Em Busca Do Lirismo Perdido

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Em busca do lirismo perdido

Conheço a mosca em leite branco,


Conheço o homem pela veste,
Conheço o tempo mau e o brando,
Conheço o ramo e o cipreste,
Conheço a fruta onde se colga,
Conheço quando tudo é o mesmo,
Conheço quem trabalha ou folga,
Conheço bem, fora a mim mesmo.

Conheço o gibão no colete,


Conheço no hábito o monge,
Conheço o patrão no valete,
Conheço pelos véus a monja,
Conheço o engano e a lisonja,
Conheço o louco solto a esmo,
Conheço o vinho bom de longe,
Conheço bem, fora a mim mesmo.

Conheço o jegue e o ginete,


Conheço a carga que os assoma,
Conheço Bia e Elizabete,
Conheço a ficha que faz soma,
Conheço a visão e o sonho,
Conheço os hereges Boêmios,
Conheço os poderes de Roma,
Conheço bem, fora a mim mesmo.

Príncipe, bem conheço, em suma:


Conheço os bons e os enfermos,
Conheço a morte e o que se esfuma,
Conheço bem, fora a mim mesmo.

Balada das coisas sem importância, François Villon


trad. Sebastião Uchoa Leite

Evocando os poetas franceses, Arthur Rimbaud e Francis Ponge, principalmente, Michel


Collot propõe uma (re)visão da situação do sujeito lírico na poesia moderna. Sua tese parte de
um afastamento do conceito hegeliano do lirismo, onde o poeta lírico se constituiria de
“subjetividade fechada”. Contudo, faz ressalvas, Hegel considera necessário o trânsito entre o
“interior” e o “exterior” operado pelo poeta lírico. E é a partir e com este trânsito que Collot
elabora uma reflexão sobre o lugar do lirismo no mundo moderno. Os exemplos ilustram e
elucidam a sua proposta. O “eu é um outro” de Rimbaud sintetiza a ideia de alteridade
discutida como a máxima que o poeta lírico almeja. E o deslocamento desse lirismo para as
coisas, para a carne, no mundo moderno, Collot ilustra excepcionalmente com as reflexões da
poesia de Francis Ponge. Seu texto é uma abertura aos confins da modernidade onde o sujeito
lírico se esconde. A busca pelo lirismo perdido em tempos de Narcisos obsessivos.

Fernando Santos

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