Cotidiano de Trabalho e Acesso Aos Serviços de Saúde de Mulheres Profissionais Do Sexo

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17/09/2022 16:08 Cotidiano de trabalho e acesso aos serviços de saúde de mulheres profissionais do sexo

Artigo Original
Cotidiano de trabalho e acesso aos serviços
de saúde de mulheres profissionais do sexo

Daily work and access to health services of female sex


workers

Nayara Santana Brito


Universidade Regional do Cariri, Brasil

Jameson Moreira Belém


Universidade Regional do Cariri, Brasil

Tayenne Maranhão de Oliveira


Universidade Regional do Cariri, Brasil

Grayce Alencar Albuquerque


Universidade Regional do Cariri, Brasil

Glauberto da Silva Quirino


Universidade Regional do Cariri, Brasil

Cotidiano de trabalho e acesso aos serviços de saúde de mulheres profissionais do sexo


Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 20, e33841, 2019
Universidade Federal do Ceará

Recepção: 30 Setembro 2018


Aprovação: 15 Janeiro 2019
DOI: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192033841

Financiamento
Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Número do contrato: 127785/2014-0

Objetivo:
compreender o cotidiano de trabalho e o acesso aos serviços de saúde de mulheres profissionais do
sexo.

Métodos:
pesquisa qualitativa que utilizou o método etnográfico. Para a coleta de dados, foram utilizadas
observação participante com registro em diário de campo, entrevista semiestruturada e formulário
com dados sociodemográficos. Para a análise dos dados, associou-se à análise temática dos dados à
etnografia.

Resultados:
emergiram quatro categorias temáticas: inserção na prostituição; relações familiares; sofrimento e
adoecimento; e acesso aos serviços de saúde.

Conclusão:
o cotidiano das mulheres é marcado por condições precárias de trabalho e pela busca por serviços de
saúde para resolução de problemas específicos, por iniciativa da mulher. A rotina de trabalho nesse
contexto coloca as mulheres em situações de fragilidade clínica e social, expondo-as a
vulnerabilidades em saúde.

Palavras chave: Profissionais do Sexo+ Acesso aos Serviços de Saúde+ Saúde da Mulher+
Promoção da Saúde+ Vulnerabilidade em Saúde.

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Objective:
to understand the daily work and access to health services of female sex workers.

Methods:
qualitative research using the ethnographic method. Participant observation with record in a field
journal, semi-structured interviews, and a form with sociodemographic data were used for the data
collection. For data analysis, thematic analysis was associated to ethnography.

Results:
four thematic categories emerged: insertion in prostitution; family relationships; suffering and illness;
and access to health services.

Conclusion:
the daily life of the women is marked by precarious working conditions and the search for health
services to solve specific problems at their own initiative. The work routine in this context places
women in situations of clinical and social fragility, exposing them to vulnerabilities in health.

Keywords:
Sex Workers, Health Services Accessibility, Women’s Health, Health Promotion, Health
Vulnerability.

Introdução

A prostituição feminina é considerada a atividade comercial mais antiga da humanidade e


constitui-se em relação sexual remunerada onde o vínculo mais importante não é o afeto ou
o desejo recíproco, mas a mediação de prazeres sexuais por bens materiais, na qual a mulher
vende uma experiência sexual(1).

No Brasil, atualmente, a categoria “profissional do sexo” é reconhecida como trabalho


informal pelo Ministério do Trabalho e Emprego. No entanto, do ponto de vista da moral
brasileira, essas mulheres continuam marginalizadas socialmente e vítimas de preconceitos e
discriminação pelo julgamento social(2-3).

Os desafios enfrentados pelas profissionais do sexo acarretam demandas específicas de


saúde, muitas vezes relacionadas à saúde sexual e reprodutiva, como gravidezes indesejadas,
abortos, problemas de saúde materna e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Além
dos riscos para a saúde física, essas mulheres estão em situação de vulnerabilidade
relacionada à saúde mental e ao aumento do risco para as violências física e sexual(4-5). Tais
demandas não devem ser tratadas apenas por ações pontuais, mas devem envolver os
determinantes sociais da saúde, a qualidade de vida e a necessidade de ampliar o acesso aos
serviços de saúde(3).

O acesso aos serviços de saúde é um conceito multidimensional que resulta da interação


de diversos fatores individuais e coletivos, que inclui a ausência de barreiras socioculturais,
organizacionais, econômicas, geográficas e relacionadas aos gêneros no que tange aos
cuidados da saúde, assim como a capacidade dos sistemas de saúde em atender as
necessidades das populações em qualquer nível de cuidado, fornecendo infraestrutura
adequada, capacidade de recursos humanos e tecnologias da saúde sem causar danos
financeiros(6-7).

Em revisão integrativa da literatura sobre a assistência à saúde das profissionais do sexo,


verificou-se que poucos estudos abordavam questões relativas a essa temática no Brasil; e
quando abordadas, estavam mais relacionadas às IST e suas formas de transmissão do que à
promoção da saúde dessas mulheres(8). Nesse sentido, uma revisão sistemática apontou que,
entre as dificuldades enfrentadas ao buscar os serviços de saúde, estavam o medo do
julgamento pelos profissionais de saúde e dos outros usuários; e que, apesar do aumento da
disponibilidade de serviços, as profissionais do sexo continuavam enfrentando barreiras
individuais, sociais, estruturais e políticas ao acessar os serviços(5).

Para que o cuidado em saúde aconteça de forma adequada, reforça-se a necessidade de


capacitar os profissionais de saúde para que possam estabelecer relações de vínculo com
essas usuárias, exigindo uma abordagem educativa da situação vivenciada, com participação
efetiva dos envolvidos, em que seja possível proporcionar equidade, empoderamento para a
saúde e comportamentos saudáveis(9). Para atingir tais prerrogativas, aponta-se a
necessidade de ampliar o acesso aos serviços de saúde, com atendimento de qualidade,
acolhimento adequado e resolutividade(3).

Diante disso, conhecer o cotidiano de trabalho dessas usuárias e seu acesso aos serviços de
saúde constitui-se em elemento primordial para promover ações de saúde que estejam
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adequadas às suas reais necessidades.

Assim sendo, fazem-se os seguintes questionamentos: qual o cotidiano de trabalho de


mulheres profissionais do sexo? De que forma essas mulheres acessam os serviços de saúde?
Para respondê-los, objetivou-se compreender o cotidiano de trabalho e o acesso aos serviços
de saúde de mulheres profissionais do sexo.

Métodos

Pesquisa qualitativa que utilizou o método etnográfico para interpretar os significados


atribuídos às experiências vivenciadas pelas profissionais do sexo sob a ótica das atrizes
sociais em seu contexto cultural(10). O estudo foi realizado em uma cidade do interior do
estado do Ceará, Brasil.

A imersão no campo ocorreu por meio de visitas aos locais de prostituição da cidade no
período de janeiro a junho de 2015. Após o mapeamento do espaço, foram escolhidas como
lócus as imediações do Mercado Central, onde se observava a presença de sobrados antigos
nos quais funcionava o comércio de bebidas alcoólicas e onde as profissionais do sexo
ofereciam seus serviços. Inicialmente, foram realizadas visitas introdutórias com o intuito de
estabelecer o contato inicial com os responsáveis pelos estabelecimentos, que foram
informados sobre os objetivos da pesquisa.

Destaca-se que os locais abordados não eram considerados bordéis ou casas de


prostituição, o que os proprietários alegavam é que havia quartos que eram alugados pelos
clientes. Esse aspecto ocorria em função da proibição pelo Código Penal Brasileiro da
manutenção de casas de prostituição e da prática de rufianismo(11). Após o contato, apenas
um estabelecimento autorizou a presença dos pesquisadores. Assim, deu-se início à coleta de
dados.

Para o recrutamento das participantes, foi utilizada a amostragem por bola de neve, uma
forma não probabilística que utiliza cadeias de referência, onde as primeiras entrevistadas
indicaram as posteriores até ser encontrado o ponto de saturação(12). A primeira entrevistada
foi indicada pela dona do bar que se configurou como informante-chave. Para participar, foi
solicitado ter idade mínima de 18 anos, trabalhar com a prostituição há no mínimo um ano e
tê-la como principal fonte de renda. As mulheres entrevistadas foram eleitas de acordo com a
disponibilidade para responder as perguntas e pela dinâmica do trabalho de campo. Durante
a coleta de dados, foram observadas 13 mulheres, sendo que oito participaram da entrevista.

Além da observação participante com registro em diário de campo, a coleta de dados foi
realizada por meio de um formulário com dados sociodemográficos e entrevista
semiestruturada. As entrevistas foram gravadas em áudio e realizadas individualmente,
durante os intervalos de trabalho, e duraram entre 45 minutos e uma hora. As questões
estavam voltadas para o cotidiano da vida, exercício da prostituição e acesso aos serviços de
saúde. As participantes foram identificadas por nomes fictícios escolhidos por elas.

Após a coleta de dados, os áudios foram transcritos. No diário de campo, foram registradas
as vivências das mulheres, o cenário, a rotina e a dinâmica social, que foram inseridos de
forma analítica às categorias temáticas e ajudaram a descrever fatos do cotidiano dessas
mulheres.

Para análise dos dados, aplicou-se a análise temática, utilizando como categorias empíricas
as expressões e trechos significativos recorrentes nas falas das entrevistadas(13). Foram
desenvolvidas quatro categorias: inserção na prostituição; relações familiares; sofrimento e
adoecimento; e acesso aos serviços de saúde.

A análise de dados etnográficos foi feita associando a análise temática com o registro das
observações(14). Essa fase foi realizada em três etapas: na pré-análise, ocorreu a leitura
exaustiva das entrevistas, utilizando o método colorimétrico para classificar as falas
convergentes. Posteriormente, essas falas foram organizadas de acordo com os temas
principais; na exploração do material, as respostas foram organizadas de acordo com os
trechos significativos e divididas em categorias; no tratamento dos resultados obtidos e
interpretação, os dados organizados foram analisados de forma indutiva e interpretativa. As
categorias temáticas foram apresentadas e os significados foram exemplificados por meios
dos trechos extraídos dos depoimentos.

O estudo respeitou as normas nacionais de pesquisas que envolvem seres humanos e foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri, sob o Parecer
nº 328.925 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 16688113.1.0000.5055.

Resultados

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Participaram do estudo oito profissionais do sexo com idade entre 24 e 41 anos e média de
31,3 anos. Em relação à escolaridade, cinco delas concluíram o ensino médio e três o ensino
fundamental. Todas se declararam solteiras e cinco tinham filhos.

As entrevistadas relataram permanecer hospedadas no estabelecimento e que os


familiares viviam em outras cidades ou em distritos afastados do centro da cidade. Nenhuma
delas possuía renda fixa proveniente do trabalho, pois essa variava a cada mês a depender
da quantidade de clientes, perfazendo, aproximadamente, um salário mínimo mensal (R$
788,00 vigentes à época). No entanto, cinco eram beneficiárias de programas sociais do
Governo Federal. No lócus da pesquisa, nas segundas e quartas-feiras, acontecia a feira
popular, que atraía pessoas de vários bairros e cidades vizinhas, entre vaqueiros, agricultores,
comerciantes e consumidores.

Havia sete bares, que funcionavam em sobrados antigos. O bar no qual a pesquisa ocorreu
abria às sete horas e fechava por volta das 19 horas e não funcionava aos domingos, possuía
um salão principal que era ocupado por algumas mesas, cadeiras e uma cortina, onde só era
possível ultrapassá-la com o consentimento do segurança. Por trás da cortina havia um
balcão onde eram vendidas bebidas alcoólicas e, à esquerda, um corredor que levava em
direção aos quartos. O recinto possuía pouca luminosidade, música alta e estava localizado
próximo ao canal que recebia o esgoto da cidade.

O salão principal do bar possuía apenas o portão de entrada. A ausência de janelas


dificultava a circulação do ar. Com isso, o odor de cigarro e álcool estava presente. Uma das
participantes do estudo relatou que não estava satisfeita com as condições de higiene: Não
gosto de trabalhar aqui, os quartos são sujos, os homens são sujos. Quando eu vou trabalhar
em outras cidades, nós temos lençóis para trocar sempre que o cliente sai, temos camisinha à
vontade, aqui não é assim (Cidinha).

I nserção na prostituição

Esta primeira categoria refere-se ao processo de inserção das mulheres na prostituição e


suas condições materiais de renda e trabalho.

O tempo de exercício da prostituição variou de seis a 16 anos, com o início na atividade


entre os 16 e os 18 anos de idade. Os motivos que levaram as mulheres a exercê-la estavam
ligados a fatores econômicos, mediação de pessoas próximas e violência. As condições
materiais de subsistência foram determinantes para a situação de prostituição: Uma mulher
da cidade vizinha disse à minha mãe que tinha um emprego para mim, que eu podia
trabalhar na casa dela como doméstica. Eu vim e pensava que era para limpar, cozinhar,
depois fui percebendo o que era lá, e ela começou a me colocar para fazer programa, tinha
que fazer para comer, eu chorava muito (Juliana). Depois que fui presa, não consegui
emprego, então o jeito que encontrei para ter dinheiro foi esse (Kelma).

As mulheres falaram sobre a dificuldade de mudar de emprego e ter outra fonte de renda
em um contexto de estigma social: As pessoas que sabem sempre falam, mas eu não tenho o
que fazer (Gabriela). Lá na cidade em que nasci, eu já trabalhei numa creche, gosto muito de
criança, e queria voltar a trabalhar com crianças, mas não tenho mais oportunidade. Depois
que as pessoas sabem que a gente se prostitui, fica muito difícil arrumar emprego (Juliana).

R elações familiares

Nesta categoria, aborda-se a relação das profissionais do sexo com a família. Os pais das
mulheres tinham conhecimento da atividade de prostituição. No entanto, os filhos
desconheciam o fato: Meu irmão sabe, meus pais sabem (Leonora). “Deus me livre” minha
filha saber o que eu faço, mas a minha mãe sabe (Cidinha).

S ofrimento e adoecimento

Nesta categoria, apreenderam-se as principais causas de sofrimento e adoecimento. Sobre


os sentimentos em relação à prostituição, esses variaram do desconforto à indiferença: Não
me sinto bem, mas não tenho opção (Juliana). Não sinto nada não, já estou há muito tempo
(Kelma).

Entre as cinco entrevistadas que tinham filhos, todas afirmaram que o maior sofrimento
era saber que eles cresceriam sabendo do seu ofício. Além disso, o fato de terem que se
ausentar por longos períodos. As mulheres que ainda moravam com os pais relataram que o
sofrimento deles em saber que as filhas se prostituíam era o que mais lhe causavam aflição.
Todas já sofreram preconceito, seja por parte da família ou da sociedade: É ruim ver os filhos
da gente crescendo vendo tudo isso (Emanuela). “Deus me livre” minha filha saber o que eu
faço, ela já tem 11 anos, é uma mocinha, tenho medo dela se revoltar (Cidinha).

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As entrevistadas afirmaram que não apresentavam problemas de saúde, não tinham
histórico de IST, e se cuidavam, fazendo uso do preservativo, indo ao médico regularmente e
usando anticoncepcional. Entretanto, reconheceram que o exercício da prostituição
aumentava a vulnerabilidade em saúde e violência: Nunca tive nada não, só tive essas coisas
de violência, de briga. ...eu acho que tem que fazer exame mesmo, tem que se cuidar, eu me
cuido, já fiz até aquele exame que faz no hospital, tem que fazer, a gente fica aqui e não sabe
o que tem (Leonora). Eu me cuido para não ter doenças, uso preservativo e vou ao médico,
tomo anticoncepcional para não engravidar (Gabriela). Eu me cuido, porque não quero mais
ter filhos, já tenho quase 40 anos (Neidinha).

De acordo com as entrevistadas, na cidade existia um programa de atenção às profissionais


do sexo, com entrega de preservativos e anticoncepcionais, porém não conseguia garantir
que todas as mulheres utilizassem esse serviço em decorrência do movimento migratório
entre as cidades, que impossibilitava que houvesse uma continuidade da assistência: Lá na
outra cidade que eu trabalho, as coisas já são bem organizadas, a equipe faz reunião com as
meninas do bar onde eu trabalho, nós temos um cartão, por onde a equipe faz o controle dos
exames, anticoncepcionais e dos preservativos. O que eu tomo foi escolhido depois de uma
consulta com a enfermeira, e no cartão diz o dia que eu devo tomar (Cidinha).

A cesso aos serviços de saúde

Nesta categoria, apresentam-se as informações sobre o acesso das entrevistadas aos


serviços de saúde e de que forma eram atendidas.

As profissionais do sexo apresentaram resistência quanto à procura pelos serviços de


saúde de forma preventiva. Apenas uma delas afirmou ir frequentemente à unidade básica
de saúde para realização de consultas e para receber anticoncepcionais e preservativos: Vou
ao posto buscar anticoncepcional e camisinha; e se não tiver, eu compro. Mas se eu
engravidar, não vou abortar (Cidinha). Só procuro atendimento quando sinto alguma coisa
(Kelma).

Por outro lado, as que buscavam os serviços públicos encontravam dificuldades no que se
refere ao acesso às consultas e exames, optando em algumas situações por serviços
privados.

A maioria das mulheres afirmou que realizava o exame de prevenção ginecológica


regularmente e que havia feito há menos de um ano. Nenhuma delas relatou situação de
maus tratos por parte dos profissionais que as atenderam: Vou mais para pegar
anticoncepcional e preservativos (Gabriela). Nunca fui maltratada, o ruim é a demora, o
atendimento demora demais. A gente tem que esperar muito pelo atendimento (Emanuela).
Sou bem atendida, não tenho do que reclamar. Aqui, os meninos do posto vêm, eles
entregam camisinha, entregam anticoncepcional, é muito bom. Eles marcam os exames para
a gente ir fazer; e quando a gente vai, é bem atendida (Cicinha). Quando eu sinto uma dor,
uma coisa, eu faço logo é pagar. Pagando, eles atendem (Leonora).

Discussão

O estudo apresentou como limitação a realização da coleta em apenas um


estabelecimento, o que ocorreu em decorrência da negativa dos outros locais abordados.

O início precoce da atividade sexual, gravidez e uso frequente de bebidas alcoólicas são
elementos comumente observados entre as profissionais do sexo(15). O perfil etário
influencia diretamente no exercício da prostituição, resultando em maior quantidade de
clientes em função da juventude. O ingresso na prostituição tem as condições
socioeconômicas como uma das causas, que também são responsáveis pela prática
duradoura de tal ofício. Entretanto, nem sempre as condições de saúde e de vida, bem como
financeira, melhoram, e a mulher permanece na prostituição(1).

A falta de oportunidades de emprego, a migração para os grandes centros urbanos, mães


solteiras que precisam sustentar seus filhos, carências afetivas e traumas na infância e
adolescência estão entre os principais fatores socioeconômicos e psicológicos determinantes
para a inserção na prostituição. Apesar disso, configura-se como um trabalho que existe,
sustenta muitas mulheres e suas famílias, mas, por ser considerado sujo e profano, é
marcado por preconceitos(16).

Notou-se que as profissionais do sexo viviam sob condições insalubres, o que as expunham
ao risco e ao aumento das vulnerabilidades. Elas não desenvolveram mecanismos para
romper com o ciclo de exploração do corpo feminino, o que produz uma expropriação do seu
trabalho.

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Apesar do preconceito existente, a maior preocupação é com a aceitação da família(17). Em


outro estudo, as profissionais do sexo entrevistadas relataram que existe rejeição dos
vizinhos, familiares e amigos devido ao trabalho exercido por elas(1). Todavia, para além da
moralidade da prostituição, o maior problema é o estigma ligado à sua ocupação e à
marginalização, que acaba por criar obstáculos para o acesso à saúde e a outras demandas
sociais, em especial o seu efeito negativo sobre as condições de trabalho, vida pessoal e
saúde sexual(18). Por outro lado, a família representa a força maior para continuarem,
principalmente para dar aos filhos o que necessitam e oferecer uma melhor condição
financeira(3). As profissionais do sexo entendiam que sua atividade laboral era marcada por
limites sociais, e isso fazia com que elas se preocupassem com que os filhos não viessem a
sofrer ao ter ciência do exercício da prostituição.

A prostituição apresenta vulnerabilidades decorrentes da própria natureza da atividade e


das condições em que é exercida. As mulheres estão expostas constantemente a IST,
submissão e uso abusivo de álcool e de drogas ilícitas(4). Mesmo diante da exposição aos
fatores de risco, elas acabam por buscar atendimento apenas quando outras medidas como
a automedicação não suprem suas necessidades(3).

Ressalta-se a dificuldade dessas profissionais em se perceberem como mulheres que


necessitam de atenção integral, e não somente concentrada nas questões reprodutivas e
sexuais(16). Nessa população, as práticas em saúde então centradas na realização de
consultas médicas (tão logo apresentem sinais ou sintomas de patologias), exames de rotina,
uso do preservativo e medidas de prevenção de IST(3,17).

Logo, o cuidado com a saúde se faz indispensável. Uma pesquisa sobre o autocuidado
realizada com profissionais do sexo mostrou que, além do fato de somente buscar
atendimento em casos de emergência, elas não citaram lazer, esporte, cultura, ambiente e
segurança como meios de cuidar da saúde(16). Assim, as mulheres profissionais do sexo
ainda são incluídas em ações de saúde limitadas às medidas de prevenção das IST e
contracepção, sendo tal posição determinante na reafirmação da marginalização social desse
grupo(8). Neste escopo, há carência de ações de promoção da saúde voltadas para esse grupo
populacional vulnerável, pois o cuidado em saúde centrava-se, fundamentalmente, na
prevenção de agravos.

O exercício da prostituição em si não pode ser tomado como causa de maior


vulnerabilidade à aquisição de doenças, sexuais ou não. É necessário aprimorar e ampliar
serviços que se aproximem do cotidiano das profissionais do sexo e das estratégias que elas
já utilizam para lidar com sua saúde(11). Ao necessitar de cuidados de saúde e buscar
atendimento, as mulheres preferem pagar para garantir que receberão um atendimento em
tempo hábil, em decorrência da demora em conseguir consultas na rede pública.

Nesse sentido, a busca pelos serviços privados se dá pela facilidade de acesso e retorno de
exames(3). A existência de serviços de saúde na comunidade não se traduz necessariamente
na sua utilização, uma vez que as profissionais do sexo não se sentem à vontade de procurar
os profissionais de saúde que vivem na comunidade(6).

Diante desse cenário, as profissionais do sexo optam pelo serviço privado, buscando o
serviço público apenas quando há restrições financeiras. A frequência de consultas é maior
entre as que dizem que vão sempre que precisam, e menor entre as que só vão, em casos de
emergência(6). Os serviços de emergência são utilizados devido à dificuldade em conseguir
atendimento. No entanto, essa procura gera descontinuidade na assistência(5).

O acesso aos serviços de saúde é influenciado pela prevalência de barreiras institucionais,


que incluem os longos tempos de espera e horários de funcionamento limitados(19). Diante
da dinâmica do seu trabalho, é inconveniente aguardar atendimento durante um dia inteiro
e, muitas vezes, voltar para casa sem receber o serviço almejado(6).

Outra barreira institucional tem relação com a migração e a mobilidade inerentes ao


trabalho sexual, o que limita o acesso aos serviços de saúde comunitários, visto que tais
serviços necessitam da comprovação do local de residência(4). Essas barreiras geram
descontinuidade da assistência nos pontos da rede de cuidados e podem, potencialmente,
aumentar as iniquidades de um sistema de saúde que deve ser universal, equânime e
integral.

A construção de uma sociedade mais justa e de uma saúde de qualidade requer a


desconstrução de estereótipos e a consolidação de canais efetivos, onde seja possível a
identificação das demandas e necessidades das profissionais do sexo, e mais importante,

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considerar a premissa de que não é possível discutir saúde sem levar em conta os direitos
humanos, as relações de gênero, a divisão sexual do trabalho e o modo como a sociedade
percebe a ocupação exercida por essas mulheres(2).

Para aprimorar o acesso aos serviços, as melhorias devem se concentrar no respeito pelas
usuárias, na confidencialidade e em ajustes de políticas e abordagens que possam dificultar o
acesso aos serviços, incluindo formas que atendam às necessidades de mobilidade dessas
mulheres(6). Também é necessário incluir ações programáticas que fomentem o
conhecimento acerca do cuidado e do funcionamento dos serviços de saúde, bem como
apresentar a essas mulheres seus direitos e deveres(17).

Nesse sentido, os enfermeiros se destacam por serem os protagonistas das ações de


prevenção de agravos e promoção da saúde realizadas na atenção básica, ações que devem
transpor os tabus, preconceitos e valores culturais(8). Assim, nenhuma ação de promoção da
saúde avançará sem a participação do componente educativo, o qual deve possibilitar às
pessoas a oportunidade de se tornarem sujeitos multiplicadores desse processo(1,17).

Diante do exposto, é necessário reforçar a capacitação dos enfermeiros desde a sua


formação acadêmica, de modo a serem capazes de prestar um cuidado que atenda às
demandas dessas mulheres, com o desenvolvimento de práticas de orientação e
aconselhamento sobre as IST, para prevenção desses agravos, através de busca ativa para o
acompanhamento em consultas ginecológicas, e de ações de promoção da saúde. É
importante destacar que essas ações devem ser realizadas intersetorialmente, inclusive com
participação de associações de profissionais do sexo(1).

Conclusão

O cotidiano de trabalho das mulheres em situação de prostituição é marcado pela atuação


em diferentes locais, o que resulta na mudança constante entre as cidades, na ausência dos
direitos trabalhistas, em precárias condições de higiene e na indisponibilidade dos insumos
inerentes ao trabalho. Assim, entende-se que a rotina de trabalho nesse contexto coloca as
mulheres em situações de fragilidade clínica e social, expondo-as a vulnerabilidades em
saúde.

Quanto ao acesso aos serviços de saúde, percebe-se que é dificultado pelas barreiras
institucionais e sociais. Diante disso, torna-se necessário criar estratégias voltadas para essa
população, como dias e horários flexíveis e de acordo com sua disponibilidade. Além disso,
programas de promoção da saúde para as mulheres são necessários, para que seja possível a
realização de um cuidado digno e equânime.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela concessão de bolsa


de Iniciação Científica, Processo nº 127785/2014-0.

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Autor notes

Colaborações

Brito NS e Quirino GS contribuíram na concepção e projeto, análise e interpretação dos


dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Belém JM, Oliveira
TM e Albuquerque GA contribuíram na redação do artigo, revisão crítica relevante do
conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

Autor correspondente: Nayara Santana Brito. Rua Santo Antônio, 58, São Bento, CEP:
63123-110. Crato, CE, Brasil. E-mail: [email protected]

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