Cotidiano de Trabalho e Acesso Aos Serviços de Saúde de Mulheres Profissionais Do Sexo
Cotidiano de Trabalho e Acesso Aos Serviços de Saúde de Mulheres Profissionais Do Sexo
Cotidiano de Trabalho e Acesso Aos Serviços de Saúde de Mulheres Profissionais Do Sexo
Artigo Original
Cotidiano de trabalho e acesso aos serviços
de saúde de mulheres profissionais do sexo
Financiamento
Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Número do contrato: 127785/2014-0
Objetivo:
compreender o cotidiano de trabalho e o acesso aos serviços de saúde de mulheres profissionais do
sexo.
Métodos:
pesquisa qualitativa que utilizou o método etnográfico. Para a coleta de dados, foram utilizadas
observação participante com registro em diário de campo, entrevista semiestruturada e formulário
com dados sociodemográficos. Para a análise dos dados, associou-se à análise temática dos dados à
etnografia.
Resultados:
emergiram quatro categorias temáticas: inserção na prostituição; relações familiares; sofrimento e
adoecimento; e acesso aos serviços de saúde.
Conclusão:
o cotidiano das mulheres é marcado por condições precárias de trabalho e pela busca por serviços de
saúde para resolução de problemas específicos, por iniciativa da mulher. A rotina de trabalho nesse
contexto coloca as mulheres em situações de fragilidade clínica e social, expondo-as a
vulnerabilidades em saúde.
Palavras chave: Profissionais do Sexo+ Acesso aos Serviços de Saúde+ Saúde da Mulher+
Promoção da Saúde+ Vulnerabilidade em Saúde.
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Objective:
to understand the daily work and access to health services of female sex workers.
Methods:
qualitative research using the ethnographic method. Participant observation with record in a field
journal, semi-structured interviews, and a form with sociodemographic data were used for the data
collection. For data analysis, thematic analysis was associated to ethnography.
Results:
four thematic categories emerged: insertion in prostitution; family relationships; suffering and illness;
and access to health services.
Conclusion:
the daily life of the women is marked by precarious working conditions and the search for health
services to solve specific problems at their own initiative. The work routine in this context places
women in situations of clinical and social fragility, exposing them to vulnerabilities in health.
Keywords:
Sex Workers, Health Services Accessibility, Women’s Health, Health Promotion, Health
Vulnerability.
Introdução
Diante disso, conhecer o cotidiano de trabalho dessas usuárias e seu acesso aos serviços de
saúde constitui-se em elemento primordial para promover ações de saúde que estejam
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adequadas às suas reais necessidades.
Métodos
A imersão no campo ocorreu por meio de visitas aos locais de prostituição da cidade no
período de janeiro a junho de 2015. Após o mapeamento do espaço, foram escolhidas como
lócus as imediações do Mercado Central, onde se observava a presença de sobrados antigos
nos quais funcionava o comércio de bebidas alcoólicas e onde as profissionais do sexo
ofereciam seus serviços. Inicialmente, foram realizadas visitas introdutórias com o intuito de
estabelecer o contato inicial com os responsáveis pelos estabelecimentos, que foram
informados sobre os objetivos da pesquisa.
Para o recrutamento das participantes, foi utilizada a amostragem por bola de neve, uma
forma não probabilística que utiliza cadeias de referência, onde as primeiras entrevistadas
indicaram as posteriores até ser encontrado o ponto de saturação(12). A primeira entrevistada
foi indicada pela dona do bar que se configurou como informante-chave. Para participar, foi
solicitado ter idade mínima de 18 anos, trabalhar com a prostituição há no mínimo um ano e
tê-la como principal fonte de renda. As mulheres entrevistadas foram eleitas de acordo com a
disponibilidade para responder as perguntas e pela dinâmica do trabalho de campo. Durante
a coleta de dados, foram observadas 13 mulheres, sendo que oito participaram da entrevista.
Além da observação participante com registro em diário de campo, a coleta de dados foi
realizada por meio de um formulário com dados sociodemográficos e entrevista
semiestruturada. As entrevistas foram gravadas em áudio e realizadas individualmente,
durante os intervalos de trabalho, e duraram entre 45 minutos e uma hora. As questões
estavam voltadas para o cotidiano da vida, exercício da prostituição e acesso aos serviços de
saúde. As participantes foram identificadas por nomes fictícios escolhidos por elas.
Após a coleta de dados, os áudios foram transcritos. No diário de campo, foram registradas
as vivências das mulheres, o cenário, a rotina e a dinâmica social, que foram inseridos de
forma analítica às categorias temáticas e ajudaram a descrever fatos do cotidiano dessas
mulheres.
Para análise dos dados, aplicou-se a análise temática, utilizando como categorias empíricas
as expressões e trechos significativos recorrentes nas falas das entrevistadas(13). Foram
desenvolvidas quatro categorias: inserção na prostituição; relações familiares; sofrimento e
adoecimento; e acesso aos serviços de saúde.
A análise de dados etnográficos foi feita associando a análise temática com o registro das
observações(14). Essa fase foi realizada em três etapas: na pré-análise, ocorreu a leitura
exaustiva das entrevistas, utilizando o método colorimétrico para classificar as falas
convergentes. Posteriormente, essas falas foram organizadas de acordo com os temas
principais; na exploração do material, as respostas foram organizadas de acordo com os
trechos significativos e divididas em categorias; no tratamento dos resultados obtidos e
interpretação, os dados organizados foram analisados de forma indutiva e interpretativa. As
categorias temáticas foram apresentadas e os significados foram exemplificados por meios
dos trechos extraídos dos depoimentos.
O estudo respeitou as normas nacionais de pesquisas que envolvem seres humanos e foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri, sob o Parecer
nº 328.925 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 16688113.1.0000.5055.
Resultados
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Participaram do estudo oito profissionais do sexo com idade entre 24 e 41 anos e média de
31,3 anos. Em relação à escolaridade, cinco delas concluíram o ensino médio e três o ensino
fundamental. Todas se declararam solteiras e cinco tinham filhos.
Havia sete bares, que funcionavam em sobrados antigos. O bar no qual a pesquisa ocorreu
abria às sete horas e fechava por volta das 19 horas e não funcionava aos domingos, possuía
um salão principal que era ocupado por algumas mesas, cadeiras e uma cortina, onde só era
possível ultrapassá-la com o consentimento do segurança. Por trás da cortina havia um
balcão onde eram vendidas bebidas alcoólicas e, à esquerda, um corredor que levava em
direção aos quartos. O recinto possuía pouca luminosidade, música alta e estava localizado
próximo ao canal que recebia o esgoto da cidade.
I nserção na prostituição
As mulheres falaram sobre a dificuldade de mudar de emprego e ter outra fonte de renda
em um contexto de estigma social: As pessoas que sabem sempre falam, mas eu não tenho o
que fazer (Gabriela). Lá na cidade em que nasci, eu já trabalhei numa creche, gosto muito de
criança, e queria voltar a trabalhar com crianças, mas não tenho mais oportunidade. Depois
que as pessoas sabem que a gente se prostitui, fica muito difícil arrumar emprego (Juliana).
R elações familiares
Nesta categoria, aborda-se a relação das profissionais do sexo com a família. Os pais das
mulheres tinham conhecimento da atividade de prostituição. No entanto, os filhos
desconheciam o fato: Meu irmão sabe, meus pais sabem (Leonora). “Deus me livre” minha
filha saber o que eu faço, mas a minha mãe sabe (Cidinha).
S ofrimento e adoecimento
Entre as cinco entrevistadas que tinham filhos, todas afirmaram que o maior sofrimento
era saber que eles cresceriam sabendo do seu ofício. Além disso, o fato de terem que se
ausentar por longos períodos. As mulheres que ainda moravam com os pais relataram que o
sofrimento deles em saber que as filhas se prostituíam era o que mais lhe causavam aflição.
Todas já sofreram preconceito, seja por parte da família ou da sociedade: É ruim ver os filhos
da gente crescendo vendo tudo isso (Emanuela). “Deus me livre” minha filha saber o que eu
faço, ela já tem 11 anos, é uma mocinha, tenho medo dela se revoltar (Cidinha).
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As entrevistadas afirmaram que não apresentavam problemas de saúde, não tinham
histórico de IST, e se cuidavam, fazendo uso do preservativo, indo ao médico regularmente e
usando anticoncepcional. Entretanto, reconheceram que o exercício da prostituição
aumentava a vulnerabilidade em saúde e violência: Nunca tive nada não, só tive essas coisas
de violência, de briga. ...eu acho que tem que fazer exame mesmo, tem que se cuidar, eu me
cuido, já fiz até aquele exame que faz no hospital, tem que fazer, a gente fica aqui e não sabe
o que tem (Leonora). Eu me cuido para não ter doenças, uso preservativo e vou ao médico,
tomo anticoncepcional para não engravidar (Gabriela). Eu me cuido, porque não quero mais
ter filhos, já tenho quase 40 anos (Neidinha).
Por outro lado, as que buscavam os serviços públicos encontravam dificuldades no que se
refere ao acesso às consultas e exames, optando em algumas situações por serviços
privados.
Discussão
O início precoce da atividade sexual, gravidez e uso frequente de bebidas alcoólicas são
elementos comumente observados entre as profissionais do sexo(15). O perfil etário
influencia diretamente no exercício da prostituição, resultando em maior quantidade de
clientes em função da juventude. O ingresso na prostituição tem as condições
socioeconômicas como uma das causas, que também são responsáveis pela prática
duradoura de tal ofício. Entretanto, nem sempre as condições de saúde e de vida, bem como
financeira, melhoram, e a mulher permanece na prostituição(1).
Notou-se que as profissionais do sexo viviam sob condições insalubres, o que as expunham
ao risco e ao aumento das vulnerabilidades. Elas não desenvolveram mecanismos para
romper com o ciclo de exploração do corpo feminino, o que produz uma expropriação do seu
trabalho.
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Logo, o cuidado com a saúde se faz indispensável. Uma pesquisa sobre o autocuidado
realizada com profissionais do sexo mostrou que, além do fato de somente buscar
atendimento em casos de emergência, elas não citaram lazer, esporte, cultura, ambiente e
segurança como meios de cuidar da saúde(16). Assim, as mulheres profissionais do sexo
ainda são incluídas em ações de saúde limitadas às medidas de prevenção das IST e
contracepção, sendo tal posição determinante na reafirmação da marginalização social desse
grupo(8). Neste escopo, há carência de ações de promoção da saúde voltadas para esse grupo
populacional vulnerável, pois o cuidado em saúde centrava-se, fundamentalmente, na
prevenção de agravos.
Nesse sentido, a busca pelos serviços privados se dá pela facilidade de acesso e retorno de
exames(3). A existência de serviços de saúde na comunidade não se traduz necessariamente
na sua utilização, uma vez que as profissionais do sexo não se sentem à vontade de procurar
os profissionais de saúde que vivem na comunidade(6).
Diante desse cenário, as profissionais do sexo optam pelo serviço privado, buscando o
serviço público apenas quando há restrições financeiras. A frequência de consultas é maior
entre as que dizem que vão sempre que precisam, e menor entre as que só vão, em casos de
emergência(6). Os serviços de emergência são utilizados devido à dificuldade em conseguir
atendimento. No entanto, essa procura gera descontinuidade na assistência(5).
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considerar a premissa de que não é possível discutir saúde sem levar em conta os direitos
humanos, as relações de gênero, a divisão sexual do trabalho e o modo como a sociedade
percebe a ocupação exercida por essas mulheres(2).
Para aprimorar o acesso aos serviços, as melhorias devem se concentrar no respeito pelas
usuárias, na confidencialidade e em ajustes de políticas e abordagens que possam dificultar o
acesso aos serviços, incluindo formas que atendam às necessidades de mobilidade dessas
mulheres(6). Também é necessário incluir ações programáticas que fomentem o
conhecimento acerca do cuidado e do funcionamento dos serviços de saúde, bem como
apresentar a essas mulheres seus direitos e deveres(17).
Conclusão
Quanto ao acesso aos serviços de saúde, percebe-se que é dificultado pelas barreiras
institucionais e sociais. Diante disso, torna-se necessário criar estratégias voltadas para essa
população, como dias e horários flexíveis e de acordo com sua disponibilidade. Além disso,
programas de promoção da saúde para as mulheres são necessários, para que seja possível a
realização de um cuidado digno e equânime.
Agradecimentos
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Autor notes
Colaborações
Autor correspondente: Nayara Santana Brito. Rua Santo Antônio, 58, São Bento, CEP:
63123-110. Crato, CE, Brasil. E-mail: [email protected]
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