Texto 6 - O Mundo Árabe e As Guerras Árabe-Israelenses

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Daniel Aarão Reis Filho


Jorge Ferreira
Celeste Zenha
(organizadores)

O século XX
Volume III
O tempo das dúvidas
Do declínio das utopias às globalizações

^-edição

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

Rio de Janeiro
2008
COPYRIGHT C 2000 by Daniel Aarão Reis Filho, Jorge Ferreira e Celeste Zenha
Sumário

CAPA
Evelyn Grumach

PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e João de Souza Leite

PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Nerval Mendes Gonçalves APRESENTAÇÃO 7

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Art Line O mundo socialista: expansão e apogeu, 11
Daniel Aarão Reis Filho

Descolonização e lutas de libertação nacional 35


CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Maria Yedda Leite Linhares
S452 O século XX / organização, Daniel Aarão Reis Filho, Jorge Ferreira, Celeste
v.3 Zenha. - 4a ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. América Latina: dependência, ditaduras e guerrilhas 65
4a ed. 3v.
Ana Maria dos Santos
Conteúdo: v. 1. O tempo das certezas: da formação do capitalismo à Primeira
Grande Guerra - v. 2. O tempo das crises: revoluções, fascismos e guerras - v. 3. O
tempo das dúvidas: do declínio das utopias às globalizações. O mundo árabe e as guerras árabe-israelenses 97
Inclui bibliografia e filmografia Keila Grinberg
ISBN 978-85-200-0529-3

1. História moderna - Século XX. 2. Civilização moderna - 1950-. I. Reis Filho,


1968: rebeliões e utopias 133
Daniel Aarão, 1946-. H. Ferreira, Jorge. III. Zenha, Celeste. Marcelo Ridenti
00-1148 CDD - 909.82
CDU - 93 Crise e desagregação do socialismo 161
Daniel Aarão Reis Filho

A questão nacional no mundo contemporâneo 185


Direitos desta edição adquiridos pela Marco António Pamplona
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
um selo da
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.
Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 2585-2000
Globalização e nova ordem internacional 205
Octavio lanni
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL
Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Impresso no Brasil
2008
O mundo árabe e as guerras
árabe-israelenses
Keila Grinberg
Doutoranda em História Social
da Universidade Federal Fluminense
"Mesmo quando há duas partes que têm razão, a justiça é um jogo ilusório,
porque é sempre julgada pelo lado de quem vê."
YORAM KANIUK, escritor israelense

INTRODUÇÃO

A primeira palavra que vem à cabeça de qualquer um que pense em Oriente


Médio é conflito. Região que deu origem às grandes civilizações e a religiões
que ainda hoje encontram seguidores nos quatro cantos do mundo, é triste
constatar que ela tenha passado a ocupar as manchetes dos jornais com
temas tão sangrentos como explosões de carros-bomba, campos de refugia-
dos, assassinatos de políticos e ameaças de guerras até nucleares.
Com aproximadamente 7,2 milhões de quilómetros quadrados situados
na encruzilhada dos continentes asiático, africano e europeu, a região deno-
minada Oriente Médio abrange os países Afeganistão, Arábia Saudita,
Barein, Catar, Egito, Emirados Árabes Unidos, lêmen, Ira, Iraque, Israel,
Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria, Turquia e Territórios da Autoridade
Nacional Palestina. O termo não é tão antigo quanto a presença humana no
local; cunhado por ingleses no início do século XX, ele foi usado para desig-
nar as extensões de terra e água a meio caminho entre o mar Mediterrâneo e
as fronteiras da índia, região controlada na época pelo Império Britânico.
Hoje, englobando este vasto conjunto de países que possuem menos em
comum do que se imagina, suas bordas geográficas são os estreitos de
Dardanelos e Bósforo a noroeste, o oceano Índico a sudeste, o vale do rio
Nilo a sudoeste e o Afeganistão a nordeste.
O atual Oriente Médio conta com uma população de cerca de 230 mi-
lhões de habitantes, que, divididos em várias etnias, falam pelo menos seis
línguas diferentes e professam três religiões distintas, para contar só as majo-

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rifarias. Aí começam os problemas: para entender os conflitos destes povos nos são árabes. Assim, de um modo geral, são árabes aqueles que se identifi-
designados genericamente como árabes e judeus, suas alianças e disputas, é cam com a língua, a cultura e os valores dos árabes, e são muçulmanos aque-
preciso conhecê-los de fato. les que seguem a religião do islã, fundada por Maomé.
Quando Maomé, no século VII, fundou a religião muçulmana, dificil- Quase o mesmo pode ser dito dos judeus: primeira das religiões mono-
mente se poderia imaginar que ela seria um dia a crença de praticamente teístas, o judaísmo nasceu na chamada terra de Canaã, situada entre a mar-
todo o Oriente Médio, Norte da África, Sudão, Paquistão, e de parcelas da gem direita do rio Jordão e o mar Mediterrâneo, quando os então chamados
índia e da Indonésia. Espremidos entre os impérios Bizantino e Persa, os ára- hebreus adotaram os preceitos difundidos pelos profetas Abraão e Moisés e
bes de então eram pura e simplesmente as pessoas que viviam na península consolidados nos Dez Mandamentos e no Pentateuco, os cinco primeiros li-
Arábica. Acreditando que Maomé lhes tinha revelado uma nova fé, adota- vros do Antigo Testamento. Considerando Jerusalém sua capital sagrada, os
ram Meca como capital religiosa e o Corão como livro sagrado, tornando-se judeus posteriormente viveram na região sob o domínio de vários povos e
então muçulmanos (crentes, ou fiéis, em árabe) ou partidários da religião do impérios, nem todos tolerantes. Depois das destruições dos dois templos de
islã (também em árabe, submissão a Deus). Depois da morte do profeta, tro- Jerusalém, um pelos neobabilônios e o outro pelos romanos, os judeus se dis-
pas árabes dispuseram-se a propagar a religião através de expansão militar e, persaram pelo mundo e, mesmo que sempre tenham existido comunidades
em relativamente pouco tempo, constituíram um império que acabou se es- judaicas na região, só em fins do século XIX grupos de judeus europeus co-
tendendo por 6 mil quilómetros, do oceano Índico ao Atlântico, dominando meçaram a se organizar politicamente para constituir um lar nacional judai-
a península Ibérica, o Norte da África e parte dos impérios Bizantino, co, que — mais tarde ficou decidido — deveria ser localizado na Palestina,
Sassânida e Persa, indo até as fronteiras com a índia e a China, e tendo como naquela época parte do Império Otomano, onde viviam pequenas comunida-
sucessivas capitais as cidades de Meca, Damasco, Bagdá e Cairo.1 des de árabes agricultores.2
Nesse império, o islamismo era a religião oficial e a língua árabe tornou- O surgimento do sionismo, ou o movimento que preconiza a volta a
se rapidamente o principal meio de comunicação. Assim, os povos conquis- Sion, colina de Jerusalém que simboliza a Terra Prometida, na década de
tados pelos árabes muçulmanos foram arabizados e islamizados. Com exce- 1890, foi profundamente marcado pelo crescente anti-semitismo europeu. A
ção dos territórios europeus, da Ásia Menor e do Império Persa, todos os falência da política de integração dos judeus à sociedade europeia, posta em
povos conquistados adotaram o árabe como primeira língua; além disso, prática em vários países durante todo o século XIX, ficou evidente quando
fora os cristãos e judeus — que tinham o direito de administrar suas comu- massacres de comunidades inteiras de judeus — os chamados pogroms — co-
nidades e beneficiar-se da liberdade de culto mediante o pagamento de um meçaram a acontecer na Rússia e quando o judeu francês Alfred Dreyfus foi
imposto especial —, todos também passaram a professar a religião muçul- acusado de passar informações secretas de seu exército para o inimigo ale-
mana. Tempos mais tarde, alguns destes mesmos grupos conquistados ex- mão. Este episódio, que provocou inúmeras manifestações anti-semitas na
pandiram ainda mais a fé islâmica, como os berberes do Norte da África, que França e é hoje considerado um dos maiores erros judiciários da história
a propagaram ao sul do Saara. É por isso que, hoje em dia, mesmo não fa- francesa, impressionou vivamente o jornalista vienense Theodor Herzl, que,
zendo parte do Oriente Médio, habitantes de países como a Argélia e o também judeu, escreveu o livro O Estado Judeu, publicado em 1896, e orga-
Marrocos adotam a religião muçulmana e são considerados árabes. Ao nizou o primeiro congresso sionista na Basileia no ano seguinte.3
mesmo tempo, nem todos os que se converteram ao islamismo adotaram os Foi em contraposição ao anti-semitismo europeu, portanto, que a ideia
valores, a cultura e a língua árabes, como os turcos, que falam a língua turca, de construção do Estado Judeu ganhou força. Movimento nacionalista como
e os iranianos, que até hoje usam o persa. Não são árabes, portanto. O con- muitos que sacudiam a Europa naquele momento, a versão política do sionis-
trário também aconteceu: nem todos os que passaram a ser árabes com o mo pregava a criação de um Estado laico (não necessariamente na Palestina)
tempo se converteram ao islamismo, como os católicos e os judeus já men- que solucionasse os problemas de segurança dos judeus. Muito influenciados
cionados. Nem todos os árabes são muçulmanos, e nem todos os muçulma- pelo socialismo europeu, a maioria de seus militantes preconizava uma di-

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mensão socializante do sionismo, que, através de comunidades coletivistas — dividados otomanos. A este movimento correspondeu um outro, interno, de
os kibutzitn —, permitisse a criação de uma nova sociedade, baseada em va- igual ameaça à integridade territorial. Eram os movimentos nacionalistas
lores igualitários, diferentes daqueles hegemónicos em suas terras natais. árabes, que, influenciados pelas mesmas ideias que deram origem ao sionis-
Mesmo assim, nessa época e até meados do século XX, quando o sentimento mo e impulsionados pelo exemplo dos sérvios e gregos nos Bálcãs, buscavam
anti-semita já tinha virado política oficial na Alemanha nazista, a ideia sionis- autonomia e independência em regiões de fala árabe, como a Arábia, o
ta foi desconsiderada pela maioria dos judeus, muitos ainda confiantes na Iraque, o Líbano e o Egito. Contando com ajuda externa, estes movimentos
emancipação pessoal ou na integração socialista à sociedade europeia, outros cresceram e ajudaram a minar ainda mais o império, que, após uma nesga de
preferindo adotar a solução individual da imigração para, principalmente, as modernização com a Revolução dos Jovens Turcos, teve seu golpe final de-
Américas. Nem todos os judeus, portanto, tornaram-se sionistas.
pois da Primeira Guerra Mundial, a última travada pelo Império Otomano
como grande potência.4
O mais importante destes movimentos foi o liderado por Hussein, que,
além de herdeiro da família hachemita, descendente de Maomé, era também
O FIM DO IMPÉRIO OTOMANO E A NOVA CONFIGURAÇÃO POLÍTICA DO ORIENTE
o guardião das regiões mais sagradas do islã, as cidades de Meca e Medina,
MÉDIO
situadas na província árabe do Hijaz, na Arábia. Hussein pretendia consti-
tuir um grande "Reino Árabe", que incluiria, além da própria Arábia, a
Quando judeus sionistas começaram a emigrar para a Palestina, o Império
Síria, o Iraque e a Palestina. Em 1915, ele iniciou uma correspondência com
Otomano estava em crise. Turcos originários da Ásia Central e convertidos ao
Sir Henry McMahon, alto comissário britânico para o Egito, comunicando
islamismo, os otomanos reunificaram o mundo muçulmano no século XVI,
suas pretensões e buscando a concordância britânica para a proclamação de
constituindo um império que duraria até a Primeira Guerra Mundial. Embora
um Califado Árabe para o islã. Embora tendo inicialmente recusado, o go-
o declínio do império tenha começado ainda em meados do século XVII,
verno inglês acabou dando o aval para a revolta árabe contra os otomanos,
quando o exército otomano foi barrado às portas de Viena, foi só no século
iniciada em 1916 com o auxílio do coronel Lawrence, o famoso Lawrence da
XIX que ele realmente entrou em crise, com o interesse das potências euro-
Arábia.5
peias em expandir-se naquela direção. Era a época da disputa por áreas estra-
Ao mesmo tempo, a Inglaterra precisava administrar as pretensões da
tégicas no mundo inteiro, e o território otomano era prioridade principalmen-
França, sua principal aliada na guerra, que estava interessada na Síria, no
te para Rússia e Inglaterra. A primeira, já de posse de tratados comerciais que
Líbano e na Palestina. As negociações entre os dois países resultaram nos
lhe davam liberdade de navegação e comércio no mar Negro e nos estreitos de
acordos de Sykes-Picot, assinados secretamente, com aprovação russa, ainda
Bósforo e Dardanelos, visava aumentar sua influência nos territórios de popu- no início da revolta árabe. Neste acordo, as duas potências realizaram a par-
lação eslava dominados pelos otomanos e, com isso, consolidar sua hegemo- tilha do Oriente Médio e reconheceram um possível Estado Árabe Indepen-
nia na região. O Império Britânico, por sua vez, pretendia controlar as rotas dente, mas não nas fronteiras desejadas pelos árabes. Num texto recheado de
de acesso às suas áreas de controle na Ásia e, ao mesmo tempo, impedir o ambiguidades, os ingleses não consideraram a Síria e a Palestina como incluí-
avanço de outras potências. Interessados em comércio e diplomacia, estes paí- das nas áreas pretendidas pelos árabes, mas, interessados no apoio destes à
ses estavam, sobretudo, investindo na rivalidade entre si mesmos. derrocada final dos otomanos, nunca se preocuparam em esclarecer comple-
Em 1854, no conflito que ficou conhecido como Guerra da Criméia, a tamente os limites de seus acordos.
Inglaterra e sua aliada França apoiaram o Império Otomano na vitória con- Em todas estas negociações, a região mais problemática era a da
tra a Rússia, e por isso consolidaram definitivamente seu poder na região, fi- Palestina, cobiçada tanto pela França quanto pela Inglaterra; provisoriamen-
xando as tarifas aduaneiras e controlando todas as trocas comerciais dos en- te resolvida por uma divisão entre a Inglaterra e uma proposta de administra-

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cão internacional nos lugares santos, esta questão foi aprofundada pela decla- ÁRABES E SIONISTAS NA PALESTINA: O INÍCIO DA CONVIVÊNCIA
ração feita por Lorde Balfour, em 1917, de que o Império Britânico "encara
favoravelmente, com estima, o estabelecimento na Palestina de um lar nacio- Quando foi iniciada a colonização judaica na Palestina, em fins do século
nal para o povo judeu". De fato, visando conseguir o apoio dos sionistas — XIX, eram raras as cenas de violência entre árabes e judeus sionistas.
que já somavam mais de 70 mil pessoas nessa época — para salvaguardar seus Comprando terras de proprietários árabes absenteístas, estabelecidos em
interesses na região, e devido a intensas negociações diplomáticas entre repre- Jerusalém ou em Beirute, muitos judeus chegaram imbuídos dos ideais de
sentantes sionistas e oficiais britânicos, os ingleses colocaram-se em favor das cooperação mútua e, bem ao estilo da época, acreditavam estar trazendo
pretensões sionistas. No entanto, mesmo enfatizando a necessidade de respei- progresso e civilização para os habitantes da região. E, de fato, inicialmente,
to aos direitos civis e religiosos das comunidades não-judaicas locais, a os árabes palestinos se beneficiaram bastante com a nova situação, desfru-
Declaração Balfour não menciona especificamente a existência da comunida- tando do acesso ao novo mercado de trabalho aberto com a criação de co-
de árabe no local, causando grande insatisfação entre os membros desta. munidades agrícolas coletivistas e a existência de novas cidades, como Tel-
Assim, no que se refere à Palestina, a política britânica acabou sendo ex- Aviv, fundada em 1909.
tremamente dúbia: numa sucessão de acordos e declarações secretas (eles só No início da década de 1930, viviam cerca de 840 mil árabes na
seriam tornados públicos alguns anos depois), os ingleses conseguiram se Palestina; destes, apenas 75 mil eram cristãos, que viviam nas áreas urbanas,
comprometer tanto com Hussein e seus seguidores, quanto com os sionistas, eram alfabetizados e tinham acesso aos baixos e médios escalões da adminis-
apoiando as pretensões nacionais dos dois sem, no entanto, entrar em deta- tração inglesa. Os árabes muçulmanos, no entanto, estavam em situação
lhes sobre os limites geográficos das futuras nações. Reforçando a posição de bem pior; 70% deles viviam do cultivo de grãos, vegetais, azeite de oliva e ta-
árbitro num conflito largamente antevisto, a Inglaterra ainda garantia, de baco em terras que não possuíam. Sempre endividados com seus patrões, a
quebra, o acesso ao Canal de Suez. quem deviam o aluguel das terras que ocupavam, estes agricultores viviam
As outras regiões do Império Otomano foram desmembradas após o fim em estado de grande pobreza. Mesmo assim, a situação deles era melhor do
da Primeira Guerra Mundial, dando origem a novos países e a regiões con- que a dos outros árabes muçulmanos do Oriente Médio: entre 1922 e 1946,
troladas diretamente por britânicos e franceses, segundo os limites traçados 100 mil árabes entraram na área controlada pelo mandato britânico, buscan-
no acordo Sykes-Picot e com a supervisão da Liga das Nações. A nova con- do as oportunidades económicas criadas com a colonização judaica.
figuração geopolítica do Oriente Médio, portanto, ficou sendo a seguinte: a Até o crescimento da imigração judaica na região, portanto, os palesti-
Turquia torna-se uma República Nacional Independente; a Síria passa a ser nos não possuíam qualquer reivindicação territorial de cunho nacionalista.
Mandato Francês em 1920; no Iraque e na Transjordânia, os britânicos co- Foi só depois de as potências estrangeiras terem dividido o Oriente Médio,
locam, respectivamente, os irmãos Faissal e Abdallah no trono, ambos filhos criando artificialmente países árabes em outras áreas e firmando um com-
do líder Hussein. Esta divisão e o interesse britânico em controlar as áreas promisso pelo estabelecimento de um lar judeu, que os palestinos fundaram
petrolíferas da região fizeram com que o sonho da criação de um Reino seu próprio movimento nacional, baseados no argumento de que, se os ju-
Árabe fosse por água abaixo, ainda mais porque, agora, Hussein tem um deus tinham direito àquela terra, eles o tinham também, e mais ainda por lá
rival: é Ibn Saud, que, sem ter participado das revoltas árabes e da Primeira estarem há mais tempo do que os sionistas. Pode-se dizer, portanto, que o
Guerra Mundial, congregava 70 mil homens em uma fraternidade religiosa, sionismo motivou a formação do nacionalismo palestino. Embora algumas
política e militar. Ibn Saud tinha como objetivo unificar a Península Arábica tentativas tenham sido feitas no sentido de construir bases para uma possível
e, aproveitando a fraqueza de Hussein com a partilha do Oriente Médio, se convivência mútua — foram criadas organizações conjuntas, como a União
proclamou rei do Hijaz, formando a Arábia Saudita, numa atitude que Internacional de Operários Ferroviários, Postalistas e Telegrafistas, a União
nunca seria bem aceita pelos seguidores de Hussein. dos Trabalhadores Árabes, com apoio da Histadrut (central sindical judai-
ca), e a Fraternidade Operária —, durante as décadas de 1920 e 1930, judeus

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e palestinos deram início a urna disputa que não teria fim, já que seus objeti- sés do mundo, viam na Palestina sua única esperança de sobrevivência; os pa-
vos eram semelhantes e excludentes; ambos queriam pôr fim ao Mandato lestinos, assustados com as dimensões que a imigração judaica estava toman-
Britânico e criar uma nação independente no mesmo lugar. do, temiam perder o pouco que tinham para os sionistas; e os britânicos es-
Neste sentido, a revolta palestina ocorrida na cidade de laffo, em 1921, tavam divididos entre a obrigação do apoio aos refugiados judeus e o temor
foi apenas a primeira de uma série de conflitos, devidamente explorados pelo de provocar uma aliança entre os árabes e o Eixo, justamente por permitir a
governo britânico, que, colocando em prática uma política ambígua e dualis- imigração judaica. A declaração de que a Inglaterra "simpatiza com os refu-
ta, ora fazia concessões a palestinos, ora a judeus, contribuindo para que as giados dos países ocupados pela Alemanha" mas "vê-se obrigada a admitir
duas partes usassem cada vez mais da violência como forma de pressionar que o reinicio da imigração legal judia, nas atuais circunstâncias, corre o risco
por seus interesses. Um dos mais graves incidentes foi o ocorrido em Hebron, de ter a pior repercussão para o país e de constituir uma séria ameaça para os
em 1929, quando judeus foram massacrados por árabes extremistas. Tanto interesses ingleses no Oriente Médio" é boa demonstração disto (ver quadro
palestinos quanto judeus formaram, assim, suas organizações de autodefesa; 1: As principais ondas de imigração judaica para a Palestina).
estes criaram a Haganah, organização que viria a ser a base do exército israe- Em 1937, um relatório feito pela Comissão Peei, grupo inglês responsá-
lense no futuro, além de unidades paramilitares como o Irgun, chefiada pelo vel por investigar os conflitos na Palestina, propõe, pela primeira vez, a par-
futuro primeiro-ministro Menachem Begin. Os palestinos compensavam a tilha da região, veementemente recusada pelos árabes reunidos na Síria no
falta de organização com o excesso de contingente, desencadeando ataques Congresso Pan-Árabe, em 1938 ("A Palestina é árabe, e preservá-la como tal
em igual intensidade aos dos judeus. é dever de todos os árabes"), mas aceita com reservas pela comissão executi-
Enquanto se armavam, os judeus também trabalhavam no sentido de va sionista. A situação é compreensível — para quem não tinha nada, qual-
construir as bases de seu futuro Estado, criando instituições, redes de auto- quer proposta é uma vitória, mas para quem ocupava o território inteiro, a
ajuda e, principalmente, buscando fundos para o incremento da imigração. mínima cessão já significaria uma derrota —, mas ela só provocou o aumen-
Os palestinos, no entanto, agiam de forma diferente: negando-se a criar uma to da revolta palestina. Assim, revendo sua posição, os britânicos optaram
Agência Árabe (equiparada à Agência Judaica, responsável pela imigração), por restringir radicalmente a entrada de judeus na Palestina em 1939, justa-
eles fecharam-se ao contato com os britânicos, que tinham a partir de então mente o ano em que Hitler dá início à guerra que acabaria por exterminar 6
apenas no mufti de Jerusalém um interlocutor com quem negociar. Ao milhões de judeus.
mesmo tempo, sem apoio dos outros países árabes, que, já tendo conseguido Os ingleses então adotam a política do Livro Branco, limitando a imigra-
suas independências, não fazem grande esforço pela causa palestina, os pa- ção de judeus a 50 mil por cinco anos; depois disto, a retomada do processo
lestinos se vêem perdidos entre o abandono de seus vizinhos e a posição bri- imigratório ficaria condicionada à concordância dos árabes. Desta vez,
tânica. Esta situação só seria agravada com o aumento da imigração judaica, foram os judeus que optaram pela via da violência para rechaçar a decisão
motivado pelo crescimento de medidas anti-semitas na Europa. Até então, britânica: em 1945, mesmo contra a posição da Agência Judaica, segmentos
era permitida a entrada de 5 mil judeus por ano. O início da perseguição na- extremistas minoritários da comunidade judaica dão início à luta armada
zista, no entanto, fez com que a população judaica da Palestina aumentasse que vai resultar, entre outras ações, na explosão do Hotel King David em
muito rapidamente. A perspectiva de uma maioria populacional judaica, Jerusalém, sede do governo inglês, pelo Irgun. De fato, a posição dos judeus
portanto, acabou sendo a gota d'água para o início, em 1936, da revolta pa- da Palestina era difícil e dúbia, por conta da necessidade de continuar ao
lestina generalizada, que, tendo o objetivo de interromper a imigração judai- lado dos ingleses na disputa europeia contra os nazistas: "Combateremos ao
ca, dura três anos.6 lado da Inglaterra como se o Livro Branco não existisse, e combateremos o
Assim, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, britânicos, judeus e pa- Livro Branco como se a guerra não existisse", dizia o líder Ben-Gurion, da
lestinos estavam em uma encruzilhada, ainda que de dimensões diferentes: os Agência Judaica.
judeus, perseguidos na Europa e proibidos de imigrar para a maioria dos paí- Mas tal separação de perspectivas já não seria possível: ante o desfecho

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da guerra e as notícias sobre o genocídio de judeus, aumentava a pressão pú- parte dos territórios destinados aos palestinos, o Egito preocupava-se em não
blica pela aceitação da entrada daqueles 100 mil que ainda aguardavam, na deixar que a Transjordânia tivesse êxito, e o Líbano pretendia apenas reafir-
Europa ou em navios clandestinos, uma solução para o seu destino. Em mar sua recente independência.
1947, este estado de coisas chega ao clímax: o navio Exodus, que aportou A recém-criada Liga Árabe escondia em seu nome as profundas diver-
em Haifa com 4,5 mil judeus sobreviventes de campos de extermínio, é ex- gências de objetivos que a caracterizariam a partir de então, e o resultado
pulso pelas autoridades britânicas, e é obrigado a voltar para a Alemanha. A disto pode ser percebido através da divisão territorial ocorrida com o armis-
partir daí, tendo perdido o controle da situação — também provocada pelo tício de 1949: além de Israel passar a ocupar um território 21% maior do
aumento da beligerância de palestinos e judeus contra britânicos —, a que aquele designado pela ONU, o rei Abdallah consegue anexar a
Inglaterra leva o problema às Nações Unidas, que, na conturbada sessão de Cisjordânia a seu território (que, a partir de então, passa a ser o Reino da
29 de novembro de 1947, decide pelo fim do Mandato Britânico e pela par- Jordânia), o Egito toma conta da faixa de Gaza e Jerusalém é dividida. O Es-
tilha da Palestina em dois Estados autónomos e independentes: um árabe pa- tado Palestino não chega a sair do papel, e o lema "O caminho de Jerusalém
lestino e um judeu. Este teria 14 mil quilómetros quadrados, englobando as passa pela unidade árabe" é bastante revelador do segundo plano ocupado
áreas entre o deserto do Neguev e o golfo de Acaba, o lado esquerdo do lago pela questão palestina entre as prioridades árabes: primeiro a unidade, de-
Tiberíades e a zona compreendida entre Tel-Aviv e Haifa, enquanto o pales- pois o Estado Palestino.
tino, com 11 mil quilómetros quadrados, estaria situado na Cisjordânia e na Os principais perdedores desta guerra, portanto, não são os países árabes,
faixa de Gaza; a cidade de Jerusalém, cobiçada por ambos os lados, seria in- que vêem a criação do Estado de Israel como um "enclave ocidental" no
ternacionalizada. Novamente, os sionistas aceitam a partilha e os palestinos Oriente Médio, e sim os palestinos, forçados a se exilar fora do novo território
a recusam, seguindo o mesmo raciocínio de que seria uma derrota permitir israelense. A questão é controversa: a história oficial israelense defende que os
que os judeus legitimassem sua presença na Palestina.7 cerca de 750 mil palestinos que deixaram suas terras — metade da população
Logo que o plano da partilha foi tornado público e a data para o fim do palestina local — o fizeram instigados pelos seus vizinhos árabes, que preten-
Mandato Britânico marcada, os choques entre palestinos e judeus intensifica- diam usá-los na luta contra Israel, enquanto que a explicação árabe defende a
ram-se. Massacres de lado a lado, como o da população árabe da aldeia de tese da expulsão pelas forças armadas israelenses. Até hoje objeto de polémica,
Deir Yassin e o dos habitantes do kibutz Kfar Etzion, se sucediam. Ao mesmo principalmente entre os representantes da mais recente historiografia israelen-
tempo, as forças armadas judaicas organizavam-se para um provável con- se, que enfatiza a grande responsabilidade de Israel no êxodo dos refugiados
fronto de maiores proporções, enquanto tropas dos países árabes vizinhos ini- palestinos, o fato é que, em 1950, 957 mil pessoas — cerca de metade da po-
ciavam movimentações. Os britânicos apenas observavam de longe e, no dia pulação palestina — viviam nos campos criados pela UNRWA (agência criada
pela ONU em 1949 para tratar dos problemas dos palestinos refugiados da
14 de maio de 1948, retiraram-se de Jerusalém. Não havia qualquer represen-
guerra), sem o direito de retornar às suas casas, nem de, à exceção da Jordânia,
tante da ONU para substituí-los. Estava dado o sinal para o início da guerra.
estabelecer residência nos países árabes vizinhos. Ao mesmo tempo, a Lei do
À proclamação oficial da criação do Estado de Israel, feita por David
Retorno, aprovada em 1950 pelo Parlamento de Israel, concede cidadania is-
Ben-Gurion em Tel-Aviv, correspondeu o ataque dos países árabes ao redor.
raelense a todos os judeus que desejarem imigrar para o novo país, assim como
Com um exército mais bem armado, o suporte do armamento tcheco e o au-
aos 160 mil árabes palestinos que permaneceram em seus locais de origem. É
mento contínuo no contingente de pessoal, por conta da chegada de imigran-
assim que o momento de fundação do Estado de Israel, solução dos problemas
tes europeus, Israel levou a melhor. A superioridade dos israelenses também dos refugiados judeus da Segunda Guerra Mundial, está indelevelmente ligado
era política, já que seus inimigos compunham um bloco nada coeso: o mufti à criação do problema dos refugiados palestinos que, passados mais de cin-
de Jerusalém pretendia "jogar os judeus ao mar", a Síria pensava na funda- quenta anos, ainda persiste.8
ção da "Grande Síria" (que incorporaria a Transjordânia, o Líbano e a
Palestina), a Transjordânia aceitava a criação de Israel desde que anexasse

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A BUSCA DA IDENTIDADE ÁRABE árabes. Apoiando-se nos princípios do reencontro da dignidade árabe e da
necessidade do progresso económico, Nasser se constituiu num símbolo po-
A derrota da Liga Árabe no conflito que resultou na independência do Estado pular da unidade e do não-alinhamento às potências estrangeiras, que se ma-
de Israel deixou marcas profundas na cultura política árabe. Para muitos, o terializou na construção da barragem de Assuã e na nacionalização da
sionismo era uma nova versão do colonialismo das grandes potências mun- Companhia do Canal de Suez em 1956.
diais, e só uma união nacional árabe poderia libertá-los do domínio estrangei- Esta última foi a gota d'água para o início de um conflito que envolveu
ro. De fato, desde a dissolução do Império Otomano que o mundo árabe está as principais potências mundiais. Dispostas a aplacar a independência políti-
à busca de sua identidade, perdida quando a unidade muçulmana garantida ca de Nasser, essas potências cancelaram um empréstimo do Banco Mundial
pelas autoridades otomanas deixou de existir. À ocidentalização trazida pelas para a construção da barragem de Assuã. O líder egípcio revidou imediata-
potências europeias, os árabes não tinham nenhum projeto a contrapropor. mente, nacionalizando a companhia que gerenciava o Canal de Suez.
Desde então, para superar o sentimento de derrota histórica para valores e Construído em 1869, o canal estava aberto a todas as nações, mas era admi-
princípios dos quais não compartilham, muitos árabes voltam-se para o pas- nistrado pelos britânicos, que o consideravam vital para a manutenção de
sado, buscando na "Idade de Ouro", ou seja, na época de Maomé, a solução seu poder marítimo e interesses coloniais. Agora, Nasser acusava o bloco ca-
para os problemas contemporâneos. Assim, movimentos como o da pitalista de boicotá-lo, por conta das relações entre o Egito e o bloco soviéti-
Irmandade Muçulmana, formado em 1928 no Egito, defendiam o uso do islã co, e ameaçava buscar fundos de recuperação económica na URSS. A respos-
para alcançar o progresso, pretendendo que a observância dos preceitos reli- ta foi rápida: com apoio britânico e francês, e preocupado com a alteração
giosos abrissem as portas para a modernidade. Outros movimentos, como o no equilíbrio de forças da região, Israel realiza pequenos ataques no Egito,
arabismo, defendiam o oposto: que a base de união dos árabes fosse a criação na região da faixa de Gaza, adotando a doutrina militar do ataque preventi-
de uma nação única, que unisse a cultura e a experiência histórica árabes e vo. Em retaliação, este país fechou o Canal de Suez e o acesso ao golfo de
seus interesses em comum.9 Acaba aos navios israelenses. Este é o motivo imediato para a invasão de
Até o fim da guerra de 1948, portanto, o nacionalismo árabe não passa- Israel, que em pouco tempo toma o deserto do Sinai e chega às portas da ci-
va de um projeto fragmentado. A partir desse momento, além do sionismo, dade do Cairo. A intervenção da ONU não demorou a resolver o conflito,
a Guerra Fria viria dar forte impulso a este movimento, conferindo-lhe um mas ele deixou marcas por toda parte.
cunho popular inexistente até então. A unidade árabe era fortalecida pela Inicialmente, ficou claro para as potências europeias, principalmente
ideia de Terceiro Mundo, a partir da qual os países em processo de desenvol- para a Grã-Bretanha, que a era dos impérios coloniais estava definitivamen-
vimento, mantendo o descompromisso com os blocos americano e soviético, te sepultada. Certas do apoio americano à ofensiva, elas não só foram inca-
exerceriam uma ação conjunta, especialmente na Assembleia Geral das pazes de administrar o conflito, não conseguindo derrubar Nasser ou revo-
Nações Unidas. gá-lo da intenção de fechar o Suez, como foram obrigadas a acatai a decisão
É neste contexto que surge a liderança política do oficial egípcio Gamai das Nações Unidas de interrompê-lo. Por outro lado, este acontecimento foi
Abrlel Nasser. Revoltado com a derrota para Israel e com a corrupção do alto decisivo na disputa de áreas estratégicas entre EUA e URSS. Aproveitando o
escalão de seu próprio país, Nasser toma o poder no Egito, em 1952, com vácuo de poder criado pela decadência britânica, os EUA tomaram a posição
um pequeno grupo clandestino de oficiais, os chamados oficiais livres, após de não defender as ações das potências europeias, para impedir uma polari-
o assassinato do primeiro-ministro e do guia supremo da Irmandade zação na qual a URSS acabaria por consolidar a simpatia de que já dispunha
Muçulmana. Embora não tenha conseguido canalizar todas as forças políti- no mundo árabe. Mesmo assim, os americanos não permitiram que as amea-
cas egípcias e tivesse uma ideologia vagamente constituída como "socialismo ças soviéticas de um ataque nuclear à Inglaterra e França ganhassem força,
árabe", que oscilava entre a simpatia à Irmandade Muçulmana e a adesão ao prometendo devolver na mesma moeda se tal fato se realizasse.
Partido Comunista, o nasserismo foi amplamente aceito nos outros países De diferentes formas, foram os próprios países do Oriente Médio que

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saíram fortalecidos com o confronto. Israel liderou a invasão e acabou con- Israel, que, por sua vez, retaliava contra a Jordânia e a Síria. Com informa-
quistando toda a península do Sinai, só concordando em se retirar com a pre- ções nunca confirmadas de que Israel planejava um ataque às fronteiras sí-
sença de tropas da ONU no local. Sua aliança com a França e a Inglaterra re- rias, o Egito faz um acordo de defesa mútua com este país, mais como uma
força o mito árabe de serem os israelenses o trampolim do imperialismo oci- forma de controlar o conflito — não permitindo que outras lideranças amea-
dental. Nasser tira proveito desta situação e, por ter enfrentado com êxito os çassem a posição egípcia — do que com vistas a estendê-lo. Ao mesmo
fortes países estrangeiros — o canal é reaberto em 1957, já sob administra- tempo, entendendo que a internacionalização do golfo de Acaba e a presen-
ção egípcia —, acaba consolidando seu nome como a maior liderança do ça de tropas da ONU na península do Sinai eram uma afronta à sua sobera-
mundo árabe, dando impulso ao projeto de unificação de uma única nação, nia, Nasser pede a retirada dessas tropas, enquanto fecha novamente o golfo
principalmente com a criação da República Árabe Unida, que englobava de Acaba à navegação israelense. É difícil ter a dimensão das pretensões de
Síria e Egito.
Nasser; ao que parece, ele não desejava a guerra, mas sim criar uma situação
Este consenso, no entanto, não duraria por muito tempo; a partir da dé- que, obrigando a intervenção dos Estados Unidos, resultasse em um arranjo
cada de 1960, os recursos petrolíferos do Oriente Médio, principalmente do político em seu favor. Ao mesmo tempo, talvez contasse que, no caso de uma
Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Líbia e Argélia, passam a ser efetivamente guerra, o apoio da URSS fosse suficiente para que saísse vitorioso. Mas não
importantes para a economia mundial. Assim, se Nasser pretendia usar a ri- aconteceu uma coisa nem outra.
queza dos Estados produtores de petróleo como um instrumento para criar Para Israel, toda esta situação foi considerada uma declaração de guerra.
um bloco árabe sob liderança egípcia, a Arábia Saudita e os outros países do Não disposto a negociar um acordo que resultasse na preponderância do
Golfo Pérsico queriam usar sua própria riqueza para alcançar maior influên- Egito, apostava na superioridade de seu exército. Ao mesmo tempo, no caso
cia nos assuntos árabes. Estas divergências demonstram que as pretensões do de um conflito armado, contava com a ajuda americana. E foi de fato o que
nasserismo tinham limites claros. Em 1961, os sírios rompem com os egípcios, aconteceu: no dia 5 de junho de 1967, Israel destruiu a força aérea egípcia;
opondo-se à supremacia dos nasseristas em seu país. No Iraque, a direção do em poucos dias, os israelenses ocuparam toda a península do Sinai, a Cisjor-
movimento pela união árabe é disputada por Kassem, novo líder local. Apesar dânia, as colinas do Golan (então pertencentes à Síria) e, principalmente,
de todas as divergências, um ponto é comum: o apoio da URSS à causa árabe, anexaram Jerusalém, no conflito-relâmpago que ficou conhecido como
o que intensifica os contatos e o apoio entre Israel e os Estados Unidos. Guerra dos Seis Dias.
A política defendida por Nasser fez com que o Egito ocupasse a posição Esta guerra mudou definitivamente o equilíbrio de forças no Oriente
de principal defensor dos interesses árabes nas relações com Israel. Nesse Médio. A partir de então, ficou claro que Israel era o país militarmente mais
momento, a fidelidade à causa árabe exigia a tomada de posição contra o poderoso da região, o que aumentava seus atrativos para os Estados Unidos.
Estado de Israel. Isto incluía, evidentemente, os palestinos, que até 1964 ti- Por isso mesmo, Israel pretende conservar suas conquistas, que lhe trariam
nham na liderança egípcia seu principal porta-voz. Nesse ano, uma conferên- fronteiras seguras e defensáveis. A questão é que as novas fronteiras lhe tra-
cia da cúpula dos líderes árabes criou a Organização pela Libertação da riam o controle sobre um número muito maior de palestinos, majoritaria-
Palestina (OLP), que ficara sob controle do Egito e de forças ligadas aos mente alocados em campos de refugiados. Isto fez com que o sentimento de
exércitos árabes vizinhos a Israel. Ao mesmo tempo, grupos de palestinos identidade palestina se fortalecesse e contribuiu para que fossem intensifica-
educados no exílio começaram a agir no sentido de organizar movimentos dos os ataques terroristas contra Israel. Também para os Estados árabes, a
genuinamente palestinos: assim foi criado o Fatah, liderado por lasser rápida vitória israelense representou uma grande humilhação e aumentou a
Arafat, que defendia o confronto direto com Israel e a independência em re- hostilidade árabe geral contra Israel. Divididos entre a possibilidade de reta-
lação aos outros países árabes; e outros movimentos nacionalistas menores, liação e a solução dos problemas pela via política, os países árabes aceitaram
igualmente defensores da luta armada e da utilização das táticas terroristas. a Resolução 242 da ONU, que previa a retirada progressiva das tropas israe-
Em 1967, alguns grupos começaram a empreender ações diretas contra lenses dos territórios ocupados. Encastelados em suas posições, os dois lados

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agora negavam-se à negociação: setores do governo israelense divergiam vencibilidade de Israel: pegos de surpresa, eles necessitaram do apoio ameri-
quanto ao futuro dos territórios, alegando a necessidade da existência de um cano para enfrentar o ataque dos árabes, e suas perdas humanas foram tais
cordão de isolamento que os protegesse dos inimigos vizinhos, e os árabes que abalaram a autoconfiança israelense. Ao mesmo tempo, essa foi a pri-
uniram-se nos três "nãos", proferidos na Conferência de Cartum, ainda no meira guerra em que os países árabes usaram o petróleo como arma política:
ano de 1967: "Não à paz com Israel, não a qualquer negociação com Israel, ameaçando reduzir a produção enquanto Israel continuasse ocupando terras
não ao reconhecimento de Israel".10 árabes, a tática teve sucesso, ainda mais porque, exatamente nessa época, um
Mas um novo fator veio contribuir para o desenrolar dos acontecimen- aumento nas necessidades dos países industriais tornava a Organização dos
tos: apelando para a luta armada, grupos de fedayim (guerrilheiros) e mem- Países Exportadores de Petróleo (OPEP) mais poderosa, tanto que, em fins
bros da organização palestina Fatah voltaram a atacar Israel. Alceados na de 1973, aumentaram em 300% o preço do produto.
fronteira entre Israel e a Jordânia, estes grupos constituíam-se cada vez mais A política de usar o petróleo como arma teve, no entanto, uma outra
em um fator de desestabilização da região, pela força de seus ataques, e em consequência: a intervenção americana, que foi feita para salvaguardar seus
uma nova liderança, já que, a cada atentado, dispunham de mais populari- próprios interesses, passou a ser permanente, aumentando inclusive a depen-
dade entre a população árabe. Como Israel revidasse aos ataques, aumenta- dência dos países árabes em relação a este país. Foi assim que os Estados
vam também as pressões políticas sobre Nasser de que assumisse uma posi- Unidos passaram a ocupar o papel de mediadores no conflito, tentando for-
ção de controle do conflito. Mas não foi isto o que aconteceu: em 1970, mular, a partir da gestão do presidente Jimmy Cárter, uma política conjunta
Nasser morre de um súbito ataque cardíaco, sendo substituído por Anuar com a URSS para resolução dos conflitos no Oriente Médio. Embora esta
Sadat, mas deixando vazia a liderança do mundo árabe. Enquanto isso, o ter- perspectiva não tenha sido de todo bem-sucedida, a paz entre Israel e o Egito
rorismo cresce: aviões israelenses são sequestrados, atletas israelenses são acabou sendo feita sob os auspícios dos Estados Unidos, através do histórico
massacrados na Olimpíada de Munique de 1972. O poder e a popularidade acordo de Camp David, em 1978. Segundo o acordo, além da formalização
dos palestinos envolvidos em ações terroristas chegam a tanto que, onde
da paz, os israelenses se retirariam do Sinai e seriam iniciadas negociações
quer que estivessem, constituíam um poder à parte, quase um Estado dentro
nos próximos cinco anos para discutir a concessão de autonomia às colónias
do Estado. Sua autonomia em território jordaniano chegou a tal ponto que,
de Gaza e da Cisjordânia, onde vivia a maioria dos palestinos.
em 1970, o rei Hussein decide reprimi-los, já que estava sendo impossível
Embora saudada no mundo inteiro como o início da aproximação que
controlá-los. Para manter a soberania e a governabilidade em seu próprio
poria fim ao conflito já quase centenário, o acordo de Camp David foi mar-
reino, o monarca desfere uma intensa ação repressiva contra os palestinos,
que resulta em 4 mil mortos e um sem-número de expulsões, no episódio que cado por manifestações hostis em todos os países árabes. Os palestinos o re-
ficou conhecido como Setembro Negro, depois repetido no Líbano. jeitaram, por sequer terem sido consultados sobre o destino dos territórios
As retaliações de Israel, o desejo de revidar aos acontecimentos de 1967 onde viviam, e a Síria e a Líbia o consideraram uma traição, passando a lide-
e a escalada do terrorismo precipitaram mais um confronto direto com Is- rar um movimento que condenaria o Egito ao ostracismo. Não foi à toa que,
rael. Na tentativa de recuperar os territórios perdidos, o Egito e a Síria inva- três anos depois, Sadat foi assassinado por militantes que se opunham à sua
dem Israel no Yom Kippur (Dia do Perdão, em que os judeus ficam em jejum) política de aproximação com Israel e o Ocidente. Mesmo assim, as linhas
do ano de 1973; apesar das muitas perdas, Israel consegue rechaçar o ataque, principais de sua política foram mantidas por seu sucessor, Hosni Mubarak.
avançando em território egípcio até a entrada da cidade do Cairo. O provi- A partir de então, o mundo árabe se veria genericamente dividido entre aque-
sório acordo de paz determinado pelas superpotências garante a saída das les países chamados "pró-Ocidente", cuja política aceitava a ingerência ame-
tropas israelenses. Sem vitórias espetaculares de nenhuma parte, esta guerra ricana e a negociação com Israel, corno o Egito, e os outros, que tentavam
veio consolidar o poderio militar israelense, o apoio dos Estados Unidos ao manter uma política independente, caracterizada por relações em diferentes
Estado de Israel, mas ao mesmo tempo representou um baque no mito de in- níveis com a URSS, como a Síria, o Iraque e a Líbia.

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Nesse princípio da década de 1980, no entanto, outros fatores passaram tais para os dois lados. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que os objetivos de
a influenciar a arena política do Oriente Médio, criando novos focos de con- ambos foram alcançados: o regime islâmico não caiu (ao contrário, consoli-
flito: ao impasse entre Israel e os palestinos (acrescido, logo depois, da pro- dou-se, principalmente depois da comoção causada pela morte de Khomeini
blemática do Líbano) vieram se somar os problemas no Golfo Pérsico, com em 1989), nem a revolução iraniana se espalhou pelo Golfo Pérsico, pelo
a revolução islâmica, a Guerra Irã-Iraque e, posteriormente, a invasão do menos até então.
Kuwait pelo Iraque e a Guerra do Golfo. O confronto entre Ira e Iraque também revelou ao mundo a crescente im-
Apesar de não ser um país árabe, os acontecimentos que revolucionaram portância do petróleo na região; as grandes potências só intervieram quando
o Ira em 1979 abalaram toda a região. Desde os anos 20 governado pela di- foram atingidos navios petroleiros que, se destruídos, poderiam prejudicar o
nastia Pahlevi, o Ira vinha sendo modernizado t ocidentalizado pelas suces- suprimento do combustível ao Ocidente. Além disso, com o fim da guerra, o
sivas gerações de xás, que viam na observância estrita da religião um atraso Iraque despontou como o protetor dos regimes dos países do Golfo Pérsico,
a ser superado. País de numerosa população xiita, no entanto, o regime mo- em lugar da Arábia Saudita, que até então ocupava esta posição. Afinal, este
dernizante sempre precisou contar com uma grande dose de repressão, para país dominava o Conselho de Cooperação do Golfo, criado em 1981, em de-
conter a oposição dos grupos religiosos, que se fazia cada vez mais popular. trimento do Ira, favorável a uma organização islâmica, e do Iraque, partidá-
Na década de 1970, este movimento conheceu um líder, que, refugiado na rio de um conselho geral árabe; assim, fazendo uma política que favorece os
França, preparava-se para voltar ao país: era o aiatolá Khomeini, que apela- países do golfo em prejuízo das outras regiões árabes do Oriente Médio, a
va aos muçulmanos para~que restaurassem a autoridade do islã na socieda- Arábia Saudita contribui para o acirramento das rivalidades, além de permi-
de. Para Khomeini e seus seguidores, a religião poderia fornecer as resolu- tir o aumento das desigualdades sociais entre os países de maiores e menores
ções dos problemas de forma que o Estado moderno fora incapaz de fazer. reservas petrolíferas. Países como o Kuwait tinham uma renda per capita de
Incentivando a solidariedade através da organização de redes de ajuda 13 mil dólares por ano, ao passo que os mais pobres, como o Egito, conta-
mútua, de escolas e postos de saúde, eles mobilizam milhares de fiéis, dando vam apenas com 650 dólares.
início à revolução islâmica, em 1979, que resulta na proclamação da Esta situação de rivalidades e tensões é agravada com a crise económica
República Islâmica no ano seguinte.11 do Iraque, que, devendo 70 bilhões de dólares ao fim da guerra com o Ira,
Embora esta não tenha sido a única razão, foi a gota d'água para que o busca uma saída que, ao mesmo tempo, solucione seus problemas internos t
Iraque invadisse o Ira em 1980. Mesmo tendo uma questão de fronteira mal consolide sua liderança no mundo árabe. Esta solução foi a invasão de
resolvida desde 1975, o governo laico de Saddam Hussein preocupava-se Kuwait, ocorrida em agosto de 1990. Usando como argumento a divisão ar-
com a grande popularidade que o novo regime islâmico poderia alcançar tificial entre os dois países feita pelos ingleses e acusando o Kuwait de causai
entre a sua população, cuja maioria também era xiita. Assim, a guerra tem o baixa no preço do petróleo, por vender mais do que a cota estabelecida pela
objetivo de, além de obter um acordo sobre a questão das fronteiras, destruir OPEP, Saddam Hussein provoca a primeira grande crise internacional após o
o regime de Khomeini e conquistar a chefia moral do mundo árabe, vaga fim da Guerra Fria, que realiza alianças antes impensáveis, como entre os
desde a exclusão do Egito da Liga Árabe. Se a guerra não provocou maiores EUA, URSS e a Síria, sem contar com a oposição da Arábia Saudita, ameaça-
cisões na sociedade iraquiana, ela o fez no mundo árabe: a Síria apoiou o Ira da diretamente pela agora maior potência militar da região.
por conta de sua própria rivalidade com o Iraque, e os outros países ficaram Liderada pelos Estados Unidos e com autorização da ONU, uma grande
do lado deste, na esperança de que a derrota do Ira pudesse conter a ameaça coalizão internacional ataca o Iraque em 1991. Tentando envolver seus tra-
aos seus próprios regimes políticos. dicionais aliados diretamente no conflito para rachar a aliança da OTAN, o
A guerra dura oito anos e só acaba com o cessar-fogo proclamado pelas Iraque lança alguns mísseis em Israel, na esperança de que este declare guer-
Nações Unidas, sem que nenhum dos lados possa proclamar-se vencedor; ne- ra e force a entrada dos outros países da região. Mas seu cálculo não funcio-
nhum dos dois conquistou territórios, e as perdas em vidas foram monumen- na; orientado pelos Estados Unidos, Israel não se envolve no conflito, e o

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único a apoiar Hussein é lasser Arafat. Com isso, as forças militares do
Isto aconteceu em 1977, quando Begin tornou-se primeiro-ministro à
Iraque são rapidamente destruídas. O poder americano, no entanto, não é
frente do partido Likud, e a partir daí a colonização dos territórios ocupados
suficiente para derrubar o regime de Saddam Hussein, que, mesmo sofrendo
tornou-se política oficial do novo governo. Assim, foi organizada uma rede
o embargo económico imposto pelas grandes potências, continua se susten-
de assentamentos, localizados principalmente na Cisjordânia, em que eram
tando no Iraque.
oferecidas vantagens económicas para aqueles que, não necessariamente re-
Ao fim da guerra, a responsabilidade maior sobre a administração do
ligiosos, desejassem mudar-se para lá. Logo, dar-se-ia o passo para a anexa-
conflito recai sobre os Estados Unidos; por conta da crise da URSS, despon-
ção futura dos territórios e, no caso dos ultra-ortodoxos, estariam abertos os
tam finalmente como o único mediador possível para garantir a estabilidade
caminhos da redenção messiânica.
no Oriente Médio, e ela depende, nesse momento, basicamente da busca de
Esta política israelense era fortalecida pela atuação da guerrilha palesti-
uma solução para a questão palestina.
na, liderada pela OLP. Desde o início da década de 1970, os ataques terroris-
tas multiplicavam-se, o que reforçava o argumento da impossibilidade de
qualquer negociação. Com os acordos de Camp David, a situação da OLP
complicava-se, já que o Egito não era mais um aliado. Assim, a direção da
A QUESTÃO PALESTINA
organização decide pela mudança de orientação política, passando a buscar
soluções diplomáticas para a luta pelo reconhecimento da autodeterminação
Desde o início da década "de 1970, com a escalada do terrorismo palestino,
dos palestinos.
fica claro que uma solução deve ser encontrada para o problema dos refugia-
Esta opção não é feita sem dificuldades; muitos palestinos, a essa altura,
dos palestinos. Além disso, como reza a cartilha do direito internacional, a
nascidos e criados em campos de refugiados, relutam em desistir da luta ar-
condição de refugiado é provisória, não permanente, e o fortalecimento de li-
mada. É assim que novos grupos, como a Frente Popular de Libertação da
deranças como lasser Arafat fazia questão de lembrar ao mundo todo, e em
Palestina e futuramente o Hamas, vão criando dissensos que tendem a se
especial a Israel, que o custo a pagar pelo desprezo à situação dos palestinos
aprofundar com o tempo. Apegada a uma carta de intenções mais radical
seria alto para ambos os lados.
que seus próprios líderes, a OLP se vê continuamente identificada com sua
A questão é que nem todos concordavam com isso. Em Israel, desde as facção extremista, já que, para ter sob seu comando o conjunto dos vários
conquistas das terras consideradas bíblicas n2 Guerra dos Seis Dias — a pequenos grupos palestinos, é obrigada a apoiar atos dos quais nem sempre
Samaria e a Judéia (que compõem a Cisjordânia), o Sinai e as colinas do está a favor. É neste contexto, de atos terroristas palestinos e incremento na
Golan são transformados em territórios ocupados, enquanto que a Cidade
colonização dos territórios, que se dá a invasão do Líbano por Israel em
Velha de Jerusalém é anexada pelo Estado de Israel —, a interpretação de que
1982. Um dos mais fracos Estados do mundo árabe, há anos que o Líbano
a era messiânica estava para começar torna-se popular entre os judeus ultra-
vinha sendo palco de uma guerra civil entre cristãos e muçulmanos que não
ortodoxos que, liderados pelo rabino Kook, defendem a anexação de todos
via fim; além disso, o desejo de ver este território anexado ao seu Estado faz
esses territórios. Para estas pessoas, os palestinos não tinham qualquer direi-
com que a Síria se aproxime mais e mais do Líbano, chegando a intervir efe-
to àquelas terras, que pertenceriam aos judeus por direito divino e histórico. tivamente em 1976. Depois dos acordos de Camp David, os palestinos con-
Diante da recusa do governo israelense em autorizar a colonização dessas centram-se mais e mais naquela região, aliando-se aos sírios. Com o início
áreas, foram constituídos grupos, como o Gush Emunim (Bloco dos Fiéis), das ofensivas de Israel ao sul do Líbano, onde se localizam as bases da OLP,
que passaram a fazê-lo de forma clandestina, ao mesmo tempo que participa-
o conflito se acirra.
vam de uma articulação de direita, formada também por Menachem Begin
Em 1982, Israel inicia uma ofensiva no Líbano, com a justificativa de re-
(ex-militante do Irgun) e por militares que defendiam a manutenção de um
chaçar focos de guerrilha ao norte do país, mas, na verdade, com o objetivo
escudo territorial contra ataques árabes, para tomar o poder.
de eliminar "qualquer presença física ou simbólica, sob forma militar ou or-

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ganizacional" dos palestinos no Líbano, além de garantir no poder o presi- A mudança de orientação da OLP representou um sério problema para o
dente cristão Bachir Gemayel, aliado de Israel. Indo mais longe do que acon- governo israelense. Como este continuasse a se recusar a negociar com aque-
selhava a prudência, Israel invade a cidade de Beirute, matando civis e au- les com quem até os Estados Unidos já conversavam, começaram as pressões
mentando ainda mais o número de refugiados que existiam na região. para que esta política fosse modificada, ainda mais depois da Guerra do
Mesmo assim, como era grande a capacidade de resistência dos palestinos, os Golfo, na qual este país consolidou sua posição de grande mediador dos con-
choques com o exército israelense causavam grande número de baixas de flitos locais e mostrou ser, mais uma vez, quem garantia em última instância
ambas as partes, o que começou a gerar certo descontentamento por parte da a segurança de Israel. Além disso, a OLP havia saído extremamente enfra-
população israelense, que passou a criticar o afã de seu Estado em prosseguir quecida dos conflitos no Golfo, por ter sido a única instituição a apoiar o
nos ataques. Iraque, e precisava reconquistar espaços políticos; Israel, por sua vez, por
Esta posição foi consolidada a partir dos massacres dos campos de refu- conta das rivalidades produzidas pelo mesmo confronto, deixou sua posição
giados de Sabra e Chatila, quando mais de mil civis foram mortos por uma de isolamento, aproximando-se da Jordânia e da Arábia Saudita. Hora me-
facção cristã treinada e mantida por Israel, em área controlada por este país. lhor não havia para o início do processo de paz.
Caindo como uma bomba na opinião pública israelense, a notícia do aconte- A primeira conferência de paz, portanto, sairia em 1991, mesmo com a
cimento rachou a sociedade ao meio: o movimento Paz Agora conseguiu reu- má vontade do primeiro-ministro israelense Itzhak Shamir; mais radical do
nir 400 mil pessoas (10% da população israelense) em uma manifestação gi- que Begin, que já havia aceitado negociar com Sadat nos anos 70, Shamir só
cedeu quando os EUA ameaçaram congelar empréstimos a Israel. Mesmo
gantesca pelo fim da guerra, considerada "o Vietnã de Israel". Pela primeira
assim, as conversações não avançaram muito. Isto só foi acontecer quando,
vez, soldados recusavam-se a ir para os campos de batalha, alegando razões
envolvidos na campanha eleitoral israelense de 1992, o partido Avodá (tra-
de consciência. Estava rachado o consenso sionista. Pouco tempo depois,
balhista) encampou a paz em seu discurso político, conseguindo, por isso, a
caía Ariel Sharon, ministro da Defesa de Israel, e, apesar da vitória israelen-
vitória contra o Likud, tendo Itzhak Rabin, antigo membro da linha dura do
se nos campos de combate — a liderança da OLP realmente deixou o país,
exército israelense, como primeiro-ministro. A partir daí, as intenções come-
mudando-se para a Tunísia —, as pressões internas obrigaram o primeiro-
çam a dar frutos: os palestinos concordam com os planos de autonomia gra-
ministro Begin a renunciar.
dual para os territórios, começando por Gaza, e, em 1993, depois aceitos por
Amargando mais uma derrota, a OLP entra em crise; suas táticas de ne- ambas as partes os termos dos acordos de Oslo, Arafat e Rabin realizam o
gociação não mais seduziam suas bases, principalmente aqueles 2,5 milhões histórico aperto de mãos na Casa Branca, sob o olhar aprovador do presi-
de habitantes da Cisjordânia e da faixa de Gaza. O desespero desta popula- dente americano Bill Clinton (ver quadro 2: a dispersão dos refugiados pales-
ção foi o que levou à intifada (ressurreição), ou "revolução das pedras", que tinos [l 996]). 12
começou espontaneamente em 1987 e tomou de surpresa tanto Israel quan- O acordo previa a autonomia palestina sobre Gaza e a cidade de Jericó,
to a OLP. Armados com paus e pedras, jovens palestinos atacavam soldados na Cisjordânia, com a retirada do exército de Israel e a substituição por uma
israelenses, que reagiam à bala. Mais do que rapidamente, grupos islâmicos polícia palestina; aos poucos, a autonomia englobaria outras áreas, forman-
extremistas como o Hamas, que pregavam a destruição de Israel e não reco- do, por fim, a Autoridade Nacional Palestina, que o governo israelense ainda
nheciam a liderança da OLP, começaram a participar dos ataques. Assustado não tinha coragem de chamar de Estado. O clima bom criado pelas negocia-
com a possibilidade de perder de vez a liderança da população palestina, ções foi alimentado pelo acordo de paz com a Jordânia, em 1994; ele deu iní-
Arafat usa a intifada como instrumento de propaganda, angariando a simpa- cio a uma fase de cooperação económica entre Israel e vários países árabes,
tia mundial aos revoltosos. Ao mesmo tempo, na reunião do Conselho como o Marrocos, a Tunísia e a própria Jordânia.
Nacional Palestino de 1988, ele renuncia de vez ao terrorismo, ao mesmo A situação não estava tão boa para Arafat, que continuava enfrentando
tempo que proclama o reconhecimento do direito de Israel à existência e en- a oposição de grupos fundamentalistas como o Hizbolá, que não aceitavam
fatiza a necessidade próxima de criação do Estado Palestino. o acordo de paz e continuavam assassinando judeus indiscriminadamente

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nos territórios, e para Rabin, que tinha que enfrentar a oposição interna dos que marcam o governo de Arafat são uma sombra no andamento do proces-
fundamentalistas judeus, os colonos ultra-ortodoxos que habitavam os terri- so de paz, que ainda está longe de acabar. Mesmo assim, a estabilização da
tórios e se recusavam a deixá-los, participando também eles de manifesta- Autoridade Nacional Palestina faz com que, hoje, poucos se recusem a admi-
ções violentíssimas contra aqueles que consideravam seus inimigos: em tir que a fundação oficial do Estado Palestino é apenas uma questão de tempo.
1994, o colono americano Baruch Goldstein matou 29 muçulmanos que re- Simultaneamente, os anos 90 foram testemunha do agravamento das
zavam na Tumba dos Patriarcas, em Hebron, lugar sagrado para muçulma- condições sócio-econômicas da maioria da população árabe. O crescimento
nos e judeus. Morto após o atentado, a atitude de Goldstein foi duramente económico propiciado pela produção petrolífera não correspondeu a uma
criticada pelo governo israelense, mas ele foi enterrado como herói por seus elevação no padrão de vida geral, ainda mais porque a população árabe con-
correligionários. A escalada de violência parecia não ter limites, e realmente tinua crescendo muito e os sistemas políticos da maioria dos países do
não tinha: em novembro de 1995, foi a vez do primeiro-ministro Rabin ser Oriente Médio não têm como objetivo uma distribuição mais justa da rique-
assassinado pelo fundamentalista religioso judeu Ygal Amir, ao fim de uma za. Com isso, vem aumentando o fosso entre os poucos ricos e os muitos po-
manifestação de paz em Tel-Aviv.13 bres da região, o que contribui para a maior descrença nas formas tradicio-
O assassinato de Rabin abriu uma grande ferida na sociedade israelense: nais de se fazer política e, conseqiientemente, no fortalecimento dos movi-
pela primeira vez, um atentado dessas proporções era cometido por um mentos fundamentalistas.
judeu, que alegava que Rabin estava impedindo a continuação do processo De fato, embora não se pretenda reduzir um fenómeno religioso a suas
messiânico. Mesmo que í demora em implementar os acordos, o aumento de causas sócio-econômicas, é de assustar o número de partidos que vêm se for-
atos terroristas nas cidades de Jerusalém e Tel-Aviv e o violento discurso do talecendo e ganhando apoio popular em diversos países muçulmanos, usan-
Likud contra a paz contribuíssem para a queda de popularidade de Rabin, a do muitas vezes a violência para alcançar seus objetivos. A Argélia e o
maioria da população não esperava tal atitude. Uma semana após o atenta-
Afeganistão são apenas os exemplos mais evidentes desta situação, e a contí-
do, 74% da população passavam a apoiar o processo de paz. Mas isto não
nua existência de grupos fundamentalistas entre a população palestina é
seria suficiente para que o partido Avodá voltasse a vencer as eleições, repre-
prova da vitalidade de suas ideias.14
sentado por Shimon Peres; os numerosos atentados terroristas palestinos que
Da mesma forma, Israel, hoje, vive as consequências do profundo dissen-
voltaram a ser perpetrados em Israel acabaram por fazer pender a balança
para o lado do Likud, e Benjamin Netanyahu assumiu o governo israelense so ideológico e cultural entre judeus seculares e fundamentalistas. Acirrando
em 1996 com a promessa de frear todas as negociações possíveis com os pa- um conflito que teve origem no próprio momento de fundação do Estado,
lestinos. A pressão americana, no entanto, o obrigou a fazer algumas conces- opostos à paz com os árabes e à pluralidade política e religiosa, os judeus fun-
sões, que resultaram nos acordos de Wye, em 1998, que, por sua vez, leva- damentalistas são a maior ameaça à consolidação da democracia em Israel.
ram à crise de seu governo de coalizão de direita, obrigando-o a antecipar É um quadro de perplexidade, este pintado no limiar do século XXI: nas-
eleições gerais para 1999, um ano antes do previsto. cidos sob o signo da modernização ocidentalizante, os Estados nacionais do
Oriente Médio se deparam, cada vez mais, com movimentos que unem polí-
tica à religião, criando fundamentos históricos em acontecimentos ocorridos
há séculos e séculos para as opções que defendem, quase nunca pela via da
CONCLUSÃO negociação e do direito. Isto muda completamente a situação com a qual is-
raelenses e árabes estavam acostumados a lidar há quase um século, quando
Haverá paz no Oriente Médio? O impasse nas negociações entre palestinos e o inimigo era o vizinho. Agora, o perigo está no lado de dentro.
israelenses, a pobreza da população dos territórios da Autoridade Nacional
Palestina, as tentativas de continuação da construção de bairros israelenses
em áreas destinadas à devolução aos palestinos e as denúncias de corrupção

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QUADRO l NOTAS
As principais ondas de imigração judaica para a Palestina
1 O islamismo e Jerusalém — A relação entre Jerusalém e o islamismo começou quando,
PERÍODO NÚMERO ORIGEM tendo conquistado a cidade durante a expansão imperial, os muçulmanos construíram
o Domo da Rocha e a Mesquita Aqsa, o primeiro complexo de prédios religiosos do
1882-1903 (!' alia) 20/30.000 Rússia
islã, em cima do Monte do Templo. A escolha da cidade foi importante; por ser a mais
1904-1923 (2'-y aliás) 35/40.000 Rússia e Europa Oriental sagrada para o judaísmo e o cristianismo, ela fez parte da estratégia de legitimar a nova
1932-1938 (5a alia) 217.000 Alemanha e Polónia religião e o novo império que então nasciam. O local selecionado foi a rocha sobre a
1939-1948 (61 alia) 153.000 Refugiados dos campos de qual Abraão ter-se-ia disposto a sacrificar seu filho Isaac em nome da fé monoteísta, e
concentração europeus onde mais tarde teria repousado a Arca do Templo. Para os muçulmanos, a cidade pas-
1948-1951 687.000 Países árabes e Europa Central sou a ser sagrada porque nela foi construído o santuário da "revelação final", que,
1952-1960 54.000 Norte da África substituindo o Templo judaico de Salomão, continuava as revelações feitas a judeus e
165.000 Egito (1956) cristãos mas corrigia os erros nos quais estes haviam incorrido. Além disso, mesmo que
75.000 Europa Central a palavra "Jerusalém" nunca tenha sido mencionada no Corão, o versículo 17:1 conta
1961-1964 228.000 Marrocos que Deus teria levado Maomé em uma jornada, à noite, da mesquita sagrada, em Meca,
para a mesquita mais distante (em árabe, al-Masjid al-Aqsa). Embora uma interpreta-
1965-1971 -- 81.000 EUA e Europa Ocidental ção considere que essa mesquita seja no céu, a interpretação contemporaneamente acei-
116.000 América Latina ta pelos muçulmanos entende que a mesquita distante localizava-se em Jerusalém.
1972-1974 143.000 URSS 2 O judaísmo e Jerusalém — De acordo com o Antigo Testamento, Jerusalém passou a
ser sagrada para os judeus quando o rei Davi trouxe a Arca Sagrada para esta cidade,
1975-1989 230.000 EUA, Europa Ocidental,
construindo um palácio real, fortalecendo suas fortificações e fazendo de Jerusalém a
América Latina, Ira (1979),
capital do Reino de Israel. Durante o reinado de seu filho Salomão, um grande templo
Etiópia (1985-1986)
foi construído no Monte do Templo, no lugar onde Abraão teria levado seu filho Isaac
a partir de 1989 450.000 Ex-URSS para o sacrifício. A partir de então, ela passou a ser o centro da vida judaica. Mesmo com
a destruição deste templo e do seguinte que o substituiu, e com a dispersão dos judeus
Fonte: François Massoulié. Os conflitos do Oriente Médio. São Paulo, Ática, 1994, p. 64.
pelo mundo, Jerusalém continuou sendo a direção para onde os judeus se voltavam em
suas orações. Para estes, a peregrinação a Jerusalém é considerada uma alia (subida, em
hebraico), por ser o lugar espiritualmente mais elevado passível de ser alcançado.
QUADRO 2 Jerusalém permanece também como o símbolo da fidelidade dos judeus à religião, ex-
A dispersão de refugiados palestinos (1996) pressa no salmo "Se eu esquecer de ti, ó Jerusalém, que a minha mão destra perca a sua
destreza...".
PAÍS NÚMERO 3 Os vários sionismos — A palavra "sionismo" esconde várias correntes distintas. Embora
Jordânia 1.358.706 todas tenham em comum o objetivo de criar um lar judaico, não havia consenso quanto
à forma, os motivos, nem ao local onde isto deveria acontecer. Ainda antes de Theodor
Cisjordânia 532.438
Herzl escrever seu O Estado Judeu, alguns religiosos já proclamavam a necessidade do
Gaza 716.930
retorno dos judeus a Sion, formando a corrente do sionismo religioso. Para Herzl e seus
Líbano 352.668
seguidores, o sionismo devia visar, através da ação política e diplomática, à fundação de
Síria 347.391 um Estado "normal", não necessariamente na Palestina — chegaram a considerar a pro-
Total 3.308.133 posta britânica de migrarem para Uganda —, onde os judeus estivessem livres das perse-
Fonte: Rosemary Sayigh. "L'avenir brouillé dês refugies", in Lê Monde Diplomatique; guições anti-semitas; para Ahad Ha'am, adepto do sionismo cultural, Israel deveria se
manière de voir 34, maio 1997, p. 24. tornar um refúgio para a preservação da cultura e identidade judaicas, que corriam o

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risco de se perder com a assimilação existente nos países ocidentais da Europa. Há ainda árabe. Em 1959, sem qualquer crédito entre os líderes árabes, Amin al-Husséini retirou-
os sionistas práticos, como David Ben-Gurion, que, depois da derrota da via diplomáti- se dá vida pública, indo residir no Líbano, onde faleceu quinze anos depois.
ca, optam pela infiltração na Palestina, mesmo ilegalmente, e os "revisionistas", que, li- 7 O Holocausto e a criação do Estado de Israel — Ainda hoje, é difícil determinar a in-
derados por Zeev Jabotinski, pretendem conquistar toda a Palestina e a Transjordânia, fluência tida pelo Holocausto na decisão da ONU. Não fosse a comoção pública gera-
mesmo que à força. Unidos pelo objetivo comum da criação do Estado até 1948 (à exce- da pelo extermínio em massa de milhões de judeus, talvez os países não se decidissem
ção dos "revisionistas", os únicos a não aceitarem o plano de partilha da ONU), estas em favor da criação de Israel; por outro lado, com ou sem massacre, a situação na
correntes demonstraram suas profundas divergências após a fundação do Estado de Palestina já havia se tornado insustentável, e a decadência do Império Britânico era uma
Israel, quando tornaram explícitos os seus distintos projetos para o país. realidade nos quatro cantos do mundo. O fato é que, com aqueles que pereceram no
4 Os Jovens Turcos — Em fins do século XIX, desenvolveram-se no Império Otomano Holocausto, morreram também as outras correntes políticas judaicas existentes antes
vários grupos de oposição ao sultão e seu governo. O mais importante deles foi o do da guerra. Boa parte daqueles que haviam optado por ficar na Europa o fizeram na es-
conjunto de oficiais chamados "Jovens Turcos", organizado no Comité para a União e perança da integração ou, principalmente, da erradicação do anti-semitismo através da
o Progresso. Em uma grande revolta em 1908, forçaram o sultão a instituir um gover- instauração da sociedade socialista, onde as diferenças — fossem quais fossem — não
no parlamentar constitucional. Prometendo igualdade étnica e religiosa, os Jovens teriam razão de ser. Ao fim da guerra, estavam quase todos mortos, e com eles os vá-
Turcos levaram adiante o programa de reforma e modernização do império, abrindo es- rios e populares partidos socialistas judaicos. Embora alguns tenham sido recriados
colas femininas e discutindo a extensão dos direitos de cidadania às mulheres. Esse pro- posteriormente, nenhum logrou obter a pujança de antes; ao mesmo tempo, aqueles ho-
jeto, no entanto, durou pouco: assolado pelas dívidas e pela Primeira Guerra Mundial, mens que sobreviveram — e talvez justamente por isto — ficaram mais e mais simpáti-
o ministro da Guerra, Enver Pasha, adotou uma política austera, justificando-a pela cos ao sionismo, o que, sem dúvida, contribuiu para o fortalecimento da causa.
manutenção da ordem e da segurança nacional, que resultou inclusive na repressão a 8 A Declaração de Independência do Estado de Israel — País até hoje sem Constituição,
várias minorias nacionais, como os arménios e os curdos. por conta das divergências entre seus fundadores, Israel tem na sua Declaração de Inde-
5 Lawrence da Arábia — Thomas Edward Lawrence, coronel britânico, era o encarrega- pendência, lida por Ben-Gurion em Tel-Aviv no dia 14 de maio de 1948, seu documen-
do de representar o Foreign Office (Assuntos Exteriores) junto a Hussein, negociando to fundador. Ele explicita os diferentes projetos concomitantes naquele momento,
com ele a implementação do "Reino Árabe", tão logo a guerra acabasse. Confidente de quando, para alguns, Israel devia ser um Estado nacional moderno e laico, aberto às di-
Faissal, filho de Hussein, Lawrence participou da revolta árabe contra o Império ferenças étnicas e religiosas e, para outros, devia ser regido pela Halachá, as leis religio-
Otomano em 1916, o que lhe valeu glória, a fama de "rei não-coroado dos árabes" e a sas escritas e aplicadas para judeus. Seguem trechos: "A Terra de Israel foi o lugar de
alcunha "Lawrence da Arábia". Como o grande "Reino Árabe" prometido nunca nascimento do povo judeu. Aqui se formou sua identidade nacional, espiritual e religio-
tivesse saído do papel, apesar de seu envolvimento, Lawrence resolveu desaparecer da sa. Aqui os judeus conquistaram independência e criaram uma cultura de importância
cena política. Com um pseudónimo, tornou-se soldado raso da força aérea britânica e nacional e universal. Aqui escreveram a Bíblia e ofereceram-na ao mundo. Exilado da
acabou morrendo em 1935, num acidente de moto. Terra de Israel, o povo judeu conservou-se fiel a ela durante os séculos de sua dispersão,
6 O mufti de Jerusalém — Amin al-Husseini (1893-1974) foi a maior autoridade árabe sob nunca deixando de rezar e esperar por sua volta e pela restauração da liberdade nacio-
mandato inglês. Descendente de uma importante família de Jerusalém, Husseini comple- nal. [...] O Estado de Israel será aberto à imigração de judeus de todos os países onde
tou seus estudos na Faculdade de Teologia egípcia de Al Azhar. Após ter servido no exér- estão dispersos; ele desenvolverá o país, para benefício de todos os seus habitantes; será
cito otomano durante a Primeira Guerra, Husseini tornou-se presidente do Clube fundado sobre os princípios de liberdade, justiça e paz ensinados pelos profetas de
Nacionalista Árabe, onde começou a desenvolver suas atividades anti-sionistas. Desde a Israel; assegurará uma completa igualdade dos direitos sociais e políticos a todos os
década de 1920, participou de violentos ataques contra judeus; condenado à prisão pelos seus cidadãos, sem distinção de credo, raça ou sexo; garantirá a plena liberdade de
ingleses, recebeu anistia e foi escolhido o Grande Mufti de Jerusalém pelas autoridades consciência, culto, educação e cultura; assegurará a salvaguarda e a inviolabilidade dos
mandatárias, além de presidente do Conselho Supremo Muçulmano, passando a ser, si- lugares santos e dos credos de todas as religiões e respeitará os princípios da Carta das
multaneamente, o representante oficial e religioso da população árabe. Durante a revol- Nações Unidas. [...] Nós lançamos um apelo ao povo judeu de todo o mundo para se
ta de 1936, foi obrigado a fugir para o Iraque; de lá, apoiado pela Alemanha nazista, ligar a nós na tarefa da imigração [...], e a nos assistir no grande combate a que nos en-
participou de um golpe de Estado contra os ingleses. Aliado dos alemães, apoiou o recru- tregamos, para realizar o sonho perseguido de geração em geração: a redenção de
tamento de voluntários muçulmanos para lutar no exército nazista nos Bálcãs. Depois do Israel. Confiantes no Eterno Todo-Poderoso, assinamos esta declaração sobre o solo da
fim da guerra, Husseini participou da criação da Liga Árabe no Egito e, a partir de então, pátria, na cidade de Tel-Aviv, nesta sessão da assembleia provisória do Estado, realiza-
tentou criar governos árabes na Palestina, sem ter obtido sucesso nem apoio do mundo da na véspera do shabat, 5 lyar, 5708, 14 de maio de 1948."

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9 A Irmandade Muçulmana — "Estabelecidos desde o início do movimento, estes prin- sunitas também adotaram atos de extremismo, como o assassinato do presidente egíp-
cípios continuam em vigor. 1. Creio que tudo está sob a ordem de Deus; que Maomé cio Anuar Sadat. Mesmo assim, apoiando o regime fundamentalista do aiatolá
assegura a veracidade de toda profecia dirigida a todos os homens, [...] que o Corão é Khomeini, os xiitas reviveram a jihad (guerra santa), que proclama o combate do islã
o livro de Deus, que o islã é uma lei completa para dirigir esta vida e a próxima. [...] 2. contra todos os inimigos, heréticos e "corruptores da terra", como o escritor Salman
Creio que a ação correta, a virtude e o conhecimento estão entre os pilares do islã. Rushdie, que, por ter utilizado elementos da tradição muçulmana em seu livro Versos
Prometo agir corretamente, realizando as práticas do culto e evitando as coisas más; satânicos, foi condenado à morte através da fatwa (julgamento religioso emitido pelo
terei prazer nos bons costumes, abominarei os maus, difundirei ao máximo os hábitos aiatolá).
muçulmanos [...], reforçarei os rituais e o idioma do islã e trabalharei para difundir as 12 A literatura da paz — "Fui escolhido, junto com meu colega e amigo Yoram Kaniuk,
ciências e os conhecimentos úteis em todas as classes da nação. [...] 4. Creio que o mu- como co-presidente do comité [misto de intelectuais — israelenses e palestinos — con-
çulmano é responsável por sua família, que ele tem o dever de conservá-la em boa tra a ocupação e pela paz e a liberdade de expressão]. Cada um de nós se esforçou em
saúde, na fé e nos bons costumes. Prometo fazer o possível para tanto e insuflar os en- compreender as dificuldades que o outro encontrava, as pressões que sofria por parte
sinamentos do islã nos membros de minha família. Não deixarei meus filhos entrarem de sua sociedade, e respeitar suas dificuldades. [...] Estou comovido por constatar que
numa escola que não preserve as suas crenças e os seus bons costumes. Suprimirei deles essa amizade tardia que me une a esses colegas judeus ressuscita em mim as lembran-
todos os joinais, livros e publicações que negam os ensinamentos do islã, assim como ças de juventude, do tempo em que eu era aluno da escola em Haifa, minha cidade
as organizações, grupos e clubes desse tipo. 5. Creio que o muçulmano tem o direito natal. A política não existia para nós, nessa época, e sólidos vínculos de camaradagem
de fazer reviver o islã pela renascença dos seus diferentes povos, que a bandeira do islã e de amizade nos uniam a nossos companheiros judeus: frequentávamos a mesma es-
deve cobrir o género humano e que cada muçulmano tem por missão educar o mundo cola e morávamos na mesma rua."
segundo os princípios do islã. Prometo ainda lutar para realizar essa missão enquanto Emil Habibi, escritor palestino, primeiro árabe israelense a ocupar uma cadeira
eu viver, e para isso sacrificar tudo o que eu possuo." na Knesset (Parlamento) de Israel.
François Massoulié. Os conflitos do Oriente Médio. São Paulo, Ática, 1994, p. 29. 13 O fundamentalismo religioso — Movimento que usa a religião como fundamento de
10 A Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU— "O Conselho de Segurança posições políticas, o fundamentalismo (ou integrismo) é também uma tentativa de con-
da ONU, expressando a inquietude que continua a causar-lhe a grave situação no servar as tradições, opondo-se a qualquer tipo de modernização. Embora todos os fun-
Oriente Médio, [...] 1. Afirma que a obediência a sua Carta de Princípios exige a ins- damentalistas sejam fervorosos adeptos de suas religiões, nem todos os religiosos orto-
tauração de uma paz justa c duradoura no Oriente Médio, que deverá compreender a doxos são fundamentalistas. Em Israel, por exemplo, são fundamentalistas aqueles ju-
aplicação dos dois princípios seguintes: I. Retirada das forças israelenses dos territó- deus que justificam a violência contra os palestinos através do suposto direito bíblico
rios ocupados no recente conflito; II. Cessação de todas as declarações de beligerância de propriedade das terras da Cisjordânia. Os muçulmanos fundamentalistas, por sua
e de todos os estados de beligerância; respeito e reconhecimento pela soberania, inte- vez, são aqueles que concordam em matar os considerados infiéis, usando a jihad
gridade territorial e independência política de cada Fttado da região e pelo seu direito (guerra santa) em nome da defesa dos princípios do islã.
de viver etn paz dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, protegido contra ameaças 14 A condição feminina no islamismo — "A imagem de mulheres cobertas da cabeça aos
de força; 2. Afirma ainda a necessidade: a) De garantir a liberdade de navegação pelas pés, fugindo da fúria dos estudantes da milícia talibã [alunos do islã], que tomou o
vias navegáveis internacionais da região; b) De se alcançar uma solução justa para o poder no Afeganistão, chocou o mundo. [...] Às vésperas do século XXI, os talibãs
problema dos refugiados; c) De garantir a inviolabilidade territorial e a independência exigem que as mulheres restrinjam seus movimentos ao espaço interno do lar e cu-
política de cada Estado da região, através de medidas que compreendem a criação de bram totalmente o corpo. Proíbem-nas de trabalhar fora e ir à escola, ao menos en-
zonas desmilitarizadas [...]." quanto os líderes religiosos [mulas] analisam o que devem aprender. Andar na rua, so-
11 Os xiitas — Do árabe shia (partido), são os muçulmanos partidários de Ali, primo e mente acompanhada de um parente do sexo masculino. De ônibus, só respeitando a
genro de Maomé, que sustentam que só as tradições do Profeta transmitidas através de divisão feita com uma corrente para que homens e mulheres não se sentem próximos
membros de sua família podem ser aceitas. O grupo a que se opõem é o dos sunitas, uns dos outros. Aquelas que ousam desobedecer são severamente punidas. Há diver-
que seguem também a suna (lei, regra tradicional, em árabe) e os ensinamentos dos sos relatos de espancamento de mulheres na rua por não estarem adequadamente ves-
quatro primeiros califas (soberanos sucessores de Maomé). Usualmente identificados tidas. [...] Confusão semelhante vivem as mulheres da Arábia Saudita, especialmente
com a ala radical do islamismo, esta definição não é necessariamente correta, já que os depois que a Guerra do Golfo levou para seu país centenas de militares americanas

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que fazem tudo o que elas nunca sonharam. [...] [Lá], as mulheres que mostram de- Soares, Jurandir. 1991. Israel x Palestina: as raízes do ódio. Porto Alegre, Editora da
mais o corpo podem ser castigadas pela polícia religiosa, e vídeos, livros e publicações Universidade do Rio Grande do Sul.
são censurados. Como no Afeganistão, cinema, música, álcool, pornografia e jogo são 1991. Oriente Médio: deMaomé à Guerra do Golfo. Porto Alegre, Editora da
expressamente proibidos. Apesar disso, com um número cada vez maior de mulheres Universidade do Rio Grande do Sul.
chegando às universidades e viajando para estudar no exterior, as reivindicações co- The Jerusalém Report. 1996. Yitzhak Rabin, o soldado da paz. Rio de Janeiro, Nova
meçam a crescer. Sabe-se que muitas delas usam roupas ocidentais e até jeans por Fronteira.
baixo das túnicas. As jovens recém-formadas queixam-se da falta de oportunidades de
trabalho."
Sônia de Souza Costa, "Mulher invisível: a revolução no Afeganistão reabre o de-
bate sobre a condição feminina no islamismo", Revista Manchete, 12/10/1995,
pp. 14-19.

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