que podemos traduzir por “reservas monetárias”, isto é, aquela
parte de seus haveres que o público guarda sob forma líquida e
disponível. Mas essas reservas não representam poupança ou
economias (savings) que o público vai realizando para investir
em títulos ou em bens.
A expressão “reservas” traduz bem a natureza dos depó-
sitos à vista (ou a prazo fâcilmente disponíveis), que indivíduos
e emprêsas mantêm nos bancos para os fins indicados por Key-
nes: a) de poder realizar suas transações usuais; b) de manter
uma reserva de precaução, para imprevistos; c) eventualmente,
de especular na alta ou na baixa de títulos ou mercadorias.
Sob êsse aspecto, a função do banco comercial assemelha-se
à das caixas econômicas, de emprestar para investimentos as
economias que lhes são confiadas pelo público, com a diferença,
às vêzes não muito nítida, de que umas emprestam, a prazo mais

29. HaLM — “Monetary Theory”, 2" edição, pág. 358.


100 PRINCÍPIOS DE. ECONOMIA MONETÁRIA

longo, economias (poupança) para investimentos, e o outro em-


presta a prazo curto “reservas” ou disponibilidades que o pú-
blico mantém no banco (de preferência a guardá-las em notas
de moeda manual em cofres próprios), para movimentação dos
negócios do Comércio e da Indústria.
Por outro lado, entretanto, não se pode dizer que o con-
junto dos bancos, isto é, o sistema bancário, só empresta o que
recebe em depósito, pois vimos que, operando conjunta e si-
multâneamente, êles têm a faculdade de criar depósitos (em-
préstimos criam depósitos), isto é, de fazer variar o volume da-
quela épargne-réserve de que são depositários. O banqueiro iso-
lado, que só vê o seu banco, afirma, de boa-fé, que é um sim-
ples intermediário. Mas, se êle subisse num avião para observar
do alto o mecanismo do sistema bancário em geral, veria que
grande parte dos depósitos que êle recebe provém dos emprés-
timos concedidos pelos outros bancos e que os depósitos dêsses
outros também se originam de empréstimos por êle próprio
concedidos.
Tem-se assim proposto distinguir entre depósitos primá-
rios e depósitos derivados,” sendo primários os depósitos guar-
dados no banco para serem movimentados por cheque ou por
novos ingressos e derivados os depósitos de um banco que
resultam, inicialmente, de empréstimo concedido por êsse mes-
gmo banco, antes das drenagens a que nos referimos no pará-
grafo anterior. Vê-se, pois, que êsses depósitos derivados têm
apenas existência fugaz, transformando-se, sem demora, em de-
pósitos primários nos outros e até no próprio banco. À distin-
ção não se justifica, portanto.
O fato é que, do ponto de observação de um banqueiro iso-
lado, os empréstimos resultam de depósitos, mas, visto o con-
junto do sistema bancário, os depósitos são, principalmente,
criados pelos empréstimos.
A faculdade de os bancos comerciais concederem emprés-
timos está, como veremos, limitada por suas reservas (encaixe),
isto é, pelas maiores ou menores facilidades de reservas conce-
didas pelo Banco Central.
*
2%

80. PmiLLips — “Bank Credit” (MAc MILLAN, 1941). pág. 40.


TEORIA DOS BANCOS 101

O conceito que acabamos de enunciar, de que os depósitos


à vista nos bancos representam a reserva monetária (épargne-
-réserve) do público, não prescinde de mais alguns esclareci-
mentos.
Data venia, julgamos muito preferível êsse conceito de re-
serva monetária ao do grande mestre D. Robertson, que chama
essas disponibilidades de “economias” (savings).! Salvo uma
parte dos depósitos a prazo fixo, as economias já realizadas pelo
público são investidas em bens ou em títulos, de preferência a
depósitos bancários. À reserva monetária corresponde à dispo-
nibilidade líquida que se deseja manter para movimentação da
atividade econômica.
Essa reserva, baseada nos três motivos indicados por Key-
nes," deve evidentemente guardar proporcionalidade com o ní-
vel dos preços, ou antes, com os rendimentos (income) da co-
munhão, se bem que esta proporcionalidade tenda a ser relativa-
mente menor nas fases de intensa atividade, e relativamente
maior nas fases de depressão econômica, pois que a utilização
da reserva é forçosamente mais intensa no primeiro do que no
segundo caso.
Entretanto, a principal restrição ao conceito de reserva mo-
netária, para os depósitos bancários à vista, está em que o total
dessa reserva pode, como acima dissemos, ser alterado pelos
bancos, independentemente do público. Os bancos não podem
criar disponibilidades monetárias (depósitos) adicionais, forçan-
do a tomar empréstimos quem não o queira fazer (salvo na me-
dida reduzida em que a baixa das taxas de juros ou a dilatação
dos prazos constitua estímulo suficiente), mas podem criar es-
sas disponibilidades recorrendo aos investimentos ($ 3.º, supra),
isto é, adquirindo títulos no mercado ou, de modo geral, “mo-
netizando"** bens. Isso não aumenta os rendimentos de ninguém,
nem é, portanto, meio capaz de intensificar diretamente a ati-
vidade econômica, mas pode, às vêzes, consegui-lo, indireta-

“Cs. D. ROBERTSON — “Theories of Banking Policy”, em “Economic Essays


and Addresses”, de A. Picou e D. ROBERTSON, pág. 95.
32. A noção de encaisse désirée, que corresponde à de reserva monetária,
não é originária de KEYNES, e sim de WALRAS, tendo sido desenvolvida por
MARSHALL, como se verá no capítulo XIII, $ 1.º. Citamos KEYNES porque êle
nos. parece ter bem esclarecido os “motivos” da manutenção da reserva mo-

33. “Monetizar” é um neologismo necessário. A moeda assim criada é a


moeda que o autor chama de “ação indireta” (capítulo X, 8 3.º)
102 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

mente, através da baixa da taxa de juros. À ação dos bancos


terá assim formado uma reserva monetária adicional e involun-
tária, isto é, independente dos propósitos do público.
Nem se poderá dizer aí, como o fazem alguns keynesianos,
que as disponibilidades ou economias aumentaram porque a
“propensão a consumir” do público diminuiu. Não houve acrés-
cimo de rendimentos; foram os bancos que aumentaram es-
sas disponibilidades por iniciativa própria e unilateral, e não o
público. O que deveria relembrar aos próprios keynesianos que
o income approach é, via de regra, mais aconselhável que o
quantity-approach.
&
%* x

O elemento sôbre o qual o público guarda inteiro contrôle


não é, pois, a quantidade dos depósitos, e sim a velocida-
de de sua circulação. Se o indivíduo À deixa de comprar um
terno de roupa por Crg 2.000,00 ao alfaiate B, isto não altera
absolutamente o volume dos depósitos bancários; apenas o ban-
co não tem o trabalho de debitar a À e creditar a B, em seus li-
vros, Cré 2.000,00.º* Isso não impede, porém, que o fato tenha
a maior importância do ponto de vista econômico, pois que pode
resultar em o alfaiate dispensar empregados, deixar de comprar
casemiras e assim diminuir o nível do emprêgo de tecelões e do
consumo de energia nas fábricas, com repercussões sôbre o con-
sumo geral da coletividade e possível baixa geral de preços, que
viria dar maior valor real (poder de compra) aos depósitos ban-
cários do público. Inversamente, o aumento por parte do pú-
blico da velocidade de circulação de seus depósitos pode dar lu-
gar à alta dos preços, e consequente diminuição do valor real de
seus depósitos.
Donde se vê que, malgrado estar o volume das reservas mo-
netárias muito mais sob o contrôle dos bancos do que do pú-

384. Antigamente, o fato de A economizar Cr$2.000,00 importava em


levar êle os patacões correspondentes a essa importância para guardar no
banco. Hoje não leva nada. É por isso que se diz que ninguém pode levar
ao sistema bancário alguma coisa que já não esteja lá, no sentido de que 0
depósito de Cr$ 2.000,00 já lá está e lá fica, haja ou não compra do terno (des-
preza-se aí, é claro, o uso da moeda manual fora dos bancos, muito reduzido
nos grandes países).
TEORIA DOS BANCOS 103

blico, o valor real dessas reservas pode depender mais do público


do que dos bancos, na medida em que a velocidade de circula-
ção afetar os preços. O que melhor se esclarecerá adiante, espe-
cialmente no capítulo IX, $ 2.º.
Qual a atitude dos bancos (ou antes, da Autoridade Mo-
netária) diante dessas tendências do público? É claro que, se há
fatôres de produção desempregados, os bancos devem facilitar
novos empréstimos e aumento de depósitos, pois isso não pro-
vocará a alta de preços. Se, ao contrário, a situação já fôr muito
próxima do pleno emprêgo, os bancos deverão resistir às ten-
dências do público, recusando aumentar o volume dos emprés-
timos e depósitos.

%
Ed Ed

Varia de um a outro país, conforme os hábitos e o maior


ou menor desenvolvimento do sistema de bancos, o uso que se
faz da moeda bancária. A princípio, ela só era utilizada pelos
negociantes para pagamentos de grandes quantias; com o tempo
foi seu uso se estendendo a tôdas as transações dos negociantes
e à maioria dos pagamentos dos particulares. Hoje, nos Estados
Unidos e na Inglaterra, até os operários fazem uso da conta de
banco e do pagamento em cheque.
Os incentivos para indivíduos ou emprêsas depositarem nos
bancos seus saldos em moeda são:
a) a segurança contra roubo;
b) a facilidade com que se fazem pagamentos por cheque;
c) os juros pagos pelos bancos;
d) a facilidade de obter crédito em um banco quando se
é depositante habitual dêsse banco.
A classificação corrente dos depósitos bancários é a que os
distingue quanto ao prazo: os depósitos que negociantes e parti-
culares guardam nos bancos, como reserva monetária usual para
suas transações ou suas despesas de consumo, têm, por sua pró-
pria finalidade, de ser depósitos imediatamente disponíveis. São
os depósitos à vista.
Quando o saldo dos depósitos à vista de negociantes e par-
ticulares é francamente superior às suas necessidades, êles acham
104 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

vantagem em transformá-los, por alguns meses, em depósitos a


prazo, porque, sôbre êsses, o banco lhes paga juro maior. Por
outro lado, particulares que desejam obter um juro apreciável
de suas economias (poupança), mas que não querem investir,
desde logo, essas economias em títulos, imóveis ou outros valo-
res, também depositam essas quantias a prazo, nas caixas eco-
nômicas, nos bancos populares ou nos bancos comerciais, con-
forme suas preferências. São os depósitos a prazo fixo.
Os depósitos bancários à vista, contas dinâmicas que são,
exigem da parte do banco considerável trabalho e grande número
de empregados para sua cuidadosa escrituração. O banco age
como o clearing-house e guarda-livros da comunhão. Esse ser-
viço tem de ser cobrado dos depositantes. De outro lado, os de-
pósitos à vista exigem a manutenção de uma reserva apreciável
de caixa. Por isso, o juro pago sôbre êsses depósitosé, em regra,
muito pequeno, às vêzes nenhum.
Com os depósitos a prazo fixo já não se dá o mesmo. O tra-
balho do banco é muito menor e a reserva de caixa, muito pe-
quena. O banco pode, portanto, pagar juros bem mais elevados
sôbre os depósitos a prazo fixo do que sôbre os depósitos à
vista.
Como as necessidades dos negócios variam com o grau de
atividade econômica, as transferências de fundos dos depósitos
à vista para os de prazo fixo denotam redução de atividade, e as
de prazo fixo para depósitos à vista, aumento da atividade eco-
nômica.
Na Inglaterra, antes da primeira guerra mundial, os depó-
sitos a prazo fixo e os depósitos à vista representavam, cada um
dêles, aproximadamente 50% do total dos depósitos. Em 1919,
ao terminar a guerra, os depósitos a prazo fixo correspondiam
apenas a 34% do total. Daí por diante, essa percentagem foi se
elevando para atingir ao seu nível normal de antes da guerra.
Essa transferência continuada de fundos, das contas à vista
para as contas de prazo fixo, teve o efeito de uma medida de
deflação, que, segundo Keynes, explica uma queda no nível de
preços de cêrca de 20%, sem que tivesse havido qualquer mo-
dificação no volume dos depósitos totais.
A distinção dos depósitos, em depósitos à vista e a prazo
fixo, não é, entretanto, suficiente para certas análises que tere-
mos de fazer no estudo das variações do valor da moeda. Podem-
TEORIA DOS BANCOS 105

-se distinguir os depósitos, não pelo critério de prazo, e sim pelo


dos fins para que êles são geralmente utilizados.
Nos países de sistema bancário adiantado, o uso da moeda
manual é quase inteiramente restrito às despesas miúdas. Os
particulares consumidores fazem uso corrente da moeda bancá-
ria para todos os pagamentos que não os de suas pequenas des-
pesas diárias, de sorte que, além dos depósitos de negociantes e
emprêsas, destinados a suas transações, há a considerar os de-
pósitos de particulares.
Não há elementos nos balanços dos bancos para distinguir
os depósitos que têm por objeto satisfazer às despesas de parti-
culares, dos que comerciantes e industriais mantêm para a tran-
sação de seus negócios.
Não seria, entretanto, impossível organizar uma estatística
que separasse, aproximadamente, as contas de companhias, em-
prêsas ou firmas coletivas ou individuais, das contas de parti-
culares. Os depósitos bancários mantidos pelos particulares para
suas despesas de consumo, podem ser designados por depósitos
de rendimentos” (income deposits), eos depósitos mantidos pe-
los negociantes de tôda espécie, destinados às transações que
têm lugar durante o período de produção e comércio, podem ser
designados por depósitos de negócios (business deposits).
Nos países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, em que
é avultado o movimento das bôlsas de títulos, de especulação,
de operações no mercado monetário, etc., há a considerar ainda
os depósitos de moeda bancária utilizada para êsse fim e que se
podem designar por depósitos de finança. Entre nós, êste gê-
nero de depósitos é prâticamente inexistente.
Num regime de utilização exclusiva de moeda bancária, o
total das quantias depositadas durante o ano nas contas de de-
pósitos de rendimento, corresponderia, grosso modo, ao total dos
salários pagos durante o ano, mais o total dos ordenados, mais
o total dos juros dos que têm rendimentos, mais o total dos lu-
cros dos negócios, isto é, ao total da renda nacional ao preço
dos fatôres. .
A cifra média dos depósitos de rendimentos, representando
uma fração do total das despesas anuais, em que êles são utili-

35. J. M. KEYNES — “Trestise on Money”, vol. I, pág. 35.


106 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

zados, deve guardar também certa relação com a renda nacio-


nal. Esses depósitos de rendimentos, juntamente com uma pro-
porção maior ou menor de moeda manual, conforme os hábitos
monetários do país, representam os meios de pagamento utili-
zados na aquisição das mercadorias e serviços de consumo,
Os depósitos de negócios são utilizados nos pagamentos
feitos pelos empreendedores a crédito dos depósitos de rendi-
mentos dos fatôres de produção, nos pagamentos de matérias-
-primas, produtos semi-acabados e produtos manufaturados, no
curso de sua produção e de seu comércio entre fornecedores, in-
dustriais e comerciantes.

8 6.º — Bases do Crédito Bancário


Ao estudarmos a natureza da nota de banco (capítulo IV,
$ 1.º), citamos e contestamos a opinião dos autores que dizem
que o crédito bancário importa em uma operação de endivida-
mento recíproco. Dívida do cliente ao banqueiro pelo emprés-
timo concedido — e dívida do banqueiro ao cliente pela promessa
de pagamento que lhe entregou. Esclarecemos que êsse último
endividamento não existe. O que se dá é a simples substituição
de uma forma monetária por outra, a de moeda metálica por
moeda-notas, ou de moeda-notas por moeda bancária.
Com base naquele conceito, afirmava-se então que êsse pro-
cesso de endividamento recíproco poderia prosseguir indefini-
damente. Os banqueiros, dizia um autor, podem criar crédito ex
nihilo. O banco X concede um empréstimo ao indivíduo A. Êste
paga a B, que, por sua vez, deposita no banco Y, o qual, com êsse
depósito, vai conceder novos empréstimos, e assim indefinida-
mente.
Na realidade, nem o crédito é ilimitado, nem é criado ex
niíhilo. Se o banco Y recebe um depósito em um cheque sôbre o
banco X, êste banco X sofrerá uma redução em seu encaixe que
o obrigará a restringir o crédito, como vimos no $ 4.º.
A base do crédito bancário consiste nas reservas de moeda
manual. Quanto menor o uso que se faz da moeda manual para
as transações, maior a proporção dessa moeda, que aflui às cai-
xas dos bancos. Quanto mais baixa a percentagem mínima de
encaixe, adotada pelos bancos, maior o volume de crédito que
êles podem conceder.
TEORIA DOS NANCOS 107

Os bancos não crinm moeda bancária indeterminadamente.


Vêm sômente a faculdade de emitir direitos de sacar cheques,
na base de um múltiplo da mocda manual de seus encaixes.
Quando um banco recebe um depósito em dinheiro, ou em che-
que sôbre outros bancos, que dinheiro é, e dá, em troca, ao de-
positante o direito de sacar cheques pela mesma importância,
então êle não crin nada, nem concede crédito. Apenas substitui
uma forma monctárin por outra. Só há criação de meios de pa-
gamento, no caso dos depósitos originados por novos emprés-
timos.
E é por essa criação suplementar de meios de pagamento
que o sistema bancário moderno provê à elasticidade do crédito,
necessária à movimentação dos negócios, sem recorrer a ouro
ou a notas. Essa elasticidade é suprida pelos bancos, mas con-
trolada pela Autoridade Monetária, única emissora das notas que
constituem o lastro sôbre que os bancos emitem moeda ban-
cária.
O Banco Central emite notas sôbre a base de certa percen-
tagem de lastro-ouro: emissão de 1.º grau. E o Sistema Bancá-
rio emite direitos de sacar cheques sôbre a base de certa per-
centagem de lastro-notas: emissão de 2.º grau.
Nada impediria que os bancos emitissem suas próprias no-
tas, em vez de direitos de sacar cheques, isto é, que emitissem
moeda manual própria, em vez de moeda escritural. Essas no-
tas assim emitidas pelos bancos de desconto — se fôssem acei-
tas pelo público e por outros bancos — poderiam, perfeitamente,
circular; no vencimento do empréstimo, o devedor deveria pa-
gar ao banco prestamista nessas mesmas notas ou em notas do
banco de emissão ou, ainda, em notas de outros bancos de des-
conto. Salvo as prováveis complicações práticas no cancelamen-
to dessas notas e na organização do respectivo clearing, a coisa
seria possível.
A importância das reservas em moeda, que os bancos de-
vem conservar, depende de vários fatôres:
a) dos hábitos, em cada país, relativos à proporção do uso
da moeda manual e da moeda bancária;
b) das facilidades, para os bancos, de aplicação segura e a
curto prazo, para suas disponibilidades;
c) das facilidades de redesconto e da natureza dos seus tí-
tulos em carteira.
108 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

z
O principal título da reserva bancária é o encaixe, reserva
de 1.2 linha. Êsse encaixe compõe-se da moeda conservada nos
cofres do banco e dos seus depósitos no Banco Central, que
moeda são. É o título clássico dos balanços dos bancos inglêses:
Caixa em mãos e no Banco de Inglaterra.
Muito mais frouxa e mesmo irregular é a designação de
Caixa em moeda corrente e em depósito nos bancos. Esta última
parte do título tira-lhe a significação, porque o depósito em ou-
tros bancos pode ser uma simples ficção. Nada impede que um
banco tenha um depósito de Cr 50.000.000,00 em dois ou
três bancos e que êsses bancos, por combinação com o
primeiro, tenham nêle depósitos equivalentes, que se contraba-
lançam. Por êsse meio, o grupo de bancos aparece com dispo-
nibilidades de caixa muito superiores às verdadeiras.
A relação a manter entre o encaixe e os depósitos varia, con-
forme os hábitos de cada país, quanto ao uso maior ou menor
da moeda manual. Nos países como a Inglaterra e os Estados
Unidos, em que é mínimo o uso de moeda manual e habitual
trazer-se no bôlso o livro de cheques, mínima é a exigência de
moeda nos guichês dos bancos. Na Inglaterra, o encaixe oscila
em tôrno de 10%, sendo geralmente 5% conservados em caixa
e os outros 5% no Banco Central. Nos Estados Unidos, a lei
exige o encaixe de 7% a 13% sôbre os depósitos à vista, con-
forme o caso. Nos países como a França e o Brasil, em que se
faz grande uso de moeda manual, o encaixe tem forçosamente
de ser maior.
Muito depende, porém, da reserva de 2.2 linha, isto é, da
parte maior ou menor do ativo do banco, que pode ser ime-
diata ou quase imediatamente realizável em moeda. É o caso do
call money, empréstimo sem prazo, cujo reembôlso pode ser exi-
gido a qualquer momento. É o caso, ainda, das letras do Tesouro,
a curto prazo, e dos aceites, sempre prontamente vendáveis no
mercado monetário, sem prejuízo. Nos países como a Inglaterra
e os Estados Unidos, em que o call money, letras do Tesouro,
e aceites são aplicações correntes das disponibilidades dos bancos,
e ràpidamente transformáveis em dinheiro, essa reserva de 2.2
linha, a que se poderia chamar de quase-caixa, tem considerável
importância e permite reduzir apreciâvelmente o encaixe em
moeda, que é um ativo inteiramente improdutivo para o banco.
TEORIA DOS BANCOS 109

A possibilidade de recorrer ao redesconto no Banco Central


permite reduzir a reserva de 1.2 linha. O banco de boa repu-
tação e que dispõe em carteira de papel francamente redescon-
tável, pode râpidamente reforçar seus recursos de caixa.

8 7.º — Ritmo do Crédito Bancário

Em regime de concorrência, é natural que cada banco pro-


cure aumentar o volume de seus negócios, à custa de seus con-
correntes.

Vamos então imaginar que determinado banco passa, com


o fim de atrair novos clientes, a conceder-lhes empréstimos com
largueza. Isso importará em aumentar o montante dos paga-
mentos feitos por êsses novos clientes aos clientes de outros
bancos, de sorte que, pelo mecanismo de drenagem, já expli-
cado, êsses outros bancos passarão, através do clearing, a tornar-
-se credores do primeiro banco, por quantias cada vez maiores.
Ao ajustar suas contas diáriamente na Câmara de Compensação,
o banco ver-se-á, diante de um saldo devedor crescente, forçado
a transferir aos outros bancos suas reservas de moeda, e, por-
tanto, a restringir suas operações.
Inversamente, um banco que tenha sido mais prudente do
que os demais, se encontrará, por ocasião da liquidação de con-
tas na Câmara de Compensação, de posse de um saldo credor
cada vez maior. Suas reservas de moeda crescerão, em detri-
mento dos títulos lucrativos do ativo, e o banco terá de expan-
dir suas operações, sob pena de tornar deficitário o seu negócio.
Assim, o próprio funcionamento normal do mecanismo ban-
cário força todos os bancos a manterem o mesmo ritmo de con-
cessão de crédito.

36. 100% Money — Veremos nos últimos capítulos dêste volume que o
Banco Central dispõe de meios mais ou menos efetivos para controlar o volume
de crédito criado pelos bancos. Malgrado isso, há economistas (partidários
da “moeda neutra”, como HAYEK) que consideram sêriamente prejudicial a
elasticidade de crédito de que gozam os bancos e que propõem suprimi-la intei-
ramente. Nesse caso, os depósitos seriam lastrados por moeda manual de emis-
são do Banco ou do Banco Central, na razão de 100%. Não haveria mais
empréstimos dos bancos comerciais. Só os bancos de economias (sovings banks,
caixas econômicas) poderiam emprestar a moeda que recebessem em depó-
sito, a prazo fixo. Quanto à moeda neutra, vide 2.º volume, capítulo V.
110 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O banco que desejar aumentar os seus negócios só poderá


fazê-lo, procurando novos clientes, que lhes tragam novos de-
pósitos, em que êle possa basear novos empréstimos, e não ofe-
recendo empréstimos antes de dispor do encaixe correspondente,
Êsse ritmo comum a que os bancos devem obedecer na conces-
são de crédito é, como veremos, determinado pela política de
crédito adotada pelo Banco Central, que marca o compasso ge-
ral, como chefe da orquestra que é.

8 8.º — Solvabilidade e Liquidez

Solvabilidade e liquidez são duas noções distintas. Solvabi-


lidade é condição indispensável a qualquer emprêsa. Deve exis-
tir, sempre, margem suficiente de capital, reforçada, tanto quanto
possível, por uma reserva levada a balanço; antes que os lucros
sejam distribuídos, é mister constituir uma provisão não sô-
mente para os créditos perdidos ou duvidosos, como para qual-
quer outra depreciação do ativo e, mais do que tudo, é necessá-
rio estar constantemente atento à solvabilidade daqueles a quem
são concedidos os empréstimos.
O risco do banqueiro, cujo negócio consiste em suprir cré-
dito, é, entretanto, atenuado, não só pela multiplicidade dos de-
vedores (lei dos grandes números), como pela diversidade de
aplicação dada aos créditos concedidos, e das garantias corres
pondentes.
Há ainda outra circunstância favorável à solvabilidade dos
bancos: é a sua quase completa imunidade às variações do va-
lor da moeda. Enquanto industriais, comerciantes e agricultores
têm um passivo expresso em moeda, mas um ativo expresso
em bens, cujo valor monetário oscila com as variações do valor
da moeda, o balanço do banco é expresso em moeda, tanto no
passivo como no ativo. Salvo detalhes, o banco é imune aos
efeitos das variações do valor da moeda.
A liquidez é outro aspecto. O que distingue a estrutura de
um banco, da de outras emprêsas, é o grande vulto das respon-
sabilidades à vista. O industrial tem, em regra, um capital con-
siderável imobilizado, mas uma proporção relativamente peque-
na de responsabilidades a curto prazo. O negociante tem, geral-
mente, muito menor capital imobilizado do que o industrial,
TEORIA DOS BANCOS 111

mas já tem responsabilidades a curto prazo de maior vulto. Tra-


tando-se dos bancos, porém, o característico é o de um grande
vulto de exigibilidade à vista.
No caso dos bancos, a liguidez absoluta é inteiramente im-
possível. Não há banco que possa pretender manter uma situa-
ção de liquidez absoluta, pois a essência de seu negócio é a de
conceder um volume de crédito várias vêzes maior que o seu
encaixe. O que êle pode e deve procurar é manter um encaixe
suficiente para as situações normais, e velar para que boa parte
do seu ativo possa ser tornada líquida em prazo relativamente
curto.
Tomar dinheiro a prazo curto e emprestar a prazo longo
(borrowing short and lending long), constitui prática perigosa,
que tem levado inúmeros bancos à falência. O banqueiro é fre-
gientemente tentado a correr o risco de investimentos a prazo
longo e a juro atrativo. Mas a iliquidez eventual dêsses inves-
timentos pode pôr em perigo sua situação.
Nos empréstimos a curto prazo, poucas são as probabilida-
des de que um negociante perfeitamente solvável em janeiro ve-
nha a tornar-se insolvável em abril. Ao passo que o valor de
uma propriedade hipotecada hoje pode sofrer forte depreciação
ao fim de três, de cinco ou de 10 anos.
O banqueiro, digno dêsse título, deve, além do mais, estar
atento à questão da liquidez do sistema econômico em geral,
a que nos referimos no $ 4.º do capítulo anterior, pois não basta
que o negociante e o industrial tenham o mais honesto propó-
sito de resgatar seus empréstimos no vencimento; é preciso ainda
que êles o possam fazer. E. quem decide isso, em última instân-
cia, é, como vimos, o consumidor final.
Em casos de embaraço imprevisto, tem o banqueiro a fa-
culdade de recorrer ao Banco Central, mediante o redesconto ou
a garantia de bons papéis. Para isso é necessário, porém, que
êle disponha dêsses papéis do tipo e qualidade exigidos pelo
Banco Central.
Uma medida da solvabilidade do banco e da segurança de
seus depositantes pode ser dada pela relação entre o valor real
do seu ativo e a importância de seus depósitos, já que os depó-
sitos constituem, no passivo, o quase único título de responsa-
bilidade para com terceiros.
112 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

$ 9.º — O Capital do Banco

O capital do banco é em geral muito reduzido em relação


ao volume de suas operações, e não tem a importância que os lei-
gos geralmente lhe emprestam. .
É comum verificar-se em balanços de primeira ordem um
capital e reservas não superior a 10% dos depósitos, enguanto
que a relação de empréstimos para depósitos é de cêrca de 80%.
É, pois, de muito maior importância, para a solvabilidade
do banco, que seus empréstimos tenham sido feitos com critério
e segurança, do que que seu capital seja maior ou menor. À sig-
nificação real da cifra de capital do banco consiste no fato de
que, em caso de desastre, os acionistas perdem tudo, antes de
os depositantes começarem a perder alguma coisa. É uma mar-
gem de segurança para o público depositante. A Federal Deposit
Insurance Corporation, dos Estados Unidos, exige um capital
mínimo de 10% em relação aos depósitos. Mas essa margem
de segurança, constituída pelo capital, é menos importante para
a solvabilidade do banco do que a solvabilidade de seus
clientes.
Uma pequena margem de lucro sôbre o movimento geral
dos negócios bancários permite ao banqueiro obter lucro sufi-
ciente para a remuneração do capital. O banco paga a seus de-
positantes, mesmo aos de prazo fixo, uma taxa de juros apre-
ciâvelmente inferior à que cobra dos que lhe tomam emprésti-
mos. Sôbre um grande movimento de negócios, isso permite co-
brir as despesas do banco e remunerar um capital sempre redu-
zido em relação ao vulto dos empréstimos e depósitos.
Beaumont-Pease, presidente do Lloyds Bank, diz que a re-
ceita bruta dos grandes bancos é aplicada na proporção aproxi-
mada de um têrço para juros aos depositantes, um têrço para
pagamento de empregados ativos e aposentados e um têrço para
aluguéis, impostos, créditos perdidos e lucro líquido.

$ 10 — O Banqueiro
O banco de desconto exerce, na sociedade econômica, duas
espécies de funções. À primeira é a função passiva de custódia e
confiança. É a de guardar o que denominamos de épargne-
-réserve, pertencente a indivíduos, negociantes, industriais, que
TEORIA DOS BANCOS 113

recolhem aos bancos, em custódia, a moeda correspondente ao


seu saldo de poder de compra, em reserva.
Nisso êles têm a vantagem de se proteger contra o roubo,
de facilitar seus pagamentos, de receber, em regra, um pequeno
juro, e de ter a faculdade de recorrer ao banco para obter em-
préstimos, quando precisem.
A segunda função, que é a mais importante, decorre da
faculdade que têm os bancos, de emitir moeda fiduciária sob a
forma de direitos de sacar cheques, moeda bancária. Essa facul-
dade emissora dos bancos de desconto difere da emissão de moe-
da-notas, feita pelos governos ou pelos bancos centrais, em que
a moeda emitida pelos bancos de desconto para concessão de
crédito tem sua circulação limitada a prazos relativamente cur-
tos, ao fim dos quais ela deve ser restituída aos bancos e res-
gatada.
No exercício de sua função passiva de guarda dos dinheiros
dos depositantes, não há emissão, e sim, apenas, substituição
de uma forma monetária por outra. O banco recebe moeda ma-
nual (ou cheques sôbre outros bancos) e entrega moeda ban-
cária. No exercício de sua função ativa, porém, o banco emite
de fato moeda bancária, sem qualquer contrapartida de moeda
manual depositada.
Sendo a moeda bancária, assim emitida pelos bancos de des-
conto, recolhida e resgatada a curto prazo, e de novo emitida,
cabe, repetidamente, ao banqueiro a função de escolher as pes-
soas ou firmas em favor das quais êle faz as emissões, isto é,
a quem êle concede crédito sob a forma de moeda bancária.
Várias decisões cabem-lhe aí: as de pessoa, modalidade,
quantidade e taxa. Compete ao banqueiro deliberar a quem e sob
que modalidade êle concede o empréstimo; incumbe-lhe também
fixar a quantia do empréstimo e a taxa de juros a cobrar. Talé a
mais importante e mais delicada função do banqueiro. Para bem
exercê-la é essencial que êle seja pessoa muito bem informada
dos negócios da praça em que opera, da situação econômica e
financeira dos indivíduos e firmas com que trabalha e até da
vida particular dêsses indivíduos e sócios de firmas ou emprê-
sas. Isso porque a solvabilidade do banco é função da solvabili-
dade de seus clientes. Para isso, os bancos dispõem de uma or-
ganização, chamada cadastro, em que se recolhem tôdas as in-
ABRI PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

formações referentes a seus clientes, bem como a firmas e em-


prêsas de tôda espécie.
Cumpre ao banqueiro decidir sôbre a forma ou modalidade
do empréstimo, se por desconto de letras, duplicatas ou promissó-
rias, se por empréstimo sob caução de títulos ou valores, e por
que prazo.
A taxa de juros depende, além do estado das reservas, da
espécie de cliente e da modalidade do empréstimo. O cliente ha-
bitual do banco, seu depositante, que tenha feito com o banco
repetidos negócios, e sempre fielmente satisfeito seus compro-
missos, solicitando empréstimo para fins legítimos de seu ne-
gócio, sempre obterá uma taxa de juros mais favorável do que
o cliente novo sôbre o qual o banqueiro esteja menos informado,
tanto quanto à pessoa como quanto à aplicação a ser dada ao
empréstimo.
Aquêle que. uma vez obtido o empréstimo, saca tôda a im-
portância, e não se torna um depositante habitual do banco, não
é considerado cliente. Em regra, o crédito é de certa forma pro-
porcional ao saldo médio habitual do depósito. Nos Estados Uni-
dos é mesmo comum a exigência de um saldo mínimo.
Assim, as duas funções do banco, passiva e ativa, estão
intimamente ligadas.
De sua capacidade de emitir moeda e conceder crédito, de-
corre o prestígio do banqueiro. Não é que êle seja muito rico,
nem representante de gente muito rica, nem que disponha de
grande capital. O seu prestígio, além de sua boa reputação e de
sua capacidade, decorre, sobretudo, de sua faculdade emissora.
A capacidade do banqueiro, de conceder crédito, vem de sua
faculdade de emitir moeda bancária a curto prazo e emprestá-la
a quem bem entender. Essa emissão êle a faz hoje em favor
de À, amanhã em favor de B. Com a moeda que emite, o ban-
queiro facilita a movimentação do Comércio e da Indústria, pon-
do-a ao serviço daqueles que dela têm necessidade, na ocasião,
para fins legítimos de produção ou de comércio.
Existe, a cada momento, um saldo devido pela sociedade
aos produtores, em consideração daquilo que éles já realizaram,
pelos seus serviços ou pelos seus bens, para a produção de ri-
queza, mesmo que o produto não esteja ainda acabado ou ven-
dido. Na medida em que êste saldo devedor da sociedade tenha
sido assumido pelos banqueiros, os produtores podem se per-
TEORIA DOS BANCOS 115

mitir adquirir novos bens e prosseguir em seu trabalho de pro-


dução, sem que tenham, ainda, recebido o pagamento do tra-
balho anteriormente realizado.
Vimos no capítulo sôbre o Crédito como se processa a
colaboração do crédito à produção e ao comércio. É êsse crédito
que permite ao agricultor vender suas safras a um comprador
longínquo, e desde logo receber o pagamento; que permite ao
industrial adquirir a matéria-prima, e pagar os operários antes
de ter o produto pronto para vender; ao negociante com-
prar mercadoria, e só pagá-la depois de ter tido o tempo de
vendê-la, etc.
É a isso que se aplica, ou, pelo menos, que se deve aplicar
a faculdade emissora dos bancos de descontos.

$ 11 — O Destino do Crédito

Os empréstimos concedidos pelos bancos comerciais des-


tinam-se, em princípio, à movimentação dos negócios do Comér-
cio e da Indústria. Como título de crédito tipicamente represen-
tativo de capital de movimento, prepondera geralmente a letra
de comércio, chamada, entre nós, de “duplicata” e, na Inglaterra,
de trade acceptance. A preferência por essa espécie de papel re-
sulta de ser êle representativo de mercadorias já vendidas por
um comerciante a outro, de ser garantido por duas firmas e de
ser de prazo usual de 90 a 120 dias. Pode a duplicata represen-
tar mercadorias prontas para consumo, ou matérias-primas, ou
produtos semi-manufaturados; a primeira dessas espécies goza
da preferência dos banqueiros pela presunção de que a merca-
doria pronta para consumo é quase dinheiro líquido (self-liqui-
dating paper).
A êste respeito, as indústrias que produzem “serviços”, em
vez de mercadorias, como as de transportes, de energia elétrica
e outras, que não podem sacar duplicatas sôbre seus clientes,
apresentam-se em condições de inferioridade para o crédito. Mas
elas têm, em muitos casos, a vantagem de vender seus produtos
diretamente ao público a dinheiro à vista.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, os bancos encontram
muitas “aplicações” de suas disponibilidades em títulos chama-
dos “aceites” de bancos ou casas bancárias, ou no desconto de
116 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

letras de comércio já avalizadas, como melhor se verá no capí-


tulo seguinte.
Além dos empréstimos com base nas duplicatas ou nesses
outros títulos, é comum o empréstimo garantido por caução de
títulos ou mesmo por simples promissórias (geralmente avaliza-
das). Nesse caso, o banco está, em geral, bem garantido, mas não
se sabe qual o destino do crédito. Pode êle ser utilizado para
capital fixo, como pode ser usado para especulação sôbre títulos
ou mercadorias. Banqueiros há, da velha escola, que sustentam
que, desde que êles estejam satisfeitos com a boa solvabilidade
do beneficiário, pouco lhes interessa o destino do crédito.”
Outro princípio, muito atraente, mas igualmente sujeito a
reservas, é o de que o crédito destinado à produção não pode ser
maléfico, nem excessivo. É o princípio enunciado no célebre re-
latório anual do Sistema de Reserva Federal americano, do ano
de 1923, onde se lê que “êle é um sistema de crédito produtivo,
e não destinado a investimento nem a especulação...” e que
“há pouco perigo de que o crédito assim limitado a fins de pro-
dução venha a ser excessivo”. Este princípio do Federal Re.
serve, já hoje largamente superado por suas próprias publica-
ções posteriores, é perigoso: 1.º) porque não condiciona a ex-
pansão de crédito à disponibilidade de fatôres de produção;
2.º) porque não considera que o crédito seletivo (para fins de
produção) não fica amarrado aos objetivos para que foi origi-
nàãriamente criado, saltando de galho em galho em muitos ou-
tros setores até ser extinto, não levando tampouco em conta a
extensão do período de produção e, portanto, de duração do
crédito; 3.º) porque sua aplicação sem restrições importa em
que o sistema bancário deva suprir todo o capital de movimento
correspondente ao algarismo dos negócios, assunto do parágrafo
seguinte.
A repartição do crédito bancário entre as várias atividades
comerciais e industriais deveria ser objeto de estatísticas cuida-
dosas, que seriam de grande proveito para a apreciação da con-
juntura. Isto permitiria o estudo comparativo e o estabelecimento
de índices da atividade de cada ramo de operações industriais,
comerciais e financeiras.
37. “O benqueiro deveria examinar a espécie de empréstimo que se lhe
golicita, não do ponto de vista exclusivo das garantias oferecidas, e sim do
efeito que o empréstimo terá sôbre o nível dos preços e o desemprêgo” (D. H.
ROBERTSON — “Depoimento no Comitê Mac Millan”, 1930, 8 4.732).
TEORIA DOS BANCOS 117

Os bancos inglêses publicam uma discriminação interessan-


te da distribuição de crédito, na seguinte ordem: |) Indústrias
têxteis (algodão, lã, seda, linho, juta); 2) Indústria pesada
(ferro, aço, engenharia, exclusive construção civil); 3) Agri-
cultura e pesca; 4) Mineração (incluindo carvão); 5) Alimen-
tação, bebidas e tabaco; 6) Borracha e produtos químicos;
7) Navegação e transporte (inclusive estradas de ferro);
8) Construção civil; 9) Comércio, diversos (incluindo os reta-
lhistas): 10) Governos locais e emprêsas de utilidade pública
(com exclusão das estradas de ferro); 11) Diversões, clubes,
igrejas, caridade, etc.; 12) Finança; 13) Outros empréstimos.
Veremos, ao estudar mais tarde as questões de política ban-
cária, as preciosas indicações que se podem tirar desta estatística.

8 12 — As Necessidades dos Negócios


De acôrdo com a primitiva teoria do Federal Reserve, a
moeda ou o crédito criados para atender aos reclamos reais do
Comércio e da Indústria, para movimentar a produção, não pode
ter efeitos inflacionistas. Um negociante pede ao bangueiro um
empréstimo de Crg 200.000,00 para fazer um negócio dêsse
mesmo valor, alegando tratar-se de uma transação legítima, e,
se encontra recusa, queixa-se de que o sistema bancário não está
cumprindo o seu dever de auxiliar o Comércio e a Indústria.
Vejamos, entretanto, como se passam as coisas.
Às pessoas que assim recorrem aos bancos não são, salvo
raras exceções, aquelas que têm as mercadorias ou serviços pron-
tos e disponíveis. Se se trata de um importador, as mercadorias
ainda estão no estrangeiro; se se alude a um agricultor, êle ainda
vai semear; se se cogita de um inventor, a idéia ainda está na
cabeça; se se refere a um industrial de tecidos, êle ainda vai
comprar o algodão; se se cuida de um exportador, êle ainda vai
comprar a mercadoria, etc.
Digamos que o banqueiro, diante das alegações do nego-
ciante, lhe abre um crédito novo de Crê 200.000,00, que im-
porta em aumentar de Crê 200.000,00 os empréstimos e os
depósitos bancários.
Não há nenhuma adição imediata de mercadorias e servi-
ços. Os Crá 200.000,00 representam uma corrente adicional de
meios de pagamento, que aflui ao mercado, em concorrência
118 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

com a mocda já existente, e aí vai saltando de um setor para o


outro, disputando a compra de mercadorias e serviços. Para usar
da imagem do Prof. Robertson,” êsses Cr$ 200.000,00, em to-
dos os galhos em que pousam, vão provocando alta de preços.
Quanto maior fôr o período de tempo necessário para que
os produtos apareçam, isto é, quanto maior fôr o período de
produção, maior será o dano causado. Também a velocidade de
circulação da moeda não é indiferente, pois que, quanto maior
fôr esta velocidade, maior será o número de galhos em que terão
passado os Cr$ 200.000,00, antes que a produção se tenha rea-
lizado.
Assim, o efeito inflacionista produzido pelos ..........
Cr$ 200.000,00 será tanto maior quanto mais longo fôr o pe-
ríodo médio de produção das mercadorias e maior a velocidade
de circulação da moeda.
Uma vez produzidas as mercadorias, se o crédito adicional
é cancelado, tudo volta à situação primitiva. Todavia, se êsse
crédito adicional é renovado, como em geral o é, talvez não em
favor do próprio negociante ou industrial, e sim de um outro
que lhe tenha comprado as mercadorias, os efeitos dêsse crédito
sôbre os preços dependerão da velocidade de circulação da moeda
comparada com a das mercadorias.
Examinemos a noção de capital de movimento ou de capi-
tal de circulação, para procurar verificar qual deve ser, em mé-
dia, a quantidade de crédito bancário para movimento dos ne-
gócios, em relação ao vulto dêsses negócios da Indústria ou do
Comércio.
Existe em cada país, a cada momento, grande quantidade
de mercadorias em processo de produção, às quais já foram apli-
cados trabalho e esforços de várias naturezas, mas que ainda
não estão prontas para serem entregues ao consumidor. Esta
massa de capital de circulação inclui os estoques de matéria-
-prima nos depósitos, nos porões dos navios, os produtos semi-
«acabados, em via de fabricação, o combustível em depósito e em
utilização, etc.
Qual a relação entre êste capital de circulação e o volume
da produção?

38. ROBERTSON — Ob. cit., pág. 102.


TEORIA DOS BANCOS 119

Se. para simplificar, admitirmos que a despesa de produ-


ção tem lugar uniformemente durante todo o período dessa pro-
dução, chegaremos à conclusão de que o capital de circulação
necessário é igual à metade do valor final da produção em curso,
De fato. Suponhamos que se trata de uma salsicharia me-
cânica; que cada salsicha leva 10 minutos a percorrer as máqui-
nas e que a produção é de uma salsicha por minuto. Se tomarmos
a situação em qualquer instante determinado, encontraremos
uma salsicha já com nove minutos de fabricação, outra com
um minuto, outra com três minutos, etc. O valor total dos
10 objetos amorfos, em curso de fabricação, é evidentemente
igual ao de cinco salsichas completas, isto é, à metade do valor
da produção em curso, quando concluída, que será de 10 sal-
sichas.
Assim, para que um industrial ou um negociante produza
ou movimente um negócio de Crê 200.000,00, êle não pre-
cisa dispor de todos êsses Cr$ 200.000,00 durante o período
da produção ou do negócio. No caso do industrial, por exemplo,
que utiliza os recursos obtidos na compra das matérias-primas
e no pagamento de salários, sua necessidade de recursos começa
em zero, no início do período, para acabar em Crg 200.000,00,
no fim do período, de sorte que, em média, basta que o indus-
trial disponha de um capital de movimento de Cr$ 100.000,00 e
não de Cr$ 200.000,00, capital, portanto, igual à metade do
valor da produção.
Na hipótese inversa, a de um negociante que adquira merca-
dorias para vender, no valor de Crg 200.000,00, é provável que
êle vá efetuando a venda dessas mercadorias uniformemente
durante o período de três meses, digamos; a sua necessidade de
capital de movimento parte de um total de Cr$ 200.000,00, no
início da operação, para chegar a zero, no fim da mesma, de
modo que, em média, êle não precisa de mais de Cr$ 100.000,00
de capital de movimento para realizar o seu negócio.
Em dado momento e para cada um de seus negócios, iso-
ladamente, o industrial e o negociante precisam do máximo dos
Crê 200.000,00 figurados, mas êsse industrial ou êsse nego-
ciante não fazem um só negócio de cada vez. Enquanto uma
operação se inicia, outras estão em meio e outras estão se con-
cluindo, de sorte que o capital de movimento correspondente a
120 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

cada operação será, em média, igual à metade do valor dessa


operação.
Podemos, portanto, dizer aos partidários do princípio das
necessidades de negócios, que o industrial ou negociante deve
poder tomar emprestado, não uma quantia correspondente ao
valor total das mercadorias que êle pretende produzir ou nego-
ciar, e sim uma importância igual à metade dêsse valor, pois que
é essa metade que corresponde a suas necessidades de capital de
movimento. Há a considerar, ainda, que não é aceitável o prin-
cípio de gue cabe ao sistema bancário do país o encargo de su-
prir sózinho todo o capital de giro para todos os negócios. Se
assim fôsse, onde estaria o capital dos comerciantes, cujo único
objeto é exatamente o de movimento? Que garantias teria en-
tão o banco, lidando com um negociante sem capital?
Na Inglaterra, os grandes bancos consideram que o crédito
bancário concedido ao Comércio e à Indústria deve ter um ca-
ráter sazonal e que, pelo menos uma vez por ano, o débito de
cada cliente deve ser igual a zero.
A bússola geral é evidentemente a da disponibilidade de
fatôres de produção, como indicada pelo seu principal termô-
metro, que é o dos preços dêsses fatôres. Mas, de qualquer for-
ma, é certo que o crédito bancário não deve, em média, exceder
uma parte do capital de giro dos negociantes e que as necessi-
dades de capital de giro não ultrapassam, em média, à metade do
algarismo dos negócios.

8 13 — Regulamentação e Fiscalização

O problema da regulamentação verdadeira e eficaz dos ban-


cos é muito complexo; porque, além da análise quantitativa, que
se pode fazer pela inspeção dos seus livros, seria necessário
proceder à análise qualitativa dos créditos concedidos e das
garantias obtidas.
A legislação dos Estados Unidos, o único dos grandes paí-
ses que adotou a regulamentação, mantém um serviço de ins-
peção de bancos, mas é duvidoso que êsse serviço possa ir além
do exame quantitativo dos balanços e apreciar, nos 15.000
bancos dos Estados Unidos, os créditos individuais, seu prazo,
sua natureza e, sobretudo, a solvabilidade das pessoas ou firmas
TEORIA DOS BANCOS 121

a quem foram concedidos. E os Estados Unidos acabaram crian-


do um fundo de seguros para os depósitos bancários.
Críticas têm sido levantadas contra a falta de clareza dos
balanços, apontando-se a necessidade da publicação de maiores
detalhes, como o das despesas do banco, da provisão feita para
dívidas perdidas ou duvidosas, etc. Entretanto, se tais detalhes
fôssem publicados, êles poderiam, na ausência de outras expli-
cações, ter uma repercussão desfavorável sôbre o público, sem
que, de fato, para isso, houvesse real justificativa.
Na Alemanha, a Comissão de Inquérito da Reforma Ban-
cária, reunida em Berlim, em novembro de 1933, pronunciou-se
contrária à regulamentação, sobretudo pelo fundamento de que
o que importa, principalmente, é a qualidade das operações e
que essa qualidade não pode ser controlada por fórmulas le-
gais. Estabelecida a regulamentação, o fato de o balanço de um
banco ter sido aprovado deveria constituir para os depositantes
uma garantia completa, que, de fato, é impossível dar.
Há, por isso, quem sustente que a ausência da regulamen-
tação ainda é a melhor das alternativas, deixando que a con-
fiança dos depositantes se baseie no conceito que cada um for-
ma de seu banco, e não na aprovação legal do balanço.
De qualquer modo, é indispensável, no Brasil, como na
maioria dos países, que se procure padronizar os balanços e con-
trolar sua veracidade. Assim, o encaixe só deve incluir moeda e
depósitos no Banco Central, com exclusão dos depósitos em ou-
tros bancos, prática de evidente irregularidade; o balanço deve
apresentar, separadamente, os algarismos de Letras descontadas,
Duplicatas descontadas e Empréstimos em conta-corrente, bem
como os algarismos dos Depósitos a prazo fixo separadamente
dos Depósitos à vista, o que, aliás, é hábito corrente dos bancos
no Brasil, mas não em todos os países. No passivo deveria figu-
rar o título “Banco Central”, indicando a importância do redes-
conto.
Seria também de bom alvitre não permitir a inflação dos ba-
lanços dos bancos com algarismos referentes a operações, por
que o banco não é responsável, como as de cobranças, por exem-
plo, cuja indicação deveria passar para uma nota à margem.
Assim também o item, que muitos bancos acrescentam, nos dois
lados do balanço, de Valores caucionados e em custódia, que nem
sequer tem significação, porque os títulos em custódia (que os
122 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

clientes entregam ao banco para cobrança de juros e dividendos)


não constituem ativo nem passivo do banco. E êsses títulos em
custódia nada têm a ver com os títulos caucionados, isto é, da-
dos em garantia de empréstimos, que, êstes sim, poderiam ter
interêsse, se indicados isoladamente, apesar de tampouco cons-
tituírem ativo do banco.
Seria aconselhável que o “visto” do órgão fiscal incluísse
a verificação da existência de uma provisão adequada de reserva
para créditos duvidosos ou perdidos.
Estas e outras sugestões da mesma natureza poderiam cons-
tituir as bases para uma regulamentação, que iria sendo corri-
gida com a prática e a experiência.
Presume-se que as cifras dos balanços dos bancos em seus
vários títulos, Depósitos, Empréstimos, Letras descontadas,
Caixa, etc., representam com fidelidade a sua situação, quer di-
zer, que o balanço tenha sido feito com lealdade e honestidade.
Se, porém, o título Letras descontadas está enxertado de
promissórias de favor (papagaios), se os Empréstimos em conta-
«corrente não são cobertos de garantia suficiente; se êsses em-
préstimos, em vez de serem a curto prazo, foram dados a prazo
longo; se o ativo abrange empréstimos que os dirigentes do
banco sabem de liquidez duvidosa ou nula, etc., o balanço torna-
-se ilusório, e, atrás da aparência enganadora dos algarismos,
pode estar um banco, de fato, insolvável. Se o banqueiro em-
prestou mal ou confiou seus recursos a firmas ou emprêsas de
solvabilidade duvidosa, sua situação pode ser precária, ainda que
seu balanço aparente conformidade com as normas legais.
Não é, portanto, possível formar uma opinião definitiva
sôbre a situação de um banco pela simples análise de seu ba-
lanço.
8 14 — Concentração dos Bancos de Desconto
A direção de um banco de desconto não requer conheci-
mentos especiais de ciência econômica. Exige, porém, probidade,
administração, completa informação e capacidade de julgamento
dos negócios e dos homens, o que não é pouco.
Dado o grande número de depositantes, quando uns redu-
zem os seus depósitos, outros os aumentam. O banqueiro tira
as vantagens decorrentes da lei dos grandes números. À medida
que crescem as operações do banco e a diversidade de seus
TEORIA DOS BANCOS 123

negócios, maior é a probabilidade de compensação entre o sen-


tido das oscilações de uns e de outros. É esta uma das vantagens
da concentração dos bancos de desconto, que nas últimas dé-
cadas se tem processado na Inglaterra, na França e em outros
países, dando lugar à criação de grandes estabelecimentos de
crédito.
A esta vantagem juntam-se as que, em qualquer gênero
de negócio, decorrem da concentração: redução de despesas ge-
rais, especialização dos serviços e aperfeiçoamento do pessoal
por uma melhor seleção. Do ponto de vista psicológico, o pres-
tígio do banco e a confiança que êle inspira também beneficiam
de seu crescimento.
A formação dos grandes estabelecimentos de crédito pro-
vocou receio das graves consegiiências que poderiam eventual-
mente advir de sua má administração. Receava-se também que
essas grandes organizações pudessem libertar-se inteiramente da
tutela do Banco Central, deixando de acompanhar ou mesmo
opondo-se à sua política monetária. Outros entendiam, ao con-
trário, que a concentração dos bancos de desconto viria tornar
mais fácil e mais efetivo o entendimento entre o Banco Central
e um menor número de grandes bancos.
Argúia-se também que a concentração dos bancos de des-
conto, com o desaparecimento de grande número de pequenos
bancos locais, seria causa de uma distribuição menos democrá-
tica do crédito. O pequeno comerciante local, o industrial re-
gional já não tinha, com as filiais dos grandes bancos, as mes-
mas relações pessoais que lhe facilitavam o crédito junto aos
pequenos bancos locais. É o ponto de vista ainda dominante nos
Estados Unidos.
Entretanto, a análise dos créditos concedidos pelo grande
sistema bancário inglês, onde a concentração é típica, mostra que
os pequenos empréstimos e a atenção dada à pequena clientela
nada sofreram com a substituição dos pequenos bancos locais
pelas filiais dos grandes bancos. O Midland Bank publicou a
êste respeito, em 1929, algarismos interessantes, mostrando que,
de um total de £ 214.000.000, a média geral de cada emprés-
timo fôra de £ 1.200 e que o número de pessoas a quem ha-
viam sido concedidos êsses empréstimos montava a 180.000.
Não está, aliás, no interêsse das filiais dos grandes bancos dei-
124 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

xar de atender às necessidades de crédito nos locais onde se es-


tabelecem.
A experiência tem demonstrado as 'apreciáveis vantagens
da concentração dos bancos de desconto. Uma delas é a da ge-
neralização de métodos bancários seguros e racionais; outra é
a da formação de pessoal habilitado, obtido por uma seleção
que começa nas pequenas filiais e acaba nos grandes centros;
outra é, ainda, a do fato de um grande banco, com muitas su-
cursais, poder movimentar os recursos segundo as necessidades
de crédito de cada região, em cada época do ano. Um banco com
filiais espalhadas pelo Brasil inteiro pode melhor atender às ne-
cessidades da Agricultura, do Comércio e da Indústria, dirigindo
os seus recursos, ora para São Paulo, no momento da colheita
do café, ora para o Nordeste, no momento da colheita do algo-
dão ou da moagem das canas, ora para o Rio Grande do Sul,
na ocasião das safras de arroz.
Os grandes bancos de desconto operam, assim, como verda-
deiros reservatórios centrais de crédito, dispondo de um sistema
de canais pelos quais se facilita e se torna mais econômica a
irrigação financeira, podendo o suprimento ser dirigido, em cada
momento, para aquela zona do país em que a necessidade é mais
pronunciada.
A experiência dos Estados Unidos parece, ainda, mostrar
que um sistema de muitos bancos pequenos oferece maiores ris-
cos do que o de grandes unidades. Em 1927, 662 bancos, com
depósitos no valor de 193 milhões de dólares, suspenderam pa-
gamentos, e em 1928, 491 bancos, com depósitos no valor de
138 milhões de dólares, tiveram a mesma sorte, conquanto em
nenhum dêsses anos houvesse qualquer sintoma de crise ban-
cária. De 1929 a 1939 baixou, nos Estados Unidos, o número
de bancos de 25.000 para 15.000.
Pode-se dizer, portanto, que a concentração dos bancos de
desconto só tem sido favorável ao aperfeiçoamento do Sistema
Bancário e à economia dos países que a têm adotado.
Levada ao extremo, poderia essa concentração levantar a
questão da nacionalização dos bancos, ponto usual das plata-
formas socialistas; mas isso é assunto que não cabe tratar aqui.
CapíruLO VII

O MERCADO MONETÁRIO

Nos grandes centros de Comércio e de Finança internacio-


nais, especialmente em Londres e Nova York, onde se liquidam,
em grande parte, as contas das transações internacionais de co-
mércio, onde são avultados os movimentos de capitais e onde
os negócios da Bôlsa de Títulos representam uma parte impor-
tante das transações monetárias, os bancos de desconto tomam
parte nas operações a curto prazo, a que dão lugar êsses negó-
cios, e nelas encontram boa aplicação para aquela parte de suas
reservas, que chamamos de 2.2 linha.
Se bem que a maior parte dessas operações sejam peculia-
res a êsses grandes centros financeiros, há interêsse em conhecê-
-las, não só para a compreensão de várias questões de Política
Bancária, estudadas no 2.º volume dêste livro, como pela pos-
sibilidade de aplicação de uma parte dessas operações a outras
praças.
Para isso, vamos apreciar o balanço, abaixo transcrito, que
representa uma consolidação dos balanços dos cinco maiores
bancos inglêses, há alguns anos atrás:

Ativo
Em milhões
de libras
Caixa em mãos e no Banco da Inglaterra .... 208
Cheques em curso de cobrança ....... ae 66
Empréstimos à vista ou a curto prazo (loans
at calland short notice) ........ RR 149
Letras descontadas ......... Cecerereras 231
Investimentos ........... Cesare. 234
126 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Empréstimos (loans and advances) ....... 869


Responsabilidade de clientes por aceites e en-
dossos .....cccccccoo. NON 206
Imóveis ....cccccccccccccca Cerca 31

Total .......... o Cerro V.994

Passivo
Capital ............ A errar 64
Fundos de reserva .........cccccccc. 52
Depósitos à vista e em conta-corrente ..... 1.665
Aceites e endossos para os clientes ....... 206
Lucros e perdas ................ Ceres 7

Total ......ccccccccccccccccco 1.994

Já conhecemos bem tanto a significação dos títulos do Ativo,


Caixa, Cheques em cobrança, Letras descontadas e Investimen-
tos, quanto a dos do Passivo, Capital, Depósitos e Fundos de
reserva.
$ 1.º — Aceites
Vemos no Passivo do balanço 206 milhões de libras, de
Aceites e endossos para os clientes, compensados no Ativo por
Responsabilidades de clientes por aceites e endossos, no mesmo
valor de 206 milhões de libras.
O aceite é uma operação relativa ao comércio internacio-
nal, a que já nos referimos no capítulo V, 8 2.º. A princípio, as
letras sacadas no comércio internacional eram diretamente leva-
das a desconto nos bancos. Mas a facilidade dêsse desconto de-
pendia do crédito e da reputação da firma aceitante. Uma letra
aceita por uma firma de primeira ordem e de crédito indiscuti-
vel era descontada não só com maior facilidade, mas, também, a
uma taxa de juros mais favorável do que as letras aceitas por
comerciantes de menor reputação ou de crédito menos bem fir-
mado.
Foi isso que deu origem à idéia de que comerciantes de
menor capital, menor crédito e menos conhecidos poderiam subs-
tituir o seu próprio aceite pelo de outro negociante de maior
O MERCADO MONETÁRIO 127

reputação ce de maior crédito, cuja assinatura facilitaria o des-


conto da letra e permitiria obter uma taxa mais favorável. É
claro que êsse comerciante mais graduado, só dava a sua assi-
natura, isto é, o seu aceite, mediante uma comissão pelo risco
assumido e depois de ter examinado não só o crédito do soli-
citante como a natureza da transação que dera lugar à letra.
Assim, certas firmas comerciais de primeira ordem foram,
pouco a pouco, fazendo uso de sua firmada reputação para acei-
tar letras relativas a transações estranhas às suas próprias fir-
mas. Paulatinamente, foram essas grandes firmas se transfor-
mando em negociantes de aceites (acceptance houses).
Em regra, cada casa tinha a sua especialidade, quer quanto
ao gênero de mercadoria, quer quanto aos países com que tra-
balhava. Uma operava em lã, outra em trigo, etc., tendo cada
uma perfeito conhecimento do mercado dêsses produtos e das
firmas dêsse gênero de comércio. Elas davam a garantia de seu
aceite às firmas que lhes mereciam crédito e percebiam uma co-
missão, emprestando sua assinatura, para o fim de tornar a letra
facilmente descontável às melhores taxas.
Ao lado das acceptance houses que tinham evoluído do Co-
mércio para a Finança, havia as casas cujos negócios já eram
de finança e que passaram igualmente a fazer o negócio do
aceite.
Não eram, porém, bancos de depósitos e desconto; não eram
banqueiros, no sentido próprio do têrmo. O aceite não importa
em desconto. Essas firmas limitavam-se a dar o seu aceite, isto
é, a garantia de que a letra seria paga no vencimento, no caso
de o sacador e de o sacado não satisfazerem a obrigação, e uma
letra assim aceita era facilmente descontada, em condições as
mais favoráveis, por qualquer banco.
São as letras assim aceitas que constituem a base do grande
mercado monetário de Londres, money market, cujo vulto pode
ser indicado pela cifra a que, em fins de 1929, atingia o total de
aceites em circulação na praça de Londres, cêrca de 350 milhões
de libras esterlinas.
Compreende-se quanto é delicada a função de aceitante e
que prejuízos pode uma firma dessas vir a suportar em casos
de iliquidez generalizada.
Essas grandes firmas foram, porém, gradativamente, per-
dendo contato direto com as praças estrangeiras. À guerra de
128 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

1914-1918 interrompeu essas relações e, com o tempo, passaram


elas a tratar não mais diretamente com os negociantes, e sim
com bancos estrangeiros, que, com melhor conhecimento da si-
tuação local, davam a sua garantia às letras destinadas a aceite
no mercado de Londres.
Essa nova forma de operação, feita, não já diretamente com
os negociantes, e sim através de bancos estrangeiros, fêz com
que os grandes bancos de desconto passassem a operar em acei-
tes, em concorrência com aquelas firmas. Se as letras eram ga-
rantidas por um banco local, deixava de haver necessidade do
conhecimento especializado das firmas que as subscreviam. No
aceite, o banco empresta ao negociante seu nome, em vez de em-
prestar seu dinheiro.
São êsses “aceites” que figuram no balanço supra por 206
milhões de libras.
A operação do aceite tem tido, nos últimos anos, grande
desenvolvimento em Nova York, graças ao prestígio do dólar.
O algarismo das operações americanas desta natureza rivaliza
hoje com o de Londres.
Em França, as operações de aceite não têm tido maior de-
senvolvimento, não só pela tributação a que estão sujeitas, como
pela relutância dos banqueiros franceses em pôr sua assinatura
em circulação. Os franceses são extremamente prudentes. Em
vez de realizar esta operação, êles preferem depositar nos bancos
de Londres os seus fundos disponíveis. E, desta forma, muitas
vêzes acontece que o comércio exterior da França é financiado
em Londres, com recursos depositados pelos bancos franceses.
Na Alemanha, antes da primeira guerra mundial, os ban-
cos serviam-se, comumente, do aceite dos bancos franceses para
obter capital a curto prazo, fregiientemente renovado, descon-
tando as letras no mercado de Paris a taxas muito baixas e uti-
lizando-se dos capitais assim obtidos para a movimentação do
comércio alemão.
O aceite é uma operação peculiar aos grandes centros do
comércio internacional. Não tem, nem provâvelmente terá, apli-
cação em nosso país, não por carência de bancos dispostos a dar
o aceite, mas pela ausência de mercado monetário, onde os acei-
tes circulem como objeto de compra e venda.
Nem por isso deixa de ser interessante o conhecimento da
operação do aceite, tanto para entendimento do que se passa
O MERCADO MONETÁRIO 129

nos mercados financciros do exterior, como para qualquer even-


tual adaptação ao nosso meio.

$ 2.º — O Mercado de Letras e o “Call Money”


Voltando ao exame do nosso balanço consolidado de ban-
cos inglêses, encontramos, no Átivo, o título Empréstimos à vista
e a curto prazo, no valor de 149 milhões de libras.
Trata-se aí de outro gênero de operações peculiares aos
grandes centros financeiros.
Êstes empréstimos, como seu próprio título o indica, não
têm prazo; o banqueiro que emprestou hoje determinada quan-
tia, sob essa modalidade, pode reclamar o seu reembôlso amanhã.
Por vêzes, há um prazo não excedente de uma semana.
Isso não quer dizer, porém, que os recursos assim supridos
pelos bancos sejam automâticamente reembolsados dentro de
um, de dois ou de sete dias. Apenas, o tomador do empréstimo
sabe que pode ser chamado a reembôlso, a qualquer momento.
Na prática, êle acompanha a situação do mercado monetário, está
ao par das possibilidades de ser chamado a reembôlso, e pode to-
mar, em tempo, as providências necessárias.
Para os banqueiros, êstes empréstimos à vista ou a curtís-
simo prazo representam uma conveniente aplicação para as so-
bras de caixa, ainda que a uma taxa de juros reduzida. Êsses
empréstimos correspondem prâticamente a Caixa em mãos de
terceiros, e são utilizados no mercado monetário, onde se nego-
ciam os aceites e as letras do Tesouro. É com êsse papel a curto
prazo que opera o mercado monetário das grandes praças. E. os
profissionais que negociam na compra e venda de aceites e le-
tras são os corretores de letras (bill brokers).
Éles operam, em parte, por conta própria, guardando uma
parte dêsses aceites em carteira até o vencimento e revendendo
outra parte aos bancos de desconto.
Mas, para isso, êles precisam de capital de giro. Sendo seu
capital próprio, geralmente, pequeno em relação ao volume de
suas transações, êles recorrem aos bancos de desconto, onde ob-
têm os recursos de que precisam, sob a forma de call money, isto
é, de Empréstimos à vista ou a curtíssimo prazo. É com êsse di
nheiro que comumente operam os corretores de letras.
Com a evolução, foram se criando verdadeiras casas de des-
conto, com capital e crédito respeitáveis, que recebem dinheiro
130 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

do público em depósito e anunciam regularmente as taxas de ju-


ros que pagam e que são, geralmente, pouco superiores às taxas
oferecidas pelos bancos. Não obstante, estas casas de desconto
recorrem ainda largamente ao crédito de call money, suprido pe-
los grandes bancos. O negócio dos corretores e casas de desconto
é análogo ao do bangueiro, pois consiste em ganhar a diferença
entre a taxa de juros a que descontam as letras e a taxa de call
money que pagam aos bancos ou a seus depositantes. Se um
corretor desconta letras à razão de 3% ao ano, e paga 244%
aos bancos pelo call money que toma, ganha 14 % ao ano sôbre
o seu volume de negócios, que é, em regra, de grande vulto.
As taxas de descontos para aceites são as mais baixas pos-
síveis, por se tratar de crédito concedido com as mais sólidas
garantias e por período muito curto.
A utilidade da intervenção do corretor está no seu conhe-
cimento especializado do negócio, do crédito e das condições das
firmas cujos nomes aparecem nas letras, assim como no tipo e
prazo do papel que convém a cada banco, em cada momento.
Para os bancos de desconto, os negócios do mercado mo-
netário são, portanto, três; êles dão aceite a letras de seus clien-
tes mediante comissão; emprestam suas sobras de caixa sob for-
ma de call money e encontram ainda nos aceites, que circulam
no mercado monetário, aplicação por prazo conveniente, de ou-
tras disponibilidades.
Nos Estados Unidos, especialmente em Nova York, o call
money encontra sua principal aplicação em empréstimos aos
corretores da Bôlsa (stockbrokers, jobbers), que utilizam êsses
recursos na manutenção de um estoque de títulos, tendo cada
jobber um setor especializado de títulos, como qualquer nego-
ciante se especializa no mercado de determinadas mercadorias.

x
“ “

O inventor da letra do Tesouro foi Walter Bagehot. Cha-


mado, em 1877, pelo ministro da Fazenda da Inglaterra, e con-
sultado sôbre o melhor meio de atender às necessidades do Te-
souro, Bagehot sugeriu a emissão de um papel assemelhando-se
quanto possível a uma letra de comércio, isto é, a uma letra emi-
tida com juro € prazo certos.
O MERCADO MONETÁRIO 131

Estas letras tiveram grande aceitação, e ainda hoje são lar-


gamente utilizadas pelo Govêrno inglês para seu financiamento
ordinário. Elas podem ser nominativas ou ao portador. Os ban-
cos que as adquirem não necessitam endossá-las para passá-las
adiante, pois que a assinatura do Tesouro lhes dá liquidez ab-
soluta.
Em França, os Bons de la Défense Nationale nada mais são
que letras do Tesouro. Essas letras, rendendo um juro pouco
superior ao que é oferecido pelos bancos, ao mesmo prazo, cons-
tituem forte concorrente dos depósitos bancários, dizendo-se, as-
sim, em França que o Estado passara a ser o maior banco de
depósitos. Mas, por isso mesmo que o juro é favorável, os ban-
cos podem sempre empregar nessas letras seus recursos dispo-
níveis.
No Brasil, a letra do Tesouro só agora começa a encontrar
sua legítima função, de financiar o Tesouro com as disponibi-
lidades a curto prazo dos bancos e do público, em vez de recor-
rer à expansão do crédito pelo Banco do Brasil.
Essas letras do Tesouro constituiriam, além do mais, uma
primeira base para a criação do mercado monetário, tão neces-
sário às operações de open-market do futuro Banco Central.
A letra do Tesouro tem-se generalizado em muitos países,
sendo a emissão feita tanto no interior como no exterior. Entre
1925 e 1931, por exemplo, foram lançados no mercado de Lon-
dres 5 milhões de libras de letras do Tesouro argentino, 3 mi-
lhões do Chile, um e meio milhão da Grécia, etc.
Não só os governos nacionais, como Estados e Municípios
têm recorrido ao mesmo processo de financiamento. Instituições
como as do Pôrto de Londres, do Serviço de Águas, da Corpo-
ração de Glasgow, etc. têm emitido letras com inteiro sucesso
e com prazo que vai até seis meses e um ano.

8 3.º — A Mobilização dos Investimentos


A par do mercado monetário de letras e títulos a curto pra-
zo, há um outro mercado em que se negociam títulos represen-
tativos de investimentos a longo prazo. São as bôlsas de títulos.
A instituição das sociedades por ações, que emitem também de-
bêntures e partes beneficiárias, permite a divisibilidade da pro-
priedade em pequenas cotas representadas por títulos. O prin-
132 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

cipal característico dêsses títulos representativos de cotas-partes


de propriedade (ações) ou de créditos hipotecários sôbre essa
propriedade (debêntures) é o da facilidade com que êles podem
ser transferidos e vendidos. Se quem subscreve uma ação ou uma
debênture fôsse obrigado a guardar êsses títulos até sua liquida-
ção ou amortização, poucos seriam os que se arriscariam a subs-
crevê-las. À instituição da transferibilidade dêsses títulos resolve
o problema: êles podem ser comprados ou vendidos a qualquer
momento, na Bôlsa de Títulos. Torna-se fácil a qualquer pessoa
desfazer-se de um investimento, seja por motivo de preferência
pela liquidez, seja para recompor e diversificar a lista de seus
investimentos, vendendo uns e comprando outros.
A facilidade de transferência faz também com que recur-
sos destinados à aplicação a curto prazo possam ser empregados
provisôriamente, na compra de títulos a prazo longo, da mes-
ma forma que recursos destinados a investimentos se utilizam,
temporãriamente, na aquisição de papel a curto prazo, enquanto
aguardam o momento oportuno para a compra vantajosa de tí-
tulos de investimento. E é por êsse meio que os dois mercados
monetários, o de curto e o de longo prazo, exercem influência
um sôbre o outro.
Graças ao mercado monetário a longo prazo, isto é, à insti-
tuição da Bôlsa de Títulos, podem os empreendedores obter o
capital ou o crédito de que necessitam, atraindo pequenas so-
mas de recursos de grande número de pessoas.
A facilidade com que se pode realizar a venda de títulos de
investimento ou de crédito a longo prazo não é, entretanto, de-
sacompanhada, por vêzes, de sérios percalços. Porque afinal o
que, por essa forma, se deseja é combinar as vantagens do in-
vestimento com as da liquidez, o que é talvez querer de mais.
Em épocas normais ou de prosperidade, tudo vai bem. Mas, quan-
do, em consegiiência de uma depressão econômica, ou, sobre-
tudo, de um pânico de bôlsa, começam todos a procurar liquidez
mediante a oferta de seus títulos, é fácil avaliar a que extremos
de depreciação podem chegar as cotações, quando se imagina
que em um país como os Estados Unidos, por exemplo, uma
grande fração da riqueza nacional está representada por êsses
títulos.”

39. A, BeRLE & PEDERSON — “Liquid Claims and National Wealth”.


O MERCADO MONETÁRIO 133

Importa distinguir duas naturezas de operações, em maté-


ria de aquisição de títulos. Quando se subscreve um título emi-
tido por um empreendedor, sob forma de ação ou de debênture,
para a execução de um novo empreendimento, a sociedade está
procedendo, de fato, a um novo investimento, pelo processo ca-
pitalístico ou indireto de produção. Mas, quando se compra em
bôlsa um título preexistente, não há investimento do ponto de
vista social. Trata-se apenas aí da procura de dinheiro por parte
do vendedor. O comprador toma o lugar do vendedor, e o efeito
da transação depende do destino que der o vendedor ao produto
da venda. Se éle o utilizar para consumo, estará “deseconomi-
zando”; se êle o aplicar a um investimento novo, é como se o
comprador o tivesse feito diretamente; se êle adquirir um outro
título preexistente, tudo dependerá do destino que o vendedor
dêsse título der, por sua vez, ao produto da venda; se êle o de-
positar em um banco, o banqueiro poderá aumentar tanto seus
empréstimos a curto prazo, quanto seus investimentos.
O movimento da Bôlsa de Títulos nos grandes centros fi-
nanceiros é artificialmente aumentado pela especulação. À espe-
culação resulta, para usar da expressão de Keynes, da convicção
de que se conhece, melhor do que o mercado, aquilo que o fu-
turo tem em reserva. Enquanto ela é dominada pelos profissio-
nais, isto é, pelos que conhecem a situação das emprêsas, cujos
títulos manipulam, a especulação é um fator de equilíbrio e de
estabilização, tendente a contrabalançar as oscilações de preços,
em um e outro sentido, promovidas pelos que desconhecem os
negócios ou se deixam levar por informações duvidosas.
Agindo antes do público, ou melhor, prevendo o que pode
influir nas decisões de compradores e vendedores, a especulação
exerce um efeito estabilizador sôbre as cotações, estendendo as
oscilações por um período de tempo maior e contrabalançando,
até certo ponto, as tendências do público.
O fato de os corretores (jobbers) manterem estoque de ti-
tulos, em que se especializam, é não só um fator de estabilização,
como o meio de possibilitar a venda imediata dêsses títulos por
parte daqueles que, por qualquer motivo, precisam vendê-los de

40. F. MacHLUP — “The Stock Market Credit and Capital Formation”,


134 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

À especulação tem ainda a vantagem de facilitar a coloca-


ção dos títulos de emprêsas novas, que são adquiridos de pronto
por grupos ou sindicatos, com o propósito de revendê-los grada-
tivamente com lucro.
A especulação é danosa quando seu objeto é o de simples
jogatina, como loteria ou roleta, e especialmente quando toma
proporções descabidas, como nas épocas de encilhamento da
Bôlsa. O encilhamento pode ser definido como o fenômeno de
uma alta sucessiva e contínua dos preços de mercadorias ou tí-
tulos para os quais não existe procura real. Pagam-se preços cada
vez mais elevados por apartamentos ou por títulos de bôlsa, não
em razão de uma estimativa do seu valor real, e sim na espe-
rança de alta cada vez maior de seus preços. Num dia de maior
ventania, o castelo de cartas desmorona; nesse dia, alguém tem
de ficar “burro” com as cartas na mão.
É o crack, como o da Bôlsa de Nova York em setembro-
-outubro de 1929, em que os enormes prejuízos foram a ponto
de produzir uma retração considerável da atividade econômica
do país, pelo receio de transigir com firmas e emprêsas, cuja si-
tuação se suspeitava abalada pelos prejuízos da Bôlsa.
Isso deu lugar a uma legislação repressiva nos Estados Uni-
dos. Bancos e corretores, que adguiriam títulos por conta de ter-
ceiros, mediante caução dos mesmos títulos, acrescida de uma
“margem” de 10% apenas, passaram a ser obrigados a exigir
“margens” muito maiores. Os bancos de depósitos e descontos
foram forçados a desinteressar-se do negócio de emissões de tí-
tulos, feito pelos próprios bancos ou por emprêsas subsidiárias.
A Securities and Exchange Commission foi criada para poli-
ciar as emissões de títulos, a estrutura das sociedades anônimas
e as holding companies.
No entanto, êsses fenômenos de encilhamento não são impu-
táveis à especulação em si, e sim à inflação que as provoca, como
aconteceu no Brasil em 189] (encilhamento da Bôlsa) e con-
forme atualmente (encilhamento de terrenos e construções),
resultado das duas maiores inflações jamais verificadas no país.

8 4.º — Bancos de Investimento


A expansão dos bancos de investimento data do século XIX
e coincide com a evolução do capitalismo moderno. O progresso
O MERCADO MONETÁRIO 135

econômico e o aumento da riqueza criaram, na comunhão, uma


classe de pessoas cujos rendimentos são superiores a suas des-
pesas e que assim dispõem de um saldo disponível para inves-
timentos.
Mas essas pessoas encontrariam grande dificuldade para o
investimento de seus saldos, na quantidade, prazo, risco e na-
tureza convenientes, se tivessem elas próprias de buscar os em-
preendedores cuja procura de capital coincide em gênero, espé-
cie e quantidade com a sua oferta.
O Banco de Investimento é o elo de ligação entre os que
procuram aplicação para suas economias e os que as solicitam
para investimento.
A organização dos bancos de investimento corresponde a
êsse objetivo. Éles dispõem de conselheiros técnicos para a in-
vestigação dos métodos ou processos de produção, de contabi-
listas capazes de verificar a situação econômica e financeira das
emprêsas solicitantes, de conhecimento especializado da Bôlsa
de Títulos e de sua capacidade de absorção, em dado momento,
de cada espécie de títulos. Dispõem, além disso, de capital su-
ficiente para suprir os adiantamentos geralmente necessários ao
empreendedor e de crédito nos bancos de desconto para suple-
mentar êsse capital, bem como de estreitas relações com grupos
de capitalistas dispostos a participar dos chamados sindicatos de
subscrição, isto é, a subscrever os títulos de nova emissão para
revendê-los gradativamente em bôlsa, na perspectiva de lucro.
Por vêzes, a emissão de títulos é feita sem a garantia do
banco, quer dizer, os títulos são oferecidos à subscrição pública,
sem que o banco garanta sua subscrição integral. Outras vêzes,
o banco organiza um sindicato de emissão, constituído do pró-
prio banco e de outros bancos e capitalistas, o qual subscreve
integralmente, de início, todo o capital da emissão por um preço
convencionado. Éste sindicato de emissão oferece então, por sua
conta, os títulos à subscrição pública, a um preço (a um tipo,
em linguagem técnica) mais alto do que o que pagou. Se a subs-
crição pública tem o sucesso esperado, o lucro cabe ao sindicato.
Se não o tem, os títulos não vendidos são repartidos entre os
membros do sindicato na proporção da participação de cada um.
Procura-se fazer o lançamento da subscrição em condições
favoráveis do mercado monetário, a saber, em ocasiões de di-
nheiro fácil, em que os bancos de desconto, companhias de se-
136 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

guros e capitalistas dispõem de recursos à procura de aplicação.


Para se ter uma idéia do potencial de investimento de uma praça
como a de Londres, basta dizer que só uma grande companhia
de seguros, a Prudential, precisa encontrar investimento para
seus recursos disponíveis, à razão de £ 1.000.000 por se-
mana (1939).
Aguardando momento propício para o lançamento da subs-
crição pública, os bancos de investimento fazem fregiientemente
grandes adiantamentos a seus clientes, de que se cobram, uma
vez realizada a subscrição.
%
% %

O banco de investimento não emite moeda fiduciária, nem


concede, normalmente, empréstimos sob a forma de direito de
sacar cheques.
Mas a completa separação entre o banco de investimento e
o banco de desconto nem sempre é observada, como fôra, em
princípio, de desejar.
Na Inglaterra, o princípio da especialização é mais respei-
tado do que em França, e em França mais do que na Alemanha.
Na Inglaterra, as funções do banco de investimento são
praticadas pelo mesmos merchant bankers, a que já nos referi-
mos a propósitos dos aceites, e pelas grandes casas corretoras
de bôlsa (stockbrokers).
Em França, os bancos de investimento são denominados
banques d'affaires. São a Banque de Paris et des Pays Bas, a
Banque Union Parisienne e outros menores. Estas banques
d'affaires trabalham geralmente em ligação e colaboração com
grandes bancos de desconto, que, dispondo de centenas de agên-
cias disseminadas pelo país, são de grande utilidade para a
distribuição e venda ao público dos títulos emitidos.
Na Alemanha, a especialização bancária era muito menos
respeitada. Os bancos de depósitos envolviam-se, constantemen-
te, em empréstimos a prazo longo concedidos à Indústria. Em
1914, o Deutsche Bank como o Diskontobank eram representa-
dos em mais de 100 sociedades industriais. É uma política peri-
gosa, que levou o Sistema Bancário alemão a repetidas e, por
vêzes, graves crises. Mas é uma política muito compreensível
em países novos, como o Brasil, por exemplo,
O MERCADO MONETÁRIO 137

Nos Estados Unidos, durante a primeira metade do século


XIX, tudo era feito com capital estrangeiro, não havendo ainda
lugar para bancos nacionais de investimento. A guerra de Se-
cessão foi, por assim dizer, o primeiro grande empreendimento
financiado no país, já que êle não interessava o estrangeiro. Se-
guiram-se os grandes investimentos nas estradas de ferro, a cujas
operações de financiamento ou de reorganização ficaram ligados
os nomes de grandes firmas, ainda hoje bem conhecidas, como
as de J. P. Morgan, Kuhn Lôeb e outras, que constituíram nos
Estados Unidos a aristocracia da finança, correspondente à dos
merchant bankers da Inglaterra. Sob seus auspícios, realizaram-se
operações de fusão, de contrôle e de trusts de todo o gênero de
emprêsa.
Depois da guerra de 1914-1918, a expansão das organiza-
ções de investimento nos Estados Unidos foi espetacular. Novas
emissões de tôda a sorte de títulos de governos, de emprêsas do
mundo inteiro e do próprio país criaram um campo para inves-
timentos de vulto sem precedente, À crise da Bôlsa de Nova
York, em 1929, fêz, porém, desaparecer boa parte das institui-
ções de investimentos criadas com o encilhamento que a pre-
cedeu. Em 1935 a legislação proibiu, como vimos, qualquer
participação dos bancos de descontos nos negócios de emissão
de títulos.
*
+ +

A natureza dos negócios dos bancos de investimento tem


sido causa de se lhes atribuir, às vêzes com razão, a responsa-
bilidade dos abusos do chamado capitalismo financeiro.
Capitalismo financeiro é a fórmula por que geralmente se
designa o predomínio da finança sôbre a indústria. O industrial
acaba por ficar em tão estreita dependência do banco, que a
direção efetiva da indústria passa das mãos de seus criadores,
animadores e técnicos para a dos banqueiros. Na ocasião da
emissão de títulos, o banco reserva-se, por vêzes, o direito de
receber certo número de partes de fundador, senão também o
direito a uma ou mais cadeiras na diretoria da emprêsa. Senão
de início, mais adiante, no decurso da vida da emprêsa, por
ocasião de uma apertura financeira, o banco pode impor novas
exigências com o fim de fazer predominar sua influência. Nem
138 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

é para isso preciso que êle disponha da maioria das ações.*!


Como é sempre grande o número de acionistas que não com-
parecem às assembléias, uma minoria organizada pode, em ge-
ral, obter o contrôle com cêrca de 30% apenas do capital-ações.
A verdade é que nos países como a Inglaterra, onde a tra-
dição, a ética e a opinião pública não permitiam a prática dêsses
abusos, nenhuma legislação especial foi necessária para com-
batê-los. Nos Estados Unidos, onde a vertigem da expansão eco-
nômica não encontrava as barreiras daquela tradição, a legis-
lação (Banking Act de 1933 e segs.) pôs têrmo ao abuso, com
as medidas que citamos no parágrafo anterior e com a severa
fiscalização da Securities Exchange Commission, excelente mo-
dalidade do indispensável policiamento do capitalismo.

%
Ed +

Os bancos de economias (savings banks) são instituições


destinadas a recolher as economias populares e a investi-las nas
obrigações do Govêrno e das indústrias, nas hipotecas sôbre imó-
veis ou em outras aplicações de pouco risco. A instituição tem,
por conseguinte, o duplo. objetivo de promover a economia
(poupança) e de incentivar os investimentos. O banco de eco-
nomias é, por assim dizer, o procurador de seus depositantes,
em um processo de investimento indireto. Éle trabalha com as
economias populares e não com recursos próprios ou de gran-
des capitalistas, como no caso dos bancos de investimento.
Sua organização, que data dos fins do século XVIII e co-
mêço do século XIX, foi inspirada em um sentido de proteção
econômica das classes menos favorecidas. Em alguns países, êsses
bancos tinham até o apoio e o amparo moral da Igreja.
Bancos de economias, fundados ou garantidos pelos go-
vernos sob a denominação de caixas municipais em certos paí-
ses, de bancos postais de economia em outros, de caixas eco-
nômicas no Brasil, foram organizados com o fim de dar aos
pequenos depositantes a garantia do Estado, e, não raro, com o
de financiar o próprio Estado.

41. BerLE & MEANS — “Modern Corporation and Private Property”. W.


O. DoucLas — “Democracy and Finance”,
O MERCADO MONETÁRIO 139

Com o tempo, o campo de ação do banco de economias, ou


Caixa Econômica, como depositário, guarda e investidor das
economias populares, foi sendo invadido por outras instituições.
Os bancos de depósitos, as sociedades de construções, as com-
panhias de seguros, os bancos hipotecários especializados, hoje
as sociedades de capitalização, e, por fim, as instituições de previ-
dência social, passaram, cada vez mais, a atrair as economias
populares, por modalidades às vêzes mais sedutoras, quando não
obrigatórias.
Por outro lado, os bancos de economias foram, também, in-
vadindo as atribuições dos bancos de depósitos e obtendo auto-
rização para operar em contas de cheques.
A aplicação a ser dada aos depósitos dos bancos de eco-
nomias é, em muitos países, subordinada a determinações legais,
obedecendo ao triplo critério da segurança, da liquidez e do
rendimento. Segurança é sempre o primeiro fator. Nos Estados
Unidos, a regra é que os bancos de economias só podem aplicar
seus recursos em valores ou títulos considerados de primeira
ordem, como hipotecas sôbre imóveis urbanos, obrigações do Go-
vyêmo ou títulos de municípios, de estradas de ferro, de emprê-
sas de serviços públicos. A lei determina, em regra, a percenta-
gem máxima dos recursos aplicável a cada uma dessas espécies
de títulos. As indústrias e o comércio são afastados como inves-
timentos mais arriscados.
Estas restrições impostas pela lei não deixam de apresentar
inconvenientes. Não permitem maior diversificação de investi-
mentos; o valor dos títulos de rendimento fixo varia com as os-
cilações das taxas de juros; a própria restrição dos investimentos
a um pequeno número de títulos tende a fazer subir a sua co-
tação.
Na Europa, salvo em alguns países como a França, o re-
gime geral é o de liberdade de aplicação dos recursos, e a expe-
riência tem demonstrado que, sobretudo nos países de capital
escasso, o campo de investimento dos recursos das caixas eco-
nômicas pode ser cautelosamente ampliado, com vantagem para
a economia nacional.
LIVRO IH

TEORIA DAS VARIAÇÕES DO VALOR


DA MOEDA
CapítuLO VIII

A TEORIA QUANTITATIVA

$ 1.º — A Noção de Valor da Moeda

A utilidade da moeda não é outra senão a utilidade dos bens


econômicos que ela permite adquirir. Não é possível conceber
qualquer outra utilidade da moeda, qua-moeda. A diferença en-
tre a noção de utilidade da moeda e a noção de utilidade de
qualquer outro objeto está em que o objeto tem utilidade e va-
lor de uso próprios, ao passo que a moeda não tem consumi-
dor final nem qualquer utilidade senão a que provém de seu
valor de troca, isto é, a dos bens por que ela pode ser trocada.
A moeda, como diz Fisher, não tem o poder de satisfazer as
necessidades humanas, senão o de comprar coisas que têm êsse
poder. 3

Fôrça é convir que a teoria da utilidade marginal não se


aplica integralmente à moeda como aos bens econômicos em
geral. ES!
A teoria da utilidade marginal procura determinar o valor
objetivo, ou valor de troca dos bens, pelo grau de utilidade que
êles têm para o indivíduo. O valor de troca decorre da utilidade,
ao passo que, no caso da moeda, a utilidade é que depende do
valor de troca, já que a moeda não tem qualquer utilidade senão
a que provém do seu valor de troca.
Wicksell*? diz que a moeda não tem utilidade marginal por-
que não é objeto de consumo, direto ou indireto. Ela tem tal-
vez, acrescenta Wicksell, uma utilidade marginal indireta equi-
valente às mercadorias por que pode ser trocada, mas essa utili-
dade depende do próprio valor de troca, quer dizer, do poder de
compra da moeda, não podendo, portanto, ser o fator determi-
nante dêsse valor de troca, do qual ela depende.

42, WICKSELL — “Lectures”, vol. II, pág. 20.


144 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Mises insurge-se, porém, contra o raciocínio de Wicksell


e engendra uma teoria “tirée par les cheveux”, de regresso his-
tórico. até o ponto em que o valor da moeda deixa de ser valor
de moeda, qua-moeda, para ser valor intrínseco de uma merca-
doria. É evidente, como diz Halm'*, que a tênue ligação com a
história antiga da moeda não pode explicar, e não explica, o va-
lor da moeda de hoje.
O valor subjetivo da moeda é o valor subjetivo dos bens
econômicos que ela pode adquirir, ou, como diz Wieser, “o va-
lor da moeda consiste no valor de uso antecipado das coisas que
com ela se podem obter”, de sorte que “o valor subjetivo da
moeda é medido pela utilidade marginal dos bens, pelos quais
ela pode ser trocada, isto é, pela importância da satisfação obtida
da última unidade à nossa disposição”.
Pode-se ainda aplicar à moeda o princípio marginal, no sen-
tido de que há uma possível escolha entre alternativas capazes
de expressão quantitativa, ou seja, entre preferência pela liquidez
(capítulo X) ou pela aplicação (iliquidez).
Wicksell aponta outra peculiaridade da moeda em relação
aos bens. É que, ao passo que na determinação do valor dos
bens, em geral, as reações do mercado tendem a restabelecer
automãticamente o equilíbrio, pelo aumento ou redução da ofer-
ta e da procura, isso não se dá com relação ao valor da moeda. Se
o valor da moeda, isto é, o nível médio dos preços, sobe ou desce,
por qualquer motivo, não há fator algum tendente a restabele-
cer o equilíbrio. E daí segue Wicksell para o seu princípio de
que, no caso da moeda, o equilíbrio se deve estabelecer pela
equiparação da taxa de juros do mercado à taxa de juros que
êle chama de natural (vide capítulo 1 do 2.º volume).

$ 2.º — A Noção Quantitativa do Valor da Moeda

Comecemos por dar uma noção geral, se bem que imper-


feita, do fenômeno da variação do valor da moeda, na forma
primitiva, como a concebeu um dos seus precursores, Davan-
zatti.

43. Mises — Ob. cit., pág. 113.


44. HALM — “Monetary Theory”, 1.2 edição, pág. 15.
4b. WiICKSELL — “Interest and Prices”, capítulo III.
A TEORIA QUANTITATIVA 145

Vamos imaginar que há em uma sala IÔ pessoas e que


essas 10 pessoas têm no bôlso uma quantidade de dinheiro,
cujo total é de Cr$ 20.000,00, e suponhamos que, na sala con-
tigua, existe uma determinada quantidade de mercadorias, pro-
dutos de alimentação, artigos de vestuário, entradas de cinema,
objetos de uso, etc. É evidente que, se as 10 pessoas da primeira
sala saírem para comprar as mercadorias na sala contígua, os
preços que se vão estabelecer, como resultado das ofertas e con-
tra-ofertas entre essas IO pessoas e os vendedores das merca-
dorias, dependerão, de um lado, da maior ou menor abundân-
cia das mercadorias oferecidas, quer dizer, de sua quantidade,
e. de outro lado, da maior ou menor importância em dinheiro
de que dispuserem as 10 pessoas. É a lei da oferta e da pro-
cura. Os preços se firmarão, nesse pequeno mercado, pelo equi-
líbrio entre as mercadorias oferecidas e os Cr$ 20.000,00.
Admitamos, porém, que essas 10 pessoas dispõem, não de
CS 20.000,00, e sim de Cr$ 40.000,00, sem que se tenha al-
terado a quantidade de mercadorias existentes na sala contígua
e oferecidas à venda. Essa situação só difere da primeira pelo
fato de se haver dobrado a quantidade de moeda. Não tendo o
seu dinheiro outra utilidade senão a da compra dessas merca-
dorias, os 10 compradores estarão dispostos, na disputa para
sua aquisição, a oferecer duas vêzes mais moeda pelas mesmas
mercadorias, de sorte que os preços por que elas vão ser ven-
didas, no segundo caso, serão duas vêzes mais altos do que no
primeiro. Isto se pode exprimir dizendo que o poder de compra
ou poder aquisitivo da unidade monetária ficou reduzido de me-
tade, no segundo caso em relação ao primeiro.
À proposição de que o aumento da quantidade tende a bai-
xar o valor, aplica-se a qualquer mercadoria. O que há de espe-
cial no caso da moeda é que seu valor tende a variar exatamente
na relação inversa de sua quantidade, o que não se dá em rela-
ção às mercadorias. Se dobrarmos a quantidade de milho ou de
açúcar, seu valor cairá, mas não à metade do que era. À queda
de valor dependerá em cada caso do coeficiente de elasticidade
da procura. Em se tratando da moeda, porém, não há dúvida al-
guma em predizer essa elasticidade da procura. O valor da moeda
é, simplesmente, o inverso de sua quantidade.
Basta um pouco de reflexão para verificá-lo. Em que con-
eiste a procura de moeda? Diz-se vulgarmente que a procura
146 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de mocda não tem limites, no sentido de que cada indivíduo de-


seja obter tanta moeda quanto possa. Mas êsse seu desejo con-
siste em obter um meio, e não um fim. À moeda não dá ne-
nhuma satisfação direta, não é consumida. É desejada com o
fim de ser gasta, ou antes, de obter, em troca, mercadorias e ser-
viços. À procura da moeda é, pois, representada por aquilo que
lhe é oferecido em troca, isto é, pelas mercadorias à venda.
Procura de moeda quer dizer a quantidade de mercadorias
e serviços de tôda espécie, postos à venda e oferecidos em troca
de moeda. Quando comumente se refere à procura de uma mer-
cadoria qualquer, entende-se a quantidade dessa mercadoria que
é procurada para consumo ou utilização, e não a quantidade de
uma outra coisa que é oferecida por ela. No caso da moeda;
porém, que não é consumida, e não tem outra utilidade, senão
a das mercadorias que ela pode adquirir, a procura consiste na-
quilo que é oferecido em troca de moeda.
Ora, a procura de moeda, em uma dada comunhão e em
um dado momento, é constante; constante no sentido de ela ser
expressa pela quantidade de mercadorias oferecidas por moeda.
Seja qual fôr o nível de preços dessas mercadorias, a procura
de moeda é representada por uma quantidade constante de mer-
cadorias.
Se a oferta de moeda fôr duas vêzes maior, isto é, se hou-
ver duas vêzes mais moeda, a mesma quantidade de mercado-
rias será oferecida em troca da moeda assim duplicada; os pre-
ços serão duas vêzes mais altos, ou seja, o poder de compra da
moeda será a metade.
Podemos assim escrever:
Total da moeda X poder de compra da unidade monetá-
ria = constante
ouxy = €

A curva de procura da moeda é, pois, uma hipérbole re-


tangular; o produto da quantidade pelo valor é constante.
Em outras palavras, o coeficiente de elasticidade da pro-
cura da moeda é igual à unidade. A procura de moeda, repre-
sentada pelo total das mercadorias oferecidas à venda, sendo
constante, e a moeda não tendo outra utilidade senão a de
comprar essas mercadorias, na mesma proporção em que au-
menta ou diminui a quantidade de moeda, sobem ou descem os
A TEORIA QUANTITATIVA 147

preços. Isso é uma consegiência da própria natureza e da uti-


lidade da moeda. A elasticidade da procura do algodão pode
talvez ser a unidade, mas não há razão alguma a priori para se
prever que assim seja. Em relação à imensa maioria das merca-
dorias, a procura é elástica em certos casos, inelástica em outros,
mas raramente tal, que a mesma soma é sempre gasta na mesma
mercadoria, isto é, tal que a elasticidade da procura é igual a
um. No caso da moeda, dada uma mesma produção, quer dizer,
ceteris paribus, a procura da moeda é uma quantidade cons-
tante, sejam quais forem os preços. Ela é expressa pelo total das
mercadorias oferecidas à venda, e o poder de compra da moeda
varia na razão inversa de sua quantidade.
Tal é a chamada teoria quantitativa da moeda em sua forma
mais crua. Ela decorre da aplicação à moeda, da lei da oferta
e da procura. '
Acabamos de enunciá-la sob sua forma mais simples, para
fazer ressaltar o seu princípio fundamental, mas sob a reserva
de ceteris paribus, isto é, de tôdas as demais variáveis do pro-
blema ficarem constantes,
Na realidade, as demais variáveis não são independentes.
Por outro lado, os preços não dependem, exclusivamente, dos
fatôres monetários.
Por vêzes, como na hipótese da existência de fatôres de pro-
dução desempregados, o aumento da quantidade de moeda é
contrabalançado por um aumento da produção e das transações,
sem que haja elevação de preços.
Acresce que nem tôda a moeda exerce ação direta sôbre os
preços (8 3.º do capítulo X) e que, se seus portadores decidirem
entesourá-la, em vez de gastá-la (velocidade de circulação, zero),
a ação sôbre os preços será nula.
O núcleo de verdade que se contém no princípio quantita-
tivo não dispensa, portanto, o exame detalhado dos vários fa-
tôres que perturbam ou modificam a ação da moeda sôbre os
preços.
$ 3.º — A Equação de Trocas
A teoria quantitativa, como a definimos no $ 2.º, nada
mais é do que a aplicação, à moeda, da lei geral da oferta e da

46. F. Taussia — Ob. cit., 1.º vol., pág. 251.


148 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

procura, no caso de uma procura constante. O fato de intro-


duzirmos, como ora vamos fazer, a noção de velocidade de cir-
culação, não lhe tira o caráter de uma explicação do preço pela
procura e a oferta.
A equação de trocas, formulada por Irving Fisher, é a ex-
pressão algébrica do confronto entre quantidades de mercado-
rias e quantidades de moeda.
Em 1911, Irving Fisher, em seu conhecido livro sôbre “Po-
der de compra da moeda”, expressou a relação entre a moeda
e os preços pela seguinte equação:
MV+M
V =PT

na qual M exprime a quantidade de moeda manual em circula-


ção; V, a velocidade de circulação dessa moeda; M”, a quanti-
dade de moeda bancária; V”, a velocidade de circulação dessa
moeda; P, o nível geral dos preços, e T, o volume das tran-
sações.
É, como se vê, o confronto entre a moeda em movimento,
ou seja, o fluxo de moeda, e as mercadorias em movimento, isto
é, o fluxo das transações.
A fórmula é, de certo modo, um truísmo, pois nada mais
faz do que expressar a identidade entre o montante dos paga-
mentos, MV, e o volume físico das transações, T, multiplicado
pelo seu preço. É fácil deduzir esta fórmula, se de dedução ela
precisa.
Quando se efetua uma transação de compra, se chamarmos
d (despesa) a importância desembolsada pelo comprador, p o
preço unitário da mercadoria e q (quantidade) o número de
unidades compradas, teremos

d = pq
E assim teríamos também
d=p' q,d” = p'q”, ete.
e, portanto,

D = Zpq
D representa a quantidade de moeda desembolsada por to-
dos os compradores durante um ano, digamos. Mas, durante
A TEORIA QUANTITATIVA 149

êsse ano, cada peça de mocda tcrá servido várias vêzes; quem
a recebeu como vendedor gastou-a como comprador em outra
transação, e assim sucessivamente.
Chamando V o número médio de vêzes que cada unidade
monetária passou de mão em mão, quer dizer, a velocidade de cir-
culação da moeda, deve se multiplicar o total da moeda exis-
tente, M, por V, para obter a soma das quantidades monctárias
desembolsadas durante o ano figurado.
O produto MV é igual à moeda desembolsada, isto é, à
despesaD. Assim

D = MV
E, como
D = E pg,
temos
MV = 3 pq

Chamando P, =p, a média geral dos preços, e T (transa-


ções), Zq, o total das unidades de mercadorias e serviços ven-
didos durante o ano, teremos

MV
= PT

que é a equação de trocas ou fórmula de Fisher.


M é a quantidade de moeda manual em circulação. Mas,
como nem tôda a moeda manual existente está em circulação,
importa, para determinar M. subtrair do total da moeda manual
existente a que constitui os encaixes bancários de tôda espécie,
já que êstes não circulam.
Mº, moeda bancária, é a média dos depósitos à vista nos
bancos, à disposição do público, durante o período de tempo
considerado.
A determinação de V e de V” já oferece maiores dificulda-
des. Veremos adiante como se pode abordar a estimativa da
velocidade V, de circulação da moeda manual, e determinar a
velocidade V”, de circulação dos depósitos bancários.
P designa o nível geral dos preços, e T, o volume físico de
transações de mercadorias e serviços efetuados durante o pe-
ríodo de tempo considerado.
150 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Irving Fisher interpretou, êle próprio, a sua equação, dan-


do ao fenômeno, que ela traduz, um caráter de proporcionali-
dade entre moeda e preços que, como veremos, não se coaduna
com a complexidade do fenômeno.
Daí as críticas inúmeras de que tem sido alvo a teoria as-
sim interpretada.
CapíTULO IX

A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA

$ 1.º — A Determinação da Velocidade

A Teoria Quantitativa não pode deixar de levar em conta


o fato de que a mesma unidade monetária pode figurar em mais
de uma transação, bem como o de que a mesma unidade de
mercadoria pode constituir objeto de mais de uma transação.
Daí a necessidade de introduzir na equação de trocas a ve-
locidade de circulação da moeda, assim como a dos bens. A velo-
cidade de circulação dos bens já está compreendida dentro do
têrmo T, que não traduz simplesmente a quantidade de mer-
cadorias e serviços, e sim tôdas as transações a que êles dão lu-
gar. Se chamarmos Q a quantidade de mercadorias e Vm o
número de transações que elas ocasionam, T será igual a QVm.
A noção de velocidade está assim expressa em ambos os
têrmos da equação de trocas; explicitamente em MV, implicita-
mente em T.
A velocidade de circulação da moeda é o número médio de
vêzes que cada unidade monetária muda de possuidor durante
um intervalo de tempo determinado,
im, para determi ; idade de circulação da moe-
da manual, proceder-se-á à avaliação do total dos pagamentos
efetuados com essa moeda durante um ano, por exemplo, e se
dividirá êsse total pelo da moeda manual em circulação. Para
calcular a velocidade da moeda bancária V', far-se-á a divisão
do total dos pagamentos efetuados por cheques ou transferên-
cia pela média dos depósitos à vista, durante o mesmo período
de tempo.
A velocidade de circulação da moeda é função dos hábitos
da população, de sua distribuição geográfica, do caráter de suas
indústrias, de sua organização bancária, da atividade normal ou
especulativa da Bôlsa de Títulos, etc. Assim também a veloci-
152 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dade de circulação das mercadorias depende de uma variedade


de circunstâncias; ela é, decerto, maior nos grandes centros do
que nas zonas rurais, nos países de economia ativa do gue nos
de atividade econômica mais lenta; é maior para certas mer-
cadorias do que para outras.
A dificuldade em determinar a velocidade de circulação da
moeda provém de que não há uma só velocidade, e sim várias.
A velocidade de circulação da moeda utilizada pelos indivíduos
para aquisição de mercadorias e serviços de consumo (seja para
isso utilizada a moeda manual ou a moeda bancária), não é a
mesma, nem pode ser determinada nas mesmas bases que a ve-
locidade de circulação da moeda utilizada pelos negociantes e
industriais na transação de seus negócios ou nos movimentos
de compra e venda de títulos em bôlsa.
São velocidades diferentes, que só podem ser apreciadas
separadamente.
A simples distinção entre V, velocidade da moeda manual,
e V”, da moeda bancária, não é suficiente, porque o consumidor
tanto faz pagamentos com uma como com outra espécie de:
moeda. Nos países de organização bancária desenvolvida, pode-
-se considerar que os negociantes e industriais só se utilizam
da moeda bancária, de velocidade V”, mas nos países de sistema
bancário mais primitivo, como o nosso, por exemplo, muitas
das transações do Comércio e da Indústria ainda são feitas com
moeda manual.
A velocidade de circulação da moeda bancária pode ser de-
terminada, dividindo-se o total de cheques e transferências pela
média dos depósitos bancários à vista.
É muito útil a determinação da velocidade média da moeda
bancária, mas, dentro dessa média, incluem-se três velocidades
de natureza diferente: a dos depósitos de particulares, utiliza-
dos, juntamente com a moeda manual, para suas despesas ha-
bituais, a dos depósitos de negociantes e de industriais, apli-
cados em suas transações, e, nos países de grande atividade fi-
nanceira, a dos depósitos empregados no movimento normal ou
especulativo das bôlsas de títulos.
A noção de velocidade de circulação da moeda utilizada
pelos particulares, e sua dependência dos hábitos da população,
podem ser ilustradas com o seguinte exemplo de Fisher: O operá-
rio A eo operário B ganham e gastam ambos 7 dólares por se-
A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA 153

mana. À faz suas compras à medida de suas necessidades, à ra-


zão de | dólar por dia, de sorte que o ciclo da semana conside-
rada apresenta os valores mínimos de 7, 6,5, 4,3, 2, |, voltan-
do daí novamente a 7 dólares. A média da moeda em seu poder
é igual à soma dêsses algarismos (28) dividida por 7 dias, seja 4.
B compra, de uma vez, tudo quanto precisa para a semana en-
trante, gastando os 7 dólares no mesmo dia em que os recebe.
Seu ciclo hebdomadário seria de 7 +0+0+0+0+0+0,
cuja média é 1.
B, desfazendo-se de tôda a sua moeda no primeiro dia,
torna-a desde logo inteiramente disponível para outros paga-
mentos, ao passo que À só libera uma moeda de um dólar por
dia e força as demais à imobilidade. Sendo a velocidade da
moeda para cada indivíduo o cocie 8 por
seu encaixe médio, teremos:
7 7
V=—" = 1,75 paraAeV=>—=7paraB
DR 1

Donde se vê que o ritmo da despesa individual, de acôrdo


com os hábitos de cada país, e o ritmo da receita (por semana,
por mês, ou por trimestre) atuam sôbre a velocidade de cir-
culação V.
Êste princípio, de quantidade de moeda que cada um tende
a manter em seu poder e que depende, em parte, da maior ou
menor coincidência entre os períodos de recebimento-despesa e
os intervalos entre pagamentos, tem sido objeto de grandes e
complicados desenvolvimentos de utilidade muito duvidosa (J.
Angel — “Quarterly Journal of Economics”, fevereiro de 1937,
e Howard Ellis, idem, 1937).
Keynes, em seu “Tratado da Moeda”, procura determinar
a velocidade de circulação da moeda de que se utilizam os con-
sumidores, isto é, da moeda manual e daquela espécie de depó-
sitos que, no capítulo VI, 8 5.º, designamos por “depósitos de
rendimento”, para em seguida determinar V', velocidade de cir-
culação dos depósitos bancários, e procurar, por meios indiretos,
distinguir a velocidade dos “depósitos de rendimentos” e dos
“depósitos de negócios”.
Para determinar a velocidade de circulação da moeda manual
e dos depósitos de rendimento, Keynes recorre à observação dos
154 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

hábitos do público quanto às épocas de recebimento de seus


rendimentos (por semana, por mês, por trimestre, por ano),
quanto à maneira por que se os desembolsa entre as datas em
que se os recebe, e ainda à estimativa da importância que cada
um tem por hábito manter, como reserva mínima.
Chamemos R rendimento anualdeum indivíduo; x o nú-
mero de parcelas em que êle recebe êsserendimento .“durante o
ano (por exemplo, x = 52, se os rendimentos forem pagos se-
manalmente). no o
Vamos supor que as despesas de consumo têm lugar de
maneira uniforme entre uma e outra data de recebimento de
rendimentos. A quantidade média de moeda nas mãos do indi-
víduo será”

Se, de acôrdo com o que indicamos acima, cada indivíduo


guarda uma reserva mínima de dinheiro, igual a certa fração do
seu rendimento anual, R, essa reserva mínima pode ser repre-
sentada por
R
e——

y
Assim, a quantia média, em moeda manual ou em depó-
sitos de rendimento, em poder de cada indivíduo, será
R

x R
M=— — =

2 y
R 1
47. Mais exato seria dizer — [ 14 — | em que “n” é o número de
x n

2
dias entre duas datas de recebimento, o que alteraria a fórmula de KEYNES para
2Axy '
Vv= ——
1
2x +y(1+—)
n
como bem observa o Prof. Erico NoprE, da Universidade de São Paulo.
A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA 155

Mas a velocidade de circulação, V, dessa moeda é igual,


por definição, à despesa total, D, do indivíduo, dividida pelo seu
encaixe médio, M, que acabamos de determinar, isto.é
Í PEN Ly [o -

Na
Mas D, despesas (inclusive as economias investidas), é igual
ao rendimento, R, donde

ou

fórmula que permite calcular aproximadamente a velocidade de


circulação da moeda manual e dos depósitos de rendimento.
. Suponhamos que os ordenados são pagos mensalmente,
sendo, portanto, x igual a 12, e que cada indivíduo mantém,
no fim do mês, uma reserva mínima igual a 1/3 dos seus ven-
cimentos mensais, ou a 1/36 de seus rendimentos anuais. Será
y igual a 36. Nessas condições
V=14
o que quer dizer que, nesta hipótese, talvez não muito afastada
do caso de nossos hábitos no Brasil, a velocidade de circulação
da moeda manual e dos depósitos de rendimento seria igual a 14.
Para a Inglaterra, Keynes calcula que V está situado nas
proximidades de 12 por ano, sendo talvez de 17 para os indiví-
duos gue recebem rendimentos semanais e de 10 para os que os
recebem por mês ou por trimestre.
Vê-se, pela dedução da fórmula, que V depende dos hábi-
tos dominantes em cada país, de um lado, quanto ao intervalo
156 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

que medeia entre dois recebimentos de seus rendimentos, quer


se trate de ordenados (semanais, mensais ou trimestrais), de
recebimento de juros de apólices ou dividendos, de pagamento.
de colheitas, etc., e, de outro lado, dos períodos em que são efe-
tuadas as despesas de aluguel de casa, de impostos, especialmente
impôsto de renda, de prêmios de seguro, despesas de Natal, de
Carnaval, etc.
Sendo V, velocidade de circulação da moeda manual e dos
depósitos de rendimento, função dos hábitos e práticas de cada
país, ela pode ser considerada como um algarismo relativamente
estável, em média anual./.
Com relação à velocidade de circulação dos depósitos de
negócios (business deposits), o seu cálculo só pode ser feito
por forma indireta, determinando-se, primeiramente, a veloci-
dade de circulação de tôda a moeda bancária, compreendendo
depósitos de negócios e depósitos de rendimento, para depois
procurar-se deduzir daí a velocidade de circulação dos depósitos
de negócios sômente.
A velocidade de circulação da moeda bancária pode ser ex-
pressa pela fórmula: om
N

Total de cheques N

Média dos depósitos à vista /

Essa velocidade é grandemente influenciada pelo gênero de


moeda bancária predominante em cada país ou em cada centro

menor do que a dos depósitos comerciais ou industriais, que, por


inferior à velocidade dos depósitos utiliza-
sua vez, é geralmente
dos nos negócios financeiros.do money market ou da Bôlsa.
Assim, por exemplo, Snyder calcula a velocidade da moeda
bancária em Nova York, em 77 por ano, ao passo que a média
para as 141 maiores cidades dos Estados Unidos é de cêrca de 41.
Keynes calcula para a Inglaterra a velocidade de 77 para
os depósitos de natureza comercial e financeira (excluídos os
particulares) e de 60, em média, para tôda a moeda bancária.
Fizemos, há tempos, uma tentativa grosseira para determi-
nar essa velocidade de circulação entre nós. Às variações são
grandes, não só de uma praça a outra, como de banco a banco.
A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA 157

Em São Paulo, o valor de cheques que entram na compensação


do clearing é inferior a 50% do valor total dos cheques emi-
tidos, ao passo que em Santos essa percentagem é de mais de
90%. Isso é perfeitamente explicável, não só porque é muito
maior em São Paulo a proporção de contas particulares indivi-
duais e mais disseminadas as atividades econômicas, como por-
que em Santos predominam os grandes pagamentos de compra
e venda de vultosas quantidades de café ou de algodão.
Tomando Santos e São Paulo conjuntamente, porém, as
percentagens não diferem muito das do Rio, salvo em um ou
outro banco, que, por motivos especiais, se afastam muito da
média. Essa média não está longe de 50% em valor, de cheques
que se liquidam pelo clearing ou por compensação dentro do
próprio banco, sem utilização de moeda manual, e 50% que são
pagos em moeda corrente, no balcão.
Ora, o movimento de cheques compensados no clearing
atingiu em média mensal, no ano de 1938, a 2.500 milhões de
cruzeiros, aproximadamente, ou seja, 30.000 milhões de cru-
zeiros por ano. Como o valor dos cheques que vão ao clearing
é aproximadamente igual à metade do valor total de cheques
emitidos, êsse valor total será de 60.000 milhões de cruzeiros.
Dividindo êste montante pela importância média dos depósitos
à vista, teremos a velocidade de circulação da moeda bancária.
O total dos depósitos dos nossos bancos era, em 30 de se-
tembro de 1938, de cêrca de Crê 8.600.000.000,00, dos quais
28% em média, segundo os balanços de nossos 12 maiores ban-
cos, eram depósitos a prazo fixo. Donde Crê 6.200.000.000,00
de depósitos à vista. Deduzindo o depósito dos bancos no Banco
do Brasil, que era de cêrca de Crg 600.000.000,00, teremos:

Crg 60.000.000.006,00
= 11 — Velocidade de circulação da
Crg 5.600.000.000,00 moeda bancária.

Isto serve apenas para dar idéia de como se pode calcular V”.
Multiplicando-se a velocidade de circulação dos depósitos
bancários pelo valor médio dêsses depósitos durante o ano,
tem-se uma medida do fluxo monetário M'V' para êsse ano.
Essa comparação dos valores de M'Vº de um ano para outro
158 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dá uma idéia da variação da atividade das transações ou dos


negócios e, grosso modo, da variação da renda nacional,
A velocidade média da moeda bancária abrange tôda for-
ma de depósitos: depósitos de rendimento e depósitos de ne-
gócios.
Para daí extrair a velocidade dos depósitos de negócios, se-
paradamente da dos depósitos de rendimento, seria preciso dis-
por-se de uma contabilidade dos cheques e depósitos de parti-
culares separada da dos cheques e depósitos comerciais, o que
não seria fácil de obter.
Para a Inglaterra, Keynes recorre a uma série de hipóteses,
tomando por base a repartição da renda nacional entre os que
não têm conta em banco e os que a têm, e a uma outra hipótese
com relação à proporção dos depósitos que constituem depó-
sitos de rendimento. Um cálculo dessa natureza, porém, apre-
senta causas de êrro muito sensíveis.
O Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos man-
tém estatísticas semanais das variações de velocidade de circula-
ção dos depósitos bancários. Nessas estatísticas, a velocidade de
circulação dos depósitos a prazo fixo é tomada como igual a
2 por ano, praticamente desprezível. Verificam-se durante as
estações do ano variações de caráter quase periódico, com um
mínimo no terceiro trimestre e um máximo em dezembro-janeiro,
mas a amplitude dessas variações nunca excede de 20%. As va-
riações cíclicas, entretanto, são superiores a 30%.

8 2.º — Correlação entre a Velocidade da Moeda e o Volume


dos Negócios

Vejamos agora como varia V em função dos demais ele-


mentos da equação de trocas, sob a forma simplificada de
MV = PT.
Entendem alguns autores que a velocidade de circulação é
uma função de T, volume das transações, de sorte que as
curvas de variação de V e de T seriam paralelas. Os ciclos de
prosperidade e depressão, mundiais ou nacionais, agindo dire-
tamente sôbre T, aumentam o volume de transações na fase
de prosperidade e reduzem-no na fase de depressão, e as varia-
ções da atividade dos negócios e das transações, T, tenderiam,
A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA 159

segundo aquêles autores, a acarretar variações paralelas da ve-


locidade de circulação da moeda, V. É o que geralmente se veri-
fica nas oscilações moderadas da atividade econômica. E, às vê-
zes, em oscilações mais fortes, como no caso dos Estados Uni-
dos em 1929, onde a expansão dos negócios e a especulação da
Bôlsa foram financiadas, não por um aumento considerável do
volume do crédito, mas por um enorme incremento da veloci-
dade de circulação. No mês de outubro de 1929 a velocidade de
circulação em 101 câmaras de compensação passou de uma mé-
dia de 50 por ano, em 1922-1927, para 94, em virtude do enorme
volume de empréstimos, na Bôlsa, feitos por firmas e parti-
culares, e não pelos bancos.
A variação paralela de V e T não se pode estabelecer como
regra geral. Dá-se em certos períodos, e não se dá em outros.
O que a equação de trocas indica é que, enquanto P fica constan-
te, as variações de T têm de refletir-se em variações de MV, e
não de V sômente.
Assim, por exemplo, Keynes assinala que, no período de
grande atividade econômica de princípios de 1920, nos Estados
Unidos, o aumento do volume de transações, T, então acompa-
nhado por uma fraca disponibilidade de capitais de movimento,
isto é, de M”, teve como resultado fazer com que V e T apareces-
sem em movimentos paralelos. Todavia, na reprise de 1921-1922,
quando o volume das transações, T, novamente aumentava, mas
sem restrição de crédito, M', as variações de T não deram lugar
a variações paralelas de V.
O que acarreta o aumento de velocidade, V, é, portanto, o
aumento do volume de transações, T, desacompanhado de um
aumento correspondente de crédito, M”. Não há, pois, como con-
fiar na afirmativa de que o cálculo de V é secundário, por se-
rem as variações de V paralelas às de T.
Hã ainda a observar que nem sempre as variações de T im-
portam oscilações paralelas de PT e, por consegiiência, de
MV. Na hipótese de melhoria de produtividade técnica, como no
caso dos automóveis, por exemplo, baixa o preço P, mas, como a
procura do artigo é de razoável elasticidade, T aumenta sem que
o produto PT forçosamente aumente e sem que, portanto, o au-
mento de T repercuta sôbre V. Se a procura do artigo fôr rígida,
a baixa de P deixa T indiferente, e PT baixa, podendo acarretar
uma baixa de V sem que tenha havido baixa de T. No caso de va-
160 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

riações de preços do lado das coisas (isto é, por motivos estranhos


à moeda), uma abundante colheita de trigo, por exemplo, faz
baixar o preço P sem afetar T, porque a procura é rígida, de
sorte que PT baixa e, por conseguinte, MV também baixa, e V
poderá baixar sem que T tenha variado.
V também pode ser influenciado por M, como nos casos
de hiperinflação, em que, quanto mais se emite, mais se acen-
tua a fuga da moeda, isto é, mais se acelera V, conforme se ve-
rificou na Alemanha em 1921-1923. Nesses casos, cada um trata
de transformar a sua moeda, tão râpidamente quanto possível,
em mercadorias ou serviços, com o temor de que, no dia ime-
diato, seu poder de compra já tenha caído.
O único caso em que V varia independentemente da varia-
ção de qualquer outro fator da equação de trocas é o da variação
dos hábitos da população, relativos às datas e épocas usuais de
recebimentos e pagamentos de salários, aluguéis, impostos, pa-
gamento das safras aos agricultores, etc., que são, como vimos,
os elementos básicos do cálculo de V.
Mas a alteração dos hábitos da população pode-se consi-
derar nula, em curtos períodos, de sorte que, na realidade, pode-
-se dizer que V é sempre um elemento passivo, que varia em
função dos outros fatôres da equação. No caso de aumento de
população, por exemplo, a ação inicial é sôbre T; no dos ciclos
é sôbre T; no da fuga da moeda a causa é M, agindo sôbre T
e V, etc.
Diz-se, em geral com fundamento, que a velocidade V, V'
é uma arma que está nas mãos do público. É do público, parti-
culares e mundo dos negócios, que depende o fato de a moeda
circular ou deixar de circular.
O contrôle sôbre M, M', ao contrário, pertence aos governos
e aos bancos centrais. À quantidade de moeda emitida, bem como
a quantidade de crédito criado pelos bancos, deve, dentro de um
sistema bancário organizado, ser controlado pelo Govêrno ou
pelos bancos centrais.
Casos há em que os dois poderes entram em conflito. Por
ocasião de uma inflação, já em pleno desenvolvimento, se o
Banco Central restringe o crédito para conter-lhe o impulso,
podem os bancos de desconto e o público agir em sentido con-
trário, aumentando a velocidade de circulação. Igualmente — e
mesmo mais acentuadamente — nas fases de depressão, o Banco
A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA 161

Central procura, a todo transe, reavivar os negócios, dando tô-


das as facilidades para o aumento de M e Mº, inclusive juro
muito baixo, mas o público se recusa a movimentar, quer dizer,
a dar velocidade à moeda e ao crédito.
Importa citar também a noção de velocidade de circulação
dos bens, que é o número médio de transações a que cada mer-
cadoria ou serviço dá lugar. Esta velocidade dos bens é:
Volume físico das vendas (T)
Vm=
Volume físico dos bens destinados à venda (Q)
e, se chamarmos de Q ao denominador, gue corresponde ao to-
tal de mercadorias e serviços, teremos:
T = QVm
já que o numerador é evidentemente o T da equação de trocas.

$ 3.º — A Equação de Trocas Aplicada à Renda Nacional e a


Velocidade de Renda

A velocidade de circulação da moeda, V, da equação de


trocas, refere-se ao número de vêzes que a unidade monetária
é transferida de uns a outros em determinado período de tempo,
para as transações dos consumidores, dos produtores, ou da fi-
nança.
Se agora quisermos ligar a equação de trocas à noção de
renda nacional, o T dessa equação passará a ser T,, volume real
das mercadorias e serviços que formam a renda nacional, pas-
sando o PT da dita equação a P,T., valor em moeda dessa mes-
ma renda nacional, em que P, é o nível de preços das coisas
que entram em T,. Mas nesse caso temos de modificar também
no outro têrmo da equação, o sentido da velocidade de circula-
ção, V, que passará a ser V,, número de vêzes, em determinado
período de tempo, que a unidade monetária é utilizada no rece-
bimento (ou pagamento) de qualquer rendimento, no sentido
de rendimentos que integram a renda nacional.
Pode-se perfeitamente imaginar um circuito circular da moe-
da, de consumidor a produtor de qualquer espécie, e daí, de
volta ao consumidor. V, é o número de vêzes, durante o ano,
em que a unidade monetária completa o circuito consumidor-
162 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

-produtor-consumidor. Suponhamos que a unidade monetária


parte de um consumidor para um varejista, dêste a um atacadista,
dêste a um fabricante, dêste a um produtor de matérias-primas,
etc. Dos 10 cruzeiros pagos pelo consumidor ao varejista, um,
apenas, digamos, constitui renda do varejista, um outro consti-
tuirá renda do atacadista, três outros constituirão renda do fa-
bricante, seus empregados e operários, até que o último cruzeiro
dos 10 vá constituir renda de um mineiro de carvão ou dos do-
nos e empregados da estação geradora de energia. Cada um
dêsses 10 cruzeiros tem assim uma velocidade de renda dife-
rente, pois que uns completam o circuito mais râpidamente, ou-
tros mais lentamente. A média dessas velocidades é V,, número
de circuitos de consumidor-produtor-consumidor, completados
durante um ano, por uma unidade monetária.
Tanto faz que o produtor seja produtor de mercadorias de
consumo, como de bens de produção, já que êstes se. incluem
igualmente na renda nacional. O varejista, o atacadista e o fa-
bricante de um arado são êles próprios, bem como seus empre-
gados, beneficiários de uma fração da renda nacional. Assim
também o pagamento de juros, dividendos e lucros (ainda que
êsses lucros sejam retidos em mãos das emprêsas e não distri-
buídos), que fazem parte da renda nacional, inclusive impostos,
já que o Govêrno é o maior supridor dos serviços que se compu-
tam nessa renda (excluídos os pagamentos do (Govêrno por
transferência).
Não se incluem no conceito de V,, nem no de T,, as tran-
sações financeiras sôbre títulos e valores já existentes, pois que
tais operações não participam da formação da renda nacional.
A velocidade de renda da moeda é a relação entre a renda
RN
nacional e a quantidade de moeda . Se a velocidade de renda
M
(income-velocity) da moeda é igual a 3, por exemplo, isso quer
dizer que, no circuito de formação da renda nacional, cada uni-
dade monetária é utilizada três vêzes por ano, ou seja, recebida
três vêzes por algum beneficiário do rendimento nacional. Isso
equivale a dizer que o intervalo de tempo que medeia entre o
ponto em que cada cruzeiro se torna rendimento de alguém e
o ponto em que êsse mesmo cruzeiro de novo se torna rendi-
A VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO DA MOEDA 163

mento de alguém é de quatro meses. Pigou, como Hansen,


calculam a velocidade de renda da moeda, na Inglaterra e nos
Estados Unidos, aproximadamente igual a 3, caindo a cêrca
de 2 em fases de séria depressão, como nos anos de 1930.
Na equação MV = PT, transposta para a renda nacional,
sob a forma MV, = P,T,, M é o único fator que permanece o
mesmo, quando na realidade deveria ser M,, menor do que M
e correspondente apenas à moeda utilizada nas operações que
dizem com a formação da renda nacional. Daí a crítica de
Keynes,“ dizendo que V, é um conceito híbrido e sem signifi-
cação. Não é possível separar M, de M, porque é no próprio
correr das transações monetárias feitas com M que se processa
a formação da renda nacional.
Não obstante, é perfeitamente possível conceber o fluxo
monetário da moeda através de mercadorias e serviços, só se
computando na contagem da velocidade, V,, o número de vêzes
que a unidade monetária cai nas mãos de alguém como encaixe
de rendimentos.
V, não é passível de medição direta, e sim sômente indireta,
cociente da divisão da renda nacional P;T, por M.
Assim adaptada a equação de trocas ao conceito de renda
nacional, não melhoram suas possibilidades de aplicação prática.
V, não pode ser medido senão indiretamente pelo cociente da
renda nacional P,T, por M; não é possível passar de M, total
da moeda, a um M, que excluísse a moeda utilizada em transa-
ções estranhas à formação da renda nacional; teríamos final-
mente para T'; a mesma dificuldade que (como veremos no capí-
tulo XII) temos para T, de encontrar uma unidade de medida,
só havendo expressão para P,T, em conjunto e não se podendo,
portanto, isolar P, para determinar um índice geral de preços das
mercadorias e serviços que integram a renda nacional em deter-
minado ano.

48. A. HANSEN — “Full Recovery or Stagnation”, pág. 143.


49. KEYNES — “Treatise on Money”, vol. II, pág. 24.
CAPÍTULO X

A QUANTIDADE DE MOEDA

(Me M)

$ 1.º — Entesouramento

Na determinação de M, total da moeda manual em circula-


ção, há que distinguir entre a moeda em circulação efetiva e a
moeda entesourada, que nenhuma ação exerce sôbre os preços.
Poder-se-ia, é claro, abandonar o exame da questão, reportando
todos os seus efeitos sôbre V, velocidade de circulação. Quanto
maior fôsse a quantidade de moeda entesourada, menor seria V.
Mas, assim fazendo, desprezaríamos a análise de um aspecto in-
teressante do estudo da teoria quantitativa.
Há, ainda, em certos países, o hábito de entesourar a moe-
da manual, isto é, de guardar uma reserva monetária, em di-
nheiro de contado, superior às necessidades das despesas dos
indivíduos ou do giro dos negócios. Êsse hábito encontra-se, so-
bretudo, entre populações rurais de alguns países da Europa e da
Ásia. Êle decorre muito mais de uma desconfiança generalizada
nos bancos e nos negócios do que de confiança na estabilidade
do poder de compra da moeda. Em França e na Espanha é ainda
hoje considerável o hábito do entesouramento da moeda. Em
1934, estimava-se, em França, o entesouramento monetário em
40 bilhões de francos, sendo 10 bilhões em ouro e 30 bilhões em
notas, ou seja, perto de metade da moeda emitida.
Entre nós, do Brasil, é também frequente o entesouramento
de moeda entre as populações do interior, em parte devido à falta
de estabelecimentos bancários, mas principalmente por espírito
de desconfiança do homem do interior em bancos e governos.
166 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Numa época em que o poder de compra da moeda declina repe-


tidamente, êsse entesouramento é um contra-senso, mas tem a
grande vantagem, para a comunhão, de contribuir para aliviar a
inflação.

$ 2.º — A Noção de Preferência pela Liquidez

A palavra “entesouramento” não faz parte da terminologia


de Keynes, em sua “Teoria Geral”. Diz Keynes que, já que todos
os meios de pagamento, em um dado momento, estão nas mãos
de alguém, todos os meios de pagamento estão sempre ente-
sourados. A noção de entesouramento é, entretanto, tão evidente
e tão necessária, que o próprio Keynes não pode deixar de refe-
rir-se repetidamente ao “dinheiro ativo” e “dinheiro inativo”.
Ao estruturar sua “Teoria do Juro”, função da procura e da
oferta de dinheiro, Keynes estabelece a noção da “preferência
pela liquidez”, que corresponde, na linguagem corrente, à pro-
cura de dinheiro (demande d'argent) e distingue três espécies
de motivos, dependentes do movimento dos negócios e da pre-
visão da situação futura, que influem sôbre a maior ou menor
quantidade de recursos que cada um é levado a conservar sob
a forma de dinheiro líquido:*
a) “o motivo das transações”, quer dizer, a necessidade de
disponibilidades monetárias para as transações correntes de troca,
no giro dos negócios ou das operações individuais. “Uma das
razões por que se conservam recursos líquidos”, escreve Keynes,
“é a de assegurar a transição entre as entradas e as saídas de
dinheiro... e também entre o momento em que começam as
despesas para a produção e aquêle em que se recebe o produto
das vendas”.** Isso quer dizer simplesmente que cada um man-
tém o encaixe de tesouraria correspondente a seu algarismo de
negócios ou a suas despesas pessoais. Êsse encaixe pode variar
com a velocidade de sua circulação (como vimos no capítulo an-
terior) e também com a maior ou menor facilidade com que
cada um pode lançar mão do crédito bancário de giro, como
complemento dêsse encaixe;

DO. KEYNES — “General Theory”, pág. 17, MAC MILLAN, London, 1936.
51. Idem, ib., pág. 195.
A QUANTIDADE DE MOEDA 167

b) “o motivo de precaução”, isto é, de manter uma soma


de recursos líquidos não só para atender a desembolsos ou des-
pesas imprevistas, como para aproveitar eventuais oportunida-
des de bons negócios ou boas aquisições. Keynes admite que o
encaixe correspondente a êste segundo motivo varia, como para
o primeiro, em função do grau de atividade dos negócios;
c) o “motivo especulativo”, para poder “tirar proveito do
fato de conhecer-se melhor do que o mercado o que o futuro
tem em reserva”,
O simples enunciado dêstes três motivos mostra que,
enquanto a demanda de dinheiro para o primeiro e o segun-
do motivos é função dos rendimentos (ou seja, da importân-
cia monetária da renda nacional), a demanda para o “motivo
especulativo” depende, preliminarmente, da existência de “eco-
nomias acumuladas”, “já que é relativamente a essas economias
que o indivíduo exerce sua preferência pela liquidez ou iliqui-
dez”, vendendo ou comprando títulos ou outros bens.
A uma taxa de juros baixa, é claro que o custo da prefe-
rência pela liquidez (isto é, o que se deixa de receber comprando
títulos ou bens) é menor do que a uma taxa alta.
Se a preferência pela liquidez corresponde à demanda de
dinheiro e se a quantidade de moeda? representa a oferta de di-
nheiro, então, segundo Keynes, a taxa de juros do mercado é
função destas duas variáveis.
Keynes chama de “especulativo” o motivo referente à pre-
ferência pela liquidez prôpriamente dita, porque essa preferên-
cia depende não só do nível atual da taxa de juros como da
incerteza sôbre o futuro dessa taxa. Sabe-se que, quando baixa a
taxa de juros, sobe o valor dos títulos e que, quando sobe a taxa,
baixa êsse valor. Logo, se se prevê que a taxa vai subir, ou seja,
que os títulos vão cair, trata-se de vendê-los (especulativo); se
se prevê que a taxa vai baixar, isto é, que os títulos vão subir,
trata-se de comprá-los, quanto antes. No primeiro caso, ao con-
trário do segundo, manifesta-se a preferência pela liquidez.
Um dos defeitos dessa teoria keynesiana da preferência pela
liquidez (a qual voltamos a comentar no 3 4.º do capítulo II do

52. “General Theory”, pág. 194.


63. Isto seria certo se se limitasse a proposição à moeda de ação indi-
reta, e não a tôda a moeda, inclusive a utilizada nas transações em que se.
forma a renda nacional.
168 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

2.º volume) é de generalizar e dar excessiva importância a um


fenômeno que é peculiar aos países de mercado monetário e de
títulos altamente desenvolvido e, dentro dêsses países, às em-
prêsas (especialmente companhias de seguros e investment
trusts) ou indivíduos, cuja constante preocupação é de especular
em bôlsa.'
A
$ 3.º — Moeda de Ação Direta e Moeda de Ação Indireta

Do ponto de vista da análise da conjuntura econômica e dos


ciclos, parece ao autor dêste livro que seria especialmente provei-
toso distinguir entre a moeda utilizada no giro dos negócios e
nas despesas dos indivíduos (despesas, no sentido de despesa de
consumo e de investimento, $ 2.º do capítulo XIII), isto é, na
formação da renda nacional, que denominaríamos de moeda de
ação direta, e a moeda que aflui ao mercado de crédito sob a
forma de disponibilidades ou poupança dos indivíduos e das
instituições, juntamente com a que provém da monetização de
bens, que chamaríamos de moeda de ação indireta.
Para ver que a distinção é cabível, basta observar que existe
um “mercado de crédito” ($ 3.º do capítulo II do 2.º volume),
em que o preço do dinheiro resulta da oferta de economias e ou-
tras disponibilidades líquidas, e da procura de recursos por parte
dos que pretendem fazê-los frutificar, ou seja, dos empreendedo-
res. É um mercado especial, no qual não entra a moeda utilizada
para o giro dos negócios ou para as despesas individuais.
A moeda de ação direta age no setor “rendimentos”, isto
é, nas transações de que resulta a formação da renda nacional.
A moeda de ação indireta age no mercado monetário. É. claro
que a moeda entesourada, a que nos referimos no $ 1.º, não
exerce qualquer ação, direta ou indireta.
Quando'o Govêrno ou a Autoridade Monetária criam moe-
da para cobertura de deficits orçamentários, para pagamento de
obras públicas, ou mesmo para financiamento de empreendi-
mentos privados, essa moeda vai ser gasta desde logo e, por-
tanto, constituir rendimentos de alguém; vai aumentar as des-
pesas de consumo e, se a situação já fôr de pleno emprêgo,
incentivar a alta dos preços. É a moeda de ação direta.

54. KEYNES era diretor de uma companhia de seguros.


A QUANTIDADE DE MOEDA 169

Quando, ao contrário, o Govêrno ou a Autoridade Mone-


tária criam moeda, seja por operações de open market, com-
prando títulos em bôlsa, seja por aquisição de ouro, seja por
desapropriação de bens privados, tornando abundantes as dis-
ponibilidades de dinheiro no mercado de crédito e fazendo
baixar ou mantendo baixa a taxa de juros, essa moeda não au-
menta nem diminui os rendimentos dos indivíduos ou emprê-
sas. Não afeta, portanto, os preços. É a moeda de ação indireta.
Entre os dois setores monetários a intercomunicação se es-
tabelece através do mercado monetário.
Se e quando a moeda de ação indireta se transfere do mer-
cado monetário para as mãos dos empreendedores, isto é, para
execução de investimentos, ela passa a ser moeda de ação di-
reta. Na doutrina de Wicksell e dos neo-wicksellianos, a taxa de
juros é o elemento decisivo dessa intercomunicação.
Vice-versa, o aumento dos investimentos, e consegiiente
crescimento da renda nacional, permite a formação de novas
economias, que afluem ao mercado de crédito, transformando
moeda de ação direta em moeda de ação indireta.
Quando, por motivo de depressão econômica, ou por taxa
de juros elevada ou, ainda, por carência de investimentos a rea-
lizar, cessa a procura de moeda no mercado de crédito para in-
vestimentos, cai a renda nacional e baixa também o afluxo de
economias para o mercado de crédito. Mas, independentemente
de economias e investimentos, o simples aumento dos depósi-
tos bancários resultante de expansão monetária, sem aumento
da renda nacional e com declínio da velocidade de circulação,
bem traduz a criação de moeda de ação indireta.”
A distinção entre moeda de ação direta (setor rendimentos)
e moeda de ação indireta (mercado monetário) está em que
uma afeta, e outra não afeta, os preços. Isto será objeto de no-
vas considerações no $ 6.º do capítulo I do 2.º volume.
+
* *

Alguns autores têm interpretado a “Teoria do Juro”, de


Keynes, no sentido de que o aumento da quantidade de meios de

55. A. HANSEN — “Fiscal Policy”, pág. 430. JoHN WILLIAMS — “De-


ficit Spending”, em “Readings in Business Cycles”, pág. 280.
170 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

pagamento só tem por efeito fazer baixar a taxa de juros (isto


é, na nossa terminologia, no sentido de que tôda moeda é de
ação indireta), a ponto de escrever a distinta economista Mrs.
Joan Robinson, da escola de Keynes, em sua crítica ao livro de
Bresciani-Turroni”” sôbre a inflação alemã, que o aumento de
meios de pagamento só influi sôbre a economia através da baixa
da taxa de juros. É uma tese inteiramente inaceitável, e fôrça
é concordar com Haberler,” em que não se deve dar semelhante
interpretação ao que Keynes escreveu na “General Theory”.
O dinheiro emitido pelo Govêrno para a cobertura de defi-
cits orçamentários vai diretamente para o bôlso de alguém, e
para a renda nacional, sem passar pelo mercado de crédito. O
mesmo se dá com a moeda suprida pelos bancos para os negó-
cios e as transações: ninguém toma empréstimos a bancos para
oferecer êsse dinheiro ao mercado de crédito. Nem é concebível
que o dinheiro destinado a satisfazer o “motivo das transações”,
de Keynes, seja levado a êsse mercado.
Mas o próprio desgarro de Mrs. Robinson, ao dizer que o
dinheiro só influi sôbre os preços através do mercado de crédito
e a taxa de juros, serve bem para acentuar a distinção entre moe-
da de ação direta e de ação indireta.

56. “Economic Journal”, de 1938 ág. 509.


57. “Prosperité et Dépression”, pág 246.
68. KEYNES — Ob. cit., pág. 200
CapíTULO XI

PREÇOS

$ 1.º — Causas Monetárias e Amonetárias

Pode, à primeira vista, parecer que “P” da equação de tro-


cas MV + M'V' = PT, sendo a incógnita cujo valor importa
determinar em função das demais variáveis, é sempre um ele-
mento passivo. Isso equivaleria a afirmar que os preços só va-
riam em função de causas monetárias, o que não é verdade.
Os preços são também sujeitos a influências não-monetárias ou
amonetárias.
Mises diz muito bem que, em investigações sôbre a natu-
reza do valor da moeda, é essencial distinguir duas espécies de
determinantes da relação de troca entre a moeda e os bens eco-
nômicos: as que exercem seu efeito do lado da moeda e as que
o exercem do lado das coisas.
Ninguém dirá, por exemplo, que os preços dos objetos ma-
nufaturados ou dos produtos agrícolas sejam independentes das
variações de custo de produção,” isto é, de modo geral, da
produtividade técnica da Indústria ou da Agricultura. Se se des-
cobrir amanhã um acumulador de eletricidade, capaz de substi-
tuir com vantagem e grande economia o motor de explosão dos
automóveis; se se inventar uma máquina capaz de fazer me-
cânicamente a colheita do algodão, — o preço dos automóveis
ou do algodão baixará, sem que o fator monetário tenha nisso
qualquer intervenção.

59. O preço ou valor de uma mercadoria não se baseia no custo; de-


pende das curvas da procura e da oferta; a posição da curva da oferta é que
depende do custo de produção.
172 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Os ciclos de Prosperidade e Depressão têm notória re-


percussão sôbre os preços. Poucos são os autores que, com evi-
dente exagêro, atribuem sempre a origem dêstes ciclos a fenô-
menos monetários e, quando mesmo isso se possa verificar no
país líder, onde se inicie o ciclo, a sua propagação aos demais
países não depende, em regra, de desequilíbrios monetários nes-
ses países. O ciclo é aí, portanto, um fenômeno amonetário, e
os preços são afetados, sem que isso provenha de variações de
M ou de V.

$ 2.º — Nível Geral de Preços e Preços Relativos

Às causas monetárias como as amonetárias nunca produ-


zem variações uniformes e concomitantes sôbre todos os preços
individuais, cuja média geral é representada por P. Os efeitos
nunca são de intensidade uniforme, nem se manifestam ao mes-
mo tempo sôbre todos os preços.
No que tange às causas monetárias, como Hume já havia
pressentido, o dinheiro novo, injetado na circulação, como sem-
pre o é, através de um determinado setor econômico, atua primei-
ramente sôbre os preços das coisas que interessam a êsse setor,
depois sôbre os dos setores a êste ligados e assim sucessiva-
mente (ver 8 2.º do capítulo XV). A alta de preços se processa
com maior ou menor intensidade sôbre cada grupo de preços,
conforme o grau de incidência do novo dinheiro e conforme a
elasticidade da oferta e da procura de cada mercadoria. Dá-se
assim o deslocamento relativo de uns preços individuais (p', p”,
"...) em relação a outros (p,» Po P,- JD.
Isso quer dizer que o aumento da quantidade de moeda dá
lugar, no processo evolutivo, a efeitos de deslocamento relativo
entre uns e outros preços. Basta isso para que não possa haver
proporcionalidade direta entre as variações de M ou Mº e as da
média P.
Importa, portanto, distinguir duas naturezas de movimento
de preços: o movimento do “nível geral de preços” e o dos
“preços relativos”. O conceito de nível geral de preços é útil,
e mesmo indispensável, por ser a única forma de expressão ge-
ral do poder de compra da moeda. O valor da moeda só pode
ser medido pela quantidade de mercadorias que a unidade mo-
netária é capaz de comprar. Éle é determinado pelos preços des-
PREÇOS 173

sas mercadorias. Quanto mais baixos êsses preços, maior o po-


der de compra da moeda, e vice-versa. O poder de compra da
unidade monetária é a recíproca do nível geral de preços.
Um pouco de reflexão, porém, indica desde logo que o con-
ceito de nível geral de preços, por si só, seria de pouca utilidade
na análise dos fenômenos econômicos da produção e da distri-
buição. De fato, se imaginássemos a hipótese de uma duplica-
ção geral de todos os preços, da noite para o dia, que influência
teria isso sôbre a produção ou o consumo, isto é, sôbre o equilí-
brio do sistema econômico? Que mal adviria se cada um de nós
passasse a pagar exatamente o dôbro por tudo que compra, e se,
ao mesmo tempo, os rendimentos tivessem sido exatamente du-
plicados? Evidentemente, nenhum. O nível geral de preços te-
ria duplicado, sem que daí adviesse qualquer desequilíbrio para
a economia.
* Muito diversa seria, entretanto, a situação e graves as con-
segiiências econômicas e sociais, se se verificasse profunda al-
teração nos “preços relativos” de umas coisas e serviços em re-
lação a outras coisas e serviços, ainda que daí nenhuma alteração
sensível resultasse para a média, que é o nível geral de preços.
Nesse caso, verificar-se-ia profundo desequilíbrio econômico, pe-
lo fato de os produtores das mercadorias cujos preços tivessem
baixado não mais poderem comprar aquelas cujos preços tives-
sem subido.
Do ponto de vista da teoria quantitativa, o que importa
compreender é que o aumento ou a diminuição da procura de
mercadorias e serviços, resultante do aumento ou diminuição da
quantidade de meios de pagamento ativos, não se distribui igual-
mente por todos os setores da economia, nem dá lugar a varia-
ções paralelas de todos os preços. À incidência do aumento ou
redução de meios dé pagamento processa-se através de determi-
nados setores da economia, propagando-se, mais ou menos lenta-
mente, para outros setores e causando desequilíbrios, por vêzes
profundos, na estrutura econômica.
Quando mesmo, porém, êsse aumento ou redução de meios
de pagamento tendesse a distribuir-se igualmente por todos os
setores da economia, a variação dos preços não seria uniforme,
em virtude da desigualdade das elasticidades da procura de cada
mercadoria. O afluxo de meios de pagamento seria forçosamente
desviado das mercadorias de baixa elasticidade de procura, em
174 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

relação à renda, para as de maior elasticidade, podendo ainda


acontecer que a elasticidade de suprimento destas últimas re-
freasse a alta de preços.
Fora ainda da questão, já de si tão importante, da elasti-
cidade da procura e do suprimento, há a considerar os efeitos
sôbre os preços, resultantes das simples variações da procura.
Se a preferência ou o gôsto dos consumidores se modificam, os
produtores da mercadoria A, menos procurada, podem sofrer
prejuízos (por exemplo, os chapéus de homem, últimamente),
ao passo que os produtores da mercadoria B auferem lucros pro-
pícios, o que vem, por sua vez, alterar a procura dos fatôres
de produção por parte da indústria A e da indústria B. Uma
nova invenção (automóvel ou rádio, por exemplo) pode ter
efeitos semelhantes sôbre a variação da procura e, portanto,
sôbre os preços.
Do estudo e da consideração dos preços relativos decorrem
consequências da maior importância para a economia real da
produção, do consumo e da utilização maior ou menor dos fa-
tôres de produção. Uma alta ou baixa sensível de preço do café
pode ter muito pouca influência no nosso “nível geral de pre-
gos” ou no nosso “índice de custo da vida”, mas terá repercussões
das maiores na economia nacional. A relação entre os preços
dos principais produtos de nossa exportação e de nossa impor-
tação (relação de trocas [terms of trade] ) é outro fator de gran-
de influência na economia de um país, que pode, entretanto,
deixar de traduzir-se sensivelmente no “nível geral de preços”.
Na consideração dos preços individuais, isto é, dos preços
relativos, a equação de Fisher é de pouca valia, em que pêse à
opinião em contrário de Marget. Não é possível, como propõe
êsse autor, separar a equação geral em uma série de equações
parciais, uma para cada mercadoria ou grupo de mercadorias,
escrevendo, como êle faz,” Mr Vr — PrR e Mp Vp — PC, em
que R e €C representam, respectivamente, o volume de bens de
consumo e de bens de produção, Mr a moeda utilizada na des-
pesa com mercadorias de consumo (!) e Mp a utilizada na des-
pesa com bens de produção (!), sendo Vr e Vp as respectivas
velocidades de circulação. Pois, se, conforme vimos no $ 3.º do

60. MaArcET — “The Theory of Prices”, 2.º vol., págs. 280 a 345, e 1.º vol.
págs. diz ê 618.
61. Idem, idem, 1.º vol., pág. 516.
PREÇOS 175

capítulo IX, já são quase insuperáveis na prática as dificuldades


para adaptar a equação de Fisher à noção de renda nacional, T,,
imaginando uma velocidade V,, que só indiretamente pode ser
determinada, e guardando o mesmo M da equação geral, como
pensar em formular equações em que, para cada grupo de mer-
cadorias, ou mesmo para cada mercadoria, se teria de determinar
a quantidade de moeda, Mr ou Mp, supostamente earmarked
para uso especial de suas transações?
Fisher estava certo ao escrever” que era preciso suplemen-
tar o instrumento marshalliano, usado no estudo da formação
de preços individuais, com uma explicação analítica geral sôbre o
modo por que o nível geral de preços é mais alto ou mais baixo.
O estudo dos preços individuais não pode ser feito através de
equações gerais tipo Fisher, e sim, como dissemos acima, conside-
rando, para cada caso, a maior ou menor incidência da nova
moeda sôbre cada setor e a elasticidade da procura e do supri-
mento das respectivas mercadorias. Quando o total da despesa
aumenta ou diminui, escreve Keynes,“ a despesa correspondente
aos produtos de determinada indústria não aumenta ou diminui
na mesma proporção, não só porque, à medida que sua renda
se eleva, os indivíduos não aumentam proporcionalmente sua
despesa nos produtos de cada indústria, como porque os preços
das diferentes mercadorias reagem de forma diferente (elasti-
cidade) às variações da procura de que são objeto.
Isso não quer dizer que devamos abandonar o conceito de
“nível geral de preços” por inútil, como propõe Hayek,** nem
concordar com Keynes“ em que é melhor esquecer êsse con-
ceito. Não. À noção de nível geral de preços tem sua utilidade
paralelamente à de preços relativos. Pode-se perfeitamente con-
ceber as duas noções ao mesmo tempo. Depondo perante a Co-
missão de Moeda e Bancos da Câmara de Deputados dos Esta-
dos Unidos, em 1926, dizia Irving Fisher: “Para cada preço
especial, há dois fatôres que influem: o fator da oferta e da
procura, relativo a essa mercadoria específica, e o fator da infla-
ção ou deflação monetária”. Citava então Fisher o caso do

62. FisHErR — “Purchasing Power of Money”, págs. 174-175.


63. KEYNES — “General Theory”, pág. 286.
64. Hayek — “Prices and Production”, pág. 29.
65. KeyNEs — “General Theory”, pág. 39.
66. “Hearings before the Committee on Banking and Currency — 69th
Congress — H.R. 7.895”.
176 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

“multiplicador”, que vigorava na Alemanha em 1921, durante


a grande inflação, e pelo qual todos os preços usuais deviam ser
multiplicados.
Essa noção de nível geral de preços, variável em função da
inflação ou deflação, não deve ser abandonada, especialmente
em países como o nosso, sujeitos a crises repetidas desta espé-
cie. O próprio Hayek escreve que “uma das piores coisas que
poderia acontecer seria que o público deixasse de acreditar nas
proposições elementares da Teoria Quantitativa”.

$ 3.º — Índices de Preços


Vejamos agora como se pode dar expressão numérica a P,
média de todos os preços, que é o inverso do poder de compra
da moeda. Quanto mais altos os preços, menor o poder de com-
pra da moeda, e vice-versa. Ora, o poder de compra da moeda,
nada mais é do que a quantidade de mercadorias ou serviços que
se podem adquirir com uma unidade monetária.
Bastaria, pois, escolher as mercadorias em cujas unidades
se propõe expressar o poder de compra da unidade monetária,
e as variações de quantidade dessas mercadorias exprimiriam as
variações do poder de compra da moeda. Mas, quais seriam essas
mercadorias? Para cada classe de pessoas, para cada clima e
para cada condição social, haveria um grupo de mercadorias e
serviços a adotar. Certas mercadorias podem ser parte impor-
tante da despesa de uns e inúteis para outros. Para cada grupo
social, ou cada gênero de negócio, deveria corresponder uma
relação especial de mercadorias e serviços. À questão da quali-
dade das mercadorias é também uma variável a considerar.
Em longos períodos de tempo, os índices tornam-se difi-
cilmente comparáveis, porque os hábitos mudam, e a natureza
das mercadorias utilizadas também muda.
A questão da escolha do método estatístico de cálculo dos
índices oferece menor dificuldade. Os diferentes métodos, o da
média aritmética, o da média geométrica ou o da média harmô-
nica, podem ser utilizados de acôrdo com o objetivo que se tem
em vista. Na maior parte dos casos, a média aritmética ponde-
rada é satisfatória. O preço de cada mercadoria é multiplicado
pelo pêso correspondente à sua importância relativa; os pro-
dutos adicionados, e a soma dividida pelo total dos pesos. Nos
PREÇOS 177

índices mais conhecidos, como o do Economist ou o Sauerbeck,


a ponderação se realiza pela inclusão de várias qualidades ou
estágios das mercadorias mais importantes, que são assim compu-
tadas mais de uma vez, proporcionalmente à sua importância.
Os índices de preços mais geralmente conhecidos e utiliza-
dos são:
|) O índice trabalho, que mere os movimentos de valor
da moeda pela variação verificada nos salários e ordenados. Esse
índice supõe que existe uma unidade comum de trabalho e que
a produtividade é a mesma nas épocas comparadas, hipótese
mexata.
Êle importa também em supor invariável o salário-real, o
que também não é exato.
2) O índice de preços em grosso, que é um índice mais
fácil de estabelecer e pode ser dos mais úteis, se dêle não se quiser
tirar mais do que aquilo que êle exprime. Êsse índice não com-
preende o preço dos serviços, de modo geral, e em uma economia
progressiva há sempre tendência para a alta dos preços dos ser-
viços pessoais. Não abrange, tampouco, as mercadorias de fabri-
cação complexa, como automóveis, por exemplo.
Nos Estados Unidos criticou-se o índice de grosso ali ado-
tado, dizendo-se que mais da metade da mão-de-obra trabalha
na produção de bens que não entram na composição do índice.
J. M. Keynes, criticando (com tôda a razão, a nosso ver)
a estabilização, em 1925, da libra esterlina, em sua antiga pa-
ridade, diz que o Govêrno inglês foi, em parte, induzido a essa
decisão pela comparação dos índices de preços em grosso na In-
glaterra e nos Estados Unidos. A conclusão era falsa, continua
Keynes, e a causa de êrro estava em que, na confecção do índice
de preços em grosso, inglês, predominavam as mercadorias de
caráter internacional, cujos preços são aproximadamente os mes-
mos nos dois países.
Por outro lado, o índice de grosso, excluindo as despesas
de distribuição e a maior parte dos salários, não participa da
inércia que caracteriza os preços dêsses elementos.
Abrangendo numerosas mercadorias em vários estágios de
produção, o índice de grosso como que se antecipa aos futuros
preços de retalho. O índice em grosso do Bureau of Labour
Statistics dos Estados Unidos é hoje muito bem feito e abrange
550 mercadorias cientificamente ponderadas.
178 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

3) O índice de preços de retalho, que inclui os serviços de


distribuição, e por isso mesmo é mais inerte, porém muito mais
expressivo para o consumidor do que o índice de grosso, pois
que, como dizem certos autores, êle representa o poder de com-
pra geral da moeda para mercadorias acabadas.
Keynes diz que não há dúvida sôbre o que se entende por
poder de compra da moeda: é a média dos preços das merca-
dorias de consumo. Isso é, até certo ponto, verdadeiro, porque
todos são consumidores e como tal diretamente interessados nos
preços das mercadorias de consumo. Mas é preciso não esquecer
que a principal utilidade dos índices de preços é de servir de guia
à política monetária, e os objetivos dessa política são vários.
Pode ser o de estabilizar ou de alterar a relação entre os preços
dos bens de consumo e os dos bens de produção; pode ser o da
adaptação dos preços internos aos preços externos; pode ser o de
manter a moeda neutra, isto é, sem influência sôbre os preços,
como pode principalmente ser o da melhor e mais completa uti
lização dos fatôres de produção. Cada uma dessas políticas mo-
netárias exige a seleção de índices diferentes; o simples índice
de preços de mercadorias de consumo não é suficiente.
4) O índice de custo de vida, que, para ser expressivo,
deve ser estabelecido, um para cada classe social, com mercado-
rias, serviços e ponderação adrede escolhidos. É um índice difícil
de estabelecer, com caráter de generalidade.
Por ocasião da desvalorização do franco belga, o Govêrno
manifestou sua satisfação pelo fato de que o custo da vida, dois
meses depois, só havia aumentado de 3%. Tratava-se, no entan-
to, de um índice não ponderado de 57 artigos, em que os fósforos
tinham o mesmo lugar que as batatas, e em que, ao que pa-
rece, uma baixa ocasional do leite e da manteiga (esta sob duas
rubricas) compensou uma alta do pão, que já atingia 17%.
5) O índice de preços internacionais, composto de maté-
rias-primas e produtos de alimentação do comércio internacional,
e poderia, em um regime de padrão-ouro, ser considerado expres-
sivo do poder de compra do ouro, mas sua composição corres-
ponde a um setor muito limitado de mercadorias e nenhum
serviço. ?
Nos Estados Unidos, o Serviço de Estatística, dirigido pel
conhecido economista Carl Snyder, procurou organizar um in-
PREÇOS 179

dice geral de poder de compra da moeda, adaptado às condições


dêsse país. O índice compõe-se do índice de preços em grosso
com o coeficiente 2, índice dos salários com o coeficiente 314, ín-
dice do custo da vida com o coeficiente 31% e índice de aluguéis
com o coeficiente 1.
Qual seria, dêsses índices, aquêle capaz de estabelecer equi-
valência entre a quantidade de poder de compra que o credor
entregou ao devedor, quando lhe concedeu o empréstimo, e a
que êste deveria restituir no vencimento? Nenhum dêles servi-
ria para todos os casos. Fisher sugeriu adotar-se como unidade
de poder de compra um feixe de mercadorias, isto é, uma mer-
cadoria composta, e no vencimento o devedor restituiria, não o
mesmo número de unidades monetárias que recebera, e sim im-
portância em moeda correspondente ao mesmo número de uni-
dades da mercadoria composta.
Mas a dificuldade, ou antes, a impossibilidade, é a de acor-
darem, credores e devedores, na escolha e ponderação da mer-
cadoria composta.
Grande é, portanto, a dificuldade de organizar um índice
de preços correspondente ao poder geral de compra da moeda.
Nos projetos apresentados em 1926 à Câmara dos Depu-
tados dos Estados Unidos pelo deputado Strong (Strong bill),
em que se propunha incumbir o Sistema de Reserva Federal de
uma política de estabilização do nível de preços, não se dizia
qual o índice que devia ser estabilizado. Ora, o índice de grosso
do Bureau de Estatística baixara de 12%, de 1925 a 1927, en-
quanto que o índice do custo da vida só baixara de 2% e o
índice geral Snyder não variara.

$ 4.º — O Sentido de “P” na Equação de Trocas


A fórmula de Fisher abrange tôda e qualquer espécie de
transações feitas com moeda. Ela não se refere especialmente
às transações relativas a mercadorias em grosso ou a retalho, ou
a gêneros alimentícios, ou a máquinas e ferramentas, ou à com-
pra e venda de títulos, ou, ainda, às de pagamento de impos-
tos, etc., e sim a tôdas essas transações, desde que feitas com
intervenção de moeda.
Mais ainda, a fórmula não pondera as mercadorias em gros
so com um certo coeficiente, as vendas de títulos com outro e
180 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

a aquisição de imóveis com um terceiro. À ponderação do ín-


dice P está definida em T, volume das transações, isto é, cada
mercadoria ou serviço é ponderado na proporção do número de
transações em moeda a que dá lugar. A fórmula MV = PT não
exclui nada. Tôda e qualquer transação, T, que determine MV,
ou seja, um pagamento em moeda, está abrangida na fórmula.
É claro, portanto, que P representará a média, ponderada
pelo número de transações, dos preços unitários de tôdas as mer-
cadorias, serviços ou bens, trocados por moeda, e não das mer-
cadorias, serviços ou bens, produzidos ou consumidos. Uma mer-
cadoria que passa várias vêzes de mãos, antes de ser definitiva-
mente comprada para consumo, é ponderada no índice P na
proporção do número de transações a que corresponde. As ma-
térias-primas são contadas como tais e como parte integrante do
valor dos produtos acabados.
Torna-se óbvio, por conseguinte, que o índice P não corres-
ponde a qualquer dos índices de preços usuais que acima defini-
mos. P não é índice de grosso, nem de retalho, nem de custo
da vida, nem de poder geral de compra da moeda. Sua ponde-
ração, baseada únicamente no número de transações que cada
mercadoria enseja, torna-o incompatível com a noção de qual-
quer dêsses índices.
P não é, pois, um índice de preços, nem um índice de poder
de compra da moeda.
Keynes” chama P de cash transaction standard, isto é,
índice das transações em moeda, e mais nada.
A equação de trocas não fornece, portanto, qualquer índice
de preços de significação definida.

67. Keynes — “Treatise”, vol. I, págs. 76 e 234.


CapíTULO XII

O VOLUME DAS TRANSAÇÕES

$ 1.º — Os “Serviços”

À que espécie de bens se refere T, volume das transações,


que podemos decompor em Q, quantidade das mercadorias e ser-
viços, multiplicada por Vm, sua velocidade de circulação?
Evidentemente, a tôda espécie de bens negociáveis por in-
termédio da moeda, bens de produção, bens de consumo, ser-
viços, títulos representativos de bens ou simplesmente de obri-
gações em moeda. Tudo quanto se compra e se vende. Só se
excluem aquêles bens que são consumidos ou utilizados por
seus próprios produtores e que, por isso, não vêm ao mercado.
As transações T, referentes a “serviços”, como os de saúde,
transporte, recreio, serviços domésticos, etc., dão lugar, em ge-
ral, a uma só transação. O transportador conduz a mercadoria
ou o passageiro de um ponto a outro; o empregado doméstico
faz a limpeza da casa; o cinema exibe sua fita ao espectador;
tudo isso se faz em uma só transação, ao invés de várias tran-
sações sucessivas, como acontece no caso das mercadorias, as
guais passam do produtor ao atacadista, ao intermediário, ao re-
talhista, etc.
E é interessante observar que a prestação do serviço, por
seu caráter direto e executada em uma só operação, é, quase
sempre, paga à vista, em moeda corrente; o frete de trans-
porte, a energia elétrica, o serviço telefônico, a consulta mé-
dica, o cinema, etc. são, quase invariâvelmente, pagos à vista,
isto é, na ocasião da prestação do serviço, ou a prazo muito
curto.
E é êsse o motivo por que a prestação de serviços não faz
usualmente jus ao crédito bancário. Os bancos estão sempre
182 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

prontos a descontar “duplicatas”, representativas de mercado-


rias que têm existência real e mais ou menos duradoura, mas não
se dispõem a descontar saques correspondentes à prestação de
serviços, como os de fretes, ou de energia elétrica, ou de tele-
fone, ou de serviços médicos, ou recreativos, cuja existência é
fugaz e dos quais nada fica para garantia eventual do crédito.
Nem se compreenderia a concessão de crédito para um bem que
já é pago integralmente e à vista pelo consumidor ao produtor,
em vez de ser vendido a crédito.
Importa observar, entretanto, que êsse critério que diferen-
cia o crédito para mercadorias do crédito para serviços, geral-
mente se estende — e já então sem fundamento — ao crédito
para a produção, distinto do crédito para o bem ou a mercado-
ria acabada. Se um industrial de tecidos, por exemplo, faz jus ao
crédito para a aquisição de suas matérias-primas e outros ma-
teriais necessários à sua indústria, por que não estender usual-
mente também ao industrial ferroviário, digamos, que tem de
manter sua via permanente, substituir seus dormentes, reparar
seu material rodante, o crédito de produção necessário para que
êle possa prestar o serviço de transporte?

$ 2.º — Os Bens de Consumo e de Investimento

A distinção e classificação dêsses bens, também objeto das


transações representadas por T, não se inclui nos problemas de
caráter monetário que aqui nos ocupam. Mas é de especial inte-
rêsse para o nosso estudo a distinção entre bens de consumo e
bens de investimento, no tocante aos efeitos da incidência mo-
netária sôbre uns e outros.
Se imaginarmos 20 pessoas trabalhando numa ilha isolada
e dedicando suas atividades, de acôrdo com o princípio da di-
visão do trabalho, à satisfação das necessidades de consumo da
comunhão e a seu natural desejo de progredir mediante a gra-
dativa melhoria de seu aparelhamento, haverá 17 pessoas, admi-
tamos, dentre as 20, trabalhando para produzir os artigos de
consumo necessários à vida e ao confôrto de todos. Uns produ-
zirão alimentos, outros tratarão do gado, outros da produção
de vestuário e de calçado, outros dos serviços de saúde ou de
recreação, etc. Já que o trabalho dos 17 indivíduos é suficiente
para produzir tudo quanto é necessário ao consumo dos 20, a
O VOLUME DAS TRANSAÇÕES 183

atividade dos 3 restantes pode, e mesmo deve, ser aplicada à


melhoria do aparelhamento econômico da ilha. Um estará tra-
balhando na construção de uma nova estrada de rodagem, outro
na construção de uma nova fábrica, um terceiro na construção
de uma nova casa.
Os 17 membros da comunhão, cuja atividade se dedicava
à produção de mercadorias e serviços para o consurao, traziam,
diáriamente, cada um dêles, ao depósito comum, as mercadorias
e serviços a serem distribuídos pelos 20. Os 3 que trabalhavam
em investimentos, nada traziam, porque nada ainda podiam tra-
zer, como produto acabado e destinado ao consumo. Êles rece-
biam o mesmo salário dos demais, porque estavam executando
um trabalho que, de futuro, viria a ser profícuo, mas, na oca-
sião, nada podiam trazer para o monte comum.
Suponhamos, porém, que, na ânsia de progredir, decidisse a
comunhão aumentar mais râpidamente o aparelhamento eco-
nômico da ilha, e passar de 3 para 5 e depois para 7 e para 10
o número de indivíduos cuja atividade se aplica aos novos in-
vestimentos.
Que aconteceria? Diminuindo a quantidade de produtos
oferecidos diâriamente ao consumo, em virtude da diminuição
do número de pessoas que trabalhavam em sua produção, a es-
cassez dos produtos de consumo conduziria fatalmente à alta
de preços dêsses produtos. Essa alta de preços daria lugar a um
aumento de salários, mas, como êsse aumento de salários não
teria tido a virtude mágica de aumentar a produção de artigos
de consumo realizada por um número de indivíduos cada vez
menor, a disputa dos artigos de alimentação, de vestuário e de
saúde conduziria a nova alta de preços e a nova alta de salários,
e assim sucessivamente.
E, se a comunhão, na ânsia de aumentar o seu aparelha-
mento, decidisse que todos os 20 passariam a trabalhar em novos
investimentos, todos morreriam de fome em meio da construção
dos palácios, das estradas, dos portos, das fábricas, etc.
É evidente, portanto, que, em qualquer comunhão econômi-
ca, há de haver um equilíbrio entre a produção de artigos e ser-
viços para consumo e a produção aplicada a novos investimentos.
Tem-se procurado distinguir entre investimentos produti-
vos, como estradas de ferro, siderurgia, etc. e investimentos cha-
mados improdutivos, novos edifícios, palácios, etc. Do ponto de
184 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

vista da inflação, isto é, da alta dos preços, a distinção não é cas


bível. Seja qual fôr o tipo de investimento, estradas de ferro,
edifícios, pontes ou outros, aquêles que trabalham nessas obras
recebem salários e ordenados que lhes conferem o “direito de
haver” mercadorias de consumo, sem que, entretanto, possam
êles trazer ao mercado outra coisa senão “uma promessa de fu-
tura melhoria da produção”. Em outras palavras: aguêles que
trabalham no setor de investimento, ou seja, de obras novas, vêm
se abastecer dos artigos de alimentação e de vestuário de que
precisam, num mercado suprido sômente pelos gue trabalham
no setor das mercadorias de consumo. É claro, por conseguinte,
que, quanto maior desenvolvimento tiver o setor dos investimen-
tos e menor o de mercadorias de consumo, mais acentuada será a
alta dos preços. Isto nada tem que ver com o fato de o investi-
mento vir a ser, de futuro, produtivo ou improdutivo. À distin-
ção que cabe aí é a do tempo; o investimento que produzir bons
frutos dentro de muito pouco tempo, pode ser realizado; os de
prazo longo hão de aguardar melhor oportunidade, como, aliás,
melhor se entenderá com auxílio da noção de pleno emprêgo
dos fatôres de produção, no parágrafo seguinte.
O futuro é o long run e, como escreveu Keynes, “in the
long run we are all dead”. A inflação é doença que exige solu-
ção imediata, a muito curto prazo, sob pena de se agravar séria-
mente; ela não pode ser remediada por tratamentos a longo
prazo.
8 3.º — O Pleno Emprêgo dos Fatôres de Produção
Os fatôres de produção também se movimentam pelas tran-
sações incluídas em T. Quais são êsses fatôres?
A resposta clássica é: terra, trabalho e capital.
Mas, se considerarmos o fator terra, quer dizer, as matérias e
as fôrças que a Natureza põe à disposição do homem, para que
êste as utilize, como constantes para cada país, poderemos men-
cionar como fatôres de produção, de cuja quantidade e qualidade
depende a capacidade econômica de produção: |) a mão de obra
comum; 2) a mão de obra especializada; 3) os conhecimentos
técnicos, culturais e administrativos (know-how); 4) as dispo-
nibilidades de energia; 5) a capacidade de transporte; 6) o equi-
pamento em maquinaria e aparelhamento, industrial e agrícola;
7) as matérias-primas.
O VOLUME DAS TRANSAÇÕES 185

A questão de maior ou menor utilização dêsses fatôres é de


grande importância para os problemas monetários, de que nos
ocuparemos posteriormente.
Suponhamos que haja dentro de um grande edifício 1.000
pessoas trabalhando em vários misteres: uns na produção de
artigos de alimentação, outros na de produtos industriais, outros
em transportes, outros em serviços de várias espécies, etc.
Se entrar pela porta do edifício a dentro um cidadão tra-
zendo muito dinheiro, e o propósito de realizar novos empreen-
dimentos ou novas produções, e passar a convidar vários grupos
de pessoas a abandonar as tarefas em que estavam empenhados
para virem trabalhar nesses seus novos empreendimentos, os
preços subirão por fôrça dos salários mais altos que êle tem de
oferecer para atrair os fatôres de produção de que precisa, mas
a produção total não aumentará, porquanto o que se passa a pro-
duzir a mais é compensado pelo que se deixa de produzir.”
A imagem corresponde exatamente à noção de “emprêgo
total”. Quando, em uma região ou em uma nação, a atividade
econômica, estimulada pelas circunstâncias da conjuntura, já
atingiu ao ponto em que, prâticamente, todos os fatôres de produ-
ção estão empregados, a iniciativa de novos investimentos, venha
ela do Govêrno ou de particulares, só terá o efeito de fazer subir
os preços, mas não o de aumentar a produção.
Enquanto a situação de emprêgo total não tiver sido atin-
gida, o caso é diferente. Se em uma fábrica de tecidos, por exem-
plo, houver operários e teares desempregados, é perfeitamente
possível que uma injeção de crédito nesse setor promova o apro-
veitamento dêsses fatôres de produção desempregados, fazendo
aumentar a produção, sem que haja aumento de preços, por isso
mesmo que os elementos de produção não estavam sendo utili-
zados. Se, porém, todos os operários e todos os teares de tôdas as
fábricas estiverem sendo utilizados e vier a dar-se uma injeção
de crédito, a produção não pode aumentar, mas os preços au-
mentarão porque a maior quantidade de moeda dá lugar a maior
procura.

68. O caso seria diferente se o indivíduo figurado, em vez de entrar no


edifício com dinheiro, entrasse carregado de máquinas aperfeiçoadas de tôda
8 espécie, capazes de aumentar a produtividade de cada indivíduo.
186 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O aumento de meios de pagamento, judiciosamente apli-


cado, em situação de desemprêgo, não provoca inflação de pre-
ços; pode ser uma medida benéfica de estímulo à economia.
O mal se inicia quando a conjuntura se aproxima da situação
de pleno emprêgo, isto é, quando a procura, estimulada pelos
novos meios de pagamento, já não encontra fatôres de produção
disponíveis, começando então a disputa dos fatôres existentes,
a preços cada vez mais altos. Em situação de desemprêgo, por-
tanto, o incremento de MV e MºVº atua sôbre T, volume das
transações ou da renda nacional. Ultrapassada a situação de ple-
no emprêgo, atua sôbre P.
Em situação de desemprêgo é importante analisar a quanti-
de e a espécie dos recursos não utilizados e estimar a reserva
e capacidade de produção que êles representam.
Para que êles sejam utilizáveis, é preciso que sejam técnica-
mente complementares para a produção das mercadorias cuja
procura se manifesta. Pode perfeitamente acontecer que haja fa-
tôres de produção desempregados, mas que êles não sejam com-
plementares. Basta às vêzes que falte um só dêsses fatôres para
tornar impossível o aproveitamento dos demais.
À essa conjuntura, que se verifica na proximidade da si-
tuação de pleno emprêgo, quando os fatôres disponíveis restan-
tes não são complementares, se tem denominado de bottle necks
(literalmente, gargalos de garrafa) ou “pontos de estrangula-
mento”, que impedem qualquer novo incremento da produção.
Pode-se, por consegiiência, ter atingido o “ponto ótimo” da pro-
dução, quando ainda persiste uma fração de desemprêgo. Uma
política de expansão de crédito nessa conjuntura já teria, pois,
efeitos inflacionistas.
Assim, a simples existência de fatôres de produção não uti-
lizados não constitui prova de reserva de capacidade produtiva.
É nesta espécie de conjuntura que os governos podem, por vê-
zes útilmente, intervir, ajustando os fins aos meios, quer dizer,
incrementando obras públicas que possam utilizar aquêles fatôres
disponíveis.
A medida que a conjuntura se aproxima do pleno emprêgo,
o sistema econômico torna-se mais vulnerável. Qualquer excesso
pode resultar em princípio de inflação. F. a observação indica
que a simples aproximação do pleno emprêgo já afeta, em re-
gra, a disciplina e a produtividade do trabalho.
O VOLUME DAS TRANSAÇÕES 187

$4º — O Sentido de “T” na Equação de Trocas


Sendo T o volume de transações e P considerado um ver-
dadeiro índice de preços, cada mercadoria apareceria ponderada
no índice P, não em relação à sua importância no índice, e sim
em relação ao maior ou menor número de transações a que ti-
vesse dado lugar, o que é evidentemente absurdo.
E qual o sentido de T, isto é, quais as mercadorias e servi-
ços que devem ser incluídos em T? Sômente os da produção do
período considerado? Ou também os produzidos em períodos
anteriores, agora objeto de transação de compra e venda? Abran-
ge também os títulos? Só os emitidos no período em aprêço, ou
também os já antes existentes?
T inclui, evidentemente, tudo quanto é objeto de transação
monetária em determinado período, o que reforça a nossa con-
clusão anterior de que P não pode ter significação real, como
índice de preços.
Ainda haveria outra dificuldade a resolver. É a da expres-
são numérica a dar a T. T é heterogêneo; representa toneladas
de carvão, metros de fazenda, litros de gasolina, etc. Como re-
duzir tudo isso a um denominador comum? Se se expressam as
transações T por seu valor em moeda, então T já passa a trazer,
dentro de si, a noção de preço. Passa a ser PT e não mais T só-
mente. Daí dizerem certos críticos que T não pode figurar na
equação de trocas como elemento independente e que é, por-
tanto, uma abstração.”

69. B. ANDERSON — “The Value of Money”, pág. 159.


CapíTULO XIII

A TEORIA DOS RENDIMENTOS MONETÁRIOS

8 1.º — A Teoria das Disponibilidades Monetárias

Antes de abordar a teoria dos rendimentos, não se pode


deixar de mencionar e explicar em que consiste a teoria das dis-
ponibilidades monetárias.
Esta teoria aborda o problema das variações do valor da
moeda, partindo do princípio de que todo indivíduo procura
manter à sua disposição certa quantidade de moeda destinada a
suas necessidades usuais.
A manutenção de um poder de compra disponível confere a
seu possuidor condições de comodidade e de segurança. Comodi-
dade, porque a disposição de dinheiro líquido permite efetuar sem
dificuldade as compras usuais e evitar endividamento e dependên-
cia dos vendedores; segurança, porque essa reserva de poder de
compra garante o indivíduo contra um imprevisto, uma neces-
sidade eventual ou uma alta súbita de preço de um artigo indis-
pensável. Ponderando a cada momento, de um lado, o seu de-
sejo de gastar e, de outro lado, a necessidade de manter certa
disponibilidade em moeda, cada indivíduo guarda, em média, sob
forma monetária, certa proporção de seus rendimentos. Tal é
a proposição de Marshall.
“A moeda”, escreve Marshall, “não é desejada por si mes-
ma, e sim porque, sob uma forma cômoda, ela dá ao seu possui-
dor o comando de um poder de compra geral imediatamente dis-
ponível. .. Vamos admitir que os habitantes de um país acham
que vale a pena guardar em média um poder de compra dispo-
nível igual a um décimo de seu rendimento anual ou a um cin-
190 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

quentavo de sua propriedade; nesse caso, o valor global da moe-


da do país tenderá a ser igual ao total dessas somas”.”º
Isso nada mais é do que o princípio da encaisse désirée, de
Walras. É a mesma idéia de Menger, que nasce da indagação das
fôrças determinantes da procura de moeda por parte de um indi-
víduo.
O conceito de “preferência pela liquidez”, que acabamos de
examinar, visa ao mesmo problema da “procura de dinheiro”,
Keynes e Pigou procuraram dar expressão algébrica ao con-
ceito de Marshall, supracitado.
Keynes diz que é possível medir a quantidade de poder de
compra que o público deseja guardar em reserva, por meio de
uma unidade feita da adição de determinadas quantidades de ar-
tigos de consumo corrente, por exemplo, dos artigos (em espé-
cie e quantidade) que servem para estabelecer os algarismos in-
dicativos do preço da vida.
A essa unidade, assim estabelecida, êle chama de unidade
de consumo. Suponhamos que o público deseja possuir, em dis-
ponibilidade, uma quantia de moeda que tenha um poder de
compra geral sôbre K, unidades de consumo.”
Chamemos N o total das notas em circulação ativa, P o
preço de cada unidade de consumo (isto é, P é o algarismo indi-
cativo do preço da vida). Segue-se que:

N = PK

já que N corresponde a K por definição. Se K fica constante, quer


dizer, se o número de unidades de consumo sôbre as quais o pú-
blico deseja guardar poder de compra, fica invariável, Ne P au-
mentam ou diminuem paralelamente; em outras palavras, quan-
to maior o número de notas em circulação, mais elevado o nível
dos preços.
A fórmula do Prof. Pigou é prâticamente a mesma que
a de Keynes.
O PK, de Keynes, a que os autores geralmente se referem
como o K, de Marshall, é a fração de seus rendimentos que cada

70, MARSHALL — “Money, Credit & Commerce”, pág. 44.


71. Keynes — “La Réforme Monétaire”, pág. 96
A TEORIA DOS RENDIMENTOS MONETÁRIOS 191

um (ou o conjunto da sociedade) guarda habitualmente sob a


forma de moeda para suas necessidades de consumo.”
I
Se K é igual a —, isso quer dizer que cada um (ou o con-
12
junto da sociedade) guarda uma quantidade de moeda suficiente
para as compras de um mês. ÂÃo preço P, o total da renda nacio-
nal produzida não pode ser comprada se a moeda não circular
12 vêzes durante o ano.
K é, portanto, inversamente proporcional à velocidade de
circulação V, (a que nos referimos no $ 3.º do capítulo IX), ve-
locidade de renda da moeda, isto é, o número de vêzes por ano
que a unidade monetária completa o circuito de um rendimento a
outro rendimento.
Pode-se, por conseguinte, argumentar que as fórmulas de
Keynes e Pigou abrangem a velocidade de circulação. Seriam,
portanto, fórmulas que exprimem “fluxo de moeda”, como
o MV da equação de trocas. O N, de Keynes, corresponde
ao M da equação de trocas; K, número de unidades de merca-
dorias e serviços de consumo, equivale a T, volume físico de
transações, e seria, também, como vimos, inversamente pro-
porcional à velocidade V, porque tanto menor, quanto maior essa

velocidade; K corresponderia, pois, a —. Poder-se-ia, assim, es-

T
crever N= PK, comoM
=P—, ouMV=PT,
V
Keynes procurou ampliar sua fórmula para abranger o mun-
do dos negócios e, portanto, o total da moeda, escrevendo N =
=P (K + RK'), em que K e K' são as unidades de consumo
correspondentes à moeda manual e à moeda bancária, respecti-
vamente, e R a relação de encaixes para depósitos bancários.
Mas é o próprio Keynes quem, em seu “Tratado da Moeda”,
reconhece a inconsistência da noção de “unidades de consumo”

72. De modo geral, K é uma relação entre as despesas de qualquer tipo


eu espécie e a quantidade de moeda reservada para efetuá-las. KEYNES, no
“Tratado da Moeda”, define Ki, como a relação entre depósitos de rendimento
e ag transações de rendimento, K. como a proporção entre depósitos de negó-
eios e as transações de negócios.
192 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

no mundo dos negócios e das transações. O nível de preços, P,


seria, pois, um algarismo híbrido e sem significação positiva.

% +

Ao apreciar a teoria das disponibilidades monetárias, há de


se ponderar, data venia, que a maneira por que Marshall formula
a teoria não parece das mais felizes. Êle diz que a quantidade de
moeda que os indivíduos desejam guardar como poder de com-
pra disponível representará o total da moeda do país. Ora, nós
sabemos que a quantidade de moeda em um país depende muito
mais dos governos e dos bancos centrais do que do desejo dos
indivíduos. O que está nas mãos do público é apenas a veloci-
dade de circulação. E, como tôda a moeda criada pelo Govêrno
ou pelo Banco Central vai forçosamente ter ao bôlso de alguém
ou ao encaixe de algum banco (que sôbre êsse encaixe faz em-
préstimos ou inversões), a quantidade de poder de compra dis«
ponível que os indivíduos guardam, sob forma de moeda, está,
de fato, muito mais na dependência do poder emissor e regula-
dor do crédito do que da vontade dos indivíduos. O conceito de
Marshall, como êle o formulou, só se poderia conciliar com o de
moeda passiva do banking principle, em que a quantidade de
moeda fôsse regulada pela vontade do público, mas nós sabe-
mos que o conceito de moeda passiva não se coaduna com a rea-
lidade.
Wieser critica o conceito de disponibilidades monetárias di-
zendo que na investigação das variações de valor da moeda não
é o conceito de procura total de moeda que deve prevalecer. A
procura de moeda para pagar impostos, por exemplo, não deve
entrar em consideração porque êsses pagamentos não afetam o
valor da moeda e simplesmente transferem poder de compra da-
queles que os pagam para aquêles que os recebem. Da mesma
forma, os pagamentos de capitais e juros, em operações de em-
préstimos, importam simplesmente uma transferência de po”
der de compra entre pessoas e não um aumento ou dimi-
nuição dêste poder de compra. À teoria funcional do valor da
moeda, prossegue Wieser, deve, ao definir o problema, consi-
derar sômente aquêles fatôres que influem na determinação do
valor da moeda. E o valor da moeda é determinado no processo
A TEORIA DOS RENDIMENTOS MONETÁRIOS 193

de troca entre moeda, de um lado, e mercadorias e serviços, do


outro. Logo, conclui Wieser, a teoria do valor da moeda só deve
considerar aquelas quantidades que entram no processo de troca
por mercadorias e serviços.”
É a evolução para a teoria abaixo estudada.

$ 2.º — A Teoria dos Rendimentos

A teoria quantitativa comum, expressa na equação de tro-


cas ou equação de Fisher, presta-se como nenhuma outra ao es-
tudo destacado de cada uma das variáveis M, V, P, T, que de-
senvolvemos nos capítulos anteriores.
Isto feito, temos que relegá-la a segundo plano e dar pri-
mazia à teoria dos rendimentos monetários (income theory)
ue se ajusta muito melhor à realidade dos fatos da vida eco-
nie,
A ela estão ligados, principalmente, os nomes de Tooke,
Wieser, Wicksell, Aftalion e Keynes.
A teoria aborda o problema da procura e dos preços, não
ela quantidade de moeda e sim pela quantidade ou volume da
espesa, o que vale dizer, pelo volume dos rendimentos mone-
“ários, já que o total da despesa efetuada no processo da produ-
são corresponde ao total dos rendimentos recebidos pelos fatô-
tes de produção, isto é, à renda nacional ao preço dos fatôres.
A alta ou a baixa dos preços tem por causa a maior ou me-
nor intensidade da procura em relação à oferta, quer dizer, à pro-
dução. “Uma alta geral de preços”, escreve Wicksell,'* só é con-
cebível na hipótese de que a procura total se tenha tornado, ou
seja esperada tornar-se, maior do que a oferta. Qualquer teoria
monetária digna dêsse nome deve poder mostrar como e por que
a procura de mercadorias, expressa em dinheiro, excede ou é in-
ferior ao suprimento”.
O poder de compra do indivíduo é função do que êle ganha,
ou melhor, de seus rendimentos; esta é que é a origem da procura
que êle vai exercer no mercado. O total da procura será expresso
pela soma dos rendimentos gastos por todos os indivíduos, isto é,
pela despesa total e não pela quantidade de moeda.

73. F. V. Wreser — “Der Geldwert und Seine Verâderungen”, pág. 515,


citado por MIsEB.
74. WICKSELL — “Lectures”, vol. II, págs. 159-160.
194 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Na teoria quantitativa comum, além disso, a quantidade de


moeda só afetava os preços. Na teoria keynesiana dos rendimen-
tos o volume da despesa total não só afeta os preços como o vo-
lume do emprêgo e da produção.
RN
À teoria pode ser traduzida na fórmula P = ——, que é

mais um truísmo do que outra coisa e em que P é o nível de


preços das mercadorias e serviços de consumo e de investimento,
RN o total da renda monetária e O o volume da produção, isto
é, da renda real. Se a produção O é constante, os preços sobem
ou descem com o volume da renda monetária, ou seja, com o total
das despesas.
A velocidade da moeda a considerar aqui é aquela velocii
dade de renda V, (income-velocity), que explicamos no $ 3.º
RN
do capítulo IX e que é igual a , cociente da renda nacional

(total dos rendimentos monetários) pela quantidade de moeda,


já que a renda nacional é igual à quantidade de moeda multipli-
cada pela velocidade de renda, a saber:
RN = MV, = PO
A teoria dos rendimentos vem entrosar a teoria monetária
no âmbito dos fatôres reais do sistema econômico, isto é, do
volume do emprêgo e da produção. Ao demais, ela se enquadra
perfeitamente na distinção que estabelecemos entre moeda de
ação direta e moeda de ação indireta.
+
% Ed

Wicksell abraça a idéia fundamental de Tooke e passa a


pesquisar como e por que a renda monetária cresce ou decresce,
julgando encontrar solução na diferença entre a taxa de juros
que se pode auferir dos negócios e a taxa do mercado monetário
(capítulo I do 2.º volume dêste livro). É práticamente a mesma
idéia de Keynes, da “eficiência marginal do capital” e da taxa
de juros (capítulo VII do 2.º volume).
Veremos, entretanto, que ambos os conceitos, o de Wicksell
como o de Keynes, são sujeitos a muitas restrições.
A TEORIA DOS RENDIMENTOS MONETÁRIOS 195

É na estreita conexão, a que êle deu ênfase especial, entre


a renda (procura) e o volume do emprêgo e da produção, que
consiste a contribuição valiosa de Keynes.
x
x %

A preferência decisiva que acabamos de manifestar pela


teoria dos rendimentos sôbre a teoria fisheriana não nos leva,
contudo, a acompanhar os economistas da income theory em
seu corolário da moeda passiva, isto é, do banking principle
de Tooke e de Fullarton. A ordem de segiiência dos fenômenos,
segundo êsses teoristas, seria a da procura global, afetando a
produção, os salários e os preços e, afinal, a quantidade de moeda.
Mas, que é que determina a procura global, primeiro item
na ordem de segiiência? É a despesa. E de que depende a des-
pesa? Dos rendimentos dos fatôres. E os rendimentos dos fa-
tôres não estão ligados, dentro de certos limites, ao crédito ban-
cário? Se o crédito bancário fôr restringido tanto pata os investi-
mentos como para as transações ordinárias da produção para con-
sumo, os rendimentos não baixarão?
Como então dizer que a moeda (crédito moeda é) é pas-
siva?
Reportemo-nos ao $ 12 do capítulo VI sôbre “As Necessi-
dades dos Negócios”. Veremos que os critérios que comandam a
concessão do crédito podem variar, desde o que limita o crédito
a uma fração do volume dos negócios (como se diz naquele pa-
rágrafo) e que prescreve que o débito de cada cliente do banco
deve ser igual a zero, ao menos uma vez por ano, até o critério
de que tôda a transação “legítima” faz jus à concessão de um
crédito bancário de igual valor. Neste último caso, negociantes
e industriais não precisariam de capital; trabalhariam sômente
com o capital dos bancos. E dentro do critério de “legitimidade”
do crédito, não haveria tampouco razão para recusar crédito
hipotecário equivalente a 50% ou 70% do valor de todos os edi-
fícios de tôdas as cidades...
A política de crédito, isto é, a política monetária, não é, por-
tanto, forçada a andar a reboque das chamadas necessidades dos
negócios ou de supostas “legitimidades” do crédito. O juiz dessa
política e de sua irmã gêmea, a política fiscal, é a Autoridade
Monetária e Fiscal.
196 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

De outro lado, essa Autoridade, o Banco Central, digamos,


pode criar moeda (como vimos no capítulo VI e melhor veremos
nos últimos capítulos dêste volume).
Os novos teoristas do velho banking principle admitem que
essa nova moeda influa sôbre os preços. Mas, não dispondo da
distinção essencial entre moeda de ação direta e moeda de ação
indireta, vêem-se embaraçados e fazem tudo depender da taxa de
juros, como Wicksell e como Keynes, isto é, das repercussões
dessa taxa sôbre o investimento, o consumo e a preferência pela
liquidez, o que, como veremos no capítulo 1 do 2.º volume, é uma
hipertrofia da importância da taxa de juros, que não se coaduna
com a realidade.
Na verdade, a resposta é simples: se o Banco Central am-
plia o crédito à produção (investimento ou consumo), êle cria
rendimentos monetários (com ou sem inflação, conforme a dis-
ponibilidade dos fatôres de produção) com moeda de ação di-
reta; se êle se limita a operações de monetização de títulos ou
bens (moeda de ação indireta), êle não cria rendimentos, nem
despesas, nem procura; pode apenas fazer baixar a taxa de ju-
ros, cujos efeitos sôbre a atividade da produção são, além de
indiretos, muito duvidosos em grande número de casos ($ 3.º
do capítulo I do 2.º volume).
%
% +

Outra restrição que cabe opor à teoria dos rendimentos —


é que, conquanto ela seja melhor teoria e um instrumento de aná-
lise bem superior ao da teoria fisheriana, não há incompatibili-
dade entre as duas. Tal incompatibilidade poderia ser alegada
se a teoria quantitativa não levasse em consideração a velocidade
de circulação, isto é, se pretendesse afirmar proporcionalidade
entre quantidade de moeda e preços. Levando essa velocidade em
conta, porém, deve normalmente haver correlação bastante es-
treita entre os índices de variação de V e V” da equação de trocas
e os da velocidade de renda (income-velocity). Essa correlação
só será afetada no caso de exacerbação ou forte declínio das
transações monetárias da Bôlsa ou outras estranhas à forma-
ção da renda nacional (como, por exemplo, em Nova York em
1929-1933), ou no de alterações institucionais ou estruturais que
A TEORIA DOS RENDIMENTOS MONETÁRIOS 197

afetem o número de transações correspondentes à formação da


renda. Assim, devem, normalmente, ser quase paralelas as cur-
vas representativas de MV + M'Vº da equação de trocas e do
MV, da fórmula da teoria dos rendimentos RN = MV, = PO.
A introdução de um melhoramento, mesmo considerável,
não exige a negação da teoria primitiva.
CAPÍTULO XIV

OUTRAS CONSIDERAÇÕES SÓBRE A


TEORIA QUANTITATIVA

$ 1.º — Os Antiquantitativistas

Os partidários do banking principle sustentavam que não


havia necessidade de que a Autoridade Monetária se ocupasse
de regulamentar a emissão das notas de banco, porque o des-
conto bancário dos títulos de comércio supre um ajustamento au-
tomático da circulação da moeda à circulação das mercadorias.
O verdadeiro lastro da moeda em circulação, diziam êles, está
nas mercadorias em processo de produção e de venda. Por con-
seguinte, acrescentavam, quando a moeda é criada sôbre a base
de títulos de comércio, as mercadorias a serem compradas com
essa moeda já existem, não sendo, portanto, afetado o nível ge-
ral de preços. E, quando as mercadorias são vendidas aos con-
sumidores finais, os negociantes resgatam seus empréstimos ban-
cários com o produto de suas vendas, sendo assim reduzida pro-
porcionalmente a circulação de moeda e de mercadorias.
O preço de um quintal de trigo, escreve J. L. Laughlin, é
tratado e combinado com o agricultor antes que o conhecimento
da mercadoria seja entregue ao comprador, conhecimento êsse
que serve de base à obtenção de um crédito bancário de igual
importância. Diz então Laughlin que “a cronologia mata a teo-
ria quantitativa”, isto é, que a moeda vem depois dos preços e
que a produção determina automâticamente a quantidade de
moeda. É
A primeira objeção contra tal teoria é que a economia de
um país não se limita ao comércio de produtos acabados. Abrange
a produção, os investimentos, os negócios de finança e da Bôlsa,
as finanças de Estado. Todos êsses' “setores, e-não sômente o dos
200 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

produtos prontos para o consumo, utilizam o crédito e dão lugar


à variação dos meios de pagamento.
Também não é verdadeira a hipótese implícita e simplista
de gue o crédito bancário suprido para o desconto só é utilizado
naquela transação específica. Entre a data em que o crédito é
concedido e aquela em que êle é resgatado, os meios de paga-
mento são utilizados em várias outras transações, conforme sua
velocidade de circulação.
E o desconto de papel comercial é apenas uma das formas:
de crédito, entre outras. Os empréstimos em conta-corrente com
garantias várias, o crédito suprido para a produção, para os ne-
gócios financeiros, os deficits do Estado, etc. influem tanto.
quanto o desconto de papel comercial sôbre a quantidade de
meios de pagamento. E é essa a razão por que a política de
redesconto dos bancos centrais tem de ser complementada pe-
las operações de open-market (capítulo XXIIT) .
A teoria abstrai também das variações da taxa de juros e
da abundância ou escassez do crédito. Variando a taxa de juros
ou ampliando ou restringindo o crédito, a Autoridade Monetária
influi poderosamente sôbre a procura e a oferta da moeda. Uma
taxa de juros muito baixa, acompanhada de facilidades de crédito,
pode dar lugar à inflação, se a conjuntura fôr de pleno emprêgo,
como pode não dar, se ela fôr de desemprêgo.
“Last but not least”, a teoria presume que a quantidade de
crédito se adapte, fiel e automâticamente, às “necessidades dos
negócios”, hipótese inaceitável, como vimos no & 12 do capí-
tulo VI.
Importa ainda levar em conta que os bancos de descontos.
são verdadeiros bancos emissores de 2.º grau, de sorte que,
quando o Banco Central lhes supre, pelo redesconto das letras de
comércio, nova provisão de notas, êles podem expandir o cré-
dito em proporção de cinco a 10 vêzes maior. E, uma vez suprido
o crédito básico pelo Banco Central, êste não tem qualquer meio
de exercer contrôle sôbre a aplicação que lhe será dada pelo banco:
que redescontou.

$ 2.º — As Antecipações
Se bem que a velocidade de circulação, V, da moeda, e o
volume das transações, T ou T,, se refiram a um determinado:
período de tempo, a equação de trocas não é uma fórmula di-
OUTRAS CONSIDERAÇÕES SÓBRE A TEORIA QUANTITATIVA 201

nâmica, quer dizer, não supre curvas de variação do nível de


preços, P, no tempo. Na apreciação cinemática dos fenômenos
econômicos, as curvas de P, de T, de M são traçadas pela liga-
ção de pontos sucessivos no tempo. Essas curvas traduzem o pas-
sado, isto é, são o relatório do que se passou. Para usar termino-
logia introduzida pelos economistas suecos, são curvas ex post.
Do estudo das tendências manifestadas por essas e outras
curvas, podem-se extrapolar deduções para o futuro, ou melhor,
fazer a previsão ex ante do que vai ser o volume da produção e
do emprêgo no período subsegiiente, previsão essa que será a
principal determinante da política monetária.
O T que as estatísticas nos suprem é o T ex post, isto é,
o volume físico das mercadorias, serviços e títulos vendidos, ao
passo que o T ex ante, ou seja, a nossa previsão do que vai ser T
no período subsegiiente, é o volume físico das mercadorias, ser-
viços e títulos destinados à venda” e que serão, ou não, ven-
didos.
Dessa previsão resultará não sômente a política monetária
apropriada para promover a maior e melhor utilização dos fatô-
res de produção, ou para atalhar uma infração incipiente, como
outras medidas de ordem econômica e financeira, de vez que,
segundo veremos, a política monetária não pode, por si só,
atingir aquelas finalidades.
A previsão terá que se basear tanto na estimativa das pos-
sibilidades de produção, isto é, da oferta, quanto nas perspecti-
vas da procura.
Daí a importância das antecipações. O comportamento eco-
nômico do indivíduo não é função sômente de sua condição eco-
nômica e financeira de hoje, mas também do que êle pensa que
vai ser essa condição amanhã. A despesa de hoje (hoje, no sen-
tido de um período de tempo) não dependerá sômente dos rendi-
mentos disponíveis de hoje, como também da expectativa do que
serão êsses rendimentos amanhã. As economias de hoje, ou antes,
aquela parte dos rendimentos que se deixa de consumir hoje,
estão também na dependência da antecipação dos rendimentos
de amanhã.
Keynes alinha” vários motivos que influem sôbre a maior
ou menor “propensão ao consumo” dos indivíduos, como já ali-

75. HALM — “Monetary Theory”, pág. 86.


76. KEYNES — “General Theory”, pág. 107.
aD2 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

nhara (vide $ 2.º do capítulo X) os motivos para maior ou menor


“preferência pela liquidez”. Propensão ao consumo ou prefe-
rência pela liquidez são tendências que traduzem as antecipa-
ções que fazem os indivíduos das condições econômicas de ama-
nha. Os negociantes atacadistas, que, como bem frisa Hawtrey
em seu “Currency and Credit”, ocupam uma posição-chave no
conjunto da economia, fazem variar o volume das encomendas
que passam aos industriais, conforme sua antecipação, a cada
momento, do que será a procura de amanhã.
À maior ou menor atividade dos investimentos depende não
só dos lucros atuais como da antecipação dos lucros de amanhã,
isto é, da procura atual como da antecipação da procura de ama-
nhã. Às perspectivas de taxas de juros do mercado, a expecta-
tiva de volume e de preço das safras, o otimismo ou pessimismo
na Bôlsa de Títulos dos grandes centros financeiros, a situação
internacional, a maior ou menor confiança na capacidade do
Govêrno, sua atitude estimulante ou desestimulante da inicia-
tiva privada, a disciplina ou indisciplina do operariado e de seus
sindicatos, a aplicação eqguitativa ou facciosa das leis trabalhis-
tas, a confiança ou desconfiança do capital estrangeiro, são to-
dos elementos que influem sôbre as antecipações e, portanto,
sôbre os investimentos, o emprêgo e a renda nacional de amanhã.

$ 3.º — O Núcleo de Verdade da Teoria Quantitativa


Chegando ao término do estudo da teoria das variações do
valor da moeda, vê-se, por tudo quanto se contém nos cinco
últimos capítulos, como estamos longe da teoria quantitativa
crua, exposta no capítulo VIII, baseada no conceito do coeficiente
de elasticidade da procura da moeda igual à unidade e no prin-
cípio de proporcionalidade entre quantidade de moeda e preços.
Observamos que os preços não dependem simplesmente de
causas monetárias, e sim também de causas amonetárias. Nota-
mos que, enquanto existem fatôres de produção não utilizados, o
aumento da quantidade de moeda pode estimular a produção, sem
elevação dos preços. Verificamos que a moeda pode ser ente-
sourada não exercendo qualquer ação sôbre os preços. Vimos
que ela pode ser moeda de ação indireta que faz baixar a taxa
de juros no mercado de crédito, mas que só passa a ter efeito
sôbre os preços, quando transmutada em moeda de ação direta,
OUTRAS CONSIDERAÇÕES SÓBRE A TEORIA QUANTITATIVA 203

através dos investimentos. Isso nos mostra que a teoria quanti-


tativa é muito mais verdadeira, quando concebida em função do
volume dos rendimentos (capítulo anterior) do que em função
da quantidade de moeda.
A experiência tem repetidamente demonstrado que a renda
nacional, a atividade dos negócios, da produção e do emprêgo,
e, portanto, os preços, podem sofrer variações consideráveis,
através dos chamados ciclos de prosperidade e depressão, sem
que tais variações se possam explicar em função da quantidade
de moeda.
Vimos, finalmente, que a própria noção de “nível geral de
preços”, de que se ocupa a teoria quantitativa, não é a única a
considerar, e que é, por vêzes, mais importante a consideração
dos “preços relativos” de umas mercadorias e serviços em rela-
ção a outros.
Isso não destrói, porém, aquêle “núcleo de verdade” da
teoria quantitativa a que nos referimos no capítulo VIII.
A produção de um país e, portanto, sua renda nacional real
e seu padrão de vida dependem da quantidade e qualidade dos
fatôres de produção de que dispõe êsse país e de sua boa utili-
zação, e não da quantidade de moeda. Uma vez utilizados êsses
fatôres, a emissão de moeda só fará, direta ou indiretamente, ele-
var os preços sem aumentar a produção.
O núcleo de verdade da teoria quantitativa é incontestável.
Mas não é tudo. Cabe justamente ao economista, ao analisar as
variações dos preços e suas causas, apreciar o fenômeno em fun-
ção de todos os princípios qualificativos, que desenvolvemos nos
cinco últimos capítulos.

8 4.º — O Significado das Equações Quantitativas

Keynes diz muito bem” que as fórmulas empregadas na


exposição da teoria quantitativa são apenas expedientes, que
nos permitem classificar em ordem as principais causas deter-
minantes do valor da moeda.
Marget diz, ainda melhor,* que “as equações quantitati-
vas nada mais são do que expressões taquigráficas para indicar

77. KEernEgS — “La Réforme Monétaire”, pág. 93.


78., MarcEer — “The Theory of Prices”, I vol., pág. 81.
204 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

a natureza das variáveis que influem sôbre os preços. Cada va-


riável dessas equações é simplesmente o título de um capítulo,
uma rubrica para a análise destinada a explicar não sômente
por que o valor dessa variável será maior ou menor conforme
as circunstâncias, como para indicar as condições e a segiiência
em que se manifestam os efeitos da alteração de uma variável
sôbre as demais”.
Hawtrey” observa, aliás, que “tempo houve em que os
entusiastas acreditavam em precisão matemática na teoria mo-
netária, mas não creio que ainda haja quem acredite nisso”,

78a. HawrrEY — “Essays in Honour of Irving Fisher”, pág. 129.


CAPÍTULO XV

ALGUNS COROLÁRIOS DA TEORIA DA VARIAÇÃO DO


VALOR DA MOEDA

$ 1.º —. A Ilusão da Moeda Estável

É curioso que durante mais de mil anos não se tivesse ob-


servado que as variações dos preços podem ter origem monetária.
E, mesmo depois que Copérnico e Jean Bodin descortina-
ram o fenômeno, quase quatro séculos decorreram, e ainda hoje
essa noção passa, frequentemente, despercebida. Prestamistas e
tomadores de empréstimos realizam transações a longo prazo
sem se preocupar com as variações do valor da moeda, e o pú-
blico continua a agir como se o cruzeiro ou a libra esterlina de
cinco ou IO anos mais tarde, tivesse o mesmo valor que o
cruzeiro ou a libra esterlina de hoje.”
Ao contratar o negócio de compra e venda de mercadorias
a têrmo, milho, algodão, açúcar, etc., todos se dão conta dos
riscos dessa espécie de transações e procuram se precaver contra
as possíveis diferenças de valor dessas mercadorias, na época
da liquidação. Quando, entretanto, se fazem contratos a longo
prazo, envolvendo pagamento em moeda futura, as partes con-
tratantes não se apercebem, em regra, de que estão realizando
uma transação especulativa. No caso de uma depreciação da
moeda, durante o período de um empréstimo, o prestamista re-
cebe, ao fim do prazo, um valor menor do que o que empres-
tou, e quem toma emprestado restitui um valor menor do que
recebeu.

| 78. Este é o texto da 1.2 edição do livro, que preferi não modificar. Mas
foi, no Brasil, a inflação intensa e continuada que disseminou a noção de va-
riação do valor da moeda.
206 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O indivíduo X, que, no princípio do ano, em regime de moeda


estável, comprou uma apólice, do valor nominal de Crg 1.000,00
por Cr$ 800,00 e que no fim do ano a vendeu por Cr$ 750,00,
queixa-se de ter tido um prejuízo de Crê 50,00; mas, se êle em-
prestou a Y Crê 1.000,00 e recebeu, no fim do ano, Crê 1.000,00
em moeda de poder de compra 10% inferior ao que era na data
do empréstimo, êle não se dá conta de ter tido um prejuízo
real de Crg 100,00.
A lei adota, também, a ficção da constância do valor da
moeda; para o juiz, Cr$ 1.000,00 de há 30 anos é a mesma
coisa que Cr$ 1.000,00 de hoje. Fazem-se contratos por 10, 20
ou 30 anos, em que se estipulam obrigações, que devem ser
prestadas mediante pagamento expresso em uma determinada
quantia de moeda.
O mesmo se observa, por exemplo, no caso dos seguros:
o segurado contribui hoje com certo prêmio para ter direi-
to, dentro de 10 ou 20 anos, a quantia expressa em um
número fixo de unidades de moeda, sem pensar que o poder
de compra dessa moeda daqui a 20 anos pode ser apenas a me-
tade ou a têrça parte do que hoje é.
Já nos referimos à sugestão de adotar-se, como medida de
valor, não a unidade monetária, mas um feixe de mercadorias,
isto é, uma mercadoria composta de determinadas mercadorias,
cada uma com seu coeficiente de ponderação. Mas, além das
dificuldades práticas, não haveria como organizar uma merca-
doria composta cuja composição e ponderação a todos satis-
fizesse.
Não há, portanto, na prática, solução capaz de proteger as
partes contratantes contra a variação do valor da moeda. À única
providência é procurar evitá-la, por todos os meios.

Ed
+ %

Na contabilidade dos negócios deixa-se inteiramente de lado


o problema das variações do valor da moeda. Considera-se a
moeda como uma medida de valor, como se se tratasse de
unidades de comprimento, de área, de capacidade ou de pêso.
Isso dá lugar a verdadeiras falsificações das contas. Se o valor
da moeda decresce, aparecem muitas vêzes lucros inteiramente
ALGUNS OOROLÁRIOS 207

ilusórios. Se, por cxemplo, umn mercadoria catá inscrita nos It-
vros de contabilidade por um custo de Cr4 100,00, o comer-
ciante acha que faz um bom negócio vendendo-a, um ou
dois anos depois, por Cr 120,00, sem sc lembrar de que
êsses Cr$ 120,00 têm, na ocnsião da venda, um poder de com-
pra menor do que os primitivos Crf 100,00. Igualmente, nas
contas de depreciação, o contabilista, nao dar baixa no valor
de uma peça determinada de seu Ativo, que custou, em época
anterior, Cr$ 1.000,00, digamos, lança cessa mesma quantia de
CrS 1.000,00 para balancear o valor da peça, quando de
fato êsse valor, na ocasião em que o lançamento é feito, é de
Cr8 1.500,00 ou de Cr 2.000,00; a diferença faz aparecer
nas contas um lucro que absolutamente não existe.
Em ambos os casos, o que é imprôpriamente considerado
lucro é, de fato, uma parte do capital que é consumida pelo ne-
gociante, ou transferida ao consumidor, que paga pela merca-
doria um preço inferior ao seu valor real.
De qualquer modo, a depreciação do valor da moeda falsi-
fica a conta de capital. Pode acontecer, às vêzes, que a perda de
capital seja compensada, em parte, pela influência da deprecia-
ção da moeda sôbre os débitos do negociante que, ao restituir
algum empréstimo em moeda, entrega ao credor um valor real
inferior ao que recebeu.

8 2.º — A Redistribuição da Propriedade e da Renda


Wr

Contra a teoria, sustentada por David Hume, de 'que a


quantidade de moeda estimula a produção, insurgiram-se os
clássicos. Por mais abundante que seja a quantidade de moeda
ou de notas de banco, escrevia Ricardo, por maior que seja a
alta de preços, por acentuada que seja a redistribuição do capi-
tal primitivo, nunca haverá qualquer benefício para a comuni-
dade. O banco, aumentando a quantidade de suas notas, pode
permitir a À realizar os negócios que eram, primitivamente, fei-
tos por Be €, mas nada será adicionado ao rendimento real e
à riqueza do país. B e C serão prejudicados, À e o banco serão
avantajados; mas êstes ganharão exatamente aquilo que Be €
perderem. Ea!
Em outras palavras, a produção depende da quantidade de
meios concretos de produção, e não da maior ou menor quanti-
208 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dade de moeda em circulação. Se se cria nova moeda, que entra


em concorrência com a que já está em circulação, para a com-
pra dos mesmos meios de produção ou mercadorias existentes,
a consegiência será simplesmente a de um aumento de preços.
Firmou assim a Escola Clássica o princípio de que o au-
mento da quantidade de moeda pode importar em transferência
de propriedade ou de renda de uns para outros, mas não em
qualquer aumento da riqueza total.*
À análise mais aprofundada, porém, dêsse processo de re-
distribuição da propriedade e da renda, só muito mais tarde
veio a ser feita.
Essa análise aparece, pela primeira vez, sob forma com-
pleta, no livro que já temos citado, de L. von Mises, “Teoria da
Moeda e do Crédito”, publicado em 1912. Ela representou uma
das mais valiosas contribuições para o perfeito entendimento
dos fenômenos econômicos e sociais decorrentes das variações
de valor da moeda.
Vamos citar Mises:*
“O aumento no estoque de moeda se inicia por aquêle que
recebe, originâriamente, a quantidade adicional de moeda e de-
pois a transfere às pessoas com quem negocia; destas para ou-
tras ainda, e assim por diante. Uma avaliação subjetiva mais
baixa da moeda passa, assim, de pessoa para pessoa, porque
aquêles que entram na posse de uma quantidade adicional de
moeda são levados a aquiescer em pagar preços mais altos do
que anteriormente. Altos preços conduzem a aumento de pro-
dução e a aumento de salários, e, porque êstes sintomas são ge-
ralmente considerados como um sinal de prosperidade econômica
— uma queda no valor da moeda é e sempre foi considerada
um meio extraordinâriamente efetivo para aumentar o bem-estar
econômico”.
“Isto é errado”, prossegue Mises, “porque o aumento da
quantidade de moeda não resulta em qualquer aumento da quan-

80. É claro que os clássicos raciocinavam na presunção de “pleno emprê-


go” dos fatôres de produção. Em caso de desemprêgo, o aumento da quantida-
de de moeda pode estimular a produção, sem aumento de preços.
81. Mises — Ob, cit., pág. 208.
ALGUNS COROLÁRIOS 209

tidade de mercadorias à disposição da população. Seu efeito


pode, perfeitamente, consistir em uma alteração da distribuição
das mercadorias entre as pessoas, mas não pode aumentar a
quantidade total das mercadorias possuídas, nem o bem-estar
da população. É verdade que um tal resultado pode ser atin-
gido indiretamente, no caso em que uma alteração na distri-
buição venha afetar a natureza da produção, isto é, no caso em
que as pessoas, em favor das quais a redistribuição tem lugar,
façam uso da disponibilidade adicional de moeda para acumu-
lar mais capital do que teria sido acumulado pelas pessoas de
quem a moeda foi retirada. O aumento de prosperidade só pode
ser aparente, porque o benefício de uma parte da comunhão só
se faz à custa de um prejuízo correspondente da outra parte”.
Prosseguindo, dá Mises alguns exemplos elucidativos, que
resumiremos a seguir:
“Vamos supor”, diz êle, “o caso de um país no qual se pro-
cede à exploração de uma nova mina de ouro, e vamos, por en-
quanto, restringir à economia dêsse país, isoladamente, a apre-
ciação dos efeitos do aumento da quantidade de ouro dispo-
nível”.
“Para maior clareza, imaginemos, esquemãticamente, a co-
munhão econômica dividida em quatro grupos: o dos proprie-
tários da mina, o dos produtores das mercadorias de luxo, o dos
produtores das demais mercadorias e o dos agricultores.”
“A quantidade suplementar de ouro que se origina da ex-
ploração da nova mina vai, naturalmente, para as mãos dos seus
proprietários. Beneficiados com um afluxo suplementar de moe-
da, passam os proprietários da mina a exercer sôbre o segundo
grupo, o dos proprietários das mercadorias de luxo, uma pro-
cura mais acentuada, o que tem por efeito fazer subir os pre-
ços dessas mercadorias de luxo, já então com benefício para os
respectivos produtores. Êstes, por sua vez, à medida que rece-
bem o influxo da quantidade de ouro suplementar, que lhe vem
às mãos por suas transações com os proprietários da mina, exer-
cem maior procura sôbre as mercadorias do terceiro grupo,
que é o dos produtores de outras mercadorias. Êstes produtores
de outras mercadorias vão, também, quando chega a sua vez,
elevar os seus preços e beneficiar da nova injeção de ouro. Final-
mente, tendo subido os preços das mercadorias de luxo e de-
210 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

pois de tôdas as outras mercadorias, elevar-se-ão também os pre-


ços dos produtos agrícolas.”
Se figurarmos, por traços horizontais, as quatro classes eco-
nômicas em que, por hipótese, dividimos a comunhão, veremos
que, durante o processo de propagação da inflação, tendo su-
bido os preços das mercadorias de produção das classes | e 2,
enquanto que os das classes 3 e 4 ainda se conservam no nível
antigo e mais baixo, | e 2 estarão em dado momento, compran-
do a 3 e 4 pelos preços baixos antigos (lado direito da figura),
ao passo que já lhes estarão vendendo suas mercadorias aos
novos preços altos (lado esquerdo da figura).

Classes

Vendas aos novos Compras aos preços


preços antigos
| A

y 2 |
A

x
y 3
À Y 4 *

Quando a classe 4, dos agricultores, é finalmente atingida


pela alta de preços, êstes agricultores, ao contrário do que acon-
teceu com as três classes anteriores, já não mais podem comprar
a preços baixos outras mercadorias e serviços, porque a alta já
atingiu a todos.
E, durante todo o período em que se processa a evolução
da alta de preços, os agricultores estarão vendendo suas mer-
cadorias pelos baixos preços antigos, ao passo que estarão pa-
gando os produtos industriais pelos novos preços mais elevados.
A conclusão importante da análise dêsse processo é que
são os prejuízos sofridos pelos grupos que são os últimos a se-
rem atingidos pela alta dos preços, que constituem, em última
análise, a origem dos lucros e benefícios realizados pelos pro-
prietários das minas e pelos grupos econômicos que lhes são
mais diretamente ligados.
ALGUNS COROLÁRIOS 211

Há os que ganham com a inflação e há os que perdem.


Quanto mais cedo alguém beneficiar do novo influxo de moeda,
mais lhe aproveitará a inflação; quanto mais tarde, maior será o
prejuizo sofrido. Tudo depende, em cada caso, das vias pelas
quais a nova moeda penetra e se propaga através da comunhão
econômica.
Se encararmos, agora, o aspecto internacional do fenôme-
no, a nação em que estiverem situadas as novas minas e as ou-
tras nações a ela mais diretamente ligadas por relações de co-
mércio, é que gozarão do benefício de poder comprar, das de-
mais nações, mercadorias e serviços aos preços baixos antigos.
quando já lhes vendem aos novos preços mais elevados. Os países
que são os últimos a serem atingidos pelo influxo de ouro é que
pagarão o preço do benefício auferido pelos países onde êle se
originou.
Qualquer que seja a causa da diminuição do valor da moe-
da, os efeitos são os mesmos que acabamos de descrever, por-
que as consegiiências econômicas das variações do valor da moe-
da são determinadas, não por suas causas, e sim pela evolução
lenta do processo de inflação, de pessoa a pessoa, de classe a
classe e de país a país.
Y Os efeitos de um processo de inflação não se exercem uni-
formemente sôbre tôdas as espécies de mercadorias e serviços.
A procura suplementar criada pela nova corrente de moeda não
se reparte, da mesma forma que a procura anteriormente exis-
tente, entre as várias classes de mercadorias e serviços. O pro-
cesso de inflação, modificando a distribuição da riqueza entre
as várias classes sociais, modifica, também, a procura de produ-
tos, fazendo aumentar a procura, e, portanto, os preços, dos
produtos adquiridos pelas classes que beneficiam da inflação,
e diminuir a dos produtos adquiridos pelas classes prejudicadas
pela nova distribuição de rendas e de propriedade.
As variações de valor da moeda dão lugar, pelo processo
que acabamos de descrever, a uma redistribuição da renda e da
propriedade:
a) porque essas variações não são rápida e facilmente per-
ceptíveis à maioria dos indivíduos;
b) porque elas não afetam tôdas as mercadorias e serviços
uniforme e simultâneamente.
212 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Verifica-se assim que as distorsões da produção e as in-


justiças sociais causadas pela inflação, decorrem, não do aumen-
to uniforme e paralelo do nível geral dos preços, e sim das dis-
paridades entre os preços relativos.
Dentre essas disparidades, avulta a resultante das dívidas
expressas em têrmos de moeda. À importância dessas dívidas é
considerável nas sociedades modernas. Só a dívida pública in-
terna consolidada dos Estados Unidos soma hoje perto de
US$ 275 bilhões. Acrescentem-se as hipotecas, as apólices de se-
guros, os depósitos de caixas econômicas, etc., tudo expresso em
dólares; a variação de poder de compra do dólar importaria, por-
tanto, em considerável redistribuição da riqueza, a favor ou con-
tra os proprietários dêsses títulos.
Durante a grande depressão do decênio de 1930-1940, o au-
mento do ônus real representado pelas dívidas expressas em moe-
da, em virtude da baixa de preços, isto é, do aumento do poder
aquisitivo do dólar, levou inúmeras emprêsas e indivíduos à ban-
carrota.
Na hiper-inflação alemã de 1919-1923, de que trataremos
no próximo capítulo, deu-se o contrário; os detentores de títulos
expressos em moeda ficaram totalmente arruinados.

8 3.º — Inflação
Pode-se definir inflação de vários modos. Mais importante,
porém, do que definir é compreender. O simples aumento de
meios de pagamento não constitui inflação, se não provoca alta
dos preços, seja por haver “anteriormente fatôres de produção
desempregados, seja porque a velocidade média da circulação da
moeda tenha baixado, seja por uma expectativa desfavorável
de indivíduos e homens de negócios quanto aos preços e aos
lucros. O test da inflação está na alta dos preços provocada pelo
“aumento de meios de pagamento, se bem que nem tôda alta de
preços tenha essa origem. Há, como vimos, fatôres amonetários
de alta ou baixa de preços.
A inflação pode também ser definida, como melhor vere-
mos no parágrafo seguinte, como o resultado da tentativa per-
petrada por um grupo econômico, de se apropriar de uma parte
da renda real pertencente a outros grupos.
Sob o ângulo da oferta e da procura, pode a inflação ser
definida como uma situação em que “o incremento da procura
ALGUNS COROLÁÍRIOS 213

petvnçta de lena de contumo no país, mais, da procura privada


ste dena de investimento vo pais, mais, das despesas públicas
e ques e mais. da procura, no estrangeiro, de exportações na-
cima não é acompanhado de um incremento equivalente da
odesta de bens de consumo no pais, mais, das economias nacio-
mais mais, das receitas públicas e. mais, da procura nacional de
inpoctações estrangeiras”. Mutatis mutandis, poder-se-ia defi-
triy A Setiaçãa, nos mesmos têrmos.
Hã uma vanedade especial de inflação, que melhor defini-
renas adiante e que se designa por “inflação reprimida”.
Outrossim, chama-se, por vêzes, de “desinflação” uma de-
Ração moderada que atinge os preços e os lucros, mas não os
s mem o valume do emprêgo, o que é às vêzes possível
pelo fato de os preços andarem geralmente à frente dos salários
no processo inHacionário.S

5 4º — Inflação e “Economia Forçada 9994

Suponhamos que não há aumento de população nem de


produtividade, e. para simplificar, que tôda a moeda utilizada
consiste em moeda bancária e que só há um banco, realizando-se
tôdas as transações por meio de cheques sôbre êsse banco.
Imaginemos, agora, que, sendo de Cr$ 10.000.000,00, por
ezemplo, o total dos empréstimos bancários, o indivíduo À pede
2o banco CrS 1.000.000,00 para formar um laranjal. O banco
consente em dar êste empréstimo adicional, que é um emprés-

s2 Macae BYS — “Journal Officiel” de 21 de março de 1952, pág. 48.


ss G. Haseniss — “Reflections on the Future of the Bretton Wocds
System”, em “American Economic Review”, maio de 1953, pás. Sb.
St Mantenho a expressão “economia forçada”, adotada nas edições an-
tertores, malgrado as críticas de que ela tem sido obieto, por julgá-la maero-
-«emnômicanente, acertada e expressiva. Diz-se que o aumento da procura para
eonsurrs, provecsdo pelos investimentos, faz subir os preços dos bens de con-
somo e com isso evita a transferência dos fatôres de produção das indústrias
de consumo para os investimentos. Mas, se assim fôsse, a inflação seria sui
gezeris, uma inflação uniforme e simultânenmente distribuída. O caracterís-
tico da inflação é exatamente o de ser injetada através de um determinado setor,
em detrimento dos demais.
KEYNES (“General Theory”, págs. 79-81) insurge-se contra a expressão,
sob o fútil argumento de que só se poderia entender “economia forçada” em
uma economia em pleno emprêgo. E quem poderia supor outra coisa? É um
sinal da verdadeira obsessão de KEYNES, de ver em tudo o espectro da depressão.
Rosrgrsox (“Banking Policy & Price Level”, 1932, pág. 48) e Pigou (“In-
dostrial Fluctuations”, 1929, pág. 141) esclarecem bem o fenômeno.
214 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

timo novo, e não em substituição a outro empréstimo resgatado


na ocasião. À consegiência é que o volume dos empréstimos e
o volume dos depósitos aumentam ambos de Cré 1.000.000,00
cada um.
Que acontece? À nova moeda, em mãos do agricultor A
e de seus empregados, vai formar, nos mercados, uma corrente
adicional de oferta de moeda, em concorrência com a moeda já
existente em mãos do público. Por algum tempo, os negociantes,
recorrendo aos seus estoques, darão vazão ao aumento de pro-
cura, mas, dentro em pouco, farão subir os seus preços, para
que a quantidade limitada de mercadorias de que dispõem possa
atender à procura acrescida.
O público é, assim, forçado a repartir com o agricultor e
com seus empregados o poder de compra real que tinha ante-
riormente.*”
Pode-se dar outra imagem do fenômeno: O indivíduo A,
tendo recebido Crê 1.000.000,00 para formar o laranjal, foi,
progressivamente, pagando êste Crê 1.000.000,00 a operários,
empregados, etc., isto é, ao público em geral, de sorte que o
Cr$ 1.600.000,00 foi, pelo público, recolhido às suas res-
pectivas contas no banco. Mas, se o público quiser lançar mão
dêsse Cr$ 1.000.000,00, assim recolhido, para comprar mer-
cadorias e serviços, essa moeda adicional não vai representar
para êle qualquer novo poder de compra real, pois que a alta
de preços decorrente da entrada dêsse Crê 1.000.000,00 na cir-
culação faria com que os Crg 11.000.000,00 não tivessem po-
der de compra maior do que os primitivos Cr$ 10.000.000,00.
Se o Cr$ 1.000.000,00 adicional, de que o público dispõe no
banco, fôsse anulado ou cancelado, então não haveria au-
mento de preços, e tudo ficaria como dantes, com a diferença
que o público teria entregue, gratuitamente, a À e a seus em-
pregados, Crê 1.000.000,00 de mercadorias e serviços. E é
graças a êste prejuízo do público que, ao fim de três anos, o agri-
cultor À exibe um laranjal de Cr$ 1.000.000,00.
A inflação de moeda, provocando uma alta de preços, im-
pôs às demais classes da comunhão econômica uma privação
forçada e deu lugar, à custa da privação sofrida por estas clas-

85. RoBerRTSON — “Money”, pág. 90.


ALGUNS COROLÁMRIOS 215

ses, à criação de novos bens de produção. Não houve uma cria-


ção nova de riqueza. Foi o que o público deixou de consumir,
que foi capitalizado pelos agricultores ou industriais ou por
aquêles que beneficiaram da inflação.
Assim, o público em geral sofre uma privação, tal como
aconteceria se todos tivessem decidido comprar menos e eco-
nomizar mais, com a diferença de que, no caso em aprêço, esta
economia não é uma economia voluntária, e sim uma economia
forçada.
Considerada do ponto de vista individual, essa denomina-
ção de economia forçada não parece apropriada, porque o pú-
blico não teve a menor idéia de economizar; o que de fato se
deu foi uma privação forçada; em outras palavras, um confisco
exercido em detrimento do público e em benefício de determi-
nado indivíduo ou grupo.
Tomada, porém, a sociedade em conjunto, que se deu?
Tudo se passou como se certas classes tivessem economizado
em benefício de uma outra, e o fato é que a sociedade em con-
junto economizou, isto é, deixou de consumir, para capitalizar
em usinas, laranjais, fábricas, estradas de ferro, etc., construí-
dos com o produto da inflação.
Esta economia não foi, entretanto, uma economia voluntá-
ria. Foi uma economia forçada, em inglês forced savings, em
francês épargne forcée.
Pode-se ter idéia da importância das quantias que um pro-
cesso de inflação pode transferir de umas para outras classes so-
ciais na economia de um grande país, examinando o caso da
inflação alemã. O total de salários e ordenados na Alemanha,
antes da guerra de 1914-1918, representava cêrca de 25 bilhões
de marcos por ano. Uma diminuição de 10% ou 20% apenas sô-
bre os salários reais (de fato a depreciação na Alemanha, de-
vida à inflação, foi bem maior do que isso) representava 2, 3
ou 5 bilhões de marcos. Tal era o algarismo indicativo da eco-
nomia forçada imposta às populações trabalhadoras da Alema-
nha e que serviu para a realização dos grandes empreendimentos
dos Stinnes, dos Thyssen, dos Wolff, etc. À custa da miséria
do povo, o país saiu da inflação com maior quantidade de
meios de produção do que possuía anteriormente. À partir do
segundo semestre de 1922, começou-se a verificar considerá-
216 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

vel diminuição no consumo de todos os artigos ordinàriamen-


te adquiridos pelo povo. O consumo de carne, de fumo, de
açúcar, de café, de cerveja, etc., acusa uma queda acentuada,
chegando-se a exportar artigos de alimentação, como leite, carne
e outros, que o povo alemão não tinha recursos para adquirir.

*
+ x

À inflação pode ser encarada como uma tentativa perpe-


trada por um grupo econômico qualquer (govêrno ou empreen-
dedores ou sindicatos trabalhistas) de se apoderar de uma parte
da renda real pertencente a outros grupos. Digamos que a ten-
tativa parte dos empreendedores, que obtêm e lançam mão de
vultosos créditos bancários com os quais conseguem deslocar fa-
tôres de produção até então empregados em outras atividades,
transferindo-os para a execução dos investimentos que êles têm
em vista realizar.
Figuremos, de início, a hipótese de que o processo de “eco-
nomia forçada” possa ser executado na inteira conformidade do
que foi projetado, isto é, que os grupos consumidores se con-
formam, durante certo período, com o sacrifício da redução de
consumo (sem por isso reduzirem suas economias) que os em-
preendedores tentam lhes impor. Êstes empregam integralmente
os recursos assim extraídos em investimentos produtivos, e ao
fim do período a diminuição de meios de pagamento resultante
da restituição dos empréstimos originariamente tomados aos ban-
cos, conjugada com o aumento de produção resultante dos no-
vos investimentos, restabelecem uma situação de equilíbrio em
que a comunhão se acha enriquecida com o valor dos investi-
mentos conseguidos por meio do processo inflacionário.
Nesse caso ideal a inflação aparece como um processo ca-
paz de promover o desenvolvimento econômico, sem quaisquer
consegiiências prejudiciais. O público consumidor teria feito o
sacrifício consentido da redução de seu consumo durante certo
tempo, mas teria tido a compensação do aumento da capacidade
produtiva da comunhão econômica. Para que essa hipótese se
realizasse seria, porém, necessário: a) que os sacrificados se con-
formassem pacificamente com o regime da economia forçada;
ALGUNS OCOROLÁWRIOS 217

b) que os beneficiados (no caso, os empreendedores) aplicassem


a totalidade dos recursos obtidos em investimentos reprodutivos.
Infelizmente, porém, as coisas não se passam assim na rea-
lidade. Alguns dos sacrificados podem (hipótese extrema e opos-
ta à primeira) reagir violentamente contra a tentativa de se lhes
arrancar uma parte do consumo habitual, exigindo, desde logo,
um aumento de salários paralelo ao aumento de preços; e, se
houver novas injeções de crédito e nova alta de preços, êles
exigirão, imediatamente, nova elevação de salários. Nesse caso
a tentativa será frustrada, pois não haverá redução apreciável
de consumo, nem, portanto, recursos para levar a efeito os in-
vestimentos projetados.
Vamos, todavia, admitir a hipótese intermediária — muito
mais próxima da realidade — em que a tentativa dos empreen-
dedores encontre certa resistência, mas consiga, em boa parte,
impor às demais classes da comunhão uma redução apreciável
do seu consumo.
Suponhamos que a taxa normal de investimentos em rela-
ção ao Produto Social fôsse de 6% e que, através do processo
de economia forçada, se tenha planejado elevar essa relação de
6% para 12%, digamos. Há de se observar, logo de início, que
uma das reações naturais dos sacrificados, cujo consumo se pro-
cura reduzir pela alta de preços, é a de economizar menos. Va-
mos dizer que essa redução das economias dos sacrificados cor-
responda a 2% do Produto (um têrço dos 6% supra); isso
fará com que a relação projetada de 12% caia a 10%.
Mas não é só isso. À alta dos preços incrementa os lucros
dos industriais, dos negociantes e dos especuladores. Para que
o volume dos investimentos correspondesse ao das economias
forçadas seria preciso que a totalidade dêsses lucros fôsse inves-
tida. Na realidade, porém, verifica-se que no regime inflacio-
nário uma parte importante dêsses lucros extraordinários é
desviada para consumo ostentatório, residências e objetos de lu-
xo, viagens, etc., para a especulação em mercadorias e títulos em
alta, ou ainda para a aquisição de moeda estrangeira, como de-
fesa contra os prenúncios de desvalorização monetária. Consi-
dera-se que tais desvios, em países como o nosso, absorvem de
1/2 a 2/3 dos lucros resultantes da inflação. Austeridade (como
a dos inglêses, no século XIX, ao reinverter seus lucros) e re-
218 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

gime inflacionário hurlent de se trouver ensemble, principalmen-


te nos países latinos.
Admitamos que os rendimentos dos salariados correspon-
dam a 60% do Produto Nacional e que se procura, através do
processo inflacionário, extrair 10% dêsses rendimentos reais,
que seriam assim transferidos dos consumidores sacrificados para
os industriais, negociantes, etc., criando assim as disponibilida-
des para os investimentos correspondentes âqueles 6% adicio
nais supra-referidos, do Produto Nacional. Mas, se, além da re-
dução das economias dos sacrificados, dois terços das disponibi-
lidades extraídas são desviados para consumo ostentatório, trans-
ferências para o exterior, especulação em estoques, etc., pouco
restará para a projetada elevação do “coeficiente de inversão”
(relação do valor dos investimentos para a renda nacional) de
6% a 12%.
Entretanto, não é só a redução quantitativa que importa as-
sinalar. O processo inflacionário dá geralmente lugar a uma
“distorsão” dos investimentos. Distinguem-se os investimentos
chamados “de propriedade” (ownership investments) dos inves-
timentos “reprodutivos” (use investments). Um edifício de apar-
tamentos de luxo é um ownership investment, de muito inte-
rêsse para uns poucos proprietários, mas de pouca significação
para o progresso econômico do país, ao passo que os investimen-
tos numa fábrica, numa estrada de ferro, numa usina (use in-
vestment), constituem novos elementos de produção de merca-
dorias ou serviços, de emprêgo para operários, de aquisição de
matérias-primas, etc., com o correspondente aumento da renda
nacional.
No Brasil, essa distorsão tem se verificado repetidamente.
A depreciação do valor da moeda afasta, é claro, as aplicações
em títulos de renda fixa, do Govêrno ou das emprêsas. Além
disso, nos países em que não existe uma fiscalização eficiente
das sociedades anônimas, os títulos de renda variável (ações)
também se tornam muito pouco atrativos, de vez que o seu va-
lor está longe de crescer proporcionalmente à desvalorização mo-
netária. Assim, por exclusão dos demais, os investimentos no
Brasil, para os quais se dirigem, em legítima defesa, as disponi-
bilidades do público, em regime de inflação, são principalmente,
as construções urbanas, da mesma forma que na França elas
ALGUNS COROLÁRIOS 219

se dirigem para o ouro. Acresce que, como no Brasil, a inflação


tem sempre favorecido as cidades em detrimento do campo, e o
êxodo do campo para as cidades cria o clima de procura para as
construções urbanas.

a
a +

Nos países de produção predominantemente primária, há


ainda outras características que tendem a agravar a inflação.
Uma é a da reconhecida instabilidade dos preços dos pro-
dutos agrícolas comparados com os dos produtos industriais.
Assim como, nas crises e nas depressões, os preços dos produtos
agrícolas caem muito mais rápida e intensamente do que os dos
produtos industriais, também nos booms, os preços agrícolas so-
bem muito mais que os industriais.
Isso se explica, malgrado ser a procura de produtos agríco-
las em relação à renda menos elástica do que a de produtos in-
dustriais: a) porque a Indústria pode aumentar sua produção
rapidamente, ao passo que, na Agricultura, o período de produ-
ção é ânuo, agravado, no caso das lavouras perenes, para três
e mais anos; b) porque a Indústria, mesmo quando não dis-
ponha de qualquer sobra de equipamento, pode fazê-lo traba-
lhar em horas extraordinárias ou mesmo em dois ou três turnos;
c) porque, de modo geral, o agricultor não tem, como o indus-
trial, contrôle sôbre o volume de sua produção; não só o volu-
me das safras depende muito das condições atmosféricas, como
a área semeada pouco varia, por fôrça da própria natureza da
economia agrícola (em lavouras perenes leva anos para variar).
E, como bem observa o Prof. Otávio Bulhões, “num
país como os Estados Unidos, pode-se observar uma grande alta
de preços de produtos agrícolas sem efeitos especialmente infla-
cionários, porque essa alta é amplamente contrabalançada pela
relativa estabilidade dos preços dos produtos manufaturados...
O excesso de poder de compra no setor agrícola é absorvido pelo
setor industrial”.

86. O. G. BuLHÕES — “Inflation and Industrialisation”, em “Four Papers”,


“Vanderbilt University Press”, 1951, pág. 36, e em “A Margem de um Rela-
tório”, Edições Financeiras S.A., 1950, pág. 51.
220 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Na economia de produção predominantemente primária, po-


rém, e em que a exportação é exclusivamente dêsses produtos,
a alta dos preços agrícolas não se dilui facilmente nos outros
preços, e a exportação a altos preços também agrava o impacto
inflacionário.
A situação ainda se deteriora geralmente em países sub-
desenvolvidos, não só por deficiência crônica das “economias ex-
ternas” (capacidade de transporte, de energia elétrica, etc.),
como pela quase inexistência de mercado monetário em que o
Govêrno possa financiar seus investimentos com economias e
não com emissão monetária.

%
+ %

Dado o balanço do processo inflacionário, verifica-se geral-


mente:

a) Redução da poupança por parte dos prejudicados com a


inflação;
b) Desperdício apreciável do produto da “economia for-
cada”, em consumo ostentatório, transferências e viagens para o
estrangeiro, acumulação de estoques, etc.;
c) Distorsão do tipo de investimentos, em detrimento dos
que são mais úteis à comunhão econômica, e incremento dos
que apenas beneficiam um número reduzido de indivíduos;
d) Graves prejuízos que sofrem instituições e indivíduos
que confiaram nos títulos de renda fixa ou mesmo variável, com
danosa repercussão sôbre o mercado dêsses títulos e especial-
mente sôbre o crédito público;
e) Baixa da produtividade. Com poucas exceções, a facili-
dade de bons lucros obtidos com os métodos e equipamentos exis-
tentes faz desaparecer o estímulo para seu melhoramento. À or-
dem de grandeza da redução dos custos passa a ser secundária
relativamente ao nível dos preços (ao contrário do que acon-
tece na depressão);
f) Desmoralização do instituto jurídico, sem o qual nenhuma
sociedade econômica pode prosperar, o do “contrato” em têrmos
ALGUNS COROLÁRIOS 221

monetários, que não pode subsistir num regime de desvaloriza:


ção crônica da unidade monetária.
O processo inflacionário que tomamos para exemplo foi o
de uma tentativa partida do grupo dos empreendedores. Mas
poderia ela partir do próprio Govêrno, emitindo para inversões,
ou mesmo dos sindicatos trabalhistas, forçando a alta dos sa-
lários.

“$5.º — O Perigoso Argumento do Aumento de Produção

Um dos argumentos perigosos para justificar as emissões


monetárias tem sido, em nosso país, o de que essas emissões,
quando aplicadas a empreendimentos úteis (chamados reprodu-
tivos), não são inflacionárias.
Foi êste o argumento, como veremos no capítulo seguinte,
que levou John Law à bancarrota.
A razão é muito simples. Vamos supor que se decide cons-
truir uma usina de aço ou uma estrada de ferro, com recursos
supridos pela expansão dos meios de pagamento. Durante o
período da construção, três, quatro ou cinco anos, não há qual-
quer nova produção, e o dinheiro novo val, impunemente, pu-
lando de galho em galho e elevando os preços em todos os se-
tores onde pousa. Uma vez iniciada a produção (admitindo que
tudo foi feito com acêrto), o valor dessa produção não excederá
de um têrço, digamos, do capital da usina ou da estrada, isto é,
do novo dinheiro criado, de sorte que os dois terços continuarão
a alimentar a inflação.
Se o incremento anual médio da produção de um país fôr
de 3% a 4%, suponhamos (caso talvez do Brasil, em média),
e o aumento de meios de pagamento não exceder essa mesma
proporção, não haverá, em princípio, pressão inflacionária.
O mal tem sido que os governantes, a pretexto do aumento
da produção, expandem os meios de pagamento, não na pro-
porção do aumento de produção real, e sim em escala muito
maior.

8 6.º — O Sôpro Inflacionário

Dissemos, propositadamente, muito maior, porque, se o au-


mento fôr ligeiramente maior, não haverá nisso grande mal, e
222 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

em certas conjunturas um ligeiro sôpro inflacionário será até


benéfico. Isso porque, sendo difícil manter uma situação de egui-
líbrio estável para os preços, é preferível uma ligeira tendência
para a alta do que para a baixa.
Sobretudo nos países em desenvolvimento, o clima que es-
timula a atividade do empreendedor é o de um sôpro altista de
preços, ainda que ligeiro, nunca o de declínio dêsses preços. De
outro lado, os operários suportam geralmente, muito melhor, uma
economia forçada através de uma alta moderada e lenta dos pre:
cos (favorável, aliás, ao volume do emprêgo) do que através de
uma diminuição deflacionária dos salários nominais.
Os prejuízos e as injustiças que daí advêm, in the long run,
para os portadores de títulos de renda fixa, são contrabalança-
dos (enquanto moderados) pelo maior desenvolvimento eco-
nômico do país, em seu conjunto.

8 7.º — Auto-Progressão do Processo Inflacionista

A alta do preço de uma determinada mercadoria provoca a


redução de quantidades procuradas (mais, ou menos, conforme a
elasticidade da procura); há, portanto, uma reação automática e
endógena para o restabelecimento do equilíbrio.
No caso do processo inflacionário, porém, isto é, da alta ge-
ral dos preços, isto não mais se verifica.
Não há qualquer fôrça automática tendente ao restabele-
cimento do equilíbrio. Qualquer nova situação de equilíbrio há
de ser imposta ao sistema monetário, por medidas e providên-
cias exógenas.
Uma vez iniciada, a inflação tende a se expandir por um
processo cumulativo.
No início, uma parte dos salários e das despesas de produ-
ção é paga graças à abertura de novos créditos bancários. O au-
mento de rendimentos, daí decorrente para os fatôres da pro-
dução, vai-se refletir em uma procura acrescida de mercadorias
e serviços, com elevação dos preços. ÀÃo fim de algum tempo,
o industrial, tendo vendido sua produção a preços em alta, po-
derá reembolsar ao banco os empréstimos recebidos, guardando
o lucro.
ALGUNS COROLÁRIOS 228

Para prosseguir a sua produção no mesmo ritmo, será ne-


cessário, porém, que êle obtenha um renovamento dos créditos
em um montante um pouco mais elevado do que os primeiros,
porquanto o nível geral dos preços se elevou, no tempo decorrido '
entre a primeira e a segunda operação. O vulto do terceiro cré-
dito terá de ser maior do que o do segundo, e assim por diante.
Isso quer dizer que, em regime de inflação, a continuação
da produção, na mesma quantidade, só é possível se o montante
dos créditos aumentar progressivamente.

$8.º — A Inflação Afeta as Taxas Cambiais antes de Afetar


os Preços

Vimos como a inflação se processa por estágios sucessivos.


Ela começa naquele setor econômico que, por um ou outro mo-
tivo, recebeu a injeção de uma quantidade suplementar de moe-
da ou de crédito. A partir dêsse setor, os seus efeitos se propa-
gam a outros setores mais diretamente ligados àquele e, afinal,
a todos os setores da economia.

O processo de propagação é lento. Quer os que se rego-


zijam com a alta de preços dos produtos que vendem, quer os
que sofrem com a alta dos produtos que têm de comprar, atri-
buem o fato a causas várias e não se dão conta, desde logo, do
processo monetário que se está desenvolvendo. Sua atitude é
passiva.
Negociantes e industriais só elevam seus preços, geral-
mente, quando a onda inflacionista os atinge, continuando não
raro a vender na base dos custos nominais antigos, quando o
custo de reprodução já se elevou apreciâvelmente.
O nível geral de preços das mercadorias e serviços nacio-
nais não se adapta, portanto, senão com lentidão e atraso, às
variações do valor da moeda.
É a esta lentidão, com que se processa a alta dos preços
por ocasião dos movimentos inflacionistas, que se tem chamado
de inércia dos preços.
Verifica-se, entretanto, que, no tocante ao câmbio das moe-
das estrangeiras, os efeitos da inflação se manifestam com mais
celeridade do que sôbre os preços internos.
224 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

É fácil esclarecer porque. Suponhamos que F é a fonte de


inflação e M, o mercado de câmbio.
ABCDEF GH y K Mercadorias estrangeiras ,

M Mercado de câmbio

F Fonte de Inflação

ao
abe de fg hi j kMercadorias de produção
do pais
Vejamos como se exerce a ação da inflação de F, quanto às
mercadorias de produção nacional e quanto às de produção es-
trangeira.
No primeiro caso, a procura parte de F, por uma série de
linhas divergentes, e encontra tôda a variada gama dos produ-
tos nacionais, artigos de alimentação, de vestuário, de transporte,
de recreio, etc. O efeito da procura suplementar se exerce aí,
separadamente, em cada um dos setores da produção do país;
a será, por exemplo, um negociante de gêneros alimentícios, b,
um negociante de tecidos de algodão, c, uma emprêsa de trans-
portes, d, o mercado de trabalho operário, e assim por diante.
Cada um dêsses setores da produção do país recebe a ação de
uma fração apenas do aumento da procura adicional prove
niente de F, já que a fôrça inflacionista causadora dêsse au-
mento de procura se dispersa, como a figura indica, pelos múl-
tiplos vetores oriundos de F. Mais ainda, o negociante a não está
em comunicação constante com b, c, d, etc.; a só sente o efeito
da procura que o atinge e não está, em regra, informado do
que acontece a b, c, f, etc. Não só, portanto, o aumento da pro-
cura proveniente de F sofre uma dispersão, como a reação dos
vários setores da produção nacional não é conjunta.
Voltemo-nos agora para o campo das mercadorias estran-
geiras. O foco F, donde parte o influxo de nova moeda ou dos
novos créditos, exerce uma procura suplementar tanto sôbre
mercadorias nacionais como sôbre mercadorias estrangeiras. Mas,
ALGUNS COROLÁRIOS 225

quando se quer efetuar a compra de uma mercadoria estran-


geira, não é possível fazê-lo diretamente, pagando moeda na-
cional aos fornecedores estrangeiros A, B, €, D, etc. Só se pode
efetuar a compra das mercadorias estrangeiras através de um
único intermediário, que é o mercado de câmbio — M. Tôda
procura suplementar de mercadorias estrangeiras criada pelo foco
de inflação F concentra-se, assim, em um único ponto, M, em
vez de se dispersar por dezenas de direções divergentes, como
no caso da aquisição das mercadorias nacionais.
O efeito concentrado de tôda a procura adicional de mer-
cadorias e serviços estrangeiros, estimulada pelo aumento de
meios de pagamento, em um único ponto, M, mercado de câm-
bio, faz com que, nesse ponto, os efeitos da inflação se façam
sentir imediatamente e com intensidade.
Tal é a razão por que os efeitos da inflação sôbre o câmbio
aparecem antes dos efeitos sôbre os preços. A depressão cam-
bial se processa antes da alta de preços internos.
Um e outro efeitos, porém, câmbio e alta de preços, são
conseqiiências da inflação. Apenas, o efeito sôbre o câmbio, apa-
recendo antes da ação sôbre os preços, dá a ilusão de que o
câmbio é causa e os preços efeito.
O mesmo se verifica no caso de a corrente inflacionista vir
do exterior (forte entrada de capitais, grandes saldos de expor-
tação, etc.), isto é, do fluxo inflacionista vir de M para F, em
vez de F para M. A corrente de capitais ou de saldos no exte-
rior, dando lugar à venda de cambiais por moeda nacional no
país para onde aflui, aumenta a quantidade de meios de paga-
mento nesse país e produz inflação, do mesmo modo que as
emissões internas. Ainda aí o efeito sôbre o câmbio se verifica
antes do efeito dos novos meios de pagamento sôbre os preços,
até porque é indispensável que êstes entrem no país através do
mercado de câmbio, antes de produzir seus efeitos sôbre os
preços,
Vice-versa, uma diminuição da corrente de capitais vindos
do exterior, ou um saldo desfavorável do balanço do comércio,
devido à escassez do volume das safras exportadas ou à baixa
de seus preços, quer dizer, uma corrente deflacionista, fará sen-
tir seus efeitos depressivos sôbre M, mercado de câmbio, mais
rápidamente do que sôbre a baixa de preços no país, consequente
da redução dos rendimentos monetários.
226 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Tal é a razão por que a inflação ou a deflação atuam sôbre


o câmbio antes de atuar sôbre os preços, o que dá a ilusão de
que o câmbio é causa e os preços efeito. Um e outro efeitos,
porém, câmbio e alta ou baixa de preços, são conseqiiências da
inflação ou deflação, e estão, portanto, diretamente ligados aos
preceitos da teoria quantitativa.

$9.º — À Deflação
Se os fenômenos econômicos fôssem reversíveis — que o
não são — poder-se-ia pensar que, mediante uma deflação mo-
netária, consistindo em processo exatamente inverso ao da in-
flação, os males por esta causados seriam reparados.
Acabamos de analisar o processo evolutivo da inflação. Ela
se infiltra em determinado setor da economia e vai agindo sôbre
os preços por etapas sucessivas, à medida que os novos meios
de pagamento se difundem pelos demais setores.
Ao têrmo do processo evolutivo da inflação, chega-se a uma
nova situação de equilíbrio, que difere da primitiva, em que os
preços individuais das mercadorias e serviços não guardam, en-
tre si, a mesma relação anterior, e em que o nível médio de pre-
cos será mais alto. O sistema econômico se terá acomodado a uma
nova situação de equilíbrio entre uns e outros preços.
Ora, tendo-se chegado a uma situação de equilíbrio, não há
razão alguma para que se proceda a uma nova operação mone-
tária, em sentido inverso da primeira. Qualquer tentativa de
voltar ao equilíbrio anterior importaria em um processo aná-
logo e inverso ao que descrevemos para a inflação e, por conse-
qiiência, em novos sacrifícios e perturbações, talvez mais graves
até do que os causados pela inflação.
Não é o nível geral mais baixo ou mais alto dos preços que
desregra o sistema econômico. O mal é o período de transição,
com os desequilíbrios e injustiças sociais que acarreta; o ideal
é a estabilidade, e o fato de essa estabilidade se firmar em nível
mais alto ou mais baixo pouca importância tem. O que importa
é o restabelecimento do equilíbrio.
Ássim, os dirigentes da economia de um país, que decidem
pôr têrmo aos males causados pela inflação, devem limitar-se a
fazer cessar essa inflação, e nunca a proceder a uma deflação
com o fito de restabelecer a situação anterior.
[rd
ALGUNS COROLÁRIOS 22

Quando a desvalorização da mocda tiver sido em muito


pequena escaln, valerá a pena, em certos casos, restabelecê-la
ao nível de seu valor antigo, se êsse era um valor tradicional, se
se tratar de um mercado monetário internacional ou de uma
grande nação credora. Se, porém, a desvalorização já tiver sido
apreciável, então — mesmo nos casos que acabamos de figurar
— a deflação terá os mais danosos efeitos sôbre a economia do
pais.
Foi o que se verificou na Inglaterra, no decênio de 1920-
-1930. A deflação a que foi preciso recorrer para restabelecer, em
1925, e manter, daí por diante, a libra esterlina em sua paridade-
-ouro de antes da guerra, foi a origem dos grandes sofrimentos
padecidos pela economia inglêsa durante êsse decênio, com a
queda de suas exportações, a paralisação parcial de seu parque
industrial e as cifras alarmantes de seu desemprêgo.
Ricardo já dizia, no princípio do século passado, que, no
caso de o valor de uma moeda ter caído de 5%, por exemplo,
abaixo de sua paridade normal com o ouro, valeria a pena resta-
belecêla na paridade primitiva, mas que, se a depreciação já
tivesse atingido 30%, nunca se deveria procurar voltar ao nível
antigo, e sim pôr simplesmente têrmo à inflação, para que um
novo estado de equilíbrio se restabelecesse, tão cedo quanto
possível.
A deflação tem todos os defeitos da inflação, e ainda agra-
vados. A inflação, malgrado todos os sofrimentos que acarreta
aos que têm que sofrer a economia forçada, deixa, muitas vêzes,
atrás de si, alguma coisa de útil e de permanente. À sua ação
sôbre o sistema econômico é análoga à do ópio ou da morfina
sôbre o organismo humano: é suave e agradável. A deflação,
ao contrário, atua como um drástico sôbre todos os setores ati-
vos da economia; aos empreendedores, fazendo baixar os pre-
ços quando os custos de produção não baixaram, paralisa a ação;
aos operários, em grande número, faz perder o emprêgo; ao Es-
tado, faz baixar as rendas; diminui a produção e conduz ao ma-
rasmo, à inatividade e ao desânimo.
O caso da baixa de preços resultante da melhoria da pro-
dutividade técnica é diferente; aí os custos de produção baixam
primeiro e os preços depois, por efeito da concorrência.
Estas noções só se tornaram claras depois da análise feita
pelos economistas, dos fenômenos da variação do valor da moe-
228 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

da, após a primeira guerra mundial. Elas não eram correntes ao


tempo do nosso grande ministro da Fazenda Joaquim Murtinho,
a quem o país deve, por outros títulos, tão grandes serviços,
Havia naquele tempo a mística do câmbio alto e a idéia de que
a prosperidade do país se podia aferir pela taxa cambial de sua
moeda. Não se percebia que a moeda é apenas um meio e que
o objetivo é a economia nacional.
Essa mística não foi, de forma alguma, peculiar ao nosso
caso. Ela se verificou plenamente na Europa de 1930, como ob-
serva Loveday (“Essays in Honour of Irving Fisher”). Aquêles
países da Europa Central que tinham padecido as agruras da des-
valorização catastrófica de suas moedas, adquiriram a fobia da
inflação, como a Inglaterra, de após 1931, ficou tomada de hor-
ror à deflação. Murtinho sucedia ao encilhamento, à inflação
desbragada e à falência do Estado. Há, pois, que compreendê-lo,
e não que acusá-lo.

8 10 — O Caso da Restrição Voluntária do Consumo


Pode acontecer que a iniciativa da deflação da atividade
econômica parta do público, e não da política monetária.
Suponhamos que em determinado país se desenvolva uma
campanha em favor da poupança e da restrição das despesas.
Isso se traduziria por uma redução no movimento de cheques,
porque um decidiu não comprar uma roupa nova, porque outro
resolveu não fazer uma viagem, ou não comprar um automóvel,
etc. O resultado seria que a velocidade de movimentação dos
depósitos de rendimento ficaria reduzida, conquanto o volume
total dêsses depósitos permanecesse o mesmo. Nada haveria que
viesse alterar êsse volume dos depósitos; apenas. êles teriam
passado a circular mais vagarosamente. O exemplo que damos
com moeda bancária poderia ser dado com a moeda manual, que
passaria a circular mais lentamente.
Que se daria então? Como a corrente de moeda que aflui
aos mercados fica reduzida, pela relutância dos particulares em
gastar o seu dinheiro, os proprietários das mercadorias seriam
forçados a baixar os preços para poder vender seus estoques.
Neste caso, a baixa de preços faz com que as economias
do público, feitas com o dinheiro que deixou de gastar, repre-
sentem de fato um poder de compra real, superior até ao valor
ALGUNS COROLÁRIOS 229

primitivo do dinheiro economizado (ao contrário do que acon-


tecia na nossa hipótese do Crg 1.000.000,00 da economia for-
cada). Por fôrça da baixa de preços, os depósitos, conquanto
inalterados, representam um potencial de poder de compra, maior
por unidade monetária.
Mas essa vantagem foi obtida à custa de alguém, e êste al-
guém foram os negociantes, industriais e produtores, que tive-
ram de vender suas mercadorias e seus serviços com redução de
lucros, senão com prejuízo, de sorte que, a persistir a restrição
dos gastos, se cairia numa fase de depressão progressiva, em
que negociantes e industriais seriam forçados a reduzir salários
e a despedir empregados, o que, por sua vez, faria reduzir ainda
mais os gastos do público, em uma progressão que, se não fôsse
sustada, conduziria à miséria e à fome. .
Em tais circunstâncias, o dever da Autoridade Monetária é,
justamente, o contrário do que era no caso da economia forçada.
É o de proceder a uma expansão das despesas, injetando poder
adicional de compra para substituir o que está sendo retirado da
circulação pela campanha de poupança e restrição.
CAPÍTULO XVI

FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO

Para terminar o estudo dos fenômenos da variação do va-


lor da moeda, vamos citar alguns exemplos históricos de pro-
cessos de inflação, levados ao extremo, em que a moeda chegou
a tal estado de desvalorização, que teve de ser abandonada. Isso
nos permitirá focalizar certos aspectos do problema que, graças
à intensidade do processo, nos aparecem com mais clareza do
que nos casos das desvalorizações monetárias moderadas.

$ 1.º — John Law


John Law, escocês de nacionalidade, depois de muito se in-
teressar pelo estudo do Banco da Escócia e do Banco da Ingla-
“terra, viajou pelo continente europeu, observando o funciona-
mento de alguns bancos continentais, como os de Veneza e
Amsterdã.
Em 1705, Law apresenta o seu primeiro memorial ao Par-
lamento da Escócia, sob o título de “Moeda e Comércio”, em
que propõe suprir a nação da moeda indispensável ao seu pro-
gresso. Neste memorial encontram-se tôdas as suas idéias es-
senciais.
Trata-se, para enriquecer um país, de aumentar a quanti-
dade de moeda. É pela quantidade de moeda que os países ricos
se distinguem dos países pobres. A abundância de moeda não é
um sintoma, e sim uma fonte de riqueza.
Dizem os historiadores de Law que foi o espetáculo da pros-
peridade holandesa, com seu grande comércio e sua abundância
de numerário, que inspirou as idéias de Law. Éle dizia: “O que
constitui a pujança e a riqueza de uma nação é uma população
numerosa, e armazéns de mercadorias estrangeiras e nacionais.
232 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Os objetos dependem do comércio, e o comércio depende do


numerário. Assim, para sermos ricos relativamente às outras na-
ções, nós deveremos dispor de numerário na mesma proporção,
pois, sem numerário, as melhores leis não dariam emprêgo aos
indivíduos nem teriam a virtude de aperfeiçoar as produções,
desenvolvendo as manufaturas e o comércio, etc.”.
Aí estão consubstanciadas as primeiras idéias de Law. Se-
gue-se a exposição de todos os processos por que se poderia au-
mentar a quantidade de moeda.
O Parlamento da Escócia não quis dar ouvidos aos seus
conselhos.
Nos últimos tempos do reinado de Luís XIV, logo sucedido
pela Regência, Law passa-se para a França, e apresenta as suas
idéias ao Govêrno francês. Em seu novo memorial, Law pro-
cedia a uma crítica do dinheiro-prata, cujas flutuações constan-
tes e cuja baixa de valor, dizia êle, o tornam um mau padrão
monetário. Aliás, o ouro, prosseguia êle, apesar de ter baixado
menos, não é um melhor padrão de valores. Que é o dinheiro se-
não um simples vale de troca, dando direito a uma certa quanti-
dade de mercadorias? E para uma tal função não há necessidade
de recorrer a um metal precioso e caro.
“A moeda”, dizia Law, em uma frase célebre, “não é o
valor contra o qual se trocam as mercadorias, mas, sim, um
valor pelo qual (através do qual) as mercadorias são trocadas”.
E adiante: “Eu encaro um escudo como um bilhete que
fôsse concebido nos seguintes têrmos: um vendedor qual-
quer dará ao portador a mercadoria de que êle precisar até a
concorrência de três libras, que é o equivalente de uma outra
mercadoria que me foi entregue; e, como assinatura, a efígie
do príncipe ou outro sinal de caráter público”.
A moeda só serve e só deve servir para êste fim. Mas, então,
para que recorrer à moeda metálica, quando o papel prestaria.
o mesmo serviço, muito mais barato?
Nestes memoriais, o primeiro endereçado a Desmarets, ain-
da no reinado de Luís XIV, e o outro já ao Regente, Law se
defendia por antecipação contra a objeção principal de seus ad-
versários: a da tentação que essa moeda-papel exerceria sôbre
os governos, em dificuldades financeiras.
Para obter o apoio do regente, Law apresenta nesses dcis
memoriais as suas idéias sob uma forma moderada e prudente,
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 238

dizendo que a moeda-papel não seria emitida em quantidade su-


perior às necessidades, nem às possibilidades do seu reembôlso
em metal.
Assim, Law obtém em 1716 concessão para fundar o seu
Banco Geral, que, mais tarde, se transforma em Banco Real.
Law, aliás, invertia tôda a sua fortuna pessoal no negócio que
propunha, assim demonstrando confiança em suas idéias.
O Banco de Law promoveu a organização de uma série de
emprêsas de comércio e de indústria. À maior e a mais impor-
tante foi a Companhia das Índias, para a qual, em dado momento,
o Banco Real foi autorizado a emitir papel-moeda, a fim de
que os capitalistas pudessem subscrever as ações da Companhia.
A sua idéia era a de que o papel-moeda, aplicado ao desenvolvi-
mento do comércio e dos negócios, só traz enriquecimento para
o país, sem qualquer perigo para a circulação, porque o dinheiro
emitido é absorvido pelo próprio negócio lançado. Demonstra-
mos, no 8 5.º do capítulo anterior, o disparate de tal proposição.
Assim, os efeitos das emissões de Law não se fizeram esperar.
O público foi perdendo a confiança nas notas do Banco Real, e os
pedidos de reembôlso em metal se precipitaram. Law recorreu,
então, abertamente, à sua idéia inicial: a do curso forçado. E, em
1720, na sua “Terceira Carta sôbre o Novo Sistema das Finan-
ças”, Law explica por que o curso forçado é superior ao curso
livre.
Malgrado todos os seus memoriais, o público perdeu cada
vez mais a confiança em suas notas, até que investiu contra o
Banco, e Law foi obrigado a fugir, desaparecendo, assim, o seu
Banco, as suas notas e a sua aventura.

%
* *

O que nos interessa nesse episódio são os ensinamentos.


Não há dúvida que Law compreendeu, como ninguém a seu
tempo, que o valor da moeda decorre de sua função monetária,
muito mais do que de seu valor intrínseco. Éle compreendeu
que um sistema monetário pode funcionar perfeitamente com
papel-moeda, sem necessidade de recorrer a um instrumento de
troca dispendioso, como o ouro e a prata. Êle compreendeu que
êsses metais não têm a estabilidade de valor que se lhes empres-
234 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tava. Em uma época em que circulavam várias espécies de moeda


metálica, êle percebeu a vantagem de unificá-las, sob forma de
uma nota representativa, acabando, assim, com as operações de
câmbio interior. Compreendeu, finalmente, a vantagem que ha-
via na concentração das várias espécies metálicas nas caixas de
um grande Banco Central.
Tôdas essas idéias, expostas em numerosos escritos, com in-
teligência e clareza, apoiadas em numerosos exemplos, mostram
bem que Law não foi um simples utopista, e sim o precursor
quase genial de uma série de princípios e idéias, cujo valor só
mais de um século depois começou a ser compreendido.
O que, porém, Law não descortinou, e que deu lugar ao
fracasso de seus planos, foi o mecanismo da Teoria Quantita-
tiva. O seu êrro consistiu em confundir a prosperidade ilusória,
proveniente da inflação, com a prosperidade real, e em pensar que
a emissão de notas, aplicada a emprêsas de comércio ou de in-
dústria, isto é, às chamadas aplicações reprodutivas, não teria
qualquer consegiiência funesta (8 5.º do capítulo anterior). Ele
não compreendeu o fenômeno da economia forçada, que só neste
século foi bem esclarecido, e o que êle não viu, alguns homens
de govêrno até hoje ainda não viram também.

8 2.º — Os “Assignats”

Os assignats, emitidos durante o tempo da Revolução fran-


cesa, tornaram-se um dos exemplos clássicos de papel-moeda
que perde todo o valor por ter sido emitido em quantidades des-
propositadas.
A causa imediata da Revolução francesa fôra o impasse
financeiro em que se achava o Govêrno. O deficit crescia, e a
isenção de impostos de que gozavam a Nobreza e o Clero cons-
tituía obstáculo insuperável a todos os esforços empregados para
equilibrar o orçamento.
Assim, os Estados Gerais, reunidos em 1789, tiveram de
se preocupar, desde logo, com o meio de evitar a bancarrota. Os
privilégios da Nobreza e do Clero foram suprimidos, mas, de
outro lado, os impostos impopulares também o foram, de sorte
que a receita do Estado não melhorou. Necker, ministro das Fi-
nanças, tentou um grande empréstimo, de que apenas a metade
foi subscrita. Tornou-se urgente obter recursos.
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 235

Ora, o Estado havia confiscado as propriedades da Coroa e


do Clero e achava-se, assim, na posse de um ativo mais do que
suficiente para tompensar os deficits acumulados de vários anos.
Êstes bens nacionais eram avaliados em cêrca de 314 bilhões de
libras (francos), enquanto que o total dos orçamentos anuais
não excedia de 500 a 600 milhões. Os bens nacionais consti-
tuíam, portanto, uma garantia de solvabilidade; a dificuldade
consistia em torná-los imediatamente disponíveis, pois, se se pro-
cedesse à venda sucessiva e forçada, ter-se-ia de sacrificar uma
grande parte do seu valor.
Em dezembro de 1789, a Assembléia decidiu emitir uma
série de notas ou assignats de 1.000 libras cada uma, vencendo
juros de 5%. Essas notas deviam ser aceitas pelo Estado em
pagamento dos bers nacionais a serem adquiridos pelos parti-
culares. As notas ficavam fazendo parte da dívida flutuante;
elas não gozavam de poder liberatório de moeda legal, e não
eram, por conseguinte, papel-moeda. Mas, como já então existisse
a Caisse d'Escomptes, fundada por Turgot em 1776, a qual já
havia feito emissões de papel-moeda inconversível, uma boa
parte dos assignats foi descontada na Caisse, dando lugar a uma
nova emissão de notas.
Em setembro de 1790, uma nova emissão de 800 milhões
foi decretada, e já aí sem juros. Tendo-se notado que a desva-
lorização dos assignats provinha, em boa parte, do fato de êles
terem sido emitidos sômente em notas de grande valor, de 200,
300 e 1.000 libras, procedeu-se, nos primeiros meses de 1791,
a uma nova emissão de notas de valor menor. E, realmente, o
público aceitou bem os novos assignats de 5, 10 e 50 libras. Se
nenhuma outra emissão tivesse sido feita, daí por diante, ainda
teria sido possível salvar os assignats. No entanto, as necessi-
dades das guerras da Revolução forçaram novas e sucessivas
emissões.
Em agôsto de 1793, os assignats foram declarados o único
meio de pagamento legal, e a lei considerava crime qualquer
diferenciação entre os assignats e as espécies metálicas. Um de-
creto de 8 de setembro tornava passíveis da pena de morte os que
recusassem pagamento em assignats ou que os negociassem
abaixo do par.
Malgrado o rigor dessas leis, o público arranjava sempre
meios de estipular pagamento em espécies metálicas. Por fim,
236 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

o Govêrno teve de ceder e permitir que nas Bôlsas de Paris e


da Província fôssem publicadas oficialmente as cotações da prata
em assignats.
Nesta ocasião, decidiu-se fabricar ainda e pela última vez
3.200 milhões de assignats, depois do que, as matrizes — les
planches à assignats — seriam destruídas para sempre.
Pouco depois, o luís de ouro (20 francos-ouro) cotava-se
a 1.000 e 1.200 francos de assignats e, enquanto se votava a
nova Constituição, subia essa cotação a mais de 3.000 assignats.
A circulação de assignats já se elevava, então, a 19 bilhões,
cujo valor correspondia apenas a 150 milhões de espécie metá-
lica.
Conquanto em Paris continuasse o assignat a ser o meio
de pagamento ordinário, os preços das mercadorias eram ba-
seados nas cotações do ouro na Bôlsa. Na Província, já se
recusavam os assignats, e o povo ia reconstituindo gradativa-
mente os seus estoques de moeda metálica.
No primeiro empréstimo lançado pelo Diretório, e que po-
dia ser subscrito em espécies metálicas, em trigo ou em assignats,
êstes eram recebidos por 1% de seu valor nominal.
Em fins de 1796, os assignats já tinham sido, quase com-
pletamente, substituídos por espécies metálicas.
Dava-se com os assignats o mesmo que, mais tarde, iria
dar-se com os marcos da inflação alemã. Quanto mais se emitia,
menor se tornava o valor total da emissão. De 1.500 milhões
de francos-ouro, em novembro de 1794, o valor da emissão de
assignats foi caindo até 150 e, finalmente, até 100 milhões.
Por fim, os assignats acabaram nas mãos de um pequeno grupo
de especuladores, que os compravam com a esperança de que
os jacobinos voltassem ao poder.
a
%+ x

Do ponto de vista da teoria, o caso dos assignats traz en-


sinamentos interessantes, e diversos dos da experiência de Law.
As emissões de Law tinham, em parte, o caráter de uma inicia-
tiva destinada a promover o desenvolvimento do comércio, dos
negócios e da riqueza, ao passo que os assignats se destinavam,
simplesmente, à cobertura de deficits orçamentários.
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 237

Law entendia que a moeda emitida para fins reprodutivos


não podia ser maléfica. Os legisladores dos assignats achavam
que a moeda lastreada por bons valores seria sempre boa moeda.
Êste é o grande êrro e o ensinamento capital da experiên-
cia dos assignats, pois “não havia relação alguma entre o valor
dos bens nacionais e a quantidade de meios de nagamento de
que a França tinha necessidade”.
Justiça seja feita, em parte, aos legisladores dos assignats,
pois o princípio de que a moeda bem lastreada é sempre boa
moeda também ainda não desapareceu inteiramente, e muita
gente ainda pensa que uma moeda com bom lastro de ouro não
pode deixar de ser boa moeda, qualquer que seja sua quantidade.
E ainda há os que pensam em lastros de mercadorias. Por oca-
sião de uma das valorizações de café, uma alta autoridade re-
feriu-se ao estoque de café armazenado, como por si só capaz
de servir de lastro a tôda a moeda do Brasil!

8 3.º — Inflação Alemã de 1920-1923


O caso da inflação alemã posterior à guerra de 1914-1918
constitui uma lição incomparâvelmente mais instrutiva do que
as que acabamos de descrever, porque o conhecimento, de que
já então se dispunha, dos fenômenos monetários, permitiu uma
observação e uma análise muito proveitosa de todos os aspec-
tos da hiperinflação. Pôde-se proceder a um estudo detalhado
dos fenômenos a que deu lugar, quer a inflação inicial, quer a
hiperinflação subsegiente, agindo sôbre os preços, sôbre a velo-
cidade de circulação da moeda, sôbre o volume da produção,
sôbre o comércio exterior, etc.
Duas são as lições que se podem tirar do estudo dêsse caso
típico de inflação levada ao extremo: o da análise de suas cau-
sas e o do quadro sintomático da conjuntura inflacionista visto
através de vidros de aumento.
As finanças de guerra da Alemanha, no período de 1914-
-1918, foram mal dirigidas. A princípio, Helfferich estava certo
de que o inimigo teria de pagar o preço da guerra e mais alguma
coisa, de sorte que só em fins de 1915 tratou, pela primeira vez,
de obter novas fontes de renda para atender às despesas extra-
ordinárias do Estado.
238 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Ao findar a guerra, a quantidade de notas em circulação


havia mais que quadruplicado (índice 440); os depósitos no
Reichsbank haviam decuplicado (1,3 para 13,3 milhões); a dí-
vida flutuante subira de 300 milhões em julho de 1914 para
55 bilhões de marcos em dezembro de 1918. Só de novembro
de 1918 ao Tratado de Versalhes, em junho de 1919, o deficit
do Reich foi de 10 bilhões. A despesa de guerra só fôra finan-
ciada por impostos em proporção inferior a 12% (comparada
com 50% da Inglaterra na última guerra); o deficit acumulado
no balanço de pagamentos com o exterior era também consi-
derável.
Havia, portanto, ao terminar a guerra, considerável poten-
cial de inflação, que ainda não tinha produzido seus efeitos, gra-
ças ao contrôle de preços e à confiança na vitória até meados
de 1918. Os preços, do índice 100, em 1913, não haviam atin-
gido o índice 250 ao terminar a guerra. Junte-se a êsse poten-
cial de inflação a perda da Alsácia-Lorena, com seus depósitos
de minério de ferro, e das minas de carvão do Sarre, o efeito
psicológico do Tratado de Versalhes de 1919 e, finalmente, a
perda da Silésia Superior, decidida pela Liga das Nações, em
1921, logo após o ultimatum de Londres de maio de 1921 sôbre
as reparações, além das dificuldades da política interna, e ter-
-se-ão elementos de sobra para explicar a violenta inflação que
começou em 1921.
Na grande discussão doutrinária que se travou sôbre se a
inflação fôra causada pelas excessivas emissões de papel-moeda
ou pela depreciação do marco no mercado cambial, a cronolo-
gia dava a ilusão de que o primeiro impulso partira da deprecia-
ção cambial. Tomando-se maio de 1921 como índice 100, a quan-
tidade de moeda em circulação, em novembro do mesmo ano,
era de 133, e o câmbio do dólar, de 422.
Porque nesse período o Govêrno alemão exerceu forte pres-
são sôbre o mercado de câmbio, para pagar indenizações de
guerra em dinheiro, num total de um bilhão e meio de marcos-
-ouro. Dizia-se, entretanto, que era a alta de preços das merca-
dorias de importação que atuara, por difusão, sôbre os preços
internos.

—í.í..
48 87. BRESCIANI-TURRONI — “Economics of Inflation”, págs. 25, 26, 28;
e 93,
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 239

Já vimos no 8 8.º do capítulo anterior que os efeitos da


inflação sôbre o câmbio sempre precedem a alta de preços inter-
nos. O fenômeno não é, portanto, peculiar ao caso da Alemanha,
tanto mais quanto os marcos de que o Govêrno precisava para
aquisição de cambiais não provinham de impostos ou emprés-
timos internos (que teriam tido o efeito de baixar os preços e
reduzir as importações), e sim de emissões de papel-moeda.
Suspensos, aliás, como então foram, os pagamentos das re-
parações, se Govêrno e industriais alemães tivessem oposto de-
cidida barreira a êsse primeiro impulso da inflação, não há dú-
vida que ela poderia ter sido controlada. Acresce notar que, to-
mado em conjunto, tudo quanto a Alemanha pagou a título de
reparações em dinheiro não chega à metade da estimativa, a mais
baixa possível (cinco bilhões de marcos-ouro**), do que a Ale-
manha recebeu do exterior em moeda estrangeira, proveniente
das compras de marcos por todos os países do mundo, que con-
fiavam na capacidade de reerguimento da Alemanha. No perío-
do de 1920 a 1923, as reparações e despesas por conta de Ver-
salhes não excederam da têrça parte dos deficits orçamentários
do Reich. Dizia-se que a Alemanha trabalhava para os aliados,
mas a verdade, escreve B. Turroni, é que “a demanda sôbre a
renda nacional alemã para satisfação de suas obrigações para
com os aliados representou, nos anos de 1919 a 1923, apenas
uma modesta fração desta renda”.
Fôsse para visar efeito no exterior, junto aos governos e
opinião pública aliados, fôsse sinceramente (o que é duvidoso),
o Govêrno alemão, por seu prestigioso ministro da Fazenda Helf-
ferich e pelo presidente do Reichsbank, insistia teimosamente em
declarar que a inflação de preços não era causada pelas suces-
sivas emissões, e sim pela depreciação do marco no câmbio.
Grupos poderosos de industriais e negociantes guardavam seus
saldos de divisas no exterior, produto da exportação e da venda
de títulos, ao mesmo tempo que sabotavam tôdas as medidas
enérgicas de tributação necessárias ao equilíbrio orçamentário.
Fatos observados durante a inflação alemã mostram que,
cada vez que o Reichsbank provocava uma relativa escassez dos
meios de pagamento, os industriais e negociantes eram obriga-

88. As estimativas mais elevadas são de 14 bilhões. McKENNA estimou


em 7,6 a 8,7 bilhões de marcos-ouro.
240 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dos a vender suas cambiais no mercado, fazendo melhorar a co-


tação do marco.
À teoria oficial era assim, por outro motivos, esposada e de-
fendida pelo grupo de industriais e negociantes, a que tanto
aproveitava a inflação. Já 70 anos atrás, Wagner escrevia a
êste propósito: “Grupos poderosos são interessados na manuten-
ção do prêmio do ouro e em seu aumento. Sempre que se pro-
põem medidas para melhorar a circulação, o partido poderoso
do protecionismo a isso se opõe, com todos os meios a seu al-
cance. Banqueiros e industriais estão de acôrdo. Isto foi pro-
vado, muitas vêzes, na Áustria como na Rússia, em 1862. Nos
Estados Unidos, as tentativas para o melhoramento da circula-
ção sofreram a oposição de verdadeiros fanáticos. Os adversá-
rios do papel-moeda e do regime protecionista eram tratados de
traidores, pelo grupo dos industriais egoístas”.
Foi o que aconteceu na Alemanha, onde a inflação de papel-
-moeda não teria atingido às proporções que tomou, se não ti-
vesse sido constantemente apoiada pelos que dela auferiam gran-
de proveito.
Os agricultores viam-se aliviados dos encargos. das suas hi-
potecas. Os industriais, enquanto vendiam a preços que se apro-
ximavam dos preços mundiais, beneficiavam de custos de pro-
dução muito reduzidos, porque os salários reais, os custos de
transportes, os impostos, etc. eram cada vez mais baixos, em
valor real. Créditos bancários usados com habilidade tornavam
possível a aquisição de câmbio exterior e de propriedades de tôda
espécie.
Detalhe expressivo: de 26 de novembro a 1.º de dezembro
de 1921, o preço do dólar caiu rápidamente de 293 para 190
marcos. Houve um momento de estupefação no mundo dos ne-
gócios. A imprensa declarou que o melhoramento do marco ti-
nha sido uma catástrofe para a indústria alemã. As encomendas
caíram rápidamente. Isto foi apenas passageiro, porém, e as
emissões retomaram, dentro em pouco, o seu curso violento,
com uma nova onda de atividade comercial e industrial. Os jor-
nais da época diziam: “Os negócios chegaram a um máximo de
intensidade. Os compradores não se importam com os preços;
há uma violenta procura de mercadorias”.
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 241

Em junho de 1922, Stinnes opunha-se a um empréstimo


externo porque isso “levantaria a taxa de câmbio do marco a
um nível que a economia alemã não poderia suportar”.
O exemplo alemão é particularmente instrutivo porque êle
mostra que, se a Autoridade Monetária — inspirada pelas idéias
errôneas de que a emissão de notas, feita para atender os recla-
mos do comércio, é legítima — não põe paradeiro às emissões de
papel-moeda, os preços continuam a subir até atingirem algaris-
mos astronômicos.
Na Comissão de Inquérito, criada para examinar as causas
da queda do marco, em junho de 1923, Helfferich, antigo mi-
nistro das Finanças, afirmava que não havia inflação na Ale-
manha, porquanto o valor ouro total do papel-moeda em cir-
culação estava coberto pelo ouro do Reichsbank, em proporção
bem mais considerável do que antes da guerra.
“Mas o valor do marco”, escreve B. Turroni, “não depende
da cobertura metálica, e sim da quantidade de marcos em cir-
culação”, e cita a frase de Ricardo: “Nada há de mais impor-
tante em matéria de emissão de papel-moeda do que manter-se
sempre atento aos efeitos do princípio da limitação da quanti-
dade”.
O estudo do quadro da economia nacional, em regime de
hiperinflação, quanto a preços, ao grau de atividade econômica,
ao desperdício dos fatôres de produção, etc. oferece especial
interêsse para países como o nosso, tão duramente castigado pela
inflação. Vejamos, pois, o quadro da economia inflacionista
alemã sob êsses vários aspectos:

a) Os Preços
Nas primeiras fases da depreciação da moeda, os negocian-
tes estabeleciam seus preços de venda na base dos custos de
compra ou de produção do artigo, e não na base do custo de
reprodução. À noção do custo de reprodução só lentamente se
foi propagando. À lei, aliás, considerava essa prática como uma
forma de usura.
Pouco a pouco, a decalagem entre a depreciação do marco
indicada pelas taxas de câmbio e os preços internos ia diminuin-
do e, no outono de 1922, escrevia-se que “os efeitos da queda
do marco são agora diferentes dos que eram observados o ano
passado. Agora, a cada depreciação do valor externo do marco
242 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

vai correspondendo, muito mais rapidamente, a depreciação in-


terna. Depois de cada nova queda do marco, a onda da alta de
preços estende-se das matérias-primas e dos artigos importados
às mercadorias internas. Salários e ordenados acompanham o
movimento mais rápidamente do que acontecia o ano passado”,
É o fenômeno que assinalamos no $ 8.º do capítulo ante-
rior. Normalmente, a inflação afeta o câmbio, antes de afetar os
preços internos, mas, com as sucessivas repetições do fenômeno,
o público acabou compreendendo que os dois efeitos são gêmeos,
e passou a antecipar a alta de preços internos, acompanhando,
sem mais demora, o índice da taxa cambial.
Na fase final da hiperinflação, a adaptação dos preços in-
ternos à taxa de câmbio torna-se praticamente automática. Já
então os preços-papel são calculados na base de dois fatôres:
os preços básicos e o multiplicador, que era um índice da queda
da taxa cambial; e no verão de 1923 os preços internos atin-
gem o nível dos preços mundiais. À cada queda da taxa cam-
bial corresponde, imediatamente, uma reação dos preços inter-
nos. O hábito de calcular os custos de reprodução torna-se geral.
O negociante, vencendo a fôrça do hábito, começa a calcular os
preços de suas mercadorias em ouro e a fixar os preços em papel,
de acôrdo com a taxa cambial. Ordenados e salários passam a
ser baseados no multiplicador, que era, geralmente, o índice do
custo da vida, publicado pela Repartição de Estatística e ansiosa-
mente esperado, cada semana, por empregadores e empregados.
Nessa fase final, procuram-se adaptar os salários e preços já não
sômente à depreciação imediata, mas também à depreciação fu-
tura do marco, de sorte que a alta dos preços internos já ultra-
passa a depreciação indicada pelas taxas cambiais, escrevendo um
autor que “a alta dos preços internos que, em 1922, andava pela
casa dos 60% dos preços mundiais, passou para cêrca de 110%”.
As estatísticas relativas aos fatos monetários da inflação
alemã, como de outras grandes inflações, mostram que, nos ca-
sos de hiperinflação, a perspectiva de novas emissões faz com
que a queda do câmbio e a alta dos preços se antecipem à pro-
gressão da quantidade de papel-moeda.
Foi o que se verificou também com os assignats, cuja de-
preciação se antecipava ao aumento da circulação. O mesmo se
observou no caso da depreciação da moeda austríaca; em fins
de agôsto de 1922, a quantidade de papel-moeda havia aumen-
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 243

tado de | para 2.700, enquanto os preços haviam aumentado


de 1 para 7.400. Igualmente, na Alemanha, em fins de 1923,
o índice do aumento de circulação era de 413 milhões, ao passo
que o índice da taxa cambial era de 17,3 bilhões e o índice de
preços em grosso de 18,7 bilhões.
Um segundo fenômeno interessante e também peculiar aos
casos de hiperinflação é que, à medida que as emissões aumen-
tam, o seu valor total diminui, em vez de aumentar, isto é, o
ritmo da depreciação é mais rápido que o das emissões.
Uma revista econômica alemã escrevia, nessa ocasião: “A
imprensa dos países aliados diz que a Alemanha arruína o seu
câmbio depois da guerra, por gigantescas emissões de notas. Ora,
na Alemanha todos sabemos que as nossas emissões do Reichs-
bank foram nominalmente gigantescas, mas de fato pequenas,
muito pequenas (!), se se levar em conta o seu valor real e se
se comparar o aumento de preços com o aumento da circulação.
Nem mesmo os mais fiéis partidários da Teoria Quantitativa
dirão que os aumentos relativamente pequenos da quantidade de
papel-moeda provocaram um aumento de preços tão conside-
rável”.
As mesmas idéias eram expostas em outros escritos alemães
da época. A Repartição de Estatística do Reich publicava a se-
guinte tabela:

Países Marcos-ouro “per capita”


1913 1920 1922
Bélgica .....ccccccccc. 116,76 140,53 193,33
Canadá ......ccccceccc. 72,36 55,45 49,43
Alemanha ......cccc.cc.. 44,71 87,63 17,92
Inglaterra ............... 13,18 84,40 110,73
França .. ..ccccccco.. 116,87 180,05 229,90
Itália ....ccccccccc cc. 64,96 70,13 72,53
Suécia ....cccccrcccceeo 47,82 48,87 73,05
Suíça ..ccccccrccrccces 66,84 89,49 103,33
Estados Unidos ........... 48,10 101,35 97.66

Argumentavam então os alemães que não havia inflação


em seu país, pois que a quantidade de marcos-ouro per capita
era apenas de 17,92 na Alemanha, em comparação com 110 na
Inglaterra, 229 na França e 97 nos Estados Unidos.
244 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Esta tabela é incidentemente interessante para mostrar a


que estranhas conclusões se pode chegar, comparando quanti-
dades de moeda em circulação com o número de habitantes, para
indicar o grau de inflação em vários países!
O fenômeno que os economistas alemães assinalavam era
verdadeiro; sua interpretação é que era errônea. Bastaria que
êles se reportassem ao passado, em casos semelhantes. Thiers
assinala que em 1795 os assignats que circulavam em França ti-
nham um valor nominal total de 20 bilhões de francos, mas que
seu valor real não atingia a 200 milhões de francos-ouro. No pe-
ríodo dos greenbacks, na América, argúia-se também que a de-
preciação do papel-moeda não era devida ao aumento da quan-
tidade em circulação, pois que havia apenas 12 14 dólares-ouro
per capita nos Estados Unidos, contra 25 dólares na Inglaterra
e 30 dólares em França.
Enquanto na Alemanha economistas e financistas julgavam
demonstrar que não havia inflação, Keynes, na Inglaterra, de-
monstrava, em um famoso artigo no “Times”, que, na hiperinfla-
ção, cada nova emissão é acompanhada por um:

b) Aumento na Velocidade da Circulação da Moeda

A influência exercida pela velocidade de circulação, sôbre


os preços e sôbre o câmbio, pode ser maior do que a das suces-
sivas emissões de papel-moeda.
Em meados de 1923, quando o marco caía de valor dia a
dia, entre a manhã e a tarde, todos tratavam de se desfazer da
moeda assim que a recebiam.
A população vivia au jour le jour, sem guardar quaisquer
reservas em dinheiro. Ninguém guardava saldo em dinheiro su-
perior a suas necessidades para dois ou três dias.
Os cálculos feitos da velocidade de circulação da moeda,
na Alemanha, tomando-se o índice de 1913 igual a |, mostram
que, em 1919, essa velocidade varia entre 0,45 e 0,96; em 1920,
entre um mínimo de 1,13 e um máximo de 1,85; em 1921, en-
tre um mínimo de (0,96 e um máximo de 1,88; em 1922, quan-
do se entra no período de hiperinflação, o índice da velocidade
já atinge 9,01, em novembro, e, em 1923, 17,79. Comparado o
índice de 1923 com o de 1919, verifica-se que a velocidade de
circulação era de cêrca de 35 ou 40 vêzes maior.
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 245

Mesmo êstes índices, porém, ainda não dão idéia exata do


verdadeiro aumento de velocidade. É que em certos estágios da
hiperinflação o papel-moeda deixa de exercer tôdas as funções
monetárias e passa a ser, em parte, substituído por câmbio ou
moeda estrangeira. Foi o que aconteceu na Alemanha. À prin-
cípio no comércio exterior; depois no comércio em grosso in-
terior e, afinal, até no comércio de retalho, o uso da moeda es-
trangeira se desenvolvia rápidamente.
Acresce que, em 1922, quando a contínua depreciação da
moeda alemã destruiu a confiança, mesmo dos especuladores
mais obstinados, na possibilidade do reerguimento do marco, to-
dos os marcos guardados por particulares, nacionais ou estran-
geiros, refluíram ao mercado, intensificando a alta de preços.
Utilizava-se também uma outra moeda de emergência, de-
nominada notgeld.
Entretanto, havia ainda outro fator importante a conside-
rar. Era o declínio da quantidade de mercadorias. A depreciação
da moeda, no início da inflação, estimula a produção, mas, quan-
do a inflação aumenta desordenadamente, a má moeda desor-
ganiza a produção. Na Alemanha de 1923, como na Polônia e
em outros países, em condições análogas, verificou-se, como
adiante se verá, um decréscimo na produção e nas transações.
A fuga do marco era tal, em meados de 1923, que pro-
dutores e negociantes preferiam deixar de vender a aceitar em
troca de suas mercadorias um dinheiro que se depreciava verti-
ginosamente. Os agricultores recusavam vender suas colheitas
(a não ser que o comprador tivesse moeda estrangeira); indus-
triais e negociantes em grosso preferiam guardar suas merca-
dorias, e os retalhistas procuravam limitar suas vendas, pela re-
dução do número de horas em que suas lojas ficavam abertas.
Assim, as contínuas e novas quantidades de papel-moeda
postas em circulação concentravam-se sôbre uma quantidade
de transações cada vez menor.
Resumindo o que ocorreu na Alemanha quante aos preços:
1) Em um período inicial, que foi o mais longo, a depre-
ciação da moeda era, aproximadamente, proporcional à quanti-
dade de papel-moeda;
2) No período seguinte, isto é, de meados de 1921] a mea-
dos de 1922, os preços subiram mais rápidamente dc que a quan-
246 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tidade de moeda, em virtude do aumento da velocidade de cir-


culação, bem como da volta ao mercado dos marcos vendidos
ao estrangeiro ou entesourados no país;
3) Na fase final, novas influências vieram ainda se juntar
para provocar uma queda do valor da unidade monetária, muito
mais do que proporcional à quantidade de papel-moeda. Era o
pânico, a substituição do marco-papel pela moeda estrangeira e
a diminuição do volume das transações.

c) A Atividade Econômica

Na primeira fase da inflação, verificaram-se os fenômenos


que lhe são próprios: de um lado, a economia forçada, com o
sofrimento das classes trabalhadoras e de rendimentos fixos, e,
de outro lado, um intenso recrudescimento da atividade eco-
nômica no setor dos bens de produção.
Já assinalamos que a fólha total de salários na Alemanha,
antes da guerra, importando em cêrca de 25 bilhões de marcos-
-ouro por ano, uma economia forçada de 10% a 20% repre-
sentava nada menos de 3 a 4 bilhões de marcos-ouro.
É o quadro, por assim dizer, normal da inflação. No caso
da Alemanha, uma vez terminada a guerra, havia um intenso
desejo de reconstrução do aparelhamento econômico do país, de
sorte que, na primeira fase da inflação, todos os recursos se en-
caminhavam para a produção de aço, de carvão, de máquinas,
de aparelhamento mecânico.
No segundo período da inflação, em 1922, período desig-
nado como o da liquidação geral, a fuga da moeda e a intensa
velocidade de circulação traduziam-se por uma atividade febril
dos negócios. Os estrangeiros, favorecidos por sua moeda, fa-
ziam aquisições importantes, e os alemães, também alarmados
pela queda do marco, compravam qualquer coisa, a qualquer
preço, simplesmente com o fito de trocar o seu dinheiro por
valores materiais. Em contraste com essa enorme atividade, de-
clinava continuadamente o padrão de vida de grande parte da
população. Parecia que a renda produzida era muito maior do
que a renda consumida.
A verdade é que a economia forçada atingia uma grande
parte da população, cuja procura de mercadorias de consumo se
reduzia progressivamente. Basta dizer que, em Berlim, sobravam
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 247

diariamente milhares de litros de leite, apesar da produção dêsse


alimento ser, então, muito menor do que antes da guerra.
Na fase aguda da inflação — escreve Bresciani-Turroni —
a Alemanha oferecia o espetáculo, grotesco e ao mesmo tempo
trágico, de um povo que, em vez de produzir alimentos, vesti-
mentas, calçados, leite para as suas crianças, etc., esgotava as suas
energias na manufatura de máquinas ou na construção de fá-
bricas. “Os proventos exauridos da economia forçada de nume-
rosas classes da sociedade se dirigiam principalmente para as in-
dústrias de ferro, aço e mineração, que estavam em condições
de explorar a situação, graças à posição monopolística que seu
poderoso sindicato tinha conseguido manter”.
A produção de aço passou de 660.000 toneladas, no pri-
meiro trimestre de 1920, a 1 bilhão de toneladas, no quarto tri-
mestre de 1922. Enguanto isso, as estatísticas denunciavam uma
considerável diminuição do consumo popular de fumo, de carne,
de açúcar, de café, de cerveja, etc., decréscimo que se verifica
desde 1921 até fins de 1923, quando se procedeu à nova esta-
bilização do marco.
Exportavam-se artigos de consumo e de alimentação, que
a população alemã empobrecida não podia comprar, e impor-
tava-se aço, ferro e carvão!! Em janeiro de 1922, a Alemanha
ainda exportava mais carvão do que importava; em julho do
mesmo ano, ela já importava mais do que exportava.
Era curioso e tremendo o contraste entre a procura de mer-
cadorias de produção e o declínio da procura das mercadorias
de censumo popular.
A inflação de papel-moeda, diz o Prof. Bresciani-Tur-
roni, “é a causa de uma série de desequilíbrios na economia de um
país. Seus efeitos são análogos aos de certa moléstia que causa
no corpo humano um desenvolvimento ou uma hipertrofia es-
tranha e anormal de certos músculos, enquanto outros grupos
de músculos se atrofiam. À inflação impede as várias partes da
economia de um país de se desenvolverem de forma harmoniosa,
de sorte que algumas se desenvolvem de mais e outras de me-
nos. Um dos exemplos típicos é o do enorme desenvolvimento
do capital fixo e da enorme falta de capital de movimento, pro-
duzindo-se uma gigantesca imobilização da riqueza nacional.
O crescimento anormal das mercadorias de produção é finan-
248 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

ciado, em última análise, pela economia forçada do povo, que


tem de reduzir o seu consumo”.
É interessante, ainda, observar como, na hiperinflação, se
verifica um

d) Desperdício de Fatôres de Produção

Nas organizações comerciais, com o vertiginoso movimento


de compra e venda de mercadorias, intermediários-parasitas con-
seguem obter lucros gordos e fáceis. O número de emprêsas de
atividade comercial (bancos incluídos) saltou de 933, em 1919,
a 4.226, em 1925, isto é, de 10,3% a 29,6%, do total do número
de emprêsas.
O mesmo se verificou no sistema bancário. O número de
novos bancos, que fôra de 42, em 1914, e de 49, em 1919, pas-
sou a 401, em 1923. O número de pessoas empregadas nos ban-
cos saltou de cêrca de 100.000, em 1913, a 375.000, em 1923.
O aumento dos negócios bancários não era consegiiência de uma
atividade econômica mais intensa, porém de um acúmulo extra-
ordinário de ordens do público para compra e venda de ações
e de câmbio exterior para especulações. Não se tratava de mo-
vimento bancário para produção de nova riqueza, e sim para
uma movimentação febril da riqueza existente.
Por outro lado, a produtividade da população diminuía, em
virtude do enotme número de pessoas empregadas em misteres
improdutivos. Assim, por exemplo, nos grandes estabelecimen-
tos industriais de Siemens-Schuckert havia, em 1913, 66 em-
pregados improdutivos para cada 100 produtivos, ao passo que,
em 1922, havia 120 improdutivos para cada 100 produtivos.
A baixa de consumo e do padrão de vida das populações
trabalhadoras prejudicava a capacidade de produção do operá-
rio, por subnutrição, e o fator psicológico da incerteza do fu-
turo era causa de depressão no espírito das classes trabalhado-
ras, pelo receio do dia de amanhã. A taxa do dólar era o tema
de tôdas as discussões. À atenção do operário se concentrava
no problema de atender a suas necessidades, com uma moeda
que perdia valor de hora em hora. Outra parte de suas energias
era gasta em disputa para o aumento dos salários nominais.
FENÔMENOS DE IHIPERINFLAÇÃO 249

e) O Comércio Exterior
Durante a primeira fase da inflação, observavam-se os fe-
nômenos usuais: aumento das exportações, graças aos baixos
preços expressos em moeda internacional, à custa da agravação
da relação de trocas. A Alemanha vendia barato e comprava
caro.
Isso deu lugar a que, de um lado, algumas nações estran-
geiras tomassem medidas de defesa contra o dumping de mer-
cadorias alemãs e, de outro lado, a que a própria Alemanha
fôsse obrigada a proibir a exportação de certos artigos, para que
êles não desaparecessem inteiramente do país. Ao contrário, na
última fase da hiperinflação, quando o nível dos preços inter-
nos já atingia e mesmo excedia o dos preços mundiais, a Ale-
manha era obrigada a estabelecer restrições à importação, para
não ser inundada de mercadorias estrangeiras. O balanço comer-
cial mantinha-se deficitário.
f) Várias Repercussões
Hã ainda uma série de fenômenos interessantes a assinalar.
As cotações de ações em bôlsa só muito lentamente acom-
panharam a depreciação da moeda porque o público sabia que
os dividendos, por elevados que fôssem em têrmos de moeda,
pouco valor teriam. Podia-se assim adquirir o contrôle de gran-
des emprêsas por quantias relativamente ridículas. Mas a in-
dústria alemã defendeu-se da possibilidade de invasão econômica
pelo estrangeiro, adotando novas ações de voto plural e outras
providências análogas.
Os bancos sofreram grandes prejuízos com a depreciação
de seus investimentos e suas reservas. De acôrdo com os balan-
ços em moeda-ouro dos sete maiores bancos de Berlim, o seu ca-
pital, que era, em 1913, de 1.590 milhões, com 474 milhões de
reserva, ficara reduzido a 474 milhões de capital e 185 milhões
de reserva. Aquêles bancos que mais cedo compreenderam os
efeitos da rápida depreciação monetária foram os que melhor
se defenderam.
Os bancos hipotecários, como as companhias de seguros,
perderam uma parte considerável de seu Ativo, invertido em
créditos hipotecários ou em títulos expressos em marcos.
Os grandes aproveitadores foram os capitães de indústria,
os Stinnes, os Thissen, os Otto Wolff, etc., que, com o auxílio
250 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de grandes créditos bancários, adquiriam o contrôle de inúme-


ras emprêsas e fundavam novas indústrias, pagando depois aos
bancos em moeda cada vez mais desvalorizada.
Os agricultores aproveitaram com a redução de suas dívi-
das hipotecárias expressas em marcos, práticamente a zero.
Por outro lado, os proprietários de casas sofreram grandes
prejuízos com os contratos de locação anteriores, expressos em
marcos, e com as leis de inquilinato, que impediam o aumento
dos aluguéis. O valor das casas baixou considerâvelmente, e mui-
tos proprietários, para os quais o custo de conservação era maior
do que o produto dos aluguéis, eram forçados a vender. Daí o
intenso movimento de transferência de propriedades.
As cifras do desemprêgo eram prâticamente nulas na pri-
meira fase da inflação, porque o aumento de salários era muito
retardado em relação à alta de preços. De fins de 1922 em diante,
porém, as cifras do desemprêgo cresceram râpidamente porque,
já então, os salários passaram a ser, quase automaticamente,
ajustados à depreciação da moeda.
Os portadores de títulos da Dívida Pública, de títulos hipo-
tecários e de outros créditos expressos em moeda, sofreram um
confisco total, pela depreciação do marco. A Dívida Pública do
Reich foi praticamente anulada. Uma lei de maio de 1923 de-
clarava que daí em diante o mínimo admitido para os títulos da
Dívida Pública era de 5.000 marcos; e havia, nessa época,
920.000 portadores de títulos de empréstimos de guerra, de me-
nos de 5.000 marcos. Os portadores tinham, claro é, a alterna-
tiva de receber o valor nominal de seus títulos em marcos, que
nada valiam. O mesmo confisco atingiu os portadores de debên-
tures das emprêsas industriais e de títulos hipotecários da la-
voura.
A inflação destruiu, também, o patrimônio das instituições
de caridade, das sociedades religiosas e das fundações científicas e
literárias. Inútil, mesmo, referir aos que viviam de uma renda
fixa de pensionista ou de aposentado.
Além do enorme decréscimo do consumo de artigos de ali-
mentação, vestuário, etc., havia muitos outros índices de mi-
séria do povo: baixa na qualidade dos artigos de alimentação,
com a substituição do trigo pela cevada, da manteiga pela mar-
garina; péssimas condições dos prédios de habitação; excessivo
trabalho das mulheres; aparecimento de várias moléstias até en-
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 251

tão desconhecidas na Alemanha; aumento do número de sui-


cídios, pela falta de meios de subsistência; aumento da morta-
lidade por motivo de subnutrição, e até a fabricação de caixões
funerários de papelão, que o Ministério do Interior foi obrigado
a admitir, em substituição aos caixões de madeira, que eram
caros demais.
Que tôdas essas desgraças eram consegiiência da inflação,
foi demonstrado pelo seu rápido declínio, depois da estabilização
do marco.
Transcrevemos, para finalizar, a magistral apreciação de
Bresciani-Turroni:
“A princípio, a inflação estimulou a produção, pela deca-
lagem entre o valor interno e o valor externo do marco; mas,
em seguida, exerceu uma ação cada vez mais prejudicial, desor-
ganizando e limitando a produção. Destruiu o espírito de eco-
nomia; tornou impossível a reforma do orçamento nacional du-
rante anos; obstruiu a solução do problema das reparações; des-
truiu valores morais e intelectuais incalculáveis. [eve as mais
sérias repercussões sociais, acumulando riquezas em favor de
uma pequena classe de usurpadores da propriedade nacional, en-
quanto milhões de indivíduos eram jogados à pobreza. Consti-
tuiu uma terrível preocupação e constante tormento de inúme-
ram famílias; envenenou o povo alemão, disseminando por tô-
das as classes o espírito de especulação e desviando-o do trabalho
regular. É, portanto, fácil de compreender por que a lembrança
dos tristes anos de 1919-1923 constitui ainda um pesadelo para o
povo alemão”.
Prefaciando, em setembro de 1937, a edição inglêsa do livro
de Bresciani-Turroni, diz o Prof. Robbins, da Universidade
de Londres, referindo-se à inflação alemã: “Ela deixou atrás de
si um desequilíbrio econômico e moral que foi um campo fértil
para a proliferação dos desastres que se seguiram. Hitler é o
filho adotivo da inflação”.

8 4.º — Inflação Reprimida

A implantação de regimes políticos totalitários, consoante os


da Alemanha de Hitler e da Rússia Soviética, bem como as me-
didas de rigoroso contrôle econômico que a maior parte dos paí-
ses beligerantes, na segunda guerra mundial, foram obrigados a
252 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tomar, deram lugar a um “quadro monetário” até então desco-


nhecido, em que o impulso inflacionário resultante do aumento
desordenado de meios de pagamento, ao invés de ocasionar a
espiral de preços e salários, como na inflação aberta, cujas prin-
cipais características acabamos de examinar no parágrafo ante-
rior, era impedido de produzir seus efeitos, por meio de contrôles
efetivos do Estado. Impedia-se o excesso de dinheiro de exercer
sua função de aumento da procura, o que provocava um acúmulo
de moeda em suspenso (monetary overhang), cuja única válvula
era o mercado negro, mais ou menos desenvolvido, conforme
os contrôles do Estado eram menos ou mais efetivos.
O que há de característico nesse regime, que W. Rôpcke*”
propôs chamar de inflação reprimida, é que a moeda deixa de
ser o único instrumento de poder de compra. É a moeda mais
os cupões de racionamento que detêm o poder de compra.
E, se o racionamento não é igual para todos, e sim diferenciado
por critérios de merecimento, necessidade ou hierarquia, então
a fórmula é moeda, mais cupões, mais privilégios sociais ou
políticos.
A inflação reprimida é, evidentemente, o clima ideal para a
manutenção dos contrôles e das alavancas de comando, que tanta
fascinação exercem sôbre os governantes da hora.
Poder de compra da unidade monetária? Taxa cambial real?
Não se pode saber qual é, uma vez que não existe a livre mani-
festação do potencial monetário sôbre os bens. .
“Enquanto a inflação aberta”, escreve Rôpcke, “costuma ter
um efeito estimulante — certamente doentio — na vida eco-
nômica, a inflação reprimida dá lugar a fenômenos de paralisia
econômica, peculiares a êsse tipo combinado de inflação e cole-
tivismo...; falta tanto à produção industrial como à agricultura
o necessário estímulo à produtividade”.
Qual o remédio para uma tal situação? Ou deixar que o
dinheiro em suspenso produza livremente seus efeitos, passando-
-se então à inflação “aberta”, cujo tratamento foi indicado no
parágrafo anterior, ou encontrar uma fórmula para absorver o
poder de compra em suspenso e em excesso e assim poder soltar
as alavancas dos contrôles.

89. W. RóPCKE — “Offense und Zuriickgestaute Inflation and Repressed


Inflation", em “Kyklos”, vol. I, 1947, fascs. 1 e 3.
FENÔMENOS DE HIPERINFLAÇÃO 258

Esta segunda solução foi adotada pela primeira vez na Bél-


gica, logo depois da libertação do país, em outubro de 1944, pelo
ministro das Finanças Camille Gutt, Desde então foi aplicado ao
caso da Holanda em 1945, da Áustria em 1945 e 1947, da lugos-
lávia e da Tcheco-Eslováguia em 1945 e da Rússia Soviética
em 1947.”
A solução consiste em varrer os saldos de moeda inaplicada
e em suspenso. Mas a escolha do fator de conversão da moeda
antiga pela moeda nova, que pouca ou nenhuma importância tem
no processo de extinção da inflação “aberta”, é muito mais de-
licado no caso da inflação reprimida. Se a conversão não “absor-
ve” bastante, fica uma pressão inflacionária; se absorve demais,
acarreta um movimento deflacionário.
Dadas as condições caóticas em que se achava a estrutura
dos preços na Bélgica, o Govêrno se orientou pelo nível dos sa-
lários e procurou adaptar a taxa cambial ao nível de preços e
custos, calculado na base dêsses salários. Feito isto, e concedido
a cada pessoa física o direito de trocar uma pequena quantia da
antiga moeda pela nova, para fins imediatos de subsistência, o
Govêrno belga congelou definitivamente 60 % dos depósitos ban-
cários e temporâriamente 40%. Êstes 40% temporários foram
sendo descongelados à medida que crescia a produção do país
depois da libertação. Os 60% foram posteriormente trocados por
títulos especiais do Estado, para cujo resgate se votaram impos-
tos específicos: a) confiscatórios dos lucros de guerra (o Go-
vêrno dispunha de um bom censo da riqueza individual);
b) muito elevados sôbre lucros extraordinários de qualquer ori-
gem; c) impôsto de 5% sôbre o capital.
No caso da Alemanha, a “absorção” foi de cêrca de 90%.
Assim mesmo, verificou-se um certo resíduo inflacionário que
reduziu o consumo e beneficiou industriais e empreendedores, os
quais puderam reparar os danos de guerra, refazer os estoques
e modernizar os equipamentos.
O sucesso da reforma monetária alemã foi espetacular.
O índice da produção industrial passou de 51, em junho de 1948,

90. Vide, de J. HERBERT FurTH — “Conversão da Moeda e Inflação Re-


primida” e “Inflação Reprimida e Reforma Monetária na Alemanha Ocidental”.
em “Revista Brasileira de Economia”, junho de 1949 e março de 1950.
Também “The Belgian Monetary Reform”, por V. A. DE RiIDDER, em “Review
of Economics Studies”, ns. 38 e 39, de 1947-1948. :
254 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

a 90, em março de 1949 (1936 = 100). “A expansão da pro.
dução foi causada, sobretudo, por um aumento da produtividade
do trabalho; o número de trabalhadores no citado período não
se modificou, 17,5 milhões. É que, antes da reforma monetária,
os trabalhadores só podiam utilizar o salário para comprar arti-
gos racionados, já que os demais estavam a preços fora de seu
alcance; êles preferiam dedicar-se às atividades improdutivas do
mercado negro. Após a reforma, a possibilidade de comprar qual-
quer artigo a preços razoavelmente acessíveis deu valor aos sa-
lários e estimulou a produtividade” (Furth, ob. cit.).
LIVRO IV

TEORIA DOS CÂMBIOS INTERNACIONAIS


CapíTULO XVII

BALANÇO DE PAGAMENTOS

A análise dos fenômenos monetários, a que vimos proce-


endo nos capítulos anteriores, cinge-se ao caso de um sistema
inonetário nacional, considerado isoladamente.
Temos agora de abordar a discussão das trocas internacio-
ais, que também exigem o uso da moeda, para evitar os em-
raços que decorreriam da troca direta de mercadorias, de na-
ão a nação.
O uso da moeda, nas relações econômicas internacionais,
cria, desde logo, o problema da troca da moeda de um país pe-
as moedas de outros países. O problema dos pagamentos inter-
nacionais gira, portanto, em tôrno da determinação do valor de
uma moeda em relação às demais, isto é, das taxas de câmbio.
Como qualquer outro problema de preços, o da determina-
ção das taxas de câmbio resolve-se pela análise da procura e da
oferta da moeda estrangeira.

$ 1.º — A Noção de Balanço de Pagamentos

A importação de uma mercadoria dá lugar, direta ou indi-


retamente, a um pagamento a ser feito em moeda do país de
origem dessa mercadoria. Inversamente, a exportação de uma
mercadoria acarreta um recebimento de moeda do país para o
qual ela foi exportada.
No primeiro caso, o importador, para pagar o que comprou,
trata de trocar moeda de seu país por moeda do país de origem
da mercadoria; no segundo caso, o exportador troca moeda do
país para onde vendeu por moeda de seu próprio país, de que
carece para seus negócios e suas despesas.
258 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O mercado para onde afluem não só os que querem trocar


moeda nacional por moeda estrangeira, como os que querem
haver moeda nacional em troca de moeda estrangeira, é o mer-
cado de câmbio.
Não são só os importadores de mercadorias que afluem ao
mercado de câmbio em procura de moeda estrangeira. Os que
têm obrigações oriundas de contratos anteriores, de pagamento
de juros ou anuidades em moeda estrangeira; os que desejam
adquirir, não mercadorias, mas títulos estrangeiros; os estran-
geiros residentes no país que necessitam de remeter uma parte de
seus lucros para seu país de origem; os nacionais que querem
viajar ao estrangeiro; os que precisam transferir seus capitais do
país para o exterior, etc., todos êsses afluem ao mercado de câm-
bio para adquirir moeda estrangeira, oferecendo moeda nacional.
Não são só os exportadores, tampouco, que vendem moeda
estrangeira por moeda nacional; aquêles que recebem do exte-
rior moeda estrangeira em pagamento de obrigações contratuais;
os estrangeiros que, como turistas, vêm visitar o país; os imi-
grantes que trazem dinheiro estrangeiro; aquêles que têm capi-
tais no exterior e que desejam transferi-lo para o país, etc., todos
êsses afluem ao mesmo mercado de câmbio para vender moeda
estrangeira em troca de moeda nacional.
Se levarmos ao Passivo tôdas as transações cambiais que
dão lugar à compra de moeda estrangeira em troca de moeda
nacional e ao Ativo tôdas as que importam em venda de moeda
estrangeira por moeda nacional, teremos organizado um balanço
das transações em moeda estrangeira, efetuadas em determinado
período de tempo.
Êste balanço será o Balanço de Pagamentos.
É óbvio o interêsse, para qualquer país, em organizar o seu
balanço de pagamentos. À análise déêsse balanço supre indica-
ções da maior valia para o conhecimento da situação de seu co-
mércio e da sua finança internacionais.
O Fundo Monetário Internacional publica, anualmente, os
Balanços de Pagamentos dos principais países. A Alemanha pro-
cedeu a investigações exaustivas sôbre seu Balanço de Pagamen-
tos. Nos Estados Unidos, o Department of Commerce publica,
desde 1922, estatísticas detalhadas do balanço de pagamentos
BALANÇO DE PAGAMENTOS 259

do país. Vamos transcrever, a título de exemplo, o Balanço de


Pagamentos do Brasil em 1947.”

$ 2.º — Classificação e Terminologia do Balanço


O balanço compreende duas grandes divisões: A) Transa-
ções Correntes, e B) Movimento de Capitais.
As Transações Correntes, que se desdobram em vários
itens, de ambos os lados do balanço (| a 9), correspondem ao
que se chama de Balanço de Pagamentos em Conta-Corrente
ou Balanço de Rendimentos. Êsse balanço tem sido também de-
signado por Balanço de Contas, mas essa denominação é muito
menos apropriada, porque, enquanto a palavra Rendimentos im-
porta, desde logo, a exclusão do movimento de capitais, as
contas, sem qualquer restrição, nada deveriam excluir.
O Balanço de Pagamentos em Conta-Corrente decompõe-
-se, por sua vez, em Balanço de Comércio e Balanço de “Servi-
ços”, Juros e Dividendos. O Balanço de Comércio é constituído
pelas exportações e importações de mercadorias e pelo movi-
mento do ouro para fins industriais e ouro manufaturado (itens
| e 2). O Balanço de “Serviços”, de Juros e Dividendos, que
compreende os demais itens (3 a 9), de ambos os lados do ba-
lanço, engloba os “serviços” de várias naturezas, tais como os
de frete, seguros, viagens, etc. Daí a justificativa de sua antiga
denominação de itens correntes, no sentido de receita e des-
pesa correntes do ano, com exclusão de qualquer movimento de
capitais.
A outra divisão especificada na letra B refere-se ao Ba-
lanço de Capitais, compreendendo ouro e divisas.

91. Sômente em fins de 1946 se cogitou em nosso país de organizar um


Balanço de Pagamentos. A Superintendência da Moeda e do Crédito, insti-
tuída em 1945, delegou poderes ao Banco do Brasil, que, através da Carteira de
Câmbio e da Fiscalização Bancária, iniciou seus trabalhos em princípios de
1947, entrando em contato com o Núcleo de Economia da Fundação Getúlio
Vargas, que já se vinha dedicando a êsses estudos desde outubro de 1946.
Graças aos esforços do Banco do Brasil e da Fundação pôde-se organizar,
pela primeira vez, o Balanço de Pagamentos referente ao exercício de 1947,
que adiante transcrevemos. O modêlo dêsse Balanço foi distribuído pelo Fundo
Monetário Internacional, em janeiro de 1948. É adotado pelos países-membros
que colaboraram na sua elaboração e tem como principal objetivo facilitar o
estudo comparativo dos Balanços de Pagamentos dos diferentes países.
Para detalhes e explicações sôbre a maneira como foi organizado o nosso
Balanço e a interpretação de cada item, vide “Revista Brasileira de Economia”,
dezembro de 1948, “Balanço de Pagamentos do Brasil”, por G. A. PÉGURIER,
págs. 44 a 52; o balanço à pág. 64.
260 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O Balanço de Pagamentos decompõe-se, portanto, em:


1) Balanço de Pagamentos em Conta-Corrente, que se des-
dobra em:
a) Balanço de Comércio (exportações e importações de
mercadorias), e
b) Balanço de “Serviços”, Juros e Dividendos.
2) Balanço de Capitais, incluindo ouro e divisas.
Os “Serviços” da letra b do Balanço de Pagamentos em
Conta-Corrente poder-se-iam classificar na letra a, juntamente
com as mercadorias, já que os serviços de frete e seguro são
parte do valor das mercadorias a que se aplicam.
A classificação do Balanço de Pagamentos em Conta-Cor-
rente passaria então a ser:
a) Balanço de Comércio (mercadorias e serviços), e
b) Balanço de juros, rendas de investimentos e outros itens
correntes.
Os juros e rendas de investimentos nada mais são também
do que o preço de serviços prestados. A que correspondem os
juros de nossos empréstimos externos senão a uma parte do
preço do “serviço” prestado pelas estradas de ferro e de roda-
gem, ou pelos navios comprados ao estrangeiro com pagamento
a longo prazo, ou pelas instalações de produção e distribuição
de energia elétrica, águas, esgotos, viação urbana, iluminação,
telégrafo, telefone, etc., feitos com capital estrangeiro? No
custo real dêsses serviços não podem deixar de ser incluídos os
juros ou dividendos do capital da instalação.
Para uma apreciação exata do Balanço de Comércio, so-
bretudo no caso de um país importador de capitais, como o Bra-
sil, é preciso excluir désse balanço as importações que não exi-
gem remessa de moeda estrangeira para seu pagamento, por
isso que correspondem à entrada de capital estrangeiro, sob
forma de máquinas, equipamento, etc. Se um grupo americano
vem instalar no país uma nova indústria, a entrada de capital
faz-se, em parte, sob a forma de máquinas e equipamento e em
outra parte apenas sob a forma de cambiais em dólares vendi-
das para obter os cruzeiros necessários às despesas locais, de
mão de obra e materiais nacionais. Na estatística alfandegária,
o valor daquelas máquinas e equipamentos deve ser levado à
conta de entrada de capitais, e não de importação.
Sir
S18.50 por 1 dólar
TM
— MOVIMENTO LIQUIDO
. Aumento (+) Diminuição (—)

ativo Passivo Suldo


Dttidd
ligiricdo

TRANS E DE QURO
estabelecimentos
MONETARIU
bancários)
A
“(Qlla 11.6) deccccccccc. + 154 + 87% — 799
).
iiretos nestes ra sua cer arado .. + 961 — 961
eira: titulos ........cccc. coro
2. Niva: ações ...ccccccsssereero . + 29 + 29
s. ntos contratuais Liiiolliciiiooo
qt ter teerenecacsarereams RR + 125 — 85 + 210
o
E (12.1 a 13.8) .ecccccccec. — 113 + 2.182 — 2.295

tênios de pagamentos e de com-


5. + 1.516 — 1.516
ç — 118 + 666 — 79

AIS E DE OURO MONETÁRIO


CICIAIS E DE ESTABELECI-

7.º (13.1 4 13.6) ...ecs.ccs.css.. + sm — 77% + 1.141

timentos diretos e de valores,....


rde carteira ......ccsccccccssea — E) — 8
qualquer natureza e entidades
elecimentos bancários ........... + 185 + 69d — 409
RE RP — bo 519
htos contratuais ............. “a
O eccccccccrcereraserereceneasas + 194 — S45 + 1.039

o (l4.1 a 14.4) ecccsscisceso — 458 + 1.674 — 2.132


<
vênios de pagamentos e de com-
Lecccencerencrrrrorrsaro cc] — 2,957 — 2,957
«da de utilização restrita ...... + 3.662 + 194 + 83.468
moeda livre junto a entidades ofi-
10. “cimentos bancários ........... . — 1.480 — 1.480
»m moeda livre ........... cer — 1.168 — 1.163

eae RU 0
ipitais e ouro monetário (110 15)| — 46 + 8,969 — 4.008
BALANÇO DE PAGAMENTOS 261

$ 3.º — O Equilíbrio do Balanço de Pagamentos

O balanço de mercadorias e serviços importados e expor-


tados durante o ano só excepcionalmente se apresenta em equi-
líbrio. Há sempre um saldo ou um deficit, porque, no regime de
liberdade de comércio, nenhum país é obrigado a regular suas
compras ou vendas de mercadorias e serviços a outros países,
dentro de limites predeterminados.
Se, porém, passarmos a considerar não só as mercadorias
e serviços, mas também os juros e dividendos, isto é, o con-
junto do Balanço de Rendimentos, é provável que a situação
se apresente mais próxima do equilíbrio, porque os países cre-
dores recebem, em boa parte, o produto dos juros e dividendos
“de seus capitais investidos no estrangeiro (Inglaterra, de antes
de 1914) sob a forma de um'excesso de suas importações, e os
“países devedores pagam os juros e dividendos dos capitais es-
trangeiros com um excesso de exportações (Brasil). ,
A existência de saldo ou deficit no Balanço de Rendimen-
tos tem muita importância, pois, da mesma forma que, para o
indivíduo, importa saber se êle pôde, durante o ano, cumprir
tôdas as suas obrigações com o produto de seus recursos anuais
normais, sem ter tido de lançar mão de seus capitais e sem ter
contraído novas dívidas, é também importante, para uma na-
ção, saber se seu Balanço de Rendimentos se equilibrou ou não.
Se o Balanço de Rendimentos se apresenta em equilíbrio, isso
quer dizer que o país -não teve de lançar mão de seus títulos
estrangeiros, de suas divisas, de seu ouro, e que não teve ne-
cessidade de contrair novas dívidas.
Entretanto, no estado de desenvolvimento econômico do
mundo, os movimentos de capitais entre países constituem fato
normal. Éles se originam não só da melhor remuneração que
êsses capitais encontram no país para onde emigram, como do
excesso de capitais nos países ricos e de sua carência nos países
novos.
Se acrescentarmos ao movimento do Balanço de Rendi-
mentos o do Balanço de Capitais, então será forçoso que se
estabeleça o equilíbrio da conta de partidas dobradas, que é o
conjunto de todos êsses balanços, denominado Balanço de Pa-
gamentos, pois que a todo item inscrito no Átivo corresponde,
direta ou indiretamente, mas forçosamente, outro item inserto
262 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

no Passivo. Quando uma nação manda alguma coisa a outra


nação, há de, por fôrça, receber alguma outra coisa em troca,
seja essa outra coisa saldo em dinheiro, títulos, ouro ou qual-
quer outro valor.º?
Se, por exemplo, uma nação, em determinado ano, teve um
grande saldo de exportação, superior ao necessário para satis-
fazer seus juros, dividendos e outras remessas correntes, ela
acumulou um saldo favorável em seu Balanço de Rendimentos.
Êsse saldo poderá ser representado por divisas ou ouro, ou tí-
tulos, ou dinheiro, etc. Mas o valor dêsses haveres aparecerá no
Passivo, sob o título de importação de ouro, ou de compra de
títulos (sejam títulos estrangeiros ou nacionais adquiridos do
estrangeiro), ou ainda sob o título de decréscimo dos saldos de
contas bancárias no país, pertencentes a estrangeiros, ou de au-
mento de saldos de contas bancárias no estrangeiro, pertencen-
tes a nacionais.
E claro que, de uma ou de outra forma, o estrangeiro deve
ter dado alguma coisa em troca do que recebeu.
Podemos. agora expressar tôdas essas trocas em têrmos de
moeda, e o Balanço de Pagamentos se equilibrará nesses têrmos.
Porque êsse balanço é uma conta de partidas dobradas, que sem-
pre balanceia.
Não importa que as moedas (taxas cambiais) tenham va-
riado de valor. Malgrado as variações de valor do cruzeiro, por
exemplo, durante o ano, o nosso Balanço de Pagamentos se
apresentará em equilíbrio, quer em esterlinos, quer em cruzei-
ros. Se tivermos em Londres, em dado momento, um saldo de
£ 1.000.000 proveniente de nossa exportação, e se a libra se
depreciar de 50% e os preços na Inglaterra, expressos em libras
depreciadas, aumentarem proporcionalmente, receberemos uma
menor quantidade de mercadorias inglêsas do que esperávamos,
mas as libras levadas ao Átivo de nosso balanço pela nossa ex-
portação serão sempre compensadas pelas libras (se bem que
depreciadas) com que compraremos mercadorias ou títulos in-
glêses. Colon +
Assim, a regra é que o Balanço de Rendimentos nunca se
equilibra exatamente; há sempre um saldo ou um deficit a ser

92. Salvo “donativos”, cuja contrapartida no balanço é puramente con-


vencional.
BALANÇO DE PAGAMENTOS 263

compensado com o movimento do Balanço de Capitais e Es-


pécies, assim se completando o Balanço de Pagamentos, o qual
se apresenta em equilíbrio.

$ 4.º — A Suposta “Teoria” do Balanço de Pagamentos

A taxa cambial traduz, a qualquer momento, o preço da


moeda estrangeira expresso em moeda nacional. Essa taxa fica,
pois, sujeita ao mecanismo da oferta e da procura, como qual-
quer outro preço. À propensão a comprar ou a vender moeda
estrangeira depende do preço que vigora no mercado cambial,
a cada momento, para essa moeda.
Para aplicar o método usual das curvas de oferta e de pro-
cura, determinantes dos preços de mercadorias, ao caso da moe-
da, basta tomar a moeda estrangeira como se fôsse uma qual-
quer mercadoria para a qual a procura se expressa em têrmos
de moeda nacional. Na figura adiante, os preços de moeda es-
trangeira (isto é, as taxas de câmbio, expressas pelo número de
unidades de moeda nacional a serem pagas por unidade estran-
geira) são medidas no eixo dos Y e as quantidades de moeda
estrangeira comprada ou vendida, no eixo dos X.
A curva da procura DD é inclinada para baixo, da esquerda
para a direita, porque, quanto mais baixo fôr o preço da moeda
estrangeira, maiores serão as quantidades compradas (as mer-
cadorias estrangeiras se tornarão mais baratas e, portanto, uma
quantidade maior será comprada). A curva da oferta SS é in-
clinada para cima, da esquerda para a direita, porque, quanto
mais alto fôr o preço da moeda estrangeira, maiores serão as
quantidades dessa moeda oferecidas à venda.
O ponto de interseção das duas curvas é P. Isto quer dizer
que a êsse preço PQ, a quantidade de moeda estrangeira ofere-
cida é igual à quantidade procurada, e o mercado está em equi-
líbrio.
Suponhamos agora que a procura de moeda estrangeira au-
menta, isto é, que, à procura de moeda estrangeira preexistente,
se junta uma procura adicional por parte de pessoas que têm
de satisfazer pagamentos em moeda estrangeira. À curva da
procura passará de DD a D'D' e o ponto de interseção passará
a P'. A maior procura foi satisfeita, mas a um preço mais alto,
PQ”. Pode também haver uma redução de oferta de moeda
264 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

estrangeira (queda de exportação, por exemplo), o que quer di-


zer que será preciso pagar preços mais altos por essa moeda.
A curva da oferta passará de SS a S'S”; o preço passará de P
a P” e a quantidade comprada a êsse novo preço mais alto,
P“Q”, será naturalmente menor do que ao preço P, anterior.
No regime de padrão-ouro ou do fundo de compensação,
qualquer variação da curva da procura de DD para D'D” é com-
pensada por uma maior oferta de SS para S"S” e o preço P”Q”
se manterá igual a PQ; uma quantidade maior de moeda es-

D s

$sº
ESTRANGEIRA,
MOEDA

' !
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DA

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s-t-==—-
PREÇO

! |
] |
! 4
Fed qo q” QUANTIDADES

trangeira será vendida ao mesmo preço, ao passo que, no caso


de moeda inconversível e ausência de fundo de compensação,
um novo estado de equilíbrio se estabelece a um preço P'Q"
maior do que PQ.
Assim, quando se diz que o Balanço de Pagamentos é des-
favorável, em dado momento, isso quer dizer que, à taxa cam-
bial em vigor (ou à taxa que é considerada como normal), a
procura excede a oferta, porque a curva da procura ou a curva
da oferta, ou ambas, se deslocam. No regime de moeda incon-
versível, uma tendência passiva do Balanço de Pagamentos pro-
duzirá, não uma saída de ouro, como no regime de padrão-ouro,
e sim uma depreciação da taxa cambial.
BALANÇO DE PAGAMENTOS 265

Todavia, essa depreciação não prosseguirá indefinidamen-


te, a não ser no caso de uma inflação continuada, porque a de-
preciação da taxa cambial acarreta uma alteração de preços das
mercadorias e serviços, estimulando a exportação, restringindo
a importação e, por conseguinte, restabelecendo o equilíbrio a
uma nova taxa.
Vê-se assim que as quantidades de moeda estrangeira com-
prada ou vendida (eixo dos X) dependem das taxas cambiais.
Se sobe o preço da moeda estrangeira, reduz-se a procura efe-
tiva dessa moeda (baixa de importação), ao mesmo passo que
aumenta a procura efetiva de moeda nacional (aumento de ex-
portações).
Isso quer dizer que o volume das transações internacionais,
tanto as de importação e exportação como as de aquisição ou
venda de moeda estrangeira para outros fins, cujo conjunto se
traduz na conta chamada Balanço de Pagamentos, está na de-
pendência das taxas cambiais.
Ora, se o Balanço de Pagamentos depende das taxas cam-
biais, não se pode pretender deduzir as taxas cambiais do Ba-
lanço de Pagamentos, como quiseram sustentar alguns eco-
nomistas alemães (Helfferich, Havenstein, etc.). No caso de
qualquer mercadoria, tanto a oferta como a procura dependem
do preço. Em se tratando da taxa cambial (preço da moeda es-
trangeira), mais ainda do que com relação ao preço das merca-
dorias, há uma forte interdependência da oferta e da procura,
através das repercussões monetárias.
O Balanço de Pagamentos é a simples tradução contabi-
lista do que se passou. A suposta teoria do Balanço de Pagamen-
tos é um mito.
“Um dos equívocos mais ingênuos na teoria dos câmbios”,
escreve Machlup, num excelente trabalho,” “é a idéia de que
o Balanço de Pagamentos mostra a procura e o suprimento de
moeda estrangeira e pode explicar as taxas cambiais observa-
das no mercado. Êste êrro pode ser evidenciado recapitulando-
-se uma noção que aprendemos no primeiro ano de estudo de
Economia”.

93. MacHLUP — “The Foreign Exchanges”, em “Readings in The Theory


of International Trade”, pág. 157, 5 34. Este trabalho é especialmente útil para
aplicação à teoria cambial dos curvas usuais da oferta e da procura.
266 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

“Se 125 litros de morangos foram vendidos ao preço de


24 centavos, nós sabemos que 125 litros foram procurados e
125 supridos a 24 centavos, mas isto não nos dá a conhecer
a procura nem o suprimento de morangos. Se no período se-
guinte 125 litros foram vendidos a 22 centavos, nós não sabe-
mos se a procura de morangos decresceu (com um suprimento
perfeitamente elástico) ou se o suprimento cresceu (com uma
procura perfeitamente inelástica), ou se o decréscimo da pro-
cura e o aumento de suprimento colaboraram para êsse resul-
tado. O caso é fundamentalmente o mesmo que o de saber se
foram as quantidades ou os preços, ou ambos, que mudaram.
Qualquer professor de Economia torna-se facilmente impaciente
quando um estudante confunde procura com quantidade pro-
curada e suprimento com quantidade suprida”.
“O Balanço de Pagamentos internacionais nunca pode mos-
trar mais do que um ponto nas curvas da procura e da oferta,
mas mesmo isso não é exato porque as transações realizadas e
traduzidas no Balanço de Pagamentos de um ano podem re-
sultar de várias mutações na situação da procura e da oferta
durante êsse ano.”
Vamos então pesquisar em que bases se pode firmar uma
verdadeira teoria da taxa cambial.
CapfruLO XVIII

TEORIA DA PARIDADE DO PODER DE COMPRA

$1.º — O Princípio

A “teoria da paridade do poder de compra” pode ser assim


enunciada. “O valor da moeda consiste em seu poder de com-
pra. À relação dos valores de duas moedas, que é a taxa cam-
bial, tende, portanto, a estabelecer-se no nível da relação do po-
der de compra de uma e outra em seus respectivos países, isto
é, no nível da paridade do poder de compra.
A paridade é o ponto em tômo do qual, apesar das flutua-
ções temporárias, a taxa de câmbio deverá sempre oscilar.”º*
“Pagando um certo preço pela moeda estrangeira”, es-
creve Cassel, “nós encaramos especialmente essa moeda do pon-
to de vista do poder de compra que ela possui quanto a merca-
dorias e serviços do país estrangeiro. Por outro lado, quando
oferecemos uma quantidade de nossa própria moeda, estamos
oferecendo um poder de compra sôbre as nossas próprias mer-
cadorias e serviços. Por conseguinte, nossa avaliação de uma
moeda estrangeira, expressa em moeda nacional, depende prin-
cipalmente do poder de compra relativo das duas moedas em
seus respectivos países de origem”.
Cada moeda vale pelo que é capaz de comprar em seu país
de origem, e a taxa de câmbio entre as moedas de dois países
tende a se estabelecer na relação dos preços em um e em outro,
isto é, no nível da paridade do poder de compra das duas moedas.
Será apenas necessário introduzir as correções relativas ao
valor dos fretes, direitos aduaneiros e outras despesas em um
ou em outro sentido.”

94. G. Casser — “La Monnaie et le Change aprês 1914”, pág. 158.


95. Esta restrição é evidente. Qualquer disparidade de preços não é su-
ficiente para determinar um acréscimo ou diminuição das compras e vendas
268 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

$ 2.º — Objeções

Vamos começar por uma objeção de ordem geral. Pode-


mos, em síntese simplificada, classificar as mercadorias, sob o
aspecto do comércio internacional, em três classes :**
a) mercadorias aproximadamente homogêneas e que são
objeto usual de comércio internacional — ouro, prata, cobre,
trigo, borracha, café, chá, etc., de determinadas qualidades. Os
preços dessas mercadorias são constantemente telegrafados de
um a outro mercado, e suas diferenças rapidamente, compen-
sadas por operações de arbitragem. Se o preço da prata, por
exemplo, é mais alto em Londres do que em Nova York, compra-
-se em Nova York e vende-se em Londres, de forma a râpida-
mente nivelar os preços; b) produtos acabados ou semi-acaba-
dos, de natureza um tanto especializada, diferindo em qualidade
e em tipo, de uma para outra nação. Essas diferenças destróem
a unidade do mercado. Os aparelhos elétricos americanos, por
exemplo, diferem em tipo e em detalhe dos similares alemães.
O automóvel americano difere, por vários aspectos, do auto-
móvel francês da mesma capacidade. Muitos serviços, como o
de seguros, por exemplo, pertencem a esta categoria, não somen-
te pela diferença de métodos e de leis adotados em uns e ou-
tros países, como pelas correntes de hábitos e de relações que
se estabelecem; c) mercadorias e serviços que, por sua natu-
reza, ficam fora do âmbito do comércio internacional, seja por-
que não são transportáveis, como edifícios, instalações, estradas
de ferro, serviços domésticos, etc., seja porque são peculiares
aos hábitos e usos de cada país, como o feijão, no Brasil, o mate,
na Argentina, seja ainda por serem mercadorias de preço muito
baixo em relação ao pêso ou ao volume, como pedra, tijolo,
lenha, etc. Não há preços internacionais para essas mercadorias.

internacionais. É preciso que a vantagem da diferença de preços seja sufi-


ciente para compensar as despesas de transporte, seguro, direitos aduanei-
ros, etc. É, de certa forma, o que se dá, no regime do padrão-ouro interna-
cional, com os pontos de saída e entrada de ouro. A noção de pontos de saída
e entrada de mercadorias e serviços é a mesma. É necessário que a diferença
de preços das mercadorias entre dois países seja pelo menos um pouco maior
do que o montante das despesas de transporte, direitos, etc. (G. HAHERLER —
“International Trade”, pág. 32, ff).
96. Harrop — “International Economics”, pág. 60.
TEORIA DA PARIDADE DO PODER DE COMPRA 269

Parece, portanto, que a teoria só se aplica a certas classes


de mercadorias. Na verdade, porém, a divisão das mercadorias
nas três classes, que apresentamos, não é rígida; mercadorias
domésticas podem passar a ser exportáveis, e vice-versa. À di-
fusão do nivel de preços faz com que a alta ou baixa dos preços
das mercadorias das 1.2 e 2.2 classes, que figuramos, repercuta
sôbre os preços das da 3.º classe, e vice-versa. Uma alta de pre-
ços do carvão, do óleo, da gasolina, de máguinas, de matérias-
-primas e de produtos de alimentação importados tem forçosa-
mente repercussão sôbre o custo do transporte e da fabricação
de muitos dos produtos que classificamos de domésticos. Inver-
samente, a alta ou baixa de preços das mercadorias domésticas
afetam o custo da vida, o nível dos salários e, por consegiiência,
o custo dos fatôres necessários à produção das mercadorias da
1.2 e da 2.2 classe. A alta de preços dos produtos domésticos
pode até fazer desaparecer do quadro da exportação os produ-
tos marginais, para os quais uma pequena alta de custo de pro-
dução basta para torná-los inexportáveis.
A intensidade com que se processa a difusão do nível de
preços depende do maior ou menor grau de internacionalidade
do comércio do país. Nos países (como a Bélgica, por exemplo)
em que a proporção do volume do comércio internacional para
o do comércio total é elevada, a difusão se processa com maior
intensidade e rapidez do que em países (como os Estados Uni-
dos) em que o comércio internacional representa uma pequena
parte do comércio total. Em qualquer caso, a difusão não é
suficiente para unificar o nível de preços das três classes, e isso
constitui sério obstáculo à comprovação da teoria.

x
% +

Hã, outrossim, sérias objeções a opor à teoria, se ela pre-


tende não sômente exprimir uma tendência geral para a pa-
ridade, mas ainda constituir um instrumento de cálculo capaz
de determinar as taxas cambiais.
Não há dúvida, preliminarmente, de que ela se aplica muito
melhor a um índice de preços de mercadorias de comércio ex-
terior do que a um índice geral de preços, devidamente ponde-
rado, se essa ponderação fôr baseada, como não pode deixar de
270 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

ser, na importância relativa de cada mercadoria em relação ao


comércio total interno e externo, e não a êste último sômente.
Nesse equívoco vários têm incorrido. Keynes atribui em
parte o êrro da Inglaterra, ao estabilizar a libra, em 1925, em
USs 4,86, ao fato de ter ela utilizado um índice de preços em
grosso naturalmente influenciado pelas mercadorias de troca
internacional. O mesmo se deu com a Tcheco-Eslováguia, em
1934. No mesmo equívoco incorre Divisia (“L'Indice Monétaire
et la Monnaie”), adotando o índice de preços das mercadorias
de exportação e importação.
Daí escrever Metzler:” “Se os preços das mercadorias do-
mésticas não podem ser utilizados no cálculo da paridade por
irrelevantes e se os preços das mercadorias internacionais não
podem ser usados porque êles sempre se ajustam ao movimento
das taxas cambiais, parece que a teoria da paridade tem pouca
substância e deve ser substituída por outros métodos de avalia-
ção das taxas cambiais”.
Talvez que o maior defeito teórico do princípio da paridade
seja o de sua ênfase exclusiva nos preços, esquecendo-se dos
rendimentos (income), isto é, da possibilidade da variação do
volume da produção e do emprêgo, em um ou em outro país,
sem alteração de preços. Se, no período considerado, a expan-
são da atividade econômica em um dos países fôr sensivelmente
maior do que em outro, em relação ao ano de base, o incremento
de importações no primeiro e de exportações no segundo pode
afetar a taxa cambial entre as duas moedas sem afetar o nível
de preços no país, cujo volume de produção e de emprêgo
cresceu.
A teoria da paridade do poder de compra só se baseia nos
preços, desprezando os outros elementos que afetam o volume
da procura; trata a procura simplesmente como função do preço,
deixando de lado as oscilações do volume da renda e da despesa
que ocorrem nos movimentos cíclicos, às quais correspondem
importantes variações no volume e no valor do comércio exte-
rior, mesmo se os preços ou as relações entre os preços se con-
servam as mesmas. Por exemplo, a forte recuperação da pro-
cura que ocorreu nos Estados Unidos no 2.º semestre de 1938

97. “Exchange Rates and the International Monetary Fund”, em “Post-


war Studies n.º 7”, do “Federal Reserve Board”, pág. 21.
TEORIA DA PARIDADE DO PODER DE COMPRA at

e se refletiu em uma expansão da atividade industrial de 35%


e num aumento do valor das importações de 16%, foi acom-
panhada de uma tendência de baixa do nível geral dos preços.”
Outros fatôres que também influem sôbre a procura recí-
proca dos produtos de um e de outro país e, portanto, sôbre
sua relação de trocas (terms of trade),”º têm igualmente o efeito
de infirmar o cálculo da taxa cambial baseado na simples pa-
ridade dos preços.”
Em compensação, a hipótese em que a teoria se aplica me-
lhor é a de uma inflação generalizada a todos os países, como era
aproximadamente o caso na década dos 1920, quando a teoria
casseliana foi formulada. Nesse caso, as taxas cambiais tendem
a variar em proporção inversa ao grau de inflação em cada um.
Outro importante vício teórico do princípio da paridade está
em não considerar as elasticidades da procura e do suprimento
nos dois países, em relação aos preços dos principais produtos
de comércio exterior. Se a elasticidade da procura dos produtos
de exportação brasileira para os Estados Unidos fôr igual à uni-
dade, podem os preços dêsses produtos (e, por difusão, os de-
mais preços) baixar considerâvelmente no Brasil (com baixa
de salários, etc.) sem que o balanço de pagamentos ou a taxa
cambial sejam afetados. Igualmente, se o suprimento dêsses pro-
dutos se reduzir (caso de safras precárias), mas a procura no

98. “League of Nations — International Currency Experience”, pág. 127.


99. A noção de relação de trocas, tradução que adotamos para a expres-
são inglêsa terms of trade, é de capital importância no estudo das vantagens
ou desvantagens relativas das trocas internacionais de mercadorias, realizadas
por uma nação. A “relação de trocas” é o cociente do índice de preços das
mercadorias que se importam pelo das mercadorias que se exportam. Tomando
como igual a 100 êsse cociente no ano de base, se o índice dos preços de im-
portação em outro ano subiu a 120 e o de exportação baixou a 80, a relação
de trocas do país terá piorado de 100 para 150, o que quer dizer que o país
em questão terá que dar uma quantidade 50% maior de suas mercadorias de
exportação para obter em troca a mesma quantidade de mercadorias de im-
portação. Há ainda a considerar a relação factorial de trocas, que não se
refere aos preços dos produtos e sim às remunerações dos fatôres de produção
em um e outro país, isto é, ao valor relativo das rendas monetárias (em uma
mesma unidade) dos fatôres em um e outro país.
Para desenvolvimento, vide VINER — Ob. cit., pág. 649, e três artigos
por ROBERTSON, STAEHLE e C. CLARK, em “The Problem of Long Term Interna-
tional Balance — International Economic Association”, 1950.
100. BRESCIANI-TURRONI (em “Economics of Inflation”, págs. 107-112),
tomando para o cálculo da paridade os índices de preços dos produtos de ex-
portação dos dois países (indevidamente), conclui que a condição de equilíbrio
não é “taxa de câmbio igual à paridade dos poderes de compra” e sim “taxa
de câmbio igual à paridade dos poderes de compra multiplicada pela relação
de trocus”, tomando os três elementos em forma de índices.
272 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

exterior fôr inelástica, os preços subirão (em dólares e cruzei-


ros) e o produto dos preços pelas quantidades pode ficar inal-
terado, não sendo as taxas cambiais afetadas.
A teoria não se ocupa, tampouco, do movimento de capi-
tais, que influem sôbre a taxa cambial, sem ser função dos res-
pectivos níveis de preços e sim, em princípio, da taxa de remu-
neração e do grau de confiança.
Na eventualidade de uma migração de capitais de investi-
mento de um para outro país, pode-se dizer que, tendendo a fazer
subir os preços no país para onde emigram, estimulam um movi-
mento compensatório de importações. Mas, se se tratar de capitais
que não afetam os rendimentos nem os preços no país para onde
se transferem, como é o caso do hot money ou da fuga da moe-
da (capitais desequilibradores),"” então o câmbio é afetado sem
que os preços o sejam.
Alterações fundamentais nos rendimentos de um país, pro-
venientes do exterior, podem influir apreciâvelmente na relação
preexistente entre taxas cambiais e níveis de preços. À Ingla-
terra, após a última guerra, por exemplo, perdeu uma boa parte
de seus rendimentos oriundos de investimentos no exterior, de
fretes marítimos e de seguros. A necessidade de equilibrar seu
balanço de pagamentos, aumentando suas exportações e redu-
zindo suas importações, obriga-a a baixar seu nível de preços
em relação ao dos Estados Unidos. De quanto, depende das
elasticidades da procura.”
Não se conclua, entretanto, pela inutilidade do conceito de
paridade do poder de compra.
Haberler diz muito bem:'* “A paridade do poder de com-
pra só supre, em geral, uma aproximação grosseira. Mas é o
único método que dá resultados concretos. Se elementos outros
que não as variações dos preços relativos passam a ser conside-
rados, é quase impossível chegar a uma fórmula definida”.
Viner'* se expressa no mesmo sentido e nos seguintes
têrmos: “Não há dúvida de que o poder de compra comparado
de duas moedas inconversíveis, em têrmos de tôdas as coisas
que são compráveis nos respectivos países, é, nos casos gerais,

101. “International Currency Experience”, cit. pág. 101.


102. G. HaBerRLER — “Choice of Exchange Rates after the War”, em
“American Economic Review”, junho de 1945, pág. 312.
103. Artigo supracitado da “American Economic Review”, pág. 311.
104. Ob. cit, pág. 384.
TEORIA DA PARIDADE DO PODER DE COMPRA 2.3

o fator singular mais importante na determinação da taxa de


câmbio e deve, geralmente, impedir que as divergências entre
a taxa real e a que resultaria da paridade dos poderes de compra
atinja 50% ou 200%”.
Viner tem razão. Porque, se os desvios forem excessivos,
o comércio exterior não mais poderá funcionar. Se os preços
internos se elevam apreciâvelmente, por fôrça de inflação, e se
se mantém a taxa de câmbio inalterada, chega o momento em
que as exportações não mais se podem realizar (em virtude de
preços insuficientes em moeda nacional) e as indústrias nacio-
nais não mais podem viver (em concorrência com o estran-
geiro). A atual experiência brasileira demonstrou isso exube-
rantemente (malgrado a exceção do café, que, por motivos de
escassez, atingiu cotações sem precedentes).

8 3.º — Paridade dos Salários de Eficiência

“Tem-se procurado substituir a paridade dos preços pela pa-


Tidade dos custos. Isso teria a vantagem de eliminar, em boa par-
te, a séria dificuldade com que se depara a teoria da paridade na
escolha do índice apropriado.
Surge, porém, desde logo o obstáculo da informação esta-
tística quase inexistente sôbre os custos. Ao demais, qual seria
o critério a adotar, já que êles variam de uma emprêsa para
outra e dentro de uma mesma emprêsa, conforme o volume da
produção?
Evolui-se então, naturalmente, dos índices de custo para
os índices de salários. Mas os salários, para serem indicativos da
parcela do custo a que correspondem, hão de ser relacionados
à produtividade, a fim de expressar o custo em salários da uni-
dade produzida.
Em seu trabalho “The Value of the Pound”, Colin Clark!”
adota êsse critério. Tomam-se os índices de salários nos dois paí-
ses em relação a um ano de base bem escolhido e os respectivos
índices de produtividade, isto é, da produção por hora de tra-
balho (cociente do produto nacional pelo número total de ho-
ras de trabalho). O cociente do primeiro pelo segundo nos dá,

105. “Economic Journal”, junho de 1949.


274 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

para cada país, o índice dos “salários de eficiência” (Keynes).


A relação entre êsses índices nos dois países substitui a relação
entre os índices de preços na fórmula original da teoria da pa-
ridade.
A publicação “International Financial Statistics”, do Fun-
do Monetário Internacional, registra mensalmente, para grande
número de países, os índices dos salários e os índices da produ-
ção. Supondo constante, para curtos períodos, o número de ho-
ras de trabalho em cada país, a relação entre aquêles dois ín-
dices dá uma aproximação dos índices dos salários de eficiência
em cada país, e a relação entre êsses índices pode-se aplicar
à teoria da paridade em lugar da relação entre os índices dos
níveis gerais de preços, com melhores resultados.
CAPÍTULO XIX

OUTROS ASPECTOS DA TEORIA DOS CÂMBIOS

$ 1.º — À Teoria das Elasticidades

Uma vez que o balanço de pagamentos ou a paridade dos


poderes de compra não suprem uma teoria satisfatória do câm-
bio, tem se procurado encontrar a solução por outros caminhos,
especialmente pela consideração dos efeitos sôbre o balanço de
pagamentos, das elasticidades da procura e do suprimento, em
relação aos preços, no estrangeiro e no próprio país, para mer-
cadorias de exportação e importação.
O estudo clássico a êsse respeito é o de Mrs. J. Robinson,
“The Foreign Exchanges”'*: “O estudo das elasticidades da
procura e do suprimento é o cerne da teoria dos câmbios inter-
nacionais”, escreve F. Machlup em seu já citado trabalho “The
Theory of Foreign Exchanges”.!”
Suponhamos que, numa situação de estabilidade cambial
em determinado país, se desenvolve uma procura extraordiná-
ria de moeda estrangeira, seja para concessão de empréstimos a
outros países ou para pagamento de dívidas unilaterais, etc.
A taxa cambial tende a cair, já que a procura da moeda estran-
geira excede a oferta. Qual será o efeito dessa queda da taxa
cambial sôbre o balanço de pagamentos do país?
Dependerá das quatro elasticidades: a) elasticidade da pro-
cura estrangeira dos produtos de exportação do país; b) elasti-
cidade do suprimento dêsses produtos dentro do país (a qual

106. No livro “Essays in the Theory of Employment”, 2.2 edição, 1947,


reproduzido em “Readings in the Theory of International Trade”.
107. Os que não conhecem a noção de elasticidade da procura e do supri-
mento podem recorrer a K. BouLDING — “Economic Analysis”, 2.2 edição,
págs. 197-141, ou “Elasticidade da Procura Norte-Americana de Café”, por
HéLIO SOHLITTER DA SILVA, em “Revista Brasileira de Economia”, junho de 1949,
págs. 84 a 87.
276 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

depende também da elasticidade da procura no país dos produ-


tos de sua exportação); c) elasticidade da procura no país dos
produtos de importação (a qual depende também da elastici-
dade doméstica de suprimento dos produtos similares aos es-
trangeiros); d) elasticidade de suprimento no estrangeiro dos
produtos de importação do país.
Examinemos primeiro o lado da exportação diante da de-
preciação cambial:
Se fôr baixa a elasticidade da procura estrangeira para os
produtos de exportação do país, haverá um aumento nas quan-
tidades vendidas em proporção menor do que a da queda dos
preços em moeda estrangeira. No caso limite, se a procura fôr
inteiramente inelástica, não haverá incremento do volume das
exportações, verificando-se um prejuízo líquido para o balanço
de pagamentos.
Se a elasticidade da procura estrangeira fôr igual à unidade,
isto é, se a despesa em moeda estrangeira fôr constante, qual-
quer baixa de preço será compensada pelo aumento da quanti-
dade.
De outro lado, se fôr inelástico o suprimento, no país, de
seus produtos de exportação, o volume dessa exportação não
poderá aumentar bastante, para compensar pela quantidade a
queda de preços no exterior, mas em compensação essa queda
só se dará em proporção menor do que a da depreciação cam-
bial. No caso limite, de completa inelasticidade do suprimento,
o preço em moeda estrangeira poderá ficar inalterado, malgra-
do a depreciação cambial.
Se, ao contrário, o suprimento fôr perfeitamente elástico,
o preço no país ficará inalterado, quer dizer, baixará em moeda
estrangeira proporcionalmente à depreciação cambial, sendo o
efeito sôbre o balanço de pagamentos dependente da elasticidade
da procura estrangeira. Se a elasticidade doméstica de supri-
mento fôr maior do que zero e menor do que o infinito, o preço
para o estrangeiro cairá menos do que em proporção à de-
preciação cambial, e o valor das exportações aumentará ou di-
minuirá conforme a elasticidade da procura estrangeira.
Passemos ao lado das importações:
À não ser que as importações sejam inteiramente inelásti-
cas, o seu valor em moeda estrangeira há de diminuir; dimi-
nuirá tanto mais quanto maior fôr sua elasticidade da procura.
OUTROS ASPECTOS DA TEORIA DOS CÂMBIOS 2

Se o volume dns importações do pufs não (ôr importante


em relação no comércio internacional de cada produto, então a
elasticidade de suprimento dos países forncecdores das importa-
çocs poderá ser considerada infinita. Nesse caso, os preços dos
artigos importados aumentarão, em mocda nacional, proporcio-
nalmente à depreciação cambial.
Combinando agora os dois lados c raciocinando, para maior
facilidade, em têrmos de moeda nacional:
Enquanto a procura doméstica para as importações tiver
uma elasticidade superior a 1, uma depreciação cambial há de
melhorar o balanço de pagamentos, porque o valor das impor-
tações cai (em moeda nacional) e o das exportações fica, na
pior das hipóteses, inalterado. Se essa procura doméstica para
as importações tiver elasticidade inferior a |, mas houver um
aumento compensador no valor das exportações, o balanço de
pagamentos ainda melhorará. Mas, se a elasticidade da procura
estrangeira para as exportações do país não fôr suficiente para
compensar a baixa elasticidade da procura doméstica das im-
portações, então uma depreciação cambial piorará o balanço de
pagamentos.
Assim, também, se a elasticidade da procura estrangeira
para as exportações do país fôr maior do que a unidade, a de-
preciação cambial há de melhorar o balanço de pagamentos, por-
que o valor das exportações (em moeda nacional) cresce mais
do que proporcionalmente à depreciação cambial, enquanto, na
pior hipótese, quando a procura doméstica das importações fôr
inteiramente inelástica, o valor das importações só aumentará
em proporção à depreciação cambial. Se a elasticidade da pro-
cura estrangeira fôr inferior à unidade, ainda assim o balanço
de pagamentos poderá melhorar se a elasticidade da procura
doméstica para as importações fôr bastante elevada para com-
pensar a baixa elasticidade da procura estrangeira pata as ex-
portações.
Vemos assim que o balanço de pagamentos pode melhorar
com uma depreciação cambial, mesmo que as elasticidades da
procura no estrangeiro e no país sejam inferiores à unidade.
Supondo o balanço de pagamentos equilibrado de início e infi-
nitas as elasticidades de suprimento no país e no estrangeiro,
então o balanço de pagamentos melhorará ou piorará conforme
a soma das elasticidades da procura no país e no estrangeiro
278 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

fôr maior ou menor do que a unidade, isto é, conforme a defi-


ciência de uma delas abaixo da unidade fôr mais ou menos do
que compensada pelo excesso acima de zero da outra."
O caso de a soma das duas elasticidades ser inferior à uni-
dade é denominado por A. P. Lerner de “perverso”,'º pela na-
tureza de seu efeito sôbre o balanço de pagamentos.
%
x a

Aos princípios fundamentais assim estabelecidos, seria pre-


ciso acrescentar, na prática, algumas outras considerações. A va-
riação da tarifa aduaneira, do frete, do custo da distribuição no
estrangeiro, etc. afeta, é claro, a elasticidade da procura de pro-
dutos de exportação do país. Uma tarifa ou um custo de dis-
tribuição, ou despesas de embalagem ou de frete muito elevados,
representando às vêzes uma parcela dominante do custo final,
tornam, pela sua inércia, quase inoperante a elasticidade da pro-
cura em relação a uma baixa de preço do produto prôpriamente
dito. Haveria além disso a considerar a elasticidade de supri-
mento dos países concorrentes, no caso de baixa nos mercados
estrangeiros do preço de um produto de exportação do país, em
conseguência de uma desvalorização cambial.
Na prática, ao decidir sôbre a conveniência ou não de uma
desvalorização cambial como meio de melhorar a situação do ba-
lanço de pagamentos, é da maior importância conhecer os va-
lores dos coeficientes de elasticidade da procura e do suprimento,
se maiores ou menores do que a unidade e em que proporção.
Essa é uma séria dificuldade, porque a discussão, tanto
apriorística como prática do assunto, ainda deixa largas dúvidas
sôbre a grandeza dêsses coeficientes.
Mas aí a matéria já exorbita da teoria dos câmbios prôpria-
mente dita para a teoria geral do comércio internacional, que
não faz parte do programa dêste livro sôbre moeda.”

108. J. ROBINSON, cit., 2.7 edição, pág. 142. As fórmulas algébricas que
confirmam essas proposições são simples e se encontram nessa mesma página.
109. A. P. LERNER — “Economics of Control”, pág. 378.
110. Sôbre tão palpitante assunto e sua bibliografia, vide “Revista Bra-
sileira de Economia”, dezembro de 1949, “A Taxa de Equilíbrio do Cru-
zeiro”, de E. GuDIN e J. KINGSTON, págs. 13 e 14, e, sobretudo, J. VINER,
na mesma revista, junho de 1951, págs. 42 a 45.
OUTROS ASPECTOS DA TEORIA DOS CÂMBIOS 279

Importa finalmente repetir que só analisamos o caso da ex-


portação e importação de mercadorias, enquanto que o balanço
de pagamentos inclui também os serviços, os juros, as remessas
de imigrantes, os dividendos, etc.
%*
* +

A teoria que acabamos de expor e a que denominamos, por


conveniência didática, de teoria das elasticidades, não pretende
ser uma “teoria geral” dos câmbios, como a da paridade dos po-
deres de compra. Ela constitui ou pretende constituir, contudo,
o melhor guia de política monetária quanto aos efeitos de uma
valorização ou desvalorização cambial sôbre o balanço de pa-
gamentos.
Mesmo sob êsse aspecto, entretanto, ela é passível de uma
importante objeção. É a que diz com a simples consideração das
elasticidades da procura e do suprimento em relação aos preços,
com omissão quase completa das elasticidades, tanto e às vêzes
mais importantes, em relação à renda. A variação da procura
em relação à variação da renda nos países compradores é, não
raro, mais importante do que em relação aos preços. É é curioso
que a principal autora da teoria seja, como é Mrs. Robinson,
uma keynesiana radical, cuja doutrina tem como um dos marcos
principais a ênfase sôbre a renda e o desprestígio dos preços.“
Apesar do excesso a que os keynesianos levaram êsse princípio,
é incontestável que uma das maiores contribuições dos keyne-
sianos à teoria econômica moderna é a da ênfase sôbre os efeitos-
-renda.
Mas a indispensável consideração das elasticidades da pro-
cura e do suprimento em relação à renda vem, naturalmente,
complicar a análise estatística do problema, pela dificuldade de
separar os efeitos-renda dos efeitos-preço. Contudo, é indispen-
sável considerar também o efeito-renda, isto é, as elasticidades
da procura, face às variações da renda.

82º — A Taxa de Equilíbrio

A taxa cambial de equilíbrio pode ser definida como a taxa


capaz de manter em equilíbrio o balanço de pagamentos, du-
111. VInNER, revista citada, pág. 49,
280 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

rante certo período de tempo; alternativamente, como a taxa


capaz de manter prâticamente constante, durante certo período,
as reservas de meios de pagamento internacionais do país.
O período de tempo deve ser pelo menos de um ano a fim
de abranger as variações estacionais, mas deve, normalmente,
estender-se por vários anos, salvo a superveniência de impor-
tantes alterações nos principais elementos do balanço de pa-
gamentos.
O balanço de pagamentos correspondente a essa definição
deve incluir não sômente tôdas as transações em conta-corrente
(mercadorias e serviços), mas também quaisquer movimentos
normais de capital relativos a investimentos internacionais.!?
Não abrange, é claro, os itens de compensação, com os quais
o balanço sempre se equilibra. Um país que tem deficit em
seu balanço de pagamentos pode cobrilo com exportações de
ouro, redução de divisas ou empréstimos de capitais estrangei-
ros a curto, médio ou longo prazo. Éstes itens de compensação
(que não compreendem, evidentemente, o fluxo normal de ca-
pitais estrangeiros para investimento) não devem ser conside-
rados no balanço cuja taxa de equilíbrio estamos procurando de-
finir. Seria preciso excluir também os “capitais em fuga” (flight
capital) e os fundos a curto prazo (hot money) atraídos por
taxa de desconto favorável.
Importa considerar, outrossim, que o equilíbrio do balanço
de pagamentos pode ser obtido por meio de restrições artificiais
à importação (ou subvenções à exportação). Como bem observa
Ragnar Nurkse,"? uma combinação de tarifas aduaneiras ad va-
lorem uniformes e de subvenções ad valorem uniformes à
exportação equivale exatamente a uma desvalorização cambial
da unidade monetária. Essas restrições artificiais à importação e
à exportação, tomem elas a forma de cotas, de licenças, de proi-
bições, de contrôle cambial ou mesmo de aumento de tarifas
aduaneiras ou subsídios à exportação, são ôbviamente excluídas
na determinação da nossa taxa de equilíbrio,
À taxa de equilíbrio tem de ser considerada supondo-se
aproximadamente constante o regime de barreiras ao comércio
internacional em relação ao período de base.

112. “League of Nations — International Currency Experience”, pág. 124.


113. R. Nurkse — “Conditions of International Monetary Equilibrium” ,
em “Essays in International Finance”, Princeton, 1945, ou em “Readings in
the Theory of International Trade”,
OUTROS ASPECTOS DA TEORIA DOS CÂMBIOS 281

Não se pode tampouco considerar como de equilíbrio uma


taxa que só se mantém à custa de depressão e desemprêgo
domésticos (como na Inglaterra, de 1925-1930). É perfeitamente
possível que um país mantenha seu balanço de pagamentos em
equilíbrio diminuindo a procura de importações por meio de
uma deflação de rendimentos com redução geral da procura den-
tro do país, caso em que, se preços e salários forem rígidos, ha-
verá desemprêgo. A nossa taxa de equilíbrio exclui essa hipó-
tese.
Pela mesma razão fica excluída a hipótese da inflação du-
radoura, sob cujo regime não há equilíbrio possível.
Isto não constitui, porém, uma “teoria” do balanço de pa-
gamentos. Ás indicações relativas aos vários itens do balanço de
pagamentos não podem ser sintetizadas em uma teoria nem
formuladas em um teorema. À proposição de que a taxa de
câmbio deve ser a que estabelece o equilíbrio do balanço de
pagamentos não constitui teoria, como vimos no capítulo pré-
-anterior, in fine. Indica apenas que devemos procurar a origem
do desequilíbrio nos elementos do balanço; na importação, na
exportação, na relação de trocas, na elasticidade da procura, na
corrente de capitais, etc.
Foi o que procuramos fazer no já citado trabalho sôbre a
Taxa do Cruzeiro, seguindo a orientação adotada por Colin
Clark em seu também já citado trabalho sôbre o valor da libra.

8 3.º — O Contrôle dos Câmbios


As oscilações temporárias do mercado em um ou outro
sentido podem ser contrabalançadas, no regime do padrão-ouro,
por exportações ou importações dêsse metal e, em qualquer re-
gime, pelas reservas do fundo de compensação do balanço de
pagamentos, em ouro ou divisas.
Há, entretanto, outro meio de se contrapor a Autoridade
Monetária a essas oscilações: é o de decretar o contrôle dos
câmbios, impedindo a manifestação efetiva do livre jôgo daque-
las fôrças.
Seja por motivo de guerra, que acarreta fortes excessos de
importação dos beligerantes e de exportação dos neutros, seja
por motivos de ordem política ou social, que dêem lugar a uma
evasão de capitais, seja por motivo de uma súbita e violenta
queda da oferta de moeda estrangeira, causada pela conjunção
282 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de uma grande baixa de preços dos produtos de exportação e


de uma cessação de entrada normal de capitais (caso de uma
depressão), seja porque a defesa da taxa cambial exija medidas
deflacionistas perturbadoras do equilíbrio da economia domeés-
tica e causadoras de desemprêgo, seja ainda porque a Autori-
dade Monetária não tenha, em tempo útil, tomado as necessá-
rias providências de defesa, e assim perdido o contrôle da situa-
ção pelos meios normais, por qualquer dessas razões, pode a Au-
toridade Monetária ser levada a decretar o contrôle do mercado
de câmbio, para obstar violentos desvios da taxa cambial que
aquela Autoridade considera como uma taxa de equilíbrio em
condições normais.
Mas não é só nessas situações de emergência e de exceção
que se tem recorrido ao contrôle cambial. Uma vez estabelecido
êsse contrôle, em qualquer dêsses casos, os governos de tendência
socialista e planificadora, como os dos países politicamente atra-
sados, se comprazem em guardar sob seu alcance mais essa po-
derosa alavanca de contrôle da economia ou de predomínio po-
lítico.
Acresce que, segundo uma teoria keynesiana (se bem que
não do próprio Keynes), “o reajustamento do balanço de paga-
mentos de um país por meio dos movimentos da renda não é
completo, exceto condições especiais... Ao contrário da teoria
clássica, a nova teoria... é capaz de explicar uma parte apenas
do reajustamento, constituindo assim uma teoria de desequili-
brio ao mesmo tempo que de equilíbrio”.'*
É que a teoria confia a tarefa de reeguilíbrio do balanço de
pagamentos aos movimentos da renda (em vez dos preços), mas
considera baixas as elasticidades da procura em relação à renda.
E, como também considera baixas as elasticidades-preço, trata de
evitar desvalorizações cambiais que poderiam ter efeitos “per-
versos”, isto é, piorar em vez de melhorar, o balanço de paga-
mentos.
Nessas condições, o contrôle cambial é naturalmente con-
vocado para completar a operação, mesmo que não se o con-
sidere como permanentemente necessário.
Na realidade, porém, as elasticidades não são tão baixas
como supõem êsses autores (vide nota de chamada do parágrafo

114. L. METZLER, artigo citado.


OUTROS ASPECTOS DA TEORIA DOS CÂMBIOS 283

anterior), e as dificuldades de reequilíbrio do balanço de paga-


mentos se originam menos da baixa elasticidade da procura do
que das deficiências da política monetária e fiscal, quando não
da própria inflação. E o caso mais fregiiente tem sido o dos con-
trôles de câmbio conjugados com inflação.
Por meio de restrições quantitativas, isto é, de racionamen-
to das divisas estrangeiras, baseado nesse ou naguele critério de
prioridade, pode a Autoridade manter artificialmente a taxa de
câmbio a um nível que não poderia ser mantido num mercado
livre.
Uma vez declarada a necessidade de contrôle do câmbio.
a fiscalização tem de ser total (e não para capitais sômente, por
exemplo), porque a evasão, proibida para uma determinada es-
pécie de remessas, se faria sob outro título, como o de preços
aumentados nas faturas de exportação, supostas remessas de
juros, etc. O desnível da taxa cambial tem seus limites impostos
pelas necessidades do comércio exterior. Se (como vimos no
capítulo anterior) a taxa cambial, artificialmente mantida, se
desviar por demais da taxa correspondente à paridade do poder
de compra, as exportações não poderão mais ter lugar (salvo se
forem subvencionadas), porque a importância em moeda na-
cional produzida pela venda de letras de exportação passará a
ser insuficiente para cobrir os custos de produção no país; ao
mesmo tempo que as importações de mercadorias estrangeiras,
favorecidas por uma taxa cambial artificial, passarão a fazer uma
concorrência irresistível à produção similar nacional.
Dentro dêsses limites, porém, pode a Autoridade Monetá-
ria, mediante restrições e prioridades, manter artificialmente uma
taxa cambial superior à que resultaria do livre curso do mer-
cado.
Do contrôle de câmbio e racionamento da moeda estrangei-
ra, passa-se facilmente não só à etapa dos acôrdos bilaterais de
trocas entre nações, como ao bloqueio de saldos pertencentes a
residentes no estrangeiro. Se a nação À compra mais do que ven-
de à nação B, pode essa nação B passar a comprar na nação À
mercadorias que antes comprava com mais vantagem a outras
nações, para conseguir receber pagamento do saldo de suas ex-
portações para À. Os balanços de pagamentos passam a ter de
se equilibrar entre cada duas nações. Desaparecem assim as van-
tagens do comércio multilateral, e o comércio internacional res-
284 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tringe-se ao nível do volume de trocas que podem ser efetuadas


na base de clearings bilaterais.
Fazendo variar as taxas de câmbio com a moeda de cada
uma das outras nações separadamente e concluindo com cada
uma delas acôrdos bilaterais, pode-se chegar às mais engenhosas
combinações, como mostrou o Dr. Schacht nos acôrdos bilate-
rais ao tempo da Alemanha hitleriana, especialmente com as
nações balcânicas. Êle criou tantas variedades de marcos de com-
pensação quantas lhe convinha para cada caso particular, sem-
pre com o fim de receber a Alemanha das outras nações as
mercadorias ou matérias-primas de que precisava, dando-lhes
em troca “saldos em marcos de compensação”, com que essas
outras nações acabavam comprando toneladas de aspirina ou de
canhões obsoletos, em falta de melhor.
As prioridades que se têm de estabelecer para a compra de
moeda estrangeira, em regime de contrôle, conduzem fâcilmente
ao estabelecimento da “licença prévia”, que não só decide das
importações que devem ser permitidas ou proibidas, como da
distribuição das quantidades entre os importadores. Compreen-
de-se fâcilmente o vasto campo para as manobras de corrupção
que daí podem resultar.
Fôrça é convir, entretanto, que, em um mundo repetida-
mente abalado por guerras mundiais, pelo cortejo de desequili-
brios que elas deixam por muitos anos e por uma “grande de-
pressão” como a de 1930-1938, o contrôle cambial constituiu por
vêzes uma medida necessária.
CAPÍTULO XX

O BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL

O balanço de pagamentos do Brasil reflete a sua estrutura


econômica e a natureza de seu comércio exterior, cuja expor-
tação se compõe exclusivamente de produtos alimentícios e ma-
térias-primas.
Como melhor teremos ocasião de ver em outros capítulos,
os preços dêstes produtos são sujeitos a oscilações cíclicas muito
mais fortes do que as dos produtos industriais;"º sobem mais
nas fases de prosperidade e caem mais nas fases de depressão, do
que os preços dos produtos manufaturados, contra os quais êles
se trocam no comércio exterior.
Como “economia reflexa” que somos, sofremos o impacto
das variações da renda nas “economias líderes”, diante de um
suprimento geralmente inelástico, como é o dos produtos pri-
mários. Isto se agrava pela falta de diversibilidade dos produtos
de exportação, repercutindo intensamente qualquer forte varia-
ção no preço de um dêsses poucos produtos sôbre o balanço de
pagamentos do país.
Daí a característica de instabilidade do balanço de paga-
mentos, a qual se transmite ao resto da economia nacional, pela
ascendência que sôbre ela tem o comércio exterior. .
A amplitude dessas oscilações cíclicas ainda se agrava por
três circunstâncias características:
A primeira é que os movimentos de capitais estrangeiros
têm uma influência “perversa” (no sentido do $ 1.º do capí-
tulo anterior) sôbre o balanço de pagamentos. Êsses capitais
tendem a afluir para o país nas fases de prosperidade e a ces-

115. Vide HÉLIO SCHLITTER DA SILVA — “A Elasticidade da Procura Norte-


“Americana de Café”, em “Revista Brasileira de Economia” cit., págs. 87 e 88.
286 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

sar êsse fluxo (quando não refluir) nas fases de depressão, como.
veremos no $ 5.º do capítulo IV do 2.º volume.
A segunda é a da procura forçada e inelástica da moeda es-
trangeira de que precisamos para pagamentos de juros, amor-
tizações e obrigações de empréstimos feitos nessa moeda para
construção de estradas de ferro, portos, rêdes hidrelétricas, ser-
viços de água, esgôto, iluminação, etc. Normalmente, em um
país novo, como o Brasil, essa procura forçada deve ser com-
pensada pelo afluxo de capital estrangeiro, destinado a novos
empreendimentos. Em condições normais, o Brasil deve ser um
país importador de capitais, isto é, um país em que a corrente
de entrada de capitais excede a de remessas para amortização e
juros de capital estrangeiro já investido. A cessação da entrada
de novos capitais estrangeiros, concomitantemente com a baixa
dos preços dos produtos de exportação, repercute fortemente sô-
bre o balanço de pagamentos.
O ônus real da remessa para o estrangeiro, dos rendimentos
produzidos no país, correspondentes àqueles juros e amortiza-
ções, depende da proporção entre o montante dêsses rendimen-
tos e sua renda nacional. Se foi proveitosa a aplicação dos capi-
tais estrangeiros anteriormente importados, quer sob a forma
de investimento direto por emprêsas estrangeiras, quer sob a de
empréstimos a governos e particulares, então o aumento da ren-
da nacional proveniente dêsses capitais mais do que compensa
em geral o ônus da remessa dos dividendos e juros.
A má aplicação do capital estrangeiro pode não provir de
empréstimos de Estado, e sim de capital particular que, ampa-
rado por um protecionismo exagerado, funda indústrias que, a
um tempo, encarecem a vida no país, dificultando as exporta-
ções, e provocam fortes remessas para o estrangeiro, não só para
pagamento das matérias-primas, combustíveis e maquinismos
importados, como para lucros. Pode até acontecer que o total
dessas remessas seja superior às que se fariam necessárias se o
produto acabado fôsse diretamente importado. A matéria-prima
é estrangeira, o combustível e as máquinas são estrangeiros, os
proprietários também o são, de sorte que a procura de moeda
estrangeira em nada fica aliviada com a criação dessa indústria
nacional.
Pode também acontecer que a aplicação do capital tomado
no estrangeiro pelo Estado só aparentemente seja reprodutivo.
O BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL 287

É o caso, por exemplo, de estradas de ferro construídas com cri-


tério regional, político ou estratégico, em que as zonas servidas
não têm capacidade de produção suficiente para manter econômi-
camente o seu tráfego. O mesmo se dá com certos melhoramen-
tos portuários em que, afinal, a manipulação das mercadorias
fica mais cara depois, do que antes das obras.
O ônus da remessa de juros e dividendos não é, porém,
função sômente da boa ou má aplicação dos capitais. Ela é tam-
bém função da relação de trocas, isto é, da quantidade de mer:
cadorias que o país tem de exportar para perfazer o montante
necessário àqueles juros e dividendos. Essa relação de trocas de-
pende, claro é, dos preços dos produtos brasileiros no exterior,
que por sua vez dependem do grau de prosperidade ou de de-
pressão nos países nossos grandes compradores.
A terceira circunstância que agrava o desequilíbrio de nosso
balanço de pagamentos é a da inflação. Moléstia que, a partir dos
primeiros anos da República, só nos afligia em circunstâncias es-
peciais, passou a ter caráter endêmico nos últimos 20 anos. Não
é preciso explicar por que inflação é sinônimo de desequilíbrio
do balanço de pagamentos.
Examinaremos agora a situação de nosso balanço com re-
lação às quatro elasticidades referidas no $ 1.º do capítulo an-
terior. Podemos desde logo eliminar a elasticidade de suprimento
nos países estrangeiros, dos produtos de nossa importação, por-
que esta não é bastante importante para afetar aquêle supri-
mento.
a) Quanto à elasticidade da procura de nossos produtos de
exportação, é opinião quase unânime que essa elasticidade é ni-
tidamente baixa em relação aos preços, mas bem mais elástica
em relação à renda dos países compradores."º A baixa elastici-
dade da procura em relação ao preço para os produtos alimentí-
cios é uma proposição muito conhecida (Lei de Engel, chamada)
e baseada no fato de serem êsses produtos de primeira necessi-
dade, cujo consumo não pode ser fâcilmente reduzido, nem au-
mentado.
É geralmente reconhecido que a elasticidade da procura
dos produtos alimentícios é bem mais baixa do que a dos pro-

116. “Analysis of World Coffee Market”, HANs STAEHLE — “Memoran-


dum do Fundo Monetário Internacional”, novembro de 1946; também H.
ScHLITTER DA SILVA — Ob. cit.
288 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dutos industriais, especialmente dos produtos complexos. À pro-


cura dos produtos alimentícios, como o café,'” oferece gran-
de resistência ao declínio em caso de alta de preços. E, de outro
lado, ninguém almoça duas vêzes porque os preços dos gêneros
baixaram de metade.
Acresce que o preço da saca de café fob no Brasil tem me-
nos influência, do que parece, sôbre os preços de venda a re-
talho nos países consumidores (e é sôbre êsse preço de venda
que se exerce a elasticidade da procura). Os direitos aduaneiros
(não no caso dos Estados Unidos), as despesas de embalagem,
de propaganda, do intermediário torrador, as despesas gerais,
etc. fazem com que o valor fob do café própriamente dito não
tenha sempre uma influência preponderante sôbre o preço final
da venda ao consumidor.
Não há dúvida que devemos procurar baixar os custos de
produção para nos defendermos da concorrência de outros paí-
ses produtores (quiçá africanos, em futuro não remoto) quando
a posição estatística do produto não fôr mais a que hoje é. Mas
não temos interêsse em baixar o preço de venda fob do café bra-
sileiro aquém dos preços de estímulo aos concorrentes.
O exemplo ainda é mais flagrante no caso das laranjas, em
que dois terços do preço da caixa fob Brasil (embalagem, frigo-
ríficos, transporte, etc.) nada têm a ver com o preço da fruta.
Em matéria de elasticidade da procura em relação ao preço,
nossa posição é quase a oposta à de um país como a Inglaterra,
por exemplo, pois, enquanto nós (pode-se dizer, exagerando)
vendemos um só produto (café) a um só país (Estados Unidos),
a Inglaterra vende milhares de produtos, os mais diversificados, a
dezenas de países, em regra produtos manufaturados vendidos em
concorrência com os similares americanos, belgas, italianos, fran-
ceses, holandeses, suecos, suíços, etc. Uma baixa de 10% ou
15% no preço é geralmente suficiente, como previam os clás-
sicos, para vencer os concorrentes e, como o mercado importa-
dor dêsses produtos é, práticamente, o mundo inteiro, é de su-
por que as quantidades vendidas aumentem apreciâvelmente,
em relação à baixa do preço.

117. A experiência tem mostrado que a teoria do café “sobremesa” não


tem fundamento, não só porque no maior mercado comprador (Estados Unidos)
o uso do café está profundamente enraizado como porque o padrão médio de
vida dêsse país é muito elevado.
O BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL 289

Entendem alguns economistas, acompanhando a idéia de


Marshall, que a procura internacional é, via de regra, altamente
elástica. Isso é provavelmente verdade para os países de expor-
tação industrial muito diversificada e que trabalham em acirrada
concorrência uns com os outros (carvão, petróleo, aço, trilhos,
cimento, máquinas, mesmo automóveis, etc.). Uma baixa de
preços dêsses produtos de exportação, em um dos países con-
correntes, deve trazer-lhe um volume adicional bem considerável
de novas encomendas.
118 “2
“A elasticidade da procura”, escreve Haberler, e tanto
maior quanto mais diversificado é o comércio do país, maior o
número de produtos importados e exportados, e mais intensa a
concorrência no mercado mundial”,
b) Quanto à elasticidade do suprimento, é sabido que o
agricultor não pode controlar o volume das safras, que depende
das condições meteorológicas tanto ou mais do que do esfôrço
humano. Nesse sentido o volume do suprimento é incontro-
lável.
O agricultor procura responder às variações de preço, não
só fazendo variar a área semeada, como principalmente semean-
do (culturas ânuas) aquêles produtos que subiram de preço e
abandonando os que baixaram. Éle procura, portanto, efetuar
um suprimento elástico em relação ao preço e não raro o con-
segue, quando as condições do tempo o ajudam. Contudo, êsse
estímulo ao aumento da produção pelos preços favoráveis dos
cereais ou do algodão, só exerce seus efeitos dentro do período
de tempo (time-lag) correspondente a uma safra (geralmente
um ano). E acontece, não raro, que o aumento da produção,
partindo de grande número de países que agem independente-
mente, faz com que a um ano de bons preços suceda outro de
preços decepcionantes.
O caso é diferente, quanto aos períodos de tempo, no to-
cante às lavouras perenes, café, cacau, laranjas e, ainda mais,
oiticica, carnaúba ou babaçu, em que as novas plantações es-
timuladas pelos bons preços só começam a produzir dentro de
três ou quatro ou muitos anos. O “comprimento de onda” das
oscilações de preço dêsses produtos é considerâvelmente maior

. ne, HaBEeRLER — “Problemas de Conjuntura e de Política Econômica”,


pág. .
290 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

do que no caso das plantações ânuas, conquanto se possa com


o melhor trato das plantações existentes aumentar sua produção.
Com respeito às lavouras perenes, pois, a elasticidade de su-
primento a curto prazo é diminuta, e, portanto, as fases de preços
altos ou preços baixos, mais duradouras. É o que se dá com q
café. En
O fator dominante dos preços do café brasileiro durante
quase tôda a primeira metade dêste século foi a elasticidade de
seu suprimento em longos períodos. Isto resultou de dois fatô-
res: primeiro, de dispor o Brasil de grandes extensões de terra
e de clima propício à produção abundante de café; segundo, de
ser essa produção mais lucrativa, em média, do que qualquer
outra atividade econômica no país. Daí a superprodução cafeeira
que tanto afligiu a economia brasileira neste meio século, À
elasticidade em longos períodos correspondia uma inelasticidade
de suprimento a prazo curto. Uma vez estabelecido o cafêzal,
não era possível abandonar o elevado capital que êle represen-
tava; dava-se-lhe algum trato e colhia-se o produto, mesmo quan-
do os preços não eram compensadores. As chamadas “valoriza-
ções de café” não tiveram outra origem.
O excessivo suprimento, geralmente representado por vas-
tos estoques armazenados no Brasil, era um fator de depressão
para os preços, que se agravava quando a procura estrangeira
era reduzida pela depressão, que atingia a renda dos países com-
pradores, como no decênio de 1930-1940.
Com um mercado em que o comprador dominava franca-
mente, tôda vez que o câmbio brasileiro caía, por qualquer mo-
tivo, o preço do café se mantinha aproximadamente o mesmo
em moeda nacional, mas produzia cada vez menos dólares."*
c) Finalmente, quanto à elasticidade da procura dos pro-
dutos de importação, também nossa situação não é favorável.
Essa procura é bastante rígida por se compor, em sua maior
parte, de combustíveis (especialmente petróleo), trigo, matérias-
“primas para a indústria nacional, veículos automotores para
transporte de mercadorias e passageiros, locomotivas e maqui-
naria. A parte elástica, de artigos de consumo não essenciais, é
reduzida.

119. Vide, do autor, folhetos sôbre “Câmbio e Café”, 1934, e “Estrutura


Monetária e Bancária”, 1988, pág. 42.
O BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL 291

À industrialização à outrance só fêz aumentar a percenta-


gem das matérias-primas na lista de nossas importações; a sus-
pensão dessas importações, mesmo para artigos de luxo, acar-
retaria a paralisação de atividades industriais estabelecidas.

&
* ES

À situação de nosso balanço de pagamentos está, por con-


seguinte, longe de ser favorável. Contudo, as dificuldades com
que nos deparamos neste fim de ano de 1953 são quase incrí-
veis, quando se pensa que o café, nosso principal produto de
exportação, atingiu preços record. Foi preciso que praticássemos
os maiores dispautérios para nos vermos a braços com deficits
consideráveis de balanço de pagamentos.
Os que não compreendem esta situação manifestam séria
ansiedade quanto às perspectivas de nosso balanço de paga-
mentos, na suposição de que não podemos reduzir o volume
de nossas importações. Não se trata de podermos ou não, e sim
de sermos forçados a fazê-lo, já que ninguém pode importar
mais do que exporta senão tomando empréstimos, voluntários
(pouco accessíveis em nossas condições) ou forçados (impor-
tando sem pagar), o que não se repetirá, dada a experiência dos
credores.
Teremos, sim, é de reduzir o ritmo, ou de nosso consumo
ou de nossos investimentos ou de ambos.
LIVRO V

BANCOS CENTRAIS
CAPÍTULO XXI

FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL

& 1.º — Banco dos Bancos e Banco Emissor

O Banco Central é o banco dos bancos. Éle presta aos


outros bancos os mesmos serviços que êstes prestam a seus
clientes. Os outros bancos fazem pagamentos, uns aos outros,
por meio de cheques sôbre o Banco Central, sacam ou depositam
moeda corrente em suas contas, conforme as necessidades de seu
negócio, e podem recorrer ao Banco' Central para redesconto.
Incumbe-lhe a responsabilidade do suprimento de moeda à
comunhão, bem como a de velar para que êste suprimento seja
suficiente, e não mais do que suficiente. Cabe-lhe assim também
o contrôle sôbre a emissão de todos os símbolos monetários e
a custódia das reservas que garantem êsses símbolos, sejam elas
constituídas por metal, por cambiais (divisas) ou por títulos.
Além de ser o banco dos bancos e o banco de emissão, o
Banco Central exerce uma terceira função, a de banqueiro do
Govêrno. Entende-se, geralmente, que as obrigações impostas
ao Banco Central importam na necessidade de entregar-lhe a
conta bancária do Govêrno. Não parece, porém, conforme bem
observa Hawtrey, absolutamente indispensável que o Banco Cen-
tral seja o banqueiro do Govêrno. Alega-se que, se a movimen-
tação de grandes quantias, como na época do pagamento dos
juros de apólices, por exemplo, não fôsse feita no Banco Cen-
tral, isso poderia causar abalos ao mercado monetário. Na rea-
lidade, entretanto, o que se dá é talvez o contrário. Quando o
Govêrno deposita grandes quantias no Banco Central, para se-
rem pagas aos portadores dos títulos, elas são, de fato, credi-
tadas aos bancos comerciais em que êstes têm suas contas, com
o resultado de aumentar considerâvelmente os saldos dos bancos
296 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

no Banco Central. E, como êsses saldos constituem, para todos


os efeitos, encaixe dos bancos, êsse acréscimo de encaixe pode
facilitar uma inflação de crédito, ainda que temporária. Se, ao
invés disso, o Govêrno tivesse sua conta dividida entre vários
grandes bancos, cada um dêles teria simplesmente, por ocasião
do pagamento dos juros das apólices, de fazer em seus livros
um débito à conta do Govêrno e um crédito à conta de seus
clientes portadores dos títulos, sem que houvesse qualquer base
para inflação de crédito. Haveria, quando muito, transferência
de quantias de um para outro banco, conforme a maior ou me-
nor importância dos depósitos do Govêrno e o maior ou menor
número de clientes de cada banco, portadores de títulos públicos.
Pelo menos teôricamente, portanto, não é imperativo que
o Banco Central seja o banqueiro do Govêrno. Surgiriam, é certo,
dificuldades de ordem secundária, se o Govêrno mantivesse con-
tas em bancos concorrentes, não só quanto a rivalidades e pre-
ferências, como quanto à indiscutibilidade do crédito dêsses ban-
cos. À razão verdadeira, porém, pela qual os governos sempre
mantêm sua conta no Banco Central, é a de que isso lhes faci-
lita o recurso ao crédito do Banco, em caso de necessidade.
Um banco comum não poderia emprestar grandes somas ao Go-
vêrno se não tivesse apoio do Banco Central.
Assim, práticamente, as três funções do Banco Central são:
a) a de banco dos bancos;
b) a de único banco de emissão;
c) a de banqueiro do Govêrno.
a
x +

O Banco Central não pode ser administrado como qual-


quer banco particular. Supridor de moeda e regulador do cré-
dito, êle há de ter precipuamente em vista o interêsse coletivo.
As considerações de lucro não devem pesar em suas decisões;
casos há em que êle deve executar operações de que resultará
forçoso prejuízo. Os bancos centrais não pagam, em regra, qual-
quer juro sôbre depósitos à vista, pois que isso importaria não
só em concorrer com os outros bancos, como em encarecer o
crédito.
Na mesma ordem de idéias, o Banco Central deve, em prin-
cípio, abster-se de concorrer com os outros bancos na execução
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 297

de operações comerciais bancárias. Não seria justo que o Banco


Central se utilizasse dos depósitos dos outros bancos para com
Eles concorrer. E, se o Banco Central executasse as operações
bancárias correntes, êle seria, em caso de crise, igualmente atin-
gido e não poderia dar a necessária assistência aos outros bancos.
Neste ponto há uma grande diferença de estrutura entre o
Banco de Inglaterra e o Banco de França, porque êste, com cêrca
de 150 filiais espalhadas pelo país, concorre largamente com os
bancos particulares.

8 2.º — Relações com o Estado

Se ao Banco Central cabe um papel preponderante no fun-


cionamento do Sistema Bancário do país, se êle é o único su-
pridor de moeda e o regulador do crédito, não pode haver, de
fato, completa independência do Estado. Seja qual fôr a forma
de organização do Banco Central, não há como dissociá-lo in-
teiramente do Govêrno.
Várias têm sido as modalidades de organização dos bancos
centrais. O Banco Imperial da Rússia era um simples departa-
mento do Ministério da Fazenda, sem autonomia nem acionis-
tas. O Reichsbank alemão era, de jure, uma sociedade anônima,
mas sua direção cabia a um conselho cujos membros eram de
nomeação vitalícia do imperador, sendo presidente o chanceler
do Império.
Na França, como adiante veremos, o Banco Centra Po é
também uma sociedade anônima em que o governador, dois
vice-governadores e uma boa parte do Conselho de Administra-
ção são nomeados ou indicados pelo Govêrno. Os acionistas ele-
gem a minoria do Conselho e os censores, que constituem uma
espécie de Conselho Fiscal,
Nos Estados Unidos, aos 12 bancos de reserva federal, cujas
ações pertencem aos bancos filiados, superpõe-se um organismo
central, o Conselho de Reserva Federal, de nomeação do presi-
dente da República. Êsse Conselho não só exerce forte autori-
dade sôbre os 12 bancos regionais, como nomeia três dos nove
diretores de cada banco, um dos quais o presidente.

120. O Banco de França foi “nacionalizado” em 1945, isto é, passou


à propriedade do Estado.
298 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Por fim, o Banco de Inglaterra é uma sociedade anônima,


ainda hoje sem qualquer dependência oficial do Govêrno,!! tal
como foi fundado em 1694. Mas a Inglaterra é um país em que
a tradição e a opinião pública substituem as leis, de sorte que,
malgrado a conservação de sua estrutura original, o banco não
funciona como uma simples sociedade anônima, e sim como uma
instituição de interêsse público.
O princípio dominante é, entretanto, o de que o Banco
Central deve guardar um certo grau de independência do Go-
vêrno, não só para tirar-lhe o caráter de uma repartição buro-
crática, como para abrigá-lo de uma influência excessiva dos po-
líticos da hora. Isto tem, além do mais, a vantagem de dissociar
o crédito do Banco, do crédito do Estado. Desde que o Banco
guarda uma certa autonomia, o crédito do Banco e o crédito do
Estado são, pelo menos na aparência, distintos. O fato de peri-
clitar o crédito do Estado não exime o Banco Central, sociedade
anônima, da obrigação de honrar sua assinatura, no vencimento
de seus compromissos. E a experiência tem mostrado repetida-
mente na França, no Brasil e em outros países, que o Banco
consegue manter seu crédito quase intato, mesmo quando o cré-
dito do Estado está sériamente afetado.
De fato, nos países capazes de ter um verdadeiro Banco
Central, os governos nunca se utilizam do Banco, salvo aconte-
cimentos extraordinários, para obter recursos a longo prazo, li-
mitando-se às oscilações ordinárias de sua conta, ora em crédito,
ora em débito, conforme a época de arrecadação mais ou menos
intensa de impostos.
Quando, porém, por fôrça de um acontecimento extraordi-
nário, guerra, revolução, terremoto ou inundação, o Govêrno
tem, de fato, necessidade de recursos por prazos maiores, o Banco
Central — esteja êle sob o contrôle direto do Govêrno ou seja
uma simples sociedade anônima, — não resiste, e não pode re-
sistir, a essa solicitação.
Hawtrey'? define com muito acêrto as relações do Govêrno
com o Banco Central:

121. O Banco de Inglaterra também foi “nacionalizado”, sem que se per-


cebam ainda os efeitos da medida. . .
122. Hawrrey — “Art of Central Banking”, pág. 267.
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 299

“Um ministro das Finanças pouco precavido incorrerá em


deficits e os cobrirá aumentando a dívida flutuante. Mas essa
adição à dívida flutuante não importa, necessáriamente, em em-
préstimos do Banco Central. As letras do Tesouro ou outros ins-
trumentos de crédito a curto prazo, que o Govêrno venda, são
títulos que têm muita aceitação e conveniência para os bancos
particulares; e, enquanto êsses bancos particulares absorvem as
letras do Tesouro, não há necessidade de qualquer expansão de
crédito. Quando o montante da dívida flutuante ameaça tornar-
-se excessivo, um empréstimo de consolidação será lançado, res-
tabelecendo-se a situação. Se o Govêrno continuar a ser impre-
vidente, recomeçará o deficit, serão feitas novas emissões de le-
tras do Tesouro e novas consolidações de títulos definitivos, e
assim por diante. Pode decorrer o período de uma geração até
que êste sistema comece a constituir séria dificuldade ao desa-
fortunado país que o praticar. E só então se encontrará dificul-
dade em colocar os empréstimos de consolidação. É nessa oca-
sião que o Govêrno terá de vir ao Banco Central para pedir
ajuda.”
Croat
e ron r ns na O O O O On O On 0 0 0 O 0 0 0 0

“Se os diretores do Banco Central são pessoas de prudência


e de integridade (condições que dificilmente podem ser preen-
chidas num país em que deficits orçamentários crônicos são to-
lerados), êles insistirão por reformas orçamentárias como uma
condição prévia e necessária para conceder adiantamentos ao Go-
vêrno”.
Ea ss

“O país, em que padrões de prudência financeira e de sa-


bedoria não são deplorâvelmente baixos, não tolerará uma su:
cessão de deficits. Presume-se evidente que o ministro das Fi-
nanças fará sempre um esfôrço bona fide para equilibrar o seu
orçamento e, se suas expectativas não se realizam, êle será su-
jeito a críticas. Os deficits serão sempre ocasionais; não haverá
um aumento progressivo ou cumulativo da dívida flutuante, sen-
do os empréstimos a longo têrmo emitidos unicamente para co-
brir as necessidades legítimas de capital. A não ser acontecimento
extraordinário, como um terremoto, uma inundação, uma guerra
ou uma revolução, o Govêrno nunca será um agente perturba-
dor das finanças nacionais, capaz de provocar a inflação.”
800 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

$ 3.º — Sistemas de Emissão e Conversibilidade


Se o Banco Central tem o monopólio da emissão, em que
bases deve ser regulamentada essa emissão? Quais os princípios
a que o Banco Central deve ficar adstrito, por lei, em matéria
de emissão?
Na vigência do padrão-ouro, ou seja, no regime de conversi-
bilidade das notas, na paridade definida em lei, nada haveria de
mais seguro do que a exigência de que cada nota emitida tivesse
a cobertura integral em ouro nas caixas do Banco Central. As
notas emitidas teriam 100% de cobertura metálica. Foi o que
dispôs a lei Robert Peel, de 1844, que reorganizou o Banco de
Inglaterra, segundo a qual, salvo uma pequena margem de
£ 20.000.000 garantida por títulos do Estado, qualquer nota só
podia ser emitida com 100% de lastro-ouro. Se essa lei tivesse
tido aplicação rígida, a Inglaterra teria necessitado de enorme
quantidade de ouro, de que não dispunha. Ela passou a utilizar-
-se largamente da moeda bancária, em vez das notas. E, como
adiante veremos, a superestrutura de moeda bancária, isto é, o
vulto dos depósitos bancários, atingiu na Inglaterra tal impor-
tância em relação à moeda-notas, que a simples garantia de con-
versibilidade dessas notas se tornou ilusória para o conjunto do
sistema monetário.
Nos Estados Unidos, até 1908, a emissão de notas era fa-
cultada aos bancos nacionais (lei de 1874) mediante o depó-
sito, no Tesouro Federal, de certas e determinadas obrigações do
Govêrno dos Estados Unidos, também na proporção de 100%,
tendo assim cada nota emitida a garantia integral expressa em
obrigações do Govêrno. Ao tempo dessa lei (1874), os Estados
Unidos não estavam ainda no regime do padrão-ouro, que só em
1900 foi definitivamente estabelecido.
A exigência do depósito de títulos de determinado tipo e
espécie era, no caso da lei americana de 1874, de: pluralidade
de bancos de emissão, um meio pelo qual o Govêrno podia con-
trolar essa emissão, e não um lastro monetário. Lastro monetário
só se entende em regime de conversibilidade; quem não tiver con-
fiança na nota representativa, tem direito de trocá-la por uma
mercadoria de valor intrínseco universalmente reconhecido, co-
mo o ouro. Lastro monetário, em títulos expressos em moe-
da do próprio país, não tem sentido. Uma provisão de títulos
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 301

para o Banco Central pode ser útil para aquisição de divisas


ou couro que afluam ao país ou para operações de open-mar-
ket. mas não para lastro monetário.
No último quartel do século XIX, foi sendo adotado, nos
países de padrão-ouro, o sistema de uma reserva, não de 100%,
como no Banco de Inglaterra, e sim de 25%, 30% ou 35%.
Do ponto de vista doutrinário, existe uma diferença capital en-
tre os dois sistemas. O sistema inglês é uma aplicação do prin-
cípio da moeda representativa, em que cada nota representa uma
certa quantidade de metal, ao passo que o sistema de percen-
tagem aplica o princípio da moeda fiduciária. O lastro de 30%
ou 40% é destinado, principalmente, a manter a confiança.
Êste sistema tem o defeito da ausência de elasticidade em
caso de crise. A menos que a reserva metálica exceda do mínimo
fixado em lei, o Banco Central não poderá emitir o numerário
reclamado pelos bancos, pelo Comércio ou pela Indústria. Só o
poderia fazer na medida do excesso da reserva-ouro sôbre o mi-
nimo legal. E é por isso que, nos países que adotam êste sistema,
o Banco Central procura manter um apreciável excesso de re-
serva-ouro. Torna-se, pois, necessário manter duas reservas, por
assim dizer: uma, reserva mínima legal, para manter a confiança
na moeda, e outra, para ser utilizada em caso de crise.
E, nos países em que o sistema é racionalmente aplicado, a
reserva mínima é mantida na proporção de 30% a 40%, não sô-
mente em relação às notas emitidas como em relação aos depó-
sitos do Banco Central. Mas, em qualquer caso, só a reserva em
excesso do mínimo legal pode ser utilizada.
Finalmente, o sistema de fixação por lei de um máximo de
emissão foi adotado em França desde 1883 até 1928. Em 1883
o máximo foi fixado em 3 14 bilhões de francos, tendo sido su-
cessivamente elevado até 6,8 bilhões em 1911, antes da guerra
de 1914-1918. Apesar de estar em vigor o padrão-ouro, a lei nada
estipulava em matéria de percentagem obrigatória da reserva-
-ouro em relação à circulação. Do ponto de vista da conversi-
bilidade, o sistema é, portanto, teôricamente falho, mas do ponto
de vista da elasticidade, êle é muito superior aos dois outros.
Em caso de crise, o Banco pode não só utilizar tôda a sua reserva-
-ouro, pondo-a em circulação, como dirigir-se ao Estado solici-
tando a elevação da cifra do máximo da emissão. Não haveria
nessa última providência uma derrogação do sistema, senão uma
302 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

simples aplicação do princípio de um máximo, prefixado de tem-


pos a tempos. É claro que, quanto à conversibilidade, o sistema
não oferece garantia alguma. O Banco de França, sem se afastar
da lei, podia reduzir o seu encaixe metálico a zero. Na prática,
verificou-se, entretanto, o contrário: o Banco de França sempre
manteve até 1914 uma abundante reserva de metal.
Tais são os sistemas que têm sido adotados como estatuto
de emissão do Banco Central.
Se se trata de um regime de moeda conversível, o lastro
metálico deve ser suficiente para enfrentar a eventualidade de
uma crise de desconfiança na moeda. Em tal emergência, é pre-
ciso considerar, de um lado, que nem tôda a moeda se pode apre-
sentar aos guichês do Banco, porque uma boa parte dela há de
ficar em circulação, para atender às necessidades correntes do
público. Não é outro o princípio em que se baseou a lei mone-
tária inglêsa de 1925, pela qual uma parte da circulação, essa
que se considera indispensável ao público como moeda corrente,
mesmo em caso de corrida, tem apenas nas caixas do Banco Cen-
tral uma contra-partida de títulos do Tesouro, que não é lastro,
sendo tôdas as demais notas garantidas por ouro a 100%. De
outro lado, porém, importa considerar que, nas estruturas mo-
netárias modernas, a moeda, meio de pagamento, não abrange
sômente as notas emitidas pelo Banco Central, nem tampouco
essas notas acrescidas dos depósitos dêsse Banco. Sôbre a base,
sôbre o lastro, digamos, de uma parte das notas e dos depósitos
no Banco Central, a rêde bancária do país erige uma superestru-
tura de moeda bancária, que constitui moeda e meios de paga-
mento, ao mesmo título que as notas do Banco Central, pois que
nelas podem ser convertidas a qualquer momento.
Em março de 1935 (para tomar uma data qualquer) a quan-
tidade de notas do Banco de Inglaterra em circulação era de £ 380
milhões, sendo o encaixe-ouro, aliás considerado satisfatório, de
£ 320 milhões. Sôbre essa base, havia um total de depósitos, nos
bancos inglêses, de £ 2.600 milhões. A quantidade de meios
de pagamento em circulação era, portanto, de cêrca de £ 3.000
milhões. Bastaria que uma têrça parte dêsses meios de paga-
mento se apresentasse aos guichês dos bancos, solicitando con-
versão em ouro, para que o Banco de Inglaterra tivesse de sus-
pender a conversibilidade.
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 303

A conversibilidade efetiva é práticamente inatingível. Ela


só poderia ser efetiva com estoques de ouro considerâvelmente
maiores do que os usuais. Na prática, aliás, nunca se dá uma
corrida ao ouro, como a que figuramos, porque, quando se veri-
fica a existência de uma séria ameaça de corrida, se suspende,
pura e simplesmente, a conversibilidade. Em caso de guerra in-
ternacional ou civil, por exemplo, uma das primeiras providên-
cias do Govêrno é a da suspensão da conversibilidade. No caso
em que, por fôrça de um balanço de pagamentos muito desfa-
vorável, o Banco Central é forçado a exportar uma parte apre-
ciável de seu encaixe-ouro, caindo a taxa cambial abaixo da pa-
ridade legal, toma-se a mesma providência de suspensão. Na
hipótese em que emissões sucessivas tenham feito baixar a pro-
porção das reservas a uma cifra inferior ao mínimo legal, re-
corre-se ainda à medida de exceção.
Acresce observar que as reservas-ouro dos bancos centrais
não têm simplesmente por objeto a manutenção da conversibi-
lidade da moeda que circula no país. Elas exercem também, como
adiante veremos, a função de reserva nacional de última ins-
tância para atender a desequilíbrios do balanço de pagamentos
internacionais, em tempo de paz e, mais ainda, em tempo de
guerra. E essa reserva, de interêsse nacional, não pode ser dissi-
pada com o único fim de manter a conversibilidade da moeda.
De fato, a conversibilidade da moeda é um sistema que só
pode funcionar em condições normais, isto é, enquanto se man-
tém plena confiança na solidez da estrutura monetária do país.
Pode-se dizer, portanto, paradoxalmente, que o direito à con-
versibilidade só é efetivo quando dêle ninguém se utiliza.
A conversibilidade do meio circulante em ouro é já agora
um simples capítulo de história que não se reproduzirá. “As va-
riações das reservas de ouro e de cambiais constituem excelente
índice de orientação da política monetária. Não devem, porém,
servir de base para variações correspondentes do meio cir-
culante”.'” Sobretudo em países de exportações primárias, os
saldos prováveis do balanço de pagamentos dão lugar à infla-
ção desregrada, e os saldos desfavoráveis, à deflação drástica.
O dever do Banco Central é o de proteger a relativa estabilidade

123. O. G. BuLHÕEs — “O Banco Central do Brasil”, 1946, pág. 34.


304 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

da economia do país contra êsses violentos impulsos vindos de


fora, como melhor se dirá no $ 6.º.

$ 4.º — Rigidez ou Ampla Elasticidade?


O Banco Central é o banco dos bancos. É o supridor de
moeda, em última instância. Em caso de crise, seja ela oriunda
da passagem súbita de uma fase de prosperidade para a de uma
depressão (1929), ou do pânico que resulta de falências inespe-
radas (Credit-Anstalt, 1931) ou de uma declaração de guerra
(1914) ou de uma crise bancária (Estados Unidos, 1933), cabe
ao Banco Central a missão de socorrer bancos, negociantes e in-
dustriais, suprindo-lhes os meios de pagamento necessários para
atender a uma súbita e geral “preferência pela liquidez”. Nesta
conjuntura, os bancos comerciais, assediados pelas retiradas de
seus depositantes, restringem o crédito, recusam os emprésti-
mos necessários ao ritmo ordinário da produção, recolhem seus
empréstimos à vista e vendem os títulos disponíveis em carteira.
Em tal situação, só o Banco Central pode evitar o colapso.
Neste caso, a sua capacidade de suprir os meios de paga-
mento depende da elasticidade de sua estrutura. Em um regime
como o do Banco de Inglaterra, em que se deve manter uma co-
bertura de 100% para as notas e em que, como veremos, o
Banco não redesconta diretamente o papel dos outros bancos,
essa elasticidade é, em princípio, muito limitada. Ao contrário,
o sistema francês, em que o Banco de França podia (até 1928)
utilizar tôda a reserva metálica e recorrer ao aumento do má-
ximo legal da emissão, era de uma elasticidade ilimitada. O Sis-
tema de Reserva Federal americano, em que os bancos dispõem
de uma grande latitude de redesconto nos bancos centrais de
reserva e em que podem também recorrer a adiantamentos por
curto prazo, sob caução de títulos, oferece boa margem de elas-
ticidade, limitada, porém, pela obrigação de manter a reserva-
-ouro mínima legal, além de uma reserva colateral.
Assim, em matéria de bancos centrais, o legislador depara-
-se com duas tendências opostas. Para assegurar a conversibili-
dade da moeda e garantir-se contra possíveis excessos e abusos
de emissão, êle é levado a adotar dispositivos de prudência e de
restrições. Para assegurar a elasticidade em caso de crise, êle deve
conceder à direção do Banco a possibilidade de recorrer a medi-
das excepcionais de expansão.
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 305

Tal a grande dificuldade de legislar para bancos centrais.


As duas tendências são contraditórias. Se o sistema é projetado
para épocas normais, êle falhará na ocasião das crises. E, se é
organizado tendo em vista esta eventualidade, êle deixará de
oferecer garantias de uma direção prudente, em época normal.
Não há, pois, solução perfeita. Um exemplo típico é o do Banco
Central das Filipinas, em cujo estatuto se dispõe:
“Em período de emergência ou de iminente pânico finan-
ceiro que diretamente ameace a estabilidade monetária e ban-
cária, o Banco Central poderá conceder às instituições bancá-
rias adiantamentos extraordinários garantidos por quaisquer ti-
tulos que sejam definidos como aceitáveis por um voto concor-
rente de pelo menos cinco membros do Conselho Monetário.
Enquanto tais adiantamentos estiverem em vigor, a instituição
devedora não poderá expandir o volume total de seus emprés-
timos ou investimentos sem a autorização prévia do Conselho
Monetário.”
Na Inglaterra, os padrões rígidos da lei são simplesmente
suspensos em caso de crise. Nos Estados Unidos, a lei de 1935
conferiu uma enorme amplitude de poderes ao Conselho de Re-
serva Federal, para socorrer os bancos.

8 5.º — Redescontos e Adiantamentos

O redesconto é evidentemente uma das principais funções


do banco dos bancos e uma condição essencial para a elastici-
dade do sistema.
No Banco de Inglaterra não existe, oficialmente, o redes-
conto. O Banco não redesconta títulos de carteira dos outros
bancos, mas passa a suprir diretamente moeda e crédito ao mer-
cado monetário, permitindo assim que os outros bancos restrin-
jam êsse suprimento ou mesmo recolham parte do que já ha-
viam suprido. Na estrutura do Banco de França, como na do
Sistema de Reserva Federal americano, encontra-se o redesconto
em sua plenitude, a prazo de 90 dias e mesmo mais. O Banco
de França exige que o título traga três assinaturas ao menos,
geralmente as do sacador, do sacado e do banco redescontante.
O Sistema de Reserva Federal exige apenas o endôsso do banco
redescontante. Ambos exigem que se trate de títulos legítimos
de comércio e não de letras de finança ou letras de favor.
306 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O redesconto é considerado, “em princípio”, como o ins-


trumento regulador da adaptação da quantidade de meios de
pagamento às necessidades legítimas do comércio e da pro-
dução.
Para que isso fôsse verdadeiro, seria preciso que os bancos
de desconto limitassem suas operações ao desconto dos títulos
representativos de mercadorias em curso de transporte finan-
ceiro. Mas na realidade os bancos concedem empréstimos para
muitos outros fins, inclusive para fins que êles não sabem quais
sejam, como no caso de empréstimos sob caução de títulos ou
valores, que tanto podem servir para auxílio à produção, como
para a especulação em bôlsa, como para consumo, como para
início de investimentos.
O redesconto pelo Banco Central limita-se, em regra, a tí-
tulos representativos de “mercadorias acabadas e vendidas”. Êsse
critério é, entretanto, pelo menos, insuficiente. Não basta a veri-
ficação elementar da segurança e liquidez das operações realiza-
das pelos bancos comerciais. Dever-se-ia ainda examinar se essas
operações estão sendo realizadas de acôrdo com a política tra-
cada pelo Banco Central. Um banco que se afasta dessa polí-
tica não pode pretender acesso ao redesconto dado pelo Banco
Central, ao qual êle desobedece.
O redesconto deve ser, principalmente, considerado, como
um meio de socorrer temporâriamente os bancos que, por im-
prudência ou circunstâncias imprevistas, necessitem reforçar sua
posição de caixa em relação aos depósitos.
No exercício do redesconto, podem os bancos centrais faci-
litar ou dificultar a operação, conforme a orientação de sua po-
lítica de "crédito, a cada momento. Para isso, êles podem fazer
variar o preço do redesconto, isto é, a taxa de juros cobrada.
À taxa de redesconto é a arma de que se serve o Banco
Central para atuar sôbre a taxa de juros a curto prazo. Mas, na
realidade, a eficácia da taxa de redesconto como instrumento de
contrôle de crédito é muito duvidosa. Vimos no & 4.º, letra b,
do capítulo VI, retro, que o redesconto de 1 bilhão de cruzeiros,
por exemplo, dá lugar, no sistema bancário brasileiro, a uma
expansão de meios de pagamento de mais de 3 bilhões. No Sis-
tema de Reserva Federal americano a expansão é maior. Quer
124. “The Expansion of Bank Credit”, em “Journal of Political Economy”,
abril de 1933, págs. 190-193.
N
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 307

dizer que um cnorme aumento de 3% na taxa de redesconto,


uma vez distribuído por todos os empréstimos adicionais resul-
tantes dêsse redesconto, se reduziria, no caso do Brasil, a 1%.
E, se o aumento da taxa fôsse distribuído, não sôbre os emprés-
timos marginais, e sim sôbre o total dos empréstimos, então a
sua repercussão seria praticamente desprezível. Na hipótese de
um só banco recorrer isoladamente ao redesconto, não se daria,
como vimos no dito $ 4.º do capítulo V], essa diluição da taxa
de 3% para | para os empréstimos marginais, mas, se difundi-
do sôbre todo o volume dos empréstimos do banco, a repercussão,
mesmo em relação a um banco isolado, seria mínima.
Além do redesconto, os bancos centrais também operam
em adiantamentos, sob caução de títulos de primeira ordem, mas
o fim a que se destinam êsses adiantamentos não é definido.
O Banco de Inglaterra não o faz. O Sistema de Reserva Federal,
em sua primitiva organização, só admitia êsses adiantamentos
pelo prazo máximo de 15 dias; a reforma de 1935 nãô sômente
permitiu a ampliação dêsse prazo, como estendeu a possibilidade
de adiantamentos sob caução de quaisquer títulos julgados bons
pelo Sistema de Reserva. O Banco de França, até a reforma de
1936, só admitia adiantamentos sôbre títulos do Govêrno a curto
prazo e de vencimento próximo; a reforma de 1936 ampliou
também largamente os prazos dêsses títulos.
O dilema é sempre o mesmo. Em princípio, os adiantamen-
tos não se justificam. Não há relação alguma entre a quanti-
dade de títulos da dívida do Estado ou de debêntures e ações e a
quantidade de meios de pagamento necessários ao país. Se to-
dos os bons títulos podem ser levados ao Banco Central como
base de adiantamentos, as possibilidades de inflação são-enormes.
Na verdade, os adiantamentos constituem modalidade sub-
sidiária de amparo aos bancos, quando êles já não dispõem de
títulos aceitáveis pelo redesconto.
Veremos ainda que os bancos centrais podem ampliar ou
restringir a quantidade de meios de pagamento, comprando ou
vendendo títulos do Estado, no mercado. Quando compram, êles
aumentam os meios de pagamento. Quando vendem, êles reco-
lhem, isto é, restringem os meios de pagamento em circulação.
São as chamadas operações de open-market, em que o Banco
Central toma a iniciativa de intervir ativamente no mercado mo-
netário,
308 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

8 6.º — Fundo de Compensação do Balanço de Pagamentos

Referimo-nos acima, incidentemente, ao fato de a reserva-


"ouro dos bancos centrais não ter únicamente por fim a manu-
tenção da conversibilidade da moeda. Vimos também, no capí-
tulo XVII, que o equilíbrio final do balanço de pagamentos é
muitas vêzes obtido com o recurso às remessas ou entradas de
ouro ou divisas. Êste ouro não é outro senão o que constitui a
reserva dos bancos centrais.
A tendência atual é a de dissociar as duas funções. À re-
forma do Banco de Inglaterra, de 1939, separa a reserva-ouro do
Banco, do fundo de compensação de câmbios.
À necessidade e conveniência para cada país em manter
um fundo de compensação de câmbios em ouro, como a única
mercadoria de aceitação universal e incondicional, é indubitável,
ao passo que a necessidade e conveniência de moeda conversi-
vel é muito discutível.
Enquanto prevalecer nos principais países a aceitação uni-
versal e incondicional do ouro e enquanto o ouro mantiver o
grau de raridade relativa que hoje tem, êle terá títulos incon-
testáveis à preferência para a constituição do fundo de reserva
de moeda internacional, isto é, do fundo de compensação de
câmbios.
Nada mais absurdo do que atribuir qualidades de lastro mo-
netário ou de fundo de compensação a bens que não gozam
dessa aceitação geral e liquidez absoluta. É o caso das terras e
bens confiscados à Nobreza e ao Clero, que os revolucionários
de 1789 adotaram para lastro dos assignats, assim como o da
riqueza industrial e agrícola da Alemanha, que em 1923 se ado-
tou para lastro do rentenmark, ou o do café para lastro do cru-
zeiro brasileiro, como já foi alvitrado, ou ainda de lastro em
apólices do Estado.
+
* %

Assim, os bancos centrais, originariamente fundados como


bancos nacionais para auxiliar as finanças do Estado, foram, pou-
co à pouco, chamados a realizar funções cada vez mais impor-
tantes. o
FUNÇÕES E ESTRUTURA DO BANCO CENTRAL 309

Enquanto que na primeira fase de sua evolução êles não di-


feriam, essencialmente, dos demais bancos, de que eram sim-
plesmente o primus inter pares, êles foram gradativamente as-
sumindo a posição: de banco dos bancos, de líder, de esteio, e,
finalmente, de condutor dos outros bancos.
Essa posição inaugura uma nova fase de sua evolução, em
que êles estão sendo chamados a realizar funções ainda mais am-
plas e a assumir maiores responsabilidades.
CAPÍTULO XXII

O BANCO DE INGLATERRA '%

$ 1.º — Evolução de Estrutura

O Banco de Inglaterra, fundado em 1694, no reinado de


Guilherme III, para auxiliar as finanças do Govêrno, tinha a
faculdade de realizar qualquer operação que lhe parecesse van-
tajosa, com a única exceção do emprêgo de seus recursos em co-
mércio de mercadorias, “para não oprimir os súditos de Sua
Majestade” (Tonnage Act).
o Pela lei de 1697, confirmada pela de 1742, nenhum outro
banco podia ter mais de seis sócios. À êsse tempo, o negócio de
banco era considerado inseparável da emissão de notas. Na área
de Londres, só o Banco de Inglaterra tinha o direito de emissão,
negociando as casas bancárias sômente em depósitos e emprés-
timos.
No século XVIII, os negociantes de Londres descontavam,
comumente, suas letras nessas casas bancárias, verdadeiros ban-
cos privados, cujos sócios dispunham de capital suficiente. Se,
porém, a quantidade de letras oferecidas a desconto excedia a
capacidade dos bancos privados, os negociantes se dirigiam ao
Banco de Inglaterra, que já começava a ser considerado como
o banco a que se recorria em última instância.
Em 1773, organizou-se definitivamente em Londres o
Clearing-House (Câmara de Compensação), em que o Banco de
Inglaterra já aparecia como uma espécie de banco dos bancos,

125. ste e os dois capítulos que seguem sôbre o Banco de França e o


Sistema de Reserva Federal americano têm por fim descrever a estrutura e
os métodos de operação dos bancos centrais, através dos quais se pratica a
política monetária e bancária, objeto do 2.º volume. Subsidiâriamente suprera
elementos de estudo para o futuro Banco Central do Brasil.
312 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

sendo suas notas as únicas que circulavam em todo o país. E,


como elas serviam para a liquidação das diferenças no Clearinsg,
os demais bancos passaram a abrir conta no Banco de Ingla-
terra.
Em 1833, passadas as vicissitudes do período das Guerras
Napoleônicas, em que se recorreu à suspensão dos pagamentos
em espécie (1797-1821) e em que faliram ou desapareceram
muitos bancos de Província, a lei consagrou a supremacia do
Banco de Inglaterra, dando curso legal a suas notas, exceto para
os pagamentos do próprio Banco. À mesma lei permitiu a orga-
nização, em Londres e em qualquer outra parte do país, de ban-
cos sob forma de sociedade anônima, mas sem direito de emis-
são. O primeiro dêsses bancos a ser criado foi o Westminster
(1834), que ainda é hoje um dos big five.
O Banco de Inglaterra nem sempre se adaptou, de boa
vontade, a essa evolução que o ia transformando em banco
central. Na crise de 1793, as facilidades de desconto oferecidas
pelo Banco eram insuficientes; os negociantes encontravam-se
com apreciáveis estoques de mercadorias que não podiam ven-
der; não havia compradores contra os quais êles pudessem sacar
letras, e o Banco de Inglaterra recusava-se a financiá-los por ou-
tra forma. O Govêrno interveio, fazendo adiantamentos aos ne-
gociantes sob a forma de Exchequer bills, dadas sob garantia da
mercadoria. O Banco de Inglaterra recusou adiantar sôbre mer-
cadorias, mas descontou as letras do Tesouro.
Novamente, em 1795, o Banco de Inglaterra, com receio
da drenagem de ouro a que estava exposto, passou a opor res-
trições ao desconto de letras, descontando sômente uma deter-
minada quantia por dia, até que, com a suspensão dos paga-
mentos em ouro e a facilidade de emitir notas inconversíveis, se
restabeleceram as facilidades de desconto.
Foi-se assim estabelecendo a tradição de que, em caso de
apertura, o Banco de Inglaterra nunca deveria recusar crédito,
sempre que êste se apresentasse como uma necessidade legí-
tima.
Na crise de 1825, deu-se novo passo na evolução, e o Banco
de Inglaterra, depois de consultas com o Govêrno, pela primeira
vez, concedeu crédito sôbre garantia colateral de títulos. Re-
ceava-se, não sem razão, que essa modalidade de crédito fôsse
uma porta aberta para a inflação. E não é outra a razão por que,
O BANCO DE INGLATERRA 318

ainda hoje, os bancos centrais opõem restrições aos empréstimos


sob caução de títulos.
Até 1839, as leis de usura não permitiam empréstimos a
taxa superior a 5%, de sorte que o Banco de Inglaterra não
podia recorrer ao aumento da taxa de desconto como medida
restritiva de crédito. Em 1839, pela primeira vez, foi adotada
esta arma de defesa, e o Banco levantou a sua taxa a 6%.
A crise de 1839 deu lugar a que fôsse convocada, em 1840,
uma comissão especial do Parlamento para tratar da questão
dos bancos de emissão. À autoridade predominante nessa comis-
são foi a de Samuel Lloyd (mais tarde Lord Overstone). Foi dos
debates dessa comissão parlamentar que surgiu a lei bancária
de 1844, conhecida por lei Robert Peel. Samuel Lloyd susten-
tava o princípio de que a maior parte das dificuldades verifica-
das nas crises anteriores eram devidas a uma lamentável con-
fusão das funções de emissão de moeda com as de crédito ban-
cário. Entendia Lloyd que era preciso separar essas duas fun-
ções. Uma era a da emissão de notas, e devia ser submetida a um
contrôle seguro; outra era a do exercício puro e simples do
negócio de crédito bancário, e devia ser deixada ao arbítrio do
próprio Banco.
O Banco de Inglaterra foi assim dividido, como ainda hoje
o é, em dois departamentos: o Departamento de Emissão e o
Departamento Bancário, como se fôssem dois estabelecimentos
separados. O mesmo ato cancelou a faculdade de novas emis-
sões dos bancos privados.
A circulação fiduciária foi limitada a £ 14.000.000, po-
dendo, porém, o Banco aumentá-la na proporção de dois terços
das notas dos bancos privados que êle fôsse absorvendo, e em
1923, quando finalmente tinham desaparecido tôdas essas no-
tas, o montante da circulação fiduciária foi fixado em ......
£ 19.750.000.
Além dessa circulação fiduciária, qualquer emissão de no-
tas deveria ser garantida com 100% de ouro depositado no De-
partamento de Emissão, na razão de 123,274 grãos de ouro
por libra esterlina. O Banco se obrigava a converter as suas
notas em ouro e à vista.
A partir da data dessa lei, as notas só podiam ser emitidas
contra depósito de uma quantidade correspondente de ouro.
A reserva do Departamento Bancário era constituída pelas no-
814 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tas emitidas pelo Departamento de Emissão, que ainda não ti-


vessem sido postas em circulação.
Mas a lei não previra a formidável expansão que iam tomar
o Comércio e a Indústria na Inglaterra, nem, portanto, a enormi-
dade do lastro-ouro para as notas necessárias ao volume das
transações. Encontrou-se, porém, naturalmente, meio simples
de contornar a lei, graças a uma instituição que já vinha ante-
riormente se desenvolvendo: a do cheque. Os pagamentos pas-
savam a ser feitos por meio de simples ordens de pagamento,
escritas e sacadas pelos clientes dos bancos contra seus depó-
sitos. O ato de 1844 não continha qualquer limitação relativa
aos cheques. Por outro lado, os grandes pagamentos por meio
de notas. tornavam-se incômodos e sujeitos a vários inconve-
nientes. :
Às notas passaram assim a representar um papel cada vez
menor no sistema monetário do país. Em 1853, o Clearing-House
admitiu a liquidação dos saldos por meio de cheques sôbre o
Bancode Inglaterra, de sorte que os depósitos dos bancos no
Banco de Inglaterra tomaram uma importância cada vez maior.
E por êsse sistema, a circulação de notas em 1914 era a mesma
que em 1844, apesar da imensa expansão dos negócios-e da
atividade econômica.
A lei não atendera, entretanto, à importância do Departa-
mento Bancário, como supridor de moeda, em última instância,
a'todos os outros bancos, e à comunhão em geral. Se bem que
nenhuma disposição legal obrigasse o Departamento Bancário
a manter uma reserva de notas superior à de qualquer outro
banco, êsse Departamento guardava cêrca de 40% e mais tarde
50% de notas em relação aos depósitos (de outros bancos e de
seus clientes), o que já demonstrava a compreensão de que o
Banco não podia ser administrado com o simples objetivo de
lucro. Malgrado, porém, a amplitude dêsse encaixe de notas em
comparação com o dos outros bancos, êle não era e não podia
ser suficiente, em caso de crise, quando, de um lado, os bancos
da praça utilizassem seus depósitos no Banco de Inglaterra para
obter as notas exigidas por seus clientes amedrontados e, de
outro, negociantes, industriais e corretores de letras, diante do
retraimento dos outros bancos, apelassem para o Banco de In-
glaterra, para suprir-lhes, em última instância, o crédito neces-
sário. Nessa conjuntura, a reserva de notas do Departamento
O BANCO DE INGLATERRA 315

Bancário não cra suficiente para enfrentar a situação, e nenhum


apoio podia êle obter do Departamento de Emissão, que só na
base de 100% de ouro podia emitir. Faltava elasticidade ao sis-
tema. Em caso de crise, a pressão de uma enorme massa de moe-
da bancária passava a se exercer sôbre a única e inelástica re-
serva de notas do Departamento Bancário do Banco de Ingla-
terra.
Por três vêzes, nas crises de 1847, 1857 e 1866, foi neces-
sário recorrer à suspensão da lei Peel, sendo o Banco autori-
zado a exceder o limite legal da emissão fiduciária. Em 1890 e
em 1908 teve o Banco de Inglaterra de recorrer ao apoio do
Banco de França, para suprimento de ouro ou para os descon-
tos da praça de Londres. O que é curioso é que a legislação não
foi alterada para atender a êsses casos de emergência, e o arti-
fício da suspensão da lei, nessas ocasiões, foi considerado como
a solução do problema. E, na verdade, a não ser em 1857, o sim-
ples ato da suspensão foi suficiente para dominar o pânico.
A velha doutrina de que o Departamento Bancário do Banco
de Inglaterra devia ser dirigido como qualquer outro banco ainda
tinha, entretanto, partidários influentes, até que, em 1873, Ba-
gehot, em seu célebre livro “Lombard Street”, demonstrou, com
lucidez decisiva, quais eram e deviam forçosamente ser as res-
ponsabilidades do Banco de Inglaterra para com a economia da
Nação. Desde então, não mais foi discutida a natureza das fun-
ções do Banco de Inglaterra, definitivamente consagrado como
Banco Central.
O Banco tinha o capital de £ 14 45 milhões. Qualquer pes-
soa, mesmo estrangeira, podia ser acionista. Não havia risco de o
Banco ficar sob o contrôle estrangeiro ou de outro banco, por-
que cada acionista devia ter um mínimo de £ 500 para ter di-
reito a voto, e nenhum acionista teria direito a mais de um
voto.
O Banco de Inglaterra tinha e ainda tem uma pequena clien-
tela especial do Comércio e da Indústria. Se bem que êle não
concorra e não deseje concorrer com outros bancos, em suas
operações, guarda, no entanto, a liberdade de fazê-lo, se assim
vier a ser de sua conveniência, a qualquer tempo.
Além do Govêrno e dos bancos, têm conta no Banco de
Inglaterra as grandes casas de desconto, as casas bancárias de
emissão de títulos e de finança, e alguns bancos centrais estran-
816 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

goiros. Êsse contato direto entre as fôrças mais importantes do


mercado monctário interior e exterior é considerado conveniente
à estrutura do Banco. Algumas grandes companhias de segu-
ros, como alguns grandes corretores de bôlsa têm conta no
Banco de Inglaterra, mais com o objetivo de utilização de suas
excelentes caixas-fortes do que para outro fim.

$ 2.º — Evolução de Após-Guerra

Por ocasião do rompimento da guerra de 1914-1918, a le


autorizou a suspensão temporária do limite máximo da circula-
ção fiduciária, ao mesmo tempo que autorizava o Tesouro a
emitir notas de £ | e 10 shillings. O limite mínimo de £ 5, até
então em vigor para as notas do Banco de Inglaterra, importava
em manter a circulação da moeda-ouro (ou moeda divisionária
de prata) para as denominações inferiores a £ 5, isto é, para a
moeda de circulação corrente. Essa moeda-ouro foi durante a
guerra pouco a pouco retirada da circulação, recolhida às caixas
do Banco de Inglaterra e substituída pelas notas de £ | e 10
shillings.
Quando restabelecido o padrão-ouro em 1925, foi adotada
uma providência da maior importância. Acabou-se definitiva-
mente com a circulação da moeda-ouro, primeiro passo para O
afastamento da libra esterlina do legítimo padrão-ouro. Passou-
-se a adotar o chamado Gold Bullion Standard, em que a con-
versibilidade só podia ser exigida para uma importância mínima
de 400 onças de ouro equivalente a cêrca de £ 1.700. Não se
cunhava mais moeda de ouro; ela era definitivamente substi-
tuída pelas notas de £ 1 e 10 shillings.
O Currency and Bank Notes Act (lei monetária e bancá-
ria) de 1928, transferiu do Govêrno para o Banco de Ingla-
terra a responsabilidade dessas notas de pequena denominação.
O total de notas em circulação montava, nessa ocasião, a mais
de £ 350 milhões, em comparação com cêrca de £ 30 milhões
em 1914. Não era possível nem necessário exigir do Banco que
mantivesse uma reserva-ouro correspondente a êsses £ 350 mi-
lhões de notas. Entendeu-se que as notas de pequena denomi-
nação, moeda indispensável aos pagamentos correntes, ficariam
sempre em circulação, para as necessidades usuais da população,
não necessitando, portanto, de provisão-ouro para conversibili-
O BANCO DE INGLATERRA 317

dade. A circulação fiduciária foi então limitada, pela lei, em


£ 260 milhões, sendo as demais notas garantidas, integralmente,
por lastro-ouro. Manteve-se assim o princípio geral da lei Peel
de 1844, de uma circulação fiduciária limitada e de lastro-ouro
integral para tôdas as notas que excedem êsse limite. Com duas
grandes modificações: a da substituição da antiga circulação de
moedas-ouro por notas fiduciárias de £ | e 10 shillings e a do
limite mínimo de £ 1.700 para a conversibilidade, Qualquer
aumento da circulação fiduciária só podia ter lugar, mediante so-
licitação do Banco e aquiescência do Tesouro e por um prazo
de seis meses, renovável no máximo até dois anos, revertendo
ao Tesouro o lucro proveniente da emissão suplementar.
Quando em 1925 a Inglaterra voltou ao padrão-ouro, a li-
bra, que no fim da guerra havia sofrido uma depreciação de
cêrca de 30% em relação ao ouro, foi restabelecida em sua an-
tiga paridade. Isso só foi conseguido à custa de um processo
de deflação a que se teve de recorrer, não só antes de 1925 para
permitir o restabelecimento daquela paridade, como depois de
1925 para mantê-la. Os efeitos dessa deflação prolongada, com
seu triste cortejo de compressão de preços e de desemprêgo,
ainda perduravam em 1929, quando a crise de outubro dêsse
ano nos Estados Unidos deu o sinal do início da grande depres-
são que se iria alastrar pelo mundo todo. O decréscimo de ex-
portações inglêsas, decorrente da redução geral do poder aquisi-
tivo em todos os países, agravou sua situação industrial e seu
balanço de pagamentos. Em julho de 1931, verificou-se o co-
lapso do sistema bancário na Alemanha. A posição da praça de
Londres era a de credora e devedora de créditos a curto prazo.
Devedora de outras praças pelos depósitos que elas habitualmen-
te mantinham em Londres e credora especialmente de fundos
supridos à Alemanha. A suspensão de pagamentos da Alema-
nha no exterior desarticulou essa máquina delicada. Os deten-
tores de capitais flutuantes depositados em Londres foram to-
mados de pânico, e as retiradas se efetuaram em massa. Apesar
do auxílio do Sistema de Reserva Federal e do Banco de França,
a paridade-ouro da libra foi suspensa em setembro de 1931.
Em 1932 foi criado o Exchange Equalization Fund (Fundo
de Compensação de Câmbios), independente do Banco de Ingla-
terra e destinado a amparar as taxas cambiais contra excessivas
variações. Isso representa o primeiro passo importante no sen-
818 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tido da dissociação entre as duas funções da reserva-ouro: a da


garantia da moeda e a de fundo de compensação do balanço de
pagamentos internacionais.
A missão de defesa do esterlino contra os movimentos de
especulação monetária internacional passou das mãos do Banco
para as do Exchange Equalization Fund, subordinado diretamen-
te ao Tesouro e dotado, inicialmente, com uma larga quantidade
de letras do Tesouro, com as quais, dada a procura que então
prevalecia de esterlinos, o Fundo foi acumulando boa provisão
de ouro. O chamado “acôrdo tripartido” de 1936, entre a Ingla-
terra, a França e os Estados Unidos, permitiu uma ação combi-
nada dos três governos capaz de dominar qualquer tentativa im-
portante de especulação monetária internacional.
Os balanços do Fundo não são publicados, para não ofere-
cer elementos de orientação aos especuladores.
O Fundo defende o Banco contra a repercussão das entra-
das e saídas de ouro sôbre a quantidade de moeda em circulação,
corrigindo assim, na medida do possível, um dos maiores de-
feitos do padrão-ouro.
Graças às operações do Fundo, pôde o Banco de Ingla-
terra continuar a observar as estipulações do Currency ard Bank
Notes Act, de 1928, sem ficar na dependência dos movimentos
perturbadores de capitais flutuantes internacionais.
O mecanismo de operação do Fundo, juntamente com o
Banco, conduzido com habilidade, e em harmonia com os Esta-
dos Unidos e a França, representou grande melhoria de técnica
monetária em relação ao período de 1925-1931. 128
Em fevereiro de 1939, o Govêrno submeteu ao Parlamento
uma Currency and Bank Notes Bill, pelo qual o lastro que ga-
rante a circulação de notas do Banco de Inglaterra — ouro e
títulos — passou a ser reavaliado, cada semana, aos preços do
mercado, e qualquer diferença entre essa avaliação e a impor-
tância das notas em circulação, ajustada, não como até então
pelo reajustamento da quantidade de notas ao lastro, e sim pelo
processo inverso, de diminuir ou aumentar o lastro, conforme o
caso, por meio de transferência de ouro, de ou para o Fundo
de Compensação de Câmbios. Isso pressupõe que o Fundo esteja
sempre em condições de suprir êsse ouro. Em caso contrário,

126. Savers — “Modern Banking”, pág. 195 ff.


- O BANCO Dk INGLATERRA 319

resta o recurso legal de aumento da quantidade de moeda fidu-


ciária, não lastrada.
O volume de notas, e não mais o volume da reserva-ouro,
passou a ser o fator determinante dos meios de pagamento.
Assim, a rigidez do ato de 1844 começou, como vimos, a
ser contornada, pouco depois de sua promulgação, pelo desen-
volvimento do uso do cheque, que utiliza meios de pagamento
independentes da emissão de notas. À evolução prosseguiu, com
a adoção em 1925 do Gold Bullion Standard, em 1932 com a
organização do Fundo de Compensação de Câmbios e em 1939
com a quase independência da quantidade de moeda vis-â-vis
do ouro. Desapareceu também a velha estipulação que obrigava
o Banco a respeitar a relação de £ 3-17-9 de notas emitidas para
cada onça de ouro em depósito. Essa relação passou a ser a do
preço do ouro no mercado.
A quantidade de notas lastradas por ouro continua a man-
ter correspondência com o valor variável dêsse ouro, “ao preço
do mercado”. Mas o critério que passa a presidir a determinação
do volume de notas em circulação não é mais o do maior ou
menor lastro-ouro (transferível de ou para o Fundo de Com-
pensação), e sim o das necessidades da economia do país. Tal é
o princípio do Currency Management, isto é, da moeda dirigida.
É o abandono do princípio obsoleto de que a quantidade de
meios de pagamento de um país tem de ficar na dependência do
lastro-ouro.
Para não afetar, possivelmente, o prestígio internacional do
esterlino, continua o padrão-ouro, sob a forma de Gold Bullion
Standard, com as válvulas da transferência de ouro de ou para
o Fundo, do recurso ao aumento da parte fiduciária da emissão
e, ultima ratio, da suspensão da conversibilidade.
Ao apreciar esta reforma em 1939, não se pode deixar de
dar razão a Paul Warburg quando, ao referir-se ao Banco de
Inglaterra, o chamou de organização híbrida e peculiar.
Esta reforma foi, por vários autores, errôneamente interpre-
tada como um retôrno aos princípios do Banking Principle, da
moeda passiva. Pelo fato de ser a quantidade de notas o fator
dominante, julgaram êles que essa quantidade seria aquela que
o público julgasse necessária para suas transações. À orienta-
ção é, entretanto, exatamente a oposta. É de moeda dirigida,
mas dirigida pelas autoridades monetárias, de acôrdo com a po-
320 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

lítica monetária adotada em cada situação, com o objetivo de


manter estável o nível de preços ou de promover a estabilidade
da indústria e dos negócios. Para isso — e não para abandonar
a moeda às supostas necessidades de negócios — é que foi dada
maior elasticidade ao sistema.

8 3.º — Taxa de Desconto

O Banco de Inglaterra conservava a única reserva-ouro do


país. Sôbre o seu Departamento Bancário recaía o impacto de
tôdas as necessidades de moeda do país, e sôbre seu Departa-
mento de Emissão o encargo de proteger a reserva-ouro contra
a possível drenagem por parte de outras nações.
Fôsse a pressão de caráter interno ou externo, ela só podia
ser exercida mediante a disponibilidade de depósitos no Banco,
Sempre que o Banco descontava uma letra, e assim criava um
depósito, êle abria a possibilidade de uma retirada de ouro. Se o
Banco não velasse pelo volume de seus descontos e, portanto,
de seus depósitos, êle ficaria ameaçado de retiradas de ouro su-
periores a suas possibilidades. Se êle nunca recusasse atender
às solicitações dos pretendentes ao desconto, a sua posição po-
deria tornar-se insustentável, a menos que essas solicitações pu-
dessem ser contidas dentro de razoáveis limites, por algum ou-
tro processo. Êste outro processo foi encontrado na taxa de des-
conto.
Já na Comissão Parlamentar de 1832 o então governador
Palmer, do Banco de Inglaterra, sob a inspiração de Ricardo,
dizia: “Eu entendo como emissões excessivas as que resultam
de uma situação de preços mais altos do que em outros países,
tornando assim os câmbios desfavoráveis e produzindo um afluxo
de notas à procura do ouro do Banco”. “O remédio” — prosse-
guia Palmer — “consiste em aumentar o valor da moeda, pois
que, aumentando êsse valor, se diminuem as facilidades do pú-
blico e do comércio em descontar o seu papel, o que tem por
efeito limitar as transações e operar uma redução de preços;
essa redução de preços alterará a nossa situação vis-a-vis dos
preços estrangeiros, reduzindo a importação e estimulando a ex-
portação, voltando o ouro e a prata às caixas do Banco e reti-
ficando-se a contração de crédito que tinha sido necessária”.
Por valor da moeda, Palmer entendia a taxa de desconto.
O BANCO DE INGLATERRA 321

Em 1840, Tooke chamava a atenção para o poder que ti-


nha uma taxa alta de desconto de atrair ouro para Londres.
Declarava Tooke: “O efeito sôbre o câmbio, de uma alta da
taxa de desconto, é o de induzir os capitalistas estrangeiros a não
retirar as suas disponibilidades de Londres, como o fariam se a
taxa não fôsse elevada; ao mesmo tempo, essa alta da taxa teria
o efeito de diminuir a tendência dos capitalistas dêste país de
inverter seus recursos em títulos estrangeiros, podendo levá-
los, mesmo, a vender êstes títulos para inverter em títulos in-
glêses. Além disso, a alta da taxa de desconto, operando uma
restrição de crédito neste país, pode induzir os negociantes a
reduzir o financiamento das exportações e a financiar as im-
portações com capital estrangeiro”.
Finalmente, Bagehot, desenvolvendo e completando o pen-
samento, acrescentava: “O capital, como qualquer outra mer-
cadoria, aflui para o lugar onde a procura é maior. Assim que a
taxa de desconto se eleva em Londres, os bancos do Continente
e outros mandam, desde logo, grandes somas para o mercado
de Londres. Enquanto a situação do crédito em Londres é sólida
e boa, uma alta do valor da moeda produz imediatamente o efeito
de uma atração de dinheiro para Lombard Street. Por outro lado,
a alta da taxa de desconto age imediatamente sôbre o comércio
dêste país. Os preços caem; em consequência, as importações
diminuem, as exportações aumentam, e torna-se, portanto, maior
a probabilidade de o ouro afluir para êste país”.'”
Na Inglaterra, os bancos comerciais não redescontam dire-
tamente no Banco Central; quando precisam aumentar as suas
disponibilidades, êles só podem contar com seus recursos pró-
prios, seja pela redução da quantidade de aceites ou letras do
Tesouro em carteira, seja pela redução das quantias empresta-
das aos corretores sob a forma de call money, seja pela redução
das facilidades de crédito usualmente concedidas. À taxa a que
o mercado monetário de Londres desconta, compra e vende le-
tras é sempre mais baixa do que a taxa do Banco de Inglaterra;
de sorte que, se e quando os corretores de letras ou casas de des-
conto, por fôrça da redução dos empréstimos de call money,
que normalmente lhes concedem os bancos de comércio, são for-
çados a recorrer ao Banco de Inglaterra, êles pagam a êsse Banco

127, BaceHoT —. “Lombard Street”, págs, 46-47.


322 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

uma taxa mais elevada do que aquela a que comumente operam,


tornando-se, assim, o recurso ao Banco de Inglaterra uma ope-
ração punitiva.
Não é que em Londres a taxa a que os bancos comerciais
fazem adiantamentos aos seus clientes seja inferior à taxa ofi-
cial do Banco de Inglaterra; em regra, ela é superior. Mas a
taxa de call money a que êles emprestam (sem prazo) ao mer-
cado monetário, isto é, aos corretores e casas de desconto, é não
só inferior à que êles cobram de seus clientes para quantias e
prazos fixos, como inferior à taxa de desconto do Banco de
Inglaterra. E, quando os bancos comerciais restringem o call
money ao mercado monetário, êsse mercado é forçado a recorrer
ao Banco de Inglaterra, pagando uma taxa de desconto mais
elevada.
A compreensão dêste mecanismo é essencial para que se
possa entender o modo por que a taxa do Banco de Inglaterra
se pode impor ao mercado, isto é, tornar-se efetiva. De fato, su-
ponhamos que a taxa do Banco de Inglaterra seja de 5% e que
o mercado monetário esteja descontando letras a 4% e que, por
fôrça de circunstâncias favoráveis, da abundância de recursos,
essa taxa do mercado monetário baixa de 4 a 3,5 e de 3,5 a 3%.
Que efeito terá neste caso sôbre o mercado a taxa do Banco de
Inglaterra, que ficou em 5%? Evidentemente nenhum. O mer-
cado monetário fica, assim, inteiramente desprendido do Banco
de Inglaterra, perdendo êste o contrôle sôbre as taxas reais de
desconto na praça de Londres. Em outras palavras, o Banco de
Inglaterra não tem como efetivar a sua taxa, quer dizer, como
impor ao mercado monetário a sua vontade e a sua política, no
que respeita às taxas de desconto.
Ora, uma situação dessa ordem pode ter repercussões muito
sérias. Os corretores de letras e as casas de desconto não são
obrigados a pensar nas possibilidades de inflação, nem na segu-
rança da reserva-ouro do Banco de Inglaterra. Se o dinheiro é
abundante, êles vão fazendo seus negócios a taxas mais baixas
e aumentando o volume de letras descontadas, sem tratar de
saber se isso pode ter repercussões sôbre o câmbio ou abrir a
porta para que os mercados estrangeiros possam adquirir uma
influência quiçá preponderante sôbre o ouro de Londres. Quan-
do a taxa de desconto do mercado monetário de Londres cai a
níveis baixos, as letras dos mercados estrangeiros afluem, na-
O BANCO DE INGLATERRA 323

turalmente, em grande quantidade, para Londres. É fácil de com-


preender. Imaginemos que um banqueiro de Paris tem uma
letra no valor de 1.000 libras e que a taxa de desconto em Pa-
ris é de 59%; se a letra tem 90 dias a correr, êle a venderá em
Paris pelas 1.000 libras, menos a importância de 5%, durante
90 dias. Se, entretanto, em Londres se cobra 3%, em vez de
So, O banqueiro francês irá vender sua letra em Londres, pelas
1.000 libras, menos 3%, apenas, durante 90 dias, isto é, em
melhores condições do que no mercado de Paris. Mas, quando
o banqueiro francês assim vendeu a sua letra em Londres, que
aconteceu? A praça de Paris aumentou suas disponibilidades
na praça de Londres, e essas disponibilidades representam, em
última análise, a faculdade de tirar ouro do Banco de Inglaterra.
Se, portanto, a taxa do mercado monetário em Londres fica
independente da taxa do Banco de Inglaterra e pode baixar à
vontade, sem que o Banco possa intervir, as consegiiências po-
dem ser sérias, pela agravação da situação cambial e pela possi-
bilidade de drenagem do ouro do Banco de Inglaterra. O Banco
teria sua reserva-ouro constantemente ameaçada por uma massa
de créditos estrangeiros criada pelo mercado monetário, que não
trabalha em colaboração com êle e que trata sômente dos seus
interêsses.
Antigamente, nos tempos em que Bagehot escrevia o seu
“Lombard Street”, a influência dos recursos do Banco de Ingla-
terra no mercado monetário era muito grande. Êsse mercado re-
corria freqiientemente ao Banco de Inglaterra, que podia, então,
forçar a efetividade de sua taxa de desconto. Com o enorme
crescimento da máquina de crédito dos grandes bancos de des-
conto, porém, o mercado monetário passou a ficar quase
independente do Banco de Inglaterra, tornando, assim, difícil, se-
não impossível, a êsse Banco Central tornar efetiva a taxa de
desconto que melhor convém aos interêsses do país e à defesa
do seu estoque de ouro. Para se defender dessa situação, o Banco
de Inglaterra recorria a um processo chamado da hidden hand
(mão oculta), que nada mais era do que o que hoje se chama
de operações de open-market. O Banco tomava dinheiro empres-
tado ao mercado monetário, subtraindo, assim, a êsse mercado
uma parte dos recursos com que êle operava, até obrigá-lo a vir
bater à sua porta. Por êsse meio indireto, o Banco de Ingla-
terra tornava efetiva a sua taxa. Essa cperação, de iniciativa do
324 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Banco, retirando (e outras vêzes aumentando) os recursos do


mercado monetário, é a operação de open-market. Quando o
Banco de Inglaterra toma dinheiro emprestado ao mercado mo-
netário, êsse dinheiro lhe é entregue sob a forma de cheques
contra os bancos de desconto, o que importa em reduzir os sal-
dos dêsses bancos no Banco de Inglaterra e, como êsses saldos
constituem o encaixe dos bancos, isto é, a base sôbre que êles
concedem crédito, êles são forçados a restringir êsse crédito e a
levantar a taxa de desconto para empréstimos ao mercado mo-
netário. Era por êsse processo complicado e indireto que o Banco
de Inglaterra conseguia impor a efetividade de sua taxa e de-
fender a sua reserva-ouro.
Isto se tornava necessário porque, com a expansão dos
grandes bancos de desconto, o preço da moeda em Londres não
era mais a taxa a que o Banco de Inglaterra descontava letras
e emitia notas, e sim a taxa a que os bancos concediam a seus
clientes o direito de sacar cheques. A superestrutura de moeda
bancária criada pelos bancos dominava o mecanismo da emissão
de notas previsto pela lei Peel de 1844.
Depois da guerra de 1914-1918, a situação passou, entretan-
to, por uma evolução. E uma das razões que facilitaram essa evo-
lução foi a da progressiva redução do número de bancos de des-
conto prâticamente a cinco, chamados os big five, cuja direção
passou a colaborar diretamente com a do Banco de Inglaterra.
Reconheceu-se não só a necessidade para o país de que o con-
trôle monetário fôsse exercido pelo Banco de Inglaterra, como
o fato de que êsse Banco sempre disporia, afinal, de meios para
forçar a sua predominância.
Atualmente, por tradição já firmada, os bancos de des-
conto não emprestam ao mercado monetário call money a taxa
inferior a 1% abaixo da taxa do Banco de Inglaterra, e não pa-
gam a seus depositantes taxa superior à de 2% abaixo da do
Banco de Inglaterra.
O mercado monetário de Londres está assim novamente
sob o contrôle do Banco de Inglaterra.
Seria difícil, senão impossível, a qualquer outro país copiar
a organização do Banco de Inglaterra, porque o funcionamento
do sistema inglês se baseia na existência de um enorme mercado
monetário, que não tem paralelo, senão em Nova York. E é atra-
O BANCO DE INGLATERRA 325

vés dêsse mercado monetário que o Banco de Inglaterra se co-


munica com os bancos de desconto e controla o crédito da praça
de Londres.
Nas condições em que a experiência e a tradição o organi-
zaram, O sistema inglês permite, entretanto, um contrôle mais
seguro sôbre o volume de crédito do que o do Banco de França
ou dos Bancos de Reserva Federal americanos. Em França e nos
Estados Unidos, os bancos de desconto podem recorrer livre-
mente ao redesconto no Banco Central, ao passo que os bancos
de desconto na Inglaterra são forçados a operar dentro dos li-
mites de seus recursos próprios, sem contar com a colaboração
do Banco de Inglaterra.

8 4º — O “Open-Market”

Depois da guerra de 1914-1918, o Banco de Inglaterra passou


a recorrer francamente às operações de open-market. Quando o
Banco adquire títulos no mercado, sejam êles obrigações ou le-
tras do Tesouro ou outros títulos de primeira ordem, isto im-
porta em creditar os vendedores dêsses títulos, pela soma
correspondente, nos livros do Banco. Essas pessoas que assim
venderam seus títulos ao Banco Central são tôdas clientes dos
bancos da praça, de sorte que o fato de serem elas creditadas por
determinada quantia nos livros do Banco Central importa em
aumentar as reservas dos bancos da praça no Banco Central,
isto é, em aumentar a base de crédito à disposição dêsses bancos
e, portanto, a facilitar a expansão do crédito. Inversamente, quan-
do o Banco Central lança mão dos títulos de sua carteira, ven-
dendo-os no mercado, o pagamento que êle recebe das pessoas a
que vende êsses títulos lhe é feito por cheques contra os bancos
da praça. Diminuídas suas reservas no Banco Central, êles são
forçados a reduzir o crédito a seus clientes.
Assim, quando o Banco Central intervém de sua própria
iniciativa no mercado, para comprar títulos, êle aumenta as dis-
ponibilidades de reserva dos bancos particulares e favorece a ex-
pansão do crédito. Quando, ao contrário, vende títulos no
mercado e recolhe dinheiro, êle diminui as reservas dos bancos
e contrai o volume do crédito.
A taxa de desconto é uma arma empregada para dificultar
ou facilitar o crédito. À operação de open-market é mais direta,
326 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

mais incisiva, mais objetiva, porque não se limita a dificultar


ou facilitar, e sim a restringir ou aumentar diretamente a base
dêsse crédito.
O Banco de Inglaterra, dispondo, sempre, em carteira, de
um volume considerável de letras do Tesouro, com vencimentos
convenientemente escalados, pode, a qualquer momento, exe-
cutar operações de open-market, simplesmente aumentando ou
diminuindo o volume de letras do Tesouro em carteira. Quanto
maior o número de letras do Tesouro que o Banco absorve, maio-
res as disponibilidades de dinheiro no mercado.

+
fe *

Até o fim da guerra de 1914-1918, a política monetária se-


guida pela direção do Banco de Inglaterra era de uma grande
simplicidade. Ela se limitava, por assim dizer, ao problema de
manter a reserva-ouro do Banco. À adaptação das condições de
crédito às necessidades do Comércio e da Indústria do país, a es-
tabilização do nível dos preços não entravam, até 1914, na cogi-
tação do Banco de Inglaterra. O volume do crédito ficava, prin-
cipalmente, na dependência da quantidade de ouro de reserva
do Banco Central. Era um sistema simples e, por assim dizer,
automático. O Banco de Inglaterra manobrava sua taxa de des-
conto segundo as tendências de entrada ou saída de ouro.
Como diz Keynes em seu “Tratado da Moeda”: “O sistema
de antes da guerra nada fazia no sentido da estabilização dos
preços ou da compensação aos efeitos dos ciclos de prosperidade
ou depressão, pois que o Banco de Inglaterra entendia que não
devia intervir nesse ato de Deus”,
Depois da guerra, o conceito dos deveres que recaem sôbre
o Banco de Inglaterra, como sôbre os bancos centrais em geral,
foi considerâvelmente ampliado. O Banco Central passou a ser
encarado como o instrumento destinado a manter a estabilidade
do nível dos preços ou — mais difícil e de maior alcance, —
a estabilidade de tôda a estrutura econômica.
Em que princípios se devia basear, de então por diante, a
direção da moeda? Qual o objetivo a fixar? Preços estáveis ou
preços mais altos? Estabilidade ou alteração dos rendimentos
monetários?
O BANCO DE INGLATERRA 327

A grande depressão da indústria inglêsa, depois da primeira


guerra, fêz com que todos os esforços se orientassem no sentido
de restabelecer a sua prosperidade.
O Banco de Inglaterra passou a participar da formação de
outras instituições destinadas a promover o crédito industrial e
a racionalização da indústria. Em novembro de 1929, formou-se,
sob os auspícios do Banco de Inglaterra, o Securities Manage-
ment Trust, para o fim de investigar problemas industriais e
econômicos. Em 1930, o Banco participou da formação do United
Dominion Trust, para financiar a produção industrial, especial-
mente a aquisição de máquinas e aparelhamento. Uma organi-
zação subsidiária desta, a Credit for Industry, formou-se em 1934
para facilitar capitais à pequena e à média indústrias. Em abril
de 1930, sob os auspícios do Banco de Inglaterra e sob a presi-
dência de seu governador, formou-se o Bankers Industrial De-
velopment Company, com o capital de seis milhões esterlinos,
com o objetivo de receber e estudar propostas para a racionali-
zação das indústrias básicas da Inglaterra. Essa instituição teve
importante papel no financiamento e remodelação da indústria
algodoeira do Lancashire.
Novas possibilidades e novos objetivos para os bancos cen-
trais passaram a constituir o objeto de estudos e discussões do
maior interêsse, que a guerra veio interromper.
Pelo Bank of England Act, de fevereiro de 1946, passaram
tôdas as ações do Banco à propriedade do Tesouro de Sua Ma-
jestade, sem que fôsse feita qualquer alteração substancial de
estatutos ou regime de operação.
CAPrÍTULO XXIII

O BANCO DE FRANÇA

$ 1.º — Regime Monetário

Até 1870, o regime monetano francês era o do bimetalismo.


em que o ouro e a prata eram reciprocamente conversíveis na ba-
se de uma relação determinada em lei. Depois da guerra franco-
-prussiana, tendo-se generalizado a adoção do padrão-ouro, a
França foi se afastando do bimetalismo e desfazendo-se da prata,
em troca do ouro, mas o regime do bimetalismo só em 1928 foi
revogado de jure.
Em 1883 foi fixado o máximo da emissão em 3.200 milhões
de francos, limite êsse que foi posteriormente elevado de acôr-
do com as necessidades, sem que, porém, fôsse estipulada qual
quer proporção obrigatória entre o encaixe metálico e a emissão.
Como vimos no capítulo XXI, êste regime confere grande
elasticidade ao sistema monetário, pois que, em caso de crise, o
Banco pode não só dispor de seu encaixe metálico para pô-lo
em circulação, como recorrer ao Legislativo para o simples au-
mento da cifra máxima da emissão. Do ponto de vista da con-
versibilidade, todavia, o sistema não oferece garantia alguma,
uma vez que o Banco poderia até reduzir a zero seu encaixe
metálico. Na realidade, o Banco de França foi sempre adminis-
trado com muita prudência e sabedoria, e o seu encaixe metá-
lico foi sempre dos mais fortes entre os bancos centrais.
Em 1914, por fôrça da guerra, foi decretado o curso for-
cado, que se manteve até a lei de 25 de junho de 1928, que res-
tabeleceu a conversibilidade sôbre uma nova paridade de 65,5
miligramas de ouro de 900 milésimos por franco, mas sob o
regime do Gold Bullion Standard, como na Inglaterra, não sendo
330 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

o Banco de França obrigado a suprir o ouro em troca de notas


para quantias inferiores a 215.000 francos. Introduziu-se então
uma modificação radical no regime de base de emissão, substi-
tuindo-se, ao sistema do máximo legal, a obrigação para o Banco
de manter um encaixe de ouro não inferior a 35% de suas
responsabilidades à vista (como no Sistema de Reserva Federal
americano). Nenhuma distinção existe mais entre notas e de-
pósitos no Banco de França. A proporção de 35% aplica-se a
ambas as responsabilidades, o que é, aliás, perfeitamente lógico,
pois que um depósito no banco de emissão é considerado equi-
valente a dinheiro em caixa.
Em 1935-1936, sob o govêrno de Blum, a agravação dos de-
ficits orçamentários, a agitação política e a crise econômica fi-
zeram com que novamente fôsse suspensa a conversibilidade,
declarando a lei monetária de 1.º de outubro de 1936 que o
franco passaria a ser representado por uma quantidade de ouro
variável de 43 a 49 miligramas.
Finalmente, a lei de 4 de maio de 1938 preparou a estabi-
lização do franco, relativamente à libra esterlina, em uma base
não excedente de 179 francos por libra e, de fato, o câmbio se
manteve nas vizinhanças dêste algarismo até o rompimento da
segunda guerra.

8 2.º — Estrutura

O Banco de França era uma sociedade anônima com o ca-


pital de 182.500.000 francos.
Malgrado sua forma de emprêsa privada, o Govêrno dis-
punha de todos os meios para exercer forte influência na admi-
nistração do Banco.
O governador e os dois vice-governadores eram nomeados
por decreto do presidente da República. Considerava-se que o
Banco, gozando do privilégio de emissão e controlando a situa-
ção monetária do país, devia ser administrado com objetivos de
interêsse geral e que, nestas condições, os seus dirigentes deviam
ser nomeados pelo Estado.
O governador presidia o Conselho Geral e lhe submetia tô-
das as medidas de importância relativas à administração do
Banco; nomeava todos os empregados, salvo os diretores das
sucursais. Nenhuma deliberação do Conselho tinha fôrça exe-
O BANCO DE FRANÇA 331

cutória sem a aprovação do governador, o qual, por sua vez,


não tomava qualquer decisão importante sem a aprovação do
Conselho. De fato, era o governador que tomava a iniciativa de
tôdas as medidas relativas à política de crédito e de desconto.
Desde 1936, o Conselho Geral compunha-se de 26 mem-
bros: o governador, os dois vice-governadores, 20 conselheiros
e três censores, sendo que êstes últimos tinham as funções que,
em nosso país, geralmente se atribuem ao Conselho Fiscal, sem
voto no Conselho.
Dentre os 20 conselheiros, dois eram escolhidos pelos acio-
nistas, nove representavam os interêsses econômicos e os ou-
tros nove representavam os interêsses coletivos da Nação. O Go-
vêrno, nomeando o governador, os dois vice-governadores e os
nove conselheiros que representavam os interêsses coletivos,
dispunha de 12 votos sôbre 23, sem mesmo contar os represen-
tantes das organizações profissionais, sôbre cuja designação o
ministro das Finanças exercia grande influência,
As atribuições do Conselho Geral eram extensas: êle fi-
xava a taxa de desconto e de adiantamentos; determinava o má-
ximo de crédito que podia ser concedido a cada emprêsa; auto-
rizava as emissões de notas; aprovava os contratos com o Es-
tado e com os outros estabelecimentos públicos e aprovava ou
recusava aprovação às medidas importantes propostas pelo go-
vernador.
Os censores assistiam às sessões do Conselho Geral, sem
direito a voto; êles tinham, entretanto, a faculdade de aprovar
ou rejeitar tôda proposição do Conselho Geral que autorizasse
emissão de notas. Além disso, êles examinavam a contabilidade
e apresentavam à assembléia geral anual um relatório, em que
analisavam sumâriamente os vários títulos do balanço.
Até julho de 1936, apenas os 200 maiores acionistas tinham
direito de voto na assembléia geral, mas, a partir dessa data, os
estatutos concederam êsse direito a todos os acionistas. Nenhum
acionista podia ter, contudo, mais de um voto, qualquer que
fôsse o número de suas ações.
Os poderes da assembléia geral eram, aliás, extremamente
restritos. Ela se limitava a ouvir o relatório anual do governador
e pouco mais podia fazer do que aprovar as proposições que lhe
eram apresentadas e eleger os três censores e os dois membros
do Conselho Geral que representavam os acionistas.
332 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

O Govêrno socialista que subiu ao poder depois da segunda


guerra encampou o Banco de França e “nacionalizou” os outros
grandes bancos franceses.

$ 3.º — Banqueiro do Estado

O Banco de França é o banqueiro do Estado, a quem dá,


para seus movimentos de fundos, um concurso permanente, re-
colhendo, em todo o território do país, as receitas depositadas
pelas tesourarias gerais e fazendo os pagamentos autorizados.
O Govêrno fica assim aliviado da questão de transferência de
dinheiros de um para outro ponto do país. O Banco paga, sem
qualquer comissão, os juros dos títulos do Govêrno.
Além dos serviços financeiros que presta ao Tesouro, o
Banco de França paga várias taxas pelo privilégio de emissão;
a taxa de 4% sôbre o montante da circulação produtiva e de
0,2% sôbre a circulação improdutiva, sendo a primeira repre-
sentada pelos descontos e adiantamentos e a segunda pelo en-
caixe metálico e adiantamentos ao Estado. Além dessas duas
taxas, foram criadas, em 1918, algumas outras adicionais e o
Estado, já antes da encampação, participava dos seus lucros,
recebendo do Banco uma soma igual a qualquer excesso de di-
videndos acima de uma taxa determinada.
Às agitações políticas e a precariedade das finanças força-
ram o Govêrno, em várias ocasiões, a abusar do crédito do Banco
de França. Em 1926, os adiantamentos chegaram a 38.000 mi-
lhões de francos, que foram quase inteiramente reembolsados
até 1928, quando a lei limitou o adiantamento do Banco ao Es-
tado a 3.200 milhões de francos, sem juros.
Novamente em 1936 e 1937, com os sucessivos deficits
orçamentários e o abalo do crédito do Estado, o Banco teve de
recorrer à inflação e, em maio de 1938, os adiantamentos ao
Estado atingiam a 40.000 milhões de francos.

8 4.º — O Banco dos Bancos e Banco de Desconto

O Banco de França é o banco dos bancos e supridor de


moeda e crédito, em última instância. Uma grande parte de
seus depósitos é constituída por depósitos de outros bancos, que
O BANCO DE FRANÇA 333

guardam, sob essa forma, uma parte de suas reservas. Êsses


depósitos lhes facilitam não só as operações de clearing por meio
de cheques sôbre o Banco de França, como lhes permitem uti-
lizar a grande rêde de filiais e agências do Banco para cobrança,
pela França tôda, das obrigações que lhes são devidas. O Banco
de França tem cêrca de 150 sucursais e 500 agências, fazendo um
enorme serviço de cobranças. Os outros bancos habitualmente
redescontam seus títulos no Banco de França poucos dias antes
do vencimento, como meio de transferir a cobrança ao Banco.
Mas a principal vantagem para os bancos em ter conta no
Banco de França é a da imediata disposição de notas para aten-
der a qualquer necessidade ordinária ou extraordinária.
Ao contrário do Banco de Inglaterra e do Sistema de Re-
serva Federal americano, o Banco de França concorre com os
outros bancos, recebendo depósitos e concedendo, diretamente
aos particulares, descontos e adiantamentos em suas 150 su-
cursais. Êsse princípio tem inconvenientes. Não é justo que o
Banco Central se utilize dos depósitos dos outros bancos para
com éles concorrer. De outro lado, sendo o Banco de França
concorrente dos bancos comerciais, êstes hesitam, muitas vêzes,
em recorrer ao Banco Central, para não descobrir sua clientela
e seus negócios. E, quando um Banco Central faz as mesmas
operações que os bancos comerciais, êle pode, em ocasião de
crise, encontrar-se nas mesmas aperturas que êstes e, portanto,
em condições precárias para socorrê-los.
Na prática, porém, esta política não tem efeitos tão preju-
diciais quanto poderia parecer. À exigência de três assinaturas
dificulta o desconto direto aos particulares, obrigando-os a re-
correr à alternativa de duas assinaturas com garantia colateral
de títulos. Por outro lado, o Estado, pelo menos nos últimos
tempos, tem tão largamente lançado mão dos recursos do Banco,
que a pequena margem restante para desconto tem feito com
que o Banco de França não procure trabalhar diretamente com
particulares. Em 1937, o Ativo do Banco de França era repre-
sentado na proporção de 51 % por seu encaixe metálico e divi-
sas, na de 35% pelos adiantamentos ao Estado e na de 12%
apenas pelos descontos e adiantamentos aos outros bancos e aos
particulares. O Banco de França também não paga juros sôbre
contas-correntes. Se o fizesse, isso aumentaria a sua despesa e o
forçaria a cobrar uma taxa de desconto mais elevada.
334 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Os estatutos do Banco de França fazem do desconto a sua


função essencial. É através do desconto que o Banco preenche,
vis-à-vis dos outros estabelecimentos de crédito, a sua função
de banco dos bancos.
O Banco é autorizado a descontar todos os efeitos de co-
mércio sôbre a França ou sôbre o estrangeiro, que tragam três
assinaturas notôriamente solváveis e cujo prazo de vencimento
não exceda de 90 dias; alternativamente, duas assinaturas em
vez de três, mais a garantia colateral de títulos da categoria que
o Banco aceita em suas operações de adiantamentos.
Os estatutos do Banco proíbem o desconto de letras ditas
de circulação, criadas pelos seus signatários, sem causa, nem va-
lor real, isto é, de títulos de favor.
Até julho de 1936 (lei Blum), o Banco de França só des-
contava efeitos comerciais; mas, a partir de então, passou a
admitir a desconto, sem limitação de quantidade, todos os tí-
tulos da Dívida Flutuante, com vencimento não superior a três
meses.
Ísto cria uma margem, quase indefinida, às possibilidades
de emissão e de inflação, dificilmente conciliáveis com a obriga-
ção de manter o mínimo de 35% de reserva em relação a notas
e depósitos.
Os bancos de depósitos, redescontando normalmente no
Banco de França, não podem dar a seus clientes uma taxa de
desconto mais baixa do que a que vigora para o redesconto no
Banco. Por isso, a taxa de desconto do Banco de França é geral-
mente efetiva.
Além da ação sôbre o crédito no interior do país, a taxa de
desconto do Banco de França agia também, nos tempos de esta-
bilidade monetária, sôbre os movimentos internacionais de ca-
pitais. Os bancos franceses tinham, ordinâriamente, capitais dis-
poníveis colocados em outras praças e, quando o Banco de
França elevava sua taxa de desconto acima da das praças es-
trangeiras de segurança equivalente, os estabelecimentos de cré-
dito faziam refluir seus capitais para o país, de preferência a re-
descontar no Banco de França. Âo contrário, se o Banco de
França reduzia sua taxa de desconto, abaixo da praticada no
estrangeiro, os bancos redescontavam no Banco de França uma
parte de seus títulos em carteira, assim se provendo de recursos
O BANCO DE FRANÇA 335

que podiam colocar em outras praças, onde, com igual segurança,


obtinham melhor juro.
Em geral, o Banco de França procurava manter uma taxa
de desconto tão moderada e estável quanto possível. Sob o re-
gime do padrão-ouro, êle só elevava sua taxa em dois casos:
quando a especulação de bôlsa ameaçava atingir níveis excessi-
vos, caso em que a alta da taxa de desconto dificultava os reports,
ou quando havia a ameaça de evasão do ouro, capaz de afetar
o seu encaixe.
Além do desconto de títulos comerciais e de letras do Te-
souro, o Banco, a partir de 1936, também desconta warrants de
mercadorias depositadas em Armazéns Gerais, sob a condição
de que essas mercadorias tenham sido admitidas pelo Conselho
Geral como podendo servir de garantia. O desconto de warrants
repregenta um adiantamento sôbre mercadorias que não são
objeto de operação comercial em curso.
Ainda pelo desconto, o Banco de França supre aos bancos
populares os recursos para auxiliar o pequeno comércio e a pe-
quena indústria.
Tal é a relação das operações de desconto que executa o
Banco de França.
O Banco de França opera também em adiantamentos, sôbre
títulos do Govêrno, dos departamentos, das municipalidades ou
dos organismos parestatais, como obrigações do Crédit Foncier,
ações e obrigações das grandes companhias de estradas de ferro.
Os adiantamentos são feitos ao prazo máximo de três me-
ses, mas podem ser renovados.
A taxa dêsses adiantamentos é sempre superior à taxa do
desconto. Além disso, é de regra que a taxa de juros cobrada
pelo Banco sôbre seus adiantamentos seja sempre um pouco
mais elevada do que a dos títulos que servem de garantia, pois
que, se o Banco cobrasse taxa mais baixa do que a do rendimento
dos títulos, seus possuidores teriam vantagem de tomar dinheiro
ao Banco de França para comprar novos títulos e receber por
seus cupões mais do que o juro devido ao Banco, o que condu-
ziria ao abuso do crédito.
A partir de 1935, o Banco de França passou também a con-
ceder adiantamentos até o prazo de 30 dias, sob a garantia
de títulos da Dívida Flutuante, de prazo não superior a dois
336 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

anos. É um meio de socorrer estabelecimentos bancários em


dificuldades ocasionais e para esta espécie de operações a taxa
de juros não é, como para os demais adiantamentos, superior à
taxa de desconto do Banco.
Finalmente, o Banco de França concede adiantamentos sô-
bre barra ou moeda de ouro, operação que faz quase exclusi-
vamente com os bancos de emissão estrangeiros que desejam
obter créditos em francos. A duração dos empréstimos é de
36 dias.

%
x a

Há a assinalar uma peculiaridade do mercado de desconto


de Paris. O melhor papel comercial, com assinaturas de primeira
ordem, é descontado em um mercado livre, chamado marché
hors banque, em que as taxas são sempre um pouco mais baixas
que a taxa oficial. As assinaturas do papel que corre neste mer-
cado são as da haute banque, do alto comércio ou da grande
indústria. Os compradores nesse mercado hors banque são os
grandes estabelecimentos de crédito e algumas emprêsas de pri-
meira categoria, como o Crédit Foncier, a Companhia de Suez
e as grandes companhias de estradas de ferro, cuja abundância
de tesouraria faz com que elas procurem colocações de dinheiro
a curto prazo e de grande mobilidade e segurança.
O mercado de Paris caracteriza-se ainda por uma atividade
relativamente grande no mercado dos reports da Bôlsa, cujo
montante depende da atividade da especulação. Êste setor do
mercado monetário é estimulado pelo fato de a Câmara Sindical
dos Corretores de Câmbio tomar a responsabilidade das opera-
ções feitas por cada um de seus membros e de dispor essa Cã-
mara de um fundo de reserva de várias centenas de milhões de
francos. É usual o emprêgo de recursos disponíveis dos bancos
e de capitalistas nessa espécie de colocação a curto prazo.

$ 5.º — Mercado Monetário — “Open-Market”*

O mercado monetário francês, ao contrário do de Londres,


não tem grande amplitude. Paris não é um grande empório co-
mercial como Londres, Nova York ou Amsterdã, de sorte que
O BANCO DE FRANÇA 337

o mercado de Paris não é provido do grande volume de letras


que constitui a base do mercado monetário. De outro lado, os
aceites bancários também não se têm desenvolvido, não ha-
vendo profissionais do aceite e os grandes bancos receando fa-
ciltar a circulação de suas assinaturas. Também a legislação
francesa relativa à garantia colateral é complicada; a operação
é sujeita a vários impostos e à assinatura de contrato, o que por
demais dificulta as operações de call money.
O Banco de França não tinha, até recentemente, a faculdade
de proceder a operações de open-market, isto é, de agir direta-
mente sôbre o mercado monetário pela compra e venda de títu-
los, para aumento ou restrição do volume de crédito. Quando,
como em 1927-1928, havia grande afluxo de capitais estran-
geiros, acompanhado de emissão de papel-moeda, o Banco de
França não podia combater a tendência à inflação por operações
de open-market.
A simples elevação da taxa de desconto é fregiientemente
insuficiente para provocar a restrição do crédito. Se, de um
lado, ela tende a restringir o crédito dentro do país, provoca,
de outro lado, a transferência de fundos do estrangeiro para O
país, e o mercado, dispondo de novos capitais, pode escapar
inteiramente à ação do Banco. Nestas condições, os estabeleci-
mentos de crédito podem descontar a taxas mais baixas do que
a taxa oficial do Banco.
Tampouco em período de depressão podia o Banco de
França recorrer ao open-market para facilitar os negócios.
Em 1927, diante do enorme afluxo de divisas estrangeiras,
o Banco foi autorizado pelo Govêrno a fazer operações de re-
port sôbre essas divisas: o Banco vendia divisas estrangeiras à
vista aos bancos franceses, recomprando-as a têrmo. Às vendas
funcionavam como uma operação restritiva de open-market e,
no vencimento, o Banco procurava renovar a operação, com os
mesmos ou com outros estabelecimentos, tentando, assim, ab-
sorver, por certo tempo, uma parte do excesso de divisas. Foi a
primeira vez em que o Banco de França interveio diretamente
no mercado monetário.
A lei de 17 de julho de 1938 (Paul Reynaud) estendeu as
atribuições do Banco de França e deu-lhe os meios de intervir
no mercado por operações de open-market, dentro das condições
e limites fixados pelo Conselho Geral, operando sôbre títulos a
338 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

curto prazo da Dívida Pública e sôbre papel particular, da qua-


lidade admitida a redesconto. Essa nova arma faculta ao Banco
de França a possibilidade de melhor contrôle do crédito e da
quantidade de meios de pagamento, tornando mais ativos os
seus métodos de operação, cuja feição era até então marcada-
mente passiva.
A estrutura do Banco e seus métodos de operação tradu-
zem bem as características de segurança e de prudência finan-
ceira do povo francês. Mas, quando já hoje se passa a exigir
dos bancos centrais o exercício de uma política monetária «le
mais amplos objetivos, os métodos de operação do Banco de
França nos aparecem por demais passivos e indiferentes.

$ 6.º — Após-Guerra

A partir de 1.º de janeiro de 1946, o Banco de França foi


nacionalizado, assim como os quatro maiores bancos franceses.
Além disso, o Conselho Nacional de Crédito ficou autorizado
a estudar a nacionalização dos demais bancos que, pelo seu de-
senvolvimento, apresentarem as mesmas características dos que
foram nacionalizados.
A lei de 2 de dezembro de 1945 criou o Conselho Nacional
do Crédito, com as mais amplas atribuições e sob a presidência de
um ministro de Estado, ficando-lhe o Banco de França subor-
dinado em matéria de distribuição de crédito. Mas, a partir de
1948, delegou suas funções ao Banco de França.
Desenvolveu-se grande esfôrço no sentido de controlar o
crédito bancário quantitativa e qualitativamente.
Os bancos podem conceder créditos em conta de caução,
sob a garantia de títulos do Govêrno, e descontar efeitos comer-
ciais sem restrições. Para outros créditos, porém, há um limite,
além do qual é necessária autorização do Banco de França.
Se o crédito ultrapassa êsse limite, compete ao Banco or-
ganizar um dossier do cliente e submetê-lo ao Banco de França.
Foi estabelecido um limite máximo ao redesconto (teto)
e a obrigatoriedade de os bancos empregarem um mínimo de
20% do aumento de seus depósitos, a partir de certa data, na
aquisição de títulos governamentais.
O contrôle de crédito, como, aliás, todos os contrôles, torna-
-se com o tempo delicado, interpretativo. Para bem controlar,
O BANCO DE FRANÇA 339

é necessário conhecer; para conhecer, urge controlar cada vez


mais.
O Banco de França responde pelo contrôle dos meios de'
pagamentos, mas, continuando a existir a Comissão de Contrôle
de Bancos, que fiscaliza, controla e disciplina a atividade ban-
cária, assim como o Conselho Nacional de Crédito, com as mais
amplas atribuições, a responsabilidade da política bancária do
país fica diluída.
CAPÍTULO XXIV

O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO

8 1.º — O Sistema Bancário Americano até 1913

O sistema bancário dos Estados Unidos criou-se à imagem


do ideal americano de individualismo e de liberdade. Qualquer
grupo de pessoas solváveis, dispondo de um pequeno capital,
podia fundar um banco, de sorte que o número de bancos inde-
pendentes nos Estados Unidos ascendia, em 1914, a cêrca de
27.000, em comparação com 40 na Grã-Bretanha, 1| no Ca-
nadá, 10 na Alemanha, etc.
Nos têrmos da lei de 1874, a emissão de notas era con-
fiada a uma multiplicidade de bancos nacionais, assim chamados
por serem dependentes da legislação e fiscalização federais, para
distingui-los dos bancos dos Estados, subordinados à legislação
estadual. Êstes bancos nacionais podiam emitir livremente, con-
tanto que depositassem no Tesouro Federal, em obrigações do
Tesouro de tipo determinado (de juro baixo e resgatáveis em
prazo de, geralmente, 30 anos),“*.a importância correspondente
a suas emissões, e que mantivessem uma reserva de 5% em
moeda legal.
Existiam em 1907 cêrca de 7.500 bancos nacionais. À crise
dêsse ano deu lugar a um forte movimento de opinião, no sen-
tido da reorganização do sistema bancário americano. O assunto
foi estudado e debatido, durante vários anos. Uma missão de
técnicos, de que Paul Warburg era figura de destaque, foi man-
dada à Europa para estudar a organização dos bancos centrais
europeus.
Foi aventada a idéia de reformar o sistema bancário do país,
nos moldes do do Canadá, isto é, com um pequeno número de

128. Pela limitação da quantidade dessas “obrigações especiais”, podia O


Govêrno controlar a faculdade de emissão dos bancos nacionais.
342 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

bancos, de múltiplas sucursais. Receou-se, porém, introduzir


uma modificação por demais violenta na organização existente
e resolveu-se manter a rêde bancária em vigor, procurando-se
congregar os bancos de cada região do país em tôrno de um
Banco de Reserva Regional.
Por lei de dezembro de 1913, foi criado o Sistema dos
Bancos de Reserva Federal.

$ 2.º — A Estrutura do Sistema de Reserva

O Sistema ficou constituído por uma rêde de 12 bancos


de reserva, instalados nos principais centros comerciais do vasto
território dos Estados Unidos. Foram também criadas 24 agên-
cias em cidades secundárias. São 12 bancos centrais, fazendo
parte de uma mesma estrutura e coordenados por um instituto
central, que é o Conselho de Reserva Federal, com sede em
Washington.
São assim 12 bancos dos bancos, 12 bancos de emissão,
cujas notas de Reserva Federal circulam em todo o país e cujos
depósitos são facilmente transferíveis de um para outro.
O Conselho de Reserva Federal era originâriamente com-
posto de oito membros nomeados pelo presidente da República
com aprovação do Senado, além do ministro do Tesouro e do
comptroller of the Currency, membros ex officio. O Conselho
estabelece os regulamentos relativos às operações de Reserva
Federal, em tôdas as questões em que a uniformidade é neces-
sária. As taxas de desconto são fixadas pelos diversos bancos
de reserva, mas submetidas ao contrôle e aprovação do Con-
selho.
Cada banco de reserva exerce as funções de clearing em
seu distrito, não só para os bancos filiados ao Sistema como
para os demais bancos que o desejam. O clearing entre os 12
bancos de reserva tem lugar em Washington, como serviço ane-
xo ao Conselho de Reserva Federal.
O capital social de cada um dos bancos de reserva federal
é inteiramente subscrito pelos bancos aderentes da região em
que êles são estabelecidos.
Sôbre os nove membros da diretoria de cada um dos bancos
de reserva, três são nomeados pelo Conselho de Reserva Fe-
deral, um dos quais é o presidente e ao mesmo tempo o repre-
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 343

sentante do Conselho; os seis outros são eleitos pelos bancos


aderentes, acionistas dos bancos de reserva, sendo que três, pelo
menos, devem exercer, efetivamente, o comércio, a agricultura
ou a indústria, na respectiva região.
O número de bancos que aderiram ao Sistema de Reserva
Federal, assim chamados bancos aderentes, corresponde a cêrca
de um têrço do número total de bancos dos Estados Unidos,
mas êsse têrço representa dois terços do total dos depósitos.
Um dos óbices ao aumento do número de bancos aderentes
são as leis bancárias de alguns Estados da União, que permi-
tem reservas e capital bem menores do que os exigidos pelo
Sistema de Reserva Federal. Além disso, os bancos que preten-
dem aderir ao Sistema de Reserva são prêviamente submetidos
a uma inspeção, nem sempre conveniente a certos bancos.
Todo banco aderente deve subscrever ações do Banco de
Reserva Federal do seu distrito, numa importância igual a 6%
do seu próprio capital e reservas; até agora, entretanto, os ban-
cos aderentes só foram chamados a entrar com 50% do valor das
ações subscritas. À medida que aumentam seu capital e reser-
vas, devem os bancos aderentes aumentar sua participação no
capital do Banco de Reserva. Os bancos aderentes são os únicos
acionistas dos bancos de reserva. As ações são intransferíveis.
Se um banco entra em liquidação ou se retira do Sistema, suas
ações são anuladas e êle é reembolsado do que havia pago.
Os bancos de reserva federal não foram criados com o ob-
jetivo de lucro, e sim, como diz a ementa da lei de reserva fe-
deral, “para fornecer uma moeda elástica, oferecer meios de re-
desconto do papel do comércio, criar um contrôle mais eficaz
da atividade bancária nos Estados Unidos e para outros fins”.
Tôda a lei de reserva federal é orientada no sentido do in-
terêsse público. Os lucros excedentes do dividendo máximo de
6% são levados ao fundo de reserva até que êste atinja a im-
portância do capital subscrito do Banco. Daí por diante, levam-
-se a fundo de reserva apenas 10% dos lucros excedentes do
dividendo, revertendo o restante ao Estado.

8 3.º — Banca dos Bancos

Os bancos de reserva prestam aos bancos aderentes várias


espécies de serviços. Concedem crédito pelo redesconto e pelo
344 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

adiantamento. À segurança do crédito concedido decorre não


só do curto prazo como da qualidade do papel redescontado ou
dado em garantia colateral.
Qualquer banco aderente pode levar a redesconto, em seu
Banco de Reserva, letras dos seus clientes que representem, efe-
tivamente, operações comerciais, industriais ou agrícolas. Os
bancos de reserva redescontam papel dessa natureza por prazo
não superior a 90 dias para efeitos comerciais ou industriais, e
não superior a nove meses para efeitos agrícolas.
Qualquer banco aderente pode também obter adiantamen-
tos do seu Banco de Reserva Federal, levando-lhe notas promis-
sórias suas, de prazo não superior a 90 dias, quando garantidas
por efeitos comerciais da mesma natureza dos redescontáveis,
ou por prazo não superior a 15 dias, quando garantidas por
obrigações do Govêrno dos Estados Unidos ou por êle afian-
cadas.
Por uma disposição de lei de 1932, confirmada por outra
de 1935, os bancos de reserva foram autorizados a conceder
adiantamentos até 120 dias, “sob qualquer garantia colateral
que considerem satisfatória”, a uma taxa de 4% superior à
mais alta taxa de desconto em vigor no Banco de Reserva.
A lei faculta poderes ao Conselho de Reserva Federal, no
caso de uma procura de crédito muito acentuada em um dos
bancos de reserva, para fazer com que os demais colaborem nos
redescontos e adiantamentos solicitados daquele.
Os bancos de reserva examinam com cuidado o valor dos
efeitos que lhes são apresentados a redesconto e em garantia
de adiantamentos, e se certificam da solvabilidade de seus sig-
natários. Os bancos aderentes devem apresentar ao Banco de
Reserva o extrato das contas dos clientes cujos títulos são le-
vados a redesconto, para valores superiores a 5.000 dólares, e
cada Banco de Reserva mantém um cadastro muito completo
das firmas e emprêsas de sua região.
O princípio geral do sistema, desde sua criação, é o de que
os bancos de reserva devem atender às necessidades legítimas
do Comércio, da Indústria e da Agricultura. E por isso a lei de-
termina que o Banco de Reserva é obrigado a guardar os títulos
redescontados (correspondentes a essas “necessidades legíti-
mas”) como lastro suplementar das notas de sua emissão parcial-
mente cobertas por ouro. Entende-se que esta precaução constitui
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 345

uma garantia contra a possibilidade de emissões excessivas. Já vi-


mos, entretanto, no 8 12 do capítulo VI (Necessidades dos Negó-
cios) as limitações dessa teoria.
À iniciativa do redesconto e do adiantamento é dos bancos
aderentes, e não dos bancos de reserva, que têm aí uma função
passiva. O mesmo se dá, como veremos, quanto à compra de
aceites bancários, por se ter firmado a tradição de que os bancos
de reserva não se devem recusar a comprar êsse papel de pri-
meira ordem, quando lhes é oferecido pelos bancos aderentes.
A arma de defesa dos bancos de reserva, quanto a redescontos,
adiantamentos e compra de aceites, é a taxa de juros.
Além da concessão de crédito, os bancos de reserva pres-
tam aos bancos aderentes um grande serviço de cobranças e de
transferência de fundos.
Até 1913, as faturas comerciais indicavam a cidade em
que o pagamento devia ser feito, e não havia um método prá-
tico e econômico de cobrança de cheques entre cidades. Havia
comissões de cobrança e de transferência de fundos, que eram
como que um câmbio interior. É o que ainda hoje acontece
em nosso país, em que a transferência de fundos de umas para
outras praças é sujeita ao pagamento de comissões, às vêzes
apreciáveis. E de fato os bancos são por vêzes obrigados a trans-
portar dinheiro de umas para outras praças.
Com a instituição do Sistema de Reserva Federal, os pa-
gamentos passaram a ser feitos por cheques, entre quaisquer
pontos do país, sendo as transferências feitas por intermédio
dos bancos de reserva, sem qualquer despesa ou comissão.
Para o clearing entre bancos de reserva, o Sistema dispõe
de uma rêde telegráfica própria, e as operações se liquidam em
Washington, por simples lançamento de crédito ou débito.

8 4.º —. As Bases da Emissão

Anteriormente à introdução do Sistema de Reserva Fe-


deral, havia, nos Estados Unidos, quatro espécies de moeda cor-
rente: 1) os certificados de ouro, garantidos por 100% de ouro
depositado no Tesouro; 2) os certificados de prata, lastrados
por prata a 100%; 3) os greenbacks, notas de emissão da
Guerra Civil, moeda puramente fiduciária, mas posteriormente
garantida por cêrca de 50%, ouro; 4) as notas dos bancos na-
346 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

cionais dos Estados Unidos, emitidas por êsses bancos, sôbre


lastro de determinadas obrigações federais, como dito acima.
Estas quatro espécies de notas eram francamente conver-
síveis entre si. Suspensa a emissão dos greenbacks, o Sistema
não tinha flexibilidade para adaptar-se à maior ou menor pro-
cura de moeda: o fluxo ou refluxo de ouro ou a maior ou me-
nor quantidade de apólices dos bancos nacionais eram os únicos
fatôres determinantes das variações da quantidade da moeda.
A lei de reserva federal introduziu nos Estados Unidos o
sistema, já em vigor em alguns países da Europa, de uma per-
centagem de lastro-ouro em relação às notas e aos depósitos.
O Sistema de Reserva é obrigado a manter uma cobertura-ouro
de 40% em relação às notas emitidas e de 35% em ouro ou em
moeda legal (de qualquer das quatro espécies acima indicadas)
em relação aos depósitos.
Em caso de emergência, o Conselho de Reserva Federal
pode autorizar a suspensão dessa reserva metálica mínima por
um período de 30 dias, renovável por períodos suplementares
de 15 dias, mediante a imposição de uma taxa a ser adicionada
à taxa de juros ou descontos. Até a suspensão do padrão-ouro
efetivo em 1933, nunca se lançou mão dêsse recurso.
Além da reserva-ouro, as notas de Reserva Federal, que
constituem obrigação do Govêrno dos Estados Unidos e têm a
garantia de todo o ativo dos bancos de reserva, só são entregues
pelo Conselho aos bancos de reserva mediante depósito, em
mãos do representante do Conselho, de uma garantia colateral
de valor igual ao das notas. Essa garantia colateral consiste em:
a) papel redescontado ou recebido como garantia de adianta-
mentos, nos têrmos da lei; b) letras de câmbio ou aceites ban-
cários endossados por bancos aderentes; c) mediante voto da
maioria do Conselho, por obrigações do Govêrno dos Estados
Unidos compradas no mercado livre; d) certificados de ouro.
Além dessa garantia colateral, a reserva-ouro deve manter-
-se nas bases legais supra-indicadas, sendo que os certificados de
ouro da letra d são contados como fazendo parte, ao mesmo
tempo, da garantia colateral e da reserva-ouro. O único reparo
a fazer é quanto à letra c, obrigações do Govêrno dos Estados
Unidos, pois a quantidade de obrigações do Govêrno não tem,
como vimos, qualquer relação com as necessidades de moeda.
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 347

Em 1933 e 1935, a natureza da moeda em circulação so-


freu, como melhor veremos no $ 9.º, várias alterações. Os certi-
ficados de ouro foram retirados da circulação. O volume de
certificados de prata foi muito aumentado, por fôrça do Silver
Purchase Act de 1934. Por outro lado, as notas dos bancos na-
cionais desapareceram em 1935, por ter o Tesouro resgatado
as obrigações especiais que davam direito à sua emissão. Con-
tinuam, ainda, os greenhacks.

$ 5.º — A Concentração das Reservas

As reservas do sistema bancário até então disseminadas nos


cofres dos bancos individuais passaram a ser centralizadas nas
caixas dos bancos de reserva. Graças à concentração, foi pos-
sível baixar a percentagem de reservas que cada banco, indi-
vidualmente, era obrigado a manter em relação a seus depósitos
à vista. Dos 15% a 20%, exigidos pela legislação anterior, pas-
sou a reserva mínima dos bancos aderentes para 13%, 10% e
7 %, conforme se trate de bancos situados nas grandes, médias
ou pequenas cidades. À reserva para os depósitos a prazo, que
era equiparada àà dos depósitos à vista, foi baixada para 3%.
A experiência tem demonstrado que a reserva de 3% em
relação aos depósitos a prazo fixo, é imprudentemente baixa.
Em caso de crise, não é possível deixarem-se exaurir os recur-
sos dos bancos no pagamento dos depósitos à vista, abando-
nando os depositantes de prazo fixo à sua sorte. De outro lado,
os banqueiros procuram incentivar e atrair os depósitos a prazo,
oferecendo taxas de juros convidativas e facilidades de retirada
sem pré-aviso, porque êles podem investir os recursos assim ob-
tidos em títulos de prazo longo e melhor juro. As leis bancárias
de 1933 e 1935 procuraram remediar, em parte, essa situação,
autorizando o Conselho Federal a fixar as taxas máximas de
juros que os bancos podem pagar por depósitos a prazo fixo.
Tôdas as reservas são conservadas nos bancos de reserva,
não tendo mais os bancos aderentes qualquer obrigação relativa
a reservas em suas próprias caixas.
A transferência das reservas dos bancos aderentes para os
bancos de reserva permite uma melhor utilização dessas reser-
vas. É o velho princípio do feixe de varas da fábula de La Fon-
taine. No antigo sistema, nenhum banco, individualmente, es-
348 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

tava em condições de manter reservas suficientes para casos de


emergência. Por ocasião da grande crise de 1907, as reservas
eram amplas. Os Estados Unidos tinham já o maior estoque
de ouro do mundo. Mas elas não podiam ser utilizadas com efi-
ciência porque estavam espalhadas por milhares de bancos.
No Sistema de Reserva Federal torna-se fácil atender a
qualquer banco em dificuldades, com a condição de que êle não
tenha praticado métodos ou operações bancárias desonestas ou
imprudentes e esteja em posição de solvabilidade. As reservas
nos bancos de reserva federal constituem encaixe dos bancos
aderentes.

8 6.º —. Relações com o Mercado Monetário

As ligações entre o mercado monetário de Nova York e os


bancos de reserva são indicadas no esquema abaixo:

! ta 3 4.
ACEITES ABRIGAÇÕES DO LETRAS DO Bása DE
TESOURO casércio riTwos

UF, N N d
=
O

BANCOS DE BANCOS

RESERVA FEDERAL ADERENTES

Dos quatro principais mercados que constituem o mercado


monetário de Nova York, dois têm acesso direto aos bancos de
reserva: o dos aceites e o dos títulos do Govêrno. À lei de re-
serva federal faculta aos bancos de reserva comprar e vender
no mercado livre aceites bancários e títulos do Estado, mas não
lhes permite descontar, diretamente, efeitos comerciais, nem
conceder crédito ao Stock Exchange.
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 349

Os bancos aderentes são, em condições normais, o canal


através do qual o crédito de Reserva Federal supre o mercado
monetário. Éles podem levar aos bancos de reserva, seja para
redesconto, seja como garantia colateral de adiantamentos, os
valores que são objeto de três dos quatro mercados indicados,
a saber: os aceites, os títulos do Estado e os efeitos de comércio,
devidamente endossados.
As taxas de desconto que prevalecem no mercado mone-
tário são, aproximadamente as mesmas, para o Stock Exchange
(4) e para o desconto dos efeitos de comércio nos bancos da
praça (3), e mais altas de /4 a 1% do que as de desconto das
letras do Tesouro e aceites bancários (2 e 1). É natural que
assim seja. As letras do Tesouro são obrigações, a curto prazo,
do Estado. O aceite é obrigação de um banco de primeira or-
dem. Além disto, as letras do Tesouro e os aceites encontram
um mercado amplo a qualquer momento, ao passo que as letras
de comércio devem ser conservadas até o vencimento, a me-
nos que sejam redescontadas. A taxa de redesconto dos bancos
de reserva se mantêm abaixo da taxa de desconto cobrada pe-
los bancos aderentes aos seus clientes (3), mas ligeiramente
acima da taxa em vigor no mercado para desconto de aceites
bancários (1). Dentro da estrutura do Sistema de Reserva Fe-
deral, é natural que a taxa de redesconto dos bancos de reserva
seja mais baixa do que a taxa de desconto comum dos bancos
comerciais, porque o endôsso de um banco aderente no título
redescontado torna o papel mais seguro. À êsse respeito, há
uma grande diferença entre a estrutura bancária americana e
a inglêsa. O Banco de Inglaterra não redesconta nem concede
adiantamentos (salvo em condições inteiramente anormais) aos
bancos comerciais. Se as reservas dêsses bancos escasseiam, êles
começam por deixar vencer as letras do Tesouro em carteira,
sem renová-las; em seguida, passam a recolher os empréstimos
de call money e mesmo a vender títulos de longo prazo; final-
mente, se necessário, reduzem o crédito aos seus clientes, mas
não recorrem ao Banco de Inglaterra. Nos Estados Unidos, o
sistema é inteiramente diferente. É normal que os bancos ade-
rentes redescontem seus efeitos de comércio nos bancos de re-
serva ou obtenham adiantamentos mediante garantia colateral
de títulos. É também normal, ao contrário do que se dá na In-
glaterra, que os bancos de reserva adquiram os aceites que 08
350 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

bancos aderentes lhes queiram vender. É um sistema mais elás-


tico, porém mais passivo do que o sistema inglês.
Outra grande diferença entre o mercado monetário de No-
va York e o de Londres é que, enquanto os bancos de desconto
inglêses emprestam o excesso de suas disponibilidades, sob a
forma de call money a taxas muito baixas, aos corretores e ca-
sas de desconto, que operam na compra e venda de letras e de
aceites, que são títulos de comércio, em Nova York a maior
parte dos empréstimos de call money é feita ao Stock Exchange,
isto é, aos negócios da Bôlsa de Títulos e de especulação e a
uma taxa atrativa.
Em 1926, escreve Burgess, os bancos de Nova York ti-
nham aproximadamente um bilhão de dólares emprestado ao
Stock Exchange. Veremos adiante os inconvenientes que daí
decorrem, e como êles foram, em parte, remediados pela re-
forma de 1935.
Em Nova York, o dinheiro emprestado em call money re-
cebe uma taxa remuneradora e aproximadamente a mesma que
os negociantes pagam pelo desconto de suas letras nos bancos
da praça, ao passo que em Londres o call money é o dinheiro
mais barato de todos. É com êle que trabalham os corretores de
letras, cuja taxa de desconto é também mais baixa do que a do
Banco de Inglaterra, e do que a de desconto dos bancos da praça.
Daí o fato de serem as escalas de taxas na Inglaterra e nos
Estados Unidos quase que o inverso uma da outra. Em julho
de 1926, escreve Keynes,” a escala das taxas de desconto em
Londres e em Nova York apresentava-se assim:
Londres Nova York
1) Call money .........c....... 3% 4
2) Taxa a que o mercado monetário
desconta aceites .......... 444 33%
3) Taxa a que o Banco Central des-
conta êsses aceites ......... 5 314
4) Taxa de redesconto do Banco
Central ....cccccrerereo 5 34
Em Londres, o dinheiro do n.º | serve para os negócios do
n.º 2, o que em Nova York seria impossível. Em Londres, o cor-

129. J. M. Keynes — “Treatise on Money”, vol. II, pág. 238.


O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 351

retor do n.º 2 que fôr buscar dinheiro no Banco Central é pa-


nido por uma taxa mais alta. Tanto em Nova York como em
Londres, a taxa comum do crédito suprido pelos bancos da praça
a seus clientes é mais alta do que a dos bancos centrais (do n.º 4
acima); mas com a diferença de que em Nova York o Banco
Central redesconta para os bancos aderentes, enquanto que em
Londres o Banco de Inglaterra não o faz.
O sistema inglês oferece, é claro, menor elasticidade do
que o americano, porém maior segurança no contrôle do mer-
cado.

8 7.º — O “Open-Market”
EM

ep
Ad
As operações de open-market, operações no mercado livre,
compreendem tôdas as que os bancos de reserva executam, além
do redesconto ou adiantamento concedidos aos bancos aderentes.
Nas operações de open-market, os bancos de reserva, como
se vê à pág. 348, saltam por cima dos bancos aderentes e en-
tram diretamente no mercado, comprando ou vendendo títulos
do Estado, aceites bancários e outras categorias de títulos de
pouca importância.
Referindo-se a essas operações de open-market, Paul War-
burg dizia que os bancos centrais ora funcionam como bigorna,
ora como martelo. Quando êles operam em redesconto ou adian-
tamentos, a iniciativa é dos bancos aderentes e êles funcionam
como bigorna, passivamente. Quando êles realizam operações
de open-market, diretamente no mercado livre, para promover
a restrição ou expansão do crédito, êles funcionam como mar-
telo, ativamente.
Importa examinar se a estrutura de Reserva Federal é ou
não adequada às operações de open-market, isto é, se, quando
os bancos de reserva decidem intervir diretamente no mercado
livre, a estrutura do sistema lhes permite impor a sua vontade
e a sua política.
Na Inglaterra, como os bancos comerciais não podem re-
correr ao Banco de Inglaterra, as operações de open-market do
Banco Central tornam-se fâcilmente efetivas. No sistema ame-
ricano, porém, se os bancos aderentes resolvem se opor à polí-
tica de restrição de crédito dos bancos de reserva, êles podem,
à medida que êstes bancos restringem o crédito por operações
352 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de open-market, proceder a uma operação inversa, criando cré-


dito nos próprios bancos de reserva, pelo recurso ao redesconto
ou aos adiantamentos. Éles podem também contrariar a política
de expansão de crédito dos bancos de reserva, servindo-se dos
recursos assim criados para resgatar suas dívidas para com os
bancos de reserva, em vez de conceder novos créditos.
No caso de uma expansão de crédito, não é curial que os
bancos aderentes se oponham à política de open-market dos
bancos de reserva, mas na hipótese de restrição de crédito, como
o seu interêsse é o de aumentar o volume de seus negócios e
de seus lucros, êles podem se contrapor a essa política.
Parece, portanto, que a estrutura do Sistema de Reserva
não é das mais adequadas, para impor a sua orientação ao mer-
cado monetário. A legislação suplementar de 1933 a 1935 pro-
curou ampliar considerâvelmente os poderes e métodos de ação
dos bancos de reserva nesta parte.
A possibilidade de os bancos aderentes resistirem à polí-
tica de restrição de crédito dos bancos de reserva, é, de qual
quer modo, limitada pela tradição de que os bancos aderentes
não se devem manter constantemente em dívida para com os
bancos de reserva. E os bancos de reserva podem ainda defen-
der-se, elevando a taxa de desconto, se bem que essa arma seja
de resultados duvidosos.
Pode-se resumir o princípio das operações de open-market
nos Estados Unidos dizendo que as compras de títulos pelos
bancos de reserva facilitam aos bancos aderentes a adoção de
uma política de crédito mais liberal e que as vendas de títulos,
aumentando a dívida dos bancos aderentes, os força a adotar
uma política de crédito menos liberal.
O Sistema de Reserva Federal tem praticado a política de
open-market em maior escala do que em qualquer outro país.
No período de 1922 a 1927 as operações de open-market, ora
no sentido de expansão, ora no de redução de crédito, acompa-
nhadas geralmente de baixa ou de alta da taxa de desconto, fo-
ram coroadas de bastante êxito. Mas em 1928 e 1929, como
mais tarde na depressão de 1930-1932, o resultado ficou muito
aquém da expectativa. Em 1928-1929, houve certa falta de
decisão e de coragem na execução das operações. Além disso,
quando os bancos aderentes passaram a restringir o crédito ao
Stock Exchange, os capitais flutuantes de particulares, atraídos
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 353

pelas tentadoras taxas de call money, substituíram-se aos bancos


no suprimento de crédito (loans on account of others). Na de-
pressão de 1930-1932, verificou-se que tôda a política de expan-
são, aliada às maiores facilidades de crédito, não tiveram o po-
der de reanimar uma economia já em plena depressão.
Nem sempre foi fácil fixar a orientação da política a se-
guir. Ocasiões havia em que o Conselho era levado, de um lado,
a restringir o crédito no open-market, para contrariar a inflação
no Stock Exchange e, de outro lado, a ampliar êsse crédito para
sustentar um nível de preços cadente e financiar as safras. Ele-
vando as taxas de desconto para combater o encilhamento no
Stock Exchange, isso contribuiria, ao mesmo passo, para atrair
ainda mais ouro para os Estados Unidos. As operações de open-
-market permitiram, por vêzes, aos bancos de reserva influir no
mercado monetário e no volume de crédito sem elevar a taxa
de desconto.

8 8.º— Defeitos da Rêde Bancária Americana

O Sistema de Reserva Federal americano foi, por assim di-


zer, superposto a um enorme número de bancos independentes,
superior a 25.000.
Com tal multiplicidade de bancos, não pode haver pessoal
competente, formado na tradição e na experiência, como acon-
tece na Inglaterra, com seu sistema de grandes bancos perfeita-
mente organizados e com numerosas sucursais. O hábito de
borrowing short and lending long era usual, e, desde que a ga-
rantia oferecida parecia, no momento, suficiente para respon-
der pelo crédito, êste concedido, sem atenção ao prazo nem ao
risco de variação do valor da garantia. À concorrência entre
bancos nacionais e bancos estaduais conduzia, por sua vez, a
um baixo padrão de métodos bancários. À legislação de vários
Estados permitia um capital muito pequeno e facilitava a multi-
plicidade de bancos e a frouxidão dos métodos.
Essas graves falhas são do conhecimento de todos os que
estudam o assunto.”º Burgess escreve que é humilhante para

130. M. EccLes (Chairman of the Board of Governors do Systema Federal


de Reservas) — “Lessons of Monetary Experience”, pág. 19. BURGESS —
“Reserve Banks and Money Market”, pág. 139. KEMMERER — “A. B. C. of the
Federal Reserve System”, pág. 168,
354 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

uma grande nação ter um sistema bancário de tão baixa quali-


dade. .
Um índice dêsse estado de coisas é dado pelo número d:
bancos que iam anualmente à falência. Em 1926, ano de pros-
peridade, faliam nos Estados Unidos mais de 800 bancos e, em
1931, mais de 2.000.
A par de bancos bem organizados, em Nova York e ou-
tras grandes cidades, persiste ainda uma quantidade de bancos
dirigidos sem os necessários critérios de prudência e de cons-
ciência da responsabilidade.
O Sistema de Reserva Federal dispõe de uma grande orga-
nização de inspeção de bancos, bem como da faculdade de in-
vestigar a situação dos bancos aderentes, mas, como vimos no
capítulo VI, a propósito da regulamentação dos bancos, isso não é
suficiente para assegurar um bom sistema bancário. Nos pe-
quenos kancos dos Estados Unidos, a direção é fregiientemente
confiada a pessoas inexperientes, às vêzes dependentes de ho-
mens de negócios da localidade, com pouco ou nenhum conhe-
cimento de matéria bancária e mesmo com interêsse nos em-
préstimos ou inversões efetuados pelo banco. Esta situação é
agravada pelo vício do mercado monetário americano de em-
pregar as suas disponibilidades de call money na Bôlsa e na es-
peculação de títulos, ao contrário do que acontece na Ingla-
terra, em que o call money é empregado em desconto de efeitos
comerciais. E, nos Estados Unidos, a taxa do call money é mais
alta do que qualquer outra do mercado monetário, circunstân-
cia essa que teve grande responsabilidade no crack de bôlsa
de 1929.
Em seus primeiros 30 anos de experiência, o Sistema de
Reserva Federal nunca teve de enfrentar duas espécies de difi-
culdades com que os bancos centrais europeus, mais de uma vez,
se viram a braços.
Uma é a do abuso do crédito do Banco Central pelos
governos. Na França, como na Alemanha, sem falar em
nosso país, os governos, em aperturas financeiras, têm re-
corrido abusivamente ao crédito do Banco Central, tornando as-
sim quase impossível ao Banco o exercício de sua função pri-
mordial, que é a do contrôle de crédito. Nos Estados Unidos, o
Govêrno americano, até a última grande guerra, não recorreu
diretamente ao crédito dos bancos de reserva; êstes se limita-
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 355

ram a facilitar crédito aos bancos aderentes, sob as garantias


usuais, a fim de permitir a subscrição de títulos do Govêrno, emi-
tidos para financiar a guerra, mas nunca tiveram de emprestar
diretamente ao Govêrno.
A outra grande dificuldade que os bancos centrais da Eu-
ropa têm tido de enfrentar e que os bancos de reserva ameri-
canos nunca tiveram, é a das crises de evasão do ouro, garantia
da moeda em circulação. Vimos como o Banco de Inglaterra
até 1914 quase não tinha outra preocupação, senão a de ma-
nejar a taxa de desconto no sentido de equilibrar seu estoque
de ouro. Nos Estados Unidos, se alguma dificuldade houve, foi
exatamente a oposta, qual a de evitar que um enorme afluxo
de ouro fôsse utilizado como base de inflação. Sob êste aspecto,
não se pode deixar de assinalar que o Sistema de Reserva Fe-
deral conseguiu pleno sucesso, mas essa é uma tarefa bem mais
fácil do que a de lutar contra a evasão e a carência de ouro.
A partir de 1934, o padrão-ouro foi, de fato, abandonado.
Uma boa parte do estoque de ouro, de cêrca de três bilhões de
dólares, liberado pela desvalorização do dólar, passou à plena
propriedade e disposição do Tesouro americano, sendo cêrca
de £$1.800 milhões destinados à criação de um Fundo de Com-
pensação de Câmbio. Em dezembro de 1936 o Tesouro tornou
público o seu propósito de compensar as entradas ou saídas de
ouro, comprando, com a emissão de obrigações do Tesouro, o
ouro em excesso, ou suprindo ouro e resgatando essas obri-
gações.
No funcionamento normal do Sistema de Reserva Federal,
o ouro chegava ao país por intermédio de um banco aderente
qualquer. Êsse banco, depositando-o no Banco de Reserva, au-
mentava sua base de crédito, isto é, seu encaixe, sôbre o qual
podia conceder empréstimos, em proporção quatro, cinco ou
seis vêzes maior. Agora, porém, o banco que recebe o ouro do
exterior é obrigado a vendê-lo diretamente ao Tesouro, sem pas”
sar pelo Banco de Reserva, não havendo mais, portanto, multi-
plicação da base de crédito.
O ouro é esterilizado nos subterrâneos do Forte Knox, no
Estado de Kentucky.
Em 1937 e 1938, diante de um declínio acentuado de pre-
ços e da política de pump priming, o Tesouro não só suspendeu
356 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

a esterilização do ouro novo, como fêz voltar cêrca de $1.500


milhões ao Sistema de Reserva.
Como se vê, o contrôle do estoque e da utilização do ouro
nos Estados Unidos passou, de 1934 em diante, das mãos do
Sistema de Reserva Federal para as do Govêrno.

$ 9.º — As Reformas de 1932-1935

Os enormes prejuízos da desastrosa liquidação em bôlsa,


que se seguiu ao crack de 1929, criaram uma atmosfera de des-
confiança e retraimento, prenúncio da grande depressão. Os
bancos de reserva inverteram desde logo a política de restrição de
crédito, que vinham seguindo; baixaram as taxas de desconto
e entraram no open-market comprando títulos e suprindo re-
cursos. Há quem entenda que o Conselho de Reserva Federal
não agiu, nessa emergência, com a rapidez e a decisão neces-
sárias,”! mas, seja como fôr, a experiência tem demonstrado
que, mesmo as maiores facilidades de crédito, não conseguem,
por si sós, dominar o sentimento geral de desânimo e depressão
causado por acontecimentos dêsse vulto. Quando em 1931 se
apresentavam os primeiros sintomas de recuperação, a crise da
Europa Central, acarretando a suspensão do padrão-ouro na In-
glaterra, agravou considerâvelmente a situação. O prejuízo so-
frido por aquêles que tinham capitais flutuantes em Londres ex-
pressos em libras esterlinas, que se depreciaram, deu lugar a
fortes retiradas de ouro e de depósitos de Nova York. De se-
tembro de 1931 a junho de 1932, as saídas de ouro excederam
um bilhão de dólares, o que provocou um forte endividamento
dos bancos nos bancos de reserva. À obrigação de manter a ga-
rantia colateral das notas de Reserva Federal limitava as dispo-
nibilidades do sistema para operações de open-market destina-
das a facilitar crédito, em larga escala, aos bancos aderentes.
Por outro lado, muitos dêsses bancos tinham exaurido sua pro-
visão de títulos capazes de serem levados ao redesconto. Dai
a necessidade em que se viram de restringir o crédito e de vender
seus títulos a longo prazo. Eram mais de 20.000 bancos, cada
um tratando de se defender, sem uma orientação coletiva.

131. Hawrrey — “Art of Central Banking”, pág. 215.


O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 357

Foi nessa conjuntura que o Congresso começou a adotar


a legislação de emergência, que de 1932 a 1935 introduziu im-
portantes reformas no Sistema de Reserva Federal. Criou-se a
Reconstruction Finance Corporation, com o fim de auxiliar os
bancos, descontando o papel que não pudesse ser legalmente
descontado nos bancos de reserva e adquirindo ações preferen-
ciais dos bancos necessitados de refôrço de capital. A lei Glass-
-Steagall permitiu que os bancos de reserva concedessem adian-
tamentos sob garantias até então não aceitáveis e sôbre títulos
do Govêrno.
Mas o enfraquecimento geral da rêde de bancos fôra por
demais grave. De muitos dêles, o capital havia desaparecido,
no todo ou em parte. As controvérsias políticas, o debate pú-
blico sôbre a situação dos bancos e os rumores de que o novo
presidente desvalorizaria o dólar, deram a contribuição que fal-
tava para o colapso geral do sistema bancário americano de
março de 1933.
Seguiu-se a suspensão do padrão-ouro, decretada pelo Con-
gresso no mesmo mês, juntamente com outras providências de
emergência. Em 1934, o Gold Reserve Act autorizou a desva-
lorização do dólar e, em 1935, uma nova lei bancária consolidou
e modificou as leis dos dois anos anteriores.
O espírito de tôda essa legislação pode ser resumido em
três proposições: a) as exigências legais para o redesconto e,
sobretudo, para os adiantamentos pelo Banco de Reserva, foram
considerâvelmente afrouxadas; os bancos de reserva foram au-
torizados a aceitar qualquer garantia que considerassem satis-
fatória; b) para contrabalançar as possibilidades de inflação e
de abusos que daí pudessem decorrer, foi o Conselho Federal
de Reserva autorizado a lançar mão de medidas restritivas ex-
cepcionais, como a da exigência da duplicação das reservas dos
bancos aderentes e a da ingerência do Sistema de Reserva na
questão do destino e aplicação a ser dada por êsses bancos ao
crédito suprido pelo Sistema; c) muitos dos poderes do Sistema
de Reserva Federal foram transferidos para o Govêrno (secre-
tário do Tesouro).
Pode-se dizer que os poderes do Legislativo, em matéria mo-
netária e bancária, foram, em grande parte, transferidos ao Sis-
tema de Reserva Federal e, sobretudo, ao Poder Executivo. Em
época de crise, Govêrno e Sistema de Reserva podem tomar tô-
358 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

das as medidas que julgarem oportunas para socorrer os ban-


cos; e em caso de inflação podem-lhes impor as mais fortes me-
didas restritivas.
Como estrutura de um sistema bancário, essa legislação não
parece, em princípio, recomendável. Os vícios capitais do sis-
tema bancário americano são os apontados no parágrafo ante-
rior: excessivo número de bancos, mal organizados e dirigidos,
e mercado monetário especialmente favorável à especulação bol-
sista.
A reforma autorizou o Sistema de Reserva Federal a con-
ceder adiantamentos até quatro meses de prazo e mediante as
garantias que forem julgadas satisfatórias pelos bancos de re-
serva. Essas garantias podem agora ser constituídas por quais-
quer títulos, a curto ou a longo prazo, considerados satisfató-
rios. É a derrogação do velho princípio de que o crédito do
Banco Central só deve ser concedido na base de títulos repre-
sentativos de operações legítimas do Comércio, da Indústria ou
da Agricultura.
O Silver Purchase Act de 1934 autorizou o Govêrno a emi-
tir certificados de prata, moeda legal, ao mesmo título que as
notas da Reserva Federal, com a única limitação de que o valor
do estoque de prata não deverá exceder a um têrço do estoque
de ouro. À notar que o Sistema de Reserva Federal não tem
interferência na emissão dêsses certificados de prata, moeda
legal. O Gold Reserve Act de 1934 manteve a suspensão da
conversibilidade das notas de Reserva Federal em ouro, a não
ser na medida em que isso fôsse permitido pelo secretário do
Tesouro, com aprovação do presidente, mas o Banking Act de
1935 manteve a obrigação de serem as notas da Reserva Fe-
deral lastradas por 100% de garantia colateral e por 40% de
certificados de ouro, que também podem ser computados ra
colateral.
Por outro lado, nota-se na reforma de 1935 o propósito de
reagir contra a doutrina, dominante no estatuto de 1913, da
passividade do sistema de crédito em relação aos reclamos da In-
dústria, do Comércio e da Agricultura. No n.º 8 da seção 4, onde
a lei de 1913 dizia: o Sistema “deverá... conceder os des-
contos, adiantamentos, etc.”, a lei de 1935 passou a dizer: o Sis-
tema “poderá... conceder os descontos, adiantamentos, etc.”.
Diz mais que o Sistema poderá expedir instruções quanto às
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 359

condições em que êsses descontos e adiantamentos podem ser


concedidos. E ainda que: “Cada Banco de Reserva deverá man-
ter-se informado da espécie e volume dos empréstimos e inves-
timentos dos bancos filiados, para verificar se não está sendo
feito uso indevido de crédito para fins especulativos de títulos,
mercadorias ou imóveis... 2
No mesmo sentido, a fim de prover o Sistema de Reserva
da autoridade necessária para controlar enormes possibilidades
de inflação, resultantes das novas facilidades concedidas, foi o
Conselho de Reserva autorizado a exigir, quando o julgasse
necessário e oportuno, o aumento da reserva legal dos bancos
aderentes até o duplo da fixada na estipulação legal então vi-
gente.
Essa disposição provou ser tanto mais necessária, quanto
já em 1936 o excesso de reservas dos bancos aderentes era con-
siderâvelmente maior do que o volume de títulos de que dis-
punham todos os bancos de reserva federal para eventuais ope-
rações de open-market destinadas a controlar o crédito. Tôda a
provisão de títulos dos bancos de reserva podia ser vendida em
open-market, sem conseguir absorver os excessos de reservas
dos bancos aderentes. Era uma situação em que os bancos de
reserva federal perdiam todo o contrôle sôbre o volume de cré-
dito. Foi nesta ocasião, pela primeira vez, utilizada a faculdade
dada ao Conselho de Reserva de exigir a duplicação de reservas.
Outra providência de grande alcance contra a possibilidade
de um novo crack semelhante ao de 1929, foi a da legislação
tendente a controlar a especulação em bôlsa. À primeira pro-
vidência legal nesse sentido foi a de não mais permitir que os
bancos de desconto tomassem parte no negócio de emissões de
títulos (exceto títulos do Govêrno), obrigando-os também a
cortar quaisquer ligações com as emprêsas que executavam es-,
sas operações. Assim se procurou remover uma das causas que
haviam contribuído para o enfraquecimento da situação dos
bancos, que se utilizavam de seus recursos a curto prazo para
o financiamento de emissões de títulos a prazo longo.
O Conselho de Reserva Federal foi também autorizado a
prescrever regras e regulamentos relativos à quantidade de cré-

132. Vide a êsse respeito “Federal Reserve Bulletin”, julho de 1926;


RoserTSON — “Economic Essays and Addresses”, pág. 109, e o mesmo Ro-
BERTSON — “Money”, 1.2 edição, pág. 167.
360 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

dito que pode ser dado ou mantido sob garantia de títulos. Com
essa medida procurou-se atingir, em suas raízes, o regime das fa-
cilidades de especulação. Até então, qualquer pessoa podia man-
dar o seu Banco comprar em bôlsa 100.000 dólares de títulos,
dando em garantia êsses mesmos títulos e mais uma margem
de 10.000 dólares em dinheiro, digamos, sistema êsse que per-
mitia, com 10.000 dólares apenas, especular sôbre 100.000 dó-
lares de títulos. Pela nova legislação, esta margem mínima pode
ser determinada pelo Conselho de Reserva Federal.
À lei proibiu aos bancos de operar em empréstimos por
conta de terceiros (loans on account of others), que eram ope-
rações de especulação sôbre títulos, que os bancos faziam por
conta e risco de seus clientes e que haviam constituído uma
modalidade de especulação largamente utilizada em 1929.
A lei de 1935 deu poderes aos bancos de reserva para exi-
gir a substituição de diretores ou funcionários de bancos ade-
rentes, que tenham infringido a lei ou praticado operações im-
prudentes, ouvidos os interessados. Foi também consignada nes-
sa lei a faculdade de o Conselho, a que nos referimos no pará-
grafo anterior, fixar o limite máximo de juros sôbre depósi-
tos a prazo fixo.
Por fim, a lei de 1935, consolidando providências da lei de
emergência de 1933, criou definitivamente a Federal Deposit
Insurance Corporation, que garante a segurança de todos os
depósitos bancários até $5.000. Os bancos segurados contri-
buem para êsse fundo com uma prestação anual de 1/12% do
total de seus negócios. Não se pode deixar de dizer que é la-
mentável, para o bom nome de um sistema bancário, que tal
providência tenha sido julgada necessária. Demais, a medida pe-
naliza os bancos bem dirigidos, exigindo-lhes a mesma contri-
buição que a dos bancos que precisam recorrer ao seguro para
dar confiança a seus depositantes. Por outro lado, a garantia
dos depósitos pode induzir certos banccs à prática de operações
arriscadas.
Quanto ao padrão-ouro, as leis de 1933 e 1934 declararam
ilegal e passível de fortes penalidades, não só a circulação de
moeda-ouro como a própria posse de ouro em moeda ou em
barra ou mesmo dos certificados de ouro. Todo o ouro foi re-
colhido aos cofres do Tesouro. Os bancos de reserva também
recolheram o seu ouro ao Tesouro, contra a entrega de certifi-
O SISTEMA DE RESERVA FEDERAL AMERICANO 361

cados especiais de ouro, que passaram a constituir suas reservas.


Mas êsses certificados só são conversíveis em ouro, na medida
em que o secretário do Tesouro entender conveniente. O pre-
sidente foi autorizado a fixar o valor ouro do délar entre os
limites de 50% e 60% do valor ouro do primitivo dólar. E deter-
minou a estabilização temporária na base de 59,06. O lucro (2)
em ouro decorrente dessa desvalorização foi, como vimos, des-
tinado em parte ($1.800 milhões) à constituição do Fundo de
Compensação de Câmbios. Foi mantida a faculdade conferida
ao Govêrno pelo Silver Purchase Act de emitir certificados de
prata, como moeda legal.
Seja dito de passagem que o objetivo visado pela desva-
lorização do dólar foi o de promover, prontamente, a alta geral
de preços e combater a depressão. Parece assim que o Govêrno
entendia haver uma ligação direta entre o preço do ouro e o
preço de tôdas as coisas. Mas a elevação do preço do ouro não
importa em aumentar a quantidade de meios de pagamento do
país e em elevar o nível geral de preços.
É possível que as reformas por que passou o sistema mo-
netário e bancário dos Estados Unidos o tenham melhor adap-
tado às contingências do momento, mas, do ponto de vista da
organização do Sistema de Reserva Federal, a nova legislação
justifica sérios reparos. O Govêrno pode emitir e pôr em cir-
culação certificados de prata, moeda legal, sem dependência do
Sistema de Reserva Federal. O presidente tem autorização, que
lhe foi conferida por lei de 1933 (Thomas amendment), de emi-
tir até $3 bilhões de moeda fiduciária, greenbacks. A política de
esterilização do ouro, sua exportação e importação, bem como
a manipulação do Fundo de Compensação de Câmbio estão tam-
bém na exclusiva dependência do Govêrno.
Por outro lado, as disponibilidades do mercado monetário
são tais que raramente recorrem hoje os bancos aderentes ao
crédito da Reserva Federal, de sorte que dificilmente poderia o
Sistema de Reserva controlar o crédito com a taxa de desconto
e as operações de open-market. Os bancos aderentes dispõem de
vultosas quantidades de títulos do Govêrno e de um grande ex-
cesso de reservas. Qualquer intervenção no sentido de reduzir
essas reservas afetaria o mercado de títulos do Govêrno e o fi-
nanciamento dos seus deficits.
862 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Nestas condições, não é mais possível atribuir ao Sistema


de Reserva Federal a responsabilidade da política monetária e
bancária dos Estados Unidos. A estrutura tornou-se híbrida e
mista, enfeixando o Govêrno em suas mãos quase todos os
poderes.

&
% %

No momento, as tendências da opinião americana autori-


zada, quanto ao Sistema de Reserva, talvez se possam assim
resumir: º
1) tendência a obrigar os bancos não aderentes ao Sistema
de Reserva a se submeterem às estipulações concernentes às
reservas, essenciais à segurança do sistema bancário, dando-lhes
também acesso ao amparo em caso de emergência;
2) refôrço dos poderes do Board quanto às reservas e
suas variações;
3) não mais subordinar as diretivas da política monetá-
ria, formuladas de acôrdo com a situação econômica nacional,
à conveniência da Dívida Pública;
4) não voltar ao padrão-ouro, para não subordinar, even-
tualmente, a sorte da economia nacional aos imperativos da de-
pendência internacional.

133. “Monetary Policy and the Management of Public Debt”, “Joint


Committee on the Economic Report”, 1952. Publicação do Congresso.
CAPÍTULO XXV

BANCOS CENTRAIS LATINO-AMERICANOS

Seja dito de início que banco central não é panacéia capaz


de pôr têrmo às vicissitudes monetárias de países cujos padrões
de incapacidade (a que se refere Hawtrey na citação do 8 2.º,
in fine, do capítulo XXI) os mantêm em estado de desregramento
monetário crônico.
Um banco central criado nesse clima, com diretores no-
meados por critérios políticos, incapazes de resistir à pressão in-
flacionária do Govêrno e às solicitações de redesconto pare
bancos corroídos, só serve para desmoralizar a instituição. Nes-
sas condições, não há operações de open-market (ainda que haja
mercado de títulos adequado) capazes de sustentar a cotação
dos títulos públicos.
“Não tem banco central quer quer, e sim quem já atingiu
um padrão mínimo de ordem financeira e administrativa, capaz
co . . :
de permitir o seu funcionamento eficaz”.

& 1.º — Tipos de Economia

A estrutura de um banco central não pode deixar de ser


condicionada ao tipo de economia do país, às condições de seu
mercado monetário e ao grau de sua dependência dos mercados
externos.
A economia de países como os Estados Unidos ou a Ingla-
terra, de produção diversificada, capital abundante, mercado mo-
netário amplo e exportação predominante de produtos indus-

134. Do autor: “A Reforma Bancária e o Problema do Crédito”. Con-


ferência realizada em São Paulo, 1950.
364 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

triais, apresenta características e conjunturas diferentes das de


países de produção e exportação de produtos primários, de ca-
pitais escassos e de mercados monetários rudimentares. Temos
proposto denominar o primeiro tipo de “economias líderes” e
o segundo de “economias reflexas” (capítulo XX), por serem
estas muito mais dependentes daquelas do que aquelas destas.
Enquanto que a prosperidade ou a depressão econômica no Brasil
ou no México, por exemplo, pouca influência têm sôbre a eco-
nomia dos Estados Unidos, a prosperidade ou a depressão da
economia americana tem as mais sérias repercussões não só
sôbre o México e o Brasil como sôbre o mundo inteiro.
O equilíbrio da economia americana é um problema de equi-
líbrio entre economias e investimentos e entre salários e con-
sumo, dentro do país, com muito pouca dependência do exte-
rior. O equilíbrio da economia dos países latino-americanos, de
produção e exportação de produtos primários, está, ao contrá-
rio, na forte dependência não só do volume das safras, isto é,
dos caprichos das condições atmosféricas, como dos preços que
seus produtos encontram nos mercados dos países seus princi-
pais compradores. Nas fases de prosperidade dêstes países, os
preços dos produtos primários se elevam; nas fases de depres-
são, êles baixam, e — o que é mais grave — baixam em maior
proporção do que os preços dos produtos industriais. Daí o fato
de serem as economias reflexas muito mais vulneráveis do que
as economias líderes.
Acresce assinalar, cómo muito justamente observou Raul
Prebish, que no centro cíclico (ou seja, nas economias líderes)
a tendência nas fases de prosperidade é a de expelir meios de
pagamento para a periferia (isto é, para as economias reflexas)
mediante a exportação de capitais, cujos efeitos se superpõem,
nos países para onde êsses capitais afluem, ao do aumento das
exportações. Nas fases de depressão, dá-se o contrário, quer di-
zer, conjuga-se a cessação da entrada de capitais com a redução
de valor das exportações.” Tal seja a intensidade dessas re-
percussões, podem os países latino-americanos ser obrigados a
recorrer ao contrôle temporário do câmbio ($ 3.º do capítulo
XIX), como medida de emergência.

135. Ver, nesse sentido, Savers — “Modern Banking”, Oxford, 1938, pá-
gina 292, insuspeito, como inglês que é.
BANCOS CENTRAIS LATINO-AMERICANOS 365

O amortecimento dos efeitos cíclicos cabe, em primeira li-


nha, às reservas de ouro e de divisas. E é para isso mesmo que
essas reservas são criadas; sua principal função é a de fundo
de compensação do balanço de pagamentos. É para isso igual-
mente que existe o Fundo Monetário Internacional.
Mas cumpre evitar que as variações dessas reservas, que
aumentam nas fases de expansão e se reduzem nas de depres-
são, se traduzam em variações correspondentes da quantidade
do meio circulante do país, como bem observa Otávio Bulhões.!*
Cumpre evitar que os saldos favoráveis ou desfavoráveis do ba-
lanço de pagamentos, por sua influência sôbre a quantidade do
meio circulante, importem em inflação desregrada ou em defla-
ção drástica.
Vemos assim que o problema da manutenção do equilíbrio
econômico e monetário, e, portanto, o problema do Banco Cen-
tral, não é o mesmo nos países de economia líder e nos de eco-
nomia reflexa.
O conhecimento da estrutura e dos métodos de operação
dos três principais bancos centrais do mundo, o americano, o
inglês e o francês, objeto dos três últimos capítulos, é indis-
pensável ao economista de qualquer nacionalidade, não só para
compreender o que se está passando nos países líderes da eco-
nomia mundial, como para haurir preceitos para a organização
do banco central de seu próprio país.
Não se pode, entretanto, copiar, para o caso do Brasil, por
exemplo, o modêlo de um qualquer dos três grandes bancos
cuja organização acabamos de estudar. O Banco Central de um
país deve ser estruturado em função de seu tipo de economia.
Vamos ver que as ferramentas clássicas da política mone-
tária, taxa de juros e open-market, não são quase utilizáveis nos
países subdesenvolvidos.

$ 2.º — Os Instrumentos da Política Monetária

Os mercados monetários, tais como existem nas grandes


praças de Londres ou Nova York, são quase inexistentes nos
demais países. Quase tôda a organização do Banco de Ingla-

136. Otávio BuLHÕES — “O Banco Central no Brasil”, pág. 34.


366 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

terra é calcada sôbre a existência do mercado monetário de Lon-


dres; talvez quase nada da estrutura dêsse grande banco pode
servir de modêlo aos bancos centrais dos demais países. O inte-
rêsse do estudo do Banco de Inglaterra e de seus métodos de ope-
ração está na lição que êle proporciona de como surgiram os pro-
blemas do mais antigo dos bancos centrais e como foram êsses
problemas abordados e resolvidos.
Não é possível contar, no caso de um banco central brasi-
leiro, por exemplo, senão em pequena escala, com a utilização
da técnica de open-market, que pressupõe a existência de uma
bôlsa de títulos capaz de suportar o impacto de suas operações.
E as operações de open-market, além de influir sôbre a taxa de
juros a longo prazo, são uma arma eficaz para atuar sôbre as
reservas dos bancos de desconto.
De outro lado, a arma da variação da taxa de desconto é
muito menos eficaz, não só pela deficiência do mercado mone-
tário, como porque as margens de lucro, de risco e de incerteza
são muito maiores nos países novos, de capitais escassos e de
economia instável, do que nos países de capitais abundantes e
de maior estabilidade econômica. As variações da taxa de des-
conto em países como a Inglaterra e os Estados Unidos reper-
cutem fortemente no mercado de dinheiro a curto prazo e, in-
diretamente, como vimos no 8 4.º do capítulo V, na Bôlsa de Tí-
tulos, cuja conjuntura exerce considerável influência na eco-
nomia dêsses países, na cotação dos títulos de sua Dívida Pú-
blica e na situação de seu sistema bancário.
Importa, pois, no caso dos países latino-americanos, lançar
mão de outras armas de política monetária:
1) Para o contrôle quantitativo do crédito, é essencial que
o Banco Central, a exemplo do Sistema Federal de Reservas,
tenha poderes para fazer variar a percentagem das reservas que
os bancos comerciais devem manter no Banco Central. É o meio
de controlar o encaixe e, portanto, as possibilidades de emissão
de moeda bancária pelos bancos comerciais ($ 4.º do capítulo
VI) e de firmar a efetividade do comando do Banco Central sô-
bre a quantidade dos meios de pagamento. É uma arma a ser ma-
nejada com critério, mas uma arma necessária. À dificuldade de
sua aplicação, nos casos de restrição do crédito, está em que
nem todos os bancos estão em condições uniformes para su-
BANCOS CENTRAIS LATINO-AMERICANOS 367

portar uma chamada de aumento de reservas, sobretudo se a


inflação já tomou impulso. Nesse caso pode-se recorrer à exi-
gência do aumento de reservas correspondentes a quaisquer no-
vos aumentos de depósitos, mesmo na proporção de 100%.
Enquanto os bancos estão na dependência do redesconto
ou dos adiantamentos do Banco Central para a expansão de seus
negócios, o contrôle pode ser exercido através dêsse redesconto
ou adiantamentos. Todavia, quando os bancos “se desprendem ”
do Banco Central, dispondo de reservas que lhes permitem ado-
tar política de crédito ao sabor de seus interêsses, e por vêzes
contrária ao interêsse público, então a arma da exigência do
aumento das reservas é indispensável.
Essa exigência é perfeitamente legitima, por isso que os
bancos exercem uma função pública, como emissores de meio
circulante, isto é, de moeda fiduciária do 2.º grau, e como de-
positários das reservas monetárias do público;
2) Como banco dos bancos, uma das principais funções do
Banco Central é, nos países latino-americanos, como na Europa
ou na América, a de amparar os demais bancos pelo método
usual do redesconto e dos adiantamentos, que não importa aqui
repetir.
Nos países em que o espírito de disciplina bancária foi-se
desenvolvendo e consolidando com o tempo e a experiência,
como na Inglaterra, não é necessário que o Banco Central es-
teja detalhadamente informado sôbre a natureza e o vulto das:
operações efetuadas pelos bancos privados. Onde, porém, êsse
espírito de disciplina não está firmado, como nos países latino-
-americanos e também nos Estados Unidos, é indispensável
que a fiscalização bancária seja efetiva, para que o Banco
Central, responsável pela política monetária e econômica do
país, disponha de informações seguras sôbre o destino, a na-
tureza e o vulto dos créditos concedidos pelos bancos privados.”
Tem-se proposto então conferir ao Banco Central (como
no caso do Banco das Filipinas) poderes para fixar os limites
máximos das importâncias dos empréstimos e investimentos que
os bancos possam fazer ou então para fixar a taxa de aumento

137. Ley de Bancos n.º 12.156, de la República Argentina, cap. III (já
agora Drogada pelo Govêrno PERÓN e substituída por outra muito mais
rástica) .
368 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de tais ativos dentro de prazos determinados, podendo ainda


aquêles limites se referir não sômente aos totais como a cate-
gorias especiais de empréstimos e investimentos."* Nesta última
hipótese entra-se no caminho do “crédito seletivo”, assunto do
$ 5.º do capítulo IX do 2.º volume;
3) Não há contrôle de crédito possível, onde o Banco
Central, em colaboração com o Ministério da Fazenda ou com
uma Junta Monetária, não possa exercer sua ação sôbre o des-
tino e o emprêgo das economias coletivas em mãos dos institu-
tos de previdência, das caixas econômicas e das companhias de
seguros e de capitalização ;'”
4) Indispensável é também a colaboração do Banco Cen-
tral na política tributária. A experiência tem mostrado que a
política de crédito não é suficiente. A política tributária não
pode ser a mesma nas fases de depressão e nas de expansão.
Nas primeiras, devem ser aliviados os impostos diretos, especial-
mente sôbre a parte dos lucros que seja reinvestida, o que não
se justifica nas segundas. Na depressão, o deficit orçamentário
é até, por vêzes, recomendável; na inflação, inteiramente con-
denável. Hão de se conjugar sempre as duas políticas, a mone-
tária e a fiscal;
5) À sábia disposição da lei bancária argentina,” que con-
diciona as taxas de juros pagas pelos bancos a seus depositantes
à taxa de redesconto do Banco Central, é uma providência in-
dispensável.
Igualmente, a estreita colaboração do Banco Central com o
principal banco do país (Banco de la Nación Argentina ou Banco
do Brasil) é muito de recomendar, como meio de firmar a polí-
tica de crédito do Banco Central, de isentá-lo das funções de
banco do Govêrno e de utilizar as agências e filiais no país, do
banco principal;
6) Dada a dificuldade das operações de open-market em
títulos do Govêrno, por ser o seu mercado pequeno demais, pode

138. “Revista Brasileira de Economia”, dezembro de 1948, “Banco Cen-


tral”, pág. 156.
139. “Revista Brasileira de Economia”, dezembro de 1948, cit., págs. 129
e 141, n.º XIV.
140. Ley Argentina cit., art. 6.º.
BANCOS CENTRAIS LATINO-AMERICANOS 369

ser interessante conferir ao Banco Central a faculdade de criar


letras de sua própria emissão e — na eventualidade de uma ex-
pansão inflacionária oriunda das exportações, — “certificados de
participação” destinados a ajudar a absorção das letras de expor-
tação;

7) A função fiscalizadora para manter o necessário padrão


de moralidade e de verdade, no que diz com a estrutura das so-
ciedades anônimas e com as operações de bôlsa, deve caber, em ,
qualquer país, a um organismo análogo ao da Securities Ex-
change Commission (S.E.C.) dos Estados Unidos. Mas deve
haver colaboração e troca de informações entre o Banco Central
€ êsse organismo, e
8) Deixamos para final citação o exame da política cam-
bial do Banco Central.
Êste assunto não pode, porém, ser convenientemente estu-
dado sem conhecimentos de política econômica, que só no 2.º
volume são ministrados. Êsse o motivo por que o assunto passa
a ser tratado no fim dêsse 2.º volume.
CAPÍTULO XXVI

O SISTEMA BANCÁRIO BRASLLEIRO 1“

$ 1.º — As Funções do Banco Central

Sôbre a orientação e princípios gerais por que se deve


guiar a organização do futuro Banco Central no Brasil, já dis-
semos no capítulo anterior.
É, de certo modo, surpreendente que ainda não tenha sido
organizado êsse Banco Central. O fato explica-se, em parte, pela
relutância do Banco do Brasil em ceder algumas de suas atri-
buições e, em parte, pela compreensão, bastante generalizada,
de que o Banco Central não teria por si só o efeito mágico
de pôr ordem em nossa política monetária.
As funções que normalmente pertencem ao Banco Central
estão divididas entre o Tesouro, a Superintendência da Moeda
e do Crédito e o próprio Banco do Brasil, agindo éste último por
conta do Govêrno.
O poder emissor é o Tesouro, que o tem exercido suprindo
papel-moeda à Carteira de Redesconto e à Caixa de Mobiliza-
ção Bancária. Há (Lei n.º 4.792, de 1942) uma estipulação le-
gal que exige 25% de lastro em ouro ou divisas em rela-
ção ao papel-moeda. Mas, quando a quantidade de papel-moeda
excede o limite permitido pelo lastro, o Tesouro encampa a emis-
são, que passa a ser puramente fiduciária.
A Superintendência da Moeda e do Crédito (Decreto-lei
n.º 7,293, de 1945) é o embrião do Banco Central. Ela é dirigida
por um Conselho, presidido pelo ministro da Fazenda, de que fa-

| 141. Esta resenha descritiva do Sistema Bancário brasileiro foi, em sua


maior parte, extraída do trabalho do Prof. ALEXANDRE KAFKA — “Survey
of the Banking System in Brazil”, a ser publicado pela Universidade de Colúm-
bia na Coletânea “Comparative Banking Systems”.
372 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

zem parte o presidente do Banco do Brasil, os diretores das Car-


teiras de Câmbio, Redesconto, Exportação e Importação e mais o
diretor executivo da Superintendência. Cabe a êsse Conselho a
supervisão e coordenação da Política Monetária e Bancária.
Todos os citados membros do Conselho da Superintendência são
demissíveis ad nutum pelo presidente da República, o que quer
dizer que a Superintendência está na dependência exclusiva do
Poder Executivo.
As atribuições da Superintendência ainda não estão bem
sedimentadas pela prática, a não ser quanto à fiscalização dos
bancos, que ela já exerce exclusivamente. Falta ao Conselho da
Superintendência a necessária autoridade legal de supervisão e “&
orientação da política de investimentos e aplicação das caixas
econômicas, dos institutos de previdência social e das compa-
nhias de seguros e de capitalização.
Carteira de Redesconto (leis ns. 449, de 1937, e 2.406, de
1940, e decretos-leis ns. 6.634, de 1944, e 8.494, de 1945) —
O redesconto pode ser concedido sôbre a base de letras de câmbio,
notas promissórias ou duplicatas, tôdas com duas firmas, ou uma
firma e mais o warrant ou conhecimento ferroviário ou marítimo.
Os títulos públicos não são redescontáveis, mas podem ser-
vir de colateral.
O prazo de redesconto é de 120 e até 180 dias, podendo
chegar a um ano, para a Agricultura.
O limite do redesconto para cada banco é o do respectivo
capital e reservas. À taxa máxima cobrável é de 12%.
Até há poucos anos, os melhores bancos comerciais evita-
sam recorrer ao redesconto (sobretudo para não serem incluí-
dos entre os que abusam da instituição).
Grande tem sido o abuso do redesconto. Em vez de ser
utilizado para as necessidades sazonais ou em circunstâncias es-
peciais e temporárias, o redesconto tem funcionado por vêzes
como supridor de capital a bancos de solvabilidade duvidosa.
O total do redesconto, mais os empréstimos da Caixa de Mobi-
lização Bancária e do próprio Banco do Brasil representam cêrca
de 10% do total dos empréstimos dos bancos, correspondendo,
portanto, aproximadamente, a 50% das reservas de caixa, o que
quer dizer que na realidade estas reservas ficam abaixo do mií-
nimo legal.
O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO 373

Caixa de Mobilização Bancária (Decreto n.º 21.499, de


1932, e decretos-leis ns. 6.419 e 6.541, de 1944) — Esta insti-
tuição foi criada para socorrer os bancos em situação ilíquida,
mas solvável, que se vejam em dificuldades por motivo de reti-
rada imprevista de depósitos e consegiiente queda de seu en-
caixe abaixo do mínimo legal.
A direção da Caixa cabe ao diretor da Carteira de Redes-
conto, sob a orientação do presidente do Banco do Brasil, assis-
tido de um pequeno Conselho Administrativo, de caráter con-
sultivo, só sendo obrigatória a consulta no caso de solicitação
de redesconto feita pelo próprio Banco do Brasil.
Aceitam-se quaisquer garantias consideradas satisfatórias:
títulos, inclusive do Govêrno, hipotecas, contratos de contas-
"correntes devedoras, etc.
A lei prevê que o Banco do Brasil, para financiar a Caixa,
receberia o excesso dos encaixes dos bancos acima de 20%.,
acrescentando, porém, que, se os recursos fôssem insuficientes,
o Banco solicitaria do Tesouro o papel-moeda necessário (que
é o que se tem verificado).
Nos têrmos da lei, o prazo máximo dos empréstimos é de
cinco anos, findos os quais, em falta de pagamento, o banco
deve entrar em liquidação. Na realidade, entretanto, o prazo tem
sido indefinido, e a Caixa nada mais pode fazer senão cobrar
10% de juros, o que é menos do que os 12% que a maioria
dos bancos redescontantes cobram usualmente.
Banco do Brasil — Não sendo um banco central, o Banco
do Brasil não pode emitir notas, e talvez seja essa a maior falta
que faz o Banco Central. Porque, não sendo banco emissor, êle
não pode guardar notas não emitidas; tem de recorrer ao Te-
souro e pagar 3% no redesconto, motivo por que, aliás, o
Banco do Brasil trabalha com caixa muito baixa. O resultado
é que as agências do Banco do Brasil nas várias regiões do país
não podem socorrer os outros bancos da região suprindo-lhes o
papel-moeda necessário. O avião é o instrumento de transporte
usual para êsse fim, e as dificuldades de suprimento de papel-
-moeda fazem com que se cobrem comissões para transferência
de dinheiro de uma para outra região do país. O Banco Cen-
tral, uma vez organizado, terá a vantagem não só de facilitar
o suprimento de papel-moeda por suas agências regionais, como
374 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

de permitir, sem qualquer comissão, a transferência de dinheiro


para qualquer ponto do país.
Como bangueiro do Govêrno, o Banco do Brasil cobra-lhe
6% sôbre o saldo devedor.
Às Carteiras de Câmbio e de Redesconto são operadas por
conta do Govêrno. À Carteira de Câmbio cabe a guarda das re-
servas do Tesouro em divisas.
Tôdas essas funções serão transferidas, juntamente com a
“Superintendência da Moeda e do Crédito, para o Banco Central,
quando de sua criação.
Como banco comercial, o Banco do Brasil faz de tudo atra-
vés das suas Carteiras de Crédito Geral, Agrícola e Industrial.
Em princípio, o Banco do Brasil trabalha como qualquer outro
banco comercial; na realidade, porém, sua Carteira de Crédito
Agrícola e Industrial opera largamente em crédito a prazo mé-
dio e mesmo longo. À Agricultura e à Pecuária já têm sido
concedidas repetidas moratórias. Quanto à Indústria, o Banco
tem sido o supridor de capital de muitas delas.

$ 2.º — Bancos Comerciais

O título principal sôbre que operam os bancos comerciais


no Brasil é a duplicata (Lei n.º 187, de 1936). É um título ne-
cessariamente representativo de vendas de mercadorias, sacado
por uma firma e aceito por outra.
A preferência pela duplicata como instrumento de crédito
explica-se pela facilidade e segurança da operação. Além disso,
não exige contrato e é um título redescontável.
Para boas firmas os bancos descontam, em certas regiões,
as duplicatas mesmo sem o aceite. Além das duplicatas, o des-
conto se faz também, em boa parte, na base de notas promissó-
rias para capital de movimento.
O total de títulos descontados é aproximadamente duplo
dos empréstimos em conta-corrente, salvo no caso dos bancos
estrangeiros, em que a situação quase que se inverte, porquanto
êles financiam firmas estrangeiras com garantia das respectivas
matrizes.
Os empréstimos em conta-corrente são feitos sob caução e
prazo não excedente de seis a oito meses. É em geral cobrada
uma comissão de 1% além dos juros sôbre o saldo devedor.
O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO 375

A taxa máxima de empréstimo é de 12% (Decreto n.º 22.626,


de 1932, Lei da Usura). Mas êsse limite é às vêzes infringido.
Por outro lado, os grandes bancos fregiientemente emprestam
à sua clientela a taxas bem mais baixas, porém nunca inferio-
res a 7%.
As taxas máximas pagáveis aos depositantes são fixadas
pela Superintendência da Moeda e do Crédito. No momento,
essas taxas são de 3% para os depósitos à vista e de 5% e até
6% para depósitos populares ou a prazo fixo. Também êsses
limites são às vêzes infringidos. Essas taxas assim fixadas pela
Superintendência não são, como deveriam ser, relacionadas à
taxa de redesconto.
“Têm crescido bastante últimamente os depósitos chamados
populares ou limitados, que fazem jus a melhores juros de que
os depósitos correntes, mas cujo montante é limitado. Estes de-
pósitos populares dos bancos comerciais representam séria con-
corrência às caixas econômicas, as quais reagem ampliando por
sua vez suas contas-correntes sacáveis por cheque.
O total dos depósitos à vista representa aproximadamente
dois terços e os depósitos a prazo um têrço dos depósitos totais.
É opinião corrente de que o total das despesas dos bancos
se aproxima em média de 4% sôbre os depósitos, de sorte que
um banco que paga 3% em conta-corrente não pode empres-
tar a menos de 7%, que é o custo do dinheiro.
Estima-se em 50% a proporção do crédito total que é dado
ao Comércio, interior e exterior, e em 30% o que é dado à In-
dústria. Como a Agricutura é em grande parte financiada pelo
Comércio (firmas exportadoras, beneficiadoras, comissárias,
grossistas), uma parte daqueles 50% se aplica indiretamente
ao financiamento agrícola.
Há cêrca de 3.000 estabelecimentos bancários no Brasil, in-
clusive sucursais e agências. Grande foi a proliferação de bancos
acompanhando a inflação nos últimos 15 anos.
O Banco do Brasil tem 300 agências. Alguns bancos têm
100; nenhum mais de 150.
O total de capital e reservas dos bancos comerciais equi-
vale a cêrca de 13% dos depósitos, Poucos são os investimentos
em títulos nas carteiras dos bancos comerciais, inclusive letras
do Tesouro. Estas são letras a curto prazo, de 3% de juros, que
na realidade têm dado, pelo deságio, um juro de 6% a 11%.
376 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Releva notar incidentemente que é, portanto, preferível ao Go-


vêrno pagar 6% ao Banco do Brasil e que, enquanto essa si-
tuação persistir, não haverá possibilidade de colocação de títu-
los públicos a longo prazo, a uma taxa decentemente aceitável
pelo Govêrno.

$ 3.º — Reservas Bancárias

Os bancos comerciais são obrigados a manter uma reserva


equivalente a 15% dos seus depósitos à vista (até 90 dias) e
10% sôbre os demais depósitos (Decreto n.º 21.499, de 1932).
Desde 1945, porém, ficaram os bancos ainda obrigados a
manter na Superintendência da Moeda e do Crédito, sem juros,
mais 8% e 4%, respectivamente, de seus depósitos à vista e a
prazo. À Superintendência tem, porém, a faculdade de fazer
variar os algarismos dessas percentagens até 75% para mais ou
para menos. No momento, as taxas são de 4% e 3%, respecti-
vamente (Decreto-lei n.º 7.293, de 1945).
Mas, pelo Decreto n.º 9.140, de 1946, a reserva a ser man-
tida na Superintendência passou a ser incluída na reserva no
Banco do Brasil. Contudo, a reserva da Superintendência só
pode ser utilizada com sua permissão, e metade pode ser feita em
títulos do Govêrno,
Não são permitidos depósitos interbancários, desaparecen-
do, assim, o abuso de seu cômputo no cálculo das reservas.
A média geral das reservas sôbre os depósitos de todo o
sistema bancário é, aproximadamente, de 19%. Em muitos paí-
ses existe a chamada reserva de 2.2 linha, que consiste em em-
préstimos sem prazo (call money), letras do Tesouro, etc. Sen-
do essa reserva de 2.2 linha inexistente entre nós, a reserva to-
tal de 19% deve ser considerada insuficiente.
Os bancos estrangeiros e os melhores bancos nacionais, que:
evitam apelar para o redesconto, têm mantido um encaixe con-
siderâvelmente mais alto que aquela média, atingindo em certos
casos a 50%. De outro lado, há um sem-número de pequenos
bancos gue vivem de depósitos obtidos das instituições de pre-
vidência social ou das autarquias e do recurso à Carteira de
Redescontos.
O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO 3717

Como regra geral, pode-se considerar que os bancos cos-


tumam guardar 40% das suas reservas em dinheiro e 60% no
Banco do Brasil.
Em tôda parte do mundo as reservas constituem um ins-
trumento (o principal instrumento nos países latino-america-
nos) de contrôle do crédito bancário. Quanto maior a percen-
tagem de reservas, maior o efeito deflacionário.
No Brasil pode verificar-se paradoxalmente o contrário, por-
que, trabalhando o Banco do Brasil com reservas em espécie
inferiores às dos bancos comerciais, a transferência de reservas
dêstes para aquêle pode importar uma inflação de crédito.
Assim também o recolhimento de saldos do Tesouro ao Banco
Central, que deveria constituir normalmente um instrumento de
deflação, vem, ao contrário, suprir novos elementos de expan-
são de crédito pelo Banco do Brasil.
Donde se vê que o Sistema Bancário brasileiro é uma or-
ganização ideal para o desenvolvimento da expansão do crédito
e da inflação. Dever-se-ia então concluir, em boa lógica, pela
absoluta urgência da criação do Banco Central, em cuja caixa
as notas que entram são anuladas, uma vez que são notas da
emissão do próprio Banco. Mas a conclusão seria ilusória por-
que o resultado seria simplesmente o de aumentar as emissões
de papel-moeda pelo dito Banco Central.
É que não se podem modificar os padrões de comporta-
mento de um povo alterando simplesmente suas instituições.
O necessário é melhorar os padrões de educação, de cultura e
de ética e levar as verdadeiras elites ao Govêrno da Cidade. E
isso é, infelizmente, um problema que não se resolve com de-
cretos.

& 4.º — Caixas Econômicas

São instituições destinadas à guarda e segura aplicação


das economias do povo. Além da Caixa Econômica Federal
muitos Estados mantêm caixas econômicas próprias. Os de-
pósitos são sempre garantidos pelo Govêrno Federal ou dos
Estados.
As caixas econômicas, sobretudo a Federal, têm muita im-
portância no Brasil como fonte de recursos monetários. A Caixa
Econômica Federal tem 2] agências nas capitais dos Estados,
378 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

215 agências comuns e 150 agências postais. É o maior estabe-


lecimento bancário do país. Seus depósitos representam 25% a
30% dos dos bancos comerciais.
Às caixas recebem depósitos populares e limitados. Con-
quanto os depósitos das caixas econômicas sejam, em princípio,
depósitos de economias (savings banks), elas também admi-
tem contas sacáveis por cheque.
A maior parte das aplicações dadas pelas caixas econômi-
cas aos seus recursos que não são recolhidos ao Tesouro, con-
siste em empréstimos hipotecários ou em financiamento de cons-
truções urbanas. Ás aplicações na Indústria são poucas e na
Agricultura nenhuma. Lei recente obriga as caixas econômicas
a depositar uma parte dos seus recursos no Banco de Desen-
volvimento Econômico, controlado pelo Govêrno e destinado
à expansão dos grandes investimentos de caráter nacional, como
energia elétrica, transportes, siderurgia, etc.

$ 5.º — Outras Formas de Crédito

Crédito Agricola:
Crédito concedido diretamente por bancos à Agricultura e
sob formas e prazos adaptados às respectivas necessidades, só
existe na Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil e em
alguns bancos oficiais dos Estados. Financiamento de atividades
agrícolas, — em bases comerciais — pelos bancos comerciais, se
encontra principalmente nos casos em que a Agricultura está
associada à Indústria (usinas de açúcar, indústrias de óleos, etc.).
A experiência do crédito bancário agrícola não tem sido
animadora. Em 1933 e 1938 foram concedidas moratórias à
Agricultura e em 1946 à Pecuária.
Contudo há, conforme dissemos, muito financiamento à
Agricultura feito pelos negociantes não só de gêneros alimenti-
cios de consumo interno, como, principalmente, pelos exporta-
dores (café) e pelos processadores (chamados maquinistas, no
caso do algodão).

Crédito Industrial:
Os bancos comerciais suprem às indústrias o crédito ne-
cessário à aquisição de matérias-primas e à venda dos produtos
O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO 379

acabados. Crédito industrial a prazo médio ou longo, porém,


só a Carteira Agrícola e Industrial o tem suprido, salvo exce-
ções de crédito concedido pelas caixas econômicas, institutos
de previdência e companhias de seguros, e, mais recentemente,
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.

Crédito Hipotecário:
O crédito hipotecário rural é quase inexistente. A dificulda-
de de colocação das cédulas hipotecárias torna praticamente ine-
xeguível esta modalidade de crédito.
O crédito hipotecário urbano, porém, tem sido e está sen.
do largamente suprido para atender ao enorme desenvolvimento
que estão tomando as cidades (em detrimento dos campos) em
todos os Estados do Brasil. Êste crédito tem sido especialmente
lucrativo não só para os institutos de previdência e caixas eco-
nômicas, como, sobretudo, para as companhias de seguros e
de capitalização, quando toma a forma chamada de “incorpora-
ções”, isto é, de grandes construções para venda parcelada em
escritórios ou apartamentos.

Crédito Seletivo:
Não existe qualquer legislação que confira à Superinten-
dência da Moeda e do Crédito poderes especiais para seleção
do crédito. Nos Estados Unidos, o Sistema de Reserva Federal
tem tido poderes para controlar: o crédito ao consumidor (ven-
das a prestações), o crédito à Bôlsa de Títulos (margens mt-
nimas para compra de títulos) e crédito hipotecário (prestação
inicial mínima e prazo máximo). Em França, instituiu-se depois
da última guerra o Conselho Nacional de Crédito, com poderes
de seleção, mas sem instrumentos de contrôle.
No Brasil, o problema do contrôle quantitativo do crédito
através das variações das reservas bancárias e a política de re-
descontos constitui uma providência preliminar e indispensável
para se tratar em seguida das possibilidades de crédito seletivo,
uma vez que as distorsões prejudiciais do crédito têm tido inva-
riavelmente sua origem na incapacidade de um contrôle quanti-
tativo eficiente.
ÍNDICE REMISSIVO
ÍNDICE REMISSIVO

A está longe de ser favorável, 291;


“Acceptance Houses”, 127.
do Brasil reflete a sua estrutura
econômica, 285; efeitos “perversos”
Aceitação Geral, 59; da moeda, 26, sôbre o, 278, 282; efeitos da queda
28; donde deriva a, 28.
da taxa cambial sôbre o, 275; e ta-
Aceites, 108, 115, 126; definição de,
xas cambiais, 265; fundo de com-
126; na França, 128; no Brasil, 128;
nos Estados Unidos, 128; taxas de pensação do, 48, 61, 264, 308; grá-
desconto para os, 130. fico sôbre equilíbrio do, 264; ins-
Acôrdos Bilaterais, 283. tabilidade do — do Brasil, 285; o
Adiantamentos, 305, 307. equilíbrio do, 261; o melhor guia
Aftalion, 193. de política monetária quanto ao,
Aliagem, 45. 279; organizado pelo Fundo Mone-
“Amanhã”, 201. tário Internacional, 278; outros
Angel, J. W., 153. meios de obter o equilibrio do,
Antecipações, 200, 202; a importân-
280; que é o, 265; suposta teoria
cia das, 201.
do, 262; taxa de equilíbrio não
constitui uma teoria do, 281; tran-
Antiquantitativistas, 199.
“Assignats”, 26, 234, 235; cotação em
sações do ativo e passivo do, 258;
três circunstâncias agravantes do
1% do valor dos, 236; depreciação
dos, 242; ensinamento capital da
— do Brasil, 285.
experiência dos, 236; lastro dos, 308;
Banco (s): balanço de 84; balanço
primitivo de, 56; concentração de,
lei considerando crime a recusa ou
122; consolidação dos balanços de,
depreciação dos, 235; único meio de
125; de economias, 138; de investi-
pagamento legal, 235; valor em es-
mentos, 77; emissores de 2.º grau,
pécie metálica dos, 236; valor no- 200; estaduais (Estados Unidos),
minal e real dos, 244,
341; função emissora dos, 113; fun-
Atividade Econômica, 246; recrudes- ções do — de desconto, 113; hipo-
cimento da, 246.
tecários, 77; nacionais (Estados
Auto-Progressão do Processo Infla- Unidos), 341; nota de, 55; padro-
cionista, 222. nização dos balanços de, 121; por
que descontam duplicatas os, 182;
postais de economia, 138; regula-
Bagehot, Walter, 230, 315, 323. mentação e fiscalização de, 120;
Balanço: de Capitais, 259; de Comér- teoria dos, 183; vantagens da con-
cio, 259; de Contas, 259; de Juros, centração dos, 123, 124.
Rendas de Investimentos e outros Banco Central, 59, 62, 85, 293; admi-
itens correntes, 260; de Pagamentos nistração do, 296; banco dos ban-
em Conta-Corrente, 259, 260; de cos e banco emissor, 295; banquei-
Rendimentos, 232; de Serviços, de ro do Govêrno, 295; das Filipinas,
Juros e Dividendos, 259, 260. 304; dificuldade de legislar para
Balanço de Pagamentos, 257; a noção o, 305; funções e estrutura do, 295;
de, 257; caso mais frequente do instrumento destinado a manter a
desequilíbrio do, 283; classificação estabilidade econômica, 326; ins-
e terminologia do, 259; desfavorá- trumento destinado a manter a es-
vel, 264; do Brasil, 285; do Brasil tabilidade dos preços, 326; modali-
em 1947, 259; do Brasil e as qua- dades de organização dos, 297; por
tro elasticidades, 287; do Brasil que os governos mantêm conta no,
384 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

296; relações com o Estado do, 297; Baulieu, Leroy, 47.


relações do Govêrno com o, 299 Beaumont-Pease, 112.
Banco Central Brasileiro: a taxa de Bens: de consumo, 182; de investi-
desconto no, 366; as funções do, mento, 182.
341; divisão das funções que cabe- Bimetalismo, 49, 51, 52, 329.
riam ao, 371; open-market no, 366; Blum, Leon, 330.
relutância na criação do, 371. Bodin, Jean, 205.
Banco de Desenvolvimento Econômi- Bôlsas de Títulos, 131, 132.
co, 378. “Bottle Necks”, 186.
Banco de França, 297, 329; banco dos “Bretton Woods”: acôrdo de, 48.
bancos e banco de desconto, 322; Bulhões, Otávio Gouveia de, 13.
banqueiro do Estado, 332; concor- Burgess, 350.
rente dos outros bancos, 333; des- Bye, Maurice, 13.
conta sôbre titulos da dívida flu-
tuante, 334; desconta sôbre war- c
rants, 335; desconto, função essen-
cial do, 334; efetividade da taxa de Cadastro, 113.
desconto no, 334; elevação da taxa Café: as valorizações do, 290; a teo-
de desconto em dois casos pelo, 335; ria do — sobremesa, 288; o fator
estrutura do, 330; limite do redes- dominante dos preços do, 290; pre-
conto no, 338; nacionalização do, cos record do, 291.
338; não paga juros sôbre depósi- Caixa de Mobilização Bancária, 373.
tos, 333, após-guerra, 338; open- Caixa em mãos de terceiros, 129.
-market no, 336; opera em adianta- Caixas Econômicas, 138, 377; aplica-
mentos sôbre barras de ouro, 336; cão dos depósitos das, 139; o cam-
opera em adiantamentos sôbre títu- po de ação das, 139; outras deno-
los, 335; os adiantamentos no, 307; minacões de, 138.
Tedesconto no, 305; regime monetá- Caixas Municipais, 138.
rio do, 329. “Call Money”, 108, 129, 354.
Banco de Inglaterra, 298, 311; banco Câmaras de Compensação (clear-
dos bancos, 311; crédito com garan- ings), 62, 85, 109; organização, na
tia colateral de títulos no, 312; evo- Inglaterra, das, 311.
lução de após-guerra do, 316; evo- Câmbios Internacionais: outros as-
lução de estrutura do, 311; lei ban-
pectos da teoria dos, 275; teoria
cária de 1844, que reformou o, 313;
dos, 255.
nacionalização do, 327; não concor-
Cantillon, 38.
re com os demais bancos, 333; no-
Capital, 24; de circulação, 118, 119;
vas funções do, 327; operação pu-
nitiva recorrer ao, 322; o redescon-
de circulação e valor da produção,
to no, 305; os adiantamentos no,
119; de circulação e volume da pro-
dução, 118, 119; de giro, 74; de
307; taxa de desconto do, 320.
Banco de Investimento, 77, 134; que
movimento, 74, 99, 118; desequili-
bradores, 272; do banco, 113; em
é o, 134.
fuga, 280; em que consiste o, 24;
Banco do Brasil, 373. moeda —, 24; significação do — do
Bancos Centrais: estruturação dos,
banco, 112; suprimento de — de
365; nos países de economias líde- giro, 19.
res e reflexas, 365; política cam-
Capitalismo, criação destrutiva do,
bial dos, 369.
76; financeiro, 137; policiamento do,
Bancos Centrais Latino-Americanos, 138.
363; banco dos bancos, 367; instru-
mentos da política monetária dos, Carteira de Câmbio, 374.
365, 366; o contrôle quantitativo do Carteira de Redesconto, 372.
crédito nos, 366, 367; tipos de eco- “Cash Transaction Standard”, 180.
nomia de que dependem os, 363. Cédulas Hipotecárias, 77, 78.
“Bank Restriction Act”, 40. Certificados de Participação: destina-
“Banking Principle”, 39, 199, 319. dos a absorver letras de exporta-
Banqueiro, 112; decisões do, 113; do ção, 369.
que decorre o prestígio do, 114. Cheque, 62, 64; curso legal do, 63; e
“Banques d'Affairs”, 77, 136. depósito, 64; e letra do comércio,
Bastiat, 23. 69; que é o, 64; transformação em
ÍNDICE REMISSIVO 385

moeda manual, 64; uso gencraliza- 153; derivados, 100; e sua nature-
do do, 62, 63, 64; valor do, 63. za, 99; fictícios, 108; incentivo para
“Clearing”, 62, 85, 109; aceitação de a criação de, 103; primários, 100;
cheques sôbre o Banco de Ingla- relação entre encaixe e, 108; segu-
terra no, 314; bilaterais, 284; de no- ro de, 360; seguro para os, 121;
tas bancárias, 107; do Sistema de total em setembro de 1938 dos, 157;
Reserva Federal, 342, 345; o Ban- transformação de — à vista em —
co de França e o, 333; organização a prazo, 104; velocidade de circula-
do — na Inglaterra, 311; plurilate- ção dos, 102; velocidade de circula-
rais, 40. ção dos — a prazo, 158.
Coeficiente de Inversão, 218. Depósitos de Negócios; cálculo de ve-
“Coinage Act”, 39, 49, 51. locidade dos, 156; velocidade de
Comércio Internacional: classificação circulação dos, 153.
gas mercadorias sob o aspecto do, Depósitos de Rendimentos: velocida-
de de circulação dos, 153.
Conjuntura Econômica, maio de 1953, Depreciação da Moeda: o ritmo das
emissões e o da, 243; reajustamen-
Consumo: ostentatório, 217; restrição to de salários na, 250.
voluntária do, 228. Desconto: casas de, 129, 130.
Contrôle de Câmbio, 281; motivos do, Desemprêgo: aumento de meios de
281, 282, pagamento em situação de, 186; o
Conversibilidade: e o Gold Reserve incremento de MV e M'V'º em si-
Act, 358; e o sistema máximo de tuação de, 186.
emissão, 329; inatingível, 303; re- Desinflação, 213.
miniscência histórica, 303; só é efe- Desmarest, 232.
tiva quando desnecessária, 303; sus- Desvalorização Monetária, 27, 29; pa-
pensão da, 303. ra promover alta de preços e com-
Copérnico, 205. bater depressão, 361.
Crédito, 67; agrícola, 378; a longo Dinheiro: ativo, 166; inativo, 166; li-
prazo, 75; ao consumidor, 79; auto- quido, 166; novo, 172, 231.
liquidação do, 72, 76; bancário (ver Direito de haver, 184.
Crédito Bancário); características Disponibilidades Monetárias, 192; a
do — agrícola, 73; Conselho Na- teoria das, 189.
cional de, 338, 339; contrôle da Divisia, 270.
aplicação do, 200; destinado à pro- “Duplicata”, 115; por que os bancos
dução, 116; hipotecário, 379; indus- descontam, 182; preferência pela,
trial, 379; legitimidade da opera- 115.
ção de, 69, 70; mercado de, 168; E
modalidades de — a curto prazo,
68, 71; noção de, 67; o destino do, Economia Forçada, 80, 216, 222; cres-
115; operação de, 67; o processo de cimento financiado pela, 248; des-
produção e o, 68; outras formas de, perdício de produto da, 234; exem-
378; percentagem de vendas a — plos de, 213, 214; inflação e, 213;
nos Estados Unidos, 79; supridores John Law e o fenômeno da, 234;
de, 77; suprimento do — a longo na hiperinflação alemã, 246; ou
prazo, 76, 77; seletivo, 379. privação forçada, 214, 215; proven-
Crédito Bancário: bases do, 106; em tos da, 247.
que consiste a base do, 106; repar- Economia Reflexa, 235, 364; vulnera-
tição do, 116, 117; ritmo do, 109. bilidade da, 364.
Cunhagem: de moeda, 36; livre, 36; Economias Externas, 220.
livre da prata, 39. Economias lideres, 285, 364.
“Economics Journal”, junho de 1945
D e junho de 1949.
Eficiência Marginal do Capital, 194.
Davanzatti, 144. Elasticidade: e a teoria dos câmbios
Deflacão: definição da, 213, 226; e in- internacionais, 275; efeitos da taxa
flação, 227. cambial no balanço de pagamen-
Depósitos: classificação corrente dos, tos e as quatro, 276; em relação
103, 104; de finança, 105; de negó- aos preços e à renda, 279; teoria
cios, 105, 153; de rendimentos, 105, das, 275.
386 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Elasticidade da Procura, 173; coefi- de câmbios, 308, 361; de câmbios


ciente de, 145. nos Estados Unidos, 355; do Ba-
Ellis, Howard, 153. lanço de Pagamentos, 308, 365.
Emissão: máximo de, 301, 329. Fundo de Obsolência, 76.
Emprêgo: clementos que influem no, Fundo Monetário Internacional: e
202; total, 185. Balanços de Pagamentos, 258; fun-
Empréstimo: criam depósitos, 84; de ção do, 48, 365; “International Fi-
assinatura (aceite), 127; em conta- nancial Statistics” do, 274
-corrente, 71; risco dos — a longo Furth, J. Herbert, 254.
prazo, 77; sem prazo (call money),
129; sob caução, 71; subscritores de G
— a longo prazo, 77.
“Encaisse desirée”, 190. Gagliani, 38.
Encilhamento, 134; da Bôlsa, 134; de- “Gold Bullion Standard”, 47, 58, 319;
finição de, 134; de terrenos e cons- na França, 329; na Inglaterra, 316.
truções, 134. “Gold Exchange Standard”, 47, 48. .
Entesouramento, 21, 165; da moeda,
“Gold Reserve Act” e a conversi-
21; de metais preciosos, 21; de no- bilidade das notas, 358.
tas, 21; de ouro, 21; e inflação, 166;
na terminologia keynesiana, 166. “Gold Standard Act”, 58.
Equação de Cambridge, 190. “Greenbacks”, 244.
Equação de Trocas: aplicada à renda Gresham; lei de, 52; Thomas, 52.
nacional, 161; dedução da, 148; e Gutt, Camille, 253.
os índices de preços, 180; o senti-
do de “P” na, 179; o sentido de H
“T” na, 187; o significado da, 203;
que é a, 148; significação dos têr- Havenstein, 265.
mos da, 148. Hawtrey, R. G., 39, 202.
Equações Parciais, 174. : Hayck, F. V., 176, 204, 298, 363.
Equações Quantitativas: ver Equação Helfferich, 237, 239, 241, 265.
de Trocas. Hiperinflação Alemã de 1920-1923,
Especulação, 133; danosa, 134; do que 237; apreciação de Turroni sôbre
resulta a, 133; fator de equilíbrio, a, 251; bancos hipotecários e com-
FE legislação repressiva contra a, panhias de seguro na, 249; comér-
cio exterior na, 249; cotações de
Estado: e a moeda, 25; onipotência ações na, 249; desemprêgo na úl-
do — em matéria de moeda, 26. tima fase da, 250; desperdício de
“Ex Ante”, 201. fatôres de produção na, 248; emis-
“Ex Post”, 201. são e velocidade da moeda na, 244;
e os efeitos de novas emissões, 242,
F 243; fenômenos de, 231; o patrimô-
nio das instituições na, 250; o qua-
Fatôres de Produção: complementa- dro da miséria na, 251; os proprie-
tários de casas na, 250; quanto aos
res, 186; desperdício de — na hi-
perinflação, 248; o pleno emprêgo preços, 241; títulos da Dívida Pú-
dos, 184; quais são os, 184. blica, 212; títulos hipotecários e ou-
tros créditos na, 250; várias reper-
“Federal Deposit Insurance Corpo- cussões da, 249.
ration”, 360. “Hoje”, 201.
Feixe de mercadorias, 179, 206. “Hot Money”, 272, 280.
Ficek, Karel, 94. Hume, David, 172, 207.
“Finance Companies”, 79. .
Fisher, Irving, 143, 148, 149, 150, 152, I
174, 179, 228.
“Flight Capital”, 280. Incorporações, 379.
Fórmula de Fisher: ver Equação de Índice de Produtividade: como se ob-
Trocas. tém o, 273.
Fórmula de Keynes, 155. índices de Preços, 24, 46; a ponde-
Fullarton, 195. ração dos mais conhecidos, 176; de
Fundo de compensação: criação na Snyder, 179; expressão numérica
Inglaterra do — de câmbios, 317; dos, 176; métodos estatísticos de
ÍNDICE REMISSIVO 387

cálculos dos, 176; os mais conheci- Laughlin, J. L., 199


dos e utilizados, 176; principal uti- Law, John, 221, 222, 231, 232, 237;
iidade dos, 178. ensinamentos da experiência de,
Inflação, 212, 241, as maiores verifi- 233; e o fenômeno da economia for-
cadas no Brasil, 134; balanço da, cada, 234; e o mecanismo da teo-
220; capital fixo e de movimento ria quantitativa, 234.
na, 247; características que agra- Lênine, 34
vam a, 219; como pode ser enca- Letra de Comércio, 62, 115; e o che-
rada a, 216; como um processo de que, 69; utilidade da, 68
desenvolvimento econômico, 216; Letras de Finança, 70.
continuada a depreciação da taxa Letras do Tesouro, 108; bons de la
cambial, 265; definição e compre- defense nationale, 134; função no
ensão da, 212, 213; e adiantamen- Brasil das, 131; o inventor da, 130.
tos sob títulos, 307; e deflação, 227; Licença Prévia, 284.
e economia forçada, 213; efeitos e Liquidez: absoluta dos bancos, 111;
desequilíbrios provocados pela, 247; do sistema econômico, 111; solva-
e o instituto jurídico do contrato, bilidade e, 110.
220; e salários na Alemanha, 215; Lloyd, Samuel, 313.
e taxa de câmbio, 242: o test da, Loveday, 238.
212; processo cumulativo da, 222; Luzzati, 47.
prosperidade ilusória da, 234; re-
primida, 213, 251, 252; taxas cam- M
biais e preços, 223.
Investimentos: banco de (ver Banco “Marché hors Banque”, 336.
de Investimento); bancos de, 135; Marchlup, Fritz, 275.
criam depósito, 86; de propriedade, Marcos de Compensação, 40.
218; distorsão dos, 218; do que de- “Margem”, 72,
pende a atividade dos, 202; mobi- Marget, 203.
lização dos, 131; novo, 133; o pro- Marshall, Alfred, 189, 192, 289.
cesso inflacionário e a distorsão Meios de Pagamento, 65; adaptados
dos, 218; produtivos e improduti- às necessidades da economia do
vos, 218. país, 319; e títulos do Estado, de-
bêntures e ações, 307; influência
K sôbre os, 200; noção quantitativa
de, 65; seu aumento em situação
Keynes, Jobn Maynard, 99, 101, 104, de desemprêgo, 186.
105, 133, 153, 154, 155, 156, 158, Menger, 190.
159, 163, 166, 167, 169, 170, 175, Mercado de Câmbio, 258; em equilí-
177, 178, 180, 184, 190, 191, 193, brio, 263; o contrôle do, 281; os que
194, 195, 196, 213, 244, 270, 274, afluem ao, 258.
328, 350. Mercado de Crédito, 168.
Kingston, Jorge, 95. Mercado Monetário, 125; base e vul-
Knapp, George Frederic, 25, 26, 27, to do, 127, 350; diferença entre o
8. — de Londres e o de Nova York,
L 350; francês, 336, 337.
Mercadoria Composta, 179, 206.
La Fontaine, 347. Mercantilismo, 37, 38.
Lastro: como se entende o, 300; da Metzler, 270.
moeda em circulação, 199; de bons Mill, John Stuart, 32, 43.
valores, 237, 308; de bens, 308; de Mises, Ludwig von, 171; as quatro
café no Brasil, 237, 308; de merca- classes econômicas de, 210
dorias, 237; de riqueza industrial Moeda, 17; a alma da, 26; aceitação
e agrícola, 308; destinado a man- geral da, 26, 28; de onde deriva a
ter a confiança, 301; de terras, 308; aceitação geral da, 28; a função da,
em apólices do Estado, 308; metá- 17; a história da, 35; a quantidade
lico redutível a zero, 302; para ser da — e a comunidade, 207; a quan-
utilizado em caso de crise, 301; tidade da — e a Escola Clássica,
reajustamento das notas em cir- 208; a quantidade da — e a pro-
culação ao, 318; percentual, 301; su- dução (Hume), 207; a quantidade
Plementar de títulos redescontados, da — e o bem-estar, 209; a quan-
tidade de, 165; bancária, 61, 62;
388 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

capital, 24; como denominador co- Moeda Estável: a ilusão da, 205.
mum de valores, 22; como é medi- Moeda Estrangeira: procura forçada
do o valor subjetivo da, 144; como e inelástica da, 286. -
instrumento de troca, 17; como Moeda-Papel: representativa ou fi-
meio de pagamento, 20; como re- duciária, 20.
serva de valor, 20, 21; cunhagem “Monnaie de Singe”, 26.
da. 36; de ação direta, 168; de ação Motivo das Transações: noção do,
indireta, 168; de conta, 22, 26, 46, 166, 170. .
59: de emergência, 245; definição Motivo de Precaução: noção de, 167.
de John Law, 232; depreciação da Motivo Especulativo: noção de, 167.
— proporcional aos preços, 245; “Multiplicador”, 176, 242.
desvalorização da, 29; dirigida, 319; Murtinho, Joaquim, 228.
divisionária, 50, 51; emitida para
fins reprodutivos, 237; entesoura- N
mento da, 21; e o Estado, 25; escri-
tural, 62; estabilidade da, 39; ex- Napoleão, 59.
Plicação do valor subjetivo da, 144; Necker, 234.
fiduciária, 55, 56, 63, 301; fiduciá- Negócios: as necessidades dos, 117.
ria de 1.º grau, 98; fiduciária de Nível Geral de Preços, 172, 203; di-
2.º grau, 98; fiduciária conversível, fusão do, 269; do que depende a
inconversível e bancária, 55; fuga difusão do, 269; efeito da duplica-
da, 21, 28, 160, 246, 272; inconver- ção do, 173; movimento do, 172.
sível, 22; índice das transações em, Nobre, Erico, 154.
180; instrumento de industrializa-
ção, 38; instrumento do progresso
o
econômico, 37; lastreada por bons
valores, 237; medida de valor, 22; Oferta da Moeda: e as variações da
meio de pagamento, 26; meio de taxa de juros, 200.
troca, 26; metálica, 41; multipli- Onda de Iliquidez, 75, 80.
cação da — manual em — bancá- “Open-Market”, 169, 200, 307, 323,
ria, 86; numa economia socialista, 324, 337, 361, 363; a taxa de des-
33; o fenômeno da, 17; o poder de
conto e as operações de, 325, 326;
compra da, 22, 30; origem da, 17;
e as reservas dos bancos aderentes,
o uso da — manual, 104; papel, 55;
359; no Banco de França, 336; no
per eapita, 243; principal predica-
Banco de Inglaterra, 325; no Sis-
do da, 35; quando a quantidade da
tema de Reserva Federal, 351, 352,
— estimula a produção, 202; que é 353; no Sistema Bancário Brasilei-
a, 25; que vale a, 267; represen- ro, 366.
tativa, 55, 56, 301; servidora do co-
Ouro: a penúria do, 47; desapareci-
mércio, 38; significação, para o pú-
mento do — como moeda; e prata,
blico, da, 61; sistema de emissão 41; em que consiste o valor do, 46;
e de conversibilidade, 300; valor indústria de mineração do, 43; mo-
da, 22, 24, 25, 26; valor intrínseco
netário, 45; o contrôle do — nos
da, 24, 59, 60; vantagens e percal-
Estados Unidos, 356; predomínio
cos da, 28; velocidade de circula- do — na Inglaterra, 39; procura
ção da, 151. . do — para entesouramento, 44; pro-
Moeda Bancária, 64, criação da, 99; cura do — para fins industriais,
e cheque, 64; em que consiste a, 44, procura do — para fins não-
64; fórmula da velocidade da, 156, -monetários, 44; produção do, 41, 42,
157; quando há criação de, 107; uso 43; utilidade do, 61; utilização do,
e utilização da, 103; velocidade na 48.
Inglaterra da, 152; velocidade no Ouro e Prata, 19; relação entre, 51.
Brasil da (Gudin), 156; velocidade “Overdraft”, 71.
nos Estados Unidos da, 156.
Mocda de Ação Direta, 196; distin- P
ção entre — e moeda de ação in-
direta, 169; noção de, 168. Padrão de Vida: sua dependência dos
Moeda de Ação Indireta, 196; distin- fatôres de produção, 203.
ção entre — e moeda de ação di- Padrão-ouro, 46; abandono do — na
reta, 169; noção de, 168. Inglaterra, 44, 48; adoção do — em
ÍNDICE REMISSIVO 389

diversos países, 50; e a circulação Prebisch, Raul, 364.


e posse do ouro, 360; generalizado, Preços, 171; a inflação alemã quan-
46, nos meados do século XIX, 49; to «os, 241; a moeda entesourada
preço do ouro nos países de, 43; não influi nos, 202; causas mone-
seu abandono nos Estados Unidos, tárias e amonetárias dos, 171; ín-
335; seu estabelecimento nos Esta- dices de (ver indices de Preços);
dos Unidos, 300; seu restabeleci- inflação, taxas cambiais e, 223;
mento na Inglaterra, 316; variação inércia dos, 223; o “comprimento da
da curva de procura no, 264; vir- onda” das oscilações de, 290; resu-
tual (Hautrey), 39. mo da inflação alemã quanto aos,
Palmer, 320. 245.
Papel-Moeda, 25, 59, 60; adoção do, Preços individuais: ver Preços Rela-
50; e capital (Wagner), 25; evolu- tivos.
ção do, 36; limitação de quantida-
Preços Relativos, 172, 203; efeitos de
de do, 241; moeda estrangeira, 245;
uma alteração nos, 173; movimen-
sua substituição por, 241.
to dos, 172; ou preços individuais.
Paridade do Poder de Compra: a teo-
Preferência pela Liquidez, 190, 202,
ria só se baseia nos preços, 270;
304; a noção de, 166; os três mo-
como pode ser enunciada a, 267;
tivos da, 166; que é a, 202.
hipótese em que melhor se aplica
a teoria, 271; objeções à teoria da, Privação forçada: ver Economia For-
269; o maior defeito da teoria da, cada.
270; o princípio da, 267; outras sé- Processo Inflacionista: balanço do,
rias objeções à teoria da, 269; que 220; auto-progressão do, 222.
é a, 267; sério obstáculo à teoria Procura: coeficiente de elasticidade
da, '269; substituição de índices na da, 145; de dinheiro, 190.
teoria da, 274; teoria da, 267; vício Procura da Moeda: a curva da, 146;
técnico do princípio da, 271. como é expressa a, 147; e as va-
Paridade-Ouro: suspensão da — da riações da taxa de juro, 200; em
libra esterlina, 317. que consiste a, 146; é uma quanti-
Partes de Fundador, 137. dade constante, 147; o coeficiente
“Peel, Robert, Act”, 62, 63, 324; con- de elasticidade da, 146; por que é
tornamento da lei, 319; lei Robert, representada a, 146; que quer di-
313; sistemas de emissão segundo zer, 146; variações da, 174.
a lei, 300. Produção: capital de circulação e va-
Pigou, A., 163, 190, 191. lor da, 119; capital de circulação
Pigou, A., e Robertson, 101. e volume da, 118; e fatôres de, 203;
Platina: como meio de troca na Rús- o perigoso argumento do aumento
sia, 41. da,
Pleno Emprêgo, 184; exemplo de, 185. Propensão ao Consumo: motivos que
Poder de Compra, 24; criado pelo influem na, 201; que é a, 202.
crédito, 74; da moeda, 22, 23; da Propriedade: a redistribuição da, 207,
unidade monetária, 173; em sus- 208, 211
penso, 32; expressão numérica do,
24; “indeterminação do, 30, 31; me- q
dição da quantidade de, 190.
Poder de Compra da Moeda: e a sua Quase-caixa, 108.
quantidade, 147; em suspenso, 252;
igual a moeda, cupões e privilé- R
gios, 252; “P” não é um índice do,
180; significação do, 176; única for- Receita: como é aplicada a dos gran-
ma de expressão geral do, 173. des bancos, 112.
Política Monetária: objetivos da, 178. “Reconstruction Finance Corpora-
Pontos de Estrangulamento, 186. tion”: para desconto e aquisição de
Prata, 48; abandono do padrão —, ações preferenciais de bancos, 357.
50; como moeda divisionária, 51; Redescontos, 305; banco que não de-
monetária, 49; padrão único da, veria ter acesso ao, 306; como é
49; principais países da, 48; sua considerado o, 306; eficácia duvi-
utilização como moeda, 50. dosa da taxa de, 306; expansão dos
Prata e Ouro, 19 meios de pagamento pelo, 306; o
390 PRINCÍPIOS DE ECONOMIA MONETÁRIA

Banco de Inglaterra não opera em, do — americano, 353; defeitos do


321; variação da taxa de, 306. — americano, 353.
Relação de Trocas, 249, 271; como se Sistema Bancário Brasileiro, 371;
determina a, 271. bancos comerciais, 374; Banco de
Relação Fatorial de Trocas, 271. Desenvolvimento Econômico, 378;
Renda: a redistribuição da, 207, 208, Banco do Brasil, 373; Caixa de Mo-
11. bilização Bancária, 374; Carteira de
Renda Nacional: elementos que in- Redesconto, 372; crédito agrícola,
fluem na, 202; fórmula da, 194; sua 378; crédito hipotecário, 379; crédi-
dependência dos fatôres de produ- to industrial, 378; crédito seletivo,
ção, 203. 379; lastro em ouro e divisas no,
Rendimentos Monetários: a teoria 371; outras formas de crédito no,
dos, 189, 193; fórmula da teoria 378: reservas bancárias no, 376. .
dos, 197; outra restrição à teoria Sistema de Reserva Federal Ameri-
dos, 197. cano, 297, 341; a estrutura do, 342;
“Rentenmark”, 60. a lei Glass - Steagall e o, 357; a po-
“Reports”, 335, 336; em que consis- lítica monetária e bancária dos Es-
tem as operações de, 337. tados Unidos e o, 362; as bases de
Reserva-Ouro; dissociação das duas emissão do, 345; as reformas de
funções da, 318; função da — e di- 1932-1935 do, 356, 357; aumento das
visas, 365; para atender a desequi- reservas do, 359; banco dos ban-
líbrios do balanço de pagamentos, cos, 343; bancos aderentes do, 343;
303; para manter a conversibilida- concentração de reservas no, 347;
de, 303. confronto do Banco de Inglaterra
Reservas: colaterais, 304; como sinô- com o, 349; criação do, 342; dificul-
nimo de lastro, 301; de certifica- dades que não teve de enfrentar
dos especiais de ouro, 361; de 1.º o, 354; emissão de certificados de
linha, 108; de 2.2 linha, 108, 125; prata fora do, 358; emissão de moe-
importância das, 107; principal tí- da fiduciária fora do, 361; finalida-
tulo das, 108. des dos bancos de, 343; não con-
Reservas Monetárias: conceito de, corre com os demais bancos, 333;
99, 101. óbices ao aumento de bancos ade-
“Resolving Fund”, 74. rentes ao, 343; o clearing do, 342;
Reynaud, Paul, 337. o crédito seletivo no, 379; open-
Ricardo, David, 47, 207, 227, 241. -market no, 351; o redesconto no,
Rist, Ch., 61. 305; os adiantamentos no, 307; re-
Robbins, L., 251. desconto e adiantamentos no, 343;
Robertson, D. H., 361. relações com o mercado monetá-
Robinson, Joan, 170, 275, 279. rio do, 348; reservas do — e en-
Rópcke, W., 252. caixe dos bancos aderentes, 348; ta-
xa de desconto do, 349; tendências
s da opinião quanto ao, 362.
Sistema Econômico: a liquidez do,
Salários de Eficiência: como se ob- 73.
tém o índice dos, 274; paridade dos, Sistemas Bancários: origem dos, 83,
274. 84.
“Savings Banks”, 138. Smith, Adam, 36, 38, 59.
Say, 3. B., 33. Snyder. Carl, 156, 179.
Schacht, 234. Solvabilidade: circunstância favorá-
Schumpeter, J., 76. vel à — cos bancos, 110; do han-
“Securities Exchange Commission”, co e dos clientes, 112, 113; e liqui-
134, 138. dez, 110.
“Serviços”, 115, 181; suprimento de, Sombart, 21.
76. Sôvro Inflacionário, 221.
“Silver Purchase Act”, 358. Stinnes, 216, 241, 249.
Simetalismo (Marshall), 53. Strong, 179.
Eimiand, 24. Suess, 49.
Sindicato: de emissão, 135; de subs- Superintendência da Moeda e do
crição, 125. Crédito: atribuições da, 372; com-
Sistema Bancário: americano, 34l; posição do Conselho que dirige a,
colapso do — alemão, 317; colapso 372; que representa, 371.
ÍNDICE REMISSIVO 391

T 4
Taxa Cambial de Equilíbrio, 279; de- Valor da Moeda, 33; a depreciação
finição da, 279, 280; não constitui do — e a conta de capital, 207;
uma teoria do balanço de paga- a ficção legal de constância do,
mentos, 281. 206; a noção de, 143; a noção quan-
Taxa de Desconto: arma para faci- titativa do, 144; as variações do —
litar ou dificultar o crédito, 325; e a redistribuição da propriedade
como atrativo do ouro, 321; como e da renda, 211; como é determi-
o Banco de Inglaterra torna efe- nado, 193; consegiiências do, 211;
tiva a sua, 322, 323, 324; do Banco corolários da teoria da variação do,
de Inglaterra? 205; e a contabilidade dos negócios,
Taxa de Juros: do que depende, 114; 206; e a função monetária, 233; em
dos empréstimos a longo prazo, 78, que consiste o, 144; falta de solu.
79; e valor dos títulos, 167; hiper- ção para as variações do, 206; me-
trofia da, 196; natural e do mer- dição do, 144; teoria das variações
cado, 144. do, 141.
Taxas Cambiais: inflação, preços e, Valorímetro, 22.
223; limites dos desníveis das, 283. Velocidade da Renda: definição da,
Teoria Quantitativa, 143; a lei ida 162; fórmula da, 194; na Inglater-
oferta e da procura e a, 147; em ra e nos Estados Unidos, 163.
função dos investimentos, 202; em Velocidade de Circulação da Moeda,
sua forma simples, 147; John Law 151; a determinação da, 151; a que
e o mecanismo da, 234; o núcleo é igual a, 151; arma que está na
de verdade da, 147, 202; outras con- mão do público, 160; cálculos da,
siderações sôbre a, 199; restrições 244; como varia a, 158; correlação
à — pura, 202. entre a — e o volume dos negó-
Thiers, 24. cios, 158; dificuldades na determi-
Thyssen, 216, 249. nação da, 152: exemplo de Fisher
Tooke, 193, 194, 195, 321. sôbre a, 152, 153; fatôres que in-
Transações Econômicas, 67. fluem na, 181; na hiperinflação
Transporte Financeiro da Produção, cada emissão é acompanhada de
68, 69, 70. um aumento da, 244; passividade
Troca: a equação de (ver Equação de da, 160.
Trocas); bilaterais, 40; direta, 17, Velocidade de Circulação dos Bens,
18, 19, 40; indireta, 18, 19; institu- 151; fórmula da, 161; noção da, 161.
tos e centros de, 40; instrumento Véu Monetário (Robertson), 20, 32.
de, 17, 36; meio único de, 22; novo Viner, Jacob, 272, 273.
impulso ao regime de, 40. Volume das Transações (T), 181; ex-
Trotzky, 34. pressão numérica do, 187.
Turroni, Bresciani-, 170, 239, 241, Volume dos Negócios: correlação en-
247, 251. tre a velocidade da moeda e o, 158.

ÚU w
Unidade de Consumo, 190. Wagner, 25, 240.
Utilidade da Moeda: em que consis- Walras, Leon, 190.
te a, 143. Warburg, Paul, 319, 341, 351.
Utilidade Marginal, indireta, 143; o Wicksell, Knut, 169, 196.
valor subjetivo da moeda e a, 144; Wieser, F. V., 144, 192.
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