Direito À Cidade - 130 Anos Após A Abolição
Direito À Cidade - 130 Anos Após A Abolição
Direito À Cidade - 130 Anos Após A Abolição
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Diretoria Executiva | Gestão 2016-2017
Presidente: Daniela Campos Libório
Vice-Presidente: Betânia de Moraes Alfonsin
Tesoureira: Vanessa Koetz
Diretora Administrativa: Ligia Maria Silva Melo de Casimiro
Diretor Administrativo: Alex Ferreira Magalhães
Secretário Executivo: Henrique Botelho Frota
Organização e edição:
Jéssica Tavares Cerqueira
Fotos:
Mariana Prudêncio
130 ANOS
PÓS-ABOLIÇÃO:
IN59 Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU
130 anos pós-abolição: vivências negras no espaço urbano
São Paulo: IBDU, 2017.
VIVÊNCIAS NEGRAS 98 p.
ISBN 978-85-68957-08-0
NO ESPAÇO URBANO 1. Direito à Cidade 2. Gênero 3. Diversidade 4. Sociedade 5. Brasil I. Título
II. Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico III. Fundação Ford Brasil
www.ibdu.org.br
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Apresentação
sabedoria. São reais porta-vozes da resistência de um Brasil que, 130 anos após 7. Pela População Negra do Entorno do DF: Quem se sente responsável?
a abolição, não nos permitiu que o título deste volume fosse outro. Lembrar as Reflexões sobre problemática ausência de Políticas de Públicas para o
DF e Entorno | 56
vergonhosas estruturas que pavimentaram a produção do espaço urbano ainda
Wendy Silva de Andrade
não nos permite pensar nas formas de efetivação do direito à cidade, mas no
impacto da sua violação em nossas vidas. 8. Corpo negro e gordo bóia no mar | 68
Lucas Vinícius Ferrazza Silva
O caminho da luta pela vida e pelo bem viver não é só um caminho sem volta,
como também é o caminho possível. 9. Pelo Direito de sobreviver a cidade | 78
Pelos nossos ancestrais e pelos que estão por vir. Letícia Carvalho
10. A autonomia seletiva da cidade de São Paulo | 81
Boa Leitura! Brunatta ou Bruna Tamires
12. Fotografia | 94
1 Naná Prudêncio
Mal radical - Conceito utlizado por Achille Mbembe em “A Crítica da Razão” (2013) para
tratar de marcadores negativos como instrumento de desumanização dos sujeitos.
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1 MULHERES NEGRAS E A CIDADE: UM DEBATE A PAR-
TIR DO PENSAMENTO DE PATRÍCIA HILL COLLINS
O espaço urbano apresenta uma relação intrínseca com a questão racial. O
acesso à cidade, as ocupações urbanas, os territórios são vivenciados de ma-
neira distinta por pessoas negras. A análise que faço neste artigo, portanto,
implica na utilização da interseccionalidade como uma ferramenta reflexi-
va para problematizar a questão do Direito à cidade para mulheres negras.
Compreendo a interseccionalidade na perspectiva apontada pela Dra.Patrícia
Hill Collins, socióloga afro-estadunidense, reconhecida internacionalmente
pelo trabalho desenvolvido frente às questões pertinentes ao pensamento de
Winnie de Campos Bueno - Iyalorixa do Ile Aye Orisha Yemanja, mulheres negras2. No último período Hill Collins têm se dedicado a pensar a
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas/RS. Mes- interseccionalidade como um campo potente de formulação teórica crítica e,
tranda em Direito Público pela Universidade do Vale Rio dos Sinos/ nesse sentido, também tem apontado a interseccionalidade como um campo
RS de conhecimento capaz de articular transformações sociais que promovam
mudanças significativas nas instituições, o que consubstancia o arco desse
ensaio que é refletir sobre a marginalização das mulheres negras no contexto
urbano a partir das inequidades ocasionadas pelo racismo patriarcal3.
2
As formulações teóricas de Patrícia Hill Collins tem por foco investigativo o exame social
crítico das questões de raça, gênero, sexualidade, classe social e nacionalidade. Sua obra mais
reconhecida é o aclamado Black Feminist ThoughtConsciousness, and the Politics of Empowerment
(Routledge), publicado pela primeira vez em 1990. A pesquisadora tem publicado diversos
trabalhos em revistas acadêmicas internacionalmente reconhecidas. Foi a primeira mulher
negra estadunidense a ocupar a presidência da American Sociological Association. Seus at-
uais interesses de pesquisa incluem: epistemologias da interseccionalidade; epistemologias
do conhecimento emancipatório, como a teoria crítica racial e pesquisas sobre os efeitos das
inequidades sociais na juventude negra norte-americana.
3
Utilizo o conceito de racismo patriarcal a partir da articulação de Cleusa Aparecida da Silva,
coordenadora da Associação de Mulheres Negras Brasileira (AMNB), para ela, em entrevista
para o CFEMEA: “: A formulação do conceito racismo patriarcal busca traduzir a vivência e a
experiência histórica da exclusão centrada no sexismo e no racismo vigentes desde o sistema
colonial escravista. O conceito busca qualificar e ampliar conhecimento sobre a singularidade
de ser mulher, ser negra, ser trabalhadora e pobre no Brasil, isto é, de vivenciar no cotidia-
no vários eixos de subordinação, que vulnerabilizam sua existência, cujos resultados são as
desvantagens com impacto estrutural para as mulheres negras, na vida e no mundo do tra-
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é um marco teórico relevante para compreender como a construção de este-
O histórico de ocupação do espaço urbano por mulheres no Brasil se dá a reótipos a respeito das mulheres negras se constitui como uma forte ferra-
partir das mulheres negras escravizadas. Os estudos sobre escravidão apon- menta de controle social e marginalização dessas mulheres tanto no contexto
tam que essas mulheres eram colocadas para trabalhar nas ruas, visando urbano quanto no contexto rural. Considerando o escopo desta publicação
o lucro de seus proprietários, em pequenos comércios como quitandeiras e irei me debruçar nas imagens que tem mais pertinência com as experiências
lavadeiras, designadas como escravas de ganho. As mulheres negras livres urbanas.
ou forras, também ocupavam as ruas das cidades executando serviços, desta Para Hill Collins imagens controladoras são estereótipos socialmente
forma organizavam seus orçamentos domésticos e garantiam o sustento de construídos sobre mulheres negras, os quais operam como parte de uma
suas famílias.4 Ou seja, o trabalho no âmbito externo sempre esteve presente ideologia de dominação racial. Esses estereótipos adquirem um significado
na vida das mulheres negras. A vivência e a experiência com as lógicas do específico para a comunidade de mulheres negras, uma vez que o estabeleci-
urbano compõe a trajetória das mulheres negras no contexto das cidades. mento de valores sociais é uma ferramenta de poder manipulada pelos gru-
Esse brevíssimo apanhado histórico, permite evidenciar que a maneira pos sociais hegemônicos essas imagens acabam fixando as mulheres negras
com que os espaços públicos e privados vão ser contextualizados na vida em locais subalternizados na estrutura sócio econômica. Desafiar constan-
das mulheres negras é distinto da maneira com que essa vivência se dará temente essas imagens de controle tem sido central na agenda de lutas dos
para outros grupos. Nessa perspectiva interseccional, portanto, observamos movimentos de mulheres negras. Esses estereótipos também operam nos
que raça, classe e gênero vão configurar como os espaços urbanos são per- significados de apropriação do espaço urbano para as mulheres negras e,
cebidos. No que diz respeito às mulheres negras, entretanto, esse históri- ao estabelecerem significados, pautados em seus próprios pontos de vistas,
co de presença constante no espaço urbano não significa necessariamente a comunidade de mulheres negras rompe com a lógica de objetificação da
uma apropriação plena de humanização e cidadania para essas mulheres negritude como o “outro”. Essa lógica, faz com que se tenha um campo onde
por consequência da hierarquização racial que segue vigente nas estrutu- é possível desarticular as imagens que justificam as ideologias de classe, raça
ras políticas e sociais do território brasileiro que desumanizam e mitigam o e gênero.6
acesso à direitos. A permanência dessas lógicas mantém as mulheres negras O controle social estabelecido a partir dessas imagens consubstancia o
nos estratos mais vulneráveis da sociedade, ocupando os piores índices de que Sueli Carneiro7 denomina enquanto “subalternização do gênero segun-
escolaridade, assistência social, saúde e empregabilidade. O deslocamento do a raça”, onde:
dessas mulheres no espaço urbano está imbricado com uma percepção natu- As imagens de gênero que se estabelecem a partir do
ralizada das mesmas enquanto multas, empregas domésticas, amas de leite trabalho enrudecedor, da degradação da sexualidade e da
e mães pretas5. marginalização social, irão reproduzir até os dias de hoje a
O conceito de imagens controladoras, cunhado por Patrícia Hill Collins desvalorização social, estética e cultural das mulheres ne-
balho. No mundo do trabalho, o conceito racismo patriarcal dialoga com a divisão sexual e ra-
gras e a supervalorização no imaginário social das mulhe-
cial, pois é neste mundo que as mulheres negras vivenciam as maiores desvantagens e sofrem res brancas, bem como a desvalorização dos homens negros
múltiplas formas de violações de direitos e violências oriundas das doutrinas ideológicas do
sexismo, do racismo e do capitalismo, pois ocupam as funções mais desvalorizadas e menos em relação aos homens brancos. Isso resulta na concepção
remuneradas”
6
4
SOARES, Cecília Moreira. As ganhadeiras: mulher e resistência negra em Salvador no século COLLINS, Patricia Hill. Mammies, matriarchs, and other controlling images. na, 1999.
XIX. Afro-Ásia, n. 17, 2017. 7
CARNEIRO, Sueli. A mulher negra na sociedade brasileira “o papel do movimento femi-
5
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Luiz Antonio Silva, Movimen- nista na luta anti-racista”. História do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares,
tos sociais, urbanos, memórias étnicas e outros estudos, Brasília, ANPOCS, 1983. p. 1-21, 2004.
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de mulheres e homens negros enquanto gêneros subalter- Outra aspecto fundamental no que diz respeito ao desenho das cidades
nizados, onde nem a marca biológica feminina é capaz de é a forma com que as inequidades sociais também se apresentam dentro
promover a mulher negra à condição plena de mulher e de uma lógica onde mulheres negras apresentarão maiores dificuldades de
tampouco a condição biológica masculina se mostra sufi- apropriação das cidades. De acordo com a arquiteta e urbanista Joice Berth,
ciente para alçar os homens negros à plena condição mas- em entrevista para a Revista Trip, a lógica de urbanização propositalmente
culina, tal como instituída pela cultura hegemônica empurra para as margens os corpos que a sociedade e que as lógicas racistas
No que pese o apontamento para as consequências dessa subalternização e sexistas consideram indesejáveis, a forma com que a periferização das mu-
para os homens negros, o pouco espaço para desenvolver essas linhas e o lheres negras vai se estabelecendo ao decorrer dos anos muda, mas as con-
escopo deste ensaio limita a análise a maneira com que essa subalterniza- sequências são as mesmas. Outrossim, há um higienismo que justifica um
ção vai influenciar na mudança de paradigma da ocupação da cidade pe- desenho urbano onde mulheres negras não só são excluídas como também
las mulheres negras no pós-abolição. O professor Alecsandro Ratts discorre sentem-se constantemente indesejadas. Joice alerta também para o fato que
sobre essa questão com profundidade, apontando a maneira com que raça a própria arquitetura pode transmitir linguagens que favorecem a violência
e gênero foram determinantes na ocupação do espacial do território urba- e o assédio. Há também um apagamento das contribuições das mulheres
no brasileiro. A partir dos estudos de Gilberto Freyre e Roberto da Matta , negras nas estruturas da cidade, o qual dificulta as interações sociais e ejeta
Ratts demonstra como a transformação de senzalas em favelas vão obedecer essas mulheres do espaço urbano. Dessa forma, a cidade deixa de ser vivida
uma lógica instituída a partir dos corpos de mulheres negras, que através do por mulheres negras, constituindo-se enquanto um espaço hostil, onde as
olhar do outro (o branco), orienta inclusive o espaçamento urbanístico das ruas, avenidas e vielas se configuram apenas como locais de passagem para
residências brasileiras das classes abastadas. O quarto de empregada, por o cumprimento das extenuantes múltiplas jornadas exigidas para a sobrevi-
exemplo, e a situação de abjeção em relação aos corpos das trabalhadoras vência da comunidade de mulheres negras.
domésticas negras possibilita observar como essas marcas estão relacionadas Dado esse diagnóstico é fundamental repensar a organização do espaço
com a constituição do espaço urbano brasileiro. urbano de uma forma em que as imagens controladoras do racismo patriar-
Em momento posterior, as lógicas do racismo e dos estereótipos sobre cal, bem como outros instrumentos de perpetuação das lógicas de expulsão
mulheres negras vai influenciar sobremaneira as formas com que estas vão das mulheres negras do tecido social urbano, deem espaço para a configu-
transitar nas cidades. É preciso dizer que no caso dessas mulheres, a chefia ração de um espaço urbano democrático. O fortalecimento de iniciativas en-
das famílias é um contínuo. As imagens controladoras sobre elas, portanto, gendradas dentro das comunidades negras, como os espaços de socialização
constituía-se enquanto um obstáculo para o acesso pleno à cidade. Dessa colaborativos, os projetos de reorganização das favelas, as estratégias de
forma, essas mulheres vão, através dos tempos, articulando estratégias de compartilhamento da cidade, como jardins coletivos, hortos comunitários
ressignificação de espaços urbanos precários para o lazer, a moradia e o mí- e a propagação de diálogos sobre urbanismo que se deem a partir de uma
nimo de assistência social. Contudo, conforme esses espaços vão adquirindo perspectiva interseccional podem fazer a diferença na forma com que mu-
potências criativas e econômicas, operam novas formas de exclusão e elimi- lheres negras experienciam as cidades na atualidade. O reconhecimento do
nação dessas mulheres das conformações socioespaciais das quais elas mes- protagonismo das mulheres negras na história de ocupação do espaço urba-
mas foram formuladoras. Os processos de gentrificação nas grandes cidades, no também é uma práxis que auxilia na alteração do complexo estabelecido
especialmente aquelas de cunho turístico, é um indício dessa afirmação. Ca- pelas imagens controladoras a cerca dessas mulheres, uma vez que ao par-
sos como a Pedra do Sal, no Rio de Janeiro. tilhar as experiências e vivências da comunidade de mulheres negras com
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o espaço urbano a partir dos pontos de vistas formulados por elas mesmas
se possibilita a construção de um novo paradigma sobre a cidade, um em
que essas mulheres possam se reconhecer e se ver para além de estereótipos
desumanizantes, que limitam a posse da cidadania e, consequentemente, de
vivências positivas e capazes de potencializar a emancipação da negritude a
partir de uma convivência menos violenta e segregada com o espaço público.
Foto 02
2
Thata Alves – ou Thayaneddy Alves é escritora, precursora do Sarau
da Ponte Pra Cá publicou em 2016, de maneira independente, pelo
selo Academia Periférica de Letras o primeiro livro autoral de poesia
marginal intitulado “Em Reticências”.
É mãe dos gêmeos Bryan e Brenno. Thata Alves também é mem-
bro do coletivo Sarau das Pretas, onde atua com poesia, música e
resgate da ancestralidade há 1 ano. Além disso participa e propõe
espaços de discussão realizando trabalhos em parceria com os co-
letivos Praçarau, Fala Guerreira, Casa de Cultura Candearte, onde
realiza a produção cultural e a comunicação da casa e Cantinho de
Integração de Todas as Artes (CITA).
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Mão Preta O paletó na lavanderia do seu chefe,
O eletricista do abajur do seu escritório,
Tijolo posto Quem que cava a cova do seu velório?
Por ordem de um arquiteto, Contabiliza!
Mas o teto Se por um dia a mão preta, parasse
ele não sabe levantar. Se afasta-se dos serviços
Edifício enorme (Risos)
que de longe se enxergue Porque a gente movimenta esse lugar
quem ergue? Vivemos um crime social
Mão preta! E na moral
Escudo de preto Você não paga o meu salário, a movimentação do monetário
Na linha de frente dos palácios É o meu suor a percorrer
Ricaços curtem a festa que faz pagar
A desritmada dança e a segurança, quem faz? A casa grande entrará em choque
Mão Preta Quando em seus estoques
Quitutes, sobremesas, manjares não tiver mais Mão Preta
Quem é que fazes? Pra poder cuidar.
Mão Preta...
Experimenta por dona Bia na cozinha
não conseguiria
Mesmo sendo nutricionista
Especialista na cozinha
Mão Preta
O anel com pedra de diamante
Pro evento de debutante de sua filha
quem que extraíra?
Mão Preta
No minério seu império
Nada seria
Se lá na mina, na gruta
A luta para remover a pedra
na caverna escura
escura também a sua pele
Mão Preta
Quem que te leva em segurança,
Que pega as suas crianças,
Os filhos dos Bittencourt
Aqueles capeta
Seus caminhos quem conduz?
Mão Preta!
A engrenagem dos trilhos,
O alpiste dos seus passarinhos,
O depósito do seu cheque,
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foto 03 Daniella Monteiro
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3 Jéssica Ruiz
Mulher, lésbica, militante LGBT e de direitos humanos, marxista e biólo-
ga marinha
Dois Rios: A circulação dos negros na Cidade do Rio
de Janeiro
A Cidade que vivemos é, essencialmente a que produzimos. A Cidade
que temos acesso é, essencialmente a que podemos consumir. No Brasil, his-
toricamente negros e negras sempre ocuparam o espaço público, como fa-
zedores da Cidade. Do trabalho braçal, que construiu, e ainda constrói, até
as tecnologias utilizadas. Os povos Banto e Yorubá trouxeram consigo, não
apenas mão de obra a ser escravizada, como técnicas de alvenaria, tecela-
gem, pesca e metalurgia. No entanto, a formação das Cidades Brasileiras é o
processo histórico de exclusão de negros e negras.
Daniella Monteiro É necessário retomarmos o pós-abolição, quando as teorias eugenistas
ainda apontavam negros como geneticamente inferiores. Ao passo que a for-
mulação do Pensamento Social Brasileiro, difundiu o mito da Democracia
Racial. Existia a construção de uma nova sociedade, desvinculada do status
de colônia, que fortalecia a independência do Brasil. E nesta, não cabiam
os negros. A mestiçagem, prova do convívio pacífico entre as raças, tinha o
propósito o branqueamento da população. As pesquisas desenvolvidas por
Antropólogos e Geneticistas nos Museus e Academia, estima que no século
XXI teríamos uma população 97% Branca; 3% Indígena e sem negros.
Não existiam políticas públicas de integração do negro na sociedade bra-
sileira. Foi negado o acesso a terra, ao trabalho formal da época e nenhuma
política de reparação ou indenização. Eram quase 200 mil descendentes de
africanos que não poderiam ser brasileiros. Para a nova e próspera nação, os
negros eram um problema e não pessoas com problema para serem integra-
dos.
No Rio, paralelo diversas obras de infraestrutura e urbanização do início
de século XX, destoava da crescente ocupação dos morros da Cidade. Com
os casarões sendo demolidos, dando espaço a grandes avenidas. Apagando
vestígios coloniais, a Cidade crescia e se dividia. De um lado a Cidade que
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não existia nos mapas, sem planejamento urbano e saneamento. Do outro, a las tem nome de nobres e escravistas. Embora a praça se chame Tiradentes,
Cidade planejada, a Capital do País, centro político e econômico. a estátua central é de D. Pedro I. O Museu do Negro, segue sendo o depósito
As favelas foram se desenvolvendo a partir do Centro da cidade, Provi- de uma igreja católica.
dência e Santo Antônio, local que foi demolido diversos casarões, diversas Produzimos uma Cidade que mascara os vestígios negros e higieniza a
famílias despejadas que não foram realocadas. Mas autorizadas em cons- sua circulação. Embora o Futebol seja um esporte popular no país, os Está-
truir suas casas nos morros, sem subsídios. E foram se desenvolvendo por dios viraram arenas que o trabalhador assalariado não consegue pagar. O
toda a zona sul, para que os trabalhadores morassem perto do seu emprego, Samba, que nasce nas favelas e toma as ruas no Carnaval, desfila na Sapucaí
mas não perto suficiente das elites. O Morro da Babilônia, Morro dos Ca- para a Elite. A festa mais importante da Cidade não é para os favelados e su-
britos, Morro do Pasmado, Santa Marta e Cantagalo. Com a expansão da burbanos que produzem o desfile nos barracões. Se o Metrô para acontecer
linha férrea, que na sua construção deslocava trabalhadores para o Subúrbio na Zona Sul, precisa da autorização dos moradores. Durante o ciclo de me-
e Baixada Fluminense. Morros como a Mangueira, Jacaré, Tuiuti, Salgueiro gaeventos foram removidas pela prefeitura mais de 4 mil famílias de modo
e Turano. compulsório.
Embora com toda a política eugenista do início do século XX, a mão de Negar o Direito a Cidade é negar Direitos. O direito de fazer e refazer a
obra negra nunca deixou de ser necessária. E a separação territorial, apenas cidade é, sobretudo, coletivo. Pois depende de um exercício de poder coleti-
garantiu uma periferia de direitos para uma parte invisível da Cidade. As vo. O Direito à Cidade não é um princípio da nossa Sociedade. A peneira dos
Favelas do Rio, sempre integraram a dinâmica da Cidade, sem realmente Direitos Sociais depende de que território estamos falando. Se entendemos
fazer parte dela. Para a negrada sair da favela, sempre houve uma roleta a educação como um direito básico, com a base de 200 dias letivos pautados
invisível. Se a mão de obra que constrói a cidade é negra, a sua arquitetura pela LDB, por que temos escolas na Cidade de Deus, Jacarezinho, Rocinha,
é branca. Os espaços de poder são brancos. Os prédios históricos do Centro Complexo do Alemão e Maré que chegaram a ficar 15 dias sem aula neste
do Rio, como o Biblioteca Nacional, a Câmara Municipal ou a Igreja da Can- ano? Nas manchetes, as Favelas só aparecem como territórios em guerra,
delária são de períodos da arquitetura datados e oriundos da Europa. Suas dominado pelo controle do tráfico.
pinturas internas, contam a formação de Sociedade pautada pelo escravis- A narrativa de guerra, legitima a violência do Estado, marcando o corpo
mo, extermínio dos povos originários e soberania da moralidade europeia. negro como matável e a favela como território inimigo da Cidade. Não exis-
Na Câmara dos Vereadores por exemplo, as pinturas no plenário são jus- te plano de habitação, urbanização ou mobilidade nas favelas. Mas existe
tamente das missões jesuítas aos povos indígenas. A Igreja da Candelária, plano de invasão. A polícia é a fração do poder público que pensa a favela.
mesmo de costa, é o ponto de fuga¹ da principal via da Cidade, numa região Estuda seus becos e vielas. Policias especiais como a BOPE, tem até plano de
que concentra 40% dos empregos da região metropolitana. Enquanto peças invasão pelas encostas. Mas até os dias de hoje, os Correios não conhecem
das religiões afro brasileiras foram quebradas e roubadas de seus templos, suficientemente bem os mesmos becos e vielas para fazer entregas de corres-
sendo escondidos em depósitos da polícia como “artefatos de Magia Negra”. pondência.
Apreendidos até os dias de hoje. O Ciclo de megaeventos promoveu profundas reformas estruturais na
Se olhamos para a Cidade do Rio e vemos marcas do período Colonial, Cidade. Foram gastos mais de 66 bilhões em obras. Mas nenhuma delas en-
mas não vemos as marcas da escravidão. É por que os negros foram margi- volveu o Saneamento básico das favelas, onde a coleta de lixo é precária, o
nalizados e apagados do processo de produção deste espaço. O espaço pú- esgoto a céu aberto e a água da torneira dificilmente é potável. Dados da
blico guarda a memória coletiva. A Cidade que temos acesso as ruas e esco- própria Secretaria Municipal de saúde apontam alastramento de epidemias,
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vermes e contaminação é 7 vezes maior para moradores de favela.
Operações como Verão Legal, que torna jovens negros suspeitos apenas
por estarem indo a Praia sem dinheiro. É o poder de consumo limitando os
espaços de circulação. Em uma Cidade que a passagem custa em média 1h
de trabalho
Entender a cisão da dinâmica entre a Favela e a Cidade, é entender como
o racismo perpetuou a Casa Grande x Senzala, mesmo após a Abolição. Em
uma Cidade densa como o Rio de Janeiro, a experiência urbana não é única,
mas para negros e negras, nossos corpos serão controlados e vigiados, crimi-
nalizando nossa experimentação da Cidade.
Lutar por uma Cidade de Direitos é assumir que o problema do negro
no Brasil, ainda é a luta pelo direito de existir. Precisamos nos debruçar em
foto 04
4
Políticas Públicas de urbanização, revitalização e mobilidade que priorize o
bem viver do povo negro.
¹ Ponto de Fuga: É o ponto localizado na linha do horizonte, para onde
todas as linhas paralelas convergem, quando vistas em perspectiva. Joselicio Junior - Conhecido como Juninho é Jornalista, Pós Gradua-
do em Mídia Informação e Cultura pelo CELACC- ECA-SP, militante
Bibliografia: da entidade do movimento negro Círculo Palmarino, atualmente
IV Dossie Megaeventos e Direitos Humanos no Rio de Janeiro. 2016 Presidente Estadual do PSOL - SP
HOBSBAWN, Eric John. A Era Do Capital 1848-1875; tradução
Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2º ed. 1979.
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os canais judiciários, com grave dano à moral e para a seguran-
ça individual, não obstante a solicitude e a vigilância de nossa
polícia. Era aí que, quando a polícia fazia o expurgo da cidade,
encontrava a mais farta colheita”.
O relato de Washington Luiz nos permite fazer um paralelo direto entre
A RESISTÊNCIA NEGRA EM SÃO PAULO o projeto de urbanização da Várzea do Carmo em 1919, com o atual Projeto
Nova Luz. Em ambos, o objetivo é o mesmo: fazer uma limpeza racial/social,
A elite cafeeira paulista apresentou um projeto muito explícito na virada para abrir caminho para o “desenvolvimento”. Antes, um dos argumentos
do século XIX para o XX de transformar São Paulo numa capital europeia era o uso abusivo do álcool, os(as) negros(as) associados à criminalidade, va-
tanto do ponto de vista arquitetônico e urbanístico como no mercado de gabundagem, ou seja, uma vergonha para cidade e um país moderno. Hoje o
trabalho com estímulo ao fluxo imigratório para a substituição da mão de problema está ligado aos usuários de crack que representam o antagonismo
obra negra por italianos, principalmente. Os Barões organizaram os bairros da cidade vendida por João Dória em seu vídeo triunfal apresentado em suas
de Campos Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista para se abrigarem em viagens ao exterior: é necessário extirpar essa gente que atrapalha a cidade
grandes casarões. dos negócios, a cidade moderna.
A população negra, no pós abolição, se concentrou em casas coletivas A recente polêmica envolvendo a “Ração Humana” proposta por Dória
e com baixa infraestrutura na região da Barra Funda, Bexiga e Várzea do como a solução mágica para acabar com fome na cidade de São Paulo, até
Carmo, espaços de resistência quilombola urbana, base para formação de mesmo do país, é mais um capítulo da lógica elitista e desumanizadora, com
núcleos culturais que ficaram bastante conhecidos posteriormente como a depoimentos do tipo “pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome”.
formação das irmandades, cordões carnavalescos e posteriormente, escolas Se de um lado a elite paulistana se pautou pela exclusão da população ne-
de samba. No entanto, com a expansão do projeto higienista e desenvolvi- gra, a mesma buscou as mais variadas formas de sobrevivência econômica,
mentista esses territórios também passam a sofrer intervenções para expul- social e cultural. Já citamos acima as casas coletivas, os cordões, mas tam-
sar os “indesejáveis”. bém podemos citar nos anos 10, 20 e 30 a organização da Imprensa Negra,
Isso fica muito nítido no relato, em 1919, do Washington Luiz, ex- Secre- dos Clubes Negros e posteriormente da Frente Negra Brasileira, que o foi o
tário da Justiça e da Segurança Pública, então Prefeito de São Paulo e depois primeiro grande movimento social negro no pós abolição, essas ferramentas
presidente da república, sobre a Várzea do Carmo, hoje Parque Dom Pedro: foram fundamentais para trabalhar a autoestima, inserção no mercado de
“É aí que, protegida pelas depressões do terreno, pelas voltas e trabalho e construção de moradias populares.
banquetes do Tamanduateí, pelas arcadas das pontes, pela vege- Com a repressão da ditadura do Estado Novo houve um refluxo das ar-
tação das moitas, pela ausência de iluminação se reúne e dorme ticulações da comunidade negra se concentrando mais em atividade recrea-
e se encachoa, à noite, a vasa da cidade, em uma promiscuidade tivas como os bailes. Os bailes vão se transformando ao longo do anos e se
nojosa, composta de negros vagabundos, de negras edemaciadas tornam um grande fenômeno social de construção de identidade, tendo o
pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos seu auge no final dos anos 70 e início dos anos 80.
inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as Os movimentos por direitos civis, e principalmente a cultura e musicali-
idades, todos perigosos. É aí que se cometem atentados que a de- dade estadunidense, tiveram um grande peso na formação do movimento
cência manda calar; é para aí que se atraem jovens estouvados e black em São Paulo com a formação do movimento hip hop.
velhos concupiscentes para matar e roubar, como nos dão notícia
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A cultura hip hop foi um vetor muito importante de organização, articu- forma independente, o que proporcionou a construção de um circuito para-
lação, ocupação dos espaços públicos e até mesmo de denúncia das mazelas lelo à indústria cultural.
sociais que as periferias estavam passando. A ocupação do centro da cidade Nos anos 2000, novas articulações começam a surgir. Além da música,
para as batalhas de dança, a marcação das paredes com o grafite, passando a literatura começa a ganhar força, emergem as primeiras publicações de
pela organização das posses e chegando na potência e autenticidade da mú- literatura marginal que posteriormente ganhariam o nome de literatura pe-
sica rap, o hip hop representou um grito de uma juventude, de uma geração riférica. Organizam-se saraus realizados em bares, associações, grupos de
que saia da ditadura militar mas que ainda sentia as marcas do militarismo teatro, dança, música, coletivos literários, formando um verdadeiro circuito
na repressão policial, na violência brutal nas quebradas, a ausência do sanea- cultural periférico.
mento, da escola, do posto de saúde, o transporte precário. Chama a atenção nesse movimento, a apropriação de termos como “sa-
Essa geração, formada por jovens, na grande maioria, negros e morado- raus”.Termos esses que, costumeiramente eram restritos a círculos elitizados
res de bairros periféricos, exposta diariamente às tensões sociais provoca- da cultura, transformando assim, em cultura popular. Além disso, há um
das pelas profundas desigualdades sociais e vítima direta da violência do processo de disputa da hegemonia, com o centro, na construção de uma nar-
Estado, produziu como resposta ao descaso das autoridades, um discurso rativa em que o termo periférico, além de representar uma distância geográ-
contundente que escancarou um cotidiano massacrante e evidenciou as ma- fica, é também uma afirmação de identidade, de estilo de vida, de resistên-
zelas sociais, além de ter explicitado os conflitos raciais e colocado em xeque cia, de humanização das periferias e de contraposição à cultura hegemônica
a ordem social, produzindo assim um verdadeiro grito por uma sociedade do centro.
mais justa. A humanização se evidencia, quando pessoas da comunidade começam
60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofre- a se apropriar desses espaços e passam a enxergar na poesia, na música, ou
ram violência policial. A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são em outras expressões culturais, um instrumento para falar do seu cotidiano,
negras, Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são contestar a opressão de gênero sofrida no seu dia a dia, a violência policial,
negros. A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em o transporte precário, a ausência de uma educação de qualidade, os conflitos
São PauloAqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente. raciais. Em seu manifesto da antropofagia periférica, Sérgio Vaz, fundador
(Racionais MC’s. Capítulo 4 Versículo 5. Sobrevivendo no infer- da Cooperifa, afirma que: “A periferia nos une pelo amor, pela dor e pela
no. 1998) cor” 9.
O surgimento do grupo Racionais MC’s (1988) foi um marco, pois in- A partir disso, também há um estímulo à leitura, a necessidade de apro-
fluenciou uma geração de jovens da periferia, construiu uma identidade de fundar o conhecimento, de conhecer mais a sua própria cultura. Esses ele-
resistência e de contestação do sistema que oprime as comunidades cotidia- mentos agregados, passam a construir uma identidade, um pertencimento
namente e explicitou as desigualdades de classe por meio da simbologia dos que desloca a visão de mundo desses ativistas.
manos e dos playboys8. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que
A partir de então, vários outros grupos começaram a ganhar projeção e a nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente
Cultura Hip Hop foi se ramificando pelo Brasil, se consolidando como um galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para
movimento vivo de organização, reflexão e contestação. A apropriação das todos os brasileiros. A favor de um subúrbio que clama por arte
tecnologias também foi importante, pois permitiu o avanço da Cultura de e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins
8 9
Manos é como os jovens de periferia se identificam e se relacionam e os playboys, ou sim- Disponível em: http://colecionadordepedras1.blogspot.com.br/2010/08/manifesto-da-an-
plesmente boys, é como eles denominam os jovens de classe média e da elite. tropofagia-periferica.html
34 35
acompanhados de vionos, só depois da aula10. cabe ocupação de praças, avenidas, etc. Neste sentido, para os que acreditam
No contexto mais recente, surgiram novas manifestações que trazem ca- em um mudança radical da sociedade brasileira, não podem ignorar a im-
racterísticas bastante interessantes como os Slam. Encontros de batalhas de portância e a necessidade da organização dos debaixo, tendo a cultura com
poesias que acontecem, na grande maioria das vezes, em espaços públicos um potente instrumento de construção de ideias e valores civilizatórios.
abertos, resgatando as ocupações feitas pelo movimento hip hop nos anos 80,
aglutinando muitos jovens com discursos muito afiados sobre o racismo, as Referências
questões de gênero, a luta LGBT, as profundas desigualdades sociais. Inter-
preto esse movimento como herdeiro direto do rap e da literatura periférica. DOMINGUES, Petrônio José. Uma história não contada: negro, racismo e
Outra expressão importante da cultura negra, também herdeira dos bai- branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Editora Senac São
les black dos anos 70, mais que se desenvolveu mais nos morros do Rio de Paulo, 2004.
Janeiro e ganhou força em São Paulo recentemente é o Funk. Com uma varia- VÁRZEA DO CARMO LAVADEIRAS, CAIPIRAS E “PRETOS VÉIOS”
ção enorme de estilos, uma batida forte e envolvente que arrasta multidões, – http://www.energiaesaneamento.org.br/media/28677/santos_carlos_jose_
é um movimento importante que traz as suas contradições e polêmicas, mais ferreira_varzea_do_carmo_lavadeiras_caipiras_e_pretos_veios.pdf
que não pode ser ignorada e interpretada como uma expressão de uma ju- Documentário Mil Trutas, Mil Tretas – Racionais Mc’s – https://www.
ventude periférica. youtube.com/watch?v=slwalSi03g8
Juntando as irmandades, os cordões, as escolas de samba, os clubes ne- Blog Colecionador de Pedras http://colecionadordepedras1.blogspot.
gros, a imprensa negra, os bailes, o hip hop, os saraus periféricos, os slam, com.br/2010/08/manifesto-da-antropofagia-periferica.html
os fluxos de funk, as comunidades de samba, os terreiros de candomblé e
umbanda, o que todos possuem em comum?
Primeiro, mostram a importância das expressões culturais como uma es-
tratégia de organização e resistência da comunidade negra, formando uma
identidade, reciprocidade e até mesmo humanização, e relação de pertenci-
mento com algo, dentro de uma sociedade racista. Outro aspecto é a relação
com a cidade, seja no centro ou na periferia as ocupações dos espaços são
sempre conflituosas, contando principalmente, com a dura repressão do Es-
tado.
Os conflitos evidenciam a potência dessas manifestações culturais, pois
fogem da lógica, contrariam o status quo e aquilo que não é possível enqua-
drar, assimilar, cooptar e institucionalizar, causando ímpetos de repressão.
Não por acaso, as manifestações culturais negras são as mais reprimidas.Este
fato está associado há um projeto de poder, construído pela elite brasileira
que não quer se ver em risco, com a possibilidade da organização dos de-
baixo. Na cidade dos negócios, o direito a cidade é restrito e controlado, não
10
Idem.
36 37
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Respondi dizendo que sabia o quanto aquele procedimento era irregular,
e então mostraram um pacote de maconha e uma pequena pedra de crack
no bolso e disseram ter encontrado no chão perto de mim. Meu namorado
questionou a acusação e foi agredido no rosto com um tapa. Gritei o quanto Bruna Tamires é escritora, desenhista e gestora. Deu vida à Ma-
aquilo era absurdo e criminoso e levei também um tapa no rosto acompa- lokêarô, por onde ela assina seus escritos, desenhos e Zines. Está
nhado por vários xingamentos misóginos. Depois de sermos extremamente sempre nas ruas, as vezes em casa.
humilhados, eles nos liberaram.
Atos e ações foram feitos enquanto ao meu caso. Fomos perseguidos. Fi-
zemos a denúncia e foi arquivada. Não houve empatia e comoção nacional.
Depois de passar por tudo isso me pergunto: como debater direito à cidade
quando falamos de pessoas negras, principalmente mulheres negras? Como
lutar pela estética da cidade quando ainda lutamos para que nossa estética
seja aceita e que não seja atrativo para a polícia? Como lutar pela construção
de espaços de lazer quando sequer temos o direito de transitar pelos poucos
espaços que temos? Como lutar por segurança se sofremos violência dos di-
tos “agentes de segurança”?
Enquanto os ricos lutam por pistas mais largas para seus carros e uma
cidade que atenda à suas expectativas de estética, estamos lutando por pas-
sagem mais barata para andarmos em transportes lotados e perigosos, lutan-
do para que a cidade nos reconheça como parte dela, estamos lutando para
sobreviver a forma opressora que as cidades estão organizadas.
80 81
82 83
preciso voltar antes que a segurança para mulheres esteja pior que o nor-
mal. E no meio de todos estes processos, eu enfrento burocracias e impasses
decorrentes da minha condição de cidadã paulistana negra, jovem e pobre.
Nem todas as pessoas reconhecem o fato da cidade não ser dividida entre
todos de forma igual. Geralmente, é quem sofre que sente. Quem não sofre
A AUTONOMIA SELETIVA DA CIDADE DE SÃO PAULO desconhece, pensa que sabe, mas não sabe de nada. A experiência de ser uma
jovem negra e de periferia na cidade de São Paulo, por exemplo, é um caso
Poucas mulheres negras vivem a liberdade na cidade de São Paulo. Isso que merece atenção quando se trata de limitação de autonomias. Isso por três
por diversos motivos, a começar pela passagem de três e oitenta. A liberdade premissas: o homem achar que mulher deve ter dono, a sociedade achar que
na cidade tem a ver com mobilidade, acesso, possibilidade e segurança, coi- mulheres negras não têm família e o Estado ainda considerar que pessoas
sas que os governos devem prover e a sociedade precisa acreditar que todas negras são meio-cidadãs.
as pessoas merecem. São milhares de jovens negras que saem de casa todos os dias e enfren-
Você, leitor ou leitora, não terá aqui a sua inteligência desconsiderada. tam a selva de São Paulo sozinhas. Elas vão de tênis, mochila, levam água,
Confio que, com tantas informações já recebidas nesta publicação e em mui- blusa de frio... Todo o kit para sobreviver ao dia a dia e, mesmo assim, nada
tas outras, nós não precisamos retomar o beabá das estatísticas sobre desi- é garantido. Sair de casa já é uma complexidade. Em relação aos transportes
gualdades entre negros e brancos, ricos e pobres, homens e mulheres, pes- -apesar das leis municipais que permitem que os ônibus façam paradas fora
soas e pessoas. Vamos falar sobre autonomia, a aptidão ou competência para do ponto no período noturno - não asseguram nossa segurança na volta para
cada um gerir sua vida. a casa. Sampa é uma cidade onde quem tem, tem, e quem não tem dinheiro
São Paulo é uma cidade solitária e perigosa. Também é uma cidade que para pagar seu carro/táxi/uber, que volte pra casa enquanto o metrô e trem
acolhe como pode todos os seus milhões de habitantes. Ela carrega a ilusão estiverem ativos e as ruas não estiverem vazias.Depois de determinado horá-
de ser a filha mais velha, a locomotiva de país, o arrimo da família. Ela carre- rio, todos os lugares se tornam mais agressivos para mulheres. E para as mu-
ga a brutalidade do concreto, da indústria, da correria que atropela e não vê lheres negras principalmente, cuja condição humana é mais reduzida pelo
no meio da rua as pessoas estiradas. Ela passa sem saber se estamos vivas ou racismo. Iluminação urbana, meios de transporte, machismo, o caos causado
mortas. Ela não vê, ou não quer ver, seus problemas, e por isso se mascara, pela ausência de políticas públicas que considere as desigualdades. É tene-
se esforçando para ser linda no meio do lodo e da miséria. Ela só tem essas broso viver a rua quando ela determina que o seu corpo é de propriedade de
ideias porque foi criada numa autonomia seletiva, que protegeu bandeiran- todos. Todos ou ninguém. Desconsiderado, descartável, objeto.
tes, massacrou povos nativos, escravizou africanos e formou imigrantes eu- A questão que fica é: como levamos essa onda de restrição de entrada e
ropeus para o individualismo e a ignorância do mérito sem mérito. Vivemos saída, de possibilidades, de segurança e dignidade?
assim, numa cidade que deu autonomia a partir de uma classificação por Minha sugestão, não imposição, é: vamos levando de leve para não en-
raça, por gênero e por classe. louquecer.
Às cinco e meia eu me preparo para sair às seis e pegar o trem. Preciso E quem desconhece a nossa realidade, lida como para não fazer pataqua-
cruzar a cidade, chegar na zona leste, ter a minha aula e depois ir para o meu das? Estude, escute e abra caminhos.
trabalho no centro. Quando a vontade é grande, bate sete horas e eu fico um Um salve para todas as jovens negras vivas nas ruas das grandes cidades.
pouco mais na cidade para me divertir com minhas amigas. O mesmo aos
finais de semana, quando saio em busca de lazer, eu viajo pela cidade, mas
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