Tese Bonifácio Langa Versão Final Após Revisão Final - 2022
Tese Bonifácio Langa Versão Final Após Revisão Final - 2022
Tese Bonifácio Langa Versão Final Após Revisão Final - 2022
Faculdade de Educação
Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social
Belo Horizonte
2022
Bonifácio Obadias Langa
Ao meu orientador, Professor Dr. Júlio Emílio Diniz-Pereira, por ter aceitado o meu projeto, em 2017,
para o processo seletivo e por ter depositado confiança em mim sem nunca ter tido contato comigo.
Agradeço sua disponibilidade na orientação e nos seus ensinamentos que, afinal, apenas podiam ser
de um Professor “de verdade”. Agradeço a forma como conduziu-me desde a frequência das matérias
curriculares à produção desta tese. Agradeço sua atenciosa leitura, correção e sugestões, dentro do
princípio de aprendizagem colaborativa que despoletaram em mim interesse em aprofundar a
pesquisa sobre o “lugar e território” de formação docente. Agradeço sua gentil contribuição que
sempre será incontornável para o meu desenvolvimento como pesquisador!
À Julieta Cumbana Langa, esposa e mulher firme, que mesmo diante das adversidades, sujeita pelo
meu afastamento do nosso lar para o exterior, conseguiu seguir em frente cuidando, protegendo e
educando nossos filhos e proporcionar-me o conforto emocional que foi fundamental para lograr este
feito.
Aos meus filhos, Keyson, Bonifácio Júnior, Lorde Bonny e Peterson De Bonny, vosso carinho e
agitação fizeram muita falta e, foi essa saudade de vocês que serviu de oxigênio para alimentar
minhas forças intelectuais. Amo vocês! À Wammy, Dilen, Ludwing, agradeço o silêncio contagiante da
vossa saudade que me proporcionou concentração e foco no trabalho!
Aos meus pais, Raquel André Ganhana, Obadias Langa, por terem me trazido ao mundo e me
ensinado que o sucesso reside no conhecimento e o conhecimento busca-se estudando e cultivando
sabedoria!
Á Obadias Langa (Bady), irmão, amigo e filho, pelo companheirismo, cumplicidade e amizade!
Aos meus “Moz” amigos, Rev. Marta Mungoi, Angélica Augusto (Sandoka), Chadreque Guambe, Luís
Comissário (PhD), Francisco Macaringue (PhD), Tiago (Engro), Frederico Almeida “Fred” (PhD), Ana
Mubique “Belta”, Delfina Gravata “Fornosa”, pelo apoio pessoal e acadêmico, que me serviram de
chão para seguir adiante.
À Dra Joana Guilundo, pelo apoio e colaboração na produção e na sistematização de dados. Muito
obrigado!
Aos meus (Br) amigos, Leonardo Siqueira, pela amizade e conversas construtivas. És como um irmão
para mim, cara. Amo você! Leonardo Jamil (Leo), Maria Aparecida (Iaiá), Alessandra Quintanilha (Le)
são a família que Deus me deu. Receberam-me um “estranho negro” em um país onde o racismo é
mais do que diferenças das características fenotípicas. Romperam barreiras raciais porque, afinal,
vocês são humanos humanizados e ensinaram-me a viver e a não sobreviver nesse país multicolor
chamado Brasil. Muito obrigado por tudo!
Ao Dr Antônio José, meu amigo, meu irmão e padrinho, por tudo que fez e faz no meu percurso de
vida, profissional e acadêmico.
Aos co-orientandos, Marden Michaque, Lívia Cabral, Juliana Santos, pelo companheirismo acadêmico
e ajuda mútua! Sempre serei grato a vocês!
A todos que de maneira direta ou indireta contribuíram para a produção desta tese e na
transformação de um sonho em realidade. Me curvo a vós, dizendo: Muito obrigado!
Por fim, não menos importante, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
CNPq, pelo apoio financeiro. Muito obrigado!
É preciso, pois, derrubar o predomínio do
ensino simbólico e promover um ensino mais
direto, introduzindo na formação inicial uma
metodologia que seja presidida pela
pesquisa-ação como importante processo de
aprendizagem da reflexão educativa, e que
vincule constantemente teoria e prática
(IMBERNÓN, 2011, p. 67)
RESUMO
This Ph.D. dissertation addresses the issue of THE PLACE OF ELEMENTARY TEACHER
EDUCATION IN MOZAMBIQUE. In this qualitative research, which can be characterized as a case
study, a questionnaire as data production instrument was applied to ten teacher educators and sixty-
eight students – all of them from the Teacher Education Institute at Chibututuíne (IFPC), in
Mozambique. Semi-structured interviews were carried out with ten people: four managers from the
IFPC; one from the National Institute for Education Development; one from the District Services of
Education, Youth and Technology in Manhiça; one from the Ministry of Education and Human
Development; and three former directors of the IFPC. A documentary analysis was carried out and
focused upon the educational legislation of Mozambique, with particular attention to teacher education,
to the National Education System and to the national education policy. For data analysis, Bardin's
“content analysis” has been used. The survey data revealed that the process of preparing teachers for
primary education in Mozambique is corrupted by nepotism, clientelism, allied to neoliberal practices
(funding cuts) in the management of the process of teacher education. The profile of teacher
educators there does not fit the task of teaching for primary schoolteachers. The management of the
teacher education process needs more proactive actions that streamline the education process. They
further revealed the urgent need for the transformation of the Pedagogical Influence Zone (ZIP) as a
“teacher education place”. The need for institutes to be autonomous in the selection of candidates and
faculty was revealed to improve the transparency of the teacher education process and actions. The
effort made by the teacher educators is relevant to guarantee the reasonableness of the preparation,
however, it is necessary that these actions are systemic. The “10th + 1 year” curricular model does not
allow a good preparation of teachers, considering the profile of candidates and teacher educators, the
type of knowledge that is intended to be developed, along with the terrible existing material conditions.
Considering the current context of teacher preparation for primary education in Mozambique, it can be
said that the Institute of Chibututuíne lacks material, human and psycho-technical conditions to
operationalize a good preparation of teachers for primary education in this country.
Tabela no 1: Distribuição de línguas faladas por população de 5 ou mais anos de idade (2017) …....32
Tabela no 3: População falante e não falante do Português segundo área de residência e sexo........34
Tabela no 4: Plano de estudo do ensino primário em tempos lectivos, aplicado no caso do programa
monolíngue em Português, em regime de três turnos...........................................................................45
Tabela no 5: Plano de estudo do ensino primário em tempos lectivos, aplicado no caso de Programa
Monolíngue em Português, em regime de dois turnos..........................................................................46
Tabela no 6: Plano de estudo do ensino primário em tempos letivos, aplicado no caso Programa
Bilíngue em que o EP1 é ministrado em regime de dois 2 turnos.........................................................47
Tabela no 7: Rede escolar, Ensino Geral, turno diurno, 2011, 2017-2018, ensino público, privado e
comunitário............................................................................................................................................5 3
Quadro no 11: Tipo de formação acadêmica dos formadores do Instituto de Chibututuíne que
participaram desta pesquisa................................................................................................................1 55
Quadro no 13: Ações planejadas de 2004 a 2015 para garantir uma oferta adequada de professores
em Moçambique..................................................................................................................................1 74
LISTA DE FIGURAS
Gráfico no 10: Tipo de formação acadêmica dos formandos do Instituto de Chibututuíne ………….179
Gráfico no 12: Ano de conclusão do último grau acadêmico dos formandos do Instituto de
Chibututuíne…………………………………………………………………………………………………...181
Gráfico no 13: Média global obtida no último nível acadêmico dos formandos do Instituto de
Chibututuíne........................................................................................................................................1 82
Gráfico no 14: Classificações obtidas pelos candidatos no vestibular para ingresso no Instituto de
Chibututuíne em 2019.........................................................................................................................1 82
Gráfico no 15: Motivação dos formandos do Instituto de Chibututuíne para ingressar na carreira
docente................................................................................................................................................1 83
Gráfico no 19: Avaliação das atividades de práticas de ensino dos formandos do Instituto de
Chibututuíne........................................................................................................................................1 87
Gráfico no 20: Avaliação do acompanhamento pelo professor-orientador pelos formandos do Instituto
de Chibututuíne...................................................................................................................................1 87
LISTA DE IMAGENS
A presente pesquisa tem como objeto de estudo o lugar da formação docente para o ensino primário em
Moçambique. Por meio de uma abordagem qualitativa, esta investigação acadêmica, do tipo “estudo de
caso”, contou com a participação, entre outros, de formadores e formandos do Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC) – o “caso” a ser analisado por ela.
As vivências da escola primária como aluno (1986-1991) e, com o passar do tempo, as vivências como
professor leigo1 (1999-2004) – que ascendeu ao professorado após a realização de um seminário de
preparação docente de cerca de apenas 25 dias! – fizeram com que eu construísse as minhas primeiras
impressões sobre a docência no ensino primário em Moçambique. Uma parte dessas vivências foi bastante
negativa em razão das minhas lembranças sobre as torturas física e psicológica pelas quais passei. Essas
experiências, infelizmente, eram o “pão de cada dia” na Escola Primária da Machava Km-15, localmente
conhecida como Escola “Ka Mukatxoka”2. Como professor na Escola Primária de Maluana, no Distrito da
Manhiça, iniciei a minha prática docente com a mentoria de um colega designado que igualmente lecionava
a mesma classe – 3a classe – e por meio da partilha de saberes com colegas professores egressos dos
Centros de Formação de Professores Primários (CFPP), com os quais, desenvolvíamos um processo mútuo
de planificação e de produção de materiais didáticos. Um segundo momento da minha aprendizagem
docente deu-se por meio da realização do curso de formação docente no Instituto do Magistério Primário de
Chibututuíne (IMAP), entre os anos 2003 e 2004. Nesse período, eu era docente em exercício na Escola
Primária de Malungana, nos arredores do IMAP. A realização do curso de Licenciatura em Ensino Básico na
Universidade Pedagógica (UP), entre os anos 2007 e 2011, no período noturno, marcou um momento
importante no meu percurso de aprendizagem docente. Para a realização desse curso, eu tinha que
percorrer diariamente cerca de duzentos quilômetros em condições precárias (na hora de regresso, por
exemplo, havia apenas camionetas de carga de mercadoria para serem usadas como meio de transporte).
Além disso, os salários que eu recebia como professor eram muito baixos (4.535,00 Meticais (Mt) – o
equivalente a cerca de 350 reais ou 65.00 USD) e eram insuficientes para pagar as despesas familiares, de
transporte e ainda as mensalidades do curso (cerca de 200 reais).
A partir do meu percurso de vida pessoal e profissional, brotou em mim o interesse em pesquisar o tema da
formação de professores para o ensino primário em Moçambique. Soma-se a isso, a necessidade e a
relevância social para esse país em compreender a complexidade do subsistema da educação e da
formação de professores para o ensino primário moçambicano. Portanto, eu gostaria de sublinhar os meus
1
Em fevereiro de 1999, ingressei na carreira docente como professor concursado após uma formação pontual de 30 dias no
Instituto do Magistério Primário (IMAP) da Matola. Tratava-se de uma formação destinada aos candidatos à docência que tivessem
concluído a 10ª ou 12ª classe do Sistema Nacional de Educação (SNE) ou equivalente. A designação dessa formação era
“capacitação psicopedagógica”, porém, nos qualificadores profissionais, todos esses docentes eram designados de “sem
formação” – o equivalente à figura do “leigo”.
2
Mukatxoka é o apelido de um dos primeiros professores na Escola Primária da Machava Km-15, no município da Matola,
província de Maputo. Não podemos, neste trabalho, descrever as razões pelas quais a escola ficou comumente conhecida por
esse “apelido”, contudo, alunos de várias gerações que frequentaram essa escola ou residentes daquele bairro bem conhecem um
pouco da história da escola que tinha a maioria das salas de aulas por baixo dos enormes cajueiros que ali existiam e onde eu tive
a minha primeira experiência de escolarização à mistura com os severos castigos corporais (entre outros tipos de castigos) que,
aliás, eram recomendados pelos pais e pelos encarregados de educação.
22
22 anos de carreira docente, realizados em diferentes níveis de ensino (primário, secundário e superior),
como espaço temporal que me proporcionou a oportunidade de desenvolver afinidades e familiaridades com
o meu objeto de pesquisa.
Para o estudo da formação docente para o ensino primário em Moçambique, fizemos um recorte temporal
em nossa pesquisa entre os anos 1992 e 2018 3, usando, então, a experiência do Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC) como “estudo de caso”. Para compreender os processos e as práticas
de formação de professores para o ensino primário, incluímos a discussão sobre os modos prévios de
organização institucional, curricular, além das políticas e dos processos de formação docente nesse país.
Esta investigação acadêmica enquadra-se teoricamente nos estudos sobre a docência e a formação de
professores. Entrelaçam-se olhares sobre as políticas de formação docente e a qualidade da educação em
Moçambique por meio de uma análise sobre a formação de professores voltada para a construção de uma
docência progressista e catalisadora da mudança social nesse país.
Moçambique é uma jovem nação que proclamou sua independência em 25 de junho de 1975, dando início a
um longo processo para “livrar-se” do colonialismo português que durou cerca de cinco séculos (1498-
1975). O ensino oferecido durante a vigência do colonialismo português era rudimentar e com finalidades
“civilizatórias” (GOLIAS, 1992; MAZULA, 1995) – nesse período, a única exceção era o ensino
proporcionado nas zonas libertadas pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) 4. Poucos eram
os que conseguiam ascender aos níveis mais elevados de escolaridade e, para tal, eles deveriam passar
por um “processo de assimilação” 5. O ensino de qualidade destinava-se apenas para os filhos privilegiados
dos colonos (MAZULA, 1995; GOMÉZ, 1999). A responsabilidade do ensino estava a cargo dos padres
católicos a serviço da colônia e, até a década de 1930, existia apenas uma escola de formação de
professores para o chamado “ensino indígena”6 (GOLIAS, 1992; MAZULA, 1995). Com a Proclamação da
Independência nacional, vários acontecimentos históricos se sucederam, incluindo a nacionalização do
ensino e a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE) pelo Decreto-lei n o 4/83 de 23 de março de
1983. Foi à luz dessa lei que se institucionaliza a formação docente em Moçambique. Ela conheceu várias
trajetórias curriculares ao longo dos períodos históricos que marcaram a implantação da educação e da
formação de professores para o ensino primário no Moçambique independente.
3
Esse período é demarcado pela vigência da Lei 6/92 e o início do desenvolvimento desta tese de doutorado. Ele é marcado por
uma formação massiva e acelerada de professores para o ensino primário em Moçambique, com a confluência de vários modelos
de formação docente.
4
Movimento que, ao congregar todos os moçambicanos, desencadeou uma luta de libertação nacional em 25 de junho de 1962.
Com os avanços da luta de libertação nacional, registraram-se as primeiras experiências de escolarização do povo moçambicano
nas zonas libertadas pela FRELIMO.
5
Pessoa que interiorizou hábitos e ideias próprios de uma cultura diferente da sua (Dicionário Porto Editora online). Durante a
colonização em Moçambique, os “nativos” foram submetidos ao chamado “processo civilizatório” para que pudessem adquirir a
cidadania portuguesa. Os “indígenas” submetidos a esse processo, ao adquirirem o estatuto de cidadão português por
aculturação, foram designados “assimilados”.
6
Ensino destinado aos “nativos” de Moçambique ou das demais colônias portuguesas.
23
O modelo de base 6ª classe antecedeu à introdução do Sistema Nacional de Educação (SNE) 7. Como é
possível constatar nos objetivos do subsistema de formação de professores (Lei 4/83), apesar de ter
ostentado várias designações quanto ao tipo, buscou-se, por meio desse modelo, preparar o professor para
o ensino primário em uma perspectiva política ideológica com “uma pequena dose de conhecimento
pedagógico”. Após a introdução do Sistema Nacional de Educação (SNE), o modelo de formação de base 6 a
classe continuou e coexistiu com o de base 7ª classe, estendendo-se até ao ano de 1991. Com a introdução
do SNE, em 1983, o Ensino Primário (EP) passou a ser de sete anos e, consequentemente, o ingresso na
formação de professores primários (FPP) passou “de base 6ª” para a 7ª classe – até esse período, a
conclusão do Ensino Primário (EP) era um dos critérios de acesso para a formação docente em
Moçambique. O novo modelo de base 7ª classe pouco se distinguiu do seu antecessor a não ser pela sua
filosofia política baseada em princípios marxistas cujo propósito era a formação do “Homem Novo”. Esse
modelo perdurou de 1991 até 2004 e foi usado como uma das estratégias para o fornecimento de
professores primários que o país precisava. Em 1997, introduziu-se um novo modelo na formação de
professores para o ensino primário que passou a considerar o nível de ingresso a 10ª classe. Nesse
modelo, a questão da formação por competências profissionais e do treinamento por meio de práticas
pedagógicas integradas e intensivas ganhou relevância. No ano de 2016, o Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH) introduziu, de maneira experimental, um novo modelo de formação de
professores para o ensino primário (FPP) de base 12ª classe – a classe terminal do ensino secundário
geral. Nesse modelo, a duração da formação é de três anos.
Em relação aos primeiros anos da independência (1975 a 1983), percebe-se que a preparação intensiva e
de curta duração de professores para o ensino primário em Moçambique prendeu-se aos aspetos de ordem
sócio-política devido...
7
Entre 1975 e 1982, a classe terminal do ensino primário (EP) era a 6ª classe.
24
Os poucos estudos existentes sobre a formação de professores para o ensino primário em Moçambique
(AGIBO e CHICOTE, 2015; DONANCIANO, 2006; MATAVELE, 2016; MATHE, 2013; MOLESSE, 2006;
NIQUICE, 2005; NIVAGARA, 2013; USSENE, 2006) fazem duras críticas a esses modelos de preparação
docente no país. Para Niquice (2005), por exemplo, os modelos de formação docente em Moçambique (“10 a
+ 1”; “7a + 2+1”; “7a + 3”; “6a + 1”) não são apropriados para se preparar “um bom professor” em razão da
“deficiência de competências nos professores egressos” (p. 102). Agibo e Chicote (2015) defendem a
necessidade da implantação de “políticas de formação de professores que visem não simplesmente à
massificação do ensino escolar, mas que se comprometam com uma formação de qualidade” (p, 8). O
estudo do Nivagara (2013) problematiza a questão da formação e do desenvolvimento profissional a partir
desses modelos. A pesquisa de Ussene (2006) identificou a necessidade de um ajustamento das práticas de
formação à realidade do ensino escolar. E Matavele (2016) apontou a questão da “baixa qualificação dos
professores do Ensino Básico (EB) (1ª a 7ª classes)” em que “reconhecem-se deficiências na formação” (p.
5).
Essas pesquisas analisaram a questão da “formação inicial” dos professores para o ensino primário em
Moçambique principalmente na sua vertente curricular. Elas apontaram a necessidade da revisão dos
currículos na “formação inicial” de professores primários e de um ajuste nas políticas docentes do país.
Segundo esses estudos, a “formação inicial” de professores para o ensino primário em Moçambique não
confere a qualificação necessária para a docência em razão de os conteúdos da formação não
corresponderem ao prescrito no currículo escolar do ensino primário (MOLESSE, 2006) e do pouco domínio
das técnicas de ensino e didáticas dos formadores – o que levou Matavele (2016) a denunciar que “ensinar
é entendido como expor conteúdos/transmitir conhecimentos” (p. vi).
Dessa maneira, trata-se de um conjunto de pesquisas que tecem críticas sobre a qualidade dos professores
do ensino primário e de sua formação em Moçambique 8 e que sinalizam para a precariedade do ensino
nesse país. Porém, ao nosso ver, esses estudos não analisam, de maneira sistêmica, a gênese do
problema. Esta é, então, uma das contribuições que se pretende dar com o desenvolvimento desta tese.
Assim, para compreender o fenômeno da formação dos professores para o ensino primário em
Moçambique, partimos do pressuposto que a construção de conhecimentos e de saberes da docência
acontece na chamada “formação inicial” e desenvolve-se ao longo da prática profissional, sendo que, em
ambas as etapas, é necessário que exista um conjunto de suportes à formação e à prática docente sem os
8
Entende-se aqui “qualidade do professor” como a qualidade do trabalho do professor. Em Moçambique, a mensuração da
qualidade do professor é feita por meio do seu trabalho e, mais especificamente, pelo rendimento pedagógico percentual dos
alunos aprovados, bem como por inferência administrativa do superior hierárquico.
25
quais estas resvalarão em fracasso. É com base nesse pressuposto que nos indagamos: Como se dá a
formação dos professores para o ensino primário em Moçambique? De que maneira se organiza, na
atualidade, o processo da formação dos professores para o ensino primário em Moçambique? Os modelos
de formação dos professores para o ensino primário levam a uma boa preparação do professor? Que ações
são desenvolvidas pelo Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) e pelas instituições de
tutela (MINEDH, INDE, SDEJT) no processo da formação dos professores para o ensino primário em
Moçambique? Qual o perfil dos formadores de professores e dos formandos do Instituto de Chibututuíne?
Esta investigação acadêmica buscou analisar o lugar da formação dos professores para o ensino primário
em Moçambique. Para tal, traçou-se o perfil dos formadores e dos formandos do Instituto de Chibututuíne
com foco em sua trajetória acadêmica, experiência profissional, suas aspirações e vivências. A análise
descritiva do funcionamento desse Instituto e do currículo atual de formação dos professores, bem como
das ações de formação desenvolvidas por ele e por outras entidades integradas ao processo da formação,
constituíram igualmente nosso propósito de pesquisa.
Como mencionado anteriormente, esta é uma pesquisa de natureza qualitativa do tipo “estudo de caso”. Ela
baseou-se na análise documental e na análise do conteúdo das entrevistas e questionários aplicados aos
formadores, aos formandos, ao corpo diretivo do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne
(IFPC), aos gestores da formação de professores do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano
(MINEDH), do Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação (INDE) e dos Serviços Distritais da
Educação, Juventude e Tecnologia da Manhiça (SDEJTM).
Em relação aos procedimentos éticos, 85 pessoas participaram desta investigação acadêmica mediante a
aceitação pela assinatura do Termo de Livre Consentimento (Ver Apêndices 10, 11, 12 e 13) e após o
esclarecimento dos propósitos da pesquisa. Decidimos não mencionar os nomes dos sujeitos participantes
desta pesquisa para garantir o anonimato e o caráter confidencial das informações relacionadas à
privacidade, à proteção da imagem e à não-estigmatização.
Quanto aos procedimentos metodológicos, optamos pelo “estudo de caso” sobre o Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC) para analisar como se dá a preparação dos docentes para o ensino
primário em Moçambique. De acordo com Minayo (2008), “os estudos de caso utilizam estratégias de
investigação qualitativa para mapear, descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a
respeito da situação, fenômeno ou episódio em questão” (p. 164). Eles são úteis para “gerar conhecimento
sobre características significativas de eventos vivenciados, tais como, intervenções e processos de
mudança” (p. 164). Sendo assim, optamos por uma pesquisa qualitativa do tipo “estudo de caso” para
analisar a fundo a questão da formação de professores para o ensino primário em Moçambique. As técnicas
usadas na produção de dados foram: a análise documental, o questionário e a entrevista semiestruturada.
26
A análise documental incidiu sobre documentos que abordam aspectos legislativos e normativos da
formação de professores em Moçambique, o Sistema Nacional de Educação (SNE), assim como a política
nacional de educação e aos Planos Estratégicos da Educação (PEE). Além disso, analisaram-se
documentos curriculares, programas e planos de estudo da formação docente para o ensino primário nesse
país.
Usamos o questionário como técnica de produção de dados por inquérito (GHIGLIONE e MATALON, 1997).
As respostas ao questionário permitiram captar as percepções, a experiência subjetiva e as representações
dos inquiridos sobre o objeto estudado por meio de um formato uniforme de pergunta/resposta que permitiu
identificar as tendências das respostas (AMADO, 2013). Tratou-se de um questionário misto em que havia
questões de múltipla escolha e algumas abertas (Ver Apêndices 1 e 2). Procuramos explicitar os objetivos
subjacentes para cada pergunta (COUTINHO, 2014) uma vez que as questões foram intrinsecamente
ligadas aos propósitos da pesquisa. Reconhecidas as dificuldades de acesso à Internet pela maioria da
população em Moçambique e o fraco uso das novas tecnologias de informação e comunicação, bem como
problemas constantes na rede eléctrica e as improbabilidades de retorno dos questionários, optamos por
aplicar um questionário impresso e, para tal, houve necessidade de deslocamento ao terreno para a sua
aplicação direta.
Por meio da aplicação dos questionários, pretendíamos obter informações sobre a situação
sociodemográfica, acadêmica e profissional dos formadores e formandos do Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC), a sua compreensão sobre o fenômeno da “formação inicial” dos
professores para o ensino primário e a relação dela com o ensino escolar. Ao total, foram aplicados 217
questionários. 26 questionários foram aplicados em formadores, dos quais recebemos o retorno de apenas
dez; 191 foram aplicados em formandos, dos quais apenas 68 responderam a esse instrumento de coleta e
produção de dados.
Sobre o número relativamente pequeno de questionários que foram devolvidos, destacamos dois
problemas: 1. a desistência em participar/colaborar com a pesquisa por parte de dezesseis formadores e de
alguns formandos; e 2. a exigência de recompensas por parte de alguns formandos para estes participarem
da investigação acadêmica.
A outra técnica usada foi a entrevista. Como sabemos, ela apresenta grandes potencialidades de
comunicação e de interação humana. O aproveitamento adequado pelo investigador pode permitir-lhe
recolher dados muito ricos, entre os quais se destacam “a análise dos inquiridos sobre as suas próprias
práticas, situações com que se confrontam, assim como as leituras que fazem das suas experiências”
(QUIVY e COMPENHOUDT, 1998, p. 79). Por isso, é uma fonte de dados crucial nos estudos de caso (YIN,
2015).
Para esta pesquisa, optamos pela entrevista semiestruturada que, de acordo com Manzini (1990/1991),
concentra-se sobre um assunto específico. Para tal, confeccionamos um roteiro com perguntas principais
(Ver Apêndices 3 a 8), complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à
entrevista.
27
Para conferir fiabilidade aos dados, executamos gravações e anotações e posteriormente transcrevemo-las,
sendo que, antes de analisá-las, as transcrições foram eticamente devolvidas aos entrevistados de modo a
confirmarem os dados (COUTINHO, 2014; GUERRA, 2006).
No que concerne à escolha do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC), esta prendeu-
se ao fato de o pesquisador ter alguma familiaridade com a instituição o que se afigurou favorável para o
acesso ao campo. Além disso, o IFPC não difere dos demais institutos existentes no país em termos de
suas características e do modelo de formação, da modalidade de funcionamento, dos processos formativos,
do currículo de formação, missão e objetivos, podendo, desta maneira, representá-los.
Foram, então, quatro fases de desenvolvimento desta pesquisa: na primeira, realizamos um levantamento
dos documentos existentes sobre a formação de professores em Moçambique: currículos, leis, decretos,
programas de formação, planos estratégicos e instrumentos de avaliação na formação inicial de professores
nesse país. A leitura e a análise desses documentos serviram para conhecermos o contexto da formação de
professores e das políticas que a sustentam.
Na terceira fase, houve a aplicação dos instrumentos de produção de dados e o início da transcrição das
entrevistas. Iniciamos pelos questionários aos formadores (26) e aos formandos (191) do Instituto de
Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC). Dos 26 formadores que receberam os questionários, dez
responderam a esse instrumento e dos 191 aplicados aos formandos, apenas 68 responderam, ou seja, 139
sujeitos desistiram de participar da pesquisa pelas razões mencionadas anteriormente. Em seguida,
realizamos as entrevistas à medida que os sujeitos se dispunham. Em um caso, foi necessário realizar uma
viagem de aproximadamente 1.300 quilômetros de estrada para encontrar um sujeito da pesquisa. É
importante sublinhar que insistimos em encontrar esse sujeito pelo fato de ele ter sido um dos mentores do
modelo de formação “10a + 1 ano” – o que durou mais tempo no país – e um dos gestores do Instituto em
estudo. A estratégia de realizar a entrevista e, em seguida, transcrevê-la mostrou-se eficaz e permitiu a
maximização do tempo para a realização de outras atividades da pesquisa.
28
A quarta e última fase foi dedicada para a análise e para a discussão dos dados e para a redação final do
relatório de pesquisa.
A presente tese está organizada em cinco capítulos. No Capítulo Um, designado “A formação de
professores para o ensino primário em Moçambique”, contextualizamos a pesquisa com dados sobre a
situação histórica, social, cultural, política do país. Por se tratar da região anfitriã da pesquisa, descrevemos
sucintamente a província de Maputo, apresentando também seu contexto sócio-histórico, cultural e político.
Adiante, apresenta-se o Sistema Nacional de Educação (SNE) e a situação geral do ensino primário até ao
ano de 2019. Na sequência, apresenta-se uma visão panorâmica sobre o subsistema de educação e de
formação de professores para o ensino primário e a atualidade da formação desses docentes em
Moçambique na perspectiva da nova Lei do SNE 18/2018, de 28 de dezembro de 2018.
No último capítulo, o Capítulo Cinco, intitulado “Utopias, desafios e metas na formação de professores
para o ensino primário em Moçambique”, descrevem-se as visões intergeracionais e institucionais sobre
o processo da formação dos professores para o ensino primário nesse país a partir das reflexões de
diversos atores ligados à formação dos professores do ensino primário moçambicano. No final desse
capítulo, retoma-se a questão da formação de professores como pressuposto básico para melhoria da
qualidade do ensino e a necessidade de se constituir o lugar da formação docente em Moçambique.
Nas conclusões e considerações finais, faz-se o reencontro entre os objetivos previamente definidos e as
questões de pesquisa e disserta-se sobre os principais achados e resultados da pesquisa. Por fim,
sugerem-se novos temas e novas perguntas de pesquisa sobre a formação de professores para o ensino
primário em Moçambique.
29
O propósito deste capítulo é fornecer informações contextuais sobre a República de Moçambique (RM), nas
suas dimensões histórica, social, cultural e política. Nesse apanágio, faz-se uma breve apresentação da
província de Maputo – a província anfitriã desta pesquisa. Apresenta-se o Sistema Nacional de Educação
(SNE) e a situação geral e atual do ensino primário em Moçambique. Na sequência, descreve-se, por meio
de uma visão panorâmica, o subsistema de educação e de formação de professores para o ensino primário
de Moçambique, nos três períodos históricos demarcados pelas leis do SNE: a 4/83, de 23 de março de
1983, a 6/92, de 6 de maio de 1992, e a 18/2018, de 28 de dezembro de 2018.
Moçambique é um país localizado no continente africano, na costa oriental, a sul do equador, no sudoeste
da África Austral e é banhado pelo Oceano Índico. Possui dez províncias, nomeadamente: Cabo Delgado,
Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo. As dez províncias estão
distribuídas em três regiões a saber: região norte, constituída pelas províncias de Cabo Delgado, Niassa e
Nampula; região centro, constituída pelas províncias de Zambézia, Tete, Manica e Sofala e a região do sul,
constituída pelas províncias de Inhambane, Gaza e Maputo. A cidade de Maputo é a capital do país.
O país situa-se na costa oriental da África Austral e tem como limites: a Norte, a República da Tanzânia; a
Noroeste, a República do Malawi e a República da Zâmbia; a Oeste, a República do Zimbabué, a República
da África do Sul e o Reino de Essuatini; a Sul, a República da África do Sul e a Leste, a secção do Oceano
Índico designada por Canal de Moçambique.
Segundo dados do censo populacional de 2017, Moçambique conta com um universo populacional
estimado em 27.122.222 pessoas, das quais, um universo de 13.008.778 é do sexo masculino e 14.113.444
são do sexo feminino (INE, 2019). Trata-se de um território que fora habitado pelos povos bosquímanos –
uma comunidade de caçadores e recolectores. Sabe-se que as grandes migrações, entre os anos 200 e 300
D.C., dos povos Bantu9, de hábitos guerreiros e oriundos dos Grandes Lagos, forçaram a fuga dos
bosquímanos para as regiões mais pobres em recursos e, nesse período, instalou-se nesse território a
comunidade Bantu que, entre outras características, a diversidade etnolinguística é a que mais se destaca.
Esta é uma das razões do atual plurilinguismo em Moçambique (veja os dados sobre a pluralidade
linguística em Moçambique, nas Tabelas 1 e 2 mais adiante).
A República de Moçambique (RM) tem como língua oficial o português, adotada constitucionalmente no
processo da implantação da nação, pós colonialismo português, demarcada pela Proclamação da
Independência “total e completa” a 25 de junho de 1975. Trata-se de uma nação fustigada por longo período
9
Bantu: conjunto de populações da África, ao sul do Equador, que falam línguas da mesma família, mas pertencem a tipos étnicos
muito diversos (Dicionário online do Português).
30
de escravidão e dominação colonial perpetrada por Portugal entre os anos 1498 e 1975 e mais tarde pela
guerra civil (1976-1992)10 e pela invasão terrorista (Al-Shabaab desde 2017 até ao momento), esta última na
província nortenha do país – Cabo Delgado. Trata-se de uma nação broto de várias lutas internas de
sucessão (reinos e impérios antigos) 11, para além da anticolonial, levada a cabo pelos ocupantes desse
território, na disputa do poder pelo controlo territorial e das rotas comerciais.
Fora por intermédio da luta armada de libertação nacional, desencadeada a 25 de Junho de 1964, pela
Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) 12 que o território moçambicano alcançou a independência,
da qual se destaca, dentre vários nomes, a coragem e a entrega pela causa nacionalista do Eduardo
Chivambo Mondlane13, na união dos três movimentos (Mozambique African National Union – MANU, União
Democrática Nacional de Moçambique – UDENAMO e União Nacional Africana de Moçambique
Independente – UNAMI) que lutavam de forma separada pela independência nacional de Moçambique.
A tranquilidade proporcionada pela independência foi curta devido à eclosão da guerra civil levada a cabo
pela resistência nacional de Moçambique (RENAMO) entre os anos 1976 e 1992. Aponta-se como uma das
razões da guerra civil a democratização do país – a escolha por sufrágio universal dos dirigentes e não à
indicação conforme adotado pela FRELIMO quando da constituição da 1 a República. Cessadas as
hostilidades militares internas a 04 de outubro de 1992, por meio da assinatura do acordo geral da paz
(AGP), em Roma, entre a RENAMO e o governo da FRELIMO, após longos anos de negociações, vê-se
brotar uma 2a República (por meio da aprovação da constituição da República de 1990) já democratizada e
inaugurada pelas primeiras eleições multipartidárias em 1994. Com uma aparente tranquilidade político-
militar, vinte anos mais tarde, o país assiste uma retomada das hostilidades belicistas, em 2014, levadas a
cabo pela RENAMO que reivindicava o cumprimento integral das cláusulas do acordo, entre tantas, a
desmilitarização, desmobilização e reintegração dos homens armados da RENAMO e a despartidarização
do aparelho de Estado. Trata-se de um pacote reivindicativo que se alastra há mais de duas décadas e tem
limitado a estabilidade da paz efetiva até o presente. Um dos fatos mais recentes que atesta a instabilidade
da paz é a eclosão de uma guerrilha na região centro do país (Manica e Sofala), liderada pela
autoproclamada junta militar da RENAMO, movimento dissidente das tropas residuais da resistência
nacional de Moçambique. Paralelamente a essa situação do centro do país, vive-se na região nortenha,
mais especificamente, na província de Cabo Delgado, uma enorme instabilidade devido aos ataques
terroristas reivindicados pelo grupo Al-Shabaab (objetivados a implantar a lei de Sharia) 14 que semeiam
10
A guerra civil de Moçambique (“guerra dos 16 anos”) foi um conflito armado civil que iniciou em 1976, um ano após a fundação da
Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), na então Rodésia do Sul, atual República do Zimbabué (antiga colônia britânica),
em 1975. A contestação da política comunista da FRELIMO levou a RENAMO, liderada inicialmente por um dos fundadores, André
Matade Matsangaíssa (18 de março de 1950 – 17 de outubro de 1979), morto em um combate, a mover uma guerra de
desestabilização generalizada em todo o território nacional. Com a morte do seu comandante (Matsanagaíssa), Afonso Macacho
Marceta Dlakama (Mangunde, Sofala, 01 de janeiro de 1953 – Gorongosa, Sofala, 3 de maio de 2018) passou a assumir o
comando até a assinatura dos acordos gerais de paz (AGP) em Roma (Itália), a 4 de outubro de 1992. Do conflito armado resultou
que cerca de um milhão de pessoas pereceram devido aos assassinatos e à fome e mais de cinco milhões de civis foram
deslocados e muitos civis sofreram acidentes em minas terrestres e mutilações de órgãos.
11
Vários foram os impérios e reinos que coexistiram nesse território atualmente chamado Moçambique. Antes da chegada dos
portugueses: Império/Estado do Zimbabué, o Império de Mutapa (falantes do shona) localizados na região central do território
moçambicano. Estado/Império de Gaza (falantes do Tsonga), localizados na região sul de Moçambique.
12
FRELIMO: trata-se do movimento nacional, fundado a 25 de junho de 1962, com objectivo de lutar pela independência diante do
colonialismo português e que após a Proclamação da Independência, a 25 de Junho de 1975, transformou-se em partido político
que, até então, governa o país.
13
Doutorado em Psicologia Social. Desenvolveu uma tese sobre “Conflitos de Personalidade, Grupos de Referência e Raça” pela
universidade estadunidense de Northwestem, em Evaston, Illinois, em 1960 (Secretariado do Comité Central da FRELIMO, 2009).
14
Lei islâmica baseada no alcorão.
31
terror e luto pelas matanças (por decapitação e esquartejamento) das populações nos distritos de
Mocímboa da Praia, Quissanga, Macomia e Muedumbe. Segundo uma mensagem do Presidente da
República de Moçambique, alusiva ao dia nacional dos professores moçambicanos (em 10/10/2020) e em
decorrência desses ataques terroristas, cerca de 1.200 professores e um universo de 61.789 alunos e 138
escolas foram afetados. Trata-se de um panorama bélico que o território ocupado atualmente pela
República de Moçambique vive de forma sistemática desde a implantação dos reinos e impérios antigos aos
nossos dias. Esses eventos, além de empobrecerem o país pela dispersão da população e o êxodo rural,
enfraquecem a economia, forçando o governo a um endividamento externo exacerbado para, por um lado,
prover os serviços básicos (saúde e educação) e, por outro, manter o aparato militar para a defesa da
soberania.
Segundo revela a história da formação da nação moçambicana, a etnicidade territorial é um marco histórico
e cultural, com destaque para a etnicidade multilinguística. Diante dessa diversidade plurilinguística, a
FRELIMO adotou a língua portuguesa como língua de “unidade nacional”. Todavia, seu domínio, em um
universo populacional de 27.122.222 pessoas, apenas 10.535.905 (38,8%) são falantes do português.
Desse universo falante do português, 5.739.991 (21,1%) são do sexo masculino e 4.795.914 (17,6%) do
sexo feminino (INE, 2019). Em um país que visivelmente se menosprezam as línguas nativas, isso revela
uma desvantagem (exclusão social) para a garantia de direitos básicos (emprego, educação etc.) a diversos
grupos étnicos no país e, principalmente, às mulheres, devido ao fraco domínio da língua oficial, bem como
dos estereótipos culturais que tendem a valorizar mais os homens.
Uma parcela significativa da população, de 11.707.468 (43,1%), é falante de línguas locais (línguas de
origem bantu na sua maioria), dos quais 4.869.858, correspondentes a 17,9%, são do sexo masculino e
6.837.610, correspondentes a 25,2%, são do sexo feminino. Nessa acepção, nota-se que a maior franja
populacional que apenas se expressa por meio das línguas nativas é constituída por mulheres
(majoritariamente das regiões rurais) em que os estereótipos etnoculturais fragilizam o poder delas,
diminuindo a possibilidade de elas lutarem por educação, resvalando-se, por conseguinte, na naturalização
da relação de dominação masculina.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2019, o panorama linguístico de Moçambique
apresenta, além da língua portuguesa, outras línguas moçambicanas, línguas estrangeiras, línguas
desconhecidas e a língua de sinais, empregues no quotidiano como línguas maternas faladas por pessoas
de 5 ou mais anos de idade. O marco de cinco anos é determinado pelo Instituto Nacional de Estatística
(INE) como sendo a idade padrão para considerar uma pessoa falante de uma certa língua. Segundo o INE,
o panorama linguístico de Moçambique apresentava, em 2017, o cenário ilustrado por meio da tabela a
seguir:
32
Tabela no 1: Distribuição de línguas faladas por população de cinco ou mais anos de idade
em Moçambique (2017)
O panorama atual, segundo dados do censo populacional e habitacional de 2017, identificou um conjunto de
treze línguas maternas, incluindo o português, faladas por pessoas de cinco ou mais anos. É notável o
contraste com os dados sistematizados por Ngunga e Bavo (2011, p.15) que, no mesmo apanágio de
classificação linguística (censo populacional 2010), os agrupamentos linguísticos totalizavam 24 línguas
maternas, incluindo o português, as línguas de sinais e outras línguas moçambicanas, como ilustra a Tabela
2. Ao comparar o censo populacional de 2010 e o de 2017, revela-se uma tendência de redução ou
desaparecimento de certos idiomas. Face a esse cenário, importa questionar se estamos diante de um
processo de extinção etnolinguística ou se trata de uma questão de critérios de classificação e
agrupamentos diferentes. A tabela a seguir ilustra a distribuição de línguas maternas faladas pela população
de cinco ou mais anos, segundo a sistematização de Ngunga e Bavo (2011).
33
Tabela no 2: Distribuição de línguas faladas por população de cinco ou mais anos de idade em
Moçambique, segundo sistematização de Ngunga e Bavo (2011)
Independentemente de quem está com a razão, as duas tabelas anteriores comprovam que, sem dúvidas,
Moçambique é um país multilíngue. Isso revela a existência de uma variedade étnica e de valores
etnolinguísticos por preservar, em respeito ao direito de uso e expressão cultural por meio da língua nativa.
O fator linguístico no Sistema Nacional de Educação (SNE) continua sendo um dos maiores problemas do
país, pois, a língua portuguesa, não obstante de ser a língua oficial, é igualmente a língua de ensino.
Todavia, seu domínio ainda está distante do ideal para que o SNE tenha êxitos na aprendizagem das
crianças, jovens e adultos, principalmente na área rural.
Ao atender a área de residência, se urbana ou rural, os dados revelam que há mais domínio do português
majoritariamente na área urbana e pelos indivíduos do sexo masculino em relação à área rural e do sexo
feminino, tal como ilustra a tabela a seguir:
34
De acordo com os dados acima, percebe-se que a situação linguística de Moçambique, no que concerne ao
domínio da língua portuguesa, apresenta variações assimétricas de acordo com o sexo e a área de
residência. Constata-se que a população urbana goza de privilégios e de vantagens em relação ao acesso
ao conhecimento científico pelo fato de a língua do ensino ser o português – embora a política nacional de
educação consagre também as línguas locais e de sinais como meios de ensino em clara obediência ao
direito constitucional consagrado como princípio fundamental na República de Moçambique (RM) que
afirma, mesmo que retoricamente: “o Estado valoriza as línguas nacionais como patrimônio cultural e
educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa
identidade” (Artigo no 9 da constituição da RM). Todavia, essas línguas são usadas, de modo geral, apenas
como meios auxiliares de ensino. Ainda assim, esforços visando a generalização do seu uso no ensino,
sobretudo nas classes iniciais, é evidente, pois os programas do ensino primário (programa bilíngue) 15 usam
a língua materna da criança como meio de ensino (INDE/MINED, 2003). Contudo, em decorrência da
avaliação da educação escolar (INDE/MINED, 2015), defende-se, por meio dos seus programas atuais de
ensino (1º e 2º ciclos), a generalização do português como língua de ensino:
Essa situação revela, em parte, uma tentativa do incremento estratégico para o ensino e leitura do
português, o que demonstra contraste na intenção da massificação do uso e valorização cultural e científica
15
No ensino primário público moçambicano, foi introduzido, em 2003, as línguas moçambicanas e, com efeito, dois programas
atendem a essa inovação curricular: o programa do ensino bilíngue e o programa do ensino monolíngue. No programa bilíngue, as
primeiras classes são leccionadas na língua moçambicana das crianças. A língua portuguesa é introduzida, desde a 1a classe,
como disciplina e não como meio de ensino. Entretanto, a partir do 2o ciclo, registra-se o fenômeno inverso. A língua de ensino
passa progressivamente a ser o Português e a língua moçambicana uma disciplina. Outra modalidade de utilização de línguas
moçambicanas é como auxiliares do processo de ensino-aprendizagem, por meio do programa monolíngue português (segunda
língua). Duas razões justificam essa modalidade: 1. o próprio modelo de educação bilíngue adotado prevê a utilização da língua
primeira (L1) como auxiliar do processo de ensino aprendizagem, principalmente a partir da 4 a classe, em que o meio de ensino
principal é a língua portuguesa; 2, o ideal respeitante à pedagogia seria fazer a aprendizagem inicial (ensino da leitura e escrita)
na língua materna, contudo, os programas de educação bilíngue não poderão, a curto e médio prazos, cobrir todo o país.
Enquanto tal situação não é possível, deve-se encontrar uma estratégia em que se possa recorrer às línguas moçambicanas como
auxiliares do processo de ensino aprendizagem, sobretudo, nas zonas rurais onde a oferta linguística do Português é quase
inexistente (INE/MINED, 2003, p. 31-32).
35
das línguas locais. Os dados do censo populacional (INE, 2019) revelam que há um déficit de conhecimento
linguístico (leia-se, o domínio do português) por parcela significativa da população moçambicana (43,1%) e
tem-se, na língua portuguesa, o barômetro para medir as capacidades intelectuais/científicas dos
moçambicanos. Percebe-se uma clara violação de direitos humanos, ao se tomar uma única língua adotada
como oficial, para, por meio dela, promover-se o desenvolvimento das aprendizagens sem considerar a
fundo a questão da etnicidade em um país multilíngue em que mais da metade da população não é falante
dessa língua dita oficial. Embora contestável, a decisão do uso da língua portuguesa como língua oficial e
do ensino, segundo afirma Lopes (2009), tratou-se de uma decisão da FRELIMO. De acordo com Lopes,
Os riscos do uso do português como língua oficial e de ensino, sem a devida problematização da
metodologia de ensino desse idioma, transformaram-se em um dos grandes problemas do Sistema Nacional
de Educação (SNE), afetando largamente as pessoas de diferentes etnias e do sexo feminino. Não obstante
de se transformar em um problema para o SNE, pode-se entender que a ideia de manter a primazia do uso
oficial do português – que pretere as línguas autóctones em territórios “indígenas” 16 – revela a falta da
intenção política em pleitear a liberdade aos povos oprimidos em Moçambique. A ação política junto aos
povos oprimidos moçambicanos tem que ser, no fundo, uma ação cultural para a liberdade. Por isto mesmo,
“esta deve ser uma ação com eles – e não para eles” (FREIRE, 2017). Um dos mecanismos da ação
cultural deve ser, então, sem dúvidas, o incentivo político-social do uso oficial das línguas autóctones em
espaços e serviços públicos do Estado.
O desequilíbrio no domínio do português pela maior parte da população rural e, em particular, pela
população feminina, tende a revelar, como nos referimos anteriormente, um problema de aceitação ou
naturalização da dominação masculina em que o acesso ao conhecimento é um privilégio dos homens.
Todavia, o governo e o Estado moçambicanos têm incrementado políticas para o desenvolvimento rural e da
mulher, a partir da expansão da rede escolar e de um programa de incentivo à permanência das crianças na
escola (PNE, 1995; PEEC, 2006; PEE, 2012) até a conclusão do ensino primário (7 a classe ou sétimo ano
de escolaridade).
Embora existam políticas voltadas para o desenvolvimento rural e da mulher, bem como incentivos para a
permanência das crianças na escola por meio da gratuidade do ensino básico, a questão do uso das línguas
locais continua merecendo pouca atenção em relação à língua de “unidade nacional” – a língua oficial na
República de Moçambique. Nesse âmbito, concordamos com Lopes (2009) quando ele afirma que o
argumento de que a língua portuguesa era (e é) um fator primordial para a unidade nacional, combinado à
16
São considerados indígenas aos indivíduos da raça negra ou seus descendentes que nascidos lá ou lá vivendo habitualmente,
ainda não possuam a instrução e os hábitos individuais e sociais pressupostos para a aplicação integral do direito público e
privado dos cidadãos portugueses. São igualmente considerados indígenas nascidos de pai e mãe indígenas em lugar estranho a
estas províncias, tendo-se os pais fixado nelas temporariamente. (GOLIAS, 1993, p. 33-34).
36
concepção “perfeccionista” que defendia a padronização das línguas moçambicanas, levaram a FRELIMO a
protelar indefinidamente a introdução das línguas locais no ensino.
Em termos da configuração linguística, o país é constituído por um mosaico etnolinguístico com cerca de 41
línguas agrupadas em seis grupos, nomeadamente: Grupo I – kimwani, shimakonde, ciyaawo; Grupo II –
emakhuwa, echuwabu; Grupo III – cinyanja, cinyungwe, cisena, cibalke; Grupo IV – cimanyika, cindau,
ciwute; Grupo V – gitonga, cicopi; e Grupo VI – xichangana, citshwa e xirhonga. Desses agrupamentos,
destacam-se como principais, de acordo com a padronização ortográfica das línguas moçambicanas, o
cicopi, cinyanja, cinyungwe, cisena, cishona, ciyao, echuwabo, ekoti, elomwe, gitonga, maconde (ou
shimakonde), kimwani, macua (ou emakhuwa), memane, suaíli (ou kiswahili), suazi (ou swazi), xichanga,
xironga, xitswa e zulu (NGUNGA e FAQUIR, 2012).
A dominação da língua portuguesa sobre as línguas autóctones é um fato. Há evidências de que seu uso
nas classes iniciais do ensino primário constitui uma barreira para o acesso ao conhecimento científico, pois
a maioria das crianças em idade escolar até o início da escolaridade (aos 6 anos de idade) não é proficiente
nessa língua e os resultados escolares da base piramidal do Sistema Nacional de Educação (SNE) não
possuem a amálgama necessária para dar suporte para uma exitosa progressão de aprendizagem. Além de
a formação de professores para o ensino primário ser flácida para preparar os docentes para lecionar nas
línguas autóctones, ela dificulta uma aproximação do futuro professor com a realidade dos alunos, uma vez
que os egressos dessa formação são concursáveis em toda a extensão territorial – o que possibilita que um
professor nativo do Grupo I (kimwani, shimakonde e ciyaawo), por exemplo, possa exercer a docência na
região de nativos do Grupo VI (xichangana, citshwa e xirhonga), tornando mais difícil ainda a possibilidade
do uso da própria língua materna da criança como auxiliar do ensino em razão do desconhecimento da
língua nativa dos alunos pelo professor. Lopes (2009, p.113) acrescenta que não se pode ignorar também
que os próprios professores, formados nos Centro de Formação de Professores Primários (CFPP), de
maioria camponesa, enfrentam, eles próprios, grandes problemas no domínio da língua portuguesa. Dessa
maneira, além de serem professores oriundos, na sua maioria, de famílias não agraciadas pela literacia e de
regiões rurais, são docentes proficientes de uma língua autóctone diferente da dos seus alunos. Portanto, a
possibilidade do desenvolvimento de uma interação didática fluida e baseada nas experiências do
quotidiano das crianças desfalece por impossibilidade das crianças se expressarem na língua de ensino.
Essa é uma situação que ainda prevalece, pois a maior parte da população concentra-se nas regiões rurais
e estas continuam enfrentando problemas de aprendizagem – tendo como um dos vetores do conflito o uso
da língua oficial no ensino ou o uso das línguas locais (como meio de ensino ou meio auxiliar), sendo que os
professores não têm preparo necessário para o efeito. Segundo Lopes (2001), umas razões de fracasso
escolar nos alunos da primeira classe, no período pós independência, deveu-se ao uso exclusivo da língua
portuguesa no ensino:
A falta de uma política linguística que possibilitasse a integração das línguas autóctones moçambicanas ao
Sistema Nacional de Educação (SNE), além de prejudicar o processo de escolarização, impossibilitou o
desenvolvimento de saberes e conhecimentos populares transmitidos a partir dessas línguas autóctones,
pois, nas escolas, até os anos 2010, era comum a proibição, por meio da “continuidade à política linguística
colonial”17, do uso dessas línguas em recintos escolares – uma clara opressão aos grupos etnolinguísticos
minoritários. Segundo afirmam Ngunga e Bavo (2011, p. 30), ao citarem um exemplo da província de
Inhambane, no distrito de Inhassoro, os mais novos, de 10 a 20 anos de idade, eram pressionados pela
escola e, ainda hoje, o uso das línguas maternas é proibido e severamente castigado. Para esses autores,
isso decorre do fato de ainda persistirem na mente de muitos educadores das novas gerações os efeitos
dos objetivos da Portaria de 317/1917, de 10 de janeiro de 1917, que obrigava os “indígenas” de
Moçambique, nos tempos da colônia portuguesa, a expressarem-se usando apenas a língua portuguesa 18.
O argumento para não uso das línguas autóctones no SNE era de que o país não dispunha de professores
preparados para o ensino por meio dessas línguas e com efeito:
A implantação de uma política dita libertária, baseada em uma língua estranha para a maioria da população,
marca a presença e a continuidade do colonialismo. Esse pensamento confunde-se com o que Freire
designou de “substituição de opressores” e, nesse caso, as elites políticas da FRELIMO seriam os atuais
“opressores” que teriam substituído os colonizadores. Nesse diapasão, concordamos com Lopes (2001)
quando ele defende a seguinte ideia: “se as políticas linguísticas sempre foram reconhecidas como
poderosos instrumentos políticos, parece-nos que, no passado, frequentemente foram utilizadas como
instrumentos de poder, ferramentas de dominação e opressão” (p. 7). A falácia do discurso nacionalista e de
“unidade nacional”, por meio da adoção de um idioma que mais da metade da população não é proficiente,
demonstra uma tendência de perpetuar a opressão de um povo com marcas indeléveis de escravatura e
colonialismos. Uma educação libertária, na essência freiriana, consubstanciaria o reconhecimento e a
integração das línguas autóctones no SNE – reforça-se a importância do uso das línguas autóctones na
17
Embora não oficialmente, as línguas moçambicanas são muitas vezes usadas no ensino primário como recurso quando a
comunicação entre o professor e os alunos fica bloqueada por razões linguísticas. Isto contraria aquilo que na escola se julga ser
politicamente correto – a proibição do uso das línguas maternas dos alunos. Os professores usam essas línguas quando esgotam
todos os recursos linguísticos para explicar as matérias em português (NGUNGA e BAVO, 2011, p. 29).
18
Trata-se da Portaria do Assimilado ou Alvará do Assimilado que dividia a sociedade em três categorias sociojurídicas: o
assimilado que era o africano “civilizado”; o indígena, o africano não “civilizado” ou não indígena e o europeu (THOMAZ, 2009, p.
1). Com efeito, a obrigatoriedade de os indígenas comunicarem forçosamente em língua portuguesa era de lei e obrigatório e os
infratores eram castigados.
38
educação, pois a tarefa de letramento em uma língua estrangeira, como o português, é um grande
obstáculo ao desenvolvimento nacional de Moçambique porque ela “tende a marginalizar as populações que
não são proficientes nessa língua” (Ibid, 2001, p. 6).
A República de Moçambique, além desse mosaico etnolinguístico, possui, no âmbito da sua jovem
democracia, uma estrutura partidária com vários partidos políticos. Nas últimas eleições presidenciais,
legislativas e das assembleias provinciais, em 2019, participaram cerca de 25 partidos políticos dos quais
conseguiram assentos para o parlamento nacional apenas três partidos (a RENAMO, a FRELIMO e o MDM
– Movimento Democrático de Moçambique) com destaque para FRELIMO – partido que governa
Moçambique desde a Proclamação da Independência a 25 de junho de 1975 – que obteve o maior número
de assentos.
A Constituição da República (CRM, 1990) consagra, entre outros, o princípio da liberdade de associação e
organização política dos cidadãos, o princípio da separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário,
bem como a realização de eleições livres. Até ao momento, o país realizou seis eleições presidenciais e
legislativas desde 1994. Ao abrigo da Constituição da República de 1990 e como prova de incremento da
democratização do país, as sextas eleições incluíram a eleição dos governadores provinciais e os
respectivos membros das assembleias provinciais. Dessa democratização do país, resultou que muitas
transformações foram implementadas no Sistema Nacional de Educação (SNE), como veremos mais
adiante.
Em termos econômicos, trata-se de um país “em vias de desenvolvimento” (SANTOS, 2014) com notáveis
assimetrias em seu território: a região sul do país e as capitais, de modo geral, são mais desenvolvidas em
relação às demais. Com vista à redução dessas assimetrias, o governo, nos primeiros anos de
independência, apostou em uma economia socialista centralmente planificada combinada com “doses de
autoritarismo, inexperiência e voluntarismo” (LOPES, 2016, p. 4). Contudo, devido a severas calamidades
naturais e uma guerra civil que durou 16 anos, o país mergulhou em uma crise socioeconômica e política.
Moçambique abandonou, então, a economia socialista centralizada e adotou uma economia “de mercado” a
fim de supostamente iniciar “um projeto de desenvolvimento”. Atualmente, Moçambique encontra-se com
um Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a 14,46 bilhões de dólares estadunidenses – a uma taxa
cambial de 63,3 meticais a 25/01/2020 –, um crescimento anual estimado em 2%, até ao fecho de 2019,
uma taxa de inflação de 3,5%, uma taxa de desemprego anual fixada em 25,04%, até dezembro de 2017, e
uma dívida pública estimada em 113 % do PIB 19. Esse cenário faz de Moçambique uma das nações mais
pobres do mundo e um dos países com o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do planeta,
ocupando o 180º lugar – em um total de 189 países avaliados – como indica o Relatório de
Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2019). A
expectativa de vida é, em média, 60,2 anos – as mulheres vivem mais (63 anos, em média) em relação aos
homens que vivem cerca de 57,1 anos. Para piorar essa situação, o país filiou-se ao Fundo Monetário
Internacional (FMI), ao Banco Mundial (BM), entre outros organismos internacionais, o que, segundo Santos
19
Segundo informações da página eletrônica https://pt.tradingeconomics.com/mozambique/indicators. Acesso em 25/01/2020.
39
(2014), favorece que o impacto das forças externas seja preponderante no país – e o que acentua ainda
mais a sua dependência econômica.
No que tange aos aspetos culturais, Moçambique possui um panorama cultural de música, dança e artes
cênicas que tem sido usado como cartão-postal do país – com destaque para as pinturas de Malangatana,
Naguib, Chissano, as poesias do Mia Couto e José Craveirinha e as obras literárias de Ungulani Ba ka
Khossa, Paulina Chiziani, entre outros homens e mulheres imponentes das artes e literatura
moçambicana20. A arte e a escultura Maconde constituem um marco artístico criativo do artesanato
moçambicano.
Sendo a mais meridional de Moçambique, a província de Maputo limita a norte com a província de Gaza, a
leste com o Oceano Índico e com a cidade de Maputo. A sul, encontra-se a fronteira com a província sul-
africana do KwaZulu-Natal e a oeste o Reino de Essuatini e a província de Mpumalanga, da África do Sul. A
sua capital é a cidade da Matola, situada a apenas dezoito quilômetros a oeste da cidade de Maputo, a
capital do país. Com uma área de 26.058 km² e uma população de 1.968.906 de pessoas, a província de
Maputo está dividida em oito distritos: Matola, Boane, Namaacha, Moamba, Matutuíne, Marracuene,
Manhiça e Magude e possui quatro municípios: Município da Vila de Boane, Município da Vila da Manhiça,
Município da Matola e Município da Vila da Namaacha.
A República de Moçambique (RM), conforme nos referimos anteriormente, alcançou sua independência a 25
de junho de 1975 por meio de luta armada contra o colonialismo português. Porém, somente em 1983,
constituiu o primeiro Sistema Nacional da Educação (SNE) pelo Decreto-lei 4/83, de 23 de março de 1983.
Com o fim do sistema monopartidário, houve necessidade de ajuste desse sistema educativo. O Decreto-lei
6/92, de 6 de maio de 1992, revogou o primeiro sistema educativo e aquele que o substituiu, por sua vez, foi
revogado pelo Decreto-lei 18/2018, de 28 de dezembro de 2018, após 26 anos de vigência.
20
As músicas tradicionais são, geralmente, em línguas autóctones como um dos meios de educação tradicional e de transmissão de
valores, normas e saberes culturais válidos para uma convivência sã nas comunidades. Tanto as músicas como as danças
tradicionais reservam um valor costumeiro de relevância capital para as comunidades tradicionais. Em geral, há músicas e danças
específicas para várias celebrações como o nascimento de uma criança, a morte, o matrimônio, a colheita, entre outras.
40
Baseado no objetivo primordial de “erradicar o analfabetismo” – o que pode ser identificado em todos os
decretos-lei do SNE desde a sua concepção (Decreto-lei 4/83, de 23 de março de 1983) – pode-se entender
que “o problema” do analfabetismo em Moçambique está “enraizado ou arraigado” – razão pela qual, 45
anos após a Proclamação da Independência nacional, o Estado ainda centra a sua preocupação na tal
“erradicação do analfabetismo”. Levanta-se, então, uma questão: sabendo-se que o analfabetismo se refere
ao estado ou condição da pessoa analfabeta, de quem não tem instrução formal, nem sabe ler e escrever
(Dicionário online do Português), não será o uso da língua portuguesa no lugar das línguas autóctones que
faz perdurar “o problema” do analfabetismo em Moçambique? Em outras palavras, a avaliação e os
indicadores sobre o analfabetismo em Moçambique têm em conta os conhecimentos e saberes (de leitura,
escrita e cálculo) construídos e usados pela maioria da população que tem o domínio das línguas
autóctones? Os estudos de Ngunga e Bavo (2011) sobre a vida das comunidades rurais que no seu
quotidiano realizam diversas atividades sociais, incluindo as de leitura e escrita até cálculos complexos
utilizados no comércio informal, na agropecuária e entre outras áreas, nos ajudam a fundamentar esses
questionamentos21. Baseando-se na etnociência e na etnomatemática, há notadamente conhecimentos e
saberes etnolinguísticos que possibilitam essas comunidades rurais conduzirem suas vidas de maneira sã e
sábia. Em razão disso, preocupa-nos a insistência do discurso sobre a “erradicação do analfabetismo” que
desvaloriza o arcabouço de conhecimentos existentes e praticados no quotidiano pelas comunidades
autóctones. Nesse sentido, devido as evidências do uso das línguas autóctones na transmissão de
conhecimentos e de saberes nas comunidades, pergunta-se se não é chegado o momento de não apenas
massificar o uso dessas línguas como também considerá-las na avaliação das competências científicas
como estratégia para uma possível ressignificação do conceito de “analfabetismo” em Moçambique.
O Sistema Nacional de Educação (SNE) constitui-se de seis subsistemas, nomeadamente: educação pré-
escolar, educação geral, educação de adultos, educação profissional, educação e formação de professores,
e, finalmente, o subsistema do ensino superior. Cada subsistema possui caraterísticas específicas e
objetivos próprios. No entanto, sua base é definida pelos subsistemas da educação pré-escolar e da
educação geral. Lamentavelmente, a educação pré-escolar (EPE) 22, até o momento, constitui um dos
maiores problemas para a implantação de estratégias de melhoria da qualidade do ensino. Segundo o
Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH),
Lembremos que a maior parte da população de Moçambique é rural e tem como meio de subsistência a
agricultura e é nessas regiões rurais em que se situam os maiores problemas de domínio da língua
21
Um exemplo elucidativo foi dado por Ngunga e Bavo (2011): a língua árabe é, geralmente, conhecida por meio da sua forma
escrita por força da religião muçulmana que é dominante na região costeira do país. Em geral, os muçulmanos memorizam as
orações e os textos corânicos bem como o alfabeto que depois podem usar para escrever não só o árabe, mas também as suas
línguas, como é o caso do makhuwa. Portanto, raramente, ou quase nunca, eles aprendem a língua árabe para comunicação oral
no dia a dia. Em razão do islã, muitos habitantes dessas zonas costeiras sabem ler e escrever na sua língua, usando os
caracteres árabes.
22
De acordo com o Decreto-lei 18/2018, ela é realizada em creches e jardins de infância para crianças com idade inferior a 6 anos.
41
portuguesa – a língua oficial e de ensino. A maior parte das crianças oriundas dessas regiões tem o primeiro
contato com a língua portuguesa apenas ao ingressarem na escola. Harma (2016) e um documento do
Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH, 2015) revelam que as famílias mais pobres,
localizadas maioritariamente nas zonas rurais, não têm possibilidade de cobrir os custos para aceder a
serviços de educação pré-escolar (EPE), na sua maioria de iniciativa privada – o que constitui um fator de
extrema urgência nacional a implantação da educação pré-escolar pública, financiada pelo Estado. Não
obstante a quase absoluta inexistência da EPE pública e financiada pelo Estado moçambicano – como
afirmado anteriormente, esta é oferecida quase que exclusivamente pelos agentes privados –, ela enfrenta
problemas de qualidade que passam pelo número insuficiente de educadores de infância com formação
específica e, para tal, há necessidade da definição de uma política de formação inicial e contínua desses
educadores, uma vez que os currículos de formação são estabelecidos hoje pelas instituições que os
implementam (MINEDH, 2020).
Para garantir uma assistência educativa às crianças menores de 6 anos, o Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH) pretende, para os anos 2020 a 2029, promover a expansão gradual
do acesso equitativo à educação pré-escolar, priorizando os distritos com indicadores mais baixos de
aprendizagem no ensino primário, fortalecer a qualidade da educação pré-escolar por meio da
implementação de um currículo nacional e consolidar a oferta da EPE em nível nacional. O quadro a seguir
resume as ações prioritárias definidas para a realização desses objetivos:
A existência de uma educação pré-escolar (EPE) estruturada, funcional e de qualidade constitui um fator
importante para a promoção de uma educação de qualidade para todos. Todavia, no caso de Moçambique,
onde dá-se primazia ao uso da língua portuguesa em detrimento da utilização das línguas autóctones, a
42
possibilidade de a EPE servir a esses objetivos educacionais poderá não se efetivar. Ao avaliar os dados
disponíveis sobre proficiência da língua portuguesa no país e, especificamente, nas regiões rurais,
perguntamos novamente não ter chegado a hora de implementar o uso efetivo das línguas autóctones no
SNE, a começar pela EPE, de modo a fortalecer o desenvolvimento cognitivo na primeira infância
privilegiando-se a língua materna da criança?
O subsistema de educação geral é composto por dois tipos de ensino: o ensino primário (EP) e o ensino
secundário (ES). O quadro a seguir resume esses tipos de ensino e sua composição:
O ensino geral em Moçambique, conforme ilustra o quadro acima, é constituído por quatro ciclos de
aprendizagem: dois do ensino primário e dois do ensino secundário. Cada ciclo de ensino é composto por
três classes, perfazendo doze classes no total23.
De acordo com o “paradigma das reprovações”, uma criança podia reprovar várias vezes na 1 a, 2a ou
qualquer outra classe e ser responsabilizada pelo seu fracasso na aprendizagem. Consequentemente,
muitos alunos não concluíam o ensino primário ou o concluíam tardiamente – o que, por sua vez, criava
muitos obstáculos para o sistema educacional, como, por exemplo, a escassez de vagas para novos
ingressos no ensino primário e para o ensino secundário (8 a classe) – a frequência era basicamente
constituída por alunos mais velhos como corolário do atraso no ensino primário. Além desses obstáculos, o
sistema de educação moçambicano registrava elevadas taxas de abandonos, de desistências e baixa taxa
de conclusão dos níveis de ensino.
Com a introdução do novo paradigma de promoção por ciclos de aprendizagem, definidos, em Moçambique,
como “unidades de aprendizagem com o objetivo de desenvolver habilidades e competências específicas
em cada ciclo” (INED/MINED, 2003, p. 24), houve, a nosso ver, uma interpretação errônea sobre essa
“inovação” educacional. Por um lado, estudos desenvolvidos para avaliar a eficácia (sic) do novo paradigma
23
No SNE da Lei 6/92, o ensino primário era composto por 7 classes subdivididas em três ciclos em que o primeiro ciclo era
constituído pela 1a e 2a classe, o segundo ciclo era formado pela 3 a, 4a e 5a classes e o terceiro ciclo pela 6a e 7a classes. O ensino
secundário era composto por dois ciclos sendo o primeiro constituído pela 8 a, 9a e 10a classes e o segundo ciclo pela 11 a e 12a
classes – este último correspondia ao ensino médio.
24
Como se sabe, no mundo, a implantação de um sistema de “promoção automática” como estratégia de diminuir as altas taxas de
reprovação ou mesmo eliminar a reprovação nos primeiros anos de escolaridade ganhou relevo a partir da segunda metade do
século XX (BARRETTO; MITRULIS, 1999, 2001; MAINARDES, 2001; 2007; 2009; STREMEL, 2013).
43
da organização do ensino por ciclos de aprendizagem (DUARTE, 2018; DOS SANTOS, 2018; CHICAVELE,
2019) e a opinião pública em geral o trataram como uma “ação política”, ao culpabilizarem o governo pelos
resultados negativos da aprendizagem, segundo eles, decorrentes da implantação desse novo paradigma.
Por outro lado, o estudo de Nhantumbo (2009) concluiu que as percepções que os professores, pais ou
encarregados de educação, jornalistas e outros grupos sociais tiveram sobre o novo currículo do ensino
básico decorreram da falta de conhecimentos sobre o processo de reforma em geral e, mais
especificamente, sobre as mudanças na organização curricular por ciclos e o seu impacto nas
aprendizagens dos alunos.
Parafraseando Perrenoud (2004), a ideia da progressão por ciclos de aprendizagem é necessária para
combater o insucesso escolar, baseado na lógica da reprovação dos alunos, e adotar uma lógica de
promoção dos alunos baseada na avaliação formativa dos conhecimentos em cada estágio de
aprendizagem. Contudo, segundo Perrenoud (2004), é necessário que se compreenda que a implantação
desse novo paradigma implica: a) mudanças na organização e gestão da escola; b) exige que os objetivos
de final de ciclo sejam claramente definidos para professores e alunos; c) pressupõe o emprego de
dispositivos da pedagogia diferenciada, da avaliação formativa e o trabalho coletivo de professores; d)
demanda uma formação contínua dos professores, o apoio institucional e o acompanhamento adequado
“para construir novas competências” (p. 52).
No caso de Moçambique, embora a organização das escolas do ensino primário tenha sido reestruturada
segundo o Regulamento Geral das Escolas do Ensino Básico (REGEB), aprovado pelo Diploma Ministerial
46/2008, a implantação do processo de mudança curricular como um todo acabou quase integralmente
afetado devido à introdução, no currículo, da organização escolar por ciclos de aprendizagens ou, como
ficou conhecido, “sistema de passagens automáticas”. O currículo em vigor divide-se em três áreas: i)
Comunicação e Ciências Sociais25; ii) Matemática e Ciências Naturais 26; e iii) Atividades Práticas e
Tecnológicas27. Com base nessa reforma curricular, foram introduzidas as seguintes “inovações”: a) os
ciclos de aprendizagem28; b) o ensino básico integrado29; c) o currículo local30; d) a distribuição de
25
A área da Comunicação e Ciências Sociais é constituída pelos conteúdos de Língua Portuguesa, Línguas Moçambicanas, Língua
Inglesa, Educação Musical, Ciências Sociais e Educação Moral e Cívica.
26
A área de Matemática e Ciências Naturais é constituída por conteúdos de duas disciplinas: Matemática e Ciências Naturais.
27
A área de Atividades Práticas e Tecnológicas é constituída pelas disciplinas de Ofícios, Educação Visual e Educação Física.
28
Os ciclos são unidades de aprendizagem com o objectivo de desenvolver habilidades e competências específicas. O 1 o ciclo
desenvolve habilidades e competências de leitura e escrita, contagem de números e realização das operações básicas. O 2 o ciclo
aprofunda os conhecimentos e as habilidades desenvolvidas no primeiro ciclo e introduz novas aprendizagens relativas às
Ciências Sociais e Naturais sem, contudo, dizer que essas matérias não sejam abordadas no 1º ciclo. Sendo assim, visa ainda
levar o educando a calcular superfícies e volumes e o 3 o ciclo correspondente ao 2o grau (no SNE 6/92 – 6 a e 7a classes), para
além de consolidar e ampliar os conhecimentos e habilidades adquiridos nos ciclos anteriores, prepara o aluno para a continuação
dos estudos e/ou para a vida. (INDE/MINED, 2003, p. 24).
29
Na perspectiva da reforma curricular, entende-se por Ensino Básico Integrado, em Moçambique, o Ensino Primário Completo de
sete classes articuladas do ponto de vista de estrutura, objetivos, conteúdos, material didático e da própria prática pedagógica. Na
visão do INDE, ele caracteriza-se por desenvolver, nos alunos, habilidades, conhecimentos e valores de forma articulada e
integrada de todas as áreas de aprendizagem que compõem o currículo conjugados às atividades extracurriculares e apoiados por
um sistema de avaliação que integra as componentes somativa e formativa, sem perder de vista a influência do currículo oculto
(INDE/MINED, 2003, p. 26).
30
No âmbito dessa reforma, a escola tem à sua disposição um tempo para a introdução de conteúdos locais que podem ser
relevantes para uma inserção adequada do educando na respectiva comunidade. Os conteúdos locais devem ser estabelecidos
em conformidade com as aspirações das comunidades, o que implica uma negociação permanente entre as instituições
educativas e as respectivas comunidades. As matérias propostas para o currículo local devem ser integradas nas diferentes
disciplinas curriculares, o que pressupõe uma planificação adequada das lições. A carga horária do currículo local é de 20% do
total do tempo previsto para o ensino de cada disciplina (INDE/MINED, 2003, p. 26).
44
Paralelamente a essas “inovações curriculares”, instituiu-se um sistema que tem na avaliação escolar um
instrumento de verificação do processo de aprendizagem por meio do qual se pode comprovar como os
objetivos e as finalidades da educação estão sendo cumpridos – o que possibilita a tomada de decisão
sobre se o aluno terá uma progressão normal, uma progressão semiautomática 33 ou se pode decidir pela
sua retenção (INDE, 1987 apud INDE/MINED, 2003). Contrário ao pensamento popular generalizado de
que, no sistema de progressão por ciclos de aprendizagem, “os alunos não chumbam”, o INDE/MINED
esclarece:
A tomada de decisão – seja para a promoção do aluno ou para sua retenção em casos excepcionais – deve
ser antecedida de um informe pedagógico que justifica tal decisão. Todavia, isso passa pela preparação de
professores e gestores escolares para a condução desse novo paradigma do ensino. Embora o Ministério
da Educação tenha previsto a chamada “formação contínua” para atender estas e outras especificidades
decorrentes da reforma curricular, o problema da percepção enviesada do sistema escolar organizado por
ciclos de aprendizagem permanece enraizado no Sistema Nacional de Educação (SNE).
Nesse novo paradigma, pretende-se que as crianças concluam a educação básica 34 na mesma escola
(MINEDH, 2010). Isto difere do que acontecia antes no país em que, após a conclusão do ensino primário
(7a classe), a criança deveria se deslocar para uma outra escola, geralmente, nas vilas ou na sede das
localidades nas regiões rurais – o que normalmente resultava em abandono escolar devido às dificuldades
de acesso. Ao atender as condições específicas de cada região e escola, as aulas no ensino primário
podem decorrer em dois regimes – dois turnos ou três turnos e em duas modalidades de ensino:
monolíngue e bilíngue, como ilustram as tabelas a seguir:
31
A distribuição de professores nessa reforma para o ensino primário tendia para a monodocência em todas as classes, porém,
devido ao reconhecimento da possibilidade de uma “fraqueza” no domínio de conteúdos do ensino da 6 a e 7a classe, adotou-se a
visão de se projetar uma preparação em exercício de professores do ensino de três a quatro disciplinas nessas classes,
reduzindo-se assim de 7 para 3 professores por turma – o que, de certo modo, traduz-se rentável economicamente na redução e
contenção da massa salarial ministerial.
32
A PCA é um sistema de promoção por ciclo de aprendizagem dos alunos que consiste na transição deles de um ciclo de
aprendizagem para o outro, desde que criados os pressupostos básicos e as condições de aprendizagem que garantam que os
discentes atinjam os objetivos mínimos de um determinado ciclo – o que lhes possibilitam a progressão para estágios seguintes.
As condições assentam, fundamentalmente, em uma avaliação predominantemente formativa em que o processo de ensino-
aprendizagem está centrado no aluno e permite que se obtenha uma imagem o mais fiável possível do desempenho do aluno
(INDE/MINED, 2003, p. 28-29).
33
É na progressão semiautomática que reside a essência do sistema de progressão por ciclos de aprendizagem, pois é necessário
produzir um arcabouço de informação pedagógica que a sustenta e que será usada no estágio seguinte.
34
A educação básica compreende o ensino primário e o primeiro ciclo do ensino secundário.
45
Tabela no 4: Plano de estudo do ensino primário em Moçambique em tempos lectivos aplicados no caso do
programa monolíngue em português em regime de três turnos
1a 2a 3a 4a 5a 6a 7a
Língua Portuguesa 10 10 8 7 7 6 6
Língua Moçambicana 2 2 2 2 2
Língua Inglesa 3 3
Educação Visual 2 2 2 2 2 2 2
Educação Musical 1 1 1 1 1 2 2
Matemática 8 8 6 6 6 5 5
Ciências Sociais 2 2 2 2
Ciências Naturais 2 2 2 2 2
Ofícios 2 2 2 2 2 2 2
Educação Física 2 2 2 2 2 2 2
Total 25 25 25 25 25 30 30
Como se lê no título da Tabela n. 4, esse plano de estudos é aplicado ao programa de ensino monolíngue
em língua portuguesa. No entanto, em razão da política de incentivo do uso das línguas autóctones, no
programa monolíngue em português, tem-se a possibilidade do uso das línguas autóctones moçambicanas
como recurso de ensino. Levando-se em conta o regime de funcionamento das escolas (regime de dois ou
três turnos), a carga horária apresentada na Tabela n. 4 é aplicada ao regime monolíngue de português das
escolas que funcionam em regime de três turnos. Destaca-se que, a partir da 3 a classe, os alunos podem
aprender de forma facultativa em língua moçambicana.
O regime de três turnos é aplicado em escolas com maior número de alunos e com escassez de salas de
aulas. A falta de salas de aulas constitui um dos maiores problemas do Sistema Nacional de Educação
(SNE) moçambicano. Se elas existem, na maioria dos casos, são salas de construção precária e a maior
parte dos alunos estuda em péssimas condições. Segundo identificou o próprio Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH), dos 6.563.376 alunos existentes no ensino primário, 4.101.680
alunos (62, 4%) estudavam em salas precárias ou no relento – as chamadas “salas sombras” como ilustram
as imagens nos apêndices – escolas e salas de aulas em Moçambique (MINEDH, 2012). Embora sejam
registrados avanços na abertura de novas escolas, esse esforço não é acompanhado pela construção e
reparação de salas de aulas – o que torna precário o lugar em que a maior parte dos alunos do ensino
46
primário aprende. Como informado anteriormente, na maioria das vezes, o aluno tem o primeiro contato com
a língua de ensino, o português, na escola. Soma-se a isso os problemas derivados da inexistência de bons
espaços de aprendizagem e de bons professores. Pode-se afirmar, então, que o ensino primário em
Moçambique (a base da pirâmide do SNE) atravessa, nos dias de hoje, problemas graves que carecem de
solução estrutural de modo a tornar as vidas humanas vivíveis no bem-estar (ARROYO, 2019). A escola
deve reinventar-se e ensinar os alunos a saber viver mesmo dentro das adversidades que ela enfrenta.
Segundo Morin (2015),
De maneira similar, o SNE precisa se reinventar e encontrar maneiras de integrar de forma sábia soluções
para o principal problema que afeta o sistema: as línguas autóctones no ensino, desde o início até ao final
da escolaridade, como forma de humanizar vidas em contraposição ao modo “prosaico” 35 como ele tem se
mostrado.
Em todos os programas, desde a reforma de 2004, nota-se a oferta facultativa do ensino de uma língua
moçambicana a partir da 3a classe, nos planos de estudo em regime de dois ou três turnos. Todavia, o
tempo destinado para o ensino de língua moçambicana é pouco comparativamente às outras matérias. Nos
planos de estudos para regime escolar de dois turnos, nota-se a primazia da oferta do tempo para o ensino
do português em comparação às línguas moçambicanas, como se pode constatar na tabela a seguir:
Tabela no 5: Plano de estudo do ensino primário em Moçambique em tempos lectivos aplicados no caso de
programa monolíngue em português em regime de dois turnos.
1a 2a 3a 4a 5a 6a 7a
Língua Portuguesa 12 12 10 8 8 6 6
Língua Moçambicana 2 2 2 2 2
Língua Inglesa 3 3
Educação Visual 2 2 2 2 2 2 2
Educação Musical 2 2 2 2 2 2 2
Matemática 8 8 6 6 6 5 5
Ciências Sociais 2 2 2 2
Ciências Naturais 2 2 2 2 2
35
Trata-se de uma vida sem prazeres, sem alegrias, sem satisfações (MORIN, 2015, p. 29).
47
Ofícios 2 2 2 2 2 2 2
Educação Física 2 2 2 2 2 2 2
Total 28 28 28 28 28 30 30
De qualquer modo, fica evidente a supervalorização da língua portuguesa. O currículo deixa claro que o
tempo não usado para o ensino da língua moçambicana pode converter-se em um tempo para o ensino da
língua portuguesa. É preciso ter-se em conta que a língua portuguesa goza de privilégio sistêmico, pois,
além de ser língua de ensino de todas as matérias, ela tem 12 horas semanais – um tempo letivo maior do
que todas as outras matérias escolares no ensino primário, assim como nos outros níveis de ensino, e, além
disso, ela faz parte das chamadas “disciplinas básicas”.
Sendo o português o idioma adotado para servir de integração de todos os moçambicanos e a língua de
ensino, é claro que a falta do seu domínio mina sobremaneira o desenvolvimento dos demais
conhecimentos escolares que são imprescindíveis. Há que se encontrar, então, mecanismos de inverter
esse cenário. Na luta pela reforma e reinvenção da educação, Morin e Díaz (2016) advogam que podemos
encontrar outras manifestações dirigidas à reintegração do saber no resgate das formas comunitárias de
vida e a proposta política da necessidade de se reconhecer a sociodiversidade. Uma das manifestações
práticas da sociodiversidade moçambicana é a presença indelével do multiculturalismo e da multietnicidade
do país nas vivências e nas realizações desse povo a quem lhe recusa a liberdade linguística.
A partir da reforma educativa no ensino primário, em 2004, implantou-se, em algumas escolas, o uso das
línguas moçambicanas como meio de ensino nas classes iniciais, nos programas de ensino bilíngue, como
ilustrado a seguir na Tabela n. 6:
Tabela no 6: Plano de estudo do ensino primário em Moçambique em tempos letivos aplicados no caso
programa bilíngue em que o EP1 é ministrado em regime de dois 2 turnos
1a 2a 3a 4a 5a 6a 7a
Língua Portuguesa 10 10 8 7 7 6 6
Língua Moçambicana 2 2 2 2 2
48
Língua Inglesa 3 3
Educação Visual 2 2 2 2 2 2 2
Educação Musical 1 1 1 1 1 2 2
Matemática 8 8 6 6 6 5 5
Ciências Sociais 2 2 2 2
Ciências Naturais 2 2 2 2 2
Ofícios 2 2 2 2 2 2 2
Educação Física 2 2 2 2 2 2 2
Total 25 25 25 25 25 30 30
A Tabela n. 6 apresenta um plano de estudos do ensino primário para escolas de regime de dois turnos, na
modalidade bilíngue, no qual inicia-se “o processo de aprendizagem da leitura e escrita em línguas
moçambicanas em que a língua portuguesa assume gradualmente a condição de língua de ensino”
(INDE/MINED, 2003, p. 44). Trata-se de um passo valioso na direção da construção de um sistema de
ensino com características “indígenas e para indígenas” por meio do uso dos idiomas locais no ensino
escolar. Embora haja obstáculos, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) coloca o
ensino bilíngue que privilegia as línguas autóctones no topo de seus desafios, pois entende que:
Na área da formação docente, desde os primeiros anos após a independência de Moçambique, houve a
necessidade de assegurar uma formação integral do professor, por meio de uma formação geral e científica
e uma formação contínua em exercício. Conforme os contextos e emergências do país, vários modelos de
formação36 foram desenvolvidos, visando garantir a erradicação do analfabetismo e proporcionar o
letramento das crianças, jovens e dos adultos, por meio da alocação de professores com um mínimo
preparo para a docência. Certamente, essas urgências em alfabetizar e “moçambicanizar” os cidadãos,
dentro de uma economia que sempre se mostrou precária devido às guerras e calamidades naturais, podem
ter proporcionado certas especificidades à formação inicial de professores que não tinham sido observadas
anteriormente. Por meio dos objetivos para a formação inicial e contínua de professores acima identificados,
pode-se perceber que, na formação inicial, os saberes didáticos predominaram sobre os demais saberes
necessários para a docência. É importante destacar que o nível de ingresso na formação inicial sempre se
revelou muito baixo: 4ª, 6ª, 7ª e 10ª classes. Trata-se, sem dúvidas, de níveis de escolaridade baixos para
uma formação docente. Além disso, essas formações eram de curta duração. Portanto, o Sistema Nacional
da Educação (SNE, 4/83 e 6/92) formou o corpo docente do ensino primário de Moçambique com os
egressos dessas formações. Com a entrada em vigor da Lei 18/2018, de 28 de dezembro de 2018, o nível
de ingresso para a formação inicial passou a ser a 12 a classe – o que representa a conclusão da frequência
do subsistema da educação geral.
O subsistema da educação e formação de professores é responsável pela formação docente para todos os
subsistemas do SNE. No entanto, a formação de professores para o ensino primário – diferente daquela
para os outros níveis de ensino que, geralmente, acontece em universidades ou institutos superiores – está
36
Entre os vários modelos, há que salientar a existência, desde o ano de 2004, do modelo de formação universitário de professores
para a educação básica oferecido pela UP, no curso de Licenciatura em Ensino Básico. No entanto, os egressos não são
concursados pelo MINEDH devido à falta de recursos para pagamento de salários de professores com nível superior no EP.
Egressos desse curso que já exercem a docência como concursados beneficiam-se de progressão na carreira por conclusão de
nível.
50
sob tutela direta do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) e se desenvolve nos
Institutos de Formação de Professores (IFPs) ou nas Escolas de Formação de Professores (EFEPs), estas
últimas de pertença da organização não governamental “Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo”
(ADPP).
A formação inicial de professores para o ensino primário em Moçambique revelou-se “problemática” 37 devido
à confluência de vários modelos de formação, programas de formação que não dialogam com os desafios
do ensino escolar, bem como a questão da qualificação de seus candidatos. Com foco na solução do
problema da formação inicial, definiram-se três objetivos estratégicos nas áreas específicas da formação
inicial de professores, da formação de professores em exercício e de gestores escolares e na área da
formação de formadores (MINEDH, 2020). Com esses objetivos estratégicos, almeja-se:
A criação de uma conexão entre a formação inicial de professores, a formação de professores em exercício,
a formação de gestores escolares e a formação de formadores de professores pode ser entendida como um
mecanismo de implantação de uma formação baseada no contexto real da ação pedagógica em toda sua
dimensão sistêmica. Nessa perspectiva, trata-se de uma busca pela requalificação da preparação docente e
do ensino escolar pela integração desses quatro elementos no ecossistema de formação. Todavia, será
relevante que a escola seja consagrada como lugar de formação de professores iniciantes, em exercício, de
formadores e dos gestores escolares, uma vez que é na escola onde se assenta a pesquisa sobre o ensino-
aprendizagem e da gestão de processos escolares. Dessa maneira, uma vez que “a investigação deve ser
realizada fundamentalmente no contexto natural” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998, p. 110), faz-se necessário,
por um lado, que o processo de formação se assente na escola como mecanismo de “indução” dos
formandos ao professorado, por outro lado, como estratégia de integrar todas as ações relacionadas à
formação (planificação curricular, desenho curricular, gestão e monitoria curricular, avaliação e gestão das
expectativas) por meio de ações integradas de formação. Essa visão possibilita entender a escola como
uma comunidade de aprendizagem, de prática e de formação e isto implica uma importante mudança nas
relações de poder nela presentes (IMBERNÓN, 2016). Portanto, para uma visão sistêmica da formação
inicial, da formação em exercício, da formação dos gestores e dos formadores, deve-se assentar na
investigação da escola – esta concebida como local privilegiado da formação – para compreender e
transformar a realidade da vida da aula e da escola. (SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998).
37
Um problema somente o é se problematizável, se nele refletir-se a sua problematicidade. (SAVIANI, 2013, p.17).
51
Desenvolver
Preparar gestores conhecimentos e
Impulsionadores saberes docentes
das transformações Alicerçados no
Escolares e promotores contexto escolar
da
cidadania e democracia Formação inicial
Formação de Formação de
gestores formadores
escolares
Formação dos
professores
Implantar um em exercício
Selecionar e preparar
sistema
professores
de formação
que atuam no ensino
continuada
primário
baseada nas
para docência na
necessidades
formação de
profissionais dos
professores
professores
A ideia que será discutida ao longo desta tese é que a escola, como lócus de confluências de sujeitos e
processos educativos, deve assumir o espaço e o lugar da formação docente e que ela se transforme em
território de desenvolvimento profissional. Trabalha-se com a noção de que a ocupação de um território
se dá no confronto entre forças e, ao ocuparmos os lugares, estamos fazendo escolhas que preencherão os
espaços e os transformarão em territórios (CUNHA, 2008). Nesse prisma, entende-se que uma formação
inicial de professores, contínua e que engloba a preparação dos formadores e gestores escolares, em sede
das práticas de ensino, romperá com o paradigma “individualista e celular da formação” (GARCIA, 1999, p.
139), pois a meta do sistema da educação é pensar conjuntamente a formação e a transformação do
espaço escolar.
Ao retomar a discussão sobre o Sistema Nacional de Educação (SNE), no que concerne ao subsistema da
educação de adultos (AE), educação profissional e ao subsistema do ensino superior, estes configuram-se
relevantes para a frequência e progressão da escolaridade de pessoas adultas. O subsistema da AE
compreende o ensino primário e o ensino secundário. Segundo o Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH), esse subsistema compreende dois níveis:
O subsistema de educação profissional (SEP) é composto pelo ensino técnico profissional (ETP), formação
profissional (FP), formação profissional extra institucional (FPEI) e o ensino superior profissional (ESP). O
escopo da educação profissional é de promover a expansão do acesso e incremento a qualidade do ensino
técnico-profissional, visando a empregabilidade dos graduados e contribuir para o desenvolvimento
sustentável do país (MOÇAMBIQUE, 2020, p. 139). A jovialidade do país e sua pobreza remetem a uma
maior procura de emprego e a existência de cursos profissionalizantes afigura-se fundamental para a
transformação da massa laboral precária em profissionalizada, concorrendo para uma maior e acelerada
transformação do tecido social. A instabilidade político-militar e os infortúnios ocasionados pelas
calamidades/desastres naturais que têm devastado Moçambique atrasam o desenvolvimento e funcionam
como propulsores para a perpétua dependência externa do país. Entendemos que a implantação e
expansão da educação profissional reveste-se de fundamental relevância, sobretudo nas regiões rurais
onde a maior parte da população (mais de 50% da população) ativa e pobre tem pouco acesso à formação
e ao emprego. Santos (2014) defende que os países “em vias de desenvolvimento” devem apartar-se do
raciocínio economicista e imoral que empurra os pobres para condições de sobrevivência desumanas sob a
alegação da “falta de ambição” deles. A disponibilização da educação profissional como mecanismo de
elevação da qualidade de vida dos cidadãos consubstancia a reflexão a qual assume que:
Dessa maneira, a oferta da educação profissional aos jovens e adultos é estratégica para que estes se
profissionalizem e, ao fazerem isso, promovam seu autossustento e a sua progressão escolar. Portanto,
entende-se que, uma vez assegurada a sustentabilidade e o conforto social e de vida das pessoas, elas
estariam em condições de pleitear a continuidade de estudos na formação superior acadêmica que é
reservada aos graduados da 12a classe ou equivalente.
38
Um dos fenômenos que merecem especial atenção é a participação crescente de crianças, com idade menor ou igual a 14 anos,
nos programas de Alfabetização e Educação de Adultos. Esse facto revela a ineficiência do sistema educativo no atendimento a
esse grupo-alvo. No período entre 2014 e 2018, por exemplo, foram inscritos nos programas de AEA 2.188.061 alfabetizandos e
educandos dos quais 452.403 eram crianças com 14 anos de idade ou menos, sendo 257.789 raparigas, de acordo com o
levantamento estatístico do MINEDH (MOÇAMBIQUE, 2020, p. 97).
39
Pensamento do sul é um pensamento em formação a partir dos muitos suis; universalista porque está aberto a todas as culturas.
É um pensamento contextualizado que não renuncia ao seu próprio fundamento; que reproblematiza a razão e a racionalidade;
que reproblematiza a ética, compreende a complexidade ética. É responsável e solidário; rejeita a unificação abstrata, reconhece,
nutre-se e se abre à diversidade e que não fica na prosa; e que se abre também para a poesia da vida e o viver (MORIN e DÍAZ,
2016, p. 79-80).
53
O subsistema do ensino superior (ES) tem como propósito promover a participação e o acesso equitativos
no ES e responder as necessidades do país, desenvolvendo “ensino, investigação e extensão para o
fortalecimento da capacidade intelectual, científica, tecnológica e cultural, em um contexto de uma
sociedade em crescimento” (MINEDH, 2020, p. 140).
Nesta secção, abordaremos a situação atual da educação em Moçambique com foco no ensino primário
(EP) por se tratar do nível de ensino ligado ao nosso objeto de pesquisa. Para uma melhor compreensão do
atual estágio do ensino primário em Moçambique, façamos uma radiografia do Sistema Nacional de
Educação (SNE), a partir do estudo de Golias (1993), por meio do qual percebe-se que, entre 1975 e 1979,
houve um crescimento descontrolado dos efetivos escolares e surgiram as chamadas “escolas primárias
incompletas”; entre 1979 e 1985, o marco importante foi a introdução do SNE, o incremento das “escolas
primárias completas” (EPC)40 de 36%, em 1980, para 71%, em 1984, apesar de um maior índice de baixo
aproveitamento escolar e redução da taxa de admissão; de 1985 a 1992, notou-se a redução da rede
escolar e cobertura educativa, a baixa qualidade de ensino em razão da altíssima proporção aluno-professor
em sala de aula (60:1) – muito acima da média para a África Subsaariana (39:1) –, baixo nível da formação
de professores e suas condições deploráveis de trabalho em razão da escassez de recursos materiais e
financeiros.
40
Por um longo período histórico, o ensino primário (EP) em Moçambique foi leccionado em escolas diferentes: as escolas de EP1
e as de EP2. As escolas de EP2 localizavam-se majoritariamente nas sedes das vilas e todas as crianças que concluíam o EP1
tinham que se deslocar às sedes para continuar seus estudos, o que contribuiu para um maior abandono escolar. As EPC são o
resultado de transformação das EP1 e EP2 em “escolas primárias completas”, o que significa que todas as 7 classes deveriam ser
ministradas na mesma escola (MINEDH, 2012).
54
O país registrou o aumento significativo do número de escolas do ensino primário (EP), no período entre
2011 e 2018. Em 2011, houve um aumento de 6.465 novas escolas e, em 2018, alcançou-se um total de
21.104 instituições escolares em Moçambique.
É possível notar que, durante esse período, ao cumprir seus objetivos, o Plano Estratégico da Educação
(PEE), em 2012, reconheceu que um dos fatores de abandono e desistência escolar era as longas
distâncias que as crianças percorriam da casa à escola, sobretudo, após a conclusão da 5ª classe (EP1).
Desse modo, definiu-se como uma das prioridades:
Com efeito,
Existiam, em 2011, cerca de 33% de escolas primárias completas (EPC) – o equivalente a 4.830 unidades
escolares, em um universo de 14.639. Até ao ano de 2018, houve um aumento de 62,2% – o equivalente a
13.126 EPC em um universo de 21.104 escolas primárias (EP) em todo país. Para uma melhor visualização
desses dados, pode-se observar o gráfico da evolução da rede escolar do ensino primário (EP), tendo o ano
de 2011 como linha de base:
55
A exiguidade de escolas primárias completas (EPC) não foi o único problema no setor de educação em
Moçambique. A falta de salas de aulas convencionais 41 era igualmente um terreno acidentado e continua
sendo um desafio enorme para esse setor. Até o ano 2018, o país contava com um universo de 66.645
salas de aulas das quais 38.464 eram convencionais, o que significa que dos 6.563.376 alunos do ensino
primário existentes no Sistema Nacional de Educação (SNE), apenas 2.461.696, o equivalente a 37,5%,
estudam em salas convencionais, considerando a proporção de 64 alunos por professor (64:1) em sala de
aula (MINEDH, 2012). O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) aponta como
justificativa para essa situação “as limitações financeiras e a falta de capacidade técnica, em nível local”
(MINEDH, 2012, p. 58).
Uma das prioridades do atual Plano Estratégico da Educação (2020-2029) é “assegurar que todas as
crianças tenham oportunidade de concluir uma educação básica de 7 classes com qualidade” 42
(MOÇAMBIQUE, 2012, p. 53). De acordo com estudos realizados por SACMEQ (2007) e conforme o
Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH):
No entanto, sobre o desempenho dos alunos, registra-se atualmente uma melhoria significativa em termos
percentuais (78,8%). Todavia, continua a problemática acentuada do domínio de leitura, escrita e de cálculo
e os discursos que culpabilizam o professor pela baixa qualidade de ensino.
41
Salas de aulas construídas com material duradouro, ou seja, salas de aula de alvenaria.
42
Como definido pela Lei 6/92, o ensino primário de 7 classes está integrado ao SNE e, a partir de 2022, o ensino primário passará
a ser de 9 classes com base na Lei 18/2018 do SNE.
56
Embora existam vários elementos que distorçam o normal funcionamento do Processo de Ensino-
Aprendizagem (PEA), o setor apresenta uma taxa de graduação satisfatória na ordem de 70% e o corpo
docente evolui a cada ano ainda que de forma desigual, conforme ilustra o gráfico a seguir:
43
Pelo trabalho realizado no segundo turno, paga-se ao professor apenas 60% do salário. Alega-se que o professor “dá menos de si
no segundo turno” ou está exausto e, em razão disso, não realiza o “trabalho com perfeição”. A nosso ver, o justo seria pagá-lo
integralmente.
44
Em Moçambique, apesar dos significativos progressos obtidos, existem ainda sérios desafios relacionados ao cumprimento do
objetivo estratégico principal [“garantir a educação básica inclusiva a todo cidadão de acordo com o desenvolvimento do país,
através da introdução progressiva da escolaridade obrigatória” (MOÇAMBIQUE, 2019, p. 39)], tendo em conta que 2,4 milhões de
crianças estão fora do sistema, incluindo 606 mil crianças em idade pré-escolar (UNESCO, 2018a) e que 46,6% da população têm
menos de 15 anos, em um contexto marcado por uma elevada taxa de crescimento anual da população, estimada em 2,8% (INE,
2019).
57
Em Moçambique, o concurso anual de professores para ingresso no quadro docente é uma prática contínua
para dar resposta ao crescimento da rede escolar e para reduzir a proporção aluno-professor em sala de
aula. Todavia, devido à escassez orçamental, esse número de novos docentes não consegue reduzir a
proporção de aluno-professor em classe que, atualmente, está, em média, 64:1.
Além da necessidade de redução dessa altíssima proporção aluno-professor em sala de aula – o que será
feito apenas com a construção de novas escolas e a contratação de mais docentes –, registra-se a
necessidade de uma formação adequada e contínua para os professores desempenharem suas atividades
adequadamente. Nesse sentido, o Plano Estratégico da Educação (PEE) definiu, em 2012, uma “estratégia
integrada de formação e capacitação (sic) dos professores” e propôs que:
250000
200000
109723 110802
150000
73621 Prof. Formados
Prof
100000
113733 113810
50000 92167
0
2011 2017 2018
Ao analisar os dados entre 2011 e 2018, percebe-se uma evolução na entrada para carreira docente em
Moçambique: 21.643 novos profissionais, o equivalente a 23,4%. Os docentes com formação aumentaram
37.181, no mesmo período, o que equivale a 50,5%. Ainda assim, a evolução na entrada para carreira
docente está muito abaixo da evolução discente em termos proporcionais.
58
A evidente redução na contratação de novos docentes – de 8.500, em 2011, para 6.060, em 2018, ou seja,
2.440 docentes a menos –, representa um deficit de professores em Moçambique de 28,7% – o que fez
aumentar a proporção aluno-professor em sala de aula, segundo dados do Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH) (MOÇAMBIQUE, 2019). Em 2018, a proporção de alunos por
professor em sala de aula alcançou a média de 64,2:1 – contrariando a tendência de melhora que se
verificou nos dois últimos anos. Alguns distritos de Moçambique apresentam proporções ainda maiores; bem
acima dessa média nacional, como ilustra o gráfico a seguir:
83,5
102,686,4 90,287,397,1 82,883,6
92,6 85,9
79,1 80,3 82,686,979,383,181,581,5
97,8 2018
75,982,681,768,280,1 81 86,9 73 81,483,572,873,672,873,276,373,182,7 2017
Na rati
Ch e
on e
a- o
An ane
Gu e
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Na ala- da
ar ga
M las
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M o
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um
gic
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go
b
m
m
i
ol
M
M
Segundo o Regulamento Geral das Escolas do Ensino Básico (REGEB), no seu Artigo 42, existem três tipos
de composição de turmas no ensino primário (EP) em Moçambique que devem ter até 50 alunos,
nomeadamente:
Para alterar o número de alunos por turma, deve-se seguir um procedimento burocrático, conforme o
estipulado no Inciso 5 do aludido artigo:
Nota-se que várias escolas em Moçambique funcionam acima da frequência determinada por lei e muito
acima da média de outros países como, por exemplo, no Brasil, que oscila em torno de 22 alunos por turma/
classe e, na Finlândia, que é de 20 alunos por sala. Essa situação parece naturalizar-se no país a ponto de
existir um componente didático-metodológico sobre a gestão de turmas numerosas no curso de Licenciatura
em Ensino Básico da Universidade Pedagógica de Maputo (UPM). Em geral, esse cenário de salas de aula
lotadas desencadeia uma situação de medo e de insegurança nos professores – principalmente, os
iniciantes.
Por um lado, “a taxa de conclusão na 7ª classe reduziu entre 2011 e 2017 de 47% para 45% (41,8%
mulheres e 47,3% de homens)” (Ibidem, p. 18) – o que mostra a ineficiência do Sistema no cumprimento de
seus objetivos. Por outro lado, a taxa de retenção:
A taxa de retenção relaciona-se ao fenômeno do abandono escolar em Moçambique e ela tem sido bastante
alta nas regiões de centro e norte do país: em Sofala, Manica, Zambézia, Tete, Nampula, Cabo Delgado e
Niassa, em razão da “falta de escolas do EPC em muitas localidades”, conforme concluiu o estudo de
Mucopela (2016).
Sendo assim, o Sistema Nacional de Educação (SNE) tem-se mostrado bastante ineficaz e a formação
inicial de professores da educação básica não prevê disciplinas e atividades relacionadas ao estudo dos
60
fatores que levam à ineficiência desse Sistema de modo a prover os docentes de informações e
conhecimentos para lidar minimamente com essa situação.
A formação de professores para o ensino primário em Moçambique remonta o período colonial. Um marco
histórico importante foi a criação da Escola de Formação de Professores do Alvor, na década de 1930.
Trata-se de um processo histórico com muitos percalços, avanços e recuos, típicos do processo e do
período histórico que o país atravessava, o período colonial.
A independência a 25 de junho de 1975 marcou um novo momento histórico para um povo que viveu as
marcas da escravatura por cerca de cinco séculos. Durante o período da escravatura e da colonização, o
povo moçambicano esteve subjugado aos métodos bárbaros, cruéis, desumanos e opressivos perpetrados
pelos colonizadores. O sistema de ensino privilegiava somente os filhos dos colonos e aos nativos lhes
eram oferecidos rudimentos de uma educação escolar (MAZULA, 1995; GOMÉZ, 1999).
Nacionalizado o sistema de ensino e criado o Sistema Nacional de Educação (SNE), em 1983, por meio da
aprovação da Lei 4/83, desencadeia-se um processo de alfabetização massiva do povo. É nesse âmbito
que o governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) 45 aponta a educação escolar massiva
do povo como prioridade para o desenvolvimento do país. Nesse contexto, a formação de professores
afigura-se prioritária para dar resposta aos anseios de desenvolvimento do país a partir da educação das
novas gerações.
É importante salientar que, entre os anos 1975 e 1983, o sistema de ensino ainda se baseava no modelo
escolar herdado do colonialismo, mas com algumas modificações, por exemplo, a nacionalização do ensino.
A República Popular de Moçambique introduziu um período de massificação da escolaridade para grande
parte da população, registando-se um fluxo maciço de alunos às escolas.
Entende-se como “requisitos mínimos” o nível de 4ª classe de escolaridade concluída, conferida pelo
sistema colonial de educação para os chamados “indígenas”.
45
FRELIMO: trata-se de um movimento nacional, fundado a 25 de junho de 1962, com o objectivo de lutar pela independência
diante do colonialismo português e que, após a Proclamação da Independência a 25 de junho de 1975, transformou-se em partido
político que, desde então, governa o país.
61
À data da independência, Moçambique tinha uma população com uma porcentagem de cerca de 90% de
analfabetos, de acordo como Agência de Informação de Moçambique (AIM) 46. Esse fato denuncia a
vulnerabilidade que afetaria vários setores sociais, em particular o sistema de educação, e isso acenava
também para a urgência da formação de bons professores.
O primeiro Sistema Nacional de Educação (SNE), introduzido pelo Decreto-lei 4/83, tinha fundamentalmente
os seguintes objetivos:
• A erradicação do analfabetismo;
• A introdução da escolaridade obrigatória e,
• A formação de quadros para as necessidades do desenvolvimento
econômico e social e da investigação científica, tecnológica e
cultural. (MOÇAMBIQUE, Boletim da República – Número 12, 3º
Suplemento, 1983).
A formação de quadros para os diversos setores de desenvolvimento do país situava-se no topo da agenda
e com grande destaque para a formação de professores de modo a responder, de maneira sistêmica, os
demais problemas dos quais o país enfrentava.
Para um povo que viveu cerca de cinco séculos de escravatura e dominação colonial, era necessária uma
ideologia que proporcionasse a libertação da mentalidade colonial escravagista. Eis porque o governo da
República Popular de Moçambique (RPM) concebe como objetivo central do Sistema Nacional de Educação
(SNE) a “formação do Homem Novo” (MEC, 2011, p.14):
Nesse contexto, assumia-se que a escolarização do povo era inevitável e premente. Era preciso que o povo,
a partir de uma educação escolar, aprendesse os passos da liberdade e, para o efeito, a expansão da rede
escolar era palavra de ordem. Porém, o impasse era a inexistência de professores preparados. A premente
necessidade de cobertura da rede escolar fez com que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) abrisse
vagas para a contratação de um quadro precário de pessoal para responder a essas necessidades.
Segundo o MEC,
46
Disponível em https://www.ces.uc.pt/emancipa/gen/mozambique.html. Acesso em 07/06/2018.
62
Como se pode perceber a partir do excerto acima, a formação acelerada de professores dava mais ênfase
para o desenvolvimento dos métodos e das técnicas de ensino e, dessa maneira, foram lançados os
primeiros viveiros no campo de formação de professores do ensino primário.
Após a constituição do Sistema Nacional de Educação (SNE), em 1983, e com a experiência das zonas
libertadas e dos primeiros anos de independência, inaugura-se, entre os anos 1976 e 1997, um modelo de
formação cuja habilitação mínima de ingresso foi a 6ª classe e, entre os anos 1988 e 2003, implementou-se
o modelo de formação de habilitação mínima de ingresso a 7ª classe (MAZULA, 2018). Até 1983, o ensino
primário (EP) era de seis classes, tendo progredido para sete classes no ano posterior da criação do SNE.
No geral, o currículo de formação inicial de professores tinha três objetivos fundamentais em consonância
com as disposições legais no Boletim da República de 1983, sendo eles: a formação político-ideológica,
formação acadêmica e formação profissional (INDE, 1998).
A formação inicial dividia-se por níveis de ensino em conformidade com a subdivisão do ensino primário,
pois, de 1ª a 5ª classes, tinha-se o ensino primário do 1º grau (EP1) e, da 6ª à 7ª classe, o ensino primário
do 2º grau. Os Centros de Formação de Professores Primários (CFPP) preparavam os professores para o
EP1 e as Escolas de Formação de Professores do Ensino Primário (EFEP), o Instituto Médio Pedagógico
(IMP) e a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) eram responsáveis pela preparação de professores do
EP2. A tabela a seguir ilustra os modelos de formação desse período e suas especificidades:
Ano Habilitação de ingresso Duração do curso Classe por leccionar Áreas de formação Pontos fortes Pontos fracos
1976 Sociopolítica
Baixo nível
a 6ª classe 1 Ano 1ª a 4ª classe Psicopedagogia Estágio
de ingresso
1997 Formação metodológica
Sociopolítica Ausência de
Estágio de 9
Psicopedagogia critérios no
1988 6ª/7ª classe 3 Anos 1ª a 7ª classe meses no 3º
Formação metodológica recrutamento
ano
Formação geral de instrutores
Acompanham
1999 - 33% de formação geral
Estágio de 1 ento de
a 7ª classe 2 + 1 Ano 1ª a 7ª classe e 67% de formação
ano estágio
2003 profissional
deficiente
Modelo de formação para o EP2 Observação
1977
a 9ª classe 6 meses 6ª e 7ª classe Formação dada pela UEM
1979
6ª classe
1978
2 Anos 6ª e 7ª classe Ministrado nas EFEP
/s 8ª classe
9ª classe
1983 9ª classe 2 Anos 6ª e 7ª classe
Ministrado nos IMP
1985 9ª classe 3 Anos 6ª e 7ª classe
Nesse período, a formação dos professores para o ensino de educação física nas escolas ganhou especial
atenção – com ênfase para os conteúdos de ginástica e desporto (futebol, handebol, bola ao cesto,
atletismo, natação). Segundo Mazula (2018, p. 69), a formação de professores de educação física foi
evoluindo à semelhança das Escolas de Formação de Professores do Ensino Primário (EFEP) e do Instituto
Médio Pedagógico (IMP). De acordo com esse autor, entre 1976 e 1978, esse curso tinha como habilitação
mínima de ingresso a 9ª classe e a formação tinha duração de um ano. Nas décadas de 1976 e 1977, esse
curso apresentava um figurino diferente, pois a habilitação de ingresso era a 6ª classe para uma formação
de dois anos. Entre 1979 e 1980, o mesmo curso, com a mesma habilitação de ingresso, tinha duração de
cinco anos e, naquilo que foi sua última aparição, em 1983, havia a exigência de 9ª classe como habilitação
de ingresso e uma duração de três anos de formação.
Segundo o Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação (INDE, 1998), o modelo em que se baseava
essa formação tinha 21 disciplinas curriculares, perfazendo um total de 3.710 horas letivas. Destas, 50,6%
do tempo eram destinadas para a área de formação profissional. Além do programa curricular privilegiar a
formação sobre o conhecimento pedagógico – considerada a “espinha dorsal” do currículo (INDE, 1998) –,
tinha-se igualmente a primazia do modelo de racionalidade técnica em que o estágio se encontrava isolado
da componente curricular teórica.
Segundo Golias (1991), a prevalência desse modelo de formação – incapaz de conferir solidez ao
conhecimento sobre o objeto de ensino – e o fato de o seu nível de ingresso (6ª/7ª/8ª/9ª classe) ser baixo
resultavam em uma formação docente de baixa qualidade e geraram, no sistema educativo, desníveis de
desempenho dos alunos tendo em conta a incapacidade do professor em ajudar as crianças a resolver
problemas básicos de aritmética e de outros conteúdos de domínio científico.
Nesse sentido, reconhecendo-se que o domínio de conhecimentos científicos dos candidatos ao magistério
era baixo, dever-se-ia ampliar no currículo o campo de estudos sobre o conhecimento sobre o objeto de
ensino de modo a elevar o nível de sua compreensão sobre esse objeto.
1.5. Os modelos de formação docente para o ensino primário em Moçambique na Lei 6/92
Por um período de dezesseis anos (1976-1992), Moçambique foi dilacerado por uma guerra civil que
reduziu os vários esforços para a superação do analfabetismo e o desenvolvimento do país. Alcançada a
paz, emerge um novo cenário social e político que teve a ver com a passagem do estado monopartidário
para o multipartidário e, consequentemente, a mudança do Sistema Nacional de Educação (SNE), pois o
anterior (segundo a Lei 4/83) tinha, na sua gênese, as ideias do partido único.
64
O novo SNE (de acordo com a Lei 6/92) trouxe inovações que apontavam para uma melhoria do setor da
educação e, em particular, do subsistema de formação de professores. No entanto, a emergência em
reabastecer a rede escolar devastada pela guerra civil e garantir que as escolas tivessem professores com
formação profissional, não obstante a uma economia debilitada, constituíram fundamentos basilares para a
projeção de modelos de uma formação “em cascata”, conforme descreveu o MEC:
Nesses modelos de formação, nota-se as ausências das componentes curriculares que abordam o
conhecimento sobre o objeto do ensino, o conhecimento curricular, o conhecimento sobre os aspectos
cognitivos e a motivação dos estudantes, o conhecimento sobre o contexto educativo e aquele sobre as
finalidades educativas e os objetivos (SHULMAN, 1986). Para Senge (1990), dentro de uma visão sistêmica,
todas essas categorias postuladas por Shulman são integradoras e corroboram para uma aprendizagem de
saberes profissionais articulados.
Segundo Altet (2000), predominam modelos de formação em que há aquisição e aplicação de saberes
teóricos sobre a prática e, consequentemente, modelos de ensino baseados na ideia de “ciência aplicada”,
como, por exemplo, os da Engenharia ou das áreas de Tecnologia. Alternativamente, existe o modelo de
produção de saberes por meio da investigação indutiva, o que equivale dizer que o professor fruto dessa
formação será como um “artista” que pode transmitir o saber-fazer usando “truques” e o formador é um
indivíduo “experiente” e que serve de exemplo para seus alunos. Esse autor defende, então, um modelo de
formação baseado na análise, na reflexão sobre a ação, na resolução de problemas, na relação prática-
teoria-prática que poderá proporcionar um ensino baseado na prática reflexiva do profissional e um modelo
de produção de saberes atrelado à investigação indutivo-dedutiva.
Ou seja, cerca da metade da população é analfabeta (não sabe ler e escrever) e, para a inversão do quadro
atual, exige-se um trabalho dentro do sistema educativo.
Com efeito, o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) desenvolveu esforços nesse
sentido e colocou como prioridade a expansão da rede escolar e da formação de professores para enfrentar
o problema (MINEDH, 2013; 2017).
Com a reforma do Sistema Nacional de Educação (SNE), o subsistema de formação de professores sofreu
igualmente alterações profundas para responder ao processo de universalização do ensino. A tabela a
seguir apresenta os vários modelos que configuraram o novo paradigma de formação de professores para o
ensino primário completo (EPC) em Moçambique:
47
Disponível no sítio http://www.dw.com. Acesso em 08/06/2018.
66
Ano Habilitação de ingresso Duração do curso Classe por leccionar Áreas de formação Pontos fortes Pontos fracos
Nível de
ingresso
Inexperiência
dos
formadores e
1998 a 2007 2 Anos Duração do
Escassez de
curso
material
Preparação
didático
específica
Ciências da Estágio 1
Educação, semestre
Comunicação e Práticas
Expressão, Ciências pedagógicas
Sociais, Ciências Conteúdos
Naturais e muito
Crescimento
Matemática teóricos; Sem
rápido dos
estágio;
efectivos de
10ª classe 6ª e 7ª classe Pouca
professores
bibliografia
de consulta
2007 1 Ano
Deficiente
sistema de
Melhorias
recrutamento
nas
de novos
infraestrutur
ingressos;
as
Formação
deficiente
Formação geral em
Nível de
ciências de Educação
ingresso
e Línguas
Acompanham
Formação específica ento de
1999 a 2004 1+1 ano
em comunicação e Duração do estágio
Expressão curso deficiente
Ciências integradas,
Matemática e Estágio 1 ano
Tecnologia
Esse modelo foi concebido dentro de uma perspectiva segregacionista do ensino primário, pois ainda
reforçava, por meio dele, a ideia de graus no ensino primário (EP). Os professores egressos desse modelo
deveriam somente leccionar o ensino primário do 2o grau (EP2).
Por um longo tempo, o ensino primário (EP) em Moçambique, apesar de ser definido como a “espinha
dorsal” de todo o Sistema Nacional de Educação (SNE), recebeu menor atenção por parte dos governantes,
a começar pela formação docente de baixo nível e, consequentemente, a qualidade do professor do ensino
primário (MAZULA, 2018; MATAVELE, 2016; NIQUICE, 2006; USSENE, 2006). A base da pirâmide
educacional em Moçambique apresentou-se historicamente frágil, pois a formação mais elementar do
professor destinou-se justamente para o ensino de base (EP1). Com a universalização do ensino primário e
ao buscar um ensino de qualidade, a partir da premissa da formação de bons professores, o Ministério da
Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) ensaiou um outro modelo de formação docente, em
67
cumprimento à Lei 6/92: o modelo 10ª + 3 anos que se destinava para o ensino nas escolas primárias
completas (EPC).
O modelo de 10ª classe na formação inicial de professores foi iniciado em 1993 pela organização não
governamental dinamarquesa “Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo” (ADPP). Segundo Mazula
(2018), com objetivo de formar professores para regiões rurais:
O modelo de 10ª + 2,5 anos funcionou até 2009, mas já em 2007 foi
obrigado pelo MINED a seguir o modelo de formação de 10ª + 1 ano,
adaptado nas EFP. […] Sofreram algumas adaptações como a redução da
duração do curso de 49 semanas, com 36 horas semanais, totalizando
1764 aulas, para 1440 aulas, dadas em 40 semanas […] a ADPP foi
obrigada a abandonar o seu modelo e seguir o modelo nacional em vigor no
país, a pretexto de uniformizar a formação no país (Ibidem, p. 72).
O modelo 10ª + 3 anos desapareceu em pouco tempo por razões pouco esclarecidas, talvez, pelo fato de o
Banco Mundial pressionar o MINEDH a manter o crescimento da massa salarial dos professores em níveis
compatíveis, pois os professores com nível médio supostamente sufocavam o orçamento da União
(MAHALAMBE, 2011; MAZULA, 2018).
As suspeitas de Mahalambe (2011) encontram algum sustento em Diniz-Pereira e Zeichner (2008), quando
estes afirmam que:
Como aponta Matavele (2016), apesar da substituição do modelo de formação de base 7ª classe pelo de
base 10ª classe, manteve-se a “baixa qualificação dos professores do Ensino Básico (1ª - 7ª classes) […] e
reconhecem-se deficiências na formação”. O modelo “10ª + 1” em vigor na formação de professores do
ensino primário em Moçambique, contestado pela qualificação que proporcionava aos futuros professores,
representou um recuo no enfrentamento do analfabetismo pelo fato de seus candidatos serem egressos de
um sistema escolar de “passagens automáticas”, de os ciclos de aprendizagem introduzidos como
“inovação” no atual currículo do ensino básico não possibilitarem o desenvolvimento de conhecimentos
sólidos para uma criança ou jovem dar continuidade a escolaridade posterior com sucesso.
Neste item, descrevemos a formação de professores para o ensino primário em Moçambique tendo em
conta a Lei 6/92 cuja intenção foi, de acordo com o Plano Estratégico da Educação (MOÇAMBIQUE, 2012),
elevar a qualidade de ensino no país, com especial atenção ao ensino primário (EP). A questão que importa
neste momento é saber: como se dá a preparação de professores atualmente na perspectiva da nova lei?
68
1.6. Um olhar prospectivo na formação inicial de professores para o ensino primário em Moçambique
No decurso do ano de 2004, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) lançou uma
nova estratégia para a formação de professores primários em Moçambique com o foco para:
Para esse propósito, o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE) aponta como razões
para a mudança no currículo de formação de professores:
Dessa maneira, o discurso sobre a necessidade de mudança curricular nos programas de formação docente
em Moçambique alinha-se à chamada “tese da culpabilização” do professor pelo fracasso da aprendizagem
dos alunos e pelos maus resultados do Sistema Nacional da Educação (SNE), como é possível perceber no
trecho a seguir:
A formação de professores primários em Moçambique a partir da nova lei possibilitou que, no ano de 2019,
as instituições de formação colocassem à disposição 5.748 novos professores formados nos modelos de
“10ª +1” e “10ª +3”. De acordo com o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), mais
729 professores formados em exercício (EaD), na componente de formação contínua (modelo 10ª + 2),
também foram colocados à disposição. Embora a nova lei possibilite formar professores no modelo de “12 a
+ 3”, ainda prevalece a filosofia de formação “tradicional” baseada em modelos cujo ingresso é feito com o
grau de escolaridade de 10a classe.
69
De acordo com o quadro acima, há atualmente em Moçambique 23 cursos do modelo de “10ª + 1 ano”,
doze cursos do modelo de “10a +3” e 21 cursos do modelo de “12ª + 3 anos”. Os dois primeiros modelos
baseiam-se ainda na Lei 6/92. O primeiro, como já o descrevemos anteriormente, é o mais longo na história
da formação docente em Moçambique e preparou professores seguindo um modelo de curta duração
baseado em competências. O segundo modelo, largamente defendido pela organização não governamental
dinamarquesa “Ajuda do Desenvolvimento de Povo para Povo” (ADPP) e voltado para formar professores
de regiões rurais, foi preterido mais tarde pelo governo por questões econômico-financeiras – em razão não
dos custos de formação em si, mas dos possíveis impactos no orçamento devido aos prováveis aumentos
dos pagamentos dos salários dos professores com nível médio de formação que se enquadrariam na
carreira salarial de Docente de Nível 3 (DN3)48.
48
Na visão ministerial, isso significava mais encargos financeiros para o Estado, pois esses professores teriam piso salarial de
8.484,00 meticais – o equivalente a cerca USD $139.03 dólares estadunidenses ou R$ 453,40 reais brasileiros (BRL), na taxa
cambial aplicada a 02/04/2018. Ou seja, sob o prisma financeiro, um número maior de professores na categoria DN3 aumentaria
significativamente o impacto sobre o orçamento público. Para fins de comparação, os professores enquadrados na careira de
docentes de nível 4 (DN4), o grupo majoritário, à mesma data, tinha um piso salarial de 6.776 meticais – o equivalente a $USD
110.89 dólares estadunidenses e R$ 366.97 reais brasileiros (BRL).
70
Porém, o Estado acabou não escapando desses impactos financeiros no orçamento público gerados pelos
acréscimos nos encargos salariais dos professores, pois a abertura massiva de instituições de ensino
superior (IES) privadas49 e a criação dos cursos noturnos nas universidades públicas Eduardo Mondlane e
Universidade Pedagógica de Maputo levaram uma avalanche de professores licenciados, egressos dessas
instituições, para dentro do Sistema Nacional de Educação (SNE) 50.
Sendo assim, nesse contexto, os encargos financeiros do Estado para o pagamento dessa massa salarial
de professores tendem a aumentar a cada ano. Atualmente, no quadro docente do ensino primário (EP) em
Moçambique, observa-se o aumento do número de professores da categoria superior (DN1). Porém, esses
docentes são egressos de distintos cursos que, na sua maioria, não se voltam especificamente para a
docência no ensino primário (EP) – o que significa, além de uma indesejável dispersão de formação, o
desperdício de dinheiro público.
O mapa a seguir mostra a distribuição e localização das instituições de formação de professores para o
ensino primário (IFPs), públicas e privadas, coordenadas e controladas pelo Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH) em Moçambique:
49
Por meio do Decreto-lei nº 44.530, criou-se o ensino superior colonial em Moçambique, a 21 de agosto de 1962. A primeira lei
sobre o ensino superior após a independência foi a Lei n.º 1/93, de 24 de junho de 1993. Por meio dela permitiu-se a criação de
instituições de ensino superior privadas no país. Ela foi revogada e, no dia 21 de janeiro de 2003, aprovou-se a Lei nº 5/2003 que
pretendia exercer um controle da qualidade em relação a esse nível de ensino. Mais tarde, aprova-se a Lei nº 27/ 2009, de 29 de
setembro de 2009, a chamada “Lei do Ensino Superior”. Contudo, apenas em 2010, por meio do Decreto Nº 48/2010, de 11 de
novembro de 2010, aprova-se o Regulamento de Licenciamento e Funcionamento das Instituições do Ensino Superior.
(MOÇAMBIQUE, 2012, p. 5).
50
As instituições de ensino superior privadas sem tradição alguma na formação de professores e com um corpo docente, na sua
maioria, de baixa qualificação acadêmica passaram a oferecer cursos de Licenciatura, mestrado na modalidade modular, EaD e
cursos noturnos àqueles que se dedicam a leccionar. A formação de professores para a educação básica foi um dos principais
alvos da privatização do ensino superior em Moçambique.
71
LEGENDA
NIASSA
Instituto de Formação de Professores de Lichinga
Instituto de Formação de Professores Obadias Belmiro Muianga ( Cuamba)
Escola de Formação de Professores do Futuro de Nsauca
CABO DELGADO
2+1 Instituto de Formação de Professores Alberto Joaquim Chipande (Pemba
Instituto de Formação de Professores de Montepuez
2+1 Escola de Formação de Professores do Futuro de Bilibiza
NAMPULA
Instituto de Formação de Professores de Nampula
Instituto de Formação de Professores de Marrere
Escola de Formação de Professores do Futuro de Namitil
Escola de Formação de Professores do Futuro de Nacala
3+2 Instituto de Formação de Formação de Professores de Monapo
3+1 TETE
Instituto de Formação de Professores de Angônia
Instituto de Formação de Professores de Tete
Instituto de Formação de Professores de Chitima
4+2 Escola de Formação de Professores do Futuro de Chiúta
ZAMBÉZIA
Instituto de Formação de Professores de Morrumbala
Instituto de Formação de Professores de Alto Molòcué
Instituto de Formação de Professores de Nicoadala
3+1 Instituto de Formação de Professores de Quelimane
1+1
Escola de Formação de Professores do Futuro de Macuse
SOFALA
Instituto de Formação de Professores de Inhaminga
Instituto de Formação de Professores de Inhamízua
Escola de Formação de Professores do Futuro de Nhamatanda
Instituto de Formação de Professores de Manga
MANICA
Instituto de Formação de Professores de Chibata
Escola de Formação de Professores do Futuro de Manica
INHAMBANE
3+1 Instituto de Formação de Professores de Vilanculo
Instituto de Formação de Professores de Chicuque
2+1 Instituto de Formação de Professores de Homóine
Escola de Formação de Professores do Futuro de Inhambane
GAZA
Instituto de Formação de Professores de Xai-xai
3+1 INSTITUIÇÕES DE
Escola de Formação de Professores do Futuro de Chókwe
FORMAÇÃO NO PAÍS
27 IFPs Instituto de Formação de Prodessores de Chongoene
1 11 EPFs/ADPP MAPUTO-PROVÍNCIA
TOTAL: 38 Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne
Instituto de Formação de Professores de Matola
Instituto de Formação de Professores de Namaacha
Escola de Formação de Professores do Futuro de Machava
MAPUTO-CIDADE
Instituto de Formação de Professores da Munhuana
Com excepção da cidade de Maputo, a capital do país, nas demais províncias, estão instalados os Institutos
de Formação de Professores (IFPs) e as Escolas de Professores do Futuro (EPFs). O IFP da cidade de
Maputo volta-se para a formação de gestores escolares (diretores de escola). Das onze EPFs, somente
cinco desenvolvem a formação segundo o modelo atual “12ª + 3”, sendo elas: as EPF de Machava, em
Maputo, de Inhambane, na capital provincial da província do mesmo nome, a de Chimoio, na capital
72
É importante ressaltar que o modelo “12ª + 3” apresenta algumas inovações em relação aos modelos
anteriores principalmente no que concerne às áreas de conhecimentos disciplinares, conforme mostra o
quadro a seguir:
Segundo o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE), as disciplinas gerais (DG) orientam-
se para o desenvolvimento de competências de comunicação, aprofundamento de matérias do ensino
primário (EP) e domínio de informática e métodos de estudo, enquanto as disciplinas nucleares (DN)
voltam-se para o desenvolvimento de competências profissionais, considerando os saberes teóricos e
práticos relevantes para o professor do ensino primário e educador de adultos, com foco na prática
pedagógica em contexto escolar. As disciplinas nucleares (DN) são profissionalizantes e visam desenvolver
competências para ensinar, levando o formando a mobilizar saberes e recursos de organização e resolução
de problemas complexos (INDE, 2019).
A carga horária (CH) total do tempo de formação para as disciplinas gerais (DG) e para as disciplinas
nucleares (DN), incluindo as três práticas pedagógicas, é de 4.068 horas de estudo realizadas em 90
semanas. O estágio pré-profissional é realizado, no sexto semestre, isolado das matérias curriculares.
Desse modo, uma das componentes privilegiadas nesse modelo de formação é o estágio pré-profissional
que, segundo o regulamento de avaliação de INDE/MINEDH, no seu Artigo 22, define-o como:
Nessa interpretação, trata-se daquilo que Imbernón (2011) considera como “formação centrada na escola”.
A “formação centrada na escola”, segundo esse autor, “não é, portanto, uma simples transferência física,
nem tampouco um novo agrupamento de professores para formá-los, e sim um novo enfoque para redefinir
os conteúdos, as estratégias, os protagonistas e os propósitos da formação” (IMBERNÓN, 2011, p. 85).
Sendo a escola o locus privilegiado de formação, torna-se imprescindível que a constituição da componente
de estágio seja programada por todos os intervenientes. Segundo o INDE/MINEDH, no modelo em análise,
indica-se como interveniente:
a) O Estagiário;
b) Professor Orientador do Estágio;
c) Formador acompanhante;
d) Direção da escola de estágio;
e) Conselho da Escola;
f) Comissão de estágio;
g) Direção da instituição de formação de professores (INDE, 2019, p. 64).
Conforme especifica o regulamento do estágio do Artigo 22 a 35 (INDE, 2019, p. 63-67), cada um desses
“intervenientes” desenvolve um papel específico. Contudo, dois elementos fundamentais poderiam ter sido
acoplados, nomeadamente: os Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT) e a Zona
de Influência Pedagógica (ZIP)51: estes são os intervenientes do SNE que respondem por essa área escolar
e o Instituto de Formação de Professores (IFP). Particularmente a ZIP, por ser um órgão de apoio
pedagógico, é de fundamental importância que o conjunto dessas escolas estejam integradas no processo
de planificação e execução do estágio (MEC, 2010).
Ainda de acordo com o INDE, na vigência da Lei 4/83, havia nos cursos de formação de professores
primários em Moçambique 21 disciplinas com carga horária de 3.710 horas letivas das quais 50,6% eram
destinadas à área de formação profissional. Atualmente, têm-se 35 disciplinas (catorze a mais!) e estima-se
uma diferença de carga horária total de formação de 358 horas, ou seja, mais ou menos 14 dias letivos
acrescidos no modelo atual “12ª +3” em comparação ao antigo modelo “7ª + 3”. (MEC, 1998).
O modelo “12ª +3” aproxima-se daquele do curso de Licenciatura em Ensino Básico (LEB) da Universidade
Pedagógica de Maputo (UPM) voltado para pessoas que querem leccionar no ensino fundamental. A
Licenciatura em Ensino Básico (LEB) da UPM tem uma carga horária de 6.000 horas letivas incluindo as
práticas e o estágio pré-profissional: 240 créditos acadêmicos, sendo que um crédito corresponde a 25
51
ZIP: “Conjunto de escolas circunvizinhas organizadas com fins de elevação do seu nível político, científico e didático-pedagógico”,
criadas formalmente em 1976 (NIVAGARA et al., 2016, p. 29).
74
horas. Ou seja, a diferença entre esse modelo de formação inicial de professores primários e a licenciatura
da UPM é de 1.932 horas – o equivalente a 16 semanas letivas. Com mais um semestre, o curso médio de
formação inicial de professores equivaleria a uma licenciatura em termos de tempo de formação.
Por que fazer essa comparação em relação aos tempos de formação desses cursos? Observe que, por um
lado, o modelo atual de formação não evoluiu muito, em termos de horas de formação, comparativamente
ao modelo de 1983, embora aquele aproxime-se mais de uma licenciatura. Por outro lado, essa
proximidade, em termos de tempo de formação, da licenciatura pode retirar desse curso de formação de
professores primários os melhores graduados da 12 a classe que, sem dúvidas, prefeririam um lugar na
universidade. Dessa maneira, ele se transformaria em uma “alternativa” de formação para os candidatos
pouco qualificados. Outro aspeto de capital importância que merece apreciação no modelo atual é a
componente dos formadores, pois segundo o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE):
52
Uma das competências do professor acompanhante é lecionar em regime de monodocência. A monodocência é um regime de
ensino em que um professor assume a docência em todas as áreas curriculares.
75
Os praticantes de docência nas escolas primárias são orientados pelos professores mais experientes que, à
luz das normas, devem apresentar o seguinte perfil (Ibidem, p.65):
i) Formação psicopedagógica;
ii) Experiência mínima de leccionação de cinco anos;
iii) Capacidade de ouvir, questionar e estimular a ação reflexiva;
iv) Boa conduta profissional e social;
v) Nível mínimo de “Bom” na classificação dos últimos três anos.
Portanto, nesse modelo atual de formação inicial de professores, poder-se-ia repensar as estratégias
contextualizadas para o incentivo dos professores-orientadores, pois, tanto o currículo como a prática
revelam ausência dessa categoria na formação, embora seja um elemento crucial para o sucesso da
formação. A questão da ausência de incentivos para os professores nas escolas que recebem estagiários
tem sido atualmente discutida em Moçambique. Como serão detalhados mais adiante nesta tese, resultados
desta pesquisa demonstram que os professores orientadores (PO) deixam as turmas sozinhas com os
estagiários e usam como uma das alegações para essa conduta a falta de incentivo. Almeida e Abuchaim
(2016) defendem que é relevante incentivar a quem “ensina a ensinar”. Às vezes, ouvimos professoras/es
que recebem estagiários na escola questionarem: Afinal, o que ganho com isso?
Por fim, para compulsar com mais primazia o diálogo sobre a formação de professores para o ensino
primário em Moçambique, é importante discutir, nas próximas laudas, sobre o lugar da formação docente e
o construto da qualidade dessa formação e da educação em geral.
76
Neste capítulo, discute-se, por meio de uma perspectiva histórica e sociológica, a construção do lugar da
formação de professores primários em Moçambique, os condicionantes que transformaram o espaço em
lugar e o lugar em território da formação desses docentes nesse país. Discute-se ainda sobre a qualidade
do ensino como parâmetro da avaliação da qualidade docente e, por fim, retoma-se a questão da
construção do território da formação docente e os mecanismos atuais do seu controlo em Moçambique.
Nessa acepção, Perrenoud (2002) advogará por uma qualidade da formação de professores fundada e
alicerçada na concepção do projeto político da formação docente – o que parece dialogar com a visão de
Nóvoa (1999; 2009) – e tem como pressupostos:
53
Termo utilizado por Diniz-Pereira em substituição à expressão “formação inicial”. Uma das críticas ao uso do termo “formação
inicial” pela literatura da área é o fato de que a profissão docente começa a ser aprendida mesmo antes da entrada do sujeito em
um curso de graduação (licenciatura). Portanto, a formação não se configura como “inicial” – termo dúbio na língua portuguesa por
indicar tanto uma formação que se “inicia” a partir da entrada em cursos de licenciatura (ideia da qual o autor discorda), quanto
uma formação que não termina com a conclusão desses cursos – ideia que, obviamente, o autor não se opõe a ela (ver DINIZ-
PEREIRA, 2008).
54
Tendo em conta a qualidade dos ingressantes na formação, a qualidade dos formadores de professores, a duração da formação e
os recursos materiais e financeiros disponíveis para uma formação de qualidade.
77
Ao assumir a posição de Perrenoud, podemos afirmar que se trata de pressupostos curriculares para uma
concepção progressista da formação de professores que coloca no epicentro da trajetória de formação o
desenvolvimento de conhecimentos e saberes como, por exemplo, nas palavras de Perrenoud (2002), a
“capacidade de mobilização de saberes” (p. 18). Não se trata de uma formação em cooking recipe/
Datasheet, porém uma preparação no sentido da construção de saberes e conhecimentos necessários para
boas práticas e problematizadoras do conhecimento e das práticas em contextos específicos de
aprendizagem e que se baseia em princípios construtivistas (BERBAUN, 1993).
A formação acadêmico-profissional de professores do ensino primário nos dias que correm tornou-se um
dilema em razão da mudança de paradigmas sociais em que as tecnologias de informação e a proximidade
dos fenômenos sociais no mundo são cada vez mais indissolúveis do quotidiano das escolas. Esse
fenômeno torna o professorado cada vez mais exigido a dar o máximo de si para possibilitar a aproximação
da educação à vida social dos alunos. Neste século em que a cultura cibernética aflora e unifica as
diferentes culturas, Zabalza (2019) destaca a figura do professor como o guardião do tesouro cultural
universal da humanidade (ou seja, o conhecimento científico).
Esforços realizados, como, por exemplo, a criação de programas de pós-graduação para a formação
profissional docente e o pagamento de salários dignos para a carreira docente da educação básica, apesar
de importantes, não se mostraram totalmente eficazes para a melhoria da função docente, uma vez que a
formação de professores foi novamente sorteada como única gênese dos problemas da educação. Tudo
indicava que era necessário reformular as estratégias de formação, ou seja, que a formação docente se
redesenhasse e evoluísse, passando de uma “formação dirigida à mobilização, para a formação dirigida ao
desenvolvimento prático de processos” (ZABALZA, 2019, p. 17). Como aponta esse autor, faz-se necessário
assumir que o atual lugar que a formação de professores ocupa não confere condições para o efeito e que
os formatos dos cursos atuais são pouco úteis. Além disso, a formação intensiva deve dar lugar a um
“formato temporal extensivo” em que o formando deve ser o protagonista do processo de formação e não o
formador.
Como nos lembram Ambrosetti e Calil (2016), “formar é preparar para a prática” e o “papel do formador é de
organizador de situações de aprendizagem, não de transmissor de saberes e o educando tem papel ativo
nos processos formativos” (p. 219). Nesse sentido, torna-se imprescindível migrar-se da “lógica dos saberes
constituídos” para a “lógica das práticas” para estabelecer uma relação dialética entre o que o ingressante
aprende durante o tempo de formação e o papel que vai desenvolver no futuro. Para Zabalza (2019), isso
corresponde ao “trânsito da formação dirigida à assimilação, para a formação dirigida à acomodação”. E
segundo o mesmo autor, significa que:
acomodação não pode ser feita sem tempo, pois trata-se de processos que
não podem ser acelerados. Obviamente, o tempo somente não é suficiente.
Também é preciso o contraste das noções conceituais com sua aplicação
prática através de oportunidades de aplicação das mesmas (ZABALZA,
2019, p. 20).
Alguns estudos revelam que a formação acadêmico-profissional de professores tem oferecido poucas
possibilidades de práticas durante os processos formativos ( PERRENOUD, 1992; HARGREAVES, 1991) o que
dificulta a acomodação das aprendizagens, levando os futuros professores entrarem em choque com a
realidade no momento de iniciação profissional diante de seus aprendizes (GARCIA, 1999). Nesse sentido,
apesar de pesquisas terem diagnosticado a relevância das práticas durante a formação (ANDRÉ, 2016),
prevalecem ainda resistências no cumprimento eficaz do tempo de prática. Essa falta de prática
impossibilita a conexão de saberes e a aproximação contextualizada entre a teoria e a prática. Como afirma
Zabalza (2019, p. 20):
No processo de formação de professores, há que se ter um senso profundo de responsabilidade pelo fato
de que serão esses profissionais do futuro aos quais novas gerações terão diálogo sobre o passado, o
presente e o futuro da humanidade no que concerne à cultura de conhecimentos acumulados e por
desvendar. Assim, a formação requer um requinte de procedimentos com margens minúsculos e reduzidos
na assertividade sobre os reais saberes docentes para uma prática profissional efetiva. Nesse aspecto,
Nóvoa (2009) referiu-se à oscilação dos modelos de formação de professores que, para ele, ao longo da
história, estiveram no entorno dos modelos técnicos e dos modelos práticos. Na análise desse autor:
Nessa acepção, Diniz-Pereira (2008), ao discutir modelos de formação docente, destaca dois modelos aos
quais denominou-os de “modelos hegemônicos e contra-hegemônicos de formação docente”. Sem
distanciar-se muito de Nóvoa, Diniz-Pereira distingue entre modelos técnicos e modelos práticos,
caracterizando-os em razão da finalidade e propósito de cada modelo. Para Diniz-Pereira (2008), o modelo
de racionalidade técnica envolve três subconjuntos de modelos, nomeadamente:
Com o decorrer da história de formação docente, conforme indica Nóvoa (2009), existia uma dicotomização
na formação docente entre o modelo técnico e o modelo prático. Conforme vimos em Diniz-Pereira (2008),
essa dicotomização foi largamente aprofundada com o surgimento dentro do modelo da racionalidade
técnica e de suas subdivisões. Porém, foi com Dewey, conforme atestam Diniz-Pereira e Zeichner (2008),
que surgem os modelos de racionalidade prática que conglomeram os modelos “humanístico”, “de ensino
como ofício” e “orientado pela pesquisa”. A ênfase desse modelo assenta no fato da praticidade docente e
na solução dos problemas decorrentes no quotidiano do processo de ensino-aprendizagem (PEA)
orientados pelo princípio da descoberta de soluções de problemas a partir da prática. É nesse prisma que
reside a questão da escola como locus de formação, pois, os formandos e toda a equipa envolvida
planificam e realizam todas as atividades no contexto escolar, o que possibilita o aprimoramento de
conhecimentos sobre o ensino. Segundo Imbernón:
Como será discutido mais adiante neste Capítulo, a partir do modelo centrado na escola, é possível tornar
visível o lugar de formação se se considerar que a escola tomará esse lugar por meio da modificação das
ações pedagógicas e colocará como prioridade todos os processos inerentes à ação formativa. Isso exige
mais do que uma mudança na infraestrutura, mas também na política e no fazer colectivo dos processos de
formação.
Isso passa necessariamente em dar autonomia aos formadores, formandos e professores dessa escola a
desenvolverem a habilidade reflexiva (SCHÖN, 1987) e a habilidade de trabalho em equipa na busca de
soluções em contexto profissional, sem seguir prescrições técnicas.
docente e os resultados por se alcançar durante o processo de docência. O objetivo do modelo crítico de
formação docente, nas ideias desses autores, é transformar a educação e a sociedade e, para tal, o
formando deve formular problemas e buscar soluções para eles no sentido de superação dos diversos
obstáculos existentes no fazer profissional docente.
Nóvoa (2009) defende que os professores devem abrir-se ao meio externo profissional de modo a dar
respostas aos anseios sociais, embora isso possa fragilizar a profissão.
É fato que a escola, nos dias de hoje, atravessa uma crise epistemológica diante da missão que a
sociedade dela espera, causada, por um lado, por fatores endógenos – planificação, gestão integrada,
formação contínua – e, por outro, por fatores exógenos – alguns deles ligados às políticas públicas
neoliberais na educação (incluindo a não garantia de condições adequadas para a realização de um bom
trabalho docente), o que precipita a precarização do sistema educativo. Segundo Diniz-Pereira (2019):
Sendo assim, os discursos sobre a qualidade da educação, de modo geral, e, mais especificamente, sobre
a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, têm demonstrado uma tendência a culpabilizar os
docentes e a sua “má formação”, bem como a escola pelos fracassos dos alunos. Porém, segundo o
relatório de monitoria global da educação (UNESCO, 2017/2018), projetado pela Organização das Nações
Unidas (ONU) para 2030, a “responsabilização da educação é tarefa de todos”. Tal posição apela para uma
dedicação colectiva da sociedade global na construção dos melhores resultados educacionais. A crescente
tendência de “culpabilizar” os professores e a sua formação constitui-se uma posição recorrentemente
usada por muitos governos do mundo e, particularmente, em Moçambique, em razão dos maus resultados
escolares. Contudo, cabe a todos o compartilhamento de forças para a construção de uma educação digna
e progressista. Nessa óptica, Hengemühle (2010) afirma que:
81
Mostra-se um quê fazer “sistêmico” em que todos os atores sociais são convocados a darem o máximo de si
para que a escola, como “organização aprendente”, tenha resultados desejáveis (SENGE, 2013) e o
professor, como um dos mediadores desse processo, carece da colaboração de todos e dos suportes
necessários para um bom desempenho profissional. Desse modo, a formação de professores, como um dos
elementos essenciais na edificação sustentável das nações, por meio de uma boa preparação dos futuros
professores, cabe a ela preparar “professores como profissionais do futuro” (GARCIA, 2009; MORIN, 2011;
COCHRAM-SMITH et al., 2019) e, apesar das adversidades em torno da formação profissional dos
professores, “é necessário que se compreenda que a profissão docente e o seu desenvolvimento
constituem um elemento fundamental e crucial para assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos”
(GARCIA, 2009, p. 19).
São inúmeras as pesquisas acerca da formação de professores que abordam a problemática do processo
da construção dos primeiros passos profissionais e como esse processo poderia ser desencadeado e
conduzido de modo a possibilitar a construção de saberes de base para que os futuros professores estejam
bem preparados para uma prática docente, com competências específicas da profissão (como, por exemplo,
a capacidade de mobilizar conhecimentos), éticas e habilidades necessárias (FREIRE, 2017; PERRENOUD,
2002; TARDIF e LESSARD, 2009; IMBERNÓN, 2011). Ou seja, como a preparação poderia proporcionar ao
futuro professor saberes fundados na prática para um desempenho profissional com destrezas necessárias
e próprias da profissão (TARDIF, 2000; ARROYO, 2017; TARDIF e RAYMOND, 2000) e para a construção
de uma profissionalidade55 baseada no contexto profissional.
Com efeito, o estudo da formação de professores cresceu exponencialmente em todo o mundo. Segundo
Bicudo (2003, p. 23),
Como vimos, pesquisas sobre a formação de professores desmistificam o enredo sob o qual a formação
acadêmico-profissional é suficiente para preparar plenamente o professor. No entanto, tais investigações
revelam que “é cada vez mais evidente que não só essa preparação costuma ser insuficiente ” (CARVALHO
e GIL-PÉREZ, 2011), mas, verifica-se também, como destacam Tobin e Espinet (1989), “uma falta de
conhecimentos científicos que constitui a principal dificuldade para que os professores afetados se
55
José Contreras (2002) afirma que o termo profissionalidade “refere-se às qualidades da prática profissional dos professores em
função do que requer o trabalho educativo… não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar
valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão” (p. 70). Coelho e Diniz-Pereira (2017) defendem que
esse conceito pode reforçar “ideias que podem abrir novos horizontes não somente para se repensar o sentido de magistério em
si, mas também, e fundamentalmente, para a busca da construção de uma sociedade verdadeiramente democrática mais justa,
mais igualitária, mais humana e mais fraterna” (p. 29).
82
envolvam em atividades inovadoras” (TOBIN; ESPINET, 1989 apud CARVALHO-GIL-PÉREZ, 2011, p. 22).
Para Carvalho e Gil-Pérez (2011), “todos os trabalhos investigativos existentes mostram a gravidade de uma
carência de conhecimentos da matéria, o que transforma o professor em um transmissor mecânico dos
conteúdos do livro de texto” (p. 22).
Segundo Garcia (2009, p. 13), “ser um bom professor pressupõe um longo processo. Os candidatos que
chegam às instituições de formação inicial de professores não são recipientes vazios”. Para esse autor, “de
uma maneira geral, nota-se uma grande insatisfação, tanto por parte das instâncias políticas como da
classe docente em exercício, acerca da capacidade de resposta das atuais instituições de formação às
necessidades da profissão docente” (GARCIA, 2009, p. 13). Essa insatisfação consubstanciada à pressão
pelo alcance dos objetivos do chamado “desenvolvimento do milênio” e de uma “educação de qualidade
para todos” faz da educação, em vários países, um setor-alvo de muita pressão, tornando-o um terreno
propício para políticas públicas, discursos e práticas e, obviamente, pesquisas.
A partir da década de 1970, período em que se evidencia claramente a formação de professores como
objeto de estudo no campo das ciências da educação, verifica-se o engrossar de pesquisas sobre a
formação de professores e do seu trabalho, tendo como pano de fundo a questão do currículo de formação,
a questão das competências e dos saberes docentes (BREZEZINSKI, 1996; NÓVOA, 1995, 1999;
PERRENOUD, 2002; TARDIF, 2002; 2009; ALTET, 1994), os estudos sobre práticas pedagógicas
(PERRENOUD, 1993), a profissionalização docente (GARCIA, 1999; 2009; IMBERNÓN, 2011; LÜDKE e
BOING, 2004; FANFANI, 2007; NÓVOA, 2009), o profissional reflexivo e a prática docente reflexiva
(SCHÖN, 1987, 2000; ZEICHNER, 1993; PERRENOUD, 2002; ALARCÃO, 2003), bem como o estudo da
profissão, do trabalho e do sindicalismo docente (FANFANI, 2005; ÁVALOS, 2010; FERREIRA, 2007).
No caso do contexto francês, Mialaret (1981), ao abordar os princípios fundamentais de qualquer formação,
aponta que a formação pedagógica nunca substituirá o saber e uma formação pedagógica não pode ser
feita com “ignorantes”. Torna-se premente a priori que, para uma boa formação pedagógica, faz-se
necessário que seus candidatos estejam dotados de conhecimentos prévios (acadêmicos), sem os quais a
formação estará fadada ao fracasso.
O estudo de Mialaret (1981) diagnosticou que a formação de professores, no início, sempre foi de curta
duração ou quase inexistente e com candidatos pouco providos de pré-requisitos. Esse autor advoga que,
83
embora a formação tenha sido de curta duração, ela cumpria ao menos um papel de sensibilização 56, pois
era por meio dela que o futuro professor entrava em contato com a realidade escolar. Posto isto, segue o
período da aprendizagem dos métodos e das técnicas pedagógicas e, por fim, o de “responsabilização”.
Durante esses períodos ou estágios de formação, Mialaret acredita que serão limadas as “ignorâncias” do
formando e esses o levarão a desenvolver uma base conceptual da realidade educativa. Nesse sentido, a
formação continuada desempenharia um papel fundamental para a profissionalização progressiva do
professor.
Porém, Imbernón (2011), ao assumir uma posição distinta daquela defendida por Mialaret, advoga por uma
formação acadêmico-profissional para a profissão docente que questione como se dá a aquisição do
conhecimento profissional básico, isto é, ele defende uma formação crítica. Em suas palavras, “a formação
inicial deve fornecer as bases para poder construir esse conhecimento pedagógico especializado”
(IMBERNÓN, 2011; p. 60) e comungam dessa ideia Garcia (1999), Perrenoud (1999) e Tardif (2002).
Nessa acepção, Imbernón (2011) apresenta algumas ideias-chaves para lograr esse fim:
Consequentemente, esse autor defende que a formação acadêmico-profissional, na sua acepção não
prescritiva (racionalidade técnica), evite fazer dela um momento de inculcação de receitas para posterior
réplica. Ao contrário, que ela procure:
Lelis (2011, p. 52), ao citar Kramer (1995), defende que esses cursos, sob a forma de cursos de rápida
duração, de oficinas, representaram a cisão entre os conhecimentos universitários e os saberes dos
professores, pois, salvo algumas exceções, partiam (e chegavam) a uma perspectiva fragmentada do
conhecimento, ao estabelecerem uma fratura entre a teoria (que passou a discurso) e a prática (substituída
pela técnica).
Garcia (1999) afirma que a análise dos processos de inovação e de mudança, suas implicações
organizacionais, curriculares e didáticas faz que, cada vez mais, a pesquisa sobre a formação de
professores seja percebida como necessidade indiscutível. Fica evidente que para formar um professor em
contextos de mudança ou para o novo século (PERRENOUD, 1999; 2002 e GARCIA, 1999) faz-se
56
Período de conhecimento factual da escola por meio da observação dos processos escolares. É nesse período que o candidato à
formação docente entrará em contato sensitivo e reflexivo sobre a realidade escolar.
84
necessário equipá-lo com ferramentas para o exercício reflexivo da profissão. Um ato reflexivo, como
largamente foi discutido por Schön (1987) e Alarcão (2003), deve possibilitar ao professor evoluir
profissionalmente a partir dos saberes da prática, construídos em decorrência do processo profissional com
os pares. Nesse âmbito, é preciso ajustar os processos e os mecanismos de formação de modo a oferecer
um ensino de qualidade que ajude os indivíduos (professores) a libertarem-se (FREIRE, 2018) de uma
racionalidade técnica prescritiva que não possibilita o desenvolvimento profissional consequente do
processo profissional crítico. Nesse panorama, é necessário que o sistema educativo de preparação
docente proporcione-lhes uma educação de qualidade que apenas pode ser alcançada a partir do
provimento de suportes necessários (MARTUCCELLI, 2007), incluindo uma assistência robusta na
formação docente capaz de garantir que os futuros professores aprendam e dominem as bases do
conhecimento profissional (SHULMAN, 1987; CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2011) de modo que desenvolvam
criticidade sobre a educação bancária (FREIRE, 2017) que é basicamente “o pão de cada dia” nas
instituições escolares moçambicanas e em outras partes do mundo.
Como descrevem Tardif e Lessard (2009), a mecanização da profissão docente tornou-se facto desde os
primórdios do ofício de professor e, ao longo da história, é notável que a nobre missão de educar sempre foi
posta em causa e postergada, dadas as condições e o status da profissão (TANURI, 2000). Segundo
Fanfani (2005), sem se distanciar das condições profissionais deploráveis, isto é, sem honra, prestígio e
reconhecimento social, a profissão docente parece, ao longo dos tempos, trilhar o caminho do desgaste.
Contraditoriamente, as grandes revoluções sociais e econômicas exigem a premente necessidade de ter os
professores cada vez mais bem preparados. Porém, ainda assim, as políticas de formação continuam sendo
as menos desejáveis (GATTI, 2016; BARRETTO, 2015 e DINIZ-PEREIRA, 2015). Em Moçambique, existe
um fosso a preencher no que concerne às políticas de formação e de valorização da profissão e do ensino,
especificamente, o ensino primário.
Um dos mecanismos de valorização da formação docente é destacado nos estudos de Imbernón (2016) e
Carvalho e Gil-Pérez (2011) quando esses autores defendem a necessidade de uma formação que
possibilite a construção de conhecimento da matéria a ser ensinada de modo a abandonar as ideias do
“senso comum” no processo de ensino-aprendizagem e proporcionar uma qualidade desejável no ensino
como consequência de uma boa formação acadêmico-profissional de professores. No entendimento de
autores como Freire (2017), Gatti (2015) e Schön (1987), esse horizonte passa pela necessidade de uma
preparação que proporciona o desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre a prática de ensino. Sendo
assim, ao analisar o contexto específico da preparação de professores em países pobres ou
pejorativamente designados “países de terceiro mundo”, como é o caso de Moçambique, nota-se que ele
vem se constituindo e se refazendo a partir das dinâmicas sociais e de novos “paradigmas” (KUHN, 1998)
que, apesar da prevalência de vários dilemas, têm a ver com aspectos de natureza econômica que
impactam os sistemas de educação.
85
De acordo com Ministério da Educação, são três os períodos históricos da formação docente em
Moçambique:
Cada período teve uma caraterística peculiar, atendendo ao período sócio-histórico, econômico e político
que o país atravessava:
Embora iniciativas foram feitas com vista a melhorar a formação docente, o diagnóstico atual da situação da
formação docente revela-nos uma situação de catástrofe, pois os investimentos ainda estão longe de
satisfazer as necessidades para uma formação de qualidade, além das condições de trabalho dos docentes
formadores e dos docentes do ensino primário que integram o corpus da formação docente como
professores-orientadores serem precárias em termos salariais e de recursos materiais e pedagógicos.
Ao citar o caso do Brasil, Saviani (2009) resenha a história da formação de professores nesse país desde o
advento dos “ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890)” que percorreram um longo
caminho, passando por “estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890-1932)”,
“Organização dos Institutos de Educação (1932-1939)”, “Organização e implantação dos Cursos de
57
Conforme discutido no Capítulo Um desta tese, uma das razões da baixa qualidade de ensino tem a ver com a elevada proporção
professor-aluno em sala de aula (aproximadamente 60:1).
58
O grau de qualificação dos professores nos primeiros anos após a independência era muito baixo, particularmente, no ensino
primário do 1o grau, em que a maioria dos professores tinha apenas a 4a classe e pouca ou nenhuma formação profissional. O
baixo nível de formação profissional do professor primário que, até hoje, se verifica e as deficientes condições do seu emprego e
inexistência de um sistema de formação permanente tornam todo o sistema de ensino baseado na memorização e pouco ajustado
aos objetivos educacionais mais amplos (GOLIAS, 1993).
59
A ausência de das condições materiais nas salas de aulas, de meios pedagógicos e de formação à margem do apoio que o
professor deveria dispor continuam a ser entraves à sua ação educativa (GOLIAS, 1993).
86
Com dois modelos de formação historicamente postulados – o modelo dos conteúdos culturais-cognitivos e
o modelo pedagógico-didático de formação docente – pensava-se que assim podia-se resolver o problema
da formação acadêmico-profissional de professores no Brasil. No entanto, o percurso tornou evidente que a
preparação “inicial” de professores carece mais do que mudanças e reformas curriculares. Segundo Saviani
(2009), faz-se necessário ajustar as políticas, bem como associar “o problema das condições de trabalho
que envolvem a carreira docente, em cujo âmbito devem ser equacionadas as questões do salário e da
jornada de trabalho”. Ainda nas palavras desse autor:
A formação esteve voltada por muito tempo para habilitar os futuros professores de conhecimentos básicos
das ciências e das técnicas de ensino, porém, com o tempo, a formação de professores passou a privilegiar
as “ideias pedagógicas da Educação Nova, sendo esta influência clara nos extensos e detalhados
programas das disciplinas, de 1919, nomeadamente nas instruções pedagógicas que precedem cada um
deles” (MOGARRO; NAMORA, 2012, p. 4). Com a chegada da ditadura militar, a formação de professores
teve reestruturações de vulto, entre elas, a passagem das escolas normais para as do magistério, mas com
o mesmo ímpeto de formação agregado ao modelo pedagógico catolicista e a um ensino dogmático, como
fazem menção as mesmas autoras:
Então, nas descrições de Saviani (2011; 2009) e de Mogarro e Namora (2012), percebe-se claramente quão
o poder governamental exerceu sua influência na definição do que deve ser o perfil dos professores a partir
do currículo de formação, sem privilegiar as pesquisas.
Nos dizeres de Mazula (2018, p. 95), é tarefa do professor dar uma boa aula com competência e
profissionalismo. Todavia, para lograr esse êxito, é fundamental que o professor seja preparado em cinco
dimensões: o pilar epistemológico, pilar teórico, o morfológico, o técnico ou didático e, por fim, o pilar
antropológico60 – para dar corpus a uma dinâmica da aula que resulte na qualidade de ensino-
60
Mazula (2018) defende que uma aula que se assenta nesses pilares poderá proporcionar um ensino baseado no conhecimento
científico (epistemologia), no saber teórico (teoria), na estruturação do objeto da aula, ou seja, classroom managment (morfologia),
na tecnicidade e estratégias (didática) e na humanização do ensino (pilar antropológico). Todavia, isso também passa por uma
88
aprendizagem. Desse modo, para esse autor, assim como não se deve confiar as classes iniciais de ensino
a qualquer professor, também não se deve confiar a qualquer professor formar outros professores
(MAZULA, 2018, p. 107).
Porém, conforme os resultados que serão discutidos no Capítulo Três desta tese, pode-se afirmar que, em
Moçambique, se confiou a “quaisquer professores” a tarefa de formar outros professores, baseando-se
apenas na criatividade e na entrega dos futuros professores para se reinventarem e se autoformarem no
terreno profissional. Ressalta-se que, segundo comprovam os dados desta pesquisa, a maioria dos que se
formaram docentes não desejava a docência e tão pouco queria cursar um programa de formação de
professores. O fizeram apenas por uma questão de sobrevivência e de empregabilidade. Ainda assim, a
docência em Moçambique continua sendo um setor que proporciona poucas oportunidades de realização ou
satisfação laboral aos profissionais – mesmo na idade de jubilação, os professores procuram por uma vaga
de emprego para garantir a sua sustentabilidade. Como afirmam Duarte, Bastos e Rupia Jr (2016, p. 84),
este é um dos problemas que atinge os professores e que leva, muitas vezes, ao seu retorno à docência,
mesmo depois de aposentados. Nesse apanágio de condições precárias do trabalho docente, pouco se
pode dizer que a escola, o ensino e a educação em geral podem sofrer processos de transformação
(MORIN, 2015; MORIN e DÍAZ, 2016; SACRISTÁN e GÓMEZ, 1998).
Essa situação agrava-se com aquilo que Zeichner (2013, p. 100) designa de pensamento neoliberal,
neogerencial e conservador que orienta os esforços para desmantelar a educação pública e a formação de
professores nos Estados Unidos e em outros países, promovendo a expansão do capitalismo neoliberal
corporativo – salvo o caso da Finlândia que, embora não esteja imune às ideologias neoliberais, tem um dos
mais prestigiados sistema de educação do mundo, de acordo com resultados do Programa Internacional de
Avaliação de Estudante [“Programme for International Student Assessment” (PISA)] (ver DEMARCHI e
RAUSCH, 2014).
Nessa mesma linha de pensamento, Cochran-Smith et al. (2018) afirmam que “uma abordagem neoliberal
ou de capital humano à política educacional enfraquece uma visão democrática da sociedade” (p. 20). Para
esses autores, a sociedade não pode ser vista sob prisma de desenvolvimento meramente econômico e sob
“a lei do retorno” na concepção de que quanto mais for o investimento na educação maior será
proporcionalmente o retorno econômico-social.
A partir do estudo de Cochran-Smith et al. (2018), pode concluir-se que as políticas neoliberais na formação
de professores têm devastado este que é um setor nevrálgico, propiciando um enorme retrocesso social.
Como enfatiza Soares (2007, p. 11), os “direitos universais são substituídos por políticas assistenciais e
compensatórias, com vista à redução das consequências sociais naturais da intervenção econômica”.
Zeichner (2013) destaca ainda que a promoção das ideias neoliberais para o desmantelamento da
educação pública e da formação de professores utiliza, muitas vezes, discursos liberais-humanistas de
formação docente voltada para a promoção da justiça social e do desenvolvimento humano (ZEICHNER, 2008).
89
direitos humanos (por exemplo, “educação para todos”, “qualidade”) que ocultam as consequências de
assumir essas ideias e mascarar outras maneiras de pensar sobre tais questões. Conforme destaca esse
autor:
Por fim, estudos (NIQUICE, 2005; ARROTO, 2013; MAZULA, 2018; DARLING-HAMMOND e BRANSFORD,
2019) reconhecem que a formação de professores emana complexidades e todos os atores sociais devem
fazer parte desse processo de construção social da formação docente. Porém, em tempos de economias
neoliberais, verifica-se uma forte atenção à questão da qualidade dos professores por assumir-se que do
seu trabalho advém o conhecimento social necessário para a transformação econômica e social. A
transformação social deve ser vista como produto de investimento feito no sistema educativo e, como
enfoca o estudo de Cochran-Smith et al. (2018, p. 19), “de acordo com a teoria do capital humano, a
educação é a fonte central do desenvolvimento econômico” (tradução nossa) e para lograr alcançar avanços
significativos do desenvolvimento econômico é fundamental investir fortemente na educação, o que faz da
formação de professores um elemento-chave nesse processo. Sendo assim, de acordo com essa lógica,
não se pode sonhar com uma sociedade evoluída economicamente e moralmente sem o devido
investimento na educação.
Por conseguinte, ao intencionar uma melhora na qualidade de ensino com consequências na esfera social,
a formação de professores deve estar assente nesse prisma de complexidade da profissão docente para a
transformação do tecido social e no reconhecimento de que:
E, como será discutido no próximo item, esse argumento vai ao encontro do posicionamento de
Hammerness et al., quando esses autores afirmam que “ajudar futuros professores a aprender a pensar
sistematicamente sobre essa complexidade é muito importante” (2019, p. 307). Além disso, eles aprofundam
a visão da necessidade de uma formação docente mais “proativa”, dizendo que “eles [os professores]
precisam desenvolver hábitos mentais metacognitivos para orientar decisões e reflexões sobre a prática de
modo a dar substância à melhoria contínua” (2019, p. 307). Isto remete para o desenvolvimento da
“expertise adaptativa” que tem a ver com a capacidade de os professores eficientes “alterar suas
competências essenciais e expandir continuamente a amplitude e a profundidade de seus conhecimentos”
(BRANSFORD et al., 2019, p. 42).
Nos dias que correm, é comum ouvir relatos de descrédito à qualidade de serviço prestado pelos
professores, em particular os do ensino primário, pelo facto de que os alunos terminam esse nível de ensino
sem terem desenvolvido habilidades esperadas nessa fase. Como já descrevemos no Capítulo Um, ao
acompanhar as medidas internacionais de educação universal para todos e, paralelamente, ao seguir as
perspectivas educacionais para o desenvolvimento do milênio, vários esforços são desencadeados no
mundo todo para que esse sonho seja alcançado. É nessa esteira que vários obstáculos surgem, pois os
países estão em uma corrida desenfreada sem o mínimo de observância sobre a equidade dos processos
para o alcance dos mesmos objetivos. Enquanto uns estão a mil anos-luz à frente nessa corrida, outros
ainda estão na idade da pedra no que concerne à realização desses objetivos. A maioria dos países
ocidentais desenvolvidos oportuniza as condições para a implantação de uma educação e de um ensino de
qualidade, enquanto os países em desenvolvimento ou do “terceiro mundo” ainda enfrentam a questão da
necessidade da extensão da rede escolar e da criação de condições mínimas (não básicas) para uma
educação escolar “de sucesso”.
Contudo, a qualidade de que nos referimos é no sentido comensurável em razão dos resultados palpáveis
dos alunos como consequência da sua escolaridade. Essa escolaridade é orientada majoritariamente pela
figura do professor. Porém, atualmente, a questão da qualidade está atrelada às chamadas “metas do
milênio” – o que demanda um número crescente de esforços para o alcance dessas metas. Se a meta é
levar todas as crianças a frequentar o ensino primário com professores de qualidade, então, necessitamos
91
de um conjunto de esforços que possibilitem a materialização desse sonho. Com a implantação de políticas
neoliberais, como já nos referimos anteriormente neste texto, o setor de educação em muitos países sofre
cortes de financiamento – o que resulta, na deformidade do setor, em particular, no subsistema de formação
acadêmico-profissional de professores, ao condicionar que candidatos a professores sejam preparados de
maneira pouco qualificada. Segundo Zeichner (2008, p. 13), em muitos países em desenvolvimento, “tem se
tornado cada vez mais difícil proporcionar professores qualificados para todas as crianças”. No mesmo
diapasão do discurso de qualidade, Zeichner (2008) afirma que:
Como enfatiza Fonseca (2007), na política do Banco Mundial (BM), destacam-se entre outras imoralidades:
Desse modo, por um lado, a deterioração do sistema educativo evolui e subjuga os países
subdesenvolvidos, como afirma Santos (2014), às amarras desses agentes externos para a definição e o
controlo externo de políticas públicas desses países. Por outro lado, como o BM tem um “carácter
estratégico que vem desempenhando no processo de restruturação neoliberal dos países em
desenvolvimentos através de políticas de ajuste estrutural” (p. 15), tal como destaca Soares (2007), pouco
61
Estudos, como por exemplo o de Tommasi, Warde e Haddad (2007), apontam o Banco Mundial (BM) como um agente difusor da
ideologia neoliberal que largamente influencia (negativamente) as políticas educativas, sobretudo, em países menos
desenvolvidos.
92
espaço de “manobra” sobra para que esses países exerçam a soberania e promovam um ensino de
qualidade fundado na formação acadêmico-profissional de professores de qualidade, isto, como veremos
mais adiante neste Capítulo, em tempos de “responsabilização” na formação docente.
Como sabemos, a qualidade do ensino é um construto (IMBERNÓN, 2011; 2016). Basear-se nas
recomendações do BM sobre tal qualidade não nos conduzirá necessariamente ao seu alcance. Em
oposição à essa posição defendida pelo BM, Mazula (2018) defende quatro ideias para o “bildung”62 da
qualidade:
...a primeira diz que a qualidade do ensino passa pela qualidade da aula; a
segunda refere que a qualidade da aula passa pela convergência das quatro
dimensões do ser professor, tarefas, profissão, vocação e missão; a terceira diz
que uma boa aula exige sempre uma metodologia ativa e dinâmica de ensino; e a
quarta lembra que a prática metodológica adquire-se na formação (inicial e
contínua) e na experiência (MAZULA, 2018, p. 96).
Hoje em dia tornou-se comum o discurso sobre a qualidade da educação e do ensino, bem como o uso do
termo “eficácia” sem, contudo, compreender de que maneira essa tal “eficácia” será alcançada. Entendemos
que, para abordar a “eficácia” ou “eficiência” do ensino ou do sistema da educação, faz-se necessário a
criação de um sistema que apoie a construção e o desenvolvimento da “eficácia” ou da “eficiência” dos
processos educativos. Nesse sentido, Sacristán e Gómez (1998) afirmam que:
Sendo a “eficiência” um conceito derivado da ideologia neoliberal, mais próximo do propósito de reduzir
investimentos (e aumentar a relação custo-benefício), o seu uso impactará os processos educacionais –
incluindo a formação e a docência. Ao aplicar esse conceito na docência e na formação docente, há uma
tendência em compreendê-las como instrumentos a serviço da política, sem a garantia da necessária
assistência aos processos educativos. Portanto, trata-se de um condão de “bancarização da educação”
(FREIRE, 2017), abandonando-se as escolas e os professores à sua sorte (ZEICHNER, 2013).
62
Para Nicolau (2019), o conceito de “bildung” em Hegel pode ser descrito como “uma proposta para uma educação cidadã”, ou
seja, “uma educação que capacite os indivíduos para a vida em suas dimensões ética, estética, socioeconômica e política” (p. 36).
Na acepção referida por Mazula (2018), o termo “bildung” está mais próximo do conceito de educação no seu sentido lato, pois
insere as dimensões do saber (conhecimento), saber-fazer (competências), saber ser e estar (socioantropológico e político) sobre
os quais assenta o sistema educativo moçambicano cuja finalidade é tornar os sujeitos pessoas educadas, ou seja, indivíduos
“cultos” que buscam continuamente o saber em todas as suas dimensões.
93
Esses autores, ao afirmarem que a visão economicista da qualidade da educação – mensurada a partir de
objetivos preestabelecidos – enquadra-se no princípio de “eficientismo” que, por sua vez, se aloja na
concepção instrumental da vida humana e se reflete no modo tecnológico de intervenção educativa,
denunciam a obsessão pela “eficiência” e pela produtividade observável e quantificável, bem como os
valores da ideologia hegemônica nas sociedades ocidentais dominados pela lei do mercado, o pragmatismo
e o progresso competitivo individual.
Esclarecemos que, nesta pesquisa, o emprego dos termos “eficiência” ou “eficácia” não se relaciona à
perspectiva economicista, mas ao sentido intrínseco do processo de formação docente e da prática
educativa. Não focamos na ideia de resultados mensurados a partir de objetivos preestabelecidos para
discutir a “eficácia” ou “eficiência” dos processos educativos, pois estes são, por natureza, subjetivos e
susceptíveis de transformações ao longo do processo.
Nos estudos sobre formação docente, Horowitz et al. (2019) defendem que “professores eficazes são
capazes de descobrir não só o que eles querem ensinar, mas também como fazê-lo de modo que os alunos
possam entender e utilizar essas novas informações e habilidades” (p. 75). A “eficácia docente”, na
perspectiva desses autores, está intimamente ligada aos objetivos intrínsecos da prática docente e é
contrária à visão externa – ou seja, aos resultados esperados pelos políticos e economistas.
Sendo assim, a formação inicial docente voltada para a eficácia do ensino e da aprendizagem tem um viés
pedagógico que possibilita potencialmente o desenvolvimento de práticas eficazes que ajudariam aos
futuros professores o desenvolvimento de habilidades para o diagnóstico de situações de aprendizagem em
prol das capacidades cognitivas das crianças. A falta do domínio de conhecimento sobre o desenvolvimento
cognitivo das crianças por parte do professor pode levá-lo a concluir erroneamente que determinadas
crianças com dificuldade de aprendizagem não têm capacidade de aprender (HOROWITZ et al., 2019). À
semelhança do desenvolvimento sociocognitivo no processo de ensino-aprendizagem, que não é linear para
todas as crianças, o desenvolvimento profissional docente também tem uma estrutura similar no que diz
respeito à construção da habilidade de um “ensino eficaz”. Assim, a base para o domínio, por parte do
professor, do conhecimento sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças – na visão desenvolvimentista
de Vygotsky (1896-1934) – pode estar em algumas etapas do desenvolvimento profissional docente
(GARCIA, 1999), em consonância com essa visão de “práticas eficazes” no processo de formação inicial em
que o conhecimento prévio do egresso da instituição de formação de professores é tomado como base para
a aprendizagem de novas habilidades na instituição escolar. Isso passa necessariamente por encontrar um
conjunto de suportes institucionais uma vez que “a vontade e a ação individual recebem um importante valor
em função dos suportes que as cercam” (MARTUCCELLI, 2007, p. 62).
As ideias vygotskyanas sobre a zona de desenvolvimento proximal precisam ser implantadas em um espaço
de formação inicial de professores para a construção de “práticas eficazes”, ou seja, as instituições
formadoras – os institutos e as escolas de formação de professores – precisam, à luz da teoria vygotskyana,
de um lugar de desenvolvimento de “práticas eficazes” híbridas, proporcionando tanto a iniciação à docência
94
como o desenvolvimento profissional docente. Dessa maneira, é fundamental que as escolas sejam
concebidas como lócus (ou seja, o verdadeiro lugar) de formação docente e os institutos de formação de
professores, por meio do trabalho de “especialistas” 63, dinamizem o desenvolvimento dessas práticas
contextualizadas nos lugares em que se desenvolvem a formação.
Portanto, mais do que aprender como leccionar, os professores precisam aprender a desenvolver uma
expertise para que suas práticas tenham sucesso – e é aqui onde reside a ideia da “eficácia” do ensino e da
aprendizagem. Bransford et al. (2019) defendem que a expertise no ensino é importante para os
professores construírem um conhecimento mais profundo sobre as disciplinas que leccionam para que estes
ensinem de “modo eficiente”, proporcionando um “ensino ecológico” 64 (MAZULA, 2018). Bransford et al.
(2019) esclarecem que “os professores precisam de conhecimento considerável para responder a uma
ampla gama de perguntas que surgem a partir dos problemas com os quais os alunos se deparam” (p. 41).
Para esses autores, isso significa que, se o professor tiver pouco domínio de conhecimentos disciplinares
da sua área, ele poderá encarar enormes dificuldades para satisfazer as preocupações dos alunos. Esses
professores “podem, portanto, estar muito mais indicados a seguir apenas o conjunto restrito de atividades
do livro didático, no qual as respostas são fornecidas na edição do professor” (BRANSFORD et al., 2019, p.
41).
Contudo, apesar de ser desejável que todo professor tenha um amplo conhecimento disciplinar sobre o
objeto de ensino, isso pode constituir em um perigo para a chamada “transposição didática” 65
(CHEVALLARD, 1991), pois o professor expert pode deixar de abordar as questões mais elementares do
conteúdo por considerá-las sutis ou, como afirmam Bransford et al. (2019, p. 41), “há um viés negativo em
ter um grande conhecimento sobre o assunto […], às vezes, a informação torna-se tão intuitiva que os
experts perdem de vista como era ser um novato”.
Grossman et al. (2019), à semelhança de Shulman (1987), porém, sem supervalorizar a importância do
conhecimento do conteúdo da disciplina por parte dos professores, defendem que:
Por um lado, há estudos que abordam a formação docente baseada em competências (PERRENOUD,
1999) e realçam a necessidade de uma formação que possibilite ao futuro professor a aquisição de uma
“dose” básica e fundamental de conhecimentos sobre a docência que leve o professor a exercer seu ofício
63
Professores com notório saber para a preparação docente.
64
Trata-se de um ensino dialógico baseado na criação e no desenvolvimento de competências científicas, valores e princípios
humanamente aceitos que proporciona aos aprendizes oportunidades de se inserir no mundo por meio do seu conhecimento,
habilidades e valores éticos.
65
Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar sofre, a partir de então, um conjunto de transformações
adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. “O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a
ensinar um objeto de ensino é chamado de transposição didática” (CHEVALLARD, 1991, p. 39).
95
com destreza. Por outro lado, há outros estudos que apontam para a necessidade de preparar um professor
progressista (HAMMERNESS et al., 2019; IMBERNÓN, 2016; GATTI, 2015) que saiba transformar
situações específicas de trabalho em cenários de autoaprendizagem e desenvolvimento profissional de
modo a oferecer uma educação de qualidade. Hammerness et al. (2019) defendem, por exemplo, a ideia de
uma formação que proporcione a construção de conhecimentos, habilidades e atitudes. Contudo, mais do
que isso, esses autores apontam para a necessidade de que “os candidatos à formação de professores
precisam de estar preparados para a aprendizagem ao longo da vida” (p. 307). Para eles, faz jus que:
A ideia da aprendizagem ao longo da vida está presente na premissa de que “ensinar exige que os novos
professores reflitam sobre a aprendizagem de maneiras bem diferentes daquilo que aprendem com a
própria experiência como estudantes” (HAMMERNESS et al., 2019, p. 307). Isto significa que os docentes
devem desenvolver uma “competência reflexiva” (SCHÖN, 1995; GÓMEZ, 1995). Sendo assim, é pertinente
que os professores estejam preparados e tenham capacidade reflexiva para lidar com os imprevistos e as
incompletudes pedagógicas do processo de ensino-aprendizagem a partir de contextos vivenciados desde a
sua formação como estudante e agora como docente.
Zumwalt e Craig (2005, p. 157), ao estudarem as características dos professores em relação aos
indicadores de qualidade educacional, questionam: quem está ensinando nas escolas? Esses autores
afirmam que a preocupação sobre a qualidade dos professores sempre existiu, embora o foco atual seja
diferente. Nas suas palavras:
A intenção em compreender a qualidade de quem ensina, nesse caso, o professor que está nas escolas
exercendo o magistério, associa-se à ideia de “responsabilidade” na formação do professorado. Não
obstante, a qualidade do professor é algo a questionar. Day (2013) demonstra que a noção de “qualidade”
nos professores não é estática e perene. Ela vai se constituindo à medida que os processos se
desenvolvem e a prática docente evolui. Além disso, a qualidade não se adquire ou não se constrói por uma
soma dos anos na carreira, sendo um exercício de experimentação – de “recuos” e “avanços”.
96
De certa maneira, para a busca da efetivação do construto “qualidade” na formação de professores para
que os futuros docentes se identifiquem com a profissão, se engajem e sejam resilientes no processo de
docência, faz-se necessário associar, no campo da formação profissional, a “prestação de contas” de quem
forma, de quem promove a formação, de quem é formado e a quem se destina o formado. Uma das
responsabilidades no campo de formação acadêmico-profissional de professores encontra-se nos
mecanismos de seleção ou admissão dos ingressantes e o tipo de programa de formação docente. Nesse
diapasão, Zeichner e Day (2013) consideram que a variação de critérios para o mesmo fim pode mostrar-se
eficaz sob ponto de vista de robustecer a formação. No entanto, esses autores defendem um maior
financiamento para a formação docente sem levar em consideração a questão do custo-benefício pelo risco
de se optar por programas curtos e simples que reduzem os formandos em técnicos de educação em vez
de torná-los professores “adaptativos”66.
66
Referimo-nos a docentes que “têm probabilidade de alterar suas competências essenciais e expandir continuamente a amplitude
e a profundidade de seus conhecimentos” (BRANSFORD et al, 2019, p. 42).
67
Embora o texto analise o contexto específico dos Estados Unidos da América (EUA), ele retrata um cenário que é global uma vez
que os resultados escolares em todo o mundo tendem a demonstrar cada vez menos o sucesso dos alunos.
97
Atenção global sem precedentes à ideia da “qualidade dos professores”, ligada à economia
neoliberal;
Uma narrativa pública contínua, ao afirmar que a formação de professores “tradicional”,
desenvolvida pela universidade, falha ao não formar professores eficazes e preparados para
responder às demandas das salas de aula contemporâneas;
A conceitualização da formação de professores como um problema de política pública em que se
supõe que a implementação das políticas corretas aumenta a qualidade dos professores e a
economia nacional;
A formação de professores voltada para a responsabilização e consonante com uma concepção de
qualidade do professor definida como efetividade e ligada ao paradigma do capital humano e;
A crença de que a reforma da educação pública, em vez de outras políticas sociais, é a principal
ferramenta para corrigir a desigualdade e erradicar a pobreza nos Estados Unidos (COCHRAN-
SMITH et al., 2018, p. 17-18) (tradução nossa).
Dessa maneira, nas últimas duas décadas, o termo “prestação de contas” foi compreendido de duas
maneiras diferentes: por um lado, como mencionado anteriormente, entendia-se esse termo como algo
“milagroso” no sentido de que passaríamos a ter, a partir da adoção dessa ideia, uma formação mais
robusta e, por conseguinte, ele seria a solução para todos os problemas da formação docente; por outro
lado, há a compreensão da “prestação de contas” não como algo “mágico” (COCHRAN-SMITH et al., 2018).
Esses autores esclarecem que:
Para pessoas com este último ponto de vista, é claro que uma maior
prestação de contas do tipo que temos agora não consertará a formação de
professores. Pior, provavelmente exacerbará a desprofissionalização do
ensino, perpetuará as desigualdades sociais e educacionais e prejudicará o
projeto democrático. (p. 4; tradução livre).
Nesse contexto da (re)construção da qualidade na formação docente, Nóvoa (2009) faz um apelo relevante
que vai ao encontro das posições assumidas por Cochran-Smith et al. (2018) e Darling-Hammond e
Bransford (2019), ao destacar que, neste século, é importante retomar a discussão sobre as premissas das
características do que é “bom professor”. É de acordo com essas premissas que se configuram os critérios
para a definição da responsabilidade na formação de professores “de qualidade”. Conforme alertou Nóvoa
(2009), o Século XXI colocou o professor novamente no centro das atenções:
A análise da questão da qualidade da educação como barômetro em relação à qualidade da formação dos
professores descortinou, no caso de países subdesenvolvidos, como é o caso de Moçambique, a
precarização da educação pública em razão de políticas assistencialistas e a ausência dos professores no
diálogo social sobre esse tema. Nesse país, verifica-se uma relação direta entre a degradação da educação
pública e a precariedade da formação docente. Tal situação se agrava graças à adoção do discurso
neoliberal que procura disseminar a ideologia de que “o que é público é necessariamente mau” (PACHECO,
2000, p. 25). Dessa maneira, as instituições públicas – como as escolas públicas e instituições públicas de
formação docente, por exemplo – são vistas como “buracos negros” nos quais o dinheiro é investido e
aparentemente desaparece sem providenciar os resultados esperados (PACHECO, 2000).
Sendo assim, em Moçambique, país empobrecido pela escravatura e colonização e, mais tarde, pela guerra
civil e fustigada pelas severas calamidades naturais (cheias, secas e ciclones), a educação é considerada –
68
Observa-se, a partir dos anos 1990, a privatização de escolas em Moçambique. As escolas privadas passam a receber os filhos
de políticos e das classes ricas e os filhos dos pobres e dos funcionários públicos com baixos salários continuam a frequentar as
escolas públicas. O currículo escolar do ensino primário adota, então, o discurso de “formar cidadãos capazes de contribuir para a
melhoria da sua vida e da sua família” (INDE/MINED, 2008, p. 7) a fim de, supostamente, tornar o ensino mais relevante. Trata-se
de uma investidura política da utopia da educação para autossustento enquanto retira-se a pouca qualidade que ainda sobra no
ensino oferecido pelas escolas públicas no país.
99
pelo menos no discurso oficial – um imperativo de Estado, ou seja, um recurso sine qua non para a
participação social na construção e desenvolvimento da nação, bem como no exercício da cidadania 69. É o
que se observa, por exemplo, no discurso do Sistema Nacional de Educação (SNE, 1983) quando se
postula o princípio de que: “a educação é o instrumento principal da criação do Homem Novo (HN), homem
liberto de toda a carga ideológica e política da formação colonial e dos valores negativos da formação
tradicional capaz de assimilar e utilizar a ciência e a técnica ao serviço da Revolução” (SNE, 1983, p. 14).
Para tanto, não haverá outra possibilidade de “emponderar” a sociedade sem o fornecimento de uma
educação justa e de qualidade e, no caso moçambicano, sem levar em consideração a relevância das
línguas autóctones nos processos educativos (LOPES, 2009). Aliás, ao se referir ao uso das línguas
autóctones, na perspectiva do “empoderamento social”, uma vez que a maior parte da população
moçambicana tem pouco domínio da língua do ensino – o idioma Português – pergunta-se: que
“empoderamento social” ou que “Homem Novo” se pretende criar caso o Sistema Nacional de Educação
(SNE) em Moçambique desconsidere o uso das línguas autóctones nos processos educativos?
Hoje a educação clama por um professorado mais reflexivo e criativo e para o efeito urge ajustar e repensar
a formação de professores, em especial, do ensino primário. Essa busca de uma formação de qualidade
para a docência constitui um construto que Diniz-Pereira e Zeichner (2008) designam de “justiça social” no
sentido em que se procura formar professores “que são determinados e capazes de trabalhar dentro e fora
69
Como mencionamos no Capítulo Um, em Moçambique, a formação de professores para o ensino primário é de responsabilidade
do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), embora existam alguns provedores privados desse tipo de
formação. A aprovação dos currículos e a duração da formação são de responsabilidade do MINEDH. Sendo assim, no caso das
instituições estatais (Institutos de Formação de Professores), todos os recursos investidos na preparação docente são de
responsabilidade ministerial.
70
No Moçambique independente, os discursos presidenciais editados na obra “Fazer da escola uma base para o povo tomar poder”
(MACHEL, 1979) estão intimamente ligados à essa ideia de “empoderamento social”. A ideia de “empoderamento social” em
Moçambique – eixo que une consciência e liberdade (FREIRE, 2018) – está presente como pensamento político educativo
(MOÇAMBIQUE, 2018) e é considerado um dos fatores fundamentais para o desenvolvimento coletivo e social do país.
100
de salas de aula a fim de mudar as desigualdades que existem tanto no ensino quanto na sociedade como
um todo” (DINIZ-PEREIRA e ZEICHNER, 2008, p. 17).
De acordo com esses autores (2008, p. 23-24), a prática de formação de professores para a justiça social
deve observar algumas ações:
Inserir políticas de admissão que classificam os candidatos com base em uma variedade de fatores,
inclusive seu compromisso para ensinar todos alunos, além de outras características pessoais
relacionadas à competência do ensino intercultural;
Modificar padrões de ensino e avaliações para enfocar mais claramente aspectos do ensino
culturalmente sensível;
Ajudar futuros professores a desenvolverem um senso mais claro de sua própria identidade étnica e
cultural e de sua própria localização social e conhecerem como várias formas de privilégio
funcionam em sua sociedade;
Ajudar os futuros professores a examinarem profundamente suas próprias atitudes e concepções
sobre aqueles que são diferentes deles mesmos, de várias maneiras;
Desenvolver altas expetativas para todos os alunos (por exemplo, exposição a iniciativas bem-
sucedidas de ensino a alunos em que se tem, sobre eles, uma baixa expectativa);
Supervisionar e analisar cuidadosamente os estágios em escolas e comunidades culturalmente
diversificadas, inclusive experiências de imersão cultural nas quais os estagiários vivem em
comunidades culturalmente diferentes;
Incluir membros das comunidades como formadores (não-certificados) e remunerados para
transmitirem aos futuros professores conhecimento cultural e linguístico (por exemplo, oficinas na
comunidade);
Ensinar os futuros professores como aprender sobre as famílias e comunidades de seus alunos e
como transformar esse aprendizado em práticas de ensino culturalmente sensíveis (por exemplo,
incorporar o cabedal de conhecimentos das comunidades);
Atentar para o compromisso com a diversidade que é evidente nos programas e nos contextos
instrucionais, e não apenas em cursos individuais e;
Recrutar, apoiar e manter um corpo docente de formação de professores mais diversificado.
Promover uma formação de professores voltada para a justiça social tem se mostrado um caminho difícil de
se trilhar, sobretudo, em países em vias de desenvolvimento que ainda lutam em garantir a existência de um
professor com qualificações mínimas para a docência. Nesse sentido, com os poucos recursos disponíveis
para a formação docente em razão da implantação das políticas neoliberais, os países em via de
desenvolvimento experimentam, ao longo dos anos, programas de formação docente “desajustados”.
Cochran-Smith et al. (2018) advertem, porém, para reformas educacionais como mecanismos “de cura” para
as desigualdades sociais. Esses autores realçam que:
A mudança do sistema educativo sem que se leve em conta as alterações nas demais estruturas sociais é
de pouca importância para a real melhoria da qualidade de vida das pessoas. Não será somente a
101
educação que fará o milagre do desenvolvimento. A educação não pode ser vista como um fim em si
mesma, no sentido que, uma vez escolarizadas, as pessoas irão autodesenvolver-se.
Tudo isso pressupõe, ao nosso ver, a reestruturação do espaço e do lugar da formação acadêmico-
profissional de professores. A formação acadêmico-profissional docente, espaço privilegiado para a
alfabetização do sentido da profissão docente, deve revestir-se de saberes e conhecimentos aprofundados
sobre o funcionamento do sistema social como mecanismo de busca de uma preparação docente mais
ajustada aos anseios sociais. Para tanto, a formação acadêmico-profissional de professores deve
estabelecer bases para um conhecimento versátil que proporcione ao futuro professor alicerces para uma
contínua aprendizagem e autodesenvolvimento profissional em razão das novas realidades e dos novos
desafios. Compreende-se, então, que a formação acadêmico-profissional de professores, fundada na
prática e na reflexão contextualizada sobre o practicum (ZEICHNER, 1995), deve projetar um profissional
reflexivo (SCHÖN, 1983, 1987, 1989) e basear-se em um progressivo aperfeiçoamento profissional.
Iniciemos, então, a partir do próximo item, uma viagem para a discussão epistemológica sobre a preparação
docente, descortinando os significados dos termos espaço, lugar e território na formação acadêmico-
profissional de professores. Afinal, que espaços, lugares e territórios pertencem à formação de professores?
Cunha (2008), ao teorizar sobre as definições de espaço, lugar e território nos processos analíticos da
formação dos docentes universitários, procura, nas palavras dela, “distinguir termos [que] muitas vezes [são]
usados como sinônimos, mas que têm significados distintos” (p. 183). Nos ancoramos nessa autora e em
Santos (2014a; 2014b) para a discussão específica sobre esses conceitos no campo de formação
acadêmico-profissional de professores para o ensino primário em Moçambique.
Ela destaca que, para entendermos a “concepção de lugar e sua interface com as expressões espaço e
território como objeto de análise”, precisamos nos remeter aos “termos trajetórias e lugares,
compreendendo que os mesmos atravessam as reflexões de todos os subgrupos que exploram diferentes
palcos da formação” (CUNHA, 2008, p. 183). A polissemia presente na definição desses termos cria uma
penumbra que, muitas vezes, dificulta o entendimento sobre o que seria realmente designado por lugar,
espaço e “território efetivo” da formação acadêmico-profissional de professores para o ensino primário em
Moçambique. Ainda assim, trazemos essa discussão para o contexto específico da presente pesquisa.
Iniciamos, então, pela diferença entre significado – segundo o Dicionário online do Português, “face do signo
linguístico que corresponde ao conceito/conteúdo” – e significância – de acordo com esse mesmo
dicionário, “dimensão material do signo linguístico”. Ao referirmo-nos ao termo “território efetivo”, por
exemplo, pretendemos demarcar o conteúdo material para a compreensão objectiva daquilo que é o lugar, o
espaço e o território da formação acadêmico-profissional de professores para o ensino primário (EP) em
Moçambique. Não pretendemos subestimar as interpretações existentes sobre o que pode ser o território
102
efetivo da formação. Trata-se apenas de levantar alguns elementos necessários para a compreensão desse
objeto.
Do ponto de vista semântico, ao consultar o dicionário online da Porto Editora (2020), descobre-se que o
espaço se refere ao “lugar mais ou menos bem delimitado, cuja área (maior ou menor) pode conter alguma
coisa; extensão indefinida”. Por sua vez, o lugar é o “espaço ocupado por um corpo; sítio; local” e, por fim, o
território designa-se por uma “grande extensão de terra”.
Referindo-se especificamente ao conceito de lugar, Cunha (2008, p. 184) afirma que ele “representa a
ocupação do espaço pelas pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição”. Como é
possível se depreender, o conceito de lugar extrapola a dimensão de espaço físico para assumir uma
dimensão humana de interações e vivências imbricadas na construção de experiências de vida.
É este sentido humanista das relações de objectividade que nos interessa: ou seja, a hermenêutica
objectiva do lugar da formação acadêmico-profissional de professores para o ensino primário em
Moçambique. Portanto, trata-se de um espaço existente. As instituições de formação de professores como
espaços instituídos legalmente para a preparação docente devem assumir a ideia de que “a existência do
espaço garante a possibilidade da formação, mas não a sua concretização” (CUNHA, 2008, p. 184). Isto
quer dizer “que o fato de ser o espaço da formação não significa que, necessariamente, se constitua em um
lugar onde ela aconteça” (Ibidem, p. 184).
A formação docente, mais do que um mero espaço, carece de um lugar nesse espaço para que este se
constitua realmente em um lugar de formação. Com efeito, mecanismos específicos são necessários para
transformar o espaço em lugar ou território efetivo de formação. Ao longo de décadas, várias instituições,
leis e políticas foram instituídas em Moçambique e espaços físicos de preparação docente foram
constituídos nesse país. No entanto, vestígios da constituição de lugares de formação são quase exíguos
em Moçambique, a não ser os esforços recentes que vêm sendo desenvolvidos para a transformação das
unidades escolares em lugares de formação docente. Além disso, faz-se necessário também transformar os
diferentes espaços de formação – escolas, institutos, faculdades e programas de pós-graduação – em
lugares efetivos de formação. A respeito disso Cunha (2008) afirma que:
Portanto, enfatiza-se que a formação acadêmico-profissional de professores seja esse artefato que ocupa
um “lugar” de responsabilidade social não porque esse “lugar” atualmente não corrija a formação de
professores (COCHRAN-SMITH, et al., 2018), mas em razão de a formação docente configurar no cômputo
dos progressos da sociedade e na transformação do tecido social (IMBERNÓN, 2011). Por essas e outras
103
razões, justifica-se ser primordial “ajudar os docentes a aprender a ensinar de forma eficaz” (HOROWITZ et
al., 2019, p. 80) como questão de responsabilidade social e, ademais, como um dever ético.
Nesse sentido, a existência de ações concretas e processos conscientes de formação de professores difere
conceitualmente das chamadas “missões institucionais” – ainda tão comuns na realidade moçambicana. As
primeiras representam a materialização de aspirações e interações humanas objectivas sobre ações e
processos de formação e não somente o mero cumprimento de uma “missão” (sic), uma lei ou
simplesmente a “aplicação” (sic) de políticas que, na maioria das vezes, fazem pouco sentido para os
sujeitos envolvidos diretamente naquelas ações. Nas palavras de Cunha (2008), no processo de
transformação do espaço em lugar, “entram em jogo as representações que os sujeitos fazem dos lugares e
o sentido que atribuem aos mesmos” (p. 184).
Mais do que políticas e leis, os sujeitos da ação – professores, formadores, alunos, formandos – são
aqueles que a eles deveria outorgar-se a responsabilidade pela legitimação do lugar de formação, por
intermédio do desenvolvimento de ações e processos efetivos de formação nesse espaço.
Desse modo, o espaço torna-se lugar quando os atores nele inseridos assumem objetivamente as ações e
os processos inerentes a ele. Não se pode se referir ao “espaço de” sem que a materialidade das ações e
os processos característicos desse espaço, assim como os atores nele atuantes, não assumam o “lugar de”
por meio da execução efetiva do seu papel, o que, para Cunha (2008, p. 185), equivale a dizer que “o lugar,
então, é o espaço preenchido, não desordenadamente, mas a partir dos significados de quem o ocupa”.
Por meio de um breve apontamento, Santos (2014b) descreve, do ponto de vista geográfico, o processo de
constituição do lugar dentro do espaço. Esse autor afirma que:
Inspirados nessa ideia, podemos afirmar que o lugar da formação acadêmico-profissional de professores
para o ensino primário em Moçambique nem sempre existiu e, ao ocupar diversos espaços nas instituições
que se responsabilizam por essa formação, não esteve de maneira efetiva nesse lugar devido à falta de
entrosamento entre a tecnoesfera71 e a psicoesfera72 dentro desse espaço. Nesse contexto específico,
geralmente, tem-se a existência de uma tecnoesfera na formação docente em Moçambique 73, porém, esta
não se encontra efetivamente acompanhada por uma psicoesfera a fim de proporcionar sua manutenção e
71
A tecnoesfera é o mundo dos objetos.
72
A psicoesfera refere-se ao mundo das ações. Os objetos artificiais são híbridos já que não têm existência real, valorativa, sem as
ações (SANTOS, 2014, p. 159).
73
A tecnosfera na formação docente em Moçambique é constituída basicamente por edifícios, salas de aula, contendo mobiliário
(mesas, cadeiras), dormitórios, contendo camas, quadras esportivas, alguns equipamentos de informática, alguns meios
circulantes e “pequenas bibliotecas”.
104
funcionalidade para atingir de modo eficaz os objetivos institucionais. A componente estrutural da formação
docente – muito deficitária, no caso de Moçambique –, constituída objetivamente pelos institutos e escolas
de formação de professores primários, ressente-se da falta de um corpo docente e administrativo com perfil
que se adéqua para o propósito da formação docente. As escolas primárias em que as práticas
profissionalizantes decorrem não são mais do que um espaço carregado pelo simbolismo profissional que
pouco desempenha seu papel para a preparação de novos professores em razão da própria administração
do sistema escolar e da formação docente que se revelam também bastante precárias.
Em Moçambique, esses espaços não têm sido usados em sua plenitude para garantir uma formação
integrada de professores74. Ademais, nesse mesmo diapasão, pode-se encontrar a dimensão humana ligada
ao processo de formação, mas sem que suas ações sejam efetivamente entrosadas a esse processo.
Sendo assim, poder-se-á perceber que, embora exista uma infraestrutura e, nela, realizar-se a formação de
professores primários em Moçambique, não há a fusão da técnica, da informação e da comunicação em
relação à ação e aos processos coletivos e unificados de formação docente. Dessa maneira, testemunha-se
a existência de um “espaço de formação” nesse país sem que o “lugar de formação” esteja estruturado.
Em uma perspectiva globalizada, em que o mundo passa por constantes mudanças e está conectado em
sistemas de redes, abre-se para uma nova reflexão sobre os conceitos de espaço e de lugar de formação
docente. Mesmo respeitando as particularidades de cada contexto e de cada realidade, isso traz uma carga
enorme de conflito porque as regras/visões de outrem nem sempre são ajustáveis para contextos
particulares, quanto mais as de proporção global. Segundo Santos (2014b):
Desse modo, com o advento da globalização, o espaço de formação docente em disputa com os demais,
abençoados pela lógica acadêmica, tornou-se líquido e “alienado” (SANTOS, 2014a), pois o consumismo
das médias e as progressivas “tentativas de privatização da formação de professores da educação básica
no mundo” (DINIZ-PEREIRA e ZEICHNER, 2019) tendem a marginalizar o espaço de formação a tal ponto
que chega a impossibilitar a transformação deste em lugar de formação.
Assistem-se no mundo, nos dias que correm, menos esforços para alavancar e dinamizar o lugar da
formação docente. O poder neoliberal, por meio do desenvolvimento tecnológico em sociedades
capitalistas, aventura-se em uma miragem para uma formação docente sem professor como, por exemplo, o
caso da Universidade “42” e/ou a realização de provas para o licenciamento à docência sem a necessidade
de uma preparação para o efeito (ZEICHNER, 2013). A internacionalização da formação docente poderá
74
Trata-se de coordenar, de interligar, de intertematizar as duas componentes da referida formação: a científica e a pedagógica, em
convergência com a prática pedagógica, com o estágio profissional e com as caraterísticas da sociedade a que os futuros
professores se destinam (RAMOS, 1980, p. 66).
105
criar uma mutilação de instituições de formação, caso estas não desenvolvam processos híbridos nas
componentes da tecnoesfera e da psicoesfera.
Bookchin (1974), ao analisar a questão da alienação e desalienação do espaço, afirma que “na sociedade
burguesa a comunidade é dividida em monadas 75 competitivas e é invadida por uma mediocridade
espiritual, de tal forma que a existência material do homem se torna escravizada, insegura e unilateral”
(apud Santos, 2014a, p. 79). Este é um dos segmentos que avassala o espaço de formação docente, pois
reina a compartimentação e a competitividade – o que se configura penoso no lugar de formação. Santos
(2014a) é mais profundo ao afirmar que “a percepção do espaço é parcial, truncada e, ao mesmo tempo em
que o espaço se mundializa, ele nos parece como um espaço fragmentado […] temos diante de nós um
espaço humanamente desvalorizado reduzido a uma função” (p. 79).
Em relação ao interesse específico desta pesquisa, importa sublinhar que tanto o espaço quanto o lugar de
formação acadêmico-profissional de professores para o ensino primário em Moçambique extrapolam
fronteiras sejam elas físicas ou no domínio dos conhecimentos específicos da área. Ainda que haja
interação de vários espaços de formação, o lugar de formação deve assumir o protagonismo e deixar claro
sua existência nesse espaço. Para Santos (2014b), “o lugar é a oportunidade do evento acontecer […] e
este, ao se tornar espaço, ainda que não perca suas marcas de origem, ganha características locais” (p.
163).
Porém, é preciso ir mais além e defender que o lugar de formação acadêmico-profissional de professores
para o ensino primário em Moçambique, por sua vez, se constitua em território de formação, com um
sistema híbrido e indissociável de tecnoesfera e psicosfera.
Dessa maneira, a ideia de território como “área delimitada sob certa jurisdição” ou “á rea habitada por uma
espécie ou grupo de animais que a defende de possíveis invasões de animais ou espécies diferentes”
(Dicionário online do Português), no contexto específico da formação docente, assume a essência do “lugar
de” no qual os “donos” desse território – ou seja, os atores da formação: professores, formadores e
formandos – têm a prerrogativa de decidir sobre como e de que maneira explorar esse território. Os “donos”
instituem leis e normas e podem, à luz de seus propósitos, celebrar acordos que permitam a cooperação
dentro do seu domínio territorial. Nos dizeres de Cunha (2008),
Hoje em dia é irrecusável o fato de que a ação global como norma influencie as ações de um determinado
território e isso, por um lado, configura-se benéfico, uma vez que os ecossistemas planetários não estão
isolados nem fragmentados e, com a crescente globalização socioeconômica do mundo, se justifica ainda
75
Agrupamentos populacionais pequenos.
106
mais que as instituições, portanto, os espaços de formação docente, possibilitem criar territórios de
formação que atendam a perspectiva global do desenvolvimento humano. Por outro lado, tem-se a
necessidade de um mutualismo na construção dos processos de formação, pois todos eles visam o
desenvolvimento humanitário e a inobservância de princípios fundamentais da aldeia global como, por
exemplo, o mutualismo, o comensalismo na educação e na formação docente, essas instituições e seus
atores não poderão participar da vida sistêmica imposta pela globalização pela razão de estarem
desabilitados para o convívio nos moldes impostos por ela.
É relevante afirmar que o território – lugar de domínio de um certo grupo – tende a entrar em conflito quando
incorpora no seu meio regras e normas alheias – as da “globalização perversa”, por exemplo – pois
enfraquece as potencialidades territoriais e, sem mecanismos de resistência, esse lugar/território poderá
servir somente aos interesses mercantilistas da globalização hegemônica e do neoliberalismo. Portanto, é
fundamental compreender que “o território se afirma pelo lugar e não só pelo novo fundamento do espaço e
mesmo pelos novos fundamentalismos do território fragmentado, na forma de novos nacionalismos e novos
localismos” (SANTOS, 2014b, p. 143).
Isso significa que “o exercício desta ou daquela ação passa a depender da existência, neste ou naquele
lugar, das condições locais que garantem eficácia aos respectivos processos” (SANTOS, 2014, p. 169). Em
razão disso, pode-se deduzir que a existência de um lugar de formação inicial de professores para o ensino
primário, como território efetivo dentro de um sistema global (Sistema Nacional de Educação – SNE – no
caso de Moçambique, por exemplo) possibilitará com que o sistema tenha melhor desempenho e esse
território efetivo funda-se dentro do espaço concebido para o efeito, por meio da imbricação entre a
tecnoesfera e psicoesfera no lugar da formação inicial docente.
Ainda assim, há que considerar que os fatores econômicos e educativos de cada país determinam, em larga
medida, a incorporação de fatores impostos pela globalização nos seus sistemas. Para países pobres ou
empobrecidos, como é o caso de Moçambique, o aspecto econômico desempenha um papel predominante
sobre o sistema educativo. Tratando-se de um país pobre ou empobrecido, os investimentos que o setor da
educação precisa são quase inexistentes, o que impossibilita o desenvolvimento do sistema educativo e a
incorporação sistêmica dos fatores impostos pela globalização – como o caso da qualidade do ensino que
demanda recursos financeiros e humanos em quantidade e qualidade para a construção de um sistema de
educação de qualidade.
Em síntese, discutimos, ao longo deste capítulo, as noções de espaço, lugar e território na formação de
professores. Como vimos, os espaços concebidos para a formação docente não chegam a constituir-se em
lugar de formação devido à falta de apropriação desses espaços pelos sujeitos de formação. Além disso,
ainda estamos muito distantes daquilo que poderíamos chamar de território de formação docente. A
existência de uma tecnosesfera nos espaços de formação garantiria, à princípio, a implantação do lugar de
formação, porém, é necessário que as ações de formação sejam realizadas “por dentro da profissão”, isto é,
a concepção dos currículos de formação, as pesquisas e a própria prática sejam forjadas no contexto
escolar e orientadas por professores e formadores experientes, por meio de uma cooperação entre as
107
Para seguirmos com a análise sobre a formação de professores para o ensino primário em Moçambique,
faz-se necessário compreender o funcionamento das instituições de formação docente nesse país, no caso
em estudo, o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne. No Capítulo Três, analisaremos a
componente da tecnoesfera e seu funcionamento em relação aos objetivos e à missão desse Instituto.
108
O Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC), embora tenha iniciado suas atividades na
década de 1930 como “Escola de Habilitação de Professores Indígenas do Alvor Manhiça” 76, foi a primeira
escola de preparação docente em Moçambique com a finalidade de “habilitar professores indígenas para
escolas rudimentares”77 (GOLIAS, 1999, p. 47). O IFPC foi legalmente criado, de acordo com o Boletim da
República (BR) 1ª Série número 25 de julho de 2012, à semelhança dos demais institutos de formação de
professores primários em Moçambique, pelo Diploma Ministerial n o 41/2007 de 16 de maio, e constituiu-se
em um dos parceiros estratégicos na luta pela melhoria da qualidade de ensino. Essa foi uma das ações
implantadas pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), orientadas pelos Planos
Estratégicos da Educação (PEE) de 1999, 2006 e 2012, cujas temáticas focalizaram, respectivamente, as
ideias de “combater a exclusão, renovar a escola”, “fazer da escola um polo de desenvolvimento
consolidando a moçambicanidade” e “Vamos aprender: construindo competências para o desenvolvimento
de Moçambique”. Essas ideias foram inspiradas na Política Nacional de Educação e Estratégias de
Implementação (PNEEI, 1995) que colocou a educação como o meio básico para a compreensão e a
intervenção nas tarefas do desenvolvimento social, na luta pela paz e reconciliação nacional 78 (MINED,
1995). Salienta-se que, no período que segue os acordos gerais de paz (4 de outubro de 1992), a rede
escolar em Moçambique, no seu cômputo geral, era obsoleta, o que motivou o Estado a:
Em decorrência do cenário exposto acima, é possível dizer que os institutos de formação de professores
(IFP) constituíram-se a espinha dorsal do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH)
para alavancar a educação no país, assim como para o alcance dos objetivos educacionais propostos a
partir da colocação de professores com uma preparação mínima para a docência em todas as escolas. É
nesse contexto que o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) entrou em cena como
um dos alicerces ministeriais para disponibilizar para a sociedade moçambicana professores para o ensino
primário de sete classes.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Instituto (PPPI, 2013), registrado em seu plano
operacional, após a independência nacional, essa instituição assumiu várias nomenclaturas, porém, sempre
com a mesma missão de formação dos professores para o ensino primário. Ele foi chamado de Instituo de
Magistério Primário de Chibututuíne (IMAP), entre os anos de 1999 e 2006, e, nesse período, preparava
professores de nível médio nos modelos de “10 a +1+1 e 10a +2”. Esses professores tinham um piso salarial
de 8.484,00 meticais80. Portanto, para a realidade de Moçambique, esses eram professores mais
onerosos81, quando comparados aos professores derivados do modelo de formação de “10 a +1”, cujo piso
salarial, no igual período, era de 6.776,00 meticais 82.
Pode-se ler no mesmo documento (PPPI, 2013) que, desde o ano 2001 e em relação aos diferentes
modelos de formação, esse Instituto graduou, até o ano lectivo de 2012 (ano mais recente em que há dados
sistematizados), 4.807 novos professores, distribuídos em todo país, sendo 4.041 da formação inicial e 766
da formação em exercício. Nesse período (2006-2010/11), a média anual de necessidade de novos
professores para o ensino primário do 1 o e do 2o grau (EP1 e EP2) situava-se em cerca de dez mil
79
Trata-se de um regime de ensino em que um professor assume a docência em todas as áreas curriculares. No caso de
Moçambique, a monodocência é exercida no ensino primário e os professores leccionam todos os conteúdos escolares com a
excepção do Inglês.
80
Segundo a tabela salarial do Ministério da Economia e Finanças de Moçambique, de 28 de maio de 2018. Esse valor equivalia, no
Brasil, a R$ 643,85, no câmbio do dia 03 de julho de 2020.
81
O grupo dos professores preparados no modelo de “10a +1+1 e 10a +2”, dada sua categoria (DN3), tem direito a um subsídio
técnico que varia consoante a localização da escola em que o professor leciona, possibilitando um aumento de alguns dígitos
salariais para esse grupo. Porém, os do outro modelo – de “10 a+1” – não gozam desse direito, o que faz com que aqueles do
primeiro grupo (10a +1+ e 10a+2) sejam mais onerosos para os cofres públicos, dada a conjuntura socioeconômica de
Moçambique.
82
Esse valor equivalia, no Brasil, a R$ 643,85, no câmbio do dia 03 de julho de 2020.
110
professores, segundo informações do Ministério da Educação e Cultura (MEC, 2006). O MEC (2006), ao
fazer alusão à necessidade de professores para o ensino primário em Moçambique, descreve que:
Como é possível constatar, nesse período, os institutos de formação docente, no seu cômputo geral, não
conseguiram satisfazer as necessidades em relação à oferta de novos professores para as escolas
primárias públicas e o governo recorria a contratação de professores “leigos” com nível de escolaridade de
10a classe e que, posteriormente, eram submetidos a cursos de profissionalização, por meio da formação
em exercício. Isto significa que, até 2012, todos professores formados nos institutos conseguiam concursar
para a docência.
Esses institutos realizam a formação inicial de professores para o ensino primário (EP) no modelo “10 a +1”,
seguindo a Lei 6/92 do Sistema Nacional de Educação (SNE), sendo um programa acelerado de cerca de
um ano, porém, cumprindo cerca de 1.200 horas de formação. Como houve necessidade de aumentar o
número de professores para o sistema, esse modelo foi considerado mais funcional, prático e mais racional
em termos de custo-benefício. Conforme destacamos nos capítulos anteriores, nos programas de
preparação, faz-se necessário observar todas as etapas de formação (MIALARET, 1981) antes da
aprendizagem dos métodos e das técnicas pedagógicas. Como afirma Imbernón (2011):
No entanto, a partir de agosto de 2019, o Instituto de Chibututuíne iniciou um novo modelo de formação de
professores primários com três anos de duração em que o nível de escolaridade para o ingresso era a 12ª
classe (nível médio), cujos egressos destinavam-se a lecionar no ensino básico 83. Nesse dizer, o Instituto de
Chibututuíne desenvolveu dois modelos de formação inicial de professores, apelando para uma gestão
institucional mais eficaz, baseada em uma visão ou abordagem sistêmica, como a descrita por Chiavenato
83
Como informado no Capítulo Um, o ensino básico em Moçambique compreende as classes da 1 a à 9a (ensino primário mais 1o
ciclo do ensino secundário geral). Segundo a Lei 18/2018, no artigo n o 13.3.a, o 1º ciclo do ensino secundário corresponde às
classes da 7ª à 9ª.
111
(2003) e por Senge (2013) – uma organização que está focada na maximização de resultados por meio do
envolvimento de todos os atores na construção desses resultados.
O Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne, segundo seu Projeto Político Pedagógico (PPP,
2013, p. 9), procura tornar-se uma referência, por excelência, na formação de professores reflexivos,
proativos e competentes perante os desafios da aprendizagem efetiva no ensino básico de Moçambique.
Pretende-se ainda, de acordo com o seu regulamento institucional, garantir uma formação integral e
excelente de professores e de gestores escolares que assegurem uma gestão eficaz e uma aprendizagem
efetiva nas escolas do ensino básico, na sua área de abrangência pedagógica delimitada pelos três distritos
acima indicados. Essa visão encontra inputs a partir do Plano Estratégico da Educação (PEE, 2012) que
refere como missão do sistema educativo:
Como mencionamos no Capítulo Dois, a questão da preparação de docentes eficazes tem sido foco de
vários estudos (HOROWITZ et al., 2019; HAMMERNESS et al., 2019 e COCHRAN-SMITH et al., 2018) que
problematizam a depreciação da qualidade do ensino por ausência de professores capazes de oferecer um
ensino eficaz aos alunos. E, ao se tratar de uma visão institucional, preparar docentes eficazes parece uma
ideia interessante, pois umas das razões apontadas para explicar a baixa qualidade de ensino em
Moçambique é “a baixa qualidade de formação docente”, reconhecida pelo Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano por meio dos Planos Estratégicos (PEE, 2006; 2012). Portanto, essa visão
institucional, por parte do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne, demonstra a necessidade
de uma estrutura administrativa flexível e sistêmica (CHIAVENATO, 2003) de modo a alcançar seus
objetivos com sucesso.
Manutenção; Canto e Dança; Pintura, Escultura e Artesanato que podem ser enquadrados na sexta
categoria de conhecimentos de base de Shulman (1987) – “conhecimento de contextos educacionais que
variam do funcionamento do grupo ou da sala de aula, à governança e financiamento dos distritos
escolares, ao caráter de comunidades e culturas” (p. 8; tradução livre). Entende-se que esse conhecimento
visa proporcionar ao formando destrezas relacionadas a especificidades de contextos locais por meio das
quais poderão trabalhar à semelhança das atividades artísticas de canto Coral, a Macuaela 84, o Xigubo85 e o
Teatro, como patrimônio cultural nacional, ampliando as noções sobre conhecimentos étnico-culturais da
sociedade moçambicana. Esses mesmos cursos foram desenvolvidos durante a educação colonial com a
finalidade de ensinar aos futuros “professores indígenas” (sic) conhecimentos sobre produção agrária,
estética e beleza individual (GOLIAS, 1999).
Conforme defendeu Chiavenato (2003, p. 153), toda organização existe, não para si mesma, mas para
alcançar objetivos e produzir resultados. O Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC)
possui uma direção composta, de acordo com o Artigo n° 9 do Regulamento Geral dos Institutos de
Formação de Professores e de Educadores de Adultos em Moçambique, por um diretor e por quatro
diretores adjuntos, nomeadamente: o diretor adjunto pedagógico, o adjunto administrativo, o adjunto do
internato e o diretor adjunto pedagógico para a escola anexa ao Instituto. Outros cargos na estrutura
administrativa são compostos por cinco chefes de departamentos e um chefe de secretaria.
O diretor do Instituto, no domínio de suas competências, deve, entre várias atribuições:
84
Macuaela é “uma dança antiga, que nasceu da dominação imperialista da África Austral. É executada por homens e muito
divulgada nas províncias de Maputo e Gaza, no sul de Moçambique. Não é acompanhada por nenhum instrumento musical”
(BERNARDO, 2003, p. 74).
85
Xigubo é uma “dança trazida para Moçambique pelos guerreiros Vanguni quando estes se espalhavam pelo sul do país, no
Século XX. Esta dança era praticada para festejar as vitórias militares e como forma de preparar os guerreiros, física e
militarmente. Os dançarinos vestiam o seu traje de guerra, no qual se salienta o cinto de pele de zebra atravessado no tronco,
empunhavam as suas armas, traduzindo nos passos e movimentos da dança as várias fases da luta. O ritmo era marcado por
quatro tambores e um gulula. Durante a dança eram entoadas canções que estimulavam os guerreiros para o combate”
(BERNARDO e ENES, 2004, p. 36).
113
A partir da observação dessa estrutura, é possível perceber que o diretor do Instituto representa a
autoridade máxima institucional. Como os institutos de formação de professores subordinam-se diretamente
ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, o diretor do Instituto subordina-se, na cadeia de
comando ministerial, ao Diretor Nacional de Formação de Professores (DNFP). A cadeia de comando é
vertical e a ênfase nas atribuições de responsabilidades do diretor do Instituto 86 espelha o que são as
premissas burocráticas da administração baseadas na abordagem “estruturalista” do sociólogo alemão
Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920). Em razão do diretor ser a supremacia institucional e o que deve
garantir os resultados, ele deve usar de suas atribuições estatutárias para fazer a “máquina” gerar
resultados, uma vez que toda a responsabilidade sobre a planificação e o desenvolvimento institucional é de
sua competência. Um dos gestores do IFPC entrevistados para esta pesquisa, aqui tratado por “gestor alfa”
(GA), afirmou que:
“…se gerir esta instituição fosse como gerir uma criação de galinhas
domésticas até diria que é fácil… mas há muita coisa que só é possível
porque partilhamos tarefas e responsabilidades dentro do previsto pela lei e
nas normas e cada um sabe da sua responsabilidade… mas, o chefe deve
zelar por tudo isso e pôr o motor a funcionar se não o barco não anda…”
(Entrevista realizada com GA no dia 18 de abril de 2019).
86
O Artigo n° 10 do Regulamento geral dos IFP e FEA (2012) descreve as competências do Diretor: a) Zelar pela implementação da
política da instituição; b) Exercer a atividade de planificação, organização, direção e controlo da instituição; c) Executar as
decisões e orientações das estruturas superiores do Ministério da Educação, dos órgãos locais do Estado onde estiver implantado
o IFP ou FEA; d) Aplicar e fazer aplicar normas, princípios e metodologias da gestão da força de trabalho e da política de quadros;
e) Assegurar a direção científica, técnica, pedagógica, em particular no cumprimento dos Planos de Estudo e Programas de
Ensino aprovados oficialmente pelo Ministério da Educação; f) Realizar atos administrativos que forem atribuídos por lei, e os que
por delegação de poderes lhe forem definidos; g) Dirigir o processo de elaboração, execução dos planos de trabalho que
garantam uma gestão racional dos recursos materiais e financeiros; h) Apresentar às estruturas superiores , nos prazos definidos,
todos os dados necessários para a informação sobre o funcionamento da instituição, nomeadamente: planos, dados estatísticos,
relatórios e demais informações; i) Elaborar projetos e planos de desenvolvimento do Instituto e garantir a sua implementação.
114
Chiavenato (2003) lembra-nos que, para Weber, a melhor organização é a “burocrática” e faz notar que a
autoridade significa a possibilidade de que uma ordem específica seja obedecida e esta represente o poder
institucionalizado e oficializado (p. 259). Na perspectiva institucional, destaca-se que:
Portanto, a ordem por ser obedecida implica que os subordinados na linha de comando imediatamente
subalterna a um gestor burocrático têm possibilidades limitadas de discutir a solução dos problemas,
sobretudo, quando o líder entender o poder na “característica popular” da burocracia.
Segundo Chiavenato (2003, p. 260), a característica popular entende a burocracia como uma organização
em que o papelório se multiplica e se avoluma, impedindo soluções rápidas ou eficientes. Ao agir dessa
maneira “popular” e “cronologista” ou ao seguir esse “sequencialismo dos processos”, acaba-se por
prejudicar todo o processo. Sendo a administração educacional o lado dinâmico da educação, conforme
Searsl (1990, p. 9), é de supor que a prática administrativa seja sistêmica e flexível, isto é, uma gestão
sistêmica.
Desse modo, compreendendo o poder institucional como sendo um mecanismo de gestão sistêmica e
reflexiva no compartilhamento e na busca de soluções institucionais viáveis e melhoradas, o poder delegado
aos gestores do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne pode fazer que gestores oficialmente
instituídos concentrem energias necessárias para a satisfação dos objetivos da organização por meio do
envolvimento de todos.
A análise dos documentos institucionais desse Instituto (regulamentos, projeto pedagógico, relatórios)
desmistificou que, no âmbito do funcionamento institucional, a direção realizasse o controlo dos processos e
cobrasse a prestação de contas a todos os níveis para garantir a “coesão” do trabalho por meio de uma
rotina mensal de reuniões do coletivo de direção (diretor e os diretores adjuntos). Uma vez por mês, os
chefes de departamentos e outros convidados fazem parte do coletivo e, havendo necessidade, o chefe da
secretaria também é convidado a participar desse coletivo.
Segundo Chiavenato, para conseguir eficiência, a burocracia explica nos mínimos detalhes como as coisas
deverão ser feitas e caracteriza-se por: “a) Caráter legal das normas e regulamentos; b) Caráter formal das
comunicações; c) Caráter racional e divisão do trabalho; d) Impessoalidade nas relações; e) Hierarquia de
autoridade; f) Rotinas e procedimentos padronizados; g) Competência técnica e meritocrática; h)
115
A abertura das portas institucionais situa-se além do imaginário institucional e deve ultrapassar as
dimensões da psicoesfera e da tecnoesfera disponíveis institucionalmente para a realização das atividades
de formação. Entendemos que é fundamental que a direção não se enclausure e procure parcerias
favoráveis no processo de formação docente. A disponibilidade de receber individualidades de boa vontade,
em si, não significa estar com portas abertas para aceitar parceria no contexto da formação, pois é
necessário publicitar a visão e a missão institucional assim como os grandes desafios para tornar o sonho
de preparar professores excelentes realizável. Faz-se necessário que a liderança institucional demonstre
em ações concretas a intenção de ouvir e de receber apoios diversos advindos de vários substratos sociais
e não somente firmar parcerias com segmentos empresariais 87 – o que reforça a ideia da proliferação
neoliberal no sistema de formação docente.
87
O IFPC tem parceria firmada com a empresa agrária Maragra que se dedica à produção de cana sacarina e açúcar.
116
Como mencionamos no Capítulo Um, Moçambique é um país “subdesenvolvido” (SANTOS, 2014) cujo
Produto Interno Bruto (PIB) não passa dos quinze bilhões de dólares estadunidenses (ano de referência
2019). A dívida pública corresponde a cerca de 113% do PIB e o orçamento geral do Estado não cobre as
necessidades para o funcionamento do país. É necessária, então, uma “doação” externa para o reforço
orçamental e esta é uma das razões que fundamentam os baixos investimentos para o setor da educação e,
particularmente, para o subsistema de formação de professores. O funcionamento desse subsistema
realiza-se com base nos recursos estatais e nos investimentos de parceiros 88 em infraestrutura e em
recursos humanos. Defendemos que o investimento na formação docente precisa de uma ousadia
administrativa que saiba conquistar parceiros que possam viabilizar uma preparação eficaz de futuros
professores, capazes de ajudar a sociedade moçambicana a sair do “poço” de subdesenvolvimento.
O Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) tem uma dotação orçamental em bens e
serviços, do orçamento do Estado (OE), sem especificação de valor. Sendo assim, o orçamento para o seu
funcionamento depende do Ministério da Educação que repassa mensalmente alguns valores que se
revelam exíguos tendo em conta as dificuldades de funcionamento integral das atividades pedagógicas.
Para superar as dificuldades impostas pela exiguidade orçamental e financeira, o Instituto desenvolve
atividades de geração de receitas, alugando espaços para a realização de diversos eventos, produção de
hortícolas, de cereais, de objetos de cerâmica e da cana sacarina. Para a produção da cana sacarina, o
Instituto possui um memorando de entendimento assinado com a empresa açucareira local, a Marracuene
Agrícola Açúcar (MARAGRA). A existência dessa parceria pouco se faz sentir, pois os formandos continuam
enfrentando dificuldades em relação à sua logística e aos deslocamentos para as aulas práticas. Essa
parceria poderia assistir, no mínimo, a parte do transporte que constitui um dos problemas enfrentados pelo
Instituto no âmbito da realização das práticas integradas na formação.
O déficit orçamental advindo do baixo financiamento do setor da educação requer uma liderança flexível de
modo a viabilizar o projeto de formação e produzir resultados excelentes por meio da criação de parcerias
viáveis para os fins institucionais. No entanto, a administração institucional exercida nesse Instituto
(burocrática e com uma visão “populista”) não proporciona um bom funcionamento e isso acaba afetando o
processo de formação, como destacou o “gestor alfa” (GA), referindo-se ao uso de formandos como
serviçais do IFPC:
“…os mesmos alunos… momento… há, por exemplo, em que nós não
temos o pessoal suficiente para fazer as limpezas… quer dizer, não é às
vezes… esses alunos são os mesmos alunos que têm que fazer as
limpezas, têm que participar em outras atividades, então, é muito difícil para
os alunos aqui… por exemplo, acordam quatro horas… estão em pé, quatro
horas e são acordados para aquelas atividades matinais. Depois, são
limpezas. Depois das limpezas, vão matabichar 89. Depois de matabichar,
vão as aulas. Quando saem das aulas, às vezes, têm que fazer outras
atividades como produção escolar…” (Entrevista realizada com GA no dia
18 de abril de 2019).
88
A Agência de Cooperação Internacional Japonesa (JICA) iniciou suas atividades em Moçambique em 2003 e é um dos parceiros
que têm financiado a área de infraestrutura (edifícios, equipamentos e livros) e de recursos humanos (docentes japoneses) para a
formação de professores. Além da JICA, outros parceiros da República Cubana e dos Estados Unidos da América apoiam essas
atividades por meio do envio de recursos humanos para a docência.
89
Matabichar é uma expressão moçambicana que significa “pequeno almoço” ou “café da manhã”.
117
De acordo com Sharma (2004), o sucesso institucional depende da existência de um administrador focado
na eficiência. A ausência de recursos para o funcionamento pleno da instituição não deve justificar que, no
caso da situação exposta acima pelo “gestor alfa”, os formandos sejam sujeitos a realizar serviços que lhes
roubam tempo de estudo e de repouso. Nas palavras de Sharma (2004, p. 9), “é preciso que se coloque o
homem certo em lugar certo”. Essa afirmação remete-nos ao chamado “administrador criativo”, conforme
expressão de Bhatnagar (2004, p. 104). Esta autora defende que, dentre as várias possibilidades, deve-se
administrar prevendo a totalidade da administração e integrar seus elementos para garantir os objetivos
estabelecidos e, assim, assegurar uma utilização eficaz de todos os recursos disponíveis.
Não nos opomos aos trabalhos “domésticos institucionais”, porém, sublinhamos a necessidade da
observância dos padrões mínimos recomendáveis de sono e de descanso para uma boa disposição para a
aprendizagem. Essas outras atividades (limpezas e produção escolar) não constituem o foco da formação
docente. Elas ocupam o espaço de temas transversais e, portanto, as crianças, os jovens e os adultos
precisam de um professor habilitado e com conhecimento para ensiná-los e ajudar a transformar suas “vidas
ameaçadas” (ARROYO, 2019). Sendo assim, ainda que o futuro professor tenha destreza em atividades de
limpeza, estética e produção escolar, se não souber ensinar adequadamente as crianças, os jovens e os
adultos, reforçará a lógica por detrás das “vidas ameaçadas”. Nas palavras de Arroyo (2019, p. 176),
Portanto, uma preparação adequada de professores poderá ajudar a maioria de vidas moçambicanas
ameaçadas a humanizar-se e a respirar o fôlego de vida. Portanto, o tempo de preparação efetiva docente
90
Refere-se ao conjunto de atividades agropecuárias desenvolvidas com a finalidade de produção de alimentos para o consumo
escolar.
118
deve ser maximizado reutilizando todas as oportunidades didáticas para fortalecer aprendizagens
fundamentais para o exercício de uma docência efetiva.
Analisar o espaço físico e as condições de infraestrutura de uma instituição vocacionada para a formação
docente difere de debruçar sobre um espaço físico comum do nosso quotidiano. De acordo com Santos
(2014b, p. 159), o espaço geográfico é formado por sistemas de objetos e sistemas de ações, um conjunto
indissociável. No mesmo diapasão, Bosquat e Cohn (2004), por meio de um estudo sobre “A dimensão
espacial nos estudos sobre saúde: uma trajetória histórica”, chegaram à conclusão de que o espaço é um
movimento no qual as formas da paisagem se juntam às pessoas, às relações sociais. Para essas autoras,
não existe espaço sem a participação humana, sem vida e sem relações sociais. O conjunto formado pelo
espaço físico, pela infraestrutura e as ações realizadas neste lugar – o Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC) – deve ter um significado para o processo de formação acadêmico-
profissional de professores para o ensino primário em Moçambique.
Em termos da planta física, o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne possui doze salas de
aulas, uma oficina para trabalhos manuais, uma cozinha, um restaurante setorial, um ginásio polivalente,
uma quadra, um bloco administrativo com cinco gabinetes para os membros da direção, secretaria,
arrecadação, quatro gabinetes para os departamentos equipados com computadores e impressoras cada
um com uma sala para reuniões, duas bibliotecas, dois laboratórios (um de ciências naturais e um de
música), razoavelmente equipados, duas salas de informática, quarenta e seis camaratas, vinte e quatro
casas para residência dos formadores e um parque de estacionamento. Há ainda uma Escola Primária
Anexa considerada uma “escola laboratório” do Instituto, com oito salas de aulas, um vasto espaço
circundante dos edifícios com plantas ornamentais frutíferas, um auditório com capacidade para cento e
setenta pessoas, uma casa de hóspedes com dois quartos, quinze salas para atividades diversas, uma
cantina escolar, duas máquinas copiadoras, sete salas de estudo, uma sala de costura e uma sala de lazer
com televisão. Para além desses imóveis, o IFPC também possui cinco viaturas sendo duas vans cabine
dupla, uma de cabine simples, uma camioneta e uma minibus de trinta lugares usada para atividades de
campo. Esses equipamentos constituem o sistema de objetos que o Instituto possui para a formação de
professores.
O espaço visual do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) oferece uma imagem
pouco nítida das ações que nele acontecem. Isto poderia ser superado, por meio do cultivo de uma cultura
pedagógica representativa, baseada, por exemplo, nas artes plásticas. Para tal, há necessidade de uma
abertura ou da remoção de barreiras administrativas que entendem a representação plástica como menos
relevante para a preparação de professores. Assim, os espaços constituídos pelas salas de aulas,
balneários, biblioteca, laboratórios, pavilhão de jogos, auditório, átrio, entre outros, poderiam ser
preenchidos pelas belas artes produzidas pelos sujeitos de formação que ali interagem no processo de
construção de conhecimentos necessários para a docência. Segundo advoga Santos (2014b, p. 160), a
apropriação do espaço transforma um espaço em lugar “de” e isso se incorpora nos esquemas de pensar e
agir dos sujeitos ocupantes desse lugar. Os lugares, pois, se definem pela sua densidade técnica, pela sua
densidade informacional, pela sua densidade comunicacional, cuja fusão os caracteriza e os distingue.
91
O muralismo como arte pública, geralmente desenvolvida por jovens usando letras ou desenhos em grafite, em Moçambique, tem
geralmente sido classificado como ação de vandalização de bens públicos e promoção de pudor público e obscenidade. Nesse
contexto, reconhecendo o potencial artístico dos sujeitos (alunos) que grafitam paredes/murais na clandestinidade é de aconselhar
a transformação desse suposto “vandalismo” em “vandalismo pedagógico” nas instituições escolares.
92
Denominamos por rastros didáticos ocultos o muralismo presente nos balneários que retrata ideias pedagógicas e didáticas que
transcendem o espaço geofísico do balneário. São ideias e pensamentos que deveriam ser partilhados com todo público e o
muralismo não oculto poderia ser um instrumento da exposição dessas utopias e pensamentos.
120
como marcas históricas que testemunham a existência de ações imbricadas na formação efetiva de
professores. Sendo o espaço um constructo social tributário de interações sociais e de representações
coletivas (FREHSE, 2008, p. 155), é nele que devem acontecer eventos específicos, no caso, eventos
específicos de formação docente. De acordo com Santos (2014b), ao discutir a noção de espaço e de lugar,
reitera que:
Portanto, conforme descrevemos no Capítulo Dois, em relação à questão do espaço e do lugar, bem como
da componente da tecnosfera (objetos) e da psicoesfera (ação) no Instituto em estudo, descritas sob o
prisma da interação entre as ações e os espaços arquitetônicos dos edifícios, é possível afirmar que poucos
cenários definem o IFPC como o “lugar de” formação docente.
Por se tratar de uma instituição de formação que privilegia, segundo as diretrizes curriculares (2007), as
práticas pedagógicas93 como a componente basilar para a iniciação profissional dos formandos, o IFPC
apresenta um déficit na componente “transporte”. Os estudantes devem procurar meios alternativos, nos
períodos de realização das práticas, para encontrarem as escolas onde serão alocados. A escola anexa do
Instituto que se localiza nas “imediações” (cerca de meio quilômetro) não tem condições de receber todos
os formandos para fazer essa imersão na iniciação profissional. Consequentemente, recorre-se às demais
escolas mais próximas do Instituto (entre dois a seis quilômetros) existentes no distrito. Inicia-se, então, um
novo dilema ligado à movimentação dos formadores acompanhantes ou supervisores das práticas. Estes
devem usar de meios próprios para chegar às escolas para acompanhar os estudantes e as atividades das
práticas do ensino. Esse cenário revela que os meios circulantes existentes, alguns já em estado obsoleto,
não dão suporte para o funcionamento institucional e, ao mesmo tempo, devem dinamizar a atividade
pedagógica de campo.
Como sabemos, as práticas na componente de formação docente constituem uma das etapas
preponderantes ao aproximarem o professor em formação da realidade escolar. A falta de acompanhamento
integral dos formandos pelos seus docentes formadores ocasiona, segundo Silva (2015, p. 192), o problema
da exploração do estagiário.
Podemos afirmar, para esse cenário de dificuldades, que o Instituto precisa privilegiar uma gestão mais
participativa para a busca de soluções aos problemas que enfrenta e, por via de consequência, o
desenvolvimento de ações para a implantação de espaço e lugar de formação. Como se sabe, a gestão
93
São atividades curriculares desenvolvidas pelos formandos na escola que servem de aproximação com o contexto escolar,
incluindo a prática do ensino. Elas diferem dos estágios de docência, pois não têm como foco a docência em si, mas a
familiarização do formando com o contexto escolar incluindo algumas sessões de prática de ensino.
121
democrática, por ser um processo de participação efetiva dos vários segmentos da comunidade escolar na
construção e na avaliação dos projetos pedagógicos, bem como na administração dos recursos da escola
(OLIVEIRA, et. al. S/D), poderia ajudar o Instituto de Chibututuíne a superar alguns desses problemas, por
meio do envolvimento de todos no desenho de ações e projetos de formação, com vista a superar a
separação entre a tecnosfera e psicosfera. Para tanto, para que haja a participação efetiva dos membros da
comunidade institucional na edificação de um lugar de formação, é necessário que o gestor, em parceria
com o colectivo de direção, crie um ambiente institucional que favoreça o desenvolvimento de atividades
conjuntas em que não haja discriminação profissional ou de status social, promovendo colegialidade entre
todos os intervenientes no processo de prossecução dos objetivos institucionais. Chama-se aqui à atenção
aos objetivos supremos da instituição e à colegialidade efetiva por meio da criação de condições favoráveis
de trabalho94. É importante realçar que as relações humanas na instituição exercem um importante papel na
construção dos resultados e na fortificação de relações profissionais. Para além daquilo que os teóricos do
comportamento organizacional (CHIAVENATO, 2003; CUNHA et al., 2003; RAMIRO, 2008) entendem como
comportamento institucional do líder, a competência do “saber estar”, que Ramiro (2008, p. 12) denomina de
competência comportamental, trata-se das competências voltadas para o saber ser ou saber estar e que se
reportam ao conhecimento sobre o ser humano e o seu complexo modo de funcionamento em nível
individual, grupal e organizacional. Portanto, a existência de “barreiras” na comunicação institucional traduz-
se em obstáculo para o alcance da maximização dos objetivos institucionais.
No que concerne a indicação de novos gestores nesse Instituto, perdeu-se a oportunidade de avançar para
um processo democrático de eleição para a ocupação das vacaturas. Infelizmente, não é comum, em
Moçambique, a eleição de gestores. Prevalece a indicação por meio da chamada “confiança subjetiva”. A
gestão de uma unidade de ensino, como é o caso do Instituto de Formação de Professores que apresenta
vários problemas, poderia ser realizada por meio de uma eleição para a ascensão ao cargo de diretor de
modo a assegurar a materialização plena das propostas curriculares tendo como base o projeto institucional
e o projeto de ação previamente elaborado pelo candidato. Esse pensamento possibilitaria que todos os
funcionários (docentes e não docentes), desde que elegíveis, se candidatassem a cargos de gestão, assim
como acontece com outros funcionários do Estado, havendo prerrogativa de mobilidade dentro do Estado
em comissão de serviços.
Democratizar as instituições de formação de professores é importante para conferir autonomia para que as
instituições usem suas possibilidades e suas potencialidades para a realização eficaz de seus objetivos.
Martins (2008, p. 198) identificou variáveis que podem afetar os mecanismos de gestão da escola e o
processo de construção da autonomia pedagógica, financeira e administrativa no processo de realização de
objetivos institucionais, sendo elas: o grau e nível de autonomia na organização curricular e nas questões
que dizem respeito ao financiamento e à gestão da escola; os indicadores de democracia interna; as
relações da direção com pais, docentes e alunos; as relações de professores com alunos; o funcionamento
dos órgãos colegiados; as parcerias; a avaliação externa realizada sobre a gestão; as opiniões de
94
É de salientar que na altura em que o trabalho de campo desta pesquisa decorreu, a diretora do Instituto e o diretor adjunto
pedagógico gozavam de relações pouco saudáveis a ponto de não se comunicarem verbalmente, o que resultou a posterior
destituição da diretora e do seu adjunto.
122
professores e alunos sobre o que é um bom diretor; as opiniões da direção sobre o que é um bom aluno e
um bom professor.
Essas variáveis estiveram omissas e comprometidas na gestão do Instituto em estudo e, de certa maneira,
influenciaram negativamente a realização eficaz de seus objetivos. Esse Instituto não observou as
premissas necessárias de comportamento organizacional que Yukl (apud RIBEIRO, 2008, p.18) classifica-os
da seguinte maneira:
Vieira (2007, p. 48) advoga que uma gestão escolar bem-sucedida é, portanto, aquela voltada para a
aprendizagem de todos os alunos e nela convergem estudantes e professores, configurando-se como uma
comunidade de aprendizes. E, é nesse diapasão, que os esforços da gestão institucional devem ser
conduzidos, no aprimoramento dos suportes infraestruturais, isto é, a tecnosfera, para melhor atender as
necessidades da formação de professores primários em Moçambique.
Em 2019, ano em que se realizou o trabalho de campo desta pesquisa, o Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC) apresentava o seguinte número de formandos, conforme ilustra o
gráfico abaixo:
123
1200
1000
506 total
800
10ª +1
600
239 267 207 12ª+3
400 119
95 112 À Distância
200 58 61 180
86 94
0
Masculino Femenino total
Em termos numéricos, o IFPC possuía, em 2019, um total de 506 formandos, divididos em duas
modalidades: a presencial, com 326 e a distância, com 180 alunos. Conforme mostram os números do
gráfico acima, o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) tem ido ao encontro das
políticas de equidade e de igualdade de gênero, em vigor em Moçambique desde 2008, que se assentam no
“empoderamento” da mulher, por meio da garantia de acesso igual à saúde, educação, formação e
informação. 267 formandos, o que representa cerca de 52,7% do total, são do sexo feminino. Mostra-se,
nessa perspectiva, um esforço de cumprimento dessas políticas, embora, alguns estudos (FARIA, 2016;
FERREIRA, 2015; ROSA, 2011; YANNOULAS, 1992) já se referem ao magistério como uma profissão
feminilizada e, em razão disso, a maior presença do sexo feminino na formação e no trabalho docente.
Yannoulas (1992), a respeito da feminização, destaca que:
Esses pensamentos continuam patentes no contexto moçambicano, porém, não somente com um viés
maternal da profissão, mas em razão dos homens optarem por outras profissões que supostamente pagam
mais comparativamente aos salários praticados na educação.
Além do corpo discente, o IFPC apresentava, em 2019, um coletivo docente de 26 professores, sendo vinte
formadores e seis formadoras das quais uma é estrangeira, de nacionalidade cubana, em razão do
protocolo de cooperação Moçambique-Cuba no sector da educação. No que concerne aos níveis de
formação acadêmica e profissional, têm-se bacharéis, licenciados e mestres. Quanto ao perfil acadêmico e
profissional dos formadores, abordaremos esse tema com mais profundidade no Capítulo Quatro.
Há, em média, vinte formandos para cada docente. À princípio, essa proporção formando-formador parece
ótima, no entanto, é importante ressaltar que esses formadores são responsáveis pelo acompanhamento
124
Toda essa realidade leva os gestores do Instituto a darem o máximo de si para que as atividades aconteçam
razoavelmente e que os resultados da formação, que é o fim último, sejam de agrado social. Portanto, isso
traz um conjunto de desafios. Exige dos gestores mais do que competências descritas; exige deles ações
específicas para o enfrentamento dos dilemas do dia a dia da formação, para uma formação eficaz dos
professores primários em Moçambique.
O funcionamento integral de uma instituição depende largamente da disponibilidade de recursos, sejam eles
humanos, materiais ou financeiros. Porém, caberá a gestão institucional administrar cada recurso de modo
a produzir os resultados desejáveis. No entanto, embora possam existir recursos necessários, a instituição
enfrentará desafios decorrentes de sua existência e outros processuais e o enfrentamento desses desafios
irá requerer uma liderança com visão sistêmica institucional para congregar ideias na construção de
resultados de sucesso. Esta é a perspectiva de desenvolvimento institucional, denominada por French e Bell
(apud CHIAVENATO, 2003), ao discutirem sobre o desenvolvimento organizacional, considerando que:
O que nos dizem os gestores sobre esses desafios do Instituto de Formação de Professores de
Chibututuíne (IFPC)?
Os quatro gestores do IFPC, aqui identificados como gestor alfa (GA), gestor um (G1), gestor dois (G2) e
gestor três (G3), explicitaram situações que revelaram desafios extremos que afetam profundamente a
qualidade dos resultados da formação docente.
125
No que concerne à melhoria das aprendizagens dos formandos, o desafio maior está na elevação das
habilidades básicas de leitura e de escrita dos formandos. Segundo os gestores, os formandos chegam ao
Instituto com um baixo nível de competências de leitura e de escrita.
A qualidade dos formandos, na altura do seu ingresso no IFPC, conforme os depoimentos dos nossos
entrevistados (gestores G1 e G2), revela-se preocupante para aquilo que se espera de um graduado da 10 a
classe em termos de domínio de expressão oral e escrita. Vemos, nesses depoimentos, os desafios que o
corpo de formadores tem desde que os alunos chegam à formação até a sua conclusão. Se os estudantes
chegam ao IFPC com problemas profundos de expressão oral ou escrita, é de supor que eles terão
dificuldades nas demais áreas do conhecimento pelo fato do Português ser a língua de ensino em
Moçambique. Conforme disseram os gestores G1 e G2, a superação dos problemas de expressão oral e de
escrita deve ser assumida por todos na instituição para elevar os níveis de competência e de habilidades de
expressão oral e escrita a padrões aceitáveis para um professor, o que não se afigura tarefa fácil.
Um outro gestor trouxe um depoimento um pouco mais profundo ainda que revele também preocupação
sobre a qualidade dos formandos:
“… bem eu não sei exatamente o que está a acontecer porque de facto eles
entram com base nos exames de admissão, onde eles fazem dois exames:
exame de língua Portuguesa, Matemática e entrevista. Mas a realidade nos
mostra que esses alunos ... nem todos ... reúnem condições para fazer o
curso de formação de professores. Temos formandos, por exemplo, que
nem para ler, ler mesmo um texto, é um problema sério... nem para falar é
um problema sério... agora, não sei qual é o problema que está a acontecer.
Esta modalidade de seleção... não sei o que está a se passar... porque as
dificuldades que depôs mostram na prática... dá a entender que essas
pessoas... se o critério fosse bom, alguns alunos não estariam aqui
conosco, de acordo com as dificuldades que eles apresentam...” (Entrevista
com GA realizada no dia 18 de abril de 2019).
126
Todos esses depoimentos anteriores revelam que o Instituto se depara com desafios enormes e que a priori
colocam em xeque os resultados desejados. O enfrentamento desses desafios passa necessariamente por
uma conjugação de esforços institucionais e extra institucionais de modo a conseguir o mínimo desejável. A
partir das falas dos entrevistados, percebe-se que o indicador de baixa qualidade dos candidatos não faz
referência somente ao ano desta pesquisa, sendo algo recorrente. Isso pode significar que a maioria dos
candidatos que ingressam no IFPC pode ter déficit no que concerne aos domínios de expressão oral e
escrita no idioma Português, sendo este um requisito básico para a aprendizagem escolar em um país de
expressão oficial portuguesa – como mencionado nos capítulos anteriores, mesmo tratando-se de um país
com línguas autóctones que constituem a base comunicacional da maioria da população. A esse respeito,
sabe-se que uma formação pedagógica não pode ser feita com “ignorantes” (MIALARET, 1981), isto é, os
que não têm conhecimento acadêmico e, uma vez que a formação no modelo “10 a + 1” não dá primazia ao
estudo sobre o conhecimento do objeto de ensino – uma das categorias de Shulman (1987) –, é
fundamental que o coletivo de formadores desenvolva um instrumento de diagnóstico real das competências
básicas com vista a aferir as reais dificuldades dos candidatos, bem como as suas potencialidades para o
desenvolvimento do programa de formação.
Segundo os entrevistados (gestores GA, G1, G2), a situação acadêmica dos candidatos que ingressam no
Instituto é muito baixa. Vejamos o que diz a gestora alfa (GA):
“...ao invés de recebermos aquele aluno que nós esperamos que vai
aguentar com os programas previstos para a formação dos professores,
somos obrigados a voltar um bocadinho para trás para podermos ver se
conseguimos puxar... estás a ver? Um Instituto de formação dos
professores ainda pensar em dar exercícios de caligrafia? de leitura? Quer
dizer, esse nível já não é nível da formação dos professores! Devia ser um
trabalho dos outros níveis do ensino e não da formação dos professores.
Mas, nós somos obrigados a fazer isso por ver que este formando não
reúne condições para perceber a matéria... um aluno que não lê, com
certeza não é possível perceber a matéria... mesmo que leia, se lê
mecanicamente... só lê... está a ler para dizer as palavras, mas não pode
dizer o que está a ler...” (Entrevista com GA realizada no dia 18 de abril de
2019).
A partir do excerto acima, pode-se afirmar que esses candidatos não são os desejáveis para a formação
docente. Porém, a situação explicita um problema que se afigura sistêmico e a formação de professores
trouxe mais uma vez à superfície o dilema da qualidade de ensino em Moçambique. Ao usar a expressão de
Arroyo (2019), “vidas ameaçadas”, pode-se afirmar que está em curso a mutilação de uma nação inteira por
meio da flagelação do sistema de ensino, com particular destaque para o subsistema da formação de
professores por constituir-se o núcleo dos mediadores interculturais entre gerações, por intermédio do
processo de ensino-aprendizagem.
Segundo os resultados da pesquisa do Banco Mundial (2014), a formação de professores, como aquela que
deve proporcionar docentes competentes (sic) para a sociedade, está sendo flagelada. Ela tem sido incapaz
de contribuir para a melhoria do conhecimento sociocultural das novas gerações de modo a competirem em
pé de igualdade na aldeia global. Porém, como se pode perceber, há evidências fortes de que o problema,
mais do que local, mais do que institucional, é sistêmico e de dimensões globais. Uma formação docente
127
que é realizada com “ignorantes”, como os dados evidenciam, enaltece a ideia de que o professorado é
para os “fracos” e para os desprovidos de alternativas, o que poderá projetar uma imagem assistencialista e
voluntarista da profissão, como descrito por Imbernón (2011). Ou seja, como reflexo de um tipo de educação
que serve para adaptar de modo acrítico os indivíduos à ordem social e torna os professores vulneráveis ao
entorno econômico, político e social, comprovando, dessa maneira, a ideia de que historicamente o
magistério sempre se revelou uma profissão que não consegue atrair melhores candidatos, em razão das
condições profissionais precárias, visíveis ao público jovem (VAILLANT, 2013; FANFANI, 2005;).
O desafio dos docentes em Moçambique é tão grande que espelha a necessidade de uma preparação de
formadores para lidar com os cenários “atípicos” decorrentes da formação, assim como qualificá-los
profissionalmente para um exercício pleno das suas obrigações. Dificilmente, pode configurar no esquema
conceitual docente a possibilidade de deparar com a situação de um aspirante a professor que apresente
dificuldades profundas de expressão oral e escrita. Questionados sobre como ultrapassar esses desafios, o
gestor G1 esclarece que:
Nota-se uma pré-disponibilidade dos docentes em fazer o nivelamento linguístico ortográfico nos formandos
o que demostra uma preocupação que esses profissionais têm com a qualidade dos resultados. Porém, a
disponibilidade de tempo para essa tarefa não faz parte das atividades planejadas no Instituto.
A experiência do Instituto, no que diz respeito à formação docente, remonta há mais de noventa anos e,
certamente, a memória institucional tem descrito os maiores desafios pelos quais a instituição já deve ter
ultrapassado. Sendo assim, o cenário descrito anteriormente não é novo e, anualmente, a instituição recebe
candidatos a docentes que precisam passar por um “nivelamento” já que não se oferece um curso
propedêutico e a baixa qualidade do ensino no país faz que os graduados nas escolas geralmente
apresentem problemas básicos de conhecimentos acadêmicos.
Damral (2003) afirma que a realização dos objetivos da organização depende muito de quão efetivamente a
liderança é nela exercida. Portanto, a gestão institucional, ao saber da recorrência desse evento ano após
ano, poderia planejar programas específicos de indução linguística ao qual seriam conduzidos os
candidatos que, por meio de um diagnóstico, apresentaram evidências para que sejam submetidos ao
128
A maneira como se enfrenta esse desafio revela que não se resolve o problema. Ele tem sido apenas
minimizado, ou seja, atribui-se a ele menor relevância, o que pode surtir um efeito dominó, pois os egressos
atuarão futuramente como docentes no ensino primário.
Zeichner (2013) mostrou que a realização de testes psicotécnicos como exigência para concursar na
docência não dava segurança de que os aprovados fossem os melhores candidatos a ingressar para o
magistério95. Esses testes precisam ser elaborados por especialistas ou professores experientes no ensino
primário com reconhecido notório saber nesse nível de ensino. A maneira como é promovido o concurso
para ingresso na docência do ensino primário em Moçambique não possibilita selecionar bons candidatos
para as salas de aulas. Basta apresentar os documentos exigidos, uma entrevista simples – com questões
do tipo: “Quem é o governador da província?”; “Quem é o presidente do município?”; cantar o hino nacional
etc. – e pronto! A pontuação será atribuída de forma subjectiva pelo júri de apuramento final, sem critério
objetivo. Na maioria das vezes, tem-se como resultado a seleção de candidatos com qualificações
indesejáveis. Fica evidente que a entrevista realizada é um puro formalismo “para o inglês ver” sendo que já
se sabe quais, na verdade, são os admitidos para o ingresso na carreira docente.
95
Atualmente, em Moçambique, o concurso para a docência no ensino fundamental é apenas documental seguido de uma
entrevista.
96
A Organização Nacional de Professores (ONP) foi criada em 1981. Os seus estatutos definem que se trata de uma organização
democrática com fins políticos, ideológicos e profissionais, de todos os professores moçambicanos (art.1), que é dirigida pelo
partido FRELIMO, guia-se pela sua linha política e baseia a sua actividade no seu programa (art.2); que a ONP tem por objectivo
central a educação política e ideológica dos professores, a elevação permanente da sua formação científica, cultural e pedagógica
e a valorização da função social do professor, como agente transformador da sociedade. Desde 1994, a ONP não tem sido
convidada a discutir, com o Ministério da Educação os assuntos que dizem respeito aos professores o que, a seu ver, dificulta o
seu trabalho e impede o diálogo. Os últimos cadernos reivindicativos dos professores foram preenchidos em 1993/4, depois de
uma manifestação cujos resultados foram bastante negativos para os professores – que ficou conhecida como “a greve dos
professores”. Em janeiro de 1998, a ONP realizou um Congresso da organização que marcarou a sua passagem para uma
organização sindical chamada ONP/SNPM (Sindicato Nacional dos Professores de Moçambique). (BAGNOL e CABRAL, 1998, p.
36).
129
Uma leitura mais cuidadosa dos desafios que o Instituto de Chibututuíne enfrenta na elevação de
competências básicas dos formandos conduz-nos a indagar sobre a capacidade institucional para o
enfrentamento dessas dificuldades. Como se sabe, não existe até o momento uma instituição vocacionada
para a formação de formadores de professores em Moçambique. Esse grupo de profissionais deriva de
mobilidade profissional ou concursos laborais. Em reconhecimento ao fato de que nem todos os formadores
de professores desse Instituto têm experiências de trabalho com o ensino primário, em que se lida com o
ensino de leitura e escrita, procuramos saber dos nossos entrevistados como a instituição enfrenta esse
problema. Ela possui um corpo docente preparado para o enfrentamento dessa situação? Esse mesmo
corpo docente tem preparo adequado para trabalhar na formação docente?
97
Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
98
Universidade Pedagógica (UP).
130
Indo ao encontro do pensamento do gestor G1 e de François Dubet, pode-se afirmar que tanto para
pesquisar a docência como para ensinar para o professorado faz-se necessário que se conheça a docência
por dentro. Portanto, quem ousa a ser formador de professores do ensino primário não deveria ser um leigo
sobre como lecionar no ensino primário. O diálogo no processo de formação deve ser intermediado por
alguém que conhece o contexto e os processos internos de ensino-aprendizagem nesse nível de ensino.
Ao analisar as medidas paliativas encontradas pela Instituição para solucionar o problema do déficit dos
conhecimentos científicos e das formas de conhecimento ligadas ao processo de docência na educação
básica dos formandos99, por um lado, percebe-se o descumprimento dos propósitos da boa preparação, pois
os problemas identificados precisam de soluções mais elaboradas e estruturadas. A estruturação de
soluções significa, na nossa visão, que uma vez identificados os problemas e, por serem estes recorrentes,
a instituição deve criar uma estrutura institucional de suporte com todos os insumos necessários para o
efeito e garantir uma preparação específica para os docentes que atuarão como responsáveis pela
execução do projeto. Isso passa necessariamente pelo planejamento de ações e de tarefas específicas e
pelo cuidado para que essas tarefas não enviesem as demais tarefas institucionais. A instituição deve
reinventar-se diante desses cenários e evitar soluções imediatistas e frágeis como as que foram aqui
identificadas, pois elas podem colocar os resultados institucionais em risco. Como foi descrito acima, a partir
das falas dos gestores, para os casos de alunos que apresentam déficit de conhecimentos básicos na
99
Para Shulman (1986, p. 10), uma análise conceitual do conhecimento para professores seria necessariamente baseada em uma
estrutura para classificar os domínios e as categorias de conhecimento do professor, por um lado, e as formas de representação
desse conhecimento, por outro. São formas de representação do conhecimento: o conhecimento proposicional (investigação
empírica ou filosófica disciplinada, experiência prática e raciocínio moral ou ético), conhecimento de caso (três tipos de casos:
protótipos, precedentes e parábolas) e conhecimento estratégico (julgamento). Esse autor refere ainda que muito do que é
ensinado aos professores está na forma de proposições.
131
expressão oral e na escrita, bem como na Matemática, os formadores procuram solucionar esses problemas
de forma individual. No entanto, nota-se que o problema é sistêmico e carece de soluções sistêmicas dentro
do domínio institucional e, para tanto, é fundamental que haja um planejamento estratégico que, para alguns
autores (DRUCKER, 1984; ARGUIN, 1988), possibilita uma organização sistemática de atividades que
favorecem o envolvimento de toda a equipa na satisfação das expectativas institucionais. Conforme Arguin,
o planejamento estratégico possibilita:
Em conformidade com Chiavenato (2003), assim como com Arguin (1988), pode-se afirmar que a solução
dos problemas aqui identificados pelos gestores do Instituto de Chibututuíne passa pelo planejamento
estratégico das ações, pois, se essa fosse a perspectiva institucional de planejamento, eles já poderiam ter
percebido a necessidade de agir de maneira sistêmica na busca de soluções estruturadas dos problemas
decorrentes.
Como nos referimos acima, os problemas epistemológicos são igualmente identificados em alguns
formadores, como menciona o Gestor G2 a seguir:
Na perspectiva da gestão e segundo afirma Chiavenato (2003, p. 153), “os objetivos são valores visados ou
resultados desejados pela organização e se essa operação falha, os objetivos ou resultados são alcançados
parcialmente ou simplesmente frustrados”. A realização de oficinas pedagógicas entre pares é uma solução
viável encontrada em nível institucional, porém, a participação nessas oficinas não resolve um problema de
carris epistemológico como é a falta de conhecimento conceitual e prático sobre a docência na educação
básica. Entendemos que seria de praz, para a superação dessas dificuldades, a imersão na escola, à
semelhança da experiência de Dubet, para que realmente adquira o conhecimento sobre a prática, na
prática. A dificuldade identificada não é de abordagem metodológica, mas em relação ao conhecimento
sobre a docência no ensino primário. Esses formadores novatos e/ou sem passagem na docência da
educação básica, em geral, têm uma visão limitada sobre os processos de ensino-aprendizagem na escola
primária e, provavelmente, apresentarão dificuldades na abordagem sobre como ensinar para as crianças. A
construção de um programa integrado de desenvolvimento profissional visando especializar os formadores
seria uma solução estratégica. Como afirma Diniz-Pereira (2019), “ainda predomina a visão da oferta de
cursos de curta duração – atualização, aperfeiçoamento ou, até mesmo, ‘reciclagem’ (sic)” (p. 67) – que é o
caso dessas oficinas pedagógicas. Ao admitir que essas oficinas pedagógicas constituem atividades de
rotina (oferecidas todas as quartas-feiras), seus participantes as fazem por considerá-las “atividades
132
administrativas” – o que não satisfaz as necessidades deles. Nesse aspecto, Diniz-Pereira (2019) alerta
que:
Ainda que o objetivo dessas oficinas não seja a certificação – embora poder-se-ia certificar dentro dos
sistemas de créditos acadêmicos e em razão do diretor ter essa competência institucional –, elas, para
cumprirem ao menos as características de atualização ou de aperfeiçoamento, deveriam ser realizadas no
contexto real do ensino primário. Atualizar ou aperfeiçoar é apenas possível quando um certo pré-requisito
existe para essa atualização ou aperfeiçoamento. Portanto, mais do que realizar oficinas pedagógicas como
atividade institucional de rotina e sem acompanhamento, seria importante aconselhar o fortalecimento
dessas oficinas por meio de um acompanhamento especializado e da realização de atividades práticas para
o ensino de conteúdos de educação básica nas escolas. Essa ideia espelha-se no pensamento de Zeichner
(2013) quando ele analisa a questão da prestação de contas na formação de professores nos Estados
Unidos, ao descrever a necessidade da utilização de parâmetros, usados, por exemplo, na formação de
médicos, para avaliar o nível de precisão do profissional. Isto para dizer que apenas um “profissional da
área”100 é elegível para preparar um profissional qualificado.
Se as escolas que acolhem os formandos para as práticas pedagógicas fossem consideradas lugares de
formação de professores, o Instituto encontraria nesse espaço um lugar para garantir o desenvolvimento
profissional do seu corpo docente. É fundamental que a relação Instituto-Escola, como lugares de formação
de professores, tenha um vínculo forte de modo a mobilizar esforços conjuntos tanto para a melhoria da
qualidade de ensino nessas escolas, quanto na melhoria da formação prática dos formandos e formadores,
constituindo-se assim em um território de formação docente.
A relação existente entre essas duas instituições (Instituto e escolas), em geral, não atende as
necessidades de ambas para a melhoria e construção de boas práticas na docência. Isto foi destacado pelo
gestor G1 na sua análise sobre a articulação existente entre o Instituto e as escolas em que os estudantes
realizam as práticas:
“… antes não era muito forte, mas agora está sendo forte devido a ação da
PROGRESSO101, porque intervém diretamente com as escolas de práticas
pedagógicas... agora a articulação é muito forte. Também houve
capacitação dos gestores das escolas sobre práticas pedagógicas... então,
100
Consideramos como profissional da área de formação docente aquele que cumulativamente possui conhecimentos sobre o objeto
de ensino, conhecimentos pedagógicos sobre o objeto de ensino, conhecimentos curriculares da escola básica e conhecimentos
práticos sobre a docência na educação básica.
101
PROGRESSO é uma organização da sociedade civil moçambicana, criada a 6 de Março de 1991, como pessoa colectiva de
utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial, e reconhecida pelo
Ministério da Justiça, em 28 de Março de 1992, cujo objetivo é “prestar serviços relevantes à comunidade, dando enfoque especial
às comunidades de base, com especial atenção às necessidades das mulheres e crianças, contribuindo na medida das suas
forças para o desenvolvimento dessas comunidades, visando a elevação das condições de vida da população e aumento da sua
capacidade de gestão”. Alicerça-se na ideia de que “todo o desenvolvimento requer pessoas saudáveis e formadas” e,
consequentemente, a sua intervenção nas áreas de ensino, alfabetização e educação de adultos. Disponível em:
http://www.progresso.co.mz/quem-somos (Acesso no dia 12/06/2020).
133
Ao retomar as ideias de Sharma (2004), quando ela aborda a questão do “homem certo no lugar certo” para
enfatizar que um bom gestor focado na eficácia institucional prioriza os eventos pelos quais a instituição se
sustenta de modo a alcançar os objetivos com eficiência e ao considerar o local das práticas pedagógicas o
epicentro da formação docente por ser este o “laboratório de ensaios”, as relações técnico-profissionais
entre o Instituto e esses centros de práticas pedagógicas (escolas primárias) deveriam ser sólidas –
diferentemente das constatações do gestor G1, que dão conta de que essas relações são fortes apenas
“agora” devido à presença da organização PROGRESSO. Na condição atual, elas continuarão fortes
enquanto a associação PROGRESSO prevalecer como elemento que garante esse elo. Ou seja, entende-
se, por meio da fala do gestor G1, que essa relação se tornou fortalecida agora (a partir de 2019) em razão
da presença dessa organização no Instituto e nas escolas de práticas. Se não existir esse elemento
conector, as relações entre o Instituto e as escolas continuarão precárias e as práticas de ensino (estágios)
não permanecerão boas. Para o sucesso do Instituto nas atividades de formação docente, é preciso que a
gestão institucional paute pela gestão sistêmica em que a liderança exerce seu papel na definição e no
encaminhamento das ações institucionais na direção certa e zelando pelo cumprimento de todas as tarefas
necessárias para o alcance efetivo dos objetivos (SHARMA, 2004; DAMRAL, 2003).
As ações da PROGRESSO nas escolas são pouco claras, porém, sendo o IFP de Chibututuíne responsável
pela melhoria da qualidade de ensino nessa região em que são realizadas as práticas, pressupunha-se que
as relações profissionais fossem boas o bastante, o que daria oportunidade para que, a partir dessas
atividades práticas dos formandos, professores acompanhantes e os professores-orientadores construíssem
um lugar de desenvolvimento profissional conjunto e especializado (DINIZ-PEREIRA, 2019; ÁVALOS,
2009). No entender de Perrenoud, (2002, p. 95), a cooperação profissional dos professores pode contribuir
para o êxito das ações pedagógicas e estruturais que os estabelecimentos escolares empreendem para
melhorar os resultados de seus alunos. Quando ela não existe, não há receitas simples para instaurá-la. Se
existisse uma colaboração efetiva entre o IFP de Chibututuíne e as escolas em que acontecem as práticas
de ensino, poderiam se efetivar as ideias pedagógicas da escola como lugar de formação e de
desenvolvimento profissional (NIVAGARA, et al., 2016; INDE, 2008), pois é necessário que os professores
continuem a aprender para a melhoria do ensino e da sua profissionalidade. Para Nóvoa (1992):
Os processos inerentes à formação docente estão intimamente ligados – ou deveriam estar ligados – aos
desafios para a melhoria da qualidade de ensino. Sendo a formação o momento da aprendizagem de
saberes que garantem o acesso à profissão, as relações interinstitucionais deveriam ser constituídas a partir
de um conjunto de processos entrosados e comprometidos com a finalidade de desenvolvimento de boas
práticas que resultem no sucesso das aprendizagens escolares. Portanto, é necessário que a gestão do
Instituto e a gestão das escolas de práticas criem ou reforcem uma parceria entre elas – nesse caso, a
parceria que se deseja é a do tipo colaborativa pelas vantagens que apresenta e em consonância com a
abordagem sistêmica de gestão. Conforme Mateus (2014, p. 359), nesse modelo de parceria, os
participantes criam oportunidades para trabalhar juntos as etapas de planejamento, de execução e de
discussão crítica das práticas pedagógicas, valorizando e reconhecendo como legítimas as diferenças.
A imagem descrita sobre o processo de formação, desde o momento da chegada dos candidatos até a
realização das atividades de práticas de ensino (estágios), remete a desafios institucionais sistêmicos de
modo a proporcionar uma formação docente de qualidade, distante dos discursos falaciosos que não
beneficiam a formação de professores. Uma vez que o discurso do IFP de Chibututuíne, de acordo com seu
projeto institucional, é “tornar-se uma referência na formação de professores” em Moçambique, que ações
ele desenvolve para o cumprimento desse propósito?
O Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) definiu como sua missão, segundo seu
projeto político-pedagógico de 2013, “garantir uma formação integral e excelente de professores e
gestores”. Com efeito, o IFPC, em seu projeto político-pedagógico, refere a existência de recursos
humanos, de recursos financeiros (dotação orçamental, fundo de apoio ao sector da educação e receitas
internas), instalações, bom ambiente de trabalho e de parceiros 102 que cooperam para a realização dos seus
objetivos.
A gestão institucional constitui um pilar importante para a materialização dos desafios institucionais,
contudo, é fundamental que o diretor, na condição de líder, seja uma individualidade com capacidades e
habilidades eficazes de liderança para a condução desse projeto institucional. Tendo em vista o alcance da
“excelência na formação docente”, torna-se premente que a liderança institucional desenvolva um clima e
um comportamento organizacional favoráveis para a construção colectiva dos ideais institucionais. Para
tanto, é preciso que o diretor conheça os limites das capacidades inter-humanas e institucionais necessárias
para a construção e a consolidação de processos. Segundo Ribeiro (2008), um líder deve:
Conhecer muito bem a sua equipa – quer do ponto de vista formal quer do
ponto de vista informal. Saber que as pessoas têm percepções diferentes,
expectativas diferentes, problemas e necessidades diferentes. As pessoas
102
São parceiros do IFPC: a ONG Parthfinder que coopera na área de saúde sexual reprodutiva, HIV/SIDA, questões do gênero e na
realização de feiras de saúde; a empresa MARAGRA que auxilia na área de infraestrutura e a Fundação Joaquim Alberto
Chissano que apoia na área da literatura para potenciar o acervo bibliográfico na Instituição (PPP, 2013, p. 13).
135
“…é difícil. Porque não se atinge a excelência... mas, nós queremos chegar
até lá! O ideal seria atingir a excelência, mas são vários factores que fazem
com que não atinjamos a excelência de forma tão rápida e tão eficaz, como
estava a dizer. Factores como o tempo de formação... é muito pouco...
recebemos também alunos com múltiplas deficiências de conhecimento...
então, é difícil atingir excelência nestas condições... porque é um conjunto
de condicionalismos que fazem com que não atinjamos a excelência… por
exemplo, nós aqui introduzimos a produção desses bancos aqui com
garrafas plásticas... estamos a tentar fazer algumas inovações com vista a
atingirmos a excelência... priorizamos muito a produção do material didático,
orientamos que não há nenhum formando que deve ir a sala de aula sem
material didático porque o aluno aprende melhor quando vê e ouve…
quando ouve apenas e não vê nada, o nível de assimilação também
diminui...” (Entrevista com G1 realizada no dia 23 de abril de 2019).
De acordo com esse gestor, há uma intenção, um desejo e até mesmo um sonho de um dia atingir-se a tão
propalada “excelência”. Porém, não basta sonhar. Receber alunos com múltiplas deficiências e a questão do
tempo de duração dos cursos, elencados como barreiras para o alcance dessa tal “excelência”, deveriam
ser entendidos como desafios e transformá-los em objetivos institucionais, no quadro das suas aspirações.
Decorre desse posicionamento a ideia de vitimização do processo de formação de professores com a
alegação de que não se pode alcançar os objetivos por conta dos obstáculos sistêmicos (DINIZ-PEREIRA,
2019; CHIAVENATO, 2003).
Registra-se também a necessidade da formação contínua para o corpo docente do IFPC como estratégia de
integrar conhecimentos atualizados na formação docente e como provisão de desenvolvimento profissional
para assegurar autonomia e motivação profissional. Os próprios atores da formação ressaltam essa
necessidade e destacam a relevância que a formação continuada teria para a sua autoafirmação e
desenvolvimento profissional:
136
A consciência do fraco desempenho docente, como aquele referido pelo gestor G1, cria a antevisão de que
o processo de formação decorre com deficiências seja pelo fato dos candidatos apresentarem baixo nível de
conhecimentos científicos ou em razão das deficiências pedagógicas dos formadores. Os cursos de
mestrado e/ou de doutorados referidos como vetores para a “capitalização de conhecimentos” não suprirão
o déficit epistemológico dos docentes. Para Imbernón (2011):
Portanto, a formação contínua dos formadores deve configurar no rol dos desafios institucionais a serem
enfrentados em busca da construção da tal “excelência na formação docente”. Ainda que todos os
formadores tivessem formação acadêmica em nível de doutorado, a formação contínua será sempre
necessária, pois, por meio dela, criam-se novos conhecimentos e saberes, bem como aprofundam-se a
profissionalidade e a identidade profissional. É no desenrolar da formação contínua que os professores
reforçam sua capacidade de criticidade sobre o ensino, sobre suas práticas e desenvolvem mecanismos de
uma profissionalização mais integrada e contextualizada (SCHÖN, 1987; ZEICHNER, 1993; PERRENOUD,
2002; ALARCÃO, 2003). Consequentemente, é necessário oferecer aos formadores de professores
137
programas de formação contínua, integrados ao seu contexto de trabalho, para que essa formação tenha
relação intrínseca com ele e traga melhorias para o trabalho docente (DINIZ-PEREIRA, 2019; FRANCO,
2019).
A fala desse gestor rechaça veementemente as propaladas oficinas pedagógicas como oportunidades de
formação contínua para aproximar os formadores, por meio apenas do diálogo, da realidade de ensino
primário. Ele entende que a formação do formador deve ter como base a experiência direta do professorado
no ensino primário e assessorada pela formação contínua estruturada em nível institucional. Essa questão
não constitui novidade, pois, segundo o MINED (2004), identificou-se que:
Embora essa questão tenha sido identificada há mais de uma década, os resultados demostram a
prevalência de um problema que, segundo a fala do gestor G2, certamente propicia uma formação
defeituosa dos futuros professores. E os formadores que têm experiência no ensino primário,
provavelmente, estão na formação de professores como estratégia para a melhoria na carreira. Segundo
destaca o MINED (2004):
Isto permite-nos questionar: quem são os formadores de professores para o ensino primário em
Moçambique? As respostas a esta e a outras perguntas sobre os formadores serão largamente analisadas
nos próximos capítulos desta tese.
Ao retomar a análise sobre a profissionalidade dos formadores, trazida na fala do gestor G2, destacamos
que o Ministério de Educação, por meio da Direção Nacional de Formação de Professores, definiu como
ação planejada a médio prazo, entre os anos 2009 e 2012, que:
Transcorridos quinze anos, tendo como referência o ano de diagnóstico sobre a situação de formação de
professores em Moçambique, em 2004, e o ano em que o trabalho de campo desta pesquisa foi realizado,
em 2019, uma geração de formadores com fraca ou ausência de profissionalidade participou e continua a
participar do processo de formação docente e com os mesmos problemas, segundo o gestor G2. Essa
situação reforça o posicionamento de Fonseca (2007) sobre a imoralidade das políticas do Banco Mundial
de propalar a elevação da qualidade do ensino, mas reduzindo gastos públicos para a educação e
mantendo-se indiferentes à carreira e ao salário do magistério. Portanto, se o IFPC pretende alcançar a tal
“excelência” no campo de formação de professores, ele deve iniciar uma jornada para arrumar a casa,
começando pela profissionalização do seu corpo docente, inserindo-os em comunidades de práticas de
ensino (nas escolas). Nas palavras de Nóvoa (1992):
A questão do tempo de duração dos cursos de formação de professores é vista recorrentemente como um
dos desafios institucionais que prejudica a qualidade da preparação docente, conforme as falas dos
gestores a seguir:
“…o tempo de formação. Nós ficamos aqui um ano com os alunos... que
nem chega a ser um ano porque vai até novembro... terminam as aulas... o
tempo não tem sido muito razoável para essa nossa formação... o principal
constrangimento é o tempo para este curso que é intensivo. Agora, se
fossem estudantes que entrassem aqui com boas habilidades, a coisa seria
139
outra, mas entram com múltiplas deficiências... porque, primeiro, temos que
corrigir os erros, depois dar as metodologias... tem sido muito difícil...
portanto, o principal constrangimento, realmente, é o tempo …” (Entrevista
com gestor G1 realizada no dia 23 de abril de 2019).
O tempo de duração do curso é majoritariamente visto pelos gestores como um dos problemas na formação
do professor por não possibilitar o desenvolvimento de conhecimentos básicos para a docência. Ademais,
agrava-se a precariedade da formação por existirem candidatos com múltiplas deficiências de
conhecimentos acadêmicos. A esse respeito, Zabalza (2019) realça que:
Portanto, vários estudos (ZABALZA, 2019; FREIRE, 2017; TARDIF, 2012) enfatizam a necessidade de
conhecimento prático sobre a docência. Como já nos referimos anteriormente, os formadores de
professores, na esteira de sua profissionalização e na busca de construir “excelência na formação”,
poderiam tomar como um desafio importante o desenvolvimento de conhecimentos sobre a prática docente
no ensino primário que é fundamental para a maximização do tempo de ensino, pois, por meio dele, os
formadores ensinarão um objeto sobre o qual têm domínio. Ao ressaltar a relevância do conhecimento
prático que um formador deve possuir, o gestor G3 destacou o seguinte:
A necessidade do conhecimento tácito sobre a prática docente do ensino primário, colocado em pauta pelo
gestor G3, consubstancia a ideia de que a formação inicial deve proporcionar ao futuro professor
conhecimentos que possibilitem a ele uma eficácia no processo de ensino (HOROWITZ et al, 2019). Esses
conhecimentos favorecerão ao futuro professor a realização de um ensino eficaz ao proporcionar qualidade
nas suas aulas. Porém, há que respeitar a ideia de que a qualidade é construída, obviamente, dependendo
do contexto e das situações em que o processo decorre (ZABALZA, 2019).
No entendimento dos gestores, entre os vários desafios que o Instituto de Formação de Professores de
Chibututuíne (IFPC) precisa enfrentar, o de contribuir na melhoria da qualidade de ensino nas escolas de
sua jurisdição (escolas dos distritos de Manhiça, Marracuene e Magude) é um dos mais importantes, pois
eles reconhecem que somente com a melhoria do ensino haverá candidatos com qualificações acadêmicas
desejáveis para o ingresso na formação docente. Na visão desses sujeitos, o ensino nas escolas primárias
apresenta problemas sérios de qualidade que desembocam nas deficiências do sistema educativo,
conforme descrevem a seguir:
“…de forma geral, o ensino não está bom em Moçambique, mas com maior
incidência para o ensino primário… é claro que houve uma avaliação
externa feita e defendia que os professores têm mau desempenho porque
são malformados… é possível que seja verdade. E, se são malformados, é
natural que lá também vão desempenhar mal as suas funções… mas, de
uma forma geral, o ensino primário não está bom…” (Entrevista com gestor
G1 realizada no dia 23/04/2019).
Por meio das falas dos sujeitos acima, percebe-se que eles compreendem a gravidade do problema da
qualidade de ensino nas escolas. No entanto, seus argumentos entrelaçam-se entre a lógica da vitimização
e da culpabilização dos professores pelos resultados da educação de maneira geral. As lógicas da
vitimização e da culpabilização, de acordo com Diniz-Pereira (2019), fazem os sujeitos, no primeiro caso,
sentirem-se menos responsáveis, uma vez que entendem que as coisas acontecem sem que elas tenham
poder de controlo sobre os eventos (vítimas) e, no segundo caso, as pessoas recebem o fardo por entender
que elas faltaram com a responsabilidade de garantir que certo evento tivesse sucesso (culpados). No
entanto, nesse caso em concreto, esses formadores de professores, ao mesmo tempo que culpabilizam a
sociedade pelo mau desempenho escolar dos alunos, sentem-se vitimizados pelos resultados escolares
141
ruins por terem participado do processo da formação dos professores em um sistema de ensino
considerado obsoleto.
A formação de professores inicia no Instituto, porém, sua consolidação vai se dando ao longo da vida
profissional por meio de reflexões individuais e conjuntas sobre a práxis e do companheirismo profissional,
de acordo com as necessidades individuais de evoluir e de consolidar os saberes sobre a prática ao longo
de suas trajetórias (SCHON, 1987; GARCIA, 1999 e IMBERNÓN, 2011).
A problemática da qualidade de ensino nas escolas em Moçambique não é vista apenas sob o prisma da
atuação dos professores, como também sob o prisma da gestão escolar:
Esses pronunciamentos reconhecem a fraca atuação dos professores nas escolas moçambicanas e vão ao
encontro do que foi constatado em outros estudos (MAZULA, 2018; MATAVELE, 2016; NIQUICE, 2006;
USSENE, 2006). Ou seja, eles confirmam que a formação de professores para o ensino primário em
Moçambique é, de modo geral, elementar e, consequentemente, a competência do professor é fraca.
Embora seja esse o entendimento dos gestores e da maioria dos estudos, nesta pesquisa, compreendemos
que esta se trata de uma visão fragmentada sobre um problema que é sistêmico. Portanto, afirmar que os
professores lecionam mal em razão da má formação sem analisar todas as componentes do sistema
educativo que, por fim, geram as situações em que se encontram os professores em nossas salas de aulas,
é, no mínimo, leviano. Percebe-se, nas falas dos gestores, uma certa nostalgia sobre o passado do sistema
educacional. Esse passado situa-se entre os períodos que antecedem a independência (1900-1974), os
primeiros anos da independência, até a reformulação do Sistema Nacional de Educação (1975-1992).
142
Segundo Golias (1993), na era colonial, o objetivo da educação era fundamentalmente civilizatório.
Portanto, quem desejasse esse estatuto de “civilizado” (sinônimo de “branco”) deveria ter o domínio da
língua portuguesa – tanto na fala, quanto na escrita. Porém, tal domínio cognitivo era obtido por meio de
sacrifícios enormes por parte das crianças, inclusive com o uso de castigos corporais (como, por exemplo, a
utilização das palmatórias). Esse ensino mudou apenas de nome, pois o figurino após a independência
permaneceu basicamente o mesmo: as crianças eram compelidas a aprender às custas de ofensas
corporais à semelhança da pedagogia tradicional e colonial 103. Em razão disso, o Sistema Nacional de
Educação em Moçambique colocou em pauta uma normativa, no Regulamento Geral do Ensino Básico,
sobre disciplina e punições, no artigo 46.3: “Não é permitida a aplicação de tipo de castigo quer corporal
quer o que resulta na perda de aulas ou que originem a falta dos alunos”. E, no artigo 51, sobre os deveres
dos professores, na alínea “n”, postulou-se o seguinte: “Não aplicar castigos corporais aos alunos”. A partir
da introdução do novo sistema de educação, o currículo escolar passou a privilegiar as progressões por
ciclos de aprendizagem (INDE/MINED, 2003) e isto gerou discórdia entre os professores por estes
entenderem que as crianças deveriam repetir a classe e, caso isso acontecesse, eles deveriam justificar o
porquê disso. Essa medida foi acompanhada por um outro “elemento avassalador”, na compreensão de
muitos professores: a fixação de um mínimo de 80% de aproveitamento escolar no final de cada ano.
Segundo Zabalza (2019), isso acontece em razão da maneira como as pessoas encaram o passado:
Muitos professores que lecionam hoje em Moçambique são da geração da independência. Isto significa que
eles podem ter absorvido largamente a pedagogia tradicional colonial por meio dos seus primeiros anos de
escolaridade e, por intermédio de seus professores, advindos do sistema colonial, no chamado “ensino
normal para indígenas” cuja finalidade era habilitar professores para lecionar nas chamadas “escolas
rudimentares” para os “indígenas” (GOLIAS, 1993). Os elementos da pedagogia tradicional e colonial
ficaram de certa maneira impregnados na cultura do povo. Ademais, a independência mostrou-se incapaz
de satisfazer a maioria do povo moçambicano por este continuar a ter acesso restrito ao sistema escolar 104 e
em razão da configuração de uma nova classe burguesa nacionalista 105 que substituiu os opressores de
outrora e transformou-se em neocolonialistas ou neoopressores (FREIRE, 2018). Essa memória carregada
103
A pedagogia colonial ficou caracterizada pelo seu carácter discriminatório, unidade entre religião e ensino, carácter fictício da
escolarização obrigatória, carácter urbano da rede escolar e carácter paternalista (GOLIAS, 1993).
104
No primeiro capítulo desta tese, descreve-se exaustivamente a situação geral do ensino em Moçambique e demonstra-se que a
rede escolar continua escassa e concentrando-se em meios urbanos (sede de vilas e localidades), dificultando o acesso e a
continuidade da escolarização fundamentalmente para crianças, adolescentes e jovens, com particular destaque, afetando as
mulheres.
105
Em 2014, apareceram vários casos de enriquecimento ilícito de membros do governo e ou de sujeitos ligados às elites estatais ou
governamentais, arrolados nas recentes investigações sobre as denominadas “dívidas ocultas” que conduziram o país para uma
decadência financeira, gerando uma dívida pública acima de 100% do seu PIB. Sumich e Honwana (2007, p. 19) afirmaram que
“enquanto muitos membros da elite da FRELIMO suspeitavam de elementos da transformação, considerou-se que a adoção de
um projeto liberal era o único caminho para acabar com a guerra e reter o poder”. O divisor de águas nos desenvolvimentos
políticos em Moçambique foi causado pelas eleições de 1999 que expuseram a fraqueza potencial da FRELIMO e levaram a uma
fusão de esferas políticas e econômicas com as elites políticas da FRELIMO colocando as mãos em uma variedade de negócios
(NUVUNGA, 2014, p. 146).
143
No caso de Moçambique, nessa luta pela melhoria da qualidade de ensino, diversos atores sociais, entre
eles, as organizações não governamentais (ACTIONAID, ADPP etc.) e grupos da sociedade civil, têm se
esforçado para ajudar o sector da educação por meio de várias iniciativas, como, por exemplo, a oferta de
lanche escolar e de cestas básicas para comunidades carentes, entre outros insumos. No caso do Instituto
de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC), melhorar o ensino nas escolas constitui um passo
fundamental para melhorar a formação de professores. Considera-se, assim, que a escola primária é o lugar
de formação docente e o viveiro de futuros professores. Desse modo, os gestores do IFPC defendem que
para melhorar o ensino é preciso, entre outros aspectos, a redução da proporção professor-aluno, a
melhoria da gestão escolar, acautelar a questão do nepotismo nos concursos de ingresso para carreira
docente e a melhoria nos critérios de seleção de candidatos para a formação docente, conforme o
depoimento a seguir:
A questão da proporção aluno-professor que, no ano de 2018, foi em média “64,2:1” (64,2 alunos por
professor), a taxa de escolarização da população, as condições em que geralmente acontece o processo de
ensino-aprendizagem e a qualidade do trabalho docente constituem, na maioria das escolas moçambicanas,
os maiores obstáculos para a melhoria da qualidade de ensino. Sendo as escolas públicas o “lugar de”
formação docente, a radiografia das condições deploráveis sob as quais o processo de ensino-
aprendizagem decorre antecipa o quão definhados serão os resultados escolares. Portanto, os formandos a
docente, egressos de um sistema escolar de baixa qualidade e sendo preparados em iguais circunstâncias,
correm o risco de não desenvolverem os conhecimentos neles esperados como futuros professores.
144
A precariedade das condições em que o processo de ensino-aprendizagem decorre na maioria das escolas
influencia negativamente no processo de formação docente e, no entender dos gestores do Instituto de
Chibututuíne, a melhoria na gestão das escolas também pode contribuir para o incremento do processo de
ensino-aprendizagem:
Dessa maneira, se a gestão escolar for precária em escolas onde se realizam as práticas pedagógicas e os
estágios, isso pode impactar diretamente a qualidade do trabalho docente. A existência de um bom gestor
pode possibilitar que os objetivos sejam construídos por todos à medida que os processos decorrem
(BHATNAGAR, 2004). Um bom gestor deve dinamizar os processos de maneira sistêmica para que os
resultados sejam eficazes e que, a partir das ações realizadas na construção dos objetivos, todos
desenvolvam novas habilidades nos processos laborais.
Em Moçambique, a idade de ingresso para a formação inicial de docentes para o ensino primário situa-se
entre os 18 e 28 anos. Segundo Sikes (1985), esta “é uma fase de exploração das possibilidades da vida
adulta e de início de uma estrutura estável de vida” (apud Garcia, 1999, p. 63). É importante, então, que o
encaminhamento dos futuros professores se dê em ambientes que proporcionem a construção de uma
maturidade pessoal responsável em relação à profissão. Portanto, dispor os futuros professores a
processos de construção de conhecimentos e de saberes profissionais em ambientes conturbados poderá
propiciar que eles projetem prematuramente uma imagem negativa e invertida sobre a profissão. Conforme
afirmaram nossos entrevistados, na maioria das escolas em que decorrem as práticas de ensino, a gestão
escolar influencia negativamente a formação porque o ambiente profissional vivido nessas escolas não
propicia um bom processo de ensino-aprendizagem:
Garcia (1999) defende a ideia de que o desenvolvimento profissional dos professores não é um processo
automático e unilateral. Ele ocorre apenas pela interação entre o indivíduo e o meio com o qual interage.
145
Nas descrições sobre o meio escolar em que os formandos realizam as atividades práticas do ensino, este
mostra-se desfavorável para uma atividade de indução profissional capaz de levar os praticantes
(estagiários) a compreenderem o sentido da profissão. Embora esse desenvolvimento profissional não seja
linear, é importante sublinhar que, se as escolas em que os formandos realizam as práticas (os estágios)
tiverem realmente um nível acentuado de desorganização, como foi destacado pelos nossos entrevistados,
isso poderá impactar negativamente a qualidade da formação docente, bem como o processo de ensino-
aprendizagem. Enviar os formandos a escolas identificadas como “desorganizadas” é algo desajustado. Se
a intenção do Instituto é formar “bons professores” e, consequentemente, ser referência na formação
docente de Moçambique, faz-se necessário que ele promova cursos de formação contínua sobre a docência
e a gestão escolar nas escolas participantes do processo de preparação docente.
As práticas de ensino durante a preparação docente constituem o cerne da formação. No modelo “10 a + 1”,
não há estágio propriamente dito. A formação é puramente metodológica 106. As escolas responsáveis por
dinamizar as práticas de ensino têm o “dever” de serem escolas “eficazes”.
O Ministério da Educação e Cultura esclarece como deve funcionar esse modelo curricular “10 a +1”:
Dada a natureza acelerada dessa formação e considerando que os egressos assumirão turmas e escolas
sozinhos, uma vez que a demanda de expansão da rede escolar e de contratação de novos professores é
alta, é necessário que os pressupostos organizacionais da formação sejam garantidos e monitorados. Como
nos referimos anteriormente, o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC) dispõe de
meios de transporte exíguos e obsoletos para apoiar a realização das práticas (dos estágios). Em razão
disso, os formandos percorrem distâncias enormes a seu custo para realizar atividades práticas. Além disso,
eles encontram, nas escolas de práticas, um meio desfavorável para a consolidação das teorias
pedagógicas porque, em sua maioria, essas escolas são muito “desorganizadas”. Consequentemente, “a
nova atitude” imposta pelo Ministério da Educação para que se alcance o sucesso nessa formação foi mais
uma falácia das políticas em que o discurso sobre a qualidade de ensino e da formação docente esteve
novamente presente. A esse respeito, Mazula (2018, p. 32) defende que:
106
O modelo de formação “10a + 1” tem cerca de 1.440 tempos lectivos que correspondem a 1.200 horas de formação. Há um total
de quinze disciplinas, sendo nove delas de metodologias de ensino que ocupam 940 horas no currículo, ou seja, cerca de 78.3%
do tempo total de formação (MEC, 2006).
146
Os depoimentos dos nossos entrevistados engrossam a ideia da precariedade na formação docente que
vem sendo referida nos estudos do tipo estado da arte sobre formação de professores em Moçambique.
Porém, essa radiografia sobre a produção acadêmica incide basicamente sobre os aspectos curriculares da
formação (NIQUICE, 2005; DONANCIANO, 2006; USSENE, 2006; MATHE, 2013) e sobre os aspectos
didáticos impregnados no processo da preparação docente (MATAVELE, 2016). Esse levantamento
sinalizou a necessidade de uma reformulação curricular para os cursos de formação docente em
Moçambique. Durante um longo período (cerca de quinze anos), conforme descrito nos planos estratégicos
de educação (PEE, 2006; 2012), os problemas diagnosticados pelos estudos constituíram-se em desafios
para o Ministério da Educação e foram colocados em pauta. Isso resultou no esboço de estratégias políticas
para o enfrentamento desses desafios. Segundo o discurso oficial:
No seguimento do Plano Estratégico da Educação (PEE, 2012) que concerne à formação docente, o
Ministério da Educação, em uma clara alusão de reconhecimento aos crescentes problemas ligados à
formação de professores, afirmou que:
Contudo, prevalecem os indícios reais de piora dos problemas identificados. Para os sujeitos participantes
desta pesquisa, é necessário que algumas ações objetivas sejam desencadeadas com vista a melhorar a
formação docente. Dentre essas ações, destacam-se a questão da formação contínua em serviço, a
pesquisa, a revisão dos critérios de seleção para ingresso no curso e a questão do nepotismo, da corrupção
e do “amiguismo” na seleção dos candidatos para a formação de professores. Eis a visão de um dos
entrevistados sobre como melhorar a formação docente no país:
Por compreendermos que as aprendizagens sobre os saberes docentes ocorrem na caldeira da atividade
profissional, os professores novatos devem ser integrados em grupos de trabalho específicos e
supervisionados por professores mais experientes e com justificado notório saber. Isso possibilitará que o
“novato” experimente, inove e “acomode” os saberes sobre a prática. Porém, em Moçambique, os
professores “novatos” são deixados à própria sorte e a eles são confiadas as classes iniciais que
demandam experiência profissional docente peculiar por se tratar de níveis básicos para aprendizagem da
leitura, da escrita e de noções de aritmética. Lembrem-se: os professores “novatos” não têm ainda domínio
metodológico, bem como domínio de gestão da aula. E, no caso de Moçambique, os egressos do curso “10 a
+1” sequer realizam o estágio! Obviamente, eles precisam ser amparados ao chegarem na escola de modo
a consolidarem as práticas. O Ministério da Educação desenvolveu uma estratégia de colaboração entre os
diferentes atores que participam da formação de professores, porém, de acordo com as constatações do
gestor G3, as escolas não dão seguimento ao processo de formação docente. Ao pretender-se um ensino
de qualidade e uma preparação docente qualificada, é necessário que as escolas, como lugar de formação
de professores, também “mudem”. A esse respeito, Canário (1995) afirma que:
A mudança deve ser um processo conjuntural e não somente da escola. Ademais, essa mudança deve partir
da compreensão dos seus atores e de projeções internas, consubstanciadas à necessidade de melhoria dos
processos e do seu desenvolvimento profissional. Tal como evidencia Canário (1995, p. 15): “ora, uma das
razões fundamentais que explicam a dificuldade de produzir mudanças, telecomandadas do exterior das
148
organizações é o seu carácter prescritivo e racional que não prevê um processo de apropriação e de
reinvenção por parte dos atores locais (no nosso caso os professores)”.
Atinente às mudanças necessárias que resultem na melhoria para a formação docente, os gestores são de
opinião de que a cultura de pesquisa constituiria um contributo importante para esse fim:
Atualmente, a formação de professores em Moçambique converteu-se em uma das luzes verdes para que
se aceda ao mercado de trabalho formal e a empregos concursados. Isso elevou as tensões e as
imoralidades quer dos agentes internos do processo de formação, quer de agentes externos existentes na
sociedade que lutam para integrar alguém de sua afinidade na carreira docente. A formação docente
transformou-se, então, em um verdadeiro “Eldorado” por ser um dos setores estatais que mais oferecem
vagas de emprego anualmente. Isso fez esse setor propício às práticas de nepotismo, de corrupção e de
“amiguismo” que se configuram como males que definham a qualidade de ensino e da formação docente
em Moçambique. Nas palavras dos nossos entrevistados:
“...é chato você ouvir que quem entrou é porque é filho de antigo
combatente… mesmo usando metodologias e falar até todos os dentes
caírem, se aquela pessoa não tem subsídios básicos para poder aprender
não vai aprender. Nós examinamos, entrevistamos, mas, depois, aparece
149
uma lista... então, isso não ajuda porque são pessoas com costas quentes
que, mesmo graduando com baixo desempenho, 11, 10 ou 13 valores
entram no emprego… mas a quem gradua com 18 depois não entra no
mercado. Então, quem está a trabalhar? Temos bons professores
graduados que estão fora do sistema... então, tínhamos que avançar a lista
dos elegíveis para a contratação...” (Entrevista com o gestor G3 realizada
no dia 23/04/2019).
Em várias partes do mundo, a profissão docente tem demonstrado pouca atratividade para bons candidatos
(FANFANI, 2007; GATTI, et al., 2009; LAPO e BUENO, 2003) em razão de suas características e,
principalmente, de suas condições socioprofissionais (identidade, status, remuneração, condições de
trabalho etc.) que, em geral, são pouco apreciadas pela maioria dos jovens que desejam uma formação
profissional e uma carreira de prestígio. Contudo, como mencionamos, em Moçambique, a partir dos anos
2010, aumentou a procura pela formação docente por esta ser o meio de acesso aos concursos de ingresso
para uma carreira estável (o magistério) e isso incrementou os atos imorais, ligados a diversas
manifestações de corrupção, extorsões ou de tráfico de influências – vulgarmente conhecidas como “costas
quentes”, fazendo emergir, no processo de formação de professores, a “praga” que infesta, desorienta e
desqualifica a construção da formação de professores com o mínimo de qualidade aceitável. Nesse cenário,
o projeto de “excelência” na formação docente cai por terra, pois, segundo constata-se, há uma forte
influência externa na seleção para os cursos de formação docente, bem como para os concursos para a
carreira de magistério. A partilha dessas informações por parte dos nossos entrevistados comprova que eles
estão saturados desse processo e, segundo Imbernón (2016, p. 118), “quando não compartilho meus
problemas, eles se tornam mais angustiantes”.
Os dados aqui apresentados conduzem-nos a acreditar que alguns candidatos que afluem à formação e
parte dos que conseguem concursar para a docência têm um “timbre” ou um vínculo parental ou de
agregado com certos indivíduos de reconhecida e respeitada influência na esfera de poder estatal e político.
Além disso, eles podem estar envolvidos com um outro “timbre” – o da corrupção monetária, da extorsão, do
assédio sexual ou, como disse um dos entrevistados, “o fato de ser filho de antigo combatente”. Ser filho ou
possuir parentesco com um antigo combatente, em Moçambique, constitui um certo privilégio a considerar
pelas regalias ou facilidades que esse grupo detém por meio do seu estatuto e as deliberações do governo
a seu favor. Na República de Moçambique, o governo, em reconhecimento aos antigos combatentes, criou
cotas para que seus descendentes tenham “facilidades” ou ingresso direto nas instituições de formação
profissional e no mercado de trabalho. Conforme a Resolução nº 37/2001, que aprovou a política sobre os
assuntos dos antigos combatentes, determina, no Capítulo II, que deve “dar atenção especial ao
combatente da luta de libertação nacional, da defesa da soberania e aos deficientes, órfãos e dependentes,
na implementação da política social do Estado, incluindo na área do emprego e autoemprego”. Portanto, os
antigos combatentes e seus descendentes/dependentes passaram a usufruir de “carta branca” para o
acesso a vários setores laborais e de formação. Consequentemente, em Moçambique, é comum que uma
150
instituição de ensino (do ensino secundário, superior ou técnico profissional, incluindo de formação de
professores) receba uma lista nominal de sujeitos com direito ao ingresso por, supostamente, serem antigos
combatentes ou seus dependentes. Esse cenário explica a fragilização apontada pelos estudos (MAZULA,
2018, NIQUICE, 2005) e pelos participantes desta pesquisa em relação aos princípios de formação e aos
critérios de seleção para o acesso à formação de professores.
Os candidatos admitidos fraudulentamente ou por vias obscuras (por exemplo, por meio da lista proveniente
do Ministério da Educação) e com baixas qualificações no domínio da oralidade, da escrita e da aritmética
básica pouco se dedicam à formação, segundo palavras do gestor G3. Provavelmente, eles têm plena
certeza de que sua presença na instituição de formação docente é apenas uma mera formalidade ou um
meio para aquisição de um diploma que lhes confira a licença profissional de que precisam para garantir a
vaga na carreira do magistério, previamente reservada a eles pelos “senhores do poder”. Portanto, são
essas pessoas que, ao concluírem a educação básica com qualificações baixas, retornam ao setor da
educação básica, agora como professores, e com qualificações não abonadas para o exercício da função
docente. Na óptica do gestor G3, os melhores candidatos não conseguem ingresso para a carreira de
magistério, a não ser os que têm as “costas quentes” que, na maioria das vezes, conseguem concursar para
a docência.
Considerando a formação docente como o viveiro e o resguardo da soberania, por preparar sujeitos que
orientarão o processo de aquisição e de construção intercultural de conhecimentos, faz-se necessário que
seus candidatos (futuros professores) tenham a aceitabilidade necessária para serem os intermediadores
interculturais com bons valores e boas virtudes. Os suportes científicos de que devem dispor os futuros
professores, sem dúvidas, influenciarão a maneira como exercerão a profissão.
A escola ou uma instituição educacional cuja finalidade é a prática ou mediação intercultural ou multicultural
deve possuir como alicerce a cultura, como sistema de crenças, valores, costumes, comportamentos e
artefatos compartilhados que os membros de uma sociedade usam em interação entre eles mesmos e com
seu mundo e que são transmitidos de geração em geração por meio da aprendizagem (IMBERNÓN, 2016,
P. 70) e, nessa ótica, suas práticas e valores devem estar alicerçados na observância de virtudes que
dignificam a nobreza dessa instituição. Avançar para uma formação docente e ao exercício do magistério
por meio de caminhos promíscuos revela-se grave para a intencionalidade da nobreza da prática escolar ou
da docência. Que valores e dignidade assistem uma carreira docente iniciada de maneira promíscuas
(ingresso fraudulento na formação e na docência)?
Um dos nobres valores que os sistemas educativos procuram preservar ou implantar nas escolas tem a ver
com questões de multiculturalidade e interculturalidade. Em nossa análise, entendemos que os sistemas
educativos que pouco investem para a preservação ou prática desses valores como espinha dorsal e
alicerce da educação social estão na iminência de colapsar uma vez que as novas gerações às quais
devem ser repassados os valores culturais não terão exemplo a seguir ou por quem inspirar-se pelo fato de
seus intermediadores interculturais serem detentores de valores perversos – corrupção ativa. Como advoga
Imbernón (2016, p. 72), a multiculturalidade e a interculturalidade não devem ser introduzidas apenas
através da transmissão dos conteúdos nas aulas, como um simples reforço de informação, com técnicas
151
educativas, vários livros, mas deveriam ser introduzidas nas estruturas da organização educacional. Dessa
maneira, advogamos uma formação e práticas docente e seus processos organizativos como uma das
etapas importantes na implantação de um sistema educativo de práticas e valores nobres.
A evidente ausência dos elementos performativos no processo de formação docente conduz-nos a inferir
que há um “faz de contas” na formação de professores em Moçambique. Trata-se, na verdade, de umas
“pinceladas” de formação que resultam em descrédito do processo formativo e reforçam a imagem já
desgastada da formação e da profissão docente no país. Sabendo-se que a formação de professores para o
ensino primário em Moçambique deve associar-se ao desenvolvimento dos professores-orientadores
(professores da escola integrada nas práticas), dos professores acompanhantes (formadores do Instituto) e
garantir a inserção dos professores, ela precisa desenvolver a autonomia profissional dos seus atores e nos
processos de formação, ou seja, deve-se adotar um “novo conceito” de formação no país – a autonomia.
Como defende Imbernón (2011):
Os formadores como sujeitos ativos na preparação docente e os formandos como sujeitos da formação de
professores apresentam perfis sociodemográficos, percursos acadêmicos, formação profissional e
experiências relevantes para a compreensão do objeto da formação e as condições de trabalho docente.
Suas aspirações sobre a qualidade da formação docente constituem uma engrenagem para a compreensão
aprofundada do objeto da formação de professores para o ensino primário em Moçambique. É nesse
diapasão que nossa análise problematiza a imagem da profissão docente na fronteira entre um “bico” ou
uma carreira digna de honra e merecimento, bem como alicerce constituinte do lugar de formação docente e
como um dos pilares para a qualidade da educação nesse país.
Segundo o Ministério da Educação (MINED, 2004), os formadores dos professores nem sempre são
nomeados com base em critérios de qualificação acadêmica e muitos não possuem experiência adequada
para o papel que assumem. Nesse sentido, o próprio exercício profissional constituirá uma oportunidade
para que esses docentes “leigos” aprendam e desenvolvam, no contexto do seu trabalho, as
particularidades e os saberes profissionais inerentes ao seu ofício. Nesse diapasão, faz sentido trazer para
a discussão a questão da transformação do espaço de formação em lugar de formação docente como meio
específico para a preparação eficaz dos professores no seu cômputo geral e para a melhoria da qualidade
de ensino em Moçambique.
Olhar a formação como “lugar de formação eficaz de professores” tem como premissa a implantação de
ações de formação em todo sistema educativo como, por exemplo, organizar as comunidades de práticas
ou núcleos pedagógicos que possibilitem o desenvolvimento da profissionalidade ao longo da carreira. Além
disso, seria importante a garantia da autonomia docente no que diz respeito às ações de formação que
julgarem pertinentes. Para olhar a formação docente como um dos pilares da melhoria da qualidade da
educação em Moçambique é fundamental mais do que políticas voltadas para essa área. É essencial que se
154
melhore, antes de tudo, o próprio subsistema da educação e da formação docente no país por meio da
valorização profissional com a implantação de uma carreira apetecível e atrativa, bem como a garantia de
melhores condições de trabalho. Isto possibilitará a melhoria do status social desses profissionais e, quiçá,
dos resultados do seu trabalho. Portanto, entendemos ser premente conhecer a trajetória socioprofissional
dos formadores do Instituto em estudo como esboço do seu perfil em relação ao papel de preparar novos
professores engajados no desenvolvimento de uma educação de qualidade em Moçambique.
O Instituto de Chibututuíne conta com 26 formadores dos quais cinco são do sexo feminino e 21 do sexo
masculino. Participaram deste estudo, dez formadores (oito homens e duas mulheres). O quadro a seguir
resume as etapas vitais dos formadores sujeitos desta pesquisa, tendo em conta a base desenvolvida por
Sikes (1985)107.
Quadro no 10: Resumo das etapas vitais dos formadores participantes desta pesquisa
Dos dez formadores que participaram desta pesquisa, constatamos que apenas um está na etapa de
exploração das possibilidades da vida adulta. Dois deles estão na etapa de transição ou estabilidade no
posto de trabalho. Um formador encontra-se na etapa de normalização, dois na etapa de maturidade e
quatro na etapa de jubilação. Considerando que o contexto moçambicano da formação docente para o
ensino primário tem muito a ver com as dinâmicas internas do setor da educação nesse país, no que diz
respeito à formação e ao contexto de ensino, a existência de formadores em diferentes etapas de vida
constitui um ponto positivo, pois o debate intergeracional sobre as diferentes épocas e contextos de ensino
escolar encontra um espaço potencialmente fértil. Os formadores enquadrados na primeira e na segunda
etapa estão, sob o ponto de vista temporal, atualizados sobre o contexto escolar uma vez que frequentaram
o ensino primário dentro do mesmo apanágio da Lei 6/92. A existência de formadores nas etapas de
normalização, maturidade e jubilação constitui igualmente um ponto positivo, sob o ponto de vista da
memória institucional e dos processos de formação, as mudanças e os desafios necessários face aos
107
O estudo de Sikes (1985) sugere cinco etapas pelas quais os professores passam ao longo de sua vida. Segundo Garcia (1999,
p. 63-64), essas etapas compreendem nomeadamente: a etapa da exploração das possibilidades da vida adulta (entre 21 e 28
anos); a etapa de transição ou de estabilidade no posto de trabalho (entre 28 e 33 anos); a etapa de normalização (entre 30 e 40
anos); a etapa de maturidade (entre 40 e 50/55 anos) e, por fim, a etapa de jubilação (entre 50 e 55 anos).
155
Embora os formadores em etapa de preparação para a jubilação constituam a minoria (quatro em dez), a
participação desses sujeitos em atividades de formação de formadores novatos mostra-se favorável ao
desenvolvimento de bases para implantação do lugar de formação docente nesse Instituto em razão de eles
representarem a memória institucional e, de certa maneira, serem detentores de um conjunto de
conhecimentos e saberes que precisam ser transmitidos às novas gerações de formadores. A “sabedoria”
desses formadores em jubilação sobre o fenômeno educativo pode servir de luz, conforto e alicerce aos
“novatos”. Sendo assim, defendemos a necessidade da implantação de uma parceria intra-institucional, isto
é, uma parceria entre os pares, para a integração de visões e estratégias profissionais para o
desenvolvimento de uma cultura de trabalho baseada na colaboração e no diálogo. Isto poderá tornar a
instituição mais robusta e “coesa” no que diz respeito à missão de formar novos professores.
Embora estudos demonstrem que a carreira docente, em vários países do mundo, é majoritariamente
feminina – por ela ser considerada socialmente uma extensão do trabalho doméstico (YANNOULAS, 1992),
a representatividade feminina no Instituto de Chibututuíne é relativamente pequena. A razão da pouca
presença feminina na docência desse Instituto pode estar ligada à necessidade de “internamento” dos
formandos e dos formadores – devido ao caráter acelerado da formação – o que leva a existência de
estudos obrigatórios noturnos e, por via de consequência, esse regime de “internamento”. Pode-se afirmar,
então, que o pequeno número de formadoras nesse Instituto decorre, na realidade, de aspetos
socioculturais da “moçambicanidade” – que tendem a ser “machistas” e conservadores – o que inibe as
mulheres de trabalharem e residirem no local de trabalho, abandonando o esposo em casa, sozinho ou na
companhia dos filhos. Os homens, na sociedade moçambicana, geralmente gozam de “direitos” sobre suas
esposas. Eles podem, por exemplo, se deslocarem com suas famílias para onde forem designados para o
trabalho. Para as mulheres, esse “direito” – a possibilidade de transferir a família –, na maioria das vezes,
não está garantido. Por isto, a maioria dos formadores (homens) do Instituto reside com suas famílias no
local do trabalho. As formadoras (mulheres) que residem nas casas da instituição são, em sua maioria,
solteiras. Infelizmente, esse cenário pode reforçar a ideia de que o “lugar da mulher” é em casa. Para
romper com essa triste realidade, são necessárias políticas, em Moçambique, que incentivem a
permanência das mulheres nas escolas e a contratação de um número maior de formadoras de professores
no Instituto de Chibututuíne.
O conhecimento sobre o objeto do ensino – comumente designado por vários estudiosos do campo da
pesquisa sobre formação de professores (SHULMAN, 1987; DINIZ-PEREIRA, 2008; GROSSMAN et al.,
2019) como o “conhecimento do conteúdo” ou o “conhecimento da matéria a ser ensinada” – trata-se de um
conhecimento basilar indispensável para a docência e para o ensino da docência. Portanto, a formação
156
acadêmica do formador constitui um dos pontos de partida para uma melhor dinamização do processo de
ensino-aprendizagem da docência. Não basta que os formadores tenham construído apenas
“conhecimentos pedagógicos” e/ou “conhecimentos do conteúdo pedagógico” na dinâmica do seu trabalho.
Os saberes pedagógicos precisam ser desenvolvidos em permanente diálogo com um conhecimento
profundo sobre o objeto do ensino ou da matéria a ser ensinada.
Dos dez formadores que participaram desta pesquisa, todos possuem o curso superior completo conforme
espelha o quadro a seguir:
Quadro no 11: Tipo de formação acadêmica dos formadores do Instituto de Chibututuíne que participaram
desta pesquisa
Segundo o qualificador profissional do Ministério da Função Pública de Moçambique (MFP, 2010), são
requisitos para ser formador de professores e outros técnicos:
Possuir a licenciatura numa área das ciências da educação, com três anos
de experiência na carreira anterior; Possuir, no mínimo, cinco anos
experiência docente; Dominar o sistema e a metodologia de análise e
planificação do processo de concepção, administração, direção metodologia
e avaliação do SNE, bem como a legislação e regulamentação principal da
atividade educativa; Conhecer a política nacional educativa e a sua
fundamentação filosófica e pedagógica; Ter boa informação de serviço; Ser
aprovado em avaliação curricular seguida de entrevista profissional (p. 322).
Ao analisar o Quadro no 11 acima, é importante verificar essa questão dos “três anos de experiência na
carreira anterior” porque a realidade moçambicana mostra que, geralmente, os professores do ensino
primário, assim como os do ensino secundário, atingem a carreira de docente N1 108 estando a leccionar – o
que torna difícil acumular esses três anos de experiência na última carreira.
De acordo com dados levantados por esta pesquisa de doutorado, dezoito formadores de professores (em
um total de 26) do Instituto de Chibututuíne passaram a essa condição por meio de “mobilidade profissional”
108
Trata-se de um funcionário do Estado, aprovado por meio de avaliação curricular em um curso de formação profissional para a
carreira docente com o nível de licenciatura ou equivalente ou que possuir a licenciatura com especialização em educação de
infância ou no atendimento às crianças deficientes físicos mentais ou em educação de adultos; ou que possui o nível de
licenciatura e foi aprovado em curso de capacitação para o ensino em uma instituição vocacionada a formação de professores
(para docentes sem formação psicopedagógica) e que conhece a legislação e regulamentação básica da atividade educativa
(MFP, 2010, p. 326).
157
(transferência). Destes, apenas dois possuem preparação para a docência no ensino primário e um deles foi
agraciado pela mobilidade quando tinha somente dois anos de serviço na carreira anterior. Levando-se,
então, em consideração a exigência do qualificador e analisando o perfil desses dezoito formadores de
professores do Instituto agraciados pela mobilidade, constatamos que quatro tiveram mobilidade com tempo
de serviço inferior ao requerido pelo qualificador, pois sua mobilidade foi anterior à introdução do
qualificador profissional. Dois deles, à altura da mobilidade, não possuíam formação superior, pois
concluíram a formação superior apenas no ano de 2018.
Dos formadores agraciados pela mobilidade profissional, cinco são os mais antigos na carreira de formador
e igualmente com a maior experiência profissional. Todos eles encontram-se hoje na etapa de jubilação
(mais de 50 anos de idade). Dos formadores anciãos, apenas um teve um ano de experiência profissional
no ensino primário. Todos eles tiveram mais experiência docente no ensino secundário – com exceção de
um que, dos 24 anos de experiência profissional que possui, apenas oito foram dedicados ao ensino
secundário.
Dos sete formadores (em um total de 26) que ingressaram pelo concurso público, nenhum é formado na
área de Ciências da Educação – destes sete, todos iniciaram sua carreira profissional nesse Instituto, com
tempos de serviço que variam de quatro, dez e treze anos na formação docente. Desses sete formadores
sem diploma de licenciatura em Ciências da Educação, nenhum possui uma formação voltada para a
docência.
Portanto, esses dados trazem à superfície o perfil do formador do Instituto de Chibututuíne em confrontação
com as premissas consagradas por meio do qualificador profissional. Esse cenário reforça a ideia da
urgência da profissionalização da carreira do magistério. Moçambique, na componente de profissionalização
docente, ainda precisa aprimorar as suas estratégias para esse campo, uma vez que apregoa o discurso de
educação de qualidade para todos. Como estamos a insistir, ao longo desta tese, essa qualidade apenas
pode ser construída por meio de um movimento sistêmico de processos e ações. Uma dessas ações tem a
ver com o alicerce da base profissional dos professores a ser construído por meio do desenvolvimento
profissional e, conforme os estudos revelam, a construção da profissionalidade docente deve sê-lo dentro
da profissão (NÓVOA, 2009; COELHO e DINIZ-PEREIRA, 2017).
Em relação ao tipo de formação acadêmica dos formadores do Instituto de Chibututuíne, pode-se afirmar,
então, que eles possivelmente detêm, minimamente, o “conhecimento sobre o objeto de ensino” uma vez
que cada um deles leciona na sua área específica de formação. No entanto, ao nosso ver, esse
conhecimento não se configura suficiente para o ensino da docência, sendo necessário outras vertentes do
conhecimento – o “conhecimento pedagógico” e o “conhecimento pedagógico do conteúdo” 109. É importante
destacar que o tipo de formação da maioria desses formadores não é voltado para a docência, ou seja, a
maior parte deles não frequentou um curso de “licenciatura” 110. Dos dez formadores que participaram desta
109
Apesar da formação de professores para o ensino primário em Moçambique ser meramente “pedagógica”, defendemos que os
formadores de professores tenham também uma sólida formação em “conhecimentos pedagógicos” e em “conhecimentos
pedagógicos dos conteúdos”. Não estamos de acordo com o modelo acadêmico ou tradicional de formação docente que assume o
conhecimento do conteúdo disciplinar e/ou científico como sendo suficiente para o ensino e que seus aspectos práticos podem ser
aprendidos em serviço (DINIZ-PEREIRA, 2008).
110
No contexto moçambicano, considera-se “licenciatura” todo curso superior completo de nível de graduação. Portanto, não basta
que se diga, nesse contexto, que se possui um diploma de licenciatura para concluir que a pessoa possui um curso de
158
pesquisa, apenas dois possuem um diploma de “licenciatura”. Os demais possuem graduação completa em
uma área específica de conhecimento – o “bacharelado”, segundo o modelo brasileiro. Por se tratar de
formadores de professores, o recomendável seria a posse de um diploma de licenciatura ou de bacharelado
seguido de uma pós-graduação em educação e/ou docência.
Em Moçambique, a formação superior não é o primeiro nível muito menos a única formação que confere a
preparação pedagógica para a docência. Analisemos a seguir o percurso de formação profissional dos
formadores participantes desta pesquisa de modo a compreender a preparação deles para o ensino da
docência.
A análise do percurso acadêmico dos formadores que participaram desta investigação acadêmica revela um
cenário desolador. Ela vai ao encontro dos achados da pesquisa de Matavele (2016) que concluiu que os
formadores de professores em Moçambique têm pouco domínio de técnicas de ensino e de didática.
A formação docente segundo o modelo “10 a + 1 ano” assenta sobre a abordagem pedagógica e as práticas
de ensino, porém, a maioria dos formadores que participaram desta pesquisa não tem uma formação
voltada para o conhecimento pedagógico do conteúdo que lecionam, socorrendo a suas experiências,
noções e criatividades para participar do processo de “ensinar a ensinar”. Tem-se, portanto, um instituto de
formação de professores – que tem como um de seus desafios “ser referência na excelência da formação
docente” – com um corpo docente despreparado pedagogicamente para o papel que assume.
professorado à semelhança do modelo brasileiro em que as licenciaturas são cursos especificamente para o professorado.
111
Eficácia entendida aqui no sentido “progressista”, ou seja, da aprendizagem construtivista.
159
A República de Moçambique, em seu recente percurso educativo (de 1975 aos nossos dias), tem
desenvolvido várias estratégias, por meio do Ministério da Educação, para criação de mecanismos que
permitam que todo pessoal docente se beneficie de uma formação para o pleno exercício profissional 112.
Esse esforço pode ser percebido, por exemplo, por meio do crescente número de graduados nas faculdades
de educação do país, tanto das universidades públicas como privadas.
Indagamos, na sequência, a experiência profissional dos formadores de professores que participaram desta
pesquisa para compreendermos até que ponto eles estão habilitados para o exercício da prática da
preparação docente.
Para a formação dos professores do ensino primário em Moçambique, é importante que o conhecimento da
prática docente sobre o ensino primário seja adquirido previamente pelos formadores dos professores para
que ele proporcione experiências de aprendizagem contextualizadas aos formandos. Porém, conforme
mencionado anteriormente, a maioria dos formadores do Instituto de Chibututuíne não possui uma formação
voltada para o exercício da docência. O Ministério da Educação (MEC, 2004), diante dessa realidade, põe
em pauta a necessidade dos formadores de professores em Moçambique possuírem alguma experiência
docente prévia. Passamos, então, a analisar a experiência profissional desses sujeitos. O gráfico a seguir
mostra o percurso dos dez formadores participantes desta pesquisa tendo em vista sua experiência
profissional nos diferentes níveis de ensino – ensino primário, secundário e/ou superior – e na formação
docente:
112
“Formar o professor como educador e profissional consciente com profunda preparação científica e pedagógica, capaz de educar
os jovens e adultos. A formação inicial e o aperfeiçoamento contínuo dos professores são atividades estratégicas para a melhoria
da qualidade do ensino. Em coordenação com a Universidade Pedagógica, serão concebidos e postos em funcionamento cursos
virados para o bacharelato ou licenciatura em ensino primário, tanto para formadores de professores deste nível, como para
docentes do ensino primário em geral” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Política Nacional de Educação e Estratégias de
Implementação, 1995, p. 23-24).
160
Percebe-se, por meio do gráfico acima, que a experiência docente no ensino primário – segundo o
Ministério da Educação, um dos requisitos para a docência na formação dos professores em Moçambique –
dos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne revela-se baixa. Destes, apenas dois
formadores de professores desse Instituto têm experiência docente no ensino primário. Segundo o
Ministério da Educação (MINED, 2004), um dos problemas na formação de professores em Moçambique é a
desqualificação dos formadores. A eles falta, muitas vezes, experiência em prática de ensino na educação
básica. Em razão disso, o Ministério da Educação definiu como estratégia – a ser cumprida a curto prazo,
ou seja, entre os anos 2004 e 2008 – o desenvolvimento de “um programa compreensivo de capacitação
institucional para garantir que todos os formadores de professores possuam o nível adequado de
compreensão e experiência sobre metodologias centrados no aluno e prática do ensino básico
contemporâneo” (MINED, 2004, p. 14).
No entendimento do Ministério da Educação (MINED, 2004), uma das vias para melhorar a formação
docente reside justamente na melhoria da qualificação dos formadores. Segundo um documento do MINED:
Para os formadores de professores do Instituto de Chibututuíne com experiência no ensino primário, esta
trata-se, na verdade, de uma experiência incipiente. O tempo de experiência desses formadores revela-se
insuficiente para o desenvolvimento de conhecimentos e saberes das práticas docentes necessários para
uma melhor compreensão sobre esse nível de ensino.
Defendemos a ideia de que as escolas de ensino primário são a base que retroalimenta o processo de
formação de professores para esse nível de ensino e, assim sendo, os institutos de formação docente
deveriam buscar nessas escolas os saberes da prática, bem como professores qualificados para integrarem
o corpo docente de formadores. Ou seja, a ideia é transformar as escolas de ensino primário também em
“lugar de formação”.
Como mostrado no Gráfico 6, sete formadores de professores do Instituto de Chibututuíne (em um total de
dez que participaram deste estudo) têm experiência docente no ensino secundário do 1º ciclo (8 a a 10a
classes). A experiência adquirida nesse nível de ensino, embora não seja elegível para a formação dos
professores do ensino primário, reveste-se de alguma importância em razão do ensino secundário do 1 o
161
ciclo voltar-se, geralmente, para adolescentes entre os 13 e 15 anos – o que poderia resultar no
desenvolvimento de uma compreensão, mínima que fosse, de trabalho com crianças. Porém, no contexto
moçambicano, o ensino secundário é, na realidade, um nível de ensino frequentado por jovens e adultos em
vez de crianças adolescentes. Por isso, consideramos quase nula a ideia de que os formadores com
experiência nesse nível de ensino compreendam realmente o trabalho com crianças. Os professores que
ensinam no ensino secundário em Moçambique, em geral, consideram e tratam o aluno desse nível de
ensino como adulto. O mesmo pode ser afirmado em relação aos formadores de professores com
experiência docente no ensino secundário do 2 o ciclo (11a e 12a classes) que, assim como o ensino
secundário do 1o ciclo (8a a 10a classes), proporciona uma profissionalidade para trabalhar com adultos.
Essa profissionalidade desenvolvida pelo trabalho com “adultos”, embora ofereça certos saberes
profissionais da docência como, por exemplo, conhecimentos gerais sobre a relação pedagógica professor-
aluno, não proporciona o desenvolvimento de saberes específicos necessários para o trabalho no ensino
primário que, como sabemos, é a finalidade da formação dos professores no Instituto de Chibututuíne.
Dos dez formadores de professores da nossa amostra, dois deles possuem experiência docente no ensino
primário. Podemos estar na presença de formadores que se frustraram pela docência ou que estavam à
procura apenas de uma promoção profissional. Ao compreender os mecanismos sob os quais esses sujeitos
revelaram sobre a sua mobilidade para a carreira profissional de formador, a experiência desenvolvida por
eles no ensino médio pouco significou para a carreira atual. Se eles transportarem a visão rotineira do
ensino e a necessidade de encontrar um estímulo profissional fora do magistério para o trabalho deles no
Instituto, isto poderá, na verdade, prejudicar o processo da formação dos professores para o ensino
primário. Mesmo que desenvolvessem novas técnicas de ensino para o ensino médio, tudo cairia por terra,
pois, como sabemos, no ensino primário o processo de ensino-aprendizagem é diferente do ensino médio.
Como também vimos por meio do Gráfico 6, três formadores de professores do Instituto de Chibututuíne
têm experiência docente no ensino superior. Porém, essa experiência da docência no ensino superior pode
ser traduzida como procura de um estímulo fora da classe habitual. Trata-se de anos de docência realizados
em paralelo à docência na formação dos professores no Instituto. Ou seja, trata-se de um “trabalho extra”
desenvolvido apenas para melhorar a condição de vida desses sujeitos. O desenvolvimento desse “trabalho
extra”, na realidade, pode prejudicar o desenvolvimento de uma profissionalidade na formação docente, pois
esses formadores acabam dedicando mais tempo e atenção ao ensino superior a fim de manterem ali suas
vagas. Para tal, isto requer horas de dedicação à pesquisa e à preparação didática. O ensino superior é
considerado “a galinha dos ovos de ouro” desses formadores que conseguiram uma contratação extra. Eles
farão de tudo para continuar a merecer esse posto de trabalho. Certamente, isso impactará o seu tempo
dedicado à docência no Instituto de Chibututuíne113.
Abaixo disso, um tem dez anos de experiência formando novos professores e o outro nove. Ou seja, trata-
se de um corpo docente relativamente experiente na tarefa de preparar novos professores para o ensino
primário em Moçambique.
Professores que, não tendo vocação para ensinar, entram na carreira como
a alternativa que lhes restava para conseguirem um emprego […],
desvalorização progressiva do estatuto do professor perante a sociedade
(os professores contestam os baixos salários, falta de progressão na
carreira, degradação das condições de trabalho (inexistência de centros de
recursos didáticos na maior parte das escolas, as turmas são, cada vez
mais numerosas, as progressões na carreira são demasiadamente lentas ou
mesmo inexistentes para muitos professores) […] e a desmotivação de
muitos professores (disponibilidade para troca de experiências com colegas,
promoção de debates profícuos entre professores, disponibilidade individual
e/ou grupal para a experimentação e a investigação pedagógica, disposição
pessoal do professor para leituras e visitas de estudo, desenvolvimento do
espírito de colaboração e colegialidade na aprendizagem dos saberes
profissionais necessários para enfrentar com mestria os problemas
profissionais) (NIVAGARA, 2013, pp. 35-36).
Ou seja, é possível afirmar que o percurso profissional desses formadores não possibilitou um
desenvolvimento profissional que se enquadrasse no ensino da docência. Tem-se o agravante de os
163
professores, na maioria das vezes, serem obrigados a realizar cursos de curta duração ou “jornadas
pedagógicas” nas suas escolas ou na ZIP114.
Portanto, o indicador “desenvolvimento profissional” dos formadores desse Instituto descreve o perfil dos
formadores lá existente e reforça a visão de que as “oficinas pedagógicas” referidas pelo gestor G2, no
Capítulo Três desta tese, deveriam ser sistêmicas de modo a proporcionar aos formadores a possibilidade
de desenvolverem profissionalmente em contextos de formação.
O segundo indicador, o da “autoestima profissional baixa”, tem a ver com a maneira como os
formadores se identificam, se sentem e manifestam seu sentimento diante do cenário da formação docente
e da situação atual do ensino primário em Moçambique. Percebe-se o desenvolvimento de um quadro de
autoestima profissional baixa generalizada nos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne. Em
geral, isso acontece em razão do sentimento de culpabilização que a eles é imputado em relação ao
fracasso do ensino primário no país. Conforme o discurso do Banco Mundial, a qualidade do ensino em
Moçambique é baixa decorrente da má qualidade dos professores. Como sabemos, na realidade, o baixo
financiamento do sistema da educação e da formação de professores, bem como o “clientelismo” nesse
setor acabam influenciando todo sistema educacional. Como espelham as falas dos gestores do Instituto de
Chibututuíne, pressente-se um “medo”115 ou receio dos gestores – que são igualmente formadores – para
dar face aos problemas decorrentes na formação docente:
“…ao invés de recebermos aquele aluno que nós esperamos que vai
aguentar com os programas previstos para a formação dos professores
somos obrigados a voltar um bocandinho para trás para podermos ver se
conseguimos puxar…” (Entrevista com o gestor GA no dia 18 de abril de
2019).
“…o ensino tem sido mais dinâmico agora do que antes, então nós também
precisamos de sermos envolvidos em outros cursos de Mestrado e
Doutoramento, o que não temos…” (Entrevista com o gestor G1 no dia 23
de abril de 2019).
“…se fossem estudantes que entram aqui com boas habilidades, a coisa
seria outra…” (Entrevista com o gestor G1 no dia 23 de abril de 2019).
Como destacamos no capítulo anterior desta tese, as falas dos gestores denunciam a existência de um
certo receio ou “medo” entre os formadores do Instituto de Chibututuíne para trabalhar com o perfil de
114
Nivagara et al. (2016) referem à Zona de Influência Pedagógica (ZIP) como um espaço primordial de troca de experiências entre
professores a partir de jornadas pedagógicas. Isto constitui um dos alicerces a serem potencializados no âmbito da formação
acadêmico-profissional de professores e, consequentemente, da qualidade do ensino-aprendizagem, reforçando-se os meios de
ensino e a componente da tecnoesfera.
115
Freire (2001, p. 39) referiu-se ao “medo” como sendo “um sentimento de inquietação ante a noção de um perigo real ou
imaginário”.
164
alunos que eles recebem nessa instituição de formação de professores. Entendemos que, a partir desse
“medo”/receio, desencadeia-se um processo da autoestima profissional baixa associado ao fato de serem
professores que têm dificuldades epistemológicas no campo da formação docente por serem docentes que,
na sua maioria, não têm formação específica para o papel que exercem.
A precarização da profissão docente, um dos fatores que geram autoestima profissional baixa, atinge em
cheio também a chamada “condição docente” (FANFANI, 2005). Para esse autor argentino, ao avaliar as
condições do trabalho docente em países da América Latina, a profissão de magistério parece, ao longo dos
tempos, trilhar o caminho do desgaste. A seguir, analisaremos as condições de trabalho dos formadores de
professores do Instituto do Chibututuíne, em Moçambique.
Uma das variáveis presentes nos estudos do campo da formação de professores é a condição do trabalho
docente. Nela, abordam-se, entre os variados assuntos, a questão salarial, a profissionalidade, a formação
contínua, a carga horária, o status social da profissão, o sindicalismo etc. (FANFANI, 2005; ANDERSON, et
al., 2013; OLIVEIRA, 2007; COELHO e DINIZ-PEREIRA, 2017).
Dos dez formadores de professores que participaram desta pesquisa, apenas um possui outro emprego
paralelo à função que exerce no Instituto de Chibututuíne. Os demais formadores (nove) afirmaram que não
exercem outra atividade além da formação docente. À princípio, esses dados revelam uma situação positiva
nesse Instituto em relação à disponibilidade de tempo dos formadores para a dedicação plena ao trabalho
de formação. Ou seja, a maioria deles dedica seu tempo exclusivamente para o serviço da formação
docente116.
Fanfani (2005), ao estudar a condição docente em alguns países da América Latina, analisa o número de
estabelecimentos em que trabalham os professores. Apesar de reconhecer “uma evolução positiva em
116
A maioria dos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne exerce apenas o papel de formador. Sete dos dez
formadores que participaram da nossa pesquisa afirmaram que se encontram nessa condição. No entanto, alguns assumem
também encargos administrativos. Por exemplo, todos os chefes de departamento são igualmente formadores e temos um
coordenador de práticas que é igualmente formador.
165
termos de profissionalização e identificação com as instituições onde prestam serviços”, o autor denuncia
que ainda há vários professores, na região, trabalhando “em uma, duas e até mais instituições” (p. 85).
Dessa maneira, de acordo com os salários aplicados pelo Ministério da Educação de Moçambique até 2018,
os formadores de professores enquadrados na carreira de Instrutor Técnico Pedagógico de N1 – à princípio,
a carreira a que pertencem os formadores 117 – por exemplo, na classe “E”, escalão “1”, tinham um piso
salarial de 21.464.00 meticais – o equivalente a cerca de R$ 1.651.00 reais brasileiros, a um câmbio de
treze meticais (13,00 mt)118. Contudo, nem todos os formadores enquadram-se na carreira de Instrutor. A
maioria enquadra-se na carreira de Docente N1, classe “C”, com variação de escalões. A promoção na
carreira não é linear e automática, pois depende de procedimentos administrativos e, obviamente,
disponibilidade orçamentária. Isso leva-nos a inferir que os formadores que se dedicam exclusivamente à
docência no Instituto de Chibututuíne fazem-no, na realidade, por falta de oportunidades, pois seus ganhos
mensais como formadores de professores revelam-se muito baixos.
Conforme ilustramos no quadro a seguir, há diferenças significativas entre a natureza do trabalho dos
“instrutores” (Instrutor Técnico Pedagógico N1) e dos “docentes” (Docente N1).
Apoia e orienta os instrutores das categorias inferiores ao Desenvolve nos jovens e trabalhadores atitudes comportamentais
desenvolvimento das suas atividades particularmente no que necessárias ao exercício da profissão, o conhecimento das normas
respeita à preparação e realização das aulas e trabalhos práticos de higiene e segurança no trabalho, o brio profissional e uma
atitude crítica e responsável perante o trabalho que realiza
Acompanha e orienta os futuros professores ou outros Capacita o aluno para valorizar a invenção, expressão e criação
profissionais nas práticas pedagógicas e no estágio cultural, adquirindo e assumindo o conhecimento da função da
cultura na vida social e individual e a formação de sentido estético,
o amor pela beleza e pela arte
Elabora e dirige trabalhos de investigação pedagógica e inovação Trabalha com os pais e encarregados de educação com vista à
educativa nomeadamente ao nível dos métodos e técnicas coordenação entre a escola e a família, no processo de
desenvolvimento da personalidade do aluno
Orienta os futuros profissionais na realização do trabalho final do Apoia e orienta os professores das categorias inferiores no
curso desenvolvimento das suas atividades, particularmente no que
respeita à preparação e realização das aulas e trabalhos práticos.
Executa outras tarefas de maior ou menor complexidade, quando Desenvolve atividades educativas com crianças deficientes físicos
necessário mentais e trabalha nas instituições de formação técnico-
profissional do nível primário, secundário e médio, nas escolas do
ensino secundário e pré-universitário
Como vimos anteriormente, a maioria dos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne possuía
qualificação para trabalhar apenas no ensino secundário. Para serem enquadrados na categoria de
“formadores de futuros professores” (Instrutores Técnicos pedagógicos N1), eles precisaram passar por
uma preparação prévia no domínio de metodologias e técnicas sobre a formação de professores, bem como
uma preparação para o acompanhamento de práticas e outras atividades inerentes à formação docente. A
falta desse conhecimento por parte desses formadores torna seu trabalho árduo e pesado, pois eles devem
realizar um esforço enorme para aprender em contexto da própria prática as premissas da profissionalidade
na formação docente.
Obviamente, o Chefe do Departamento tem uma carga de trabalho maior 119, pois, além de desempenhar a
função de “instrutor”, ele ainda tem um volume de tarefas complexas de chefia por realizar que demandam
tempo e dedicação, como se pode constatar a seguir:
119
Segundo Diploma Ministerial n o 101/2012 (2012, p. 281), no artigo 27, os formadores que exercem cargos de gestão têm redução
da carga horária nos seguintes termos: Diretor Adjunto – 12 horas; Chefe do Departamento – 6 horas e Diretores de turma – 2
horas. As seis horas semanais de gestão previstas para que o Chefe do Departamento realize parte dessas atividades são
insuficientes para que ele concilie as tarefas de gestão e de docência.
168
As condições de trabalho dos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne (salários baixos, falta
de meios adequados para o trabalho 120...) não favorecem uma boa produtividade profissional. Além disso, as
atividades a que se dedicam não se estruturam no sentido de proporcionar paralelamente seu
desenvolvimento profissional. Cada formador procura a seu critério formar-se para elevar sua categoria
profissional.
Analisemos a seguir a visão desses formadores sobre a questão da “qualidade” na formação dos
professores e no ensino primário.
4.1.7 Percepção dos formadores do Instituto de Chibututuíne sobre a “qualidade” na formação dos
professores e no ensino primário
Ao analisarmos a questão da “qualidade” na formação docente, não nos referimos ao resultado dessa
preparação, mas sim às ações e aos eventos existentes nos processos de formação de professores, isto é,
pretendemos que os formadores façam uma avaliação de si mesmos e dos processos de preparação de
futuros professores em que participam.
As percepções dos formadores em relação à qualidade na formação dos professores para o ensino primário
não são muito divergentes. A maioria (sete formadores em um total de dez) entende que essa formação é
boa e apenas três consideram ser esta uma preparação razoável. Nenhum dos formadores considerou a
formação dos futuros professores para o ensino primário no Instituto de Chibututuíne como sendo
“excelente” ou “péssima”. A discussão sobre a questão da “qualidade” trata-se de um construto subjetivo –
há sempre uma razão subjetiva que nos leva a adjetivar as coisas de boas ou más –, apesar das condições
existentes e conhecidas para que algo seja avaliado como sendo “de qualidade”. Os formadores que se
referiram à formação para a docência no ensino primário no Instituto de Chibututuíne como sendo “boa”
apresentaram as seguintes justificativas:
120
No terceiro capítulo desta tese, descrevemos a estrutura e o funcionamento do Instituto de Chibututuíne e ficou evidente que há
falta de condições adequadas para, por exemplo, dinamizar as práticas de ensino e de pesquisa – como, por exemplo, a falta de
acesso à Internet e obras científicas. Como vimos, os formadores chegam a usar meios pessoais para suprir essa carência.
169
Dessa maneira, a maioria compreende que a formação é “boa” porque eles, os formadores, são bons e
qualificados. Por isso, afirmam que, no final, tudo sai bem: “...formandos e formadores levam a formação a
bom termo”. Tal comportamento pode ser compreendido como um self defense por parte dos formadores –
eles têm consciência de que a sociedade em geral não prestigia o seu trabalho. Ou ainda, eles têm
consciência do fracasso em relação ao cumprimento dos objetivos da formação docente e, em razão disso,
autoelogiam-se e, ao fazerem isso, procuram escamotear a realidade. Se há alguma coisa que assumem
não andar bem, essa coisa nada tem a ver com eles, mas sim com outras questões: a qualidade dos
materiais, a existência de candidatos fracos etc. Em resumo, reforçam a “tese da vitimização” sugerida por
Diniz-Pereira (2019).
Em relação aos que afirmaram que a formação de futuros docentes no Instituto de Chibututuíne é razoável,
assim o entendem porque para eles:
Essa postura de vitimização aparta os professores do diálogo público e é urgente e “necessário aprender a
comunicar com o público, a ter uma voz pública” (NÓVOA, 2009). Não será escondendo-se por trás das
fraquezas dos outros ou dos eventos que os formadores se livrarão da visão popular de “culpados”. É
urgente que a formação docente seja trazida ao debate público e os formadores liderem essa discussão
sem receios ou necessidade de “mea-culpa”. É por meio do debate público que soluções serão
encontradas. As portas fechadas das salas de aula devem ser escancaradas, levando a sociedade a
vivenciar e conhecer os reais problemas da formação docente (DARLING-HAMMOND e BRANSFORD,
2019; IMBERNÓN, 2016).
Concordamos com os formadores inquiridos que o atual modelo curricular de formação de professores
primários em Moçambique, “10a + 1 ano”, é intensivo, de caráter “tecnicista” e carece de um conjunto de
170
suportes institucionais sistêmicos para que os resultados nele esperados sejam positivos. Porém, é
importante que os formadores entendam que também são parte do problema e, portanto, precisam de apoio
na sua dimensão humana e profissional de modo a contribuírem para a construção de práticas progressistas
que permitam ao futuro professor aprender a aprender continuamente. Diante o crivo social que questiona e
problematiza o trabalho docente, os professores precisam esclarecer à sociedade o que está na verdade
acontecendo com a educação no país.
Os formadores que afirmaram que a formação de professores para o ensino primário no Instituto de
Chibututuíne é “boa” sugerem as seguintes ações para a melhoria da preparação dos futuros professores:
Os formadores que percebem que a formação de professores para o ensino primário no Instituto de
Chibututuíne é “razoável” não divergem muito disso e entendem que é preciso:
Concordamos que é importante que se analise a questão do vestibular. Contudo, é mais necessário e
urgente repensar a vulnerabilidade das comunidades desfavorecidas em relação à escolarização de seus
171
filhos, sob o risco de se perpetuar a exclusão dos socialmente já excluídos – condenados eternamente à
condição de “fracassados”. A desumanização das vidas rurais em Moçambique, por exemplo, ganha
terreno121. Crianças, adolescentes e jovens das regiões rurais não são agraciados pelos ventos de uma
escolarização “de qualidade”. Eles não conseguem acesso a um sistema de ensino que os permitam
humanizarem suas vidas. Portanto, se o vestibular não levar em conta os verdadeiros problemas já
identificados no sistema educativo moçambicano, por meio de vários estudos nacionais (NIQUICE, 2005;
MAZULA, 1995; 2018; GOLIAS, 1999), os filhos dos pobres jamais caminharão em direção a uma condição
mais humanizada por meio do acesso a empregos dignos frutos de uma escolarização “de qualidade”.
Serão dilacerados pelas ideologias neoliberais, por meio de propagandas falsas e discursos sedutores de
que devem empreender para self support. De quê empreendedorismo estamos falando? De quê
autossustento?
Clama-se por um vestibular mais “rigoroso”. O que será um vestibular rigoroso diante dos que têm poder de
aquisição prévia das provas? Não será essa rigorosidade para excluir ainda mais os desfavorecidos?
Entendemos que a rigorosidade do vestibular permitirá que os privilegiados encontrem na profissão docente
um futuro para sua prole. Farão lances irresistíveis e obterão a totalidade dos ingressos, excluindo
terminantemente os oprimidos e desprovidos de poder.
Recentemente, observa-se uma certa “elitização” da profissão docente em Moçambique 122. Esse fenômeno
pode ser explicado em razão das altas taxas de desemprego no país e das possibilidades de promoções na
carreira que os professores têm dentro do sistema educativo moçambicano que fazem que famílias de
classe média encorajem seus filhos a suportar alguns anos de sofrimento em categorias baixas para, em
relativamente pouco tempo, ascenderem a categorias mais altas. No contexto moçambicano, os salários
que se oferecem aos professores são relativamente altos. Dessa maneira, a presença de filhos da classe
média moçambicana em instituições de formação docente se dá por razões visivelmente econômicas e
devido a estabilidade que a profissão proporciona. Desmonta-se com isso o sonho dos oprimidos em
ascenderem socialmente por meio do acesso à profissão docente. Restam a eles, especialmente às
meninas, os matrimônios precoces – como denunciado por vários estudos recentes (UNICEF, 2015, 2018.
IDS, 2011; BASSIANO e LIMA, 2018):
121
Como discutimos no Capítulo Um desta tese, Moçambique é um país com enormes desigualdades sociais e com assimetrias
acentuadas entre as regiões urbanas e rurais. Crianças, adolescentes e jovens das regiões rurais dispõem de poucos recursos
socioculturais que lhes ajudem a desenvolver seu capital cultural e intelectual. Nessas regiões, as condições das redes escolares
são, em geral, bastante precárias (MATAVELE, 2016).
122
Atualmente, o magistério é uma das profissões que mais oferecem possibilidades de emprego “seguro” em Moçambique. Os
jovens percebem que têm mais possibilidades de obter emprego na educação, embora isso não signifique que seja seu desejo
tornar-se um docente. Em 2019, o Ministério da Educação abriu milhares de vagas para professores e foram contratados seis mil
e sessenta novos docentes no país (MINEDH, 2019).
172
Portanto, tornar um vestibular “rigoroso” e não criar condições de acesso a uma escolarização “de
qualidade” é impedir que a maior parte da população pobre moçambicana tenha direito a uma formação
profissional também “de qualidade”.
Procuramos saber ainda dos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne a percepção deles em
relação à qualidade do ensino primário em Moçambique. As opiniões aqui foram um pouco mais
divergentes. Oito formadores (em um total de dez que participaram desta pesquisa) consideram a qualidade
do ensino primário no país “razoável”. Os outros dois assumiram posições bem diferentes: para um, a
qualidade desse nível de ensino era “boa” e para o outro, “péssima”.
A maioria dos formadores do Instituto de Chibututuíne culpabiliza o professor primário pelos resultados
escolares nesse nível de ensino. Segundo eles:
A profissão docente está sendo exercida por “paraquedistas” que não têm
nada com a causa. A maioria dos ditos professores só querem dinheiro para
projetos pessoais. Os professores apresentam dificuldades e também não
têm nenhum gosto em feiras de leitura e produção dos meios auxiliares do
ensino. Os professores não ensinam bem e há muitos alunos que atingem
níveis mais elevados com problemas sérios de escrita etc.” (Resposta ao
inquérito aplicado aos formadores do Instituto de Chibututuíne em
10/04/2019).
Porém, há aqueles que tendem a enxergar os professores primários como meras “vítimas” do sistema
educativo moçambicano:
Ao transformar a escola do ensino primário em locus privilegiado da formação docente, ou seja, em lugar
privilegiado da preparação dos professores para esse nível de ensino, os recorrentes problemas da
qualidade da formação docente e do ensino, que influenciam na aprendizagem dos alunos (MATAVELE,
2016), certamente não desaparecerão. O aprovisionamento das condições da tecnoesfera – um dos
alicerces necessários no processo de ensino-aprendizagem – ajudaria na formação de um “bom professor”.
Porém, nas palavras de Imbernón (2011):
a. A desvalorização social do professor e da profissão docente funciona como repelente dos melhores
graduados das escolas que poderiam ser atraídos pela profissão docente;
b. Os professores apelidados de “paraquedistas” nada oferecem de valor aos alunos a não ser o
preenchimento das cadernetas de notas, com classificações falsas, permitindo que alunos cuja
aprendizagem não foi adquirida progridam de um ciclo para o outro sem conhecimento;
c. Os professores que não ensinam bem emitem um apelo que seria resolvido pela formação contínua
no contexto de trabalho, porém, a negligência desses apelos condiciona que eles reduzam as
possibilidades de as crianças construírem conhecimentos sólidos e necessários para a vida futura.
Essas reflexões nos fazem questionar sobre o que seria necessariamente preciso para melhorar o ensino?
Na percepção dos formadores do IFP de Chibututuíne, o incremento motivacional aos professores viria por
meio da melhoria das condições de trabalho (salas de aulas, meios de ensino, redução da proporção
professor-aluno, revisão do piso salarial e formação contínua docente). Eles igualmente entendem ser
primordial para a melhoria da qualidade do ensino a melhoria dos mecanismos do recrutamento de novos
docentes e de supervisão/monitoria escolar.
174
Quadro no 13: Ações planejadas de 2004 a 2015 para garantir uma oferta adequada de professores em
Moçambique
Segundo o Ministério da Educação (2004), até ao momento, as projeções mostram que a formação de
docentes deveria ser em nível de graduação – o que remete à ideia de que os candidatos à formação
docente deveriam ter, no mínimo, o 12 o ano de escolaridade, ou seja, o nível médio concluído, uma vez que
para concorrer ao nível de graduação, em Moçambique, é necessário que se tenha o 12 o ano de
escolaridade concluído.
Ao considerar esses pressupostos definidos pelo Ministério da Educação para garantir “uma oferta
adequada de professores”, analisaremos a seguir o perfil dos formandos do IFP de Chibututuíne.
As variáveis que consideramos importantes para a análise do perfil dos formandos do IFP de Chibututuíne
têm a ver com a idade, o sexo e a proveniência. Dos 200 inquéritos aplicados, tivemos o retorno de apenas
175
68. Essa participação relativamente baixa justifica-se em razão da indisponibilidade de alguns sujeitos em
contribuir com a pesquisa, o que não constitui embaraço, pois, neste tipo de pesquisa, interessa “descrever
e analisar o contexto, as relações e as percepções a respeito da situação, fenômeno ou episódio” (MINAYO,
2008, p. 164), não sendo determinante, à princípio, o número de respondentes.
Quanto às idades dos formandos, nota-se que a grande maioria (67 em 68) encontra-se na faixa etária dos
18 e 24 anos – o que revela um dado positivo por se tratar de jovens que, em um futuro breve, devem
ingressar na carreira docente. Estes são jovens, na sua maioria (61 em 68), provenientes da província de
Maputo e uma minoria proveniente das províncias de Nampula (apenas um) e Inhambane (cinco em 68).
Esses números mostram que, atualmente, os candidatos optam em prestar vestibular nas suas regiões de
residência habitual pelo fato dos Institutos de Formação de Professores estarem presentes em praticamente
todo o país, como vimos no Capítulo Um desta tese (vide Mapa n. 1). Isto constitui um dado relevante, pois
esses formandos poderão futuramente leccionar em escolas localizadas em suas regiões de origem, o que
poderá, por sua vez, fortalecer o ensino bilíngue nessas escolas. Como informado no primeiro capítulo
desta tese, muitas crianças moçambicanas têm como língua materna (a primeira língua) um idioma
moçambicano (INE, 2019). Como já discutimos em capítulos anteriores, é difícil para professores não
falantes desses idiomas desenvolver processos de ensino-aprendizagem exitosos, ou seja, por razões
linguísticas, eles acabam caindo no insucesso escolar.
O gráfico a seguir sintetiza a distribuição dos formandos do Instituto de Chibututuíne por idade, sexo e
proveniência.
Um outro aspecto que se destaca é a maior prevalência de mulheres entre os formandos do IFP de
Chibututuíne. Isto encoraja, de certa maneira, as raparigas a permanecerem nas escolas das regiões rurais,
o que pode, por sua vez, contribuir para a redução da evasão escolar nessas regiões – que ainda se revela
bastante alta (MUCOPELA, 2016) – assim como a diminuição dos casamentos precoces que, como vimos
anteriormente, assolam largamente as meninas de comunidades rurais em Moçambique (BASSIANO e
LIMA, 2018).
Porém, a maior prevalência do sexo feminino entre os formandos do IFP de Chibututuíne pouco tem a ver
com o fenômeno da “feminização do magistério” em Moçambique – comum em outros países do mundo.
Esse fenômeno – relativamente recente nesse país africano – relaciona-se à uma política pública de
incentivo à escolarização das mulheres para se reduzirem as taxas de abandono escolar e os casamentos
precoces.
O grau de escolaridade dos pais e a renda familiar também exercem um papel importante na definição ou
na escolha da profissão dos filhos. Segundo os dados do gráfico a seguir, a maioria dos formandos do
Instituto de Chibututuíne têm pais com escolaridade correspondente ao ensino primário completo (7 a
classe), sendo a maioria constituída por mulheres (trinta e duas). Os dados revelam ainda que em relação à
escolaridade dos pais, os que possuem o 10 o ano de escolaridade são apenas sete, sendo quatro homens e
três mulheres. 25 pais concluíram o nível médio dos quais onze são mulheres. Dez pais têm o nível de
licenciatura, dos quais apenas três são mulheres. E, finalmente, três pais não têm escolaridade dos quais
duas são mulheres.
16 14 14
11 11
12 10
7
8
4
3 3
4 2 Homens
1
Mulheres
0
1 2 1 2
ur
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S
A escolarização dos pais pode constituir-se em um fator importante na escolha da profissão dos filhos, pois
quanto mais escolarizados forem os pais, maior é a probabilidade de eles influenciarem os filhos na opção
por um determinado ofício. No entanto, entendemos que essa variável isolada não determina a opção dos
filhos no momento de eles definirem o futuro profissional deles. As profissões e a renda dos pais
desempenham igualmente um papel relevante para a tomada dessa decisão. Como veremos mais adiante,
na ausência do peso dessas variáveis, os professores podem assumir uma função importante nessas
escolhas.
Ao analisarmos o gráfico a seguir sobre as profissões ou atividades realizadas pelos pais dos formandos do
Instituto de Chibututuíne, registra-se que o maior número de pessoas (vinte) – todas elas mulheres –
dedica-se a atividades domésticas. Percebe-se que as profissões dos pais dos formandos em estudo são,
com excepção de um que se afigura “empresário”, profissões tidas como de menor prestígio social –
inclusive a de professor.
25
20
15
10
5 5 5 Homem
4
5 2 2 2 Mulher
1 1 1 0 1
0
rv r
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se rá
ti
es
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és
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e
o
of
Pr
Uma profissão vista como “de baixo status” tem o seu desprestígio geralmente associado às más condições
de trabalho e salariais (GOLIAS, 1999; TANURI, 2000; SAVIANI, 2011). Estas são profissões que ocupam
os últimos lugares na lista de sugestão dos pais aos filhos. No caso específico da profissão docente em
Moçambique, em razão de sua alta empregabilidade e, principalmente, da condição social dos pais – pais
de classe “baixa” –, conseguir que um filho entre para o magistério, concursado no Estado, ainda se reveste
de grande importância. Sendo assim, pouco importará aos pais se o filho tem perfil acadêmico e vocacional
para a docência. Eles não pouparão esforços – lícitos ou ilícitos 123 – para colocar seus filhos em instituições
de formação de professores.
Por fim, ao levantarmos dados sobre os pais dos formandos do Instituto de Chibututuíne, não podemos nos
esquecer daquelas pessoas que perderam ou o pai ou a mãe ou os dois. Dessa maneira, um outro
123
Como descreveu o gestor “G3”, alguns pais se dedicam a conseguir “dinheiro para comprar vaga”, agravando o problema da
corrupção, do nepotismo e do clientelismo na formação docente e nos concursos para a docência em Moçambique.
178
elemento importante na análise do perfil dos formandos do IFP de Chibututuíne tem a ver com a orfandade,
ou seja, se eles têm ou não ambos os pais vivos 124. Segundo os resultados da pesquisa, constatou-se que,
felizmente, a maioria dos formandos (62 em 68) tem ambos os pais vivos. Cinco formandos são órfãos de
pai e apenas um é órfão de pai e de mãe.
Como discutiremos a seguir, os percursos acadêmicos dos formandos do Instituto de Chibututuíne podem
ser considerados um prenúncio da precarização docente.
De acordo com o Ministério da Educação (MINED, 2004, p. 17), os “requisitos de entrada” em um programa
de formação de professores são apenas os dez ou doze anos de escolaridade. Isto inclui todos os tipos de
formação acadêmica e/ou profissional. Ou seja, qualquer pessoa que cumpra esses requisitos – em termos
dos anos de escolaridade – é elegível para o vestibular. À princípio, trata-se de uma medida não excludente,
pois busca-se dar oportunidades a todos que possuam esses anos de escolaridade ingressarem no
magistério. Porém, a questão que levantamos é a seguinte: é aceitável que qualquer pessoa possa se
tornar docente apenas por cumprir os anos de escolaridade exigidos mais um “cursinho” de pouco menos
de dez meses? Ao nosso ver, a docência não pode ser concebida como “profissão de qual quer um”. Ao
fazer isso, assumem-se os dizeres de Saw, referidos por Shulman (1986) e Nóvoa (2009): Quem sabe, faz.
Quem não sabe, ensina”. Passadas mais de quatro décadas após a independência de Moçambique, não faz
sentido que o subsistema de educação e de formação de professores desse país ainda não tenha critérios
claros e atrativos para jovens egressos do nível médio optarem em seguir a carreira docente. O gráfico a
seguir traz um mapeamento sobre o tipo de formação acadêmica que cada formando do Instituto de
Chibututuíne possui, seja do nível básico (10a classe) ou nível médio (12a classe).
124
Apesar de parecer estranho, esse é um fator importante para o contexto específico de Moçambique onde indivíduos órfãos –
principalmente os órfãos de pai – ficam sem assistência alguma do Estado, de parentes ou familiares. As viúvas e seus filhos
ficam desamparados, sofrem despejo e ainda enfrentam práticas culturais conhecidas como “kutxinga” – um “costume” existente
no sul de Moçambique (Inhambane, Gaza e Maputo) em que a mulher enviuvada deve-se casar, compulsoriamente, com um dos
irmãos do falecido marido ou um parente próximo. Caso isso não aconteça, ela é deserdada juntamente com os seus filhos. Filhos
criados apenas pelas mães, em Moçambique, têm mais dificuldade de encontrar um trabalho ou profissão para autossustento
individual, da mãe e dos irmãos.
125
É preciso reforçar que a formação docente para o ensino primário em Moçambique, de acordo com a matriz curricular
predominante, lida apenas com o ensino-aprendizagem do conhecimento pedagógico e do conhecimento pedagógico do
conteúdo.
179
Como se observa, a maioria dos formandos do Instituto de Chibututuíne (49 em 68) possui o nível médio do
ensino secundário geral (não profissionalizante). Onze possuem o nível básico do ensino secundário geral
(não profissionalizante). Dois formandos com equivalência de nível básico não profissionalizante são
egressos de cursos de informática. Outros dois têm formação em gestão bancária, sendo um de nível médio
e o outro de nível básico. E, finalmente, um formando com equivalência de nível básico é egresso de um
curso de carpintaria e marcenaria.
Chama a atenção, então, o número de formandos do Instituto de Chibututuíne com nível médio. Apesar de o
curso de formação de professores que segue o modelo “10 a + 1 ano” ter sido concebido para candidatos
com apenas dez anos de escolaridade, a maior parte dos formandos (49 em 68) possui o nível médio.
À princípio, os formandos com nível básico e médio geral seriam detentores de um conhecimento básico
sobre a matéria a ser ensinada porque a formação acadêmica que recebem enfatiza o conhecimento
científico (conteúdo de ensino). Porém, como vimos no Capítulo Três desta tese, os relatos dos gestores e
formadores do Instituto de Chibututuíne denunciaram as deficiências múltiplas e generalizadas de
conhecimentos básicos de aritmética e de expressões oral e escrita entre os formandos desse Instituto. Isto
acontece em razão da precariedade do sistema escolar em Moçambique. Nos institutos de formação
docente, os candidatos chegam com um déficit profundo em relação ao domínio de conhecimentos sobre os
objetos de ensino (da “matéria a ser ensinada”). Esses institutos, como espaços da formação docente, não
têm mecanismos institucionais próprios para solucionar os problemas de “lacunas epistemológicas” que os
candidatos a professores apresentam. Logo, parece óbvio que o sistema de formação docente tem
responsabilidade sobre as lacunas de conhecimento científico dos professores. Trata-se, então, de um ciclo
vicioso do sistema educativo de Moçambique. É importante que se entenda que se trata de um problema
sistêmico que apela para soluções sistêmicas (CHIAVENATO, 2003; SENGE, 2013; HENGEMUHLE, 2010).
180
Se o desejável é que os egressos imediatos do nível básico/médio sejam candidatos aos programas de
formação docente, analisaremos a seguir o tempo que separa o ano de conclusão do último nível
acadêmico e o atual.
12 3
1 Vez
2 Vezes
3 Vezes
Sem resposta
53
Como se observa, embora o gráfico mostre a predominância de uma maioria de formandos do Instituto de
Chibututuíne que realizaram o vestibular uma única vez (53 em 68), há candidatos que participaram da
seleção para o curso de formação de professores desse Instituto duas ou três vezes. Estes ingressaram no
IFPC dois anos mais tarde, em 2019, ou seja, no limite da idade exigida.
O gráfico a seguir ilustra a distribuição dos anos de conclusão do último nível acadêmico entre os
formandos do Instituto de Chibututuíne:
126
A capacidade anual de absorção de novos estudantes para o IFP de Chibututuíne é de cerca de 450 alunos distribuídos,
atualmente, entre o modelo “10a + 1 ano” e o modelo “12a + 3 anos”. O modelo “10a + 1 ano” dispõe da metade dessas vagas,
sendo que algumas são reservadas aos filhos de parentes/agregados dos antigos combatentes e outros privilegiados da esfera
governamental – isto sem contar as vagas preenchidas por meio do clientelismo e da corrupção.
181
Gráfico no 12: Ano de conclusão do último grau acadêmico dos formandos do Instituto de Chibututuíne
2500
2018 2017 2016 2015
2000
1500
1000
500
38 12 6 4
0
1 2
Como se vê, a maior parte dos formandos do Instituto de Chibututuíne (38 em 68) concluiu o último nível
acadêmico em 2018. Na sequência, têm-se aqueles que concluíram o último nível acadêmico em 2017 (12
em 68), 2016 (seis em 68) e 2015 (quatro em 68), respectivamente. É provável que uma parte considerável
desses formandos estivesse em alguma formação superior e resolveram mudar de carreira por
considerarem a formação docente “um atalho” para se chegar mais facilmente a um emprego estatal 127.
As classificações obtidas na última formação acadêmica podem antecipar o grau de dificuldade que os
formandos terão em leitura, escrita e cálculo. Procuramos aferir a média final que os formandos obtiveram
no último nível acadêmico para analisar, então, qual é o perfil acadêmico dos candidatos, levando-se em
conta apenas o critério da classificação quantitativa. O gráfico a seguir resume as médias obtidas pelos
formandos no último nível acadêmico, agrupando em uma escala correspondente a “suficiente” (10-13
valores), “bom” (14-17 valores) e “muito bom/excelente” (18-20 valores):
127
Como mencionamos anteriormente, a formação docente em Moçambique é uma porta aberta para se conseguir um possível
emprego estatal. Em razão disso, a luta para se ingressar nas instituições de formação profissional docente tem sido bastante alta.
182
Gráfico no 13: Média global obtida no último nível acadêmico dos formandos do Instituto de Chibututuíne
15
10-13 Valores
14-17 Valores
48
Os resultados revelam que a maioria dos formandos do Instituto de Chibututuíne (48 em 68) obteve uma
classificação apenas “suficiente”. Uma minoria (15 em 68) obteve uma classificação “boa” e não há
ocorrência de formandos com uma classificação “muito bom/excelente” no último nível acadêmico que
antecede à formação docente.
As classificações obtidas na última formação acadêmica pelos candidatos à carreira docente são
proporcionalmente semelhantes às classificações por eles obtidas no vestibular para o ingresso no
programa de formação de professores. Considerando, então, a classificação obtida na formação anterior
versus a classificação no vestibular, parece que a docência em Moçambique não está mesmo a atrair bons
estudantes.
O gráfico a seguir ilustra as classificações quantitativas obtidas pelos candidatos no vestibular para ingresso
no Instituto de Chibututuíne, no ano de 2019:
Gráfico no 14: Classificações obtidas pelos candidatos no vestibular para ingresso no Instituto de
Chibututuíne em 2019
15
10-13 Valores
14-17 Valores
48
183
No vestibular do Instituto de Chibututuíne – que é específico para a formação docente –, não houve, em
2019, candidatos que atingiram a classificação “excelente”. Os resultados revelam que a maioria dos
candidatos admitidos no ano de 2019 (48 em 68) obteve uma classificação apenas “suficiente” 128.
A maioria dos formandos do Instituto de Chibututuíne possui nível médio do ensino geral completo e a
maioria deles concluiu esse nível de ensino há aproximadamente dois meses antes do vestibular 129. Apesar
desse grupo estar ainda com as “matérias ativas”, é impressionante os graves problemas em relação a
conhecimentos básicos detectados pelos formadores desse Instituto. Eles não condizem com o grau
acadêmico da maioria dos formandos. Infelizmente, a maioria dos candidatos ao curso do professorado não
possui a qualidade acadêmica desejável para a profissão a que se candidataram.
Se a formação docente realmente tivesse lugar no espaço da formação, faria muito sentido que o processo
seletivo de novos candidatos ao professorado fosse realizado por “especialistas” da classe profissional de
modo a encorajar os bons candidatos. Ao analisar os dados do gráfico a seguir, percebe-se a necessidade
da implantação de um lugar de formação docente que terá igualmente o papel de orientação vocacional. A
orientação vocacional aliada à necessidade de procura de emprego são postergados e atropelam-se os
princípios básicos para um bom início da profissão. Essa variável pode servir de diagnóstico para a
compreensão da motivação na escolha da profissão docente.
Gráfico no 15: Motivação dos formandos do Instituto de Chibututuíne para ingressar na carreira docente
2 2 Desejo de ser
3 professor
6
Orientação dos
parentes
orientação dos
professores
Procura do
56 emprego
sem resposta
Ao analisar os dados sobre a motivação para a escolha da carreira docente, muitos formandos do Instituto
de Chibututuíne (56 em 68) disseram terem feito essa escolha pelo desejo de ser professor. Uns o fizeram
128
Lembrem-se: os exames do vestibular e o currículo de formação docente do Instituto de Chibututuíne foram concebidos para
candidatos com décimo ano de escolaridade.
129
Geralmente o ano acadêmico escolar em Moçambique termina em dezembro e o vestibular para o IFP é realizado entre os meses
de janeiro e fevereiro. Os estudantes que concluíram o 10 o ou 12o ano de escolaridade em dezembro de 2018 tiveram cerca de
dois meses para realizar o vestibular.
184
pela orientação dos parentes, outros pela orientação dos professores e um grupo menor o fez pela simples
procura de um emprego.
medicina
4 4 8
professor
engenharia civil
3 psicologia
enfermeira
6
jornalismo
3 contabilidade
6 5
polícia civil
Conforme ilustra o gráfico acima, somente seis formandos do Instituto de Chibututuíne (em um total de 68)
confirmaram que a docência é realmente a sua opção. Enquanto o gráfico acima mostra agrupamentos mais
concentrados, a seguir têm-se opções profissionais mais dispersas:
185
No gráfico acima, vê-se uma concentração de formandos em uma mesma opção profissional e constata-se
a citação de profissões pouco comuns no contexto moçambicano como, por exemplo, culinária
(gastrônomo), jogador, nutricionista e bombeiro. Do universo dos formandos do Instituto de Chibututuíne
interrogados, apenas seis (em 68 no total) indicaram a docência como opção profissional. Ou seja, a maioria
dos que frequentam um curso de formação de professores nesse Instituto o fazem pela necessidade de um
emprego “fácil” ou transitório.
Dessa maneira, torna-se imperioso instigar uma reflexão sobre como transformar esses “necessitados” em
docentes verdadeiros. Em razão da falta de emprego em Moçambique, esses sujeitos provavelmente
entrarão e permanecerão na carreira docente mesmo contra a vontade deles. Nesse contexto, justifica-se,
com mais veemência ainda, a implantação de um lugar de formação docente nesse país. Embora existam
espaços de formação em Moçambique como, por exemplo, as escolas e as zonas de influência pedagógica
(ZIPs)130, o desenvolvimento profissional docente nesses espaços é bastante fragmentado.
A formação docente em Moçambique acontece em espaços com uma frágil interligação entre os atores, as
ações e a sociedade. Há necessidade da construção de um sistema similar ao dos vasos comunicantes, no
espaço de formação docente, para interligar a formação de professores e a docência. Como estamos a
insistir nesta tese, é necessária a transformação do espaço de formação em lugar da formação docente.
Portanto, é crucial e urgente conceber uma formação docente em Moçambique em que o contexto da escola
(IMBERNÓN, 2016) é assumida como componente principal para a construção de conhecimentos e saberes
profissionais e éticos, por meio de uma parceria pedagógica entre as escolas, ZIPs, institutos de formação
130
As atividades desenvolvidas nas ZIPs têm como objetivo ajudar os professores a desenvolverem sua profissionalidade e a
qualidade do ensino (NIVAGARA et al., 2016).
186
de professores e o sindicato dos professores (GARCIA, 1999; NÓVOA, 2009; IMBERNÓN, 2011; MATEUS,
2014; ARROYO, 2016; NIVAGARA et al., 2016).
Ao mesmo tempo em que a imagem do ofício docente em Moçambique se mostra corroída e desgastada –
e a falta de um bom preparo acadêmico dos candidatos à docência ajuda a reproduzir essa imagem –,
crescem as preocupações da sociedade moçambicana pelo estado atual do ensino e o insucesso escolar.
4.1.12 Percepção dos formandos sobre a formação docente e qualidade do ensino primário em
Moçambique
As discussões sobre a formação profissional docente e qualidade do ensino abordadas nesta tese nos
indicam que não há qualidade de ensino sem qualidade docente e esta depende largamente da qualidade
da formação e das condições de trabalho. Em reconhecimento a relação intrínseca entre a formação
docente e a qualidade do ensino, indagamos aos formandos sobre a percepção deles quanto às
aprendizagens no curso de formação docente e a qualidade do ensino escolar. Os gráficos a seguir ilustram
essa percepção:
5 18
4
Excelentes
Boas
Razoáveis
Sem opinião
42
131
No curso de formação de professores do IFPC, baseado no modelo curricular “10 a + 1 ano”, as atividades de prática de ensino
substituem o estágio pedagógico uma vez que este não está previsto nesse curso. Durante as atividades de práticas de ensino o
futuro professor deve aprender as premissas básicas de interação com os alunos e condução da aula, bem como familiarizar-se
com as demais atividades pedagógicas.
187
Gráfico no 19: Avaliação das atividades de práticas de ensino dos formandos do Instituto de Chibututuíne
6
4
Sim
Não
Sem opinião
59
A atividade de prática de ensino, ao ser realizada na sua plenitude, proporcionará o alicerce para a
construção do conhecimento prático a partir das experiências docentes em sala de aula. Dessa maneira, é
importante a execução criativa dessas atividades por parte do formador e do professor-orientador. Porém,
conforme as palavras do gestor “G3”, em entrevista no dia 23/04/2019, “o que nós assistimos é a orfandade
social das escolas e a fraca organização dos gestores que acaba passando para os professores”. Sendo
assim, em algumas escolas em que são realizadas as atividades de práticas de ensino, vive-se um “luto
didático-pedagógico” e, por conseguinte, as crianças pouco aprendem. Será que os formandos do Instituto
de Chibututuíne terão uma boa iniciação à docência nessas escolas? É possível que práticas de ensino “de
qualidade” ocorram nessa condição de “orfandade social da escola”?
Procuramos saber dos formandos do Instituto de Chibututuíne se durante as atividades práticas o professor-
orientador (responsável pela turma) estava sempre disponível a ajudá-los, se ele mantinha reuniões
constantes de trabalho ou se ele simplesmente abandonava a turma para que eles lecionassem conteúdos
às crianças sem qualquer supervisão. Conforme os dados no gráfico a seguir ilustram, parece que os
professores-orientadores, apesar de receberem, de um modo geral, uma avaliação positiva, às vezes,
deixaram um pouco a desejar em relação à tarefa de orientar os mancebos na iniciação para a docência:
60 53
50
Sempre mostrou-se
40
3132 disponível a ajudar
30 Mantinha reuniões
constantes de traba-
20 1416 14 lho
1012 10 9 Deixava a turma na
10 5 responsabilidade do
0 formando
0
Sempre Por Nunca Sem
vezes opinião
Ao perguntarmos aos formandos sobre a qualidade do ensino primário em Moçambique, eles apresentaram,
em geral, uma apreciação negativa desse nível de ensino no país, como é possível observar por meio da
resposta a seguir: “falta de professores qualificados; absentismo docente; condições de trabalho docente;
existência de professores que só trabalham pelo dinheiro; presença de professores que passam o tempo
teclando no celular; há pouco investimento na educação” (Resposta ao inquérito aplicado aos formadores
do Instituto de Chibututuíne em 10/04/2019).
A percepção dos formandos sobre a baixa qualidade do ensino primário em Moçambique reforça a chamada
“tese de culpabilização” dos professores por meio da qual, nas palavras de Diniz-Pereira (2019, p. 71), “tudo
de ruim que existe na educação escolar acontece devido aos professores e sua suposta má formação”.
Como já discutido nesta tese, essa concepção pode reforçar o estigma da carreira de magistério e o
desprestígio do trabalho docente.
É imperativo que os professores moçambicanos se ergam com urgência em defesa da sua carreira, honra e
prestígio, por meio da participação deles no debate público sobre a qualidade do ensino primário em
Moçambique. Nesse diapasão, nas palavras de Nóvoa (2009), “os lugares da formação podem reforçar a
presença pública dos professores” (p. 23).
Por fim, ao reconhecermos a “longa marcha” (CASTIANO, et al. 2006) para a construção de uma educação
para todos em Moçambique, entendemos que essas e tantas outras anomalias no setor da educação no
país decorrem, em grande parte, de um sistema de ensino obsoleto – herança de um passado colonial
ainda muito recente (cerca de 45 anos). Como informamos no Capítulo Um desta tese, foi somente após a
Proclamação da Independência nacional, em 25 de junho de 1975, que se introduziu, em 1983, o Sistema
Nacional da Educação (SNE) no país. Prevalece em Moçambique a necessidade da conquista de uma
formação de professores “de qualidade” e, em razão dos baixos investimentos nesse setor, ainda estamos,
neste momento, a viver o “paradigma dos sonhos” – o que reforça a ideia de que o futuro ainda está longe.
Porém, é preciso compreender que esse futuro é hoje e agora e, segundo Nóvoa (2009, p. 24), “é preciso
começar” e não se deixar cair na miragem de que o futuro ainda está por vir.
189
CAPÍTULO CINCO - Utopias, desafios e metas na formação de professores para o ensino primário
em Moçambique
Este capítulo analisa as reflexões dos decanos do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne
(IFPC) e de outros sujeitos – representantes do Serviço Distrital da Manhiça, do Instituto Nacional do
Desenvolvimento da Educação (INDE), do Ministério da Educação por meio de um representante da
Direção Nacional de Formação de Professores (DNFP) – sobre o processo de preparação dos docentes
para o ensino primário em Moçambique. Ao longo do capítulo, retoma-se a questão da formação docente
como pressuposto básico para melhoria da qualidade do ensino e a necessidade de se implantar o lugar da
formação de professores para o ensino primário nesse país.
O Instituto de Formação de Professores do Chibututuíne (IFPC) realiza suas atividades há mais de oito
décadas e, ao longo desse período, teve distintos gestores. No entanto, como nos referimos na Introdução
desta tese, para esta pesquisa, o recorte temporal situa-se entre os anos de 1992 e 2018 e, nesse intervalo,
o Instituto – que reiniciou suas atividades em 1999 – teve cinco diretores. Dos cinco, quatro aceitaram
participar desta investigação acadêmica, mas, destes, apenas três dirigiram o Instituto dentro do recorte
temporal desta investigação acadêmica. Ao seguir os procedimentos éticos de não revelação das
identidades pessoais dos sujeitos desta pesquisa, iremos designá-los por “Decano 1 (D1), Decano 2 (D2) e
Decano 3 (D3)”132.
Quanto ao perfil acadêmico desses sujeitos, o “Decano 1 (D1)” tem grau de bacharelado 133 com uma
formação complementar de um ano para “diretor” adquirida na Escola de Formação dos Diretores, entre
1981 e 1982, na antiga Alemanha Oriental. Ele tem experiência de gestão educacional desde 1977, tendo
exercido diversas funções, a destacar: Diretor Distrital de Educação e Cultura; Chefe do Ensino Primário na
Província de Maputo; Chefe dos Serviços de Educação na Província de Maputo; Diretor Provincial de
Educação e Cultura de Maputo e Diretor do Instituto do Magistério Primário de Chibututuíne (IMAPC). O
“Decano 2 (D2)” possui graduação em Ciências da Educação e um percurso profissional marcadamente de
gestão, tendo sido diretor pedagógico na escola primária por treze anos e Diretor de um Instituto de
Formação de Professores por dez anos. O “Decano 3 (D3)” possui Licenciatura em Ensino do Português e
exerceu vários cargos de gestão no ensino primário, no ensino secundário e no ensino técnico profissional.
Foi Diretor Provincial de Educação e, mais tarde, Diretor do Instituto do Magistério Primário de Chibututuíne
(IMAPC)134.
Trata-se, então, de uma geração de gestores com larga experiência de gestão em instituições educacionais,
incluindo em instituições de formação de professores, e cada um deles exerceu a gestão nessas entidades
132
Designamos “decanos” os professores antigos no Sistema Nacional da Educação (SNE) e, coincidentemente, com larga
experiência de gestão educacional e de formação docente.
133
O “bacharelado” moçambicano correspondia à conclusão de um curso em nível ensino superior de três anos de duração em que
o sujeito tinha de frequentar mais um ano para obter o grau de “graduado” ou “licenciado”.
134
Os decanos “D1” e “D3” geriram o Instituto de Formação de Professores quando este preparava professores de nível médio
(DN3), segundo os modelos de formação docente “10a +1+1” e “10a +2”. A gestão do “D2” coincidiu com os anos finais do modelo
“10a +2” e a introdução, desenvolvimento e consolidação do modelo “10a + 1”.
190
em tempos e contextos educativos específicos do país. Apesar de uma certa diversidade de perfis
acadêmicos e de experiência profissional, esses decanos têm algo em comum: o devenir135 dos processos
históricos de construção e implantação de instituições de formação docente em Moçambique.
É importante ressaltar que o “Decano 1 (D1)” geriu o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne
(IFPC) nos primeiros anos da reintrodução da formação docente no período pós-guerra civil em
Moçambique, a partir de 1999. Nessa época, a prioridade do governo moçambicano para a educação era o
aumento das possibilidades de acesso escolar, a qualidade da educação e a expansão da rede de ensino.
Segundo o Ministério da Educação (MOÇAMBIQUE, 1998, p. 9), a crise econômica e a guerra reduziram
drasticamente as taxas de admissão nas escolas moçambicanas 136. A proporção aluno-professor atingia em
algumas províncias – como, por exemplo, em Gaza – a taxa de 81:1 (81 alunos por professor) e o governo
não dispunha fundos suficientes para garantir a expansão da rede escolar e promover melhoria da
qualidade do ensino137.
A trajetória profissional desses gestores e sua experiência ao longo de anos permitiram a eles construir um
conjunto de conhecimentos e saberes sobre a formação acadêmico-profissional de professores para o
ensino primário em Moçambique e suas reflexões proporcionam uma oportunidade para (re)pensar o lugar
da formação docente nesse país. Sabendo-se que, no decurso da gestão desses decanos, Moçambique
carecia de professores para o ensino primário e, paralelamente, a questão da qualidade docente era
igualmente uma questão importante para o país, passamos a analisar as reflexões desses sujeitos para
compreendermos os desafios que eles enfrentaram e suas utopias para uma “boa formação de
professores”138 no contexto moçambicano.
135
Segundo o Dicionário online, devenir significa “passar a ter existência, a ser; tornar-se; devir.” É sobre esse devenir da formação
docente que dialogamos com esses decanos para compreendermos a complexidade da preparação de um professor primário
nesse país. Morin (2011, p. 71) afirma que o devenir é doravante problematizado e o será para sempre. Nóvoa (2009) parece
também complacente com essa ideia de problematização do futuro presente da formação docente e advoga que: “Precisamos de
vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito”
(NÓVOA, 2009, p. 71). Portanto, dialogar com as imagens e autoimagens dos decanos pode proporcionar uma introspeção
passado-presente-futuro da formação docente em Moçambique.
136
Existiam, em 1998, 6.114 escolas do EP1 e apenas 378 escolas do EP2. Consequentemente, poucas crianças (e muito poucas
nas zonas rurais) tinham a oportunidade de concluir o ensino primário (MOÇAMBIQUE, 1998, p. 9).
137
No EP1, a média da proporção aluno/professor é de 61:1, mas em algumas províncias é ainda mais elevada (ex.: 81:1 em Gaza).
No EP2, a média da proporção aluno/professor é de 41:1. A maioria dos alunos assistem às aulas em dois turnos e, nas zonas
urbanas e periurbanas, são comuns os três turnos. Os materiais básicos de aprendizagem são escassos ou inexistentes nas
escolas. (MOÇAMBIQUE, 1998, p. 10).
138
Perrenoud (2002) é de opinião que uma “boa formação” depende largamente da sua concepção, isto é, a boa concepção do
programa de formação constitui uma base fundamental para o sucesso dessa atividade.
191
A complexidade de ser professor em Moçambique enfrenta o seu desfio inicial na instituição de formação 139.
A formação acadêmico-profissional de professores para o ensino primário em Moçambique constitui uma
das principais estratégias para a construção de uma sociedade mais justa nesse país. Porém, essa
formação encontra obstáculos que vão desde a seleção do corpo docente para dar frente à atividade
formativa até a seleção dos estudantes.
O “Decano 1 (D1)” apresentou-nos uma radiografia histórica sobre o processo de formação de professores
no Instituto em estudo e, segundo ele, esse processo foi mal concebido, pois, no início, não existia critério
algum para a seleção dos formandos e formadores:
No Instituto de Chibututuíne, à semelhança do que ocorreu com o “recrutamento” dos alunos, em 1999,
procedeu-se a “seleção” do corpo docente:
139
Segundo Mazula (2018, p. 12), ser professor é, em si mesmo, um sistema, no sentido de que ele tem de ser pensado como uma
interrelação entre tarefa, vocação, profissão e missão – quatro elementos fundamentais que caracterizam a asseidade do
professor.
140
Incluir no recrutamento, alistar, arrolar para o serviço militar. [Figurado]. Fazer recrutas, angariar, aliciar para uma seita, partido,
associação. (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/recrutar [consultado
em 28-09-2020].
141
Como mencionado em capítulos anteriores, atualmente, em razão da necessidade de emprego, os graduados do ensino médio e
até os do ensino superior recorrem, por necessidade, à formação profissional docente (modelo “10 a +1”) para conseguir ingressar
no mercado de trabalho.
142
A precarização do ofício do professor em certos episódios do percurso histórico de Moçambique acontece de maneira sutil porque
mais ninguém regula a profissão além do Ministério da Educação. Dessa maneira, sutilezas ocorrem e precarizam a formação e,
consequentemente, a profissão docente.
192
“Combater a exclusão, renovar a escola” foi o lema escolhido pelo governo moçambicano, em 1998, para a
implantação de um sistema de educação sustentável e de qualidade em todos seus subsistemas
(MOÇAMBIQUE, 1998). O professor foi considerado um dos pilares dessa renovação e o principal elemento
ao qual se depositou confiança para promoção das mudanças desejadas tanto na educação como na esfera
social. Portanto, ao considerar esses elementos e ao pretender dar seguimento ao advento dessas
mudanças conforme destacado no plano estratégico da educação (MOÇAMBIQUE/PEE, 1999-2003) e
sabendo-se que o processo de renovação e transformação apresenta muitos desafios (DARLING-
HAMMOND, et al., 2019), era de praz que o processo da seleção dos formadores fosse realizado
obedecendo a um processo criterioso e sério. Em vez disso, essa “seleção” do corpo docente aconteceu
unilateralmente por meio do livre arbítrio do gestor.
Além disso, os problemas relacionados à falta de conhecimentos básicos sobre os conteúdos de ensino 143
pelos formandos revelam-se presentes ao longo do processo histórico na formação acadêmico-profissional
de professores para o ensino primário em Moçambique144, como revela o depoimento do “Decano 2 (D2)”:
Porém, nem tudo correu mal na história de formação docente do Instituto de Formação de Professores de
Chibututuíne (IFPC). Segundo o “Decano 3 (D3)”, houve um tempo em que os candidatos que afluíam para
o Instituto apresentavam boa qualificação acadêmica:
Segundo destaca nossa fonte, o vestibular, nessa época, ainda não era de escolha múltipla. Isto possibilitou
identificar os melhores candidatos com conhecimentos básicos e aceitáveis para o ingresso na docência.
143
Garcia (1999, p. 87) afirma que o conhecimento que os professores possuem sobre o conteúdo a ensinar também influencia o
como ensinar.
144
Como já mencionado em capítulos anteriores desta tese, o déficit de conhecimento sobre a matéria de ensino (conhecimento
acadêmico) é, em geral, um problema dos candidatos à docência em Moçambique – sejam alunos de Maputo, sejam das outras
regiões do país. Importa salientar que, nessa época, o vestibular era realizado por meio de provas de múltipla escolha. No
contexto moçambicano, defendemos que a seleção para a docência deveria ter como uma de suas principais referências a análise
dos pré-requisitos científicos dos candidatos à profissão docente.
193
Como afirmam Grossman e Schoenfeld (2019, p. 174), “os futuros professores precisam de, no mínimo,
uma base sólida no conteúdo da disciplina que planejam lecionar”. Portanto, reconhecendo as deficiências
sistêmicas do ensino-aprendizagem em Moçambique, o vestibular “tradicional” de questões abertas
mostrou-se mais eficaz, naquele período, para o diagnóstico de candidatos que melhor se enquadravam
para cursar o magistério.
Embora o país historicamente dependa dos organismos internacionais para reforçar o orçamento do Estado,
o que ocasiona um funcionamento deficitário da maioria das instituições estatais, o Instituto de Formação de
Professores de Chibututuíne (IFPC) teve alguns momentos “de glória” 145. Estes foram marcados pela
robustez da componente da tecnoesfera – o que proporcionava uma dinâmica necessária ao cumprimento
da missão institucional –, embora a componente da psicoesfera apresentasse insuficiências, segundo é
possível inferir a partir do depoimento do “Decano 1 (D1)”:
Se, por um lado, Instituto de Chibututuíne teve alguns “momentos de glória”, por outro lado, a formação de
professores no IFPC também teve vários momentos “de penúria”. Estes estão intimamente ligados à
obsolescência da componente da tecnoesfera e à exiguidade de recursos financeiros para a execução do
projeto de formação docente desse Instituto. Dessa maneira, como sinalizou o “Decano 2 (D2)”, esses
momentos “de penúria” eram agravados, principalmente, pelo déficit orçamentário:
Para uma instituição do tamanho do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC), é preciso
que se tenham os recursos necessários para garantir o seu bom funcionamento. Se faltam recursos básicos
145
Os momentos “de glória” do IFPC coincidiram com a existência de um projeto financiado pela JICA (uma organização
governamental japonesa) que pagou a construção do Instituo e alocação de meios tecnológicos e circulantes.
146
Esses saberes construídos a partir da prática docente têm, obviamente, seus alicerces na prática quotidiana da escola. A
participação dos formandos e dos seus formadores no dia a dia da escola, por meio do estágio, proporciona aprendizagens
fundamentais sobre a criança e as necessidades reais delas para a aprendizagem, bem como abre espaço para a aprendizagem
da ética e valores profissionais.
147
Segundo Horowitz, Darling-Hammond e Bransford (2019, p. 101), a formação baseada na escola, além de favorecer uma
iniciação docente aos formandos, possibilita um preparo de professores para promover salas de aulas e escolas adequadas ao
desenvolvimento da criança. Professores que conhecem o desenvolvimento da criança dão orientações estratégicas e
assistências dentro das zonas do desenvolvimento proximal (ZDPs) do aluno, acomodando diferenças individuais e elevando
todas as crianças em direção a um melhor desempenho.
194
– como, por exemplo, alimentos para “manter” os formandos 148 –, as atividades pedagógicas também ficam
prejudicadas149. Não obstante a essas condições institucionais frágeis, como mencionamos em capítulos
anteriores, o Instituto tinha a intenção de ser referência na qualidade da formação de professores para o
ensino primário em Moçambique150. Sendo assim, que apreciação os decanos do IFPC fazem sobre a
relação entre a qualidade do ensino e a formação dos professores nesse país? Analisaremos, a seguir, as
percepções dos decanos do IFPC sobre essa relação.
Como discutimos em capítulos anteriores, é comum atrelar a questão da qualidade do ensino à formação
docente por se entender que estas são duas faces da mesma moeda. Para o “Decano 1 (D1)”, há solução
para a melhoria da qualidade do ensino e da formação docente em Moçambique:
Além da preparação voltada para os conteúdos de ensino, os entrevistados sinalizaram também o problema
do desenho curricular e dos materiais instrucionais e autoinstrucionais para alunos e professores do Instituto
de Formação de Professores de Chibututuíne:
148
A falta de recursos faz com que o Instituto tenha dias longos de alimentação pobre em nutrientes – como ilustra uma das
imagens, nos apêndices, do refeitório em um dia festivo. A partir dessa ilustração, pergunta-se: se em um dia festivo, a refeição é
semelhante à ilustrada (angu, ensopado de feijão e suco artificial diluído em água), imaginem em dias comuns? Que motivação
para a aprendizagem o estudante encontra imaginando uma refeição daquelas? Que dignidade humana há em uma refeição
daquele tipo?
149
Como sabemos, a boa alimentação desempenha um papel importante no fornecimento de nutrientes (vitaminas, minerais,
carboidratos e lipídeos) necessários para a boa saúde que, por sua vez, é uma condição indispensável para a aprendizagem.
150
Como se observa por meio de sua identidade, exposta no átrio institucional (imagem n o 3 em apêndice) e no projeto político da
instituição.
151
O conhecimento sobre a matéria do ensino é a base para o desenvolvimento da expertise docente. Ele é visto por Bransford et al.
(2019) como necessário para um ensino mais progressista e como um conhecimento fundamental para uma aprendizagem
docente ao longo da vida (HOROWITZ et al., 2019). Ou seja, ele constitui o alicerce para o desenvolvimento profissional docente
(GARCIA, 2009). Portanto, é importante que se repense a questão do domínio das matérias de ensino na formação de
professores para o ensino primário em Moçambique, pois, a continuar assim, a formação será dirigida, como diria Mialaret (1981),
à “ignorantes”.
195
Dessa maneira, a qualidade do ensino aqui é analisada sob o prisma das políticas educativas. Em virtude
disso, podemos admitir que aquilo que o “Decano 1 (D1)” designou por “mistura de assessores” e as
consequentes mudanças do currículo e dos programas escolares decorrem da necessidade da reforma
educacional para um ajustamento dos objetivos e finalidades educativas aos novos contextos sociais e
econômicos que o país e o mundo atravessam. Portanto, havendo necessidade e justificando-se a
relevância para que se operem mudanças no sistema educativo moçambicano, é necessário que essas
mudanças não ocorram somente em nível da política curricular, mas de maneira sistêmica, ou seja,
envolvendo todas as partes do sistema, incluindo a formação de professores – quer seja a chamada “inicial”
ou a “contínua” –, a política salarial – vista como o calcanhar de Aquiles que assombra a vida dos
professores em Moçambique –, entre outros elementos pertinentes para um sistema educativo robusto. Nas
palavras de Darling-Hammond et al. (2019, p. 379), “se o objetivo for fornecer uma educação de qualidade
para todos os alunos, não será suficiente oferecer educadores capazes e preparados. Eles também
precisam ter acesso a um currículo sólido e a ferramentas que possibilitem aprendê-lo”.
O “Decano 2 (D2)” e o “Decano 3 (D3)” entendem que a questão da relação entre a qualidade do ensino e a
formação docente está muito imbricada também na motivação dos professores, nas condições do trabalho
docente e na gestão escolar. Nas palavras do “Decano 3 (D3)”:
onde não há eletricidade, os docentes percorrem várias milhas para obter produtos de primeira necessidade
– como, por exemplo, produtos higiênicos. Nesse cenário de extrema precariedade, a gestão escolar
precisa reinventar-se para garantir o mínimo de funcionalidade institucional.
Além dos problemas relacionados à gestão escolar, a questão da qualidade do ensino foi igualmente
associada pelos decanos do Instituto às condições de vida do professor:
Paralelamente às questões sobre as condições de vida dos professores e do trabalho docente, bem como a
gestão educacional, Mazula (2018, p. 82) defende que “o professor ideal para os desafios do século XXI e
para a qualidade do ensino que se exige para o desenvolvimento rural e urbano” [de Moçambique] deve ter
“uma formação de bom nível”. Apesar de os candidatos elegíveis para a docência no ensino primário em
Moçambique serem, de um modo geral, de nível básico (10 a classe), ou seja, DN4, existem no sistema
escolar moçambicano professores do ensino primário com formação de nível superior que não possuem
uma preparação estruturada e específica para esse nível de ensino. Sobre essa situação, Mazula (2018)
defende que:
“…dar mais tempo para o professor se formar porque sabemos que aquele
professor que está na instituição de formação de professores já traz lacunas
das classes anteriores, por isso a formação neste momento deve apostar
em aumentar o tempo de formação” [Entrevista com o “Decano 3 (D3)” em
17 de abril de 2019].
A formação docente por meio de programas “de curta duração” foi implantada, em Moçambique, como
estratégia emergencial para assegurar o fornecimento de professores que tivessem um preparo
psicopedagógico mínimo para o exercício da docência (MOÇAMBIQUE, 2011) 154. Porém, esses programas
de formação de professores “de curta duração” ganharam espaço e vida longa no contexto educacional
moçambicano em razão de sua rentabilidade custo-benefício, uma vez que o Estado moçambicano
“aparentemente” dispunha de poucos recursos para garantir uma boa preparação de seus docentes 155.
Soma-se a isso o fato de os formadores de professores não possuírem um perfil condizente à promoção dos
objetivos ministeriais. Eles também constituem um grupo de profissionais que precisam de uma formação
específica para se atingirem os objetivos definidos para a formação acadêmico-profissional de professores
no país. Para os decanos que participaram desta pesquisa, a maioria dos formadores de professores em
Moçambique não reúne qualificações acadêmicas para o efeito e é aqui as universidades deveriam entrar
em cena. Nas palavras do “Decano 1 (D1)”:
154
O pecado mortal desses programas tem a ver também com o fato de seus candidatos apresentarem enormes lacunas em relação
aos conhecimentos acadêmicos o que inviabiliza, em um curto espaço de tempo, desenvolver uma formação de professores para
que eles sejam capazes de realizar boas práticas nas salas de aulas.
155
O discurso do Ministério da Educação de Moçambique para a formação inicial de professores era o seguinte: formar professores
capazes de promover “a integração do indivíduo (aluno) à vida social, econômica e política, indispensável para o desenvolvimento
do país e para o combate à pobreza” (MOÇAMBIQUE, 2012, p. 15). Porém, os perfis dos candidatos e a duração da formação não
favoreciam os propósitos ministeriais.
156
Segundo o currículo do curso de Licenciatura em Ensino Básico da Universidade Pedagógica de Moçambique, uma das áreas
ocupacionais do profissional do Ensino Básico é ser “Formador para as instituições de formação de professores do EB” (UPM,
2014, p. 13).
157
O único curso existente para esse fim é oferecido na Universidade Pedagógica de Maputo (UPM) em nível de pós-graduação.
Porém, já faz um tempo que ele não é ofertado. Além disso, a maioria do público que se beneficiou dessa pós-graduação “em
formação de formadores” não se encontra filiada aos institutos de formação de professores, estando na sua maioria a exercer a
docência nas Instituições do Ensino Superior (IES).
198
Não se conhecem, de maneira pública, iniciativas ministeriais para preparar formadores de professores para
os institutos de formação docente, a não ser a insistência das ações de “capacitação (sic) de formadores”.
Por meio dos depoimentos coletados para esta pesquisa, percebe-se a improcedência dessas ações pelo
fato de estas serem atividades realizadas, em geral, sem interesse dos participantes. Os formadores
estariam apenas interessados em aumentar, de maneira individual, seus graus acadêmicos. Como a
formação do formador está intimamente ligada ao contexto do seu trabalho, a estratégia mais viável para
esse fim seria, obviamente, a formação contínua. Além disso, o que realmente se deve resolver em
Moçambique é a instauração de uma carreira docente, com um projeto de desenvolvimento profissional ao
longo de toda a vida e um verdadeiro processo de autoavaliação da formação nas escolas moçambicanas.
Sobre esse percurso de um professor constituir-se formador, Ambrosetti e Calil (2016) afirmam que o
trânsito de professor a formador, ainda que se dê de diferentes maneiras e com diferentes graus de
reconhecimento para esses sujeitos, envolve o aprendizado de uma tarefa complexa que não tem referentes
claros para aqueles colocados nessa função. Portanto, a interação entre os sujeitos da formação –
professor-orientador, professor formador e formandos –, no espaço da formação, revela-se como uma
componente fundamental para ajudar o trânsito de professor a formador. Sendo assim, mostra-se ainda
mais procedente a defesa que fazemos nesta tese da constituição do “lugar da formação” em Moçambique,
uma vez que nesse espaço ocorrerão interações sujeitos, espaço-ação, que é justamente, segundo Santos
(2014b), o que configura “o lugar”.
Como sabemos, as práticas de ensino – quer tenham a designação de práticas pedagógicas ou estágios
pedagógicos supervisionados – têm por objetivo aproximar o formando à docência da realidade pedagógica,
incluindo da atividade didática. Portanto, estas devem ser atividades orientadas e supervisadas e a razão da
presença deles na escola de práticas é necessariamente a iniciação nos processos de ensino-
aprendizagem. Porém, em Moçambique, uma das motivações para que as práticas de ensino sejam
supervisionadas é a exploração do praticante pelos professores e a desvirtuação do propósito dessa
atividade. A prática de ensino, embora tenha a finalidade de familiarizar o praticante com a situação real da
profissão, suscita o problema da exploração do estagiário em razão da aproximação do estágio com o
trabalho produtivo (SILVA, 2015). Dessa maneira, dependendo do formato ou da modalidade de estágio,
199
este pode enfatizar mais a produção do que a formação. Ou seja, abandonar o praticante à própria sorte
com a turma equivale à situação em que um comandante abandona o barco com passageiros em pleno mar
e com a consciência plena de que o barco estará à deriva e não chegará a porto algum. Nesse cenário, o
estágio pedagógico supervisionado tem sido usado em Moçambique para enfrentar o problema do
absentismo dos professores – um fenômeno que vulnerabiliza o sistema de educação moçambicano,
conforme concluiu o estudo de Mulhanga, Castiano e Passades (2016). Percebe-se, então, que a ausência
de professores (supervisores) acompanhantes das práticas na sala de aula não só afeta o objetivo
primordial do estágio pedagógico supervisionado, como também atinge todo o processo de ensino-
aprendizagem das crianças nas escolas.
Uma formação de professores baseada na prática – como a que se pretende em Moçambique – deve
favorecer o desenvolvimento de comunidades de práticas nas escolas. Como Darling-Hammond et al.
(2019) afirmam:
Ou, em outras palavras, ela deve constituir-se em uma formação “a partir de dentro” (NÓVOA, 2009) que
procura ligar os processos de formação docente com o desenvolvimento organizacional das escolas. Ou,
como afirma Garcia (1999, p. 28), “o centro educativo representa um contexto favorável para a
aprendizagem dos professores”.
Porém, atualmente, em Moçambique, os professores são mais exigidos (cobrados) a prestar contas sobre
suas capacidades e, em razão disso, solicitados a fornecer rendimentos pedagógicos escamoteados 158 –
mesmo que se tenha consciência plena de sua improcedência –, dada a situação paupérrima que o sistema
de ensino e escolar se encontram no país. Para tanto, seria de praz que se fortalecessem as componentes
da psicosfera (qualidade dos recursos humanos do sistema escolar) e tecnosfera (qualidade do
equipamento escolar: salas de aulas, bibliotecas, currículo contextualizado, meios e recursos de ensino) de
modo a garantir a materialização do desejo de um ensino de qualidade.
158
Chamamos “rendimentos pedagógicos escamoteados” em razão do regulamento geral do ensino básico (REGEB) determinar que
dentro de cada ciclo a progressão é automática (Artigo 85 do REGEB). As evidências do contexto escolar em Moçambique
demonstram que tanto as escolas como os professores não reúnem condições favoráveis que possibilitam a realização plena dos
objetivos educacionais a contento, de modo a promover todas as crianças dentro do ciclo.
200
O SDEJT constitui o terceiro grau na linha de comando legal na hierarquia do Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano (MINEDH) e tem por objetivo zelar pela gestão do ensino-aprendizagem nos
institutos de formação de professores. Mais especificamente, eles coordenam várias atividades
desenvolvidas nesses institutos, nomeadamente: a preparação do processo seletivo dos formandos, por
meio da organização das inscrições para o vestibular, a realização do vestibular e a supervisão das
atividades docentes. Nas palavras do representante do SDEJT:
Na realidade, o SDEJT da Manhiça não está envolvido em todos os processos de formação de professores
para o ensino primário no IFPC como, por exemplo, no caso da seleção dos candidatos. As provas
prestadas para o concurso são corrigidas por um órgão central do Ministério da Educação, os resultados
das entrevistas são encaminhados para esse órgão e, finalmente, o MINEDH faz a triagem e os
apuramentos finais. Trata-se de um procedimento não apenas discriminatório como também excludente e
recheado de desconfianças.
O envolvimento dos Serviços Distritais na formação de professores para o ensino primário em Moçambique
trata-se, na verdade, de uma questão política. Para garantir que o Instituto receba bons candidatos e que o
processo de formação docente tenha êxito, ele pode ser interpretado como o cumprimento de uma tarefa
meramente administrativa. Porém, os vários registros de indícios de viciação do processo seletivo e
problemas no desenvolvimento das práticas de docência (iniciação à docência), denunciados, nesta
pesquisa, pelos formadores e formandos, revelam uma “orfandade social das escolas” e uma frágil relação
159
O exame de admissão corresponde ao vestibular.
201
entre o Instituto e as escolas de práticas. Sendo assim, o SDEJT da Manhiça realiza seu papel de maneira
bastante limitada. Ele não consegue prover as condições favoráveis para que a atividade da formação
docente no IFP de Chibututuíne prospere e que, por meio dessa atividade, as escolas encontrem espaço
para uma renovação pedagógica mediante a integração de novas abordagens docentes construídas durante
as práticas ou os estágios supervisionados. Estes são problemas que existem há décadas em Moçambique,
conforme constatou-se nas falas dos formadores participantes desta pesquisa, e eles persistem até hoje – o
que revela um cumprimento desequilibrado do papel dos Serviços Distritais que se resume a um formalismo
administrativo. É necessário que as duas instituições (IFPC e SDEJT) interajam no sentido de constituírem
uma alavanca sistêmica de apoio para o bom funcionamento interinstitucional. Essa perspectiva de
colaboração entre o SDEJT e o IFPC pode diminuir o prejuízo institucional que advém da falta de
investimentos tanto na psicoesfera como na tecnoesfera para a formação docente em Moçambique.
Como discutimos no Capítulo Um desta tese, uma boa parte do financiamento educativo em Moçambique
vem do Banco Mundial (BM) que é um organismo que se interessa apenas retoricamente pelo
desenvolvimento da qualidade da educação nos países em desenvolvimento. Segundo Torres (2007):
Um modelo escolar com ausência de professor e pedagogia significa que ele pouco se importará por uma
formação docente de qualidade. Isto reforça a política assistencialista do BM que defende uma capacitação
(sic) paliativa de professores em detrimento de uma formação acadêmico-profissional robusta (TORRES,
2007).
Sendo o SDEJT a entidade que garante o cumprimento imediato dos objetivos educacionais e responsável
pela supervisão e monitoria das atividades de formação docente nos institutos de formação de professores
em Moçambique, seria justo que ele mesmo se responsabilizasse por todo o processo de seleção dos
candidatos para a realização dos objetivos dos IFPs. Porém, a gestão do processo de formação de
professores para o ensino primário em Moçambique trilha caminhos lamacentos que conduzem à atual
precariedade da formação docente no país.
Apesar de as práticas de formação docente do IFPC acontecerem nas escolas, não há cooperação
acadêmica e científica entre as escolas e o Instituto para a materialização de seus objetivos de formação,
202
bem como para a melhoria da qualidade do trabalho docente nas escolas que recebem os formandos.
Também não existe uma ação articuladora do SDEJT para a integração desses espaços de formação a fim
de se constituir “o lugar de formação”. Em nosso entender, “o lugar de formação” seria constituído pela
tríade escola, IFPC e ZIP, sendo o SDEJT o elemento integrador dessa tríade. A questão de fundo tem a
ver, na realidade, com a descentralização de poderes – o que o Ministério da Educação de Moçambique
ainda reluta em fazer. Os poucos repasses de poderes do Ministério para os Serviços Distritais evidenciam
o fato de o poder ministerial exercer plenamente seu papel de “controlador” dos processos de formação de
professores em Moçambique.
Como sabemos, todo processo de formação encara problemas e o caso em estudo nesta tese não é uma
exceção. O Serviço Distrital da Manhiça, por se tratar de uma entidade que zela pelo bom funcionamento e
a boa qualidade da educação nesse distrito, têm pleno conhecimento dos problemas sobre a formação dos
professores no Instituto de Chibututuíne. Nas palavras do entrevistado:
O fator tempo de formação de professores – que é bastante curto – transcende o nível distrital. Embora
tenha que ser construída uma solução sistêmica e estrutural, uma vez diagnosticado o problema da
qualidade da formação docente, seria importante a busca de soluções locais para esse problema. Nesse
diapasão, é necessário que a seleção de professores para cumprirem a missão de formar novos docentes,
assim como a seleção de candidatos, deve pautar por critérios que possibilitem filtrar os “bons” em
perspectiva e capazes de virem a desenvolver boas práticas de ensino. Tem-se, em razão disso, a
203
necessidade de se repensar “o perfil do professor formador […] entendendo que isso implica em vários
questionamentos a respeito do tipo de profissional que ser qualificar” (HENGEMUHLE, 2010, p. 155).
O “negócio das fichas” nas escolas moçambicanas, destacado na fala do entrevistado acima, significa, em
nossa compreensão, a existência de um problema maior e bastante conhecido no país que se relaciona, na
verdade, às condições precárias de vida da maioria dos professores moçambicanos. Conforme o
depoimento acima e baseando-se na fala do “Decano 2 (D2)” de que é necessário “melhorar as condições
de vida dos professores”, o “negócio das fichas” está intimamente ligado à satisfação das necessidades
básicas dos docentes – entre as quais a alimentação é uma delas. Dessa maneira, é justo pensar que o tal
“negócio das fichas” constitui uma fonte alternativa de renda para os professores moçambicanos. Dessa
maneira, as dificuldades econômicas desses docentes são enormes a ponto de a ética profissional ser posta
em causa. As escolas precisam empreender, então, mudanças estruturais significativas em prol da
aprendizagem dos alunos e ajudar os professores a compreender a “exigência ética” da docência
(ARROYO, 2019). Essa “exigência ética” deve estar impregnada no seio de uma gestão escolar que busca
a aprendizagem de todos os alunos. Pode parecer paradoxal afirmarmos que os professores que leccionam
no ensino secundário enfrentam graves problemas econômicos a ponto de venderem apostilas como fonte
alternativa de renda. Porém, embora a tabela salarial para os docentes desse nível seja razoavelmente
estável e confortável para o contexto econômico moçambicano 161, nem todos os professores que lá
leccionam tem formação superior e auferem tal salário. Sendo assim, o ajustamento da condição de vida
160
“Fichas” são “apostilas”.
161
Em condições normais, a docência no ensino secundário deveria ser exercida por docentes enquadrados na carreira de DN 1, isto
é, professores que têm diploma de licenciatura. Porém, há muitos professores leccionando no ensino secundário, principalmente
nas escolas do meio rural, que não têm formação superior e estão enquadrados na carreira de DN 3 – ou seja, o seu salário é
muito baixo e incompatível com a tarefa que exerce.
204
docente configura uma das premissas básicas para a melhoria da qualidade do ensino e da formação
docente em Moçambique.
“A seleção é baseada na boa nota, mas a nota, por vezes, não corresponde
à habilidade. Então, conciliamos a nota e a entrevista. Existe um trabalho
conjunto de seleção que contempla alguns técnicos do Serviço Distrital,
alguns formadores e alguém do Governo (um júri do Governo) que é para
juntos podermos escolher os melhores imparcialmente.” (Entrevista com um
representante do SDEJT em 19 de junho de 2019).
Esse depoimento contrasta com as revelações dos formadores nesta pesquisa, pois estes afirmaram que
não participam da banca seletiva. Segundo as palavras de um dos gestores do Instituto: “ ...tínhamos que
avançar a lista dos elegíveis para a contratação…” (Entrevista com Gestor G3 realizada no dia 23 de abril
de 2019). Ou seja, a seleção dos candidatos para a docência no IFPC não inclui, como seria de praz, os
formadores do Instituto. De acordo com esse mesmo gestor:
“...é chato você ouvir que quem entrou é porque é filho de antigo combatente. Nós
examinamos, entrevistamos, mas, depois, aparece uma lista...” (Entrevista com
Gestor G3 realizada no dia 23 de abril de 2019).
Se olharmos apenas para o processo da seleção dos candidatos para a formação de professores em
Moçambique, bem como aquele para a docência nesse país, nota-se uma grande interferência
ministerial/governamental na gestão da formação docente e na questão da melhoria da qualidade do ensino:
é visível a intenção ministerial de controlar, direta ou indiretamente, a formação docente e a seleção de
novos professores em Moçambique. Na direção contrária, estudos (COCHRAM-SMITH et al., 2018;
DARLING-HAMMOND e BRANSFORD, 2019) defendem uma “abordagem democrática e ativa da prestação
de contas” no exercício do magistério (COCHRAM-SMITH et al., 2018, p. 163). Nas palavras de Cochram-
Smith et al. (2018):
Retoricamente, o esforço realizado pelo Ministério da Educação de Moçambique para controlar e monitorar
algumas atividades de formação de professores tem em vista garantir a “eficácia interna” na formação
docente no país (GÓMEZ, 1998). Porém, isto não significa necessariamente assegurar um bom preparo de
professores e a melhoria da qualidade do ensino mediante sérios investimentos na educação que culminem,
por exemplo, na adequação da formação docente ao contexto de Moçambique e para a chamada
“satisfação sistêmica”. Portanto, para aumentar a qualidade docente, concorda-se em estabelecer melhores
critérios de seleção, tanto no ingresso aos estudos como no local de trabalho, introduzir uma autoavaliação
ao longo da carreira docente e destinar mais recursos ao professorado.
Para o cumprimento de sua missão, o INDE elabora os currículos e programas do ensino primário e da
formação docente para esse nível de ensino e repassa-os, respectivamente, à Direção Nacional do Ensino
Primário (DNEP) e à Direção Nacional de Formação de Professores (DNFP) para sua implantação. Nas
palavras de um representante da instituição:
A implantação dos currículos e programas desenhados pelo órgão técnico ministerial – o Instituto Nacional
do Desenvolvimento da Educação (INDE) – efetiva-se por meio das ações das direções centrais
ministeriais, tanto do ensino primário como da formação docente, em uma cadeia constituída pelas direções
provinciais de educação163, os serviços distritais de educação e as direções das escolas e dos IFPs. Sendo
o INDE uma entidade vocacionada para a pesquisa educacional, faz jus que ele planifique e desenhe os
currículos e programas, bem como monitore todo esse processo de modo a garantir a sua plena
implantação. Contudo, a partir das entrevistas com os formadores, gestores, decanos do IFPC e um
representante do SDEJT da Minhaça, notou-se a ausência de um órgão instituído pelo Ministério da
Educação para o acompanhamento e superação dos dilemas pedagógicos nas escolas – a Zona de
Influência Pedagógica (ZIP). Nas palavras captadas por meio da entrevista com o representante do INDE,
há uma “autonomia exclusiva e excludente” na elaboração dos currículos e essa entidade encontra-se
162
Segundo informações na página eletrônica http://www.mined.gov.mz/IST/INDE/Pages/estrutura.aspx
163
As direções provinciais de educação em Moçambique equivalem à secretarias estaduais de educação no Brasil.
206
desvinculada da missão de liderar esses processos. Para um melhor design curricular e sua efetiva
implantação, a ZIP, como órgão de gestão da prática pedagógica para garantir a formação docente em
exercício e melhorar a qualidade do ensino-aprendizagem, tem fundamental importância na concepção e
implantação curricular.
A formação docente como lugar da confluência da prática pedagógica deve ter em conta que várias forças
convergentes e divergentes participam da definição do projeto curricular. Dessa maneira, é importante que o
projeto curricular para formação de professores seja planejado e desenvolvido dentro do “lugar da
formação” para proporcionar o equilíbrio dessas forças. Portanto, o “ecossistema da formação docente”
deve ser coabitado por todas as essas forças, tendo em vista o objetivo final do sistema educativo: a
melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem. Essa é uma das razões que justificam a pertinência em
“devolver a formação de professores aos professores” (NÓVOA, 2009, p. 36) que, para o contexto
moçambicano, significa o tornar a ZIP o lugar em que gravitam os processos do design, realização e
desenvolvimento curricular das ações de formação docente.
Dessa maneira, tem-se necessidade de, paralelamente, planejar e implantar um design curricular para
garantir o isomorfismo entre a formação docente e o tipo de ensino que se pretende. Os currículos
escolares e de formação docente em Moçambique estão atualmente assentes sob prisma das competências
prescritivas. Tem-se, portanto, uma formação docente que, em decorrência do currículo imposto, tem
priorizado o desenvolvimento de competências prescritivas – em vez de competências reflexivas –
baseadas na premissa de “eficácia interna” que dá primazia à economia de esforços e recursos na
realização satisfatória dos objetivos.
Como nos foi informado por meio de entrevista, o INDE faz o design curricular e, antes de sua implantação,
o socializa com os destinatários (executores) para assegurar, na compreensão do entrevistado, a qualidade
e o sucesso do projeto curricular:
Sendo assim, o INDE presta uma assessoria aos formadores de professores antes de implantarem o projeto
curricular. Todavia, essa assessoria deveria acontecer a partir das demandas dos professores ou das
demandas das instituições educativas com o objetivo de ajudá-los a resolver os problemas profissionais que
lhes são próprios.
Mais do que chamar os formadores para socializar ou informá-los sobre o projeto curricular, mostra-se mais
relevante que os formadores sejam parte integrante do desenho curricular. Essa socialização promovida
pelo INDE aos formadores atrela-se a cursos de curta duração, visando a atualização, o aperfeiçoamento
ou, até mesmo, a “reciclagem” (sic) desses docentes. Para Diniz-Pereira (2019), nos cursos de curta
207
duração, os professores passam a colecionar certificados mesmo que para isso se preocupem mais em
assinar as listas de presença do que em participar efetivamente desses instantes de formação (p. 67).
Portanto, a ideia de chamar ou convocar os formadores para serem “informados” sobre os novos programas
de formação docente distancia ainda mais da possibilidade de tornar essa formação um lugar de
desenvolvimento da profissionalidade por meio da realização de ações de interesse dos formadores. Um
estudo do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MOÇAMBIQUE, 2017, p. 120) recomenda
que se deve “envolver os professores na planificação e elaboração do currículo e plano estratégico de
educação”. O que sucede é que os indivíduos dos gabinetes são os que passam a estudar a formação sem
o envolvimento dos principais atores. O formador de professores e o professor do ensino primário devem
ser vistos como elementos-chave para o design curricular e responsáveis pela sua implantação na formação
docente. A consequência da falta de participação desses sujeitos (formadores e professores) no design e
desenvolvimento curricular poderá ser a apatia dos formadores e dos professores na implantação curricular
por não se virem nesse processo ou por desconsiderar que eles sejam parte integrante dessas inovações
ou pretensões – o que pode resultar na deficiência e fracasso curricular, constituindo-se aspectos de
gravidade eminente para o sistema educacional moçambicano. Nesse diapasão, Nóvoa (2009) advoga:
A situação ideal é o envolvimento dos professores e formadores na concepção dos currículos da formação
docente e do ensino escolar para harmonizar consensos e gerar expectativas altas nesses sujeitos em
virem realizadas suas utopias – contrariamente a oferecer programas acabados que obriguem aos
professores e formadores a trabalharem sobre as metas. O docente ou instituição de ensino que trabalha
apenas orientado pelas metas tem maior probabilidade de falsear os resultados. Perguntamo-nos, então, se
não será por causa desse risco que se gera a discussão sobre a promoção semiautomática ou a
“progressão normal” (MAZULA, 2018, p. 32). Defendemos, então, que os processos de concepção e
implantação curricular na formação docente devem envolver “uma parceria negociada com os profissionais”
(PERRENOUD, 2002, p. 16).
Essa “parceria negociada” não pode ser alcançada por meio de uma relação de subordinação, como sugere
o posicionamento do representante do INDE sobre a definição da concepção do currículo, sua socialização
e monitoria:
Parece óbvio que, durante um processo de reforma curricular, haja necessidade da monitoria e avaliação
periódica de modo a fazer intervenções pontuais que dão direção a essa reformulação do currículo. Porém,
208
faz jus que essa monitoria e avaliação decorram do próprio processo de construção do “lugar da formação
docente”, sendo importante que se assegure que todos os intervenientes desse processo estejam a par das
suas obrigações. Isso equivale dizer que os formadores, formandos, corpo diretivo, corpo técnico
administrativo nas instituições formadoras, os professores e gestores das escolas em que ocorrerão as
práticas, os professores da ZIP, os técnicos dos serviços distritais e o sindicato dos professores devem ser
parte integrante do design, desenvolvimento, monitoria e avaliação curricular. Uma vez que a reforma do
currículo diz respeito aos interesses socioeducativos e profissionais, o INDE deve compreender a
necessidade da criação de uma plataforma de trabalho sistêmico que envolve todos esses integrantes da
reformulação curricular para que todos se sintam comprometidos e engajados nesse processo. Vale lembrar
que “a tarefa da formação não é capacitar um docente para transmitir saberes e estruturar uma cultura
dominante e sim estabelecer uma reflexão e uma análise para transformar a escola e colocá-la a serviço da
comunidade” (IMBERNÓN, 2016, p. 191).
Sobre o processo de reformulação curricular para o modelo de formação de professores “10 a + 1”,
desenvolvidos há cerca de duas décadas, o representante do Instituto Nacional para o Desenvolvimento da
Educação (INDE) em Moçambique afirmou que:
“…no currículo da “10ª + 1”, o produto é bom porque são alunos internos...
aquele é um trabalho intensivo; são 36 horas de formação semanais... os
alunos têm aulas de manhã e de tarde, tem atividades extracurriculares de
desporto, de produção escolar, ligação com a comunidade... é uma
formação que bem analisada acaba tendo a mesma qualidade com uma
outra qualquer formação e nós como INDE, infelizmente, não fizemos um
estudo de desempenho deste professor no fim já quando estiver a
trabalhar…” (Entrevista realizada com um representante do INDE em 7 de
maio de 2019).
Estudos já mencionados nesta tese (NIQUICE, 2005; MATAVELE, 2016; MAZULA, 2018) sinalizam, ao
contrário, vários problemas nesse modelo de formação de professores em Moçambique. Apesar de o INDE
insistir em passar a ideia de que os egressos desse modelo “são bons”, esse órgão assume nunca ter
realizado um estudo para aferir o real desempenho desses egressos. A justificativa apresentada por esse
Instituto para a falta de um estudo para a aferição do desempenho dos professores novatos, formados
nesse modelo de formação docente, assenta-se nos frequentes cortes orçamentários do setor da educação
no país. O INDE parece, então, querer escamotear a verdade – verdade esta revelada pelas pesquisas
acadêmicas e por meio da realidade do contexto educativo moçambicano que apresenta continuamente
resultados escolares fracassados.
Nesse sentido, faz-se necessário o envolvimento de todos os intervenientes no processo de reforma dos
cursos e programas de formação docente e do desenvolvimento curricular nas escolas. O que fica patente é
que, em Moçambique, o INDE se preocupa somente com a implantação do currículo sem, contudo, aferir se
as aprendizagens dos formandos nos institutos de formação docente são realmente relevantes para que
eles proporcionem um ensino de qualidade aos alunos nas escolas. Segundo Darling-Hammond, et al.
(2018):
Embora o INDE assuma não ter realizado um estudo para aferir o desempenho dos egressos dos
professores formados no modelo curricular “10 a + 1”, o representante desse órgão insistiu que eles têm um
desempenho melhor:
Dessa maneira, na visão desse representante do INDE, a qualidade da formação dos professores egressos
do modelo “10a + 1”, embora contestada pelas pesquisas, proporciona um bom desempenho profissional.
Com isto, afasta-se a possibilidade de ser o professor uma das causas da baixa qualidade do ensino em
Moçambique. Sendo assim, o representante do INDE parece assumir “a postura [de que os] docentes não
têm nada a ver com os problemas atuais da escola”, sendo eles apenas vítimas de um sistema social
excludente (DINIZ-PEREIRA, 2019, p. 71). Para o entrevistado, a qualidade da formação nesse modelo “é
boa” em razão de os alunos formandos estudarem em regime fechado:
As evidências produzidas, nesta pesquisa, a partir dos depoimentos dos sujeitos do Instituto de Formação
de Professores de Chibututuíne (IFPC), refutam as afirmações desse representante do INDE. Lembremos
que os problemas levantados pelos gestores do IFPC têm a ver com o tempo reduzido da formação, o fato
de os alunos envolverem-se em “atividades domésticas” do Instituto (saneamento geral e copa) e de os
discentes terem poucas horas de repouso. Nota-se, portanto, nas palavras do representante do INDE, o
desconhecimento da realidade da formação docente no IFPC. Seu posicionamento revela que a monitoria
que se realiza sobre o desenvolvimento curricular não incide sobre o diagnóstico dos reais problemas do
Instituto de Chibututuíne.
210
O representante do INDE entende, então, que tudo depende da formação dos formadores:
Realmente, não é de hoje que se clama pela necessidade da formação dos formadores de professores em
Moçambique. Porém, em vez de apontar os possíveis culpados pelo fracasso das reformas curriculares,
vale mais a pena construir uma tecitura que possa viabilizar esse processo.
O perfil dos formadores de professores do IFPC que traçamos no Capítulo Quatro desta pesquisa, talvez,
nos faça concordar que, realmente, não se trata de um perfil adequado para a função que exercem.
Todavia, há potencialidades para o efeito, pois a maioria desses formadores está na carreira docente há
mais de dez anos! O representante do INDE não reconhece, porém, essas potencialidades dos antigos e
novos formadores de professores do Instituto de Chibututuíne ou que estas sejam subaproveitadas:
Ao nosso ver, o problema maior não está na suposta “falta de competência dos formadores”. Estes
desenvolveram uma certa competência (construíram algum conhecimento) sobre a formação de professores
primários em Moçambique por exercerem essa atividade há vários anos. O que está em causa é a
qualidade da formação docente nesse país.
Esse problema da falta de planificação dos professores ou da rotina vivida nas escolas poderia ser resolvido
adotando-se uma concepção de formação docente centrada na escola que, segundo Imbernón (2011, p.
90), transforma a instituição educacional em “lugar prioritário de formação”. Assim, a conjugação de
esforços no domínio da tecnosfera e da psicosfera torna-se fundamental para assegurar uma formação
docente de qualidade com consequências positivas para o ensino escolar.
Por fim, o representante do INDE reconhece que, na verdade, se trata de um problema de natureza
financeira, como se pode perceber por meio do depoimento a seguir:
Essas ações são realmente importantes, pois tem-se como questão central a profissão docente em
Moçambique – desde a mudança na concepção curricular dos cursos de formação de professores, a
acreditação desses cursos, o cuidado com a carreira docente e as condições de vida dos profissionais da
educação, entre outras. Dessa maneira, é realmente necessário que essa lista de ações se estenda para a
profissionalização dos professores, bem como o desenvolvimento das escolas. Para Garcia (1999, p.139),
poucos negariam que o desenvolvimento profissional do professor e o aperfeiçoamento da instituição
escolar são duas faces da mesma moeda; é difícil pensar em uma, sem pensar na outra. Sendo assim, as
164
Segundo Fonseca (2007, p. 10), o Banco Mundial defende retoricamente políticas educacionais que supostamente visam a
elevação da qualidade do ensino nos países subdesenvolvidos, mas, na prática, impõe a redução dos gastos públicos, em geral, e
para a educação, em particular, nesses países e se mantém indiferente à carreira e ao salário do magistério.
212
mudanças pretendidas na formação de professores para o ensino primário em Moçambique devem levar em
consideração estas duas faces da moeda – a instituição escolar e a formação docente.
“…o perfil de formador que valoriza o facto dele ter muita experiência no
ensino primário e ser um professor de referência etc. ...não bate. Mesmo
porque pela sua localização e pelo prestígio que era suposto dar ao Instituto
de Formação de Professores, há muita apetência para as pessoas. Idem
para a instituição de formação de professores e algumas pessoas com
poder cujas pessoas de suas relações, familiares, ou pessoas importantes
para alguma e outra coisa que não têm nada a ver com o desempenho
profissional acham que ali é o lugar onde devem colocar as pessoas... e
isso tem interferido de maneira grosseira no funcionamento da instituição de
formação” (Entrevista realizada com um representante da DNFP em 17 de
abril de 2019).
Ele se referiu à ingerência (ao clientelismo, ao nepotismo e ao tráfico de influências) na seleção dos
candidatos para os cursos de formação de professores, bem como na seleção dos formadores e gestores
dos institutos de formação de professores (IFPs) – denunciada também anteriormente, nesta tese, pelos
gestores e formadores do Instituto de Chibututuíne e que enferma a preparação docente em Moçambique.
Ou seja, além de mudar os currículos, as estratégias de formação ou de promover a modernização das
instituições de preparação docente, há necessidade de uma mudança sistêmica, estrutural – que extrapola
o âmbito da tecnosfera – e, principalmente, cultural que inclua a conscientização das pessoas (e de toda a
sociedade moçambicana) sobre os riscos de se reproduzir esse tipo de comportamento no magistério.
O representante da DNFP continuou a sua reflexão sobre a situação da formação de professores primários
em Moçambique:
Embora existam estruturas oficialmente criadas, em Moçambique, para zelarem pela formação de
professores, compreende-se a necessidade de se implantar, no seio do sistema de preparação docente, um
mecanismo concreto, viável e, acima de tudo, responsável de impenetrabilidade e impermeabilidade na
213
formação docente desse país. Trata-se de um problema complexo que, em nosso entender, carece de uma
solução sistêmica que reside na implantação do “lugar de formação de professores para o ensino primário”,
ou seja, na transformação da Zona de Influência Pedagógica (ZIP) em lugar de excelência para a
concepção curricular, gestão pedagógica e administração da formação docente 165.
Constituir o “lugar de formação de professores” como mecanismo de assegurar uma preparação profícua
não só se mostra relevante quanto necessário tendo em vista a instabilidade instalada no seio da formação
docente em Moçambique, como ilustram as declarações do representante da DNFP:
A apetência dos designados “fortes” em controlar a formação docente em Moçambique e, por meio desse
controlo, colocar sua gente, ainda que sem requisitos, para o efeito, degrada o sistema de formação
docente moçambicano. Dessa maneira, não apenas a formação docente será o veículo da melhoria da
qualidade do ensino no país, mas, sobretudo, o reduto moral da promoção da cidadania e dos valores éticos
humanos. É impensável que um professor ou formador que tenha entrado em um IFP “pela porta de cavalo”,
ou seja, usando mecanismos obscuros, estará em condições de promover a eticidade que se espera do
magistério.
O sistema está tão corrompido que mesmo os supostos titulares de poder (Ministério da Educação, INDE,
Serviços Distritais) – que estatutariamente poderiam controlar os processos de formação docente –
encaram dificuldades e barreiras internas dentro do sistema para contornar e remover os obstáculos que
infestaram a formação de professores no país. Por meio das declarações do representante da DNFP, uma
direção ministerial para zelar pela implantação das políticas e estratégias da formação de professores em
Moçambique, temos a sensação de que o sistema de formação de professores no país está capturado por
alienígenas “contra revolucionários”:
165
Como descrito anteriormente nesta tese, a ZIP é o espaço de confluência das ações pedagógicas desenvolvidas nas escolas, isto
é, a oficina pedagógica e geoadministrativa da educação. É nesse espaço que se deve conceber, implantar e consolidar o
processo de mudanças no sistema educativo moçambicano.
214
Por meio de vários documentos ministeriais (MOÇAMBIQUE, 1998, 2004, 2012; MOÇAMBIQUE, 2017,
2019; MOÇAMBIQUE, 2012), percebe-se a existência de leis, normas e critérios que dão direção à
formação de professores no país. Os critérios para seleção dos docentes e os perfis desses profissionais
são definidos pelos seguintes documentos: Ministério da Educação (MOÇAMBIQUE, 2004) e Regulamento
Geral dos IFP e FEA (MOÇAMBIQUE, 2012). Se esses instrumentos legais são desconsiderados por
pessoas inescrupulosas que “capturaram” o sistema de formação docente em Moçambique para benefício
próprio, é necessário analisar as estruturas de liderança e colocar “o homem certo em lugar certo”
(SHARMA, 2004, p. 9). Além disso, medidas de combate à corrupção no setor da educação devem ser
fortalecidas, pois, segundo o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano), a corrupção contribui
para piorar em muito a situação.
Essa “visão holística” corresponderia, de acordo com a nossa compreensão, à uma mudança/reforma nos
currículos, na formação dos profissionais, na gestão escolar e na avaliação institucional 166. Currículo,
formação e gestão são áreas interligadas que reforçam a mudança na organização das escolas. Portanto, a
mudança pretendida no seio da formação docente moçambicana precisa ser acompanhada de reformas
curriculares (da formação e do ensino), da gestão escolar e da avaliação institucional. Nas palavras de
Basílio (2017), “as reformas educacionais feitas em Moçambique não mexem o sistema de ensino no seu
todo, nem estabelecem a ligação da reforma educacional com a reforma financeira. Elas nunca colocaram
como prioridade a reforma financeira ou econômica nem as condições socioeconômicas dos profissionais
de educação” (p. 285).
166
Como afirma Basílio (2017, p. 285), uma reforma educacional consistente prioriza quatro áreas fundamentais: currículo, formação
dos profissionais, gestão escolar e a avaliação institucional.
215
Embora não exista um estudo moçambicano, pormenorizado, sobre a satisfação socioprofissional dos
docentes, pesquisas realizadas em Moçambique (DUARTE, BASTOS e RUPIAS Jr, 2016; MAZULA, 2018)
sobre o professorado local enfatizam a insatisfação generalizada dos professores pelas condições de
trabalho e sua condição social. Esses estudos demonstram a inquietante e dramática condição docente em
Moçambique e revelam o reconhecimento ministerial em termos das baixas remunerações, a existência de
professores “paraquedistas”, a baixa qualificação acadêmica dos professores, o desprestígio social e as
condições precárias de trabalho.
Em Moçambique, não há necessidade de se realizar um estudo para perceber as precárias condições sob
as quais decorre o processo de ensino-aprendizagem na maioria das escolas do país; tão pouco para saber
que a condição social dos professores, de modo geral, é precária. Para tal, basta observar a tabela salarial
do magistério nesse país e constatar-se-á que o piso salarial do escalão mais baixo da maioria dos
professores (do ensino primário/DN4) que asseguram o funcionamento do ensino primário (egressos dos
IFPs) é baixíssimo: 6.776,00 Mt, de acordo com a tabela salarial do Ministério da Economia e Finanças
(MOÇAMBIQUE/MEF, 2018). Portanto, a mudança/reforma educacional para a melhoria do sistema
educacional deve ser emancipatória e acompanhada por medidas estruturais como, por exemplo, elevar o
piso salarial docente em todos os níveis, atrair bons estudantes para a formação docente, concursar
gestores educacionais, reduzir a proporção de alunos por professor, entre outras.
Por fim, entendemos que a formação de professores deve atender as particularidades e necessidades para
a aprendizagem dos alunos em Moçambique e, para tal, é essencial considerar que muitas crianças
moçambicanas são excluídas do processo de aprendizagem devido ao idioma usado no ensino – o
português – que é o idioma nacional e de ensino – em um país multilíngue em que a maior parte da
população não fala o português 167. Apesar de ter sido algo negligenciado durante anos, o Ministério da
Educação e Desenvolvimento Humano finalmente reconhece que este é um fator importante para o sucesso
e o bom rendimento escolar das crianças moçambicanas (MOÇAMBIQUE, 2020).
Embora seja possível admitir a existência de alguns avanços para se tentar reverter esse cenário – com a
adoção da aprendizagem baseada em línguas nacionais vinculadas aos programas de ensino bilíngue –, a
formação de professores para o ensino primário em Moçambique ainda não faz parte desse esforço
linguístico para a melhoria da qualidade educativa no país (NGUNGA, 2011; LOPES, 2001; 2009). Essa
situação ainda se constitui em um verdadeiro “calcanhar de Aquiles” no contexto educacional moçambicano.
Há sim uma sinalização de intenção da institucionalização da aprendizagem sobre línguas nacionais na
formação de professores no novo currículo de formação docente no país (MOÇAMBIQUE/INDE, 2019) com
a introdução de disciplinas como “Estrutura das Línguas Moçambicanas”, “Literatura Oral em Línguas
167
O ensino primário (EP) continua a ser leccionado em Moçambique em uma língua não familiar para a maioria das crianças,
particularmente, as que vivem nas zonas rurais.
216
Moçambicanas”, “Didáctica da Língua Segunda I”, de 90 horas, 54 horas e 126 horas, respectivamente.
Segundo o INDE, essas disciplinas têm a finalidade de:
Trata-se de uma boa intenção para a promoção de uma “uma educação para todos” e no seguimento dos
objetivos do desenvolvimento do milênio. Porém, a falta de um corpo docente preparado nos institutos de
formação pode minar esse propósito. Cabe realçar que o problema da falta de materiais instrucionais nas
línguas nacionais para a formação docente e para o ensino nas escolas também constitui um obstáculo a
ser transposto.
Discutiu-se, ao longo do presente capítulo, os contornos da formação docente para o ensino primário em
Moçambique na visão dos antigos gestores do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne, os
chamados “decanos”, e de representantes do Serviço Distrital da Manhiça, do Instituto Nacional do
Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação por meio de um representante da Direção
Nacional de Formação de Professores, para compreendermos “os prós” e “os contras” presentes na
discussão sobre a qualidade da formação docente versus a qualidade do ensino. Isto nos possibilitou
entender a relevância das Zonas de Influências Pedagógicas (ZIPs) no condão da formação docente e na
melhoria da qualidade do ensino em Moçambique. Nivagara et al. (2016) afirmam que a criação das Zonas
de Influências Pedagógica (ZIPs) teve o objetivo de impulsionar o funcionamento das escolas com base no
trabalho pedagógico dos professores como construtores do currículo e promotores de escola e do ensino de
qualidade (p. 71). Embora esse estudo revele a existência de aspectos que dificultam o seu funcionamento,
tais como a formação acadêmica, profissional, a experiência profissional, a carga horária de trabalho do
coordenador da ZIP, entre vários aspectos de natureza geoadministrativa, ao nosso ver, a ZIP tem um
enorme potencial para que ela seja instituída como “lugar de formação docente”. A ZIP – como espaço de
confluência de práticas – proporciona simultaneamente o desenvolvimento curricular, das práticas
educativas e profissional do professor e, dessa maneira, a partir desse “lugar”, as comunidades de práticas
podem se constituir em uma boa alternativa para o contexto educacional moçambicano, pois permitirão o
estabelecimento de intercâmbios entre o professorado mediante o estabelecimento de diferentes redes de
comunidades de práticas em distintas escolas do país.
217
Esta pesquisa teve como objeto de estudo o lugar da formação de professores para o ensino primário em
Moçambique. O objetivo principal foi analisar como se desenvolve a preparação de docentes para o ensino
primário nesse país, tendo como “caso” o Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC).
Os participantes desta pesquisa foram unânimes em afirmar que um dos requisitos para melhorar a
formação docente em Moçambique é a garantia da construção de conhecimentos científicos entre os
formandos e formadores, além, obviamente, da existência de condições materiais para o efeito. Os dados
da pesquisa mostraram que, embora a maioria dos formandos tenha nível médio – que é maior do que o
requerido para ingresso (10ª classe) –, eles apresentam, em geral, baixo conhecimento científico dos
conteúdos relacionados às matemáticas e à língua portuguesa. Podemos afirmar, então, que não será
apenas a elevação do nível de entrada na formação docente que influenciará a qualidade dessa formação,
mas, sim, isto associado à melhoria da preparação dos alunos nos níveis escolares antecedentes.
As baixas qualificações dos candidatos admitidos para a formação docente sugerem que se mudem os
critérios de seleção e que sejam criados mecanismos de controlo do clientelismo, nepotismo e da corrupção
para entrada na formação. Entendemos que o potencial dos atributos da Zona de Influência Pedagógica
(ZIP) e a implantação de condições que confiram a ela características e condições humanas e materiais de
lugar de formação docente poderá auxiliar na seleção de melhores candidatos para a formação e para o
exercício da docência em Moçambique.
Comprovamos que, nos processos de seleção dos formadores para trabalhar na preparação de novos
professores, os critérios são ainda menos transparentes. A carreira de formador (instrutor técnico
pedagógico) é prestigiosa em termos salariais e, em razão disso, ela torna-se cobiçada pelos professores
de baixo escalão salarial que, por meio de mecanismos pouco transparentes, acabam ascendendo à
almejada carreira.
168
A partir de 2003, a segunda geração de gestores deu início a uma era de adequação dos perfis dos gestores e docentes
formadores do IFPC, por meio da contratação de pessoas com qualificações acadêmicas e profissionais. Nesse período, embora
os investimentos reduziram, o processo de formação registrou melhorias significativas por meio de uma gestão voltada para os
resultados e a relação pedagógica que mantinham com as escolas.
218
Tem-se a necessidade, então, de uma uniformização dos critérios de seleção de docentes formadores assim
como de candidatos à formação. A entrada na docência de professores deve ser realizada mediante regras
claras que impossibilitem a entrada de profissionais menos qualificados. É por isto que reiteramos, a partir
dos achados desta pesquisa, que a Zona de Influência Pedagógica (ZIP) deverá constituir-se o lugar
responsável pelo processo de formação assim como pela identificação de melhores professores para
atuarem como formadores de novos professores. Defendemos, então, nesta tese, a implantação da Zona de
Influência Pedagógica (ZIP) como lugar de formação responsável pelo planejamento, monitoria e supervisão
da preparação docente e as escolas como lócus privilegiado de formação.
Com isso, há uma preocupação com a existência de formadores sem experiência na docência do ensino
primário e sem habilitações acadêmicas relacionadas ao magistério nesse nível de ensino. É necessário a
existência de um programa de inserção profissional dos formadores leigos a partir do estabelecimento de
parcerias entre o Instituto e a Zona de Influência Pedagógica (ZIP) – por meio, por exemplo, da participação
deles em jornadas pedagógicas e didáticas nas escolas do nível primário.
De modo geral, percebeu-se que poucas ações são realizadas para o desenvolvimento profissional de modo
a melhorar a qualidade dos formadores do IFPC. Estes, por sua vez, clamam por ações de desenvolvimento
profissional. Estas poderiam associar-se a ações de formação contínua na escola ou a oferta de cursos de
pós-graduação em educação ou de oficinas de formação contínua implantadas nas Zonas de Influência
Pedagógica (ZIPs) como centros de desenvolvimento de saberes profissionais docentes ou, como sugerido
nesta tese, como o lugar de excelência para a formação docente. Das poucas ações de desenvolvimento
profissional desenvolvidas, a participação nos encontros de reflexão sobre a prática formativa serve apenas
para os formadores assinalarem a presença, fazendo disso um processo improdutivo. Conceber um
programa de formação contínua voltado para as características desses sujeitos (longevidade, experiência
docente e formação docente) constitui uma ação necessária para o desenvolvimento de programas de
especialização para os docentes.
Parece existir um fosso nas relações entre o Instituto e as escolas de práticas. De modo geral, as práticas
de ensino e a supervisão não se desenvolvem bem devido à ausência do acompanhamento dos professores
das escolas e dos formadores do IFPC. Consequentemente, há uma falta de coordenação das atividades de
formação nas escolas e a falta de supervisão por parte do Instituto e das direções das escolas em que são
desenvolvidas as práticas pedagógicas. Estas revelaram-se desgovernadas, carecendo de uma
reestruturação e profissionalização dos seus gestores. As escolas com elevado nível de organização e
gestão proporcionam uma boa imagem da docência para o processo de inserção profissional dos
formandos. O inverso disso transmite uma imagem de desprestígio e desvalorização profissional da carreira
docente. Advogamos por uma maior profissionalização da gestão escolar, como alicerce para a implantação
de excelência na educação e formação docente e ensino-aprendizagem nas escolas de educação primária.
Apuramos, nesta pesquisa, que o clima organizacional e a falta de colaboração interna entre os atores da
gestão da formação docente têm influenciado negativamente esses processos administrativos. Há um
conflito entre os dirigentes que deriva da ambição de poder e da não aceitação – pelo colégio de
funcionários, há muito estabelecido no Instituto de Chibututuíne – de gestores nomeados pelo Ministério da
219
Educação. Um gestor indicado pode não se identificar com a missão institucional. Nesse sentido, para a
democratização da instituição de formação docente, apoia-se a ideia de concurso público para a gestão
institucional mediante apresentação de uma agenda e de um projeto pedagógico para a instituição. É
importante que esse gestor apresente uma agenda e um projeto pedagógico à assembleia da instituição de
modo a chancelar a sua viabilidade. Em seguida, tem-se a sua eleição ou rejeição. Em Moçambique, para
ascender aos cargos de chefia na função pública, deve sê-lo por confiança. Eis o porquê aquelas pessoas
que almejam ascender a esses cargos ficam frustradas quando recebem alguém para chefiá-los em vez de
se escolher um entre eles. Portanto, esses conflitos entre os gestores constituem um obstáculo para a
condução dos objetivos do Instituto.
Há também fendas enormes nas relações entre os órgãos gestores do sistema educativo moçambicano,
nomeadamente entre os SDEJT, o Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE) e o
MINEDH, com graves consequências para o processo de formação docente no país. Apesar de ser o
expoente máximo na condução das reformas curriculares em Moçambique, o INDE encontra-se distante de
todos os outros órgãos nos processos de reestruturação curricular 169. Ele não está presente, por exemplo,
na busca do isomorfismo entre a formação docente (currículo dos cursos e programas de formação
docente) e o processo de ensino-aprendizagem dos alunos nas escolas (currículos escolares). Portanto, há
uma ausência de coordenação sistêmica entre esses órgãos na concepção e na implantação dos currículos
da formação docente e da educação básica. Esse isomorfismo possibilitará a construção de saberes
profissionais a partir da formação docente. Por exemplo, a etapa inicial da prática profissional, quando bem
assistida, possibilitará a construção de saberes de modo a desenvolver uma expertise profissional nos
professores sujeitos desse processo de formação docente. Apesar de ser um dos elementos de garantia de
qualidade na formação, por meio da monitoria e da supervisão dos Institutos de Formação de Professores
(IFPs) e das escolas, os SDEJT aparecem na radiografia da formação como “meros apêndices”, exercendo
um papel de menor relevância nesse processo.
Revelou-se ainda que a melhoria do sistema escolar (infraestrutura e qualidade docente) é um elemento de
base que leva a um “efeito dominó” na formação docente e no ensino escolar. Infelizmente, as políticas
neoliberais têm se mostrado severas no sistema educativo moçambicano. Recomenda-se, então, uma
reforma institucional que estabeleça padrões de qualidade de ensino e de formação docente, respeitando-se
a inclusão educativa alicerçada pelo uso efetivo das línguas autóctones no sistema de ensino e de formação
docente. Esta pesquisa evidenciou elementos de exclusão linguística no sistema de ensino e de formação
docente que estão diretamente ligados à baixa qualidade do ensino-aprendizagem em Moçambique.
Embora o discurso seja “de inclusão”, por meio da adoção do ensino bilíngue nas escolas, o país não possui
graduados habilitados para leccionar conteúdos escolares em línguas bantu. O que tem acontecido são
adaptações para possibilitar esse efeito.
Observa-se a baixa qualidade na formação docente, por meio da adoção do modelo “10 a + 1 ano”. Embora
o INDE o considere satisfatório, esse modelo, além de ser meramente pedagógico – ou seja, ele treina (sic)
169
A formação docente para o ensino primário em Moçambique é de tutela exclusiva do Ministério da Educação. Desse modo, o
design dos currículos, por meio do Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE), é de sua responsabilidade.
Mesmo os cursos oferecidos pelos parceiros ou por entidades privadas passam pelo crivo de aprovação e supervisão ministerial.
220
apenas a componente técnica do ensino –, acontece em curto espaço de tempo e em condições adversas
em razão da falta de orçamento para atender as demandas básicas da formação.
Os resultados desta pesquisa reforçaram as constatações de outros estudos citados nesta tese (como, por
exemplo, MAZULA, 2018; MATAVELE, 2016) e nos levam também a defender a necessidade de uma
reforma curricular para a formação docente em Moçambique. Todavia, um aspecto destacado nesta
pesquisa que não foi apontado por estudos anteriores refere-se à ideia de um design curricular que atenda o
isomorfismo entre a formação docente e o ensino escolar a que essa formação se destina. O modelo de
formação em vigor (“10a + 1 ano”), além de ser de curta duração, com primazia de abordagem no
conhecimento pedagógico, está distante do ideal para a formação de um bom professor. Isto em razão de
dois motivos: por um lado, os candidatos apresentam fracas qualificações acadêmicas relacionadas à leitura
e escrita, por outro, as práticas de ensino, além de não contarem com uma supervisão efetiva, os formandos
são transformados em massa laboral.
A partir da descrição do modelo de formação em destaque (“10 a + 1 ano”), parece necessário a implantação
de um conjunto de ações sistêmicas a serem desenvolvidas pelos diversos organismos que estão ligados à
formação docente (Ministério da Educação, INDE, SDEJT, IFP e as escolas em que são realizadas as
práticas) para a construção de um lugar da formação de professores primários em Moçambique.
Como vimos, as ações desses organismos são, de modo geral, desproporcionais à missão de formação de
um bom professor. Embora algumas ações – a seleção dos candidatos após o vestibular, a organização das
práticas, a seleção dos formadores, a promoção do desenvolvimento profissional dos formadores e
docentes, toda a logística da formação que tem a ver com a componente da tecnosfera... – sejam realizadas
por esses organismos, esta pesquisa identificou a ausência de ações de formação de professores
coordenadas a partir da base, ou seja, da escola. A desconexão processual dessas ações, derivadas da
falta de planejamento conjunto da formação, revelou que em vez da formação contribuir para o
desenvolvimento profissional dos professores, ela produz germes para a desprofissionalização do
magistério.
Fica claro, a partir desta pesquisa, a urgência da autonomia das instituições de formação docente e a
constituição de uma ordem profissional paralelamente a implantação do lugar de formação docente para
garantir que a formação e o desenvolvimento profissional docente não passem necessariamente pela
chancela daqueles órgãos governamentais. Os relatos dos participantes desta pesquisa revelaram que a
pobreza, a falta de emprego estável, a corrupção e o clientelismo favorecem a degradação da profissão
docente em Moçambique.
Segundo os achados desta pesquisa, o currículo atual de formação de professores para o ensino primário, à
semelhança dos currículos anteriores, é igualmente baseado em competência. Apesar da alteração no nível
de ingresso – que passou a ser de 12 a classe do Sistema Nacional de Educação (SNE) ou equivalente – a
ideia de capacitação ou desenvolvimento de competências está muito atrelada à concepção técnica e
instrumental da formação docente. Os modelos de formação docente baseados em competências atrelam-
se às políticas neoliberais no setor da educação em Moçambique. O conteúdo dessa formação não orienta
221
a docência para uma nova profissionalidade ou para o desenvolvimento profissional a partir de dentro da
profissão.
Dessa maneira, utilizando-se um dos referenciais teóricos deste trabalho, os principais achados desta
pesquisa possibilitaram conhecer como os vários indicadores sobre a componente da psicosfera,
relacionados, por exemplo, aos perfis sociodemográficos e às trajetórias acadêmicas dos formadores e
formandos do Instituto de Formação de Professores de Chibututuíne (IFPC), impactam na qualidade da
formação – ou seja, como impactam negativamente a componente da tecnosfera, dada a insuficiência de
meios e recursos imprescindíveis (viaturas, material bibliotecário, recursos tecnológicos – computadores em
rede, recursos alimentícios, entre outros) para a viabilização de um processo de preparação docente “de
qualidade”.
Os resultados desta pesquisa nos permitiram compreender que a formação de professores para o ensino
primário em Moçambique dá-se de maneira adversa às intenções de fornecimento de bons professores para
esse nível de ensino. A pouca disponibilidade de aportes tecnosféricos (aparato material) e psicosféricos
(mundo das ações) condicionam largamente a desqualificação da formação docente e do seu futuro
trabalho. Sendo assim, é importante a restruturação sistêmica do subsistema de educação e da formação
de professores, incluindo as escolas e as Zonas de Influência Pedagógica (ZIPs) nesse subsistema: que as
escolas sejam transformadas em lugar de excelência de formação a partir de melhoramento da gestão e
que as ZIPs sejam outorgadas de competências para aconselhar as entidades sobre a situação de ensino e
da formação, participar da elaboração curricular, selecionar candidatos e supervisionar atividades de
formação docente.
Estudar a formação de professores para o ensino primário, a partir do diálogo com os sujeitos da formação
e seus gestores, permitiu a revelação de uma radiografia de problemas relacionados à formação que outros
estudos sobre o mesmo tema não puderam apontar. As ideias de culpabilização e vitimização, por exemplo,
iluminaram a compreensão de que o governo moçambicano faz de conta que se interessa em formar
professores de qualidade e, ao final, culpabiliza os professores pela fraca qualidade do ensino, e os
professores fingem não conhecer as suas lacunas de formação e vitimizam-se diante dos resultados
escolares.
Como vimos ao longo desta tese, vários estudos sobre a qualidade de ensino em Moçambique revelam a
precariedade dos resultados da aprendizagem dos alunos do ensino primário e sugerem que esse problema
deriva, em parte, da má qualidade da formação dos professores para esse nível de ensino no país. Desse
modo, estudar a formação de professores para o ensino primário em Moçambique revelou-se importante
para compreender se, na verdade, é a formação docente que não prepara devidamente os futuros
professores, ou se se trata de um problema sistêmico que envolve não somente a formação docente, mas
também os diversos elementos que influenciam a melhoria da qualidade do ensino, tais como, a
organização do sistema escolar, os investimentos necessários para o subsistema da educação e da
formação docente, a qualidade dos formadores dos professores, a qualidade dos professores em exercício
e dos gestores das escolas primárias [diretores, seus diretores adjuntos pedagógicos e coordenadores de
Zonas de Influência Pedagógica (ZIPs)], bem como os incentivos salariais e afins para a melhoria da careira
222
do magistério, entre outros. Este trabalho mostrou claramente que a segunda opção é a que melhor explica
a baixa qualidade, em geral, do ensino em Moçambique.
Em razão da incompletude desta pesquisa, sugere-se, a partir deste ponto, que sejam planejados estudos
sobre a inserção profissional docente para saber como os egressos da formação acadêmico-profissional se
inserem na profissão e que tipo de acompanhamento, se algum, recebem nas escolas e nas Zonas de
Influência Pedagógica (ZIPs). Afinal de contas, como as ZIPs podem contribuir com o processo de formação
acadêmico-profissional docente em Moçambique? Uma vez que a escola é tida como lócus privilegiado da
formação docente, sugerimos estudos sobre como as salas de aulas podem constituir-se em lugar da
formação docente. Além disso, visando um ordenamento social e prestígio da carreira docente, estudos
sobre o papel do sindicalismo docente no planejamento e na monitoria da formação afigura-se também
necessários.
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Springer-Verlag Berlin Heidelberg, 2013.
234
APÊNDICES
Prezada/o Formador/a,
I. Dados pessoais:
1. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Departamento:____________________
2. Idade: ( ) até 24 anos ( ) entre 25 a 30 anos ( ) entre 31 a 35 anos ( )
entre 36 a 40 anos ( ) entre 41 a 45 anos ( ) entre 46 a 50 anos ( ) mais de 50 anos
V. Condições de trabalho:
1. Tempo de atuação na educação: _______ Anos.
2. Tempo de atuação nesta instituição: ________ Anos.
4. Trabalha em mais de uma instituição? (___) Sim (___) Não
5. Em caso de sim diga se é: (__) Pública ou (_) Privada 5.1. É uma instituição de Ensino? (___) Sim
(___)Não. Especifique a finalidade dessa
instituição______________________________________________________________.
6. Trabalha como: ( ) Apenas Formador ( ) Chefe de Departamento ( ) Diretor ( ) Diretor Adjunto ( )
Coordenador de PP ( ) Coordenador de Estágio ( )
Outra_____________________________________________________
7. Chegou ao Instituto de formação de professores através de: ( ) Concurso público ( ) Mobilidade
profissional
Prezada/o Formanda/o,
I. Dados pessoais:
1. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
2. Idade: ( ) até 24 anos ( ) entre 25 a 30 anos ( ) 31 ou mais
3. Província de Proveniência _________________________________________
4. Filiação: a( ) Pais vivos b( ) Órfã/o de pai c( ) Órfã/o de mãe d( ) Órfã de ambos
5. Assinale o último grau de Escolaridade dos progenitores H=homem M=mulher
a(__M/___H)EP1 concluído b(__M/___H) EP2 concluído c(__M/___H)ESG1 concluído d(__M/
___H) ESG2 Concluído
e(__M/___H)Bacharelato f(__M/___H)Licenciatura g(__M/___H)Mestrado h(__M/___H) Doutorado
i(__M/___H)Outro(Especifique):___________________________________________
6.Profissão do/s pai/s__________________________________________________
7.Residência habitual: _____________________________________________
1( ) Desejo de ser professor 2( ) Orientação dos parentes 3( ) orientação dos professores 4(__)Procura
do emprego
5(__) Outro__________________________________________________
Gostaria de exercer a carreira de magistério? ( ) Sim ( ) Não
Por que?
_______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
Se pudesse optar por uma outra carreira profissional qual seria e por que?
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
f). O que pode ser feito em sua opinião para melhorar a formação de professores primários?
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
g). Em sua opinião, porquê a qualidade do ensino primário em Moçambique é de baixa qualidade?
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
h). O que pode ser feito para melhorar a qualidade de ensino primário em Moçambique?
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
Como é que a sua direção tem articulado com diferentes setores de atividades para garantir uma
Que ações de desenvolvimento profissional têm realizado para melhorar a qualidade dos
formadores?
Que ações desenvolvem para melhorar cada vez mais a formação de professores?
3. Como na sua gestão era feita a seleção de formadores e formandos para o instituto?
4. Que dificuldades enfrentaram na sua direção e como conseguia ultrapassá-las de modo a dar
5. Que ações concretas desenvolviam para garantir uma boa formação de professores?
7. Em sua opinião, o que se pode fazer para melhorar a formação de professores primários?
242
4. Por que o MINEDH abre muitas vagas de concurso para o IFP sabendo que desse número
2. Que opinião o INDE tem sobre o atual currículo e modelo de formação de professores primários
(10ª+1) em Moçambique?
3. O que acha da qualidade de professores formados nos IFP, analisando a problemática da qualidade
4. O que pode ser feito para melhorar a qualidade de formação de bons professores para o ensino
primário em Moçambique?
244
Apêndice 7 - Roteiro de entrevista com gestores dos Serviços Distritais de Educação, Juventude e
Tecnologia da Manhiça (SDEJTM)
2. Que ações o SDEJTM desenvolve para garantir uma boa formação de professores no IFPC?
formação?
5. O que pode ser feito para melhorar a qualidade de formação de bons professores para o ensino
primário em Moçambique?
245
4. Que atividades tem desenvolvido com vista a melhorar o desempenho dos formadores no
departamento?
5. Como é que articulam com as escolas onde decorrem as práticas no sentido de garantir boa
6. Como avalia a atuação dos tutores nas escolas na inserção profissional dos formandos?
7. Como se lida com situações de formadores sem experiência de trabalho no ensino primário?
Apêndice 9 – Autorização
Eu li e compreendi as informações fornecidas e recebi respostas para qualquer questão que coloquei
acerca dos procedimentos de pesquisa. Eu entendi e concordo com as condições do estudo como
descritas. Eu entendo que receberei uma cópia assinada deste formulário de consentimento. Eu,
voluntariamente, dou meu consentimento à realização da pesquisa na instituição sob minha direção.
Portanto, concordo com tudo que está escrito acima.
_______________________________________
Nome do(a) Diretor(a) do Instituto
247
Você está sendo convidado para participar da pesquisa O lugar da formação de professores para o
ensino primário em Moçambique: um estudo de caso do instituto de Chibututuíne. Esclarecemos que
sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir e retirar seu consentimento.
O objetivo dessa pesquisa é investigar o perfil dos gestores institucionais, dos formadores e dos formandos
com enfoque à sua trajetória acadêmica, experiência profissional, suas aspirações, desejos, necessidades,
vivências entre outros perfis. Na sequência pretendemos investigar o processo e as ações de formação e o
funcionamento da instituição, o que nos permitirá problematizar o currículo atual em comparação com os
currículos anteriores.
Sua participação nessa pesquisa consiste em responder a um questionário com o objetivo de conhecer o
perfil dos formandos do instituto. Essa pesquisa trará maior conhecimento para o campo da formação inicial
de professores para o ensino primários em Moçambique. Sua participação na pesquisa não oferece nenhum
risco psicológico ou físico.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Quaisquer dados que possam facilitar sua identificação serão omitidos do relato da pesquisa.
Você receberá uma cópia desse termo onde consta o endereço eletrônico e o telefone dos pesquisadores
responsáveis, podendo tirar eventuais dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento.
Informações adicionais podem ser obtidas no Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade
Federal de Minas Gerais pelo telefone (31) 3409 4592 ou pelo endereço: Avenida Antônio Carlos, 6627
Unidade Administrativa II – 2º andar, sala 2005 – Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG – Cep: 31270
901.
____________________________ _________________________
Assinatura do orientador da pesquisa Assinatura do pesquisador
Prof. Dr. Júlio Emílio Diniz Pereira Bonifácio Obadias Langa
Telefone: (31) 3409-5329 Telefone: (82)4117639
e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação/Belo Horizonte Faculdade de Educação/Belo Horizonte
_____________________________________________
Sujeito da pesquisa
248
Você está sendo convidado para participar da pesquisa O lugar da formação de professores para o
ensino primário em Moçambique: um estudo de caso do instituto de Chibututuíne. Esclarecemos que
sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir e retirar seu consentimento.
O objetivo dessa pesquisa é investigar o perfil dos gestores institucionais, dos formadores e dos formandos
com enfoque à sua trajetória acadêmica, experiência profissional, suas aspirações, desejos, necessidades,
vivências entre outros perfis. Na sequência pretendemos investigar o processo e as ações de formação e o
funcionamento da instituição, o que nos permitirá problematizar o currículo atual em comparação com os
currículos anteriores.
Sua participação nessa pesquisa consiste em responder a um questionário com o objetivo de conhecer o
perfil dos formadores do instituto. Essa pesquisa trará maior conhecimento para o campo da formação inicial
de professores primários em Moçambique. Sua participação na pesquisa não oferece nenhum risco
psicológico ou físico.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Quaisquer dados que possam facilitar sua identificação serão omissos do relato da pesquisa.
Você receberá uma cópia desse termo onde consta o endereço eletrônico e o telefone dos pesquisadores
responsáveis, podendo tirar eventuais dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento.
Informações adicionais podem ser obtidas no Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade
Federal de Minas Gerais pelo telefone (31) 3409 4592 ou pelo endereço: Avenida Antônio Carlos, 6627
Unidade Administrativa II – 2º andar, sala 2005 – Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG – Cep: 31270
901.
____________________________ _________________________
Assinatura do orientador da pesquisa Assinatura do pesquisador
Prof. Dr. Júlio Emílio Diniz Pereira Bonifácio Obadias Langa
Telefone: (31) 3409-5329 Telefone: (82)4117639
e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação/Belo Horizonte Faculdade de Educação/Belo Horizonte
________________________________
Sujeito da pesquisa
249
Você está sendo convidado para participar da pesquisa O lugar da formação de professores para o
ensino primário em Moçambique: um estudo de caso do instituto de Chibututuíne. Esclarecemos que
sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir e retirar seu consentimento.
O objetivo dessa pesquisa é investigar o perfil dos gestores institucionais, dos formadores e dos formandos
com enfoque à sua trajetória acadêmica, experiência profissional, suas aspirações, desejos, necessidades,
vivências entre outros perfis. Na sequência pretendemos investigar o processo e as ações de formação e o
funcionamento da instituição, o que nos permitirá problematizar o currículo atual em comparação com os
currículos anteriores.
Sua participação nessa pesquisa consiste em participar de uma entrevista com o objetivo de conhecer o
processo de formação inicial de professores em Moçambique a partir do caso do IFPC e sua opinião sobre o
assunto. Essa pesquisa trará maior conhecimento para o campo da formação inicial de professores
primários em Moçambique. Sua participação na pesquisa não oferece nenhum risco psicológico ou físico.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Quaisquer dados que possam facilitar sua identificação serão omitidos do relato da pesquisa.
Você receberá uma cópia desse termo onde consta o endereço eletrônico e o telefone dos pesquisadores
responsáveis, podendo tirar eventuais dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento.
Informações adicionais podem ser obtidas no Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade
Federal de Minas Gerais pelo telefone (31) 3409 4592 ou pelo endereço: Avenida Antônio Carlos, 6627
Unidade Administrativa II – 2º andar, sala 2005 – Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG – Cep: 31270
901.
_______________________________ _________________________
Assinatura do orientador da pesquisa Assinatura do pesquisador Prof.
Dr. Júlio Emílio Diniz Pereira Bonifácio Obadias Langa
Telefone: (31) 3409-5329 Telefone: (82)4117639
e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Educação/Belo Horizonte Faculdade de Educação/Belo Horizonte
_____________________________________________
Sujeito da pesquisa
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Você está sendo convidado para participar da pesquisa AO lugar da formação de professores para o
ensino primário em Moçambique: um estudo de caso do instituto de Chibututuíne . Esclarecemos que
sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir e retirar seu consentimento.
O objetivo dessa pesquisa é investigar o perfil dos gestores institucionais, dos formadores e dos formandos
com enfoque à sua trajetória acadêmica, experiência profissional, suas aspirações, desejos, necessidades,
vivências entre outros perfis. Na sequência pretendemos investigar o processo e as ações de formação e o
funcionamento da instituição, o que nos permitirá problematizar o currículo atual em comparação com os
currículos anteriores.
Sua participação nessa pesquisa consiste em participar de uma entrevista com o objetivo de conhecer o
processo de formação inicial de professores em Moçambique a partir do caso do IFPC e sua opinião sobre o
assunto. Essa pesquisa trará maior conhecimento para o campo da formação inicial de professores
primários em Moçambique. Sua participação na pesquisa não oferece nenhum risco psicológico ou físico.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Quaisquer dados que possam facilitar sua identificação serão omitidos do relato da pesquisa.
Você receberá uma cópia desse termo onde consta o endereço eletrônico e o telefone dos pesquisadores
responsáveis, podendo tirar eventuais dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento.
Informações adicionais podem ser obtidas no Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade
Federal de Minas Gerais pelo telefone (31) 3409 4592 ou pelo endereço: Avenida Antônio Carlos, 6627
Unidade Administrativa II – 2º andar, sala 2005 – Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG – Cep: 31270
901.
____________________________ _________________________
Assinatura do orientador da pesquisa Assinatura do pesquisador
Prof. Dr. Júlio Emílio Diniz Pereira Bonifácio Obadias Langa
Telefone: (31) 3409-5329 Telefone: (82)4117639
e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]
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Faculdade de Educação/Belo Horizonte Faculdade de Educação/Belo Horizonte
_____________________________________________
Sujeito da pesquisa
251
Você está sendo convidado para participar da pesquisa O lugar da formação de professores para o
ensino primário em Moçambique: um estudo de caso do instituto de Chibututuíne. Esclarecemos que
sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir e retirar seu consentimento.
O objetivo dessa pesquisa é investigar o perfil dos gestores institucionais, dos formadores e dos formandos
com enfoque à sua trajetória acadêmica, experiência profissional, suas aspirações, desejos, necessidades,
vivências entre outros perfis. Na sequência pretendemos investigar o processo e as ações de formação e o
funcionamento da instituição, o que nos permitirá problematizar o currículo atual em comparação com os
currículos anteriores.
Sua participação nessa pesquisa consiste em participar de uma entrevista com o objetivo de conhecer o
processo de formação inicial de professores em Moçambique a partir do caso do IFPPC e sua opinião sobre
o assunto. Essa pesquisa trará maior conhecimento para o campo da formação inicial de professores
primários em Moçambique. Sua participação na pesquisa não oferece nenhum risco psicológico ou físico.
As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua
participação. Quaisquer dados que possam facilitar sua identificação serão omitidos do relato da pesquisa.
Você receberá uma cópia desse termo onde consta o endereço eletrônico e o telefone dos pesquisadores
responsáveis, podendo tirar eventuais dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento.
Informações adicionais podem ser obtidas no Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade
Federal de Minas Gerais pelo telefone (31) 3409 4592 ou pelo endereço: Avenida Antônio Carlos, 6627
Unidade Administrativa II – 2º andar, sala 2005 – Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG – Cep: 31270
901.
____________________________ _________________________
Assinatura do orientador da pesquisa Assinatura do pesquisador
Prof. Dr. Júlio Emílio Diniz Pereira Bonifácio Obadias Langa
Telefone: (31) 3409-5329 Telefone: (82)4117639
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Sujeito da pesquisa
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