Hollywood: da Era de Ouro aos
Blockbusters
Publicado em: 04/02/2019
“Sabe quando Hollywood produz um grande blockbuster que realmente envolve você em
um mundo e faz acreditar em coisas extraordinárias que te tocam de uma forma quase
lírica? É quando eu mais me divirto no cinema.” Christopher Nolan
O que é?
Embora os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière sejam considerados os “pais”
do cinema moderno, por terem inventado o cinematógrafo nos anos 1890, foi o
cinema norte-americano (ou hollywoodiano) que transformou a arte em indústria,
tendo se tornado a força dominante nesse sentido, desde o início do século 20. A
média de longas-metragens produzidos anualmente nos Estados Unidos é de 800
filmes, um número significativo – como comparação, o Brasil produziu em 2017 um
recorde de 143 longas.
O quartel general da indústria cinematográfica americana, desde o início do século
passado, tem sido a região de Hollywood, na cidade de Los Angeles, estado da
Califórnia. Seus grandes estúdios são responsáveis por alguns dos maiores sucessos
comerciais do cinema mundial, entre eles:
O Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation (1915),
E o Vento Levou / Gone with the Wind (1939),
A Noviça Rebelde / The Sound of Music (1965),
A trilogia O Poderoso Chefão / The Godfather (1972),
Tubarão /Jaws (1975),
A saga Star Wars (1977),
E.T. O Extra-Terrestre / E.T. the Extra-Terrestrial (1982),
Jurassic Park (1993),
Titanic (1997),
e Avatar (2009).
O cinema hollywoodiano teve e ainda tem enorme influência na indústria
cinematográfica do mundo inteiro – especialmente no Brasil, onde os filmes de
Hollywood lotam as salas de exibição. Enquanto muitas produções nacionais estreiam
com uma ou duas cópias, alguns blockbusters chegam a ter mais de cem, além de
todo o investimento em publicidade com o qual esses longas podem contar.
O estilo mais conhecido do cinema americano é o clássico, que se desenvolveu de
1917 a 1960 e ajudou a estabelecer a linguagem cinematográfica usada pela maioria
dos filmes que ainda são produzidos atualmente. Hollywood também é considerada o
berço de diversos gêneros cinematográficos, como os filmes de ação, os musicais,
comédias, dramas, filmes de terror, ficção científica e épicos de guerra. Além disso, a
indústria é pioneira em inovações tecnológicas relacionadas à produção e pós-
produção, apostando alto em efeitos especiais e todo tipo de atrativo visual para
encantar o público.
Um pouco de história
As origens do cinema norte-americano estão ligadas ao próprio
nascimento da sétima arte. Antes dos irmãos Lumière, em 1872,
Eadweard Muybridge fez um experimento fotográfico em Palo Alto, na
Califórnia, para capturar uma série de imagens reproduzindo a cena de
um cavalo correndo. A partir disso, diversos inventores tentaram criar
dispositivos para gravar imagens em movimento. Nos Estados Unidos, um
dos primeiros a ser bem-sucedido nessa empreitada foi Thomas Edison,
que se baseou nas descobertas da época para desenvolver o chamado
cinescópio ou cinetoscópio (kinetoscope), uma caixa com imagens
filmadas em seu interior, em 1891.
A história da indústria cinematográfica dos Estados Unidos se iniciou na
costa leste do país. Entre os anos 1910 e 1920, a cidade de Fort Lee, em
Nova Jersey, era a mais importante em termos de produção. Foi Edison
quem deu o pontapé inicial para a comercialização do cinema, com a
empresa cinematográfica Black Maria. As cidades que se situavam às
margens do Rio Hudson tinham muitas terras disponíveis e o custo de
produção era mais barato do que em Nova York, o que resultou em um
período de crescimento para aquela região.
O estado da Flórida também foi cotado para sediar estúdios, mas as
condições climáticas (principalmente furacões) desmotivaram os
investidores. Outros grandes centros de produção cinematográfica, na
época, incluíam a cidade de Chicago e o estado do Texas – além, é claro,
da Califórnia, onde a indústria já começava a se firmar.
A região de Hollywood, na Califórnia, foi incorporada como municipalidade
em 1903. Em 1910, o conselho municipal votou por unir o distrito a Los
Angeles (do espanhol los ángeles, literalmente “os anjos”, hoje a segunda
cidade mais populosa dos Estados Unidos). Essa união teve o propósito
de garantir que Hollywood tivesse um abastecimento de água adequado e
pudesse ter acesso ao sistema de esgoto de Los Angeles.
O primeiro estúdio de cinema de Hollywood foi a Nestor Motion Picture
Company, inaugurada em 1911. Naquela época, a maior parte das
patentes dos equipamentos e processos cinematográficos pertencia à
Motion Picture Patents Company, de Nova Jersey, empresa comandada
por Thomas Edison. Para não serem processados ou terem suas câmeras
apreendidas por Edison, muitos cineastas acabaram se deslocando para a
costa oeste do país, onde poderiam burlar mais facilmente as leis
referentes à patente. Além disso, o clima ameno e ensolarado da região
era ideal para filmagens externas durante o ano inteiro. As paisagens
planas e montanhosas, com uma grande variedade de cenários, também
contribuíram para impulsionar a produção cinematográfica local.
O primeiro cineasta a fazer um filme em Hollywood foi D. W. Griffith, com
o curta-metragem In Old California (1910). Curiosamente, nesse período,
Hollywood (que ainda era um distrito à parte de Los Angeles) havia banido
salas de exibição de filmes. No entanto, em 1912, diversas grandes
empresas produtoras já haviam se estabelecido na região, incluindo a
Paramount, Warner Bros., RKO e Columbia.
Na década de 1920, Hollywood era a quinta maior indústria
cinematográfica dos Estados Unidos. Em 1923, um enorme letreiro com a
palavra HOLLYWOODLAND foi instalado no alto de Hollywood Hills, para
anunciar um projeto imobiliário. O marco foi restaurado em 1949, porém
removidas as letras “LAND”, para que o letreiro passasse a se referir
somente ao distrito, não ao empreendimento. Já em 1929, foi realizada
em Hollywood a primeira cerimônia de entrega do Oscar, até o presente
a principal e mais respeitada premiação da Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas dos Estados Unidos.
Nos anos 1930, os estúdios hollywoodianos passaram a integrar os
processos de produção, distribuição e exibição, permitindo que fossem
lançados um expressivo número de 600 filmes por ano, o que finalmente
transformou Los Angeles na capital do cinema norte-americano. Desde
então, Hollywood tem sido conhecida como a “fábrica de sonhos”
ou Tinseltown (“cidade de latão”, em referência a algo que tem brilho
falso, imitando ouro).
Em meados dos anos 1950, foi construída a Hollywood Freeway, ainda
hoje uma das mais importantes e movimentadas avenidas de Los
Angeles. A popular Calçada da Fama de Hollywood foi inaugurada em
1960, para homenagear os artistas e colaboradores da indústria do
entretenimento. Com o passar das décadas, Los Angeles cresceu ainda
mais, recebendo profissionais do audiovisual em busca de sucesso e
estrelato, muitos dos quais podiam se dar por satisfeitos quando
conseguiam pagar o aluguel.
“Na Europa, um ator é um artista. Em Hollywood, se ele não está trabalhando, é
um mendigo”, afirmou o ator Anthony Quinn.
Hollywood passou por um período menos glamoroso após os anos 1960,
com o final de sua Era de Ouro. Durante as décadas de 1980 e 1990,
passou pela explosão dos blockbusters. Desde 2000, o distrito tem
passado por uma revitalização promovida por empresas privadas e o
poder público. Em 2001, foi inaugurado o Dolby Theatre, local onde
atualmente é realizada a cerimônia de entrega dos Oscars. Em 2002,
alguns moradores iniciaram uma campanha para separar Hollywood de
Los Angeles novamente, porém a sugestão foi desaprovada pela maioria
dos votos da população.
Principais cineastas e filmes
Uma das primeiras produções norte-americanas a obter destaque foi O
Grande Roubo do Trem / The Great Train Robbery (1903), também
considerado o primeiro western já produzido. Entre os cineastas mais
importantes, certamente um dos maiores pioneiros foi D. W. Griffith, que
revolucionou o cinema nos Estados Unidos com o desenvolvimento de
uma nova sintaxe cinematográfica. Seu controverso épico O Nascimento
de uma Nação (1915), que usava técnicas de montagem extremamente
inovadoras para a época, foi produzido com apenas 61 mil dólares e é
considerado o filme mais lucrativo de todos os tempos, tendo obtido mais
de 10 milhões de dólares.
Em 1910, Griffith e sua trupe de atores (que incluía Blanche Sweet, Lillian
Gish, Mary Pickford e Lionel Barrymore) passaram a utilizar um terreno
baldio em Los Angeles para suas produções. Aventurando-se em busca
de novas locações, a equipe acabou encontrando Hollywood, na época
um pequeno vilarejo muito hospitaleiro a filmagens. Foi ali que o diretor
filmou seu curta-metragem In Old California, antes de retornar a Nova
York.
Ainda no início do século 20, quando o cinema era uma novidade, muitos
imigrantes judeus acabaram buscando empregos nessa indústria, vendo
nela uma possibilidade lucrativa de negócio. Homens que, posteriormente,
tornaram-se verdadeiros magnatas, como Samuel Goldwyn, William Fox,
Carl Laemmle, Adolph Zukor, Louis B. Mayer e os irmãos Warner (Harry,
Albert, Samuel e Jack), precursores da criação daqueles que seriam os
maiores estúdios norte-americanos. Uma mulher também se destacou nos
primórdios da indústria: a diretora, produtora e empresária Alice Guy-
Blaché.
Charles Spencer Chaplin, ou Charlie Chaplin, foi um dos expoentes do
cinema silencioso norte-americano. Embora suas origens fossem
britânicas, o cineasta e comediante filmou grande parte de sua produção
na Califórnia (onde possuía um estúdio), incluindo clássicos como O
Garoto / The Kid (1921), Em Busca do Ouro / The Gold
Rush (1925), Luzes da Cidade / City Lights (1931) e Os Tempos
Modernos / Modern Times (1936). Seu personagem mais icônico, o
Vagabundo (The Tramp), marcou a história do cinema, em uma carreira
que se estendeu por mais de 75 anos.
O Cantor de Jazz / The Jazz Singer (1927), de Alan Crosland, foi o
primeiro filme a usar vozes sincronizadas e também o primeiro do gênero
musical, dando início à era dos talkies (filmes falados) nos Estados
Unidos. A partir de então, diversas empresas de Hollywood passaram a
utilizar a tecnologia Vitaphone em suas produções, fazendo com que
diversos atores populares do cinema mudo perdessem seus empregos –
já que, muitas vezes, eles não tinham boas vozes ou não eram capazes
de memorizar suas falas.
Os primeiros filmes norte-americanos falados acabaram enfrentando certa
rejeição no mercado internacional, até mesmo em países cuja língua era o
inglês. Também não era possível dublar os filmes em outros idiomas
porque a tecnologia de sincronização ainda era muito primitiva. Uma das
soluções foi regravar as mesmas histórias em versões paralelas, com
atores estrangeiros e orçamentos mais reduzidos, para lançar em outros
países; contudo, por sua má qualidade, essas produções não fizeram
muito sucesso.
A Era Clássica (1917 a 1960), Studio System e Star System
A chamada Era Clássica ou Era de Ouro do cinema norte-americano abrangeu o
período de 1917 a 1960. O Cantor de Jazz marcou seu início, com o aumento dos
lucros provocado pela chegada dos longas-metragens sonoros. Nesse período, a
maioria dos estúdios aderiu a fórmulas de sucesso: westerns, comédias pastelão,
musicais, desenhos animados e filmes biográficos. Além disso, era comum que as
equipes criativas por trás dos filmes trabalhassem frequentemente para os mesmos
estúdios – por exemplo, o compositor Alfred Newman foi contratado pela 20th
Century Fox durante vinte anos e o diretor Cecil B. De Mille produziu quase todos os
seus filmes pela Paramount. O mesmo acontecia com os atores: a MGM se
vangloriava por ter em sua folha de pagamento “mais estrelas do que havia no céu”.
O chamado studio system (“sistema de estúdios”) foi a base da indústria
cinematográfica durante quatro décadas. Os principais estúdios contavam com
milhares de profissionais fixos – atores, diretores, produtores, roteiristas, técnicos e
até mesmo dublês. As mesmas empresas também eram proprietárias de inúmeras
salas de cinema, que exibiam seus próprios filmes e tinham uma demanda constante
por novidades. Na época, os maiores estúdios, conhecidos como The Big Five, eram a
20th Century Fox, RKO Pictures, Paramount Pictures, Warner Bros. e Metro-
Goldwyn-Mayer (ou MGM). The Little Three, ou “os três menores”, eram a
Universal Studios, United Artists e Columbia Pictures.
Ao longo dos anos 1930, a MGM dominou as telas de cinema, além de ser a
contratante das maiores estrelas de Hollywood. O estúdio foi um dos principais
responsáveis pela criação do chamado star system (“sistema de estrelas”). O método
de produção da época foi marcado pela promoção quase forçada de atores
hollywoodianos ao estrelato. Os estúdios selecionavam jovens com potencial para se
tornarem estrelas e os “moldavam” para personificar o glamour de Hollywood,
criando novas personalidades para eles, às vezes até inventando nomes e histórias de
vida. Exemplos de atores que passaram por isso incluem Cary Grant (cujo verdadeiro
nome era Archie Leach), Joan Crawford (Lucille Fay LeSueur) e Rock Hudson (Roy
Harold Scherer, Jr.), além de Clark Gable, Lionel Barrymore, Jean Harlow, Norma
Shearer, Greta Garbo, Jeanette MacDonald e seu marido Gene Raymond, Spencer
Tracy, Judy Garland e Gene Kelly.
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O foco desse sistema estava na imagem dos atores, não na atuação – as mulheres
deviam se portar como damas, nunca saindo de casa sem maquiagem ou malvestidas,
e os homens precisavam ser vistos como cavalheiros. Uma das grandes estrelas dos
anos 1940, Marilyn Monroe, chegou a observar que Hollywood era “um lugar onde
se pagava mil dólares por um beijo e cinquenta centavos pela sua alma”.
Outra inovação do cinema norte-americano dessa época foi a empresa de Walt
Disney, pioneira na área de animações, com grandes sucessos que deram origem a um
verdadeiro império abrangendo vários países. Em 1937, Disney criou o mais bem-
sucedido desenho animado de todos os tempos, Branca de Neve e os Sete Anões /
Snow White and the Seven Dwarfs, longa com tecnologias de animação
impressionantes, que deu a largada para uma série de filmes de fantasia
protagonizados por princesas, os quais moldaram a infância de inúmeras crianças no
mundo todo.
O ápice do studio system em Hollywood foi o ano de 1939, no qual foram lançados
sucessos como O Mágico de Oz / The Wizard of Oz, E o Vento Levou / Gone with the
Wind e No Tempo das Digilências / Stagecoach. No auge da popularidade dos filmes
hollywoodianos, eram produzidos cerca de 400 longas por ano, com um público de
90 milhões de espectadores todas as semanas, somente nos Estados Unidos. Outros
clássicos da Era de Ouro incluem a primeira versão para o cinema de:
King Kong (1933),
Aconteceu Naquela Noite / It Happened One Night (1934),
O Grande Motim / Mutiny on the Bounty (1935),
O Picolino / Top Hat (1935),
Casablanca (1942),
A Felicidade Não Se Compra / It’s a Wonderful Life (1946),
A Dama de Shanghai / The Lady from Shanghai (1947),
Rio Vermelho / Red River (1948),
Janela Indiscreta / Rear Window (1954),
Sindicato de Ladrões / On the Waterfront (1954),
Juventude Transviada / Rebel Without a Cause (1955),
Quanto Mais Quente Melhor / Some Like It Hot (1959)
Sob o Domínio do Mal / The Manchurian Candidate (1962).
Entre as principais estrelas da Era Clássica de Hollywood, além dos já citados,
estiveram Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Katharine Hepburn, Fred Astaire,
Ginger Rogers, Marlon Brando, John Wayne, James Stewart, Buster Keaton,
Claudette Colbert, Burt Lancaster, Gregory Peck, Elizabeth Taylor, Kirk Douglas,
Bette Davis, Audrey Hepburn, Grace Kelly, Laurence Olivier, Marlene Dietrich,
James Cagney, Ava Gardner, Ingrid Bergman, Henry Fonda, Marilyn Monroe, James
Dean, Mae West, William Holden, Sophia Loren, Vivien Leigh, Joan Fontaine, Gary
Cooper, Shirley Temple, Janet Leigh, Charlton Heston, Rita Hayworth e Mary
Pickford.
Embora a Era de Ouro de Hollywood tenha sido um período de regras rígidas para a
produção cinematográfica, algumas das maiores obras de arte do cinema norte-
americano foram realizadas nessa época, inclusive Cidadão Kane / Citizen
Kane (1941), dirigido por Orson Welles e considerado por muitos como o melhor
filme da história. Isso se deve ao fato de que, com tantos longas sendo lançados, os
estúdios podiam se dar ao luxo de apostar em obras mais arriscadas e artísticas, de
orçamento médio, com bons roteiros e atores não tão famosos. Outros exemplos que
se encaixam nessa descrição são os filmes de Howard Hawks, Alfred Hitchcock e
Frank Capra, cineastas de temperamento forte que lutavam para manter a liberdade
criativa frente aos estúdios.
O declínio do studio system e, consequentemente, da Era de Ouro de Hollywood,
iniciou-se no final dos anos 1940. O primeiro fator que prejudicou a indústria foi um
ato federal (o chamado Anti-Trust Act), que separou os processos de produção e de
exibição dos filmes, o que obrigou as salas de exibição a ampliarem seu leque de
filmes e acabou com os monopólios dos grandes estúdios, os quais também foram
obrigados a finalizar os contratos com seus atores e técnicos fixos. Isso que provocou
uma mudança de paradigmas no aspecto criativo, já que as equipes eram inteiramente
diferentes a cada novo filme.
O segundo fator que contribuiu para o fim dessa era foi a chegada da televisão. A
novidade mudou a maneira como os filmes norte-americanos, particularmente os
hollywoodianos, eram produzidos, já que levou os estúdios a uma nova estratégia de
investimento: eles passaram a bancar menos produções por ano, mas com orçamentos
maiores, com o objetivo de oferecer opções de entretenimento grandiosas que
pudessem competir com a televisão. Desse modo, apostou-se em histórias
visualmente espetaculares e épicas.
A Era pós-clássica (1960 a 1980)
A Nova Hollywood, que se iniciou nos anos 1960 e durou até os anos 1980, tem
como principal nome Steven Spielberg, que se tornou um dos diretores e produtores
mais populares da história do cinema mundial. Essa era “pós-clássica” trouxe
mudanças na maneira de contar histórias, com novas abordagens para a construção
narrativa e para a caracterização dos personagens – como cronologia não linear,
ambiguidade moral entre o protagonista e o antagonista, além dos chamados “twist
endings” (reviravoltas surpreendentes, em geral reveladas no final do filme,
inspiradas no gênero film noir).
Faye
Dunaway e Warren Beatty em Bonnie and Clyde (1967).
Esse período fez surgir uma nova geração de cineastas que haviam passado por
escolas de cinema e que conheciam as técnicas e os movimentos cinematográficos
desenvolvidos na Europa nas décadas anteriores (como o Neorrealismo Italiano e
a Nouvelle Vague Francesa). O filme Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas /
Bonnie and Clyde (1967), de Arthur Penn, marcou o renascimento do cinema
hollywoodiano, principalmente nas bilheterias. Sem Destino / Easy Rider (1969) foi
outro grande sucesso, de orçamento relativamente baixo, com heróis imorais e uma
boa dose de sexualidade e violência.
Cineastas que até hoje são reverenciados, como Francis Ford Coppola, Steven
Spielberg, George Lucas, Brian De Palma, Stanley Kubrick, Martin Scorsese, Roman
Polanski e William Friedkin, muitos dos quais continuam atuando na indústria,
passaram a produzir obras que homenageavam a história do cinema e traziam
referências de gêneros e técnicas desenvolvidos pelos filmes clássicos. Por conta
disso, os longas produzidos nos anos 1970 por esses diretores foram aclamados pela
crítica, ao mesmo tempo em que encontraram uma boa recepção junto ao público.
O advento da era dos blockbusters modernos veio com o sucesso estrondoso de
filmes como 2001:
Uma Odisseia no Espaço / 2001: A Space Odyssey (1968), de Kubrick;
Taxi Driver (1972), de Scorsese;
O Poderoso Chefão / The Godfather (1972) e Apocalypse Now (1979), de
Coppola;
O Exorcista / The Exorcist (1973), de Friedkin;
Loucuras de Verão / American Graffiti (1973) e Guerra nas Estrelas / Star Wars
(1977), de Lucas;
Chinatown (1974), de Polanski; e Tubarão / Jaws (1975), de Spielberg.
Embora os jovens diretores tivessem o péssimo hábito de estourar prazos e
orçamentos, os estúdios estavam em busca de novos hits e muitas vezes gastavam até
mais do que podiam – como a United Artists, que faliu durante a produção de Portal
do Paraíso / Heaven’s Gate (1980), de Michael Cimino. A frase do produtor Byron
Allen ilustra bem esse período:
“Hollywood é um casino. Você tem que colocar suas fichas na mesa e esperar pelo melhor.”
– Byron Allen
O mercado do Home Video, DVDs e Streaming (1980 até os dias de hoje)
Os anos 1980 e 1990 trouxeram o mercado do home video, ou seja, as pessoas
passaram a alugar ou comprar filmes para assistir em casa. Ao mesmo tempo em que
as vendas de ingressos para as salas de cinema sofreram um impacto, os estúdios
vislumbraram a possibilidade de novos negócios. Outra característica desse período
foi uma nova geração de cineastas, com acesso a fitas VHS e câmeras de vídeo, que
passou a realizar filmes com pouquíssimo dinheiro. Os baixos custos de produção e
as novas tecnologias provocaram uma explosão de longas independentes no cinema
norte-americano, permitindo a ascensão de cineastas que não estavam sujeitos à
aprovação de grandes estúdios para concretizarem suas ideias.
Quen
tin Tarantino foi um dos destaques dos longas independentes no cinema norte-americano.
Entre os destaques dessa geração estão Quentin Tarantino, Robert Rodriguez, Paul
Thomas Anderson, Spike Lee, Steven Soderbergh e Kevin Smith. Por terem acesso a
inúmeros lançamentos e clássicos em vídeo, os diretores colocavam em suas obras
uma quantidade enorme de referências e conexões a outros filmes. Seu estilo era
inovador e irreverente, com elementos da cultura pop. Os videoclipes que eram
lançados nos canais jovens de televisão, com seus cortes rápidos e ritmo frenético,
também influenciaram a linguagem cinematográfica da época, especialmente a
montagem.
Com a popularização dos DVDs, no início do século 21, esse tipo de mídia se tornou
mais interessante e rentável para os estúdios, já que permitia a inserção de material
extra, cenas cortadas e comentários da equipe. Nesse contexto, enquanto o cinema
independente prosperava, Hollywood apostou nos heróis de ação dos blockbusters,
com atores famosos como Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Bruce Willis,
Steven Seagal, Jean-Claude Van Damme, Wesley Snipes e Jackie Chan. Essa
necessidade de atrair o público com grandes espetáculos permanece até os dias de
hoje, principalmente com a popularização das mídias digitais e dos serviços
de streaming.
Alguns dos filmes hollywoodianos que marcaram os anos 1980 foram:
Os Caçadores da Arca Perdida / Raiders of the Lost Ark (1981),
E.T. O Extra Terrestre / E.T. The Extra-Terrestrial (1982),
Blade Runner: O Caçador de Androides / Blade Runner (1982), Scarface (1983),
Os Caça-Fantasmas / Ghostbusters (1984),
O Exterminador do Futuro / The Terminator (1984),
Um Tira da Pesada / Beverly Hills Cop (1984),
Os Goonies / The Goonies (1985),
De Volta Para o Futuro / Back to the Future (1985),
Top Gun: Ases Indomáveis / Top Gun (1986),
Aliens: O Resgate / Aliens (1986),
Máquina Mortífera / Lethal Weapon (1987),
Atração Fatal / Fatal Attraction (1987),
Wall Street: Poder e Cobiça / Wall Street (1987),
Rain Man (1988),
Duro de Matar / Die Hard (1988)
e Conduzindo Miss Daisy / Driving Miss Daisy (1989).
Entre os filmes norte-americanos mais populares dos anos 1990 estão:
Dança com Lobos / Dances with Wolves (1990),
Os Bons Companheiros / Goodfellas (1990),
Thelma & Louise (1991),
O Silêncio dos Inocentes / The Silence of the Lambs (1991),
O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final / Terminator 2: Judgment
Day (1991),
Os Imperdoáveis / Unforgiven (1992),
O Guarda-Costas / The Bodyguard (1992),
O Fugitivo / The Fugitive (1993),
O Parque dos Dinossauros / Jurassic Park (1993),
A Lista de Schindler / Schindler’s List (1993),
Forrest Gump: O Contador de Histórias / Forrest Gump (1994),
Pulp Fiction (1995),
Seven: Os Sete Crimes Capitais / Se7en (1995),
Coração Valente / Braveheart (1995),
Titanic (1997),
O Clube da Luta / Fight Club (1999),
Matrix / The Matrix (1999),
O Sexto Sentido / The Sixth Sense (1999)
Beleza Americana / American Beauty (1999).
Os anos 2000 vieram com a febre de grandes franquias, muitas vezes inspiradas em
séries de livros cultuadas por milhares de fãs, como as sagas Harry Potter e O Senhor
dos Anéis / The Lord of the Rings. As franquias Piratas do Caribe / Pirates of the
Caribbean e suas sequências, assim como as continuações de Guerra nas Estrelas /
Star Wars também tiveram bilheterias consideráveis.
Batman: O Cavaleiro das Trevas / The Dark Knight ressuscitou os filmes de super-
heróis inspirados em quadrinhos e, desde então, a batalha Marvel versus DC leva
bilhões de pessoas às salas de cinema todos os anos. Para colocar os valores em
perspectiva, no ano passado a venda de ingressos para filmes hollywoodianos
superou a marca de 10 bilhões de dólares.
Recentemente, os serviços de streaming como Netflix e Amazon abriram um novo
nicho de mercado, principalmente para o cinema independente. Esses filmes de
menores orçamentos e realizados fora do universo mainstream hollywoodiano
enfatizam elementos como a direção e o roteiro, com foco em soluções criativas e
inovadoras para compensar a falta de recursos. Algumas produções desse tipo têm
recebido reconhecimento de público e crítica, com destaque para documentários e
filmes mais experimentais.
Principais características estéticas
O cinema hollywoodiano sempre se caracterizou por suas motivações mercadológicas
e políticas. Desde os anos 1930, quando o presidente Roosevelt usou grandes astros
de Hollywood para uma campanha do governo, os Estados Unidos utilizam sua maior
ferramenta de comunicação e influência para disseminar seu modo de vida e de
pensamento. O glamour hollywoodiano também foi muito usado para endossar
produtos, que eram considerados objetos de desejo quando vistos nas mãos de atores
famosos – a indústria do tabaco, por exemplo, muito se beneficiou desse tipo de
visibilidade.
Aos poucos, conforme os antigos magnatas de Hollywood foram sendo substituídos
por uma geração mais jovem, as ideias liberais ganharam força no cinema norte-
americano; substituindo o conservadorismo que, nos velhos tempos, era reforçado
pela censura. Os filmes passaram a ser mais inclusivos e os profissionais têm se
preocupado com questões de gênero e representatividade – na frente das câmeras e
dentro do set. No entanto, a indústria ainda é muito criticada por continuar sendo
essencialmente machista, racista, fixada em juventude e padrões de beleza, muito
mais preocupada com dinheiro e poder do que com o aspecto criativo ou artístico do
cinema.
Esteticamente, a linguagem dos filmes norte-americanos sofreu diversas mudanças
neste século de existência do cinema. No entanto, algumas particularidades dos
filmes clássicos podem ser percebidas até os dias de hoje, como a preferência por
narrativas tradicionais e diretas (que passam longe da experimentação) e com uma
jornada do herói bem delineada, focando em personagens que possam gerar
identificação com o público – principalmente masculino. As superproduções,
carregadas de efeitos especiais e diversos cenários, privilegiando a ação e a aventura,
também são características desse cinema. Com relação às temáticas, há uma
preferência por fantasiar a realidade, com foco no individualismo e na manipulação
das emoções. Esse padrão de referência hollywoodiano, por ser tão disseminado no
mundo inteiro, acaba gerando certo desconforto no espectador quando ele se depara
com outras estéticas, mais complexas, que apresentem narrativas lentas ou com maior
subjetividade.
Legado para o cinema
O legado de Hollywood se torna evidente na forma como o cinema norte-americano
se espalhou pelo mundo, estabelecendo um modo de produção industrial para a
sétima arte. Independentemente de seus méritos ou falhas, esse cinema está presente
de maneira massiva no repertório e na memória afetiva de boa parte dos cinéfilos,
inclusive no Brasil. É quase impossível encontrar uma pessoa que não possa citar o
nome de um filme ou ator norte-americano.
Essa dominação mundial se iniciou em 1912, quando as empresas produtoras
competiam pelo mercado doméstico, que se encontrava em expansão devido à
popularidade do sistema nickelodeon (uma das primeiras formas de exibição de
filmes, em que pequenos espaços, geralmente em lojas, eram disponibilizados como
salas de cinema ao preço de cinco centavos – ou seja, um níquel – por pessoa). Os
estúdios compreenderam que seria possível expandir ainda mais esse negócio,
exportando filmes para suas próprias filiais distribuidoras na Europa.
A distribuição de filmes norte-americanos no mercado estrangeiro permaneceu
constante nas décadas que se seguiram. A Inglaterra foi um dos países que
enfraqueceu sua própria produção nacional porque importava de maneira significativa
os longas dos Estados Unidos. Nos primórdios de Hollywood, de 60% a 70% dos
filmes que os ingleses assistiam eram americanos. Outros países que procuravam
muito esse cinema eram a Alemanha, a Austrália e a Nova Zelândia.
Com a crescente globalização, o governo norte-americano passou a intensificar sua
política de exportação de filmes, vendo no cinema um produto para expandir sua
hegemonia – tanto econômica quanto cultural. Os Estados Unidos possuem o maior
mercado interno de espectadores de filmes do mundo, mas o que favorece seu
sucesso é o apelo universal de seus produtos, que apelam para o entretenimento, além
do fato de que o inglês é considerado uma língua muito aceita e conhecida nos mais
diversos países.
Com a ascensão da China na economia mundial, Hollywood buscou abarcar também
esse nicho de consumidores. Para tanto, os estúdios que pretendiam distribuir seus
filmes no país tiveram que ceder às pressões da censura e passaram a evitar temas
como “fantasmas, violência, assassinatos, terror ou demônios”. Todos os longas
exibidos no país precisam ser aprovados pelos censores e dublados em chinês.
No Brasil, de acordo com o Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro do ano passado
(ANCINE, 2017), entre os vinte títulos de maior bilheteria, dezenove eram produções
norte-americanas e apenas uma brasileira (Minha Mãe é uma Peça 2, que ficou em
9o lugar). Segundo a mesma pesquisa, em 2017 foram lançados 463 títulos no Brasil,
sendo 160 brasileiros. Entre esses filmes, 34,6% eram brasileiros, 27,6% norte-
americanos e 37,8% eram de outras nacionalidades. No entanto, vale ressaltar que o
número de cópias das produções norte-americanas em geral é significativamente
maior do que das nacionais, graças ao poder das seis principais distribuidoras
internacionais no país – Fox, Disney, Warner, Paramount, Sony e Universal. Outro
detalhe que diz muito sobre a influência hollywoodiana é o percentual de público dos
filmes lançados: de um público de 181,2 milhões de espectadores, 85,1% optaram por
produções dos Estados Unidos, 8% por filmes de outros países e apenas 6,9% por
filmes brasileiros.