Liderana de mulheres em pastorais e comunidades catlicas e suas retribuies*

Gabriele dos Anjos**

Resumo

O texto trata da militncia de mulheres de classes populares em clubes de mes, Comunidades Eclesiais de Base e Pastorais da Igreja Catlica. A diferenciao entre lderes e demais participantes, e as motivaes e os interesses especficos ao engajamento e militncia como lder so compreendidos a partir da anlise das retribuies atividade militante e suas relaes com o exerccio da liderana e com o conjunto de significados ligados ao militante.

Palavras-chave: Militncia Feminina, Classes Populares,

Comunidades Catlicas.

Recebido para publicao em novembro de 2007, aceito em setembro de 2008.

Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pesquisadora da Fundao de Economia e Estatstica (FEE), Porto Alegre. [email protected] cadernos pagu (31), julho-dezembro de 2008:509-534.

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Liderana de mulheres em pastorais e comunidades catlicas

Womens Leadership in Catholic Communities and Pastorals and their Retributions

Abstract

This paper covers the militancy of popular class women within Mothers Clubs, Ecclesiastical Communities and Pastorals of the Catholic Church. Such militancy implies a differentiation between leaders and the other participants. This differentiation is defined by specific motivations and interests related to the commitment and militancy as leader in these forms of association. These motivations and interests can be understood by analyzing the rewards for militant activities and their relationships with the exercise of leadership and with the meanings associated with militant action.

Key Words: Womens Militancy, Popular Classes, Catholic

Communities.

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Gabriele dos Anjos Introduo

As Pastorais catlicas e as Comunidades Eclesiais de Base so formas associativas comunitrias1 fomentadas pela Igreja Catlica que permitem a leigos, a maioria de classes sociais menos favorecidas, bem como a profissionais dessa Igreja, o chamado trabalho comunitrio em nome de problemas ou causas com grande legitimidade, como a defesa da vida ou a justia social. Esse trabalho gratuito ou voluntrio fundado no desinteresse material e definido em relao atividade econmica, que exige ao estratgica para a obteno de ganhos materiais.2 Ao mesmo tempo, implica na adeso a valores como a solidariedade, o amor humanidade ou ao prximo. O trabalho voluntrio pode ser tomado como uma modalidade de ao militante, ao considerarmos militncia a adeso a determinada causa e engajamento continuado em nome dela (Gaxie, 1977:130; 2005:161). Esse tipo de engajamento e militncia desinteressados corresponde tambm s formas socialmente consagradas de atuao feminina no espao pblico, como voluntariado em nome de problemas que dizem respeito ao altrusmo e moral: a defesa da vida, as crianas, a famlia. Ao mesmo tempo, remete a valores partilhados por todos, o que
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A comunidade em pauta, referenciada na Igreja Catlica, comporta definies contextuais e, portanto, variadas. A tendncia progressista da Igreja enfatiza a primazia da comunidade de crentes em relao ao clero. H ainda a definio de comunidade como o conjunto dos membros de uma parquia dedicada aos servios nela realizados. Finalmente, a noo de comunidade tambm se refere identidade de uma populao definida pela proximidade fsica, pelo interconhecimento (Banck, 1990:74) e por problemas ou questes comuns relativas ao local. No caso, a participao na comunidade d origem ao engajamento em clubes de mes ou pastorais, e ao trabalho ou militncia comunitrios aqui tratados. Uma definio de trabalho voluntrio, como atividades que as pessoas fazem de graa para ajudar instituies ou outras pessoas que no sejam parentes e amigos, enunciada na pesquisa de Landim e Scalon (2000:52) sobre trabalho voluntrio e doao. 511

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contribui para sua naturalidade enquanto fenmeno social e impede o questionamento de suas condies sociais de realizao. Por outro lado, os estudos que abordam a expressiva participao feminina nessas formas associativas catlicas3 trabalham a partir de perspectivas que no questionam as condies que propiciam essa militncia de mulheres de grupos populares (Burdick, 1990:153; Drogus, 1999:36-7; Alvarez, 1980:381; Machado e Mariz, 1997:74). Esses estudos enfatizam as possibilidades de ao poltica abertas a mulheres pobres a partir de seu engajamento em CEBs ou apontam os limites de superao da dominao masculina dados por esse tipo de militncia (Machado e Mariz, 1997:76; Burdick, 1990:161), entendida como um paradoxo da ao coletiva de mulheres de classes populares (Alvarez, 1990:390; Drogus, 1999:41). No entanto, o sentido dessa atividade social, a trama de significados e as condies que permitem a continuidade desse engajamento altrusta de mulheres continuam no compreendidos. Por que mulheres se engajam e participam em comunidades e pastorais, dedicando seu tempo e energia? Procuro responder essa questo ao tomar como objeto de anlise as motivaes e interesses presentes no engajamento e militncia nessas formas associativas. As proposies de Gaxie (2005) quanto s retribuies atividade militante so um recurso heurstico para a compreenso desse tipo de ao. O autor prope que a militncia, enquanto ao economicamente desinteressada, seja compreendida ao se considerar que ela aporta retribuies no materiais ou simblicas, dadas pela concordncia entre as respectivas ideologias, formas de ao e as disposies individuais dos engajados (Gaxie, 2005:179). Tais retribuies dizem respeito ao

A participao feminina nas Comunidades Eclesiais de Base, enquanto problema de anlise, mostra um distanciamento em relao literatura que enfatizava o papel das CEBs no processo de democratizao, ou de conscientizao e participao poltica das classes populares. Para uma crtica dessa perspectiva, ver Couto, 2002:361. 512

Gabriele dos Anjos reconhecimento, prestgio, sentimento de importncia, satisfao de agir no mundo para transform-lo, poder sobre coisas e sobre pessoas (...) estima, afeto, admirao dos companheiros de luta, [ou ainda] sensaes de apaziguamento, serenidade ou plenitude, satisfaes morais, e at um sentimento de superioridade tica (Gaxie, 2005:162).

No caso das lderes em clubes de mes, comunidades e pastorais, essas recompensas existem a partir da adeso s formas de ao e a um conjunto de significados que dizem respeito ao militante feminina. Se as lderes esto dispostas a investir ou dar importncia a um jogo social (Bourdieu, 1996:139) nesse trabalho e buscar suas recompensas porque estes esto em afinidade com suas trajetrias sociais. Para compreender esse investimento, considero: 1) as recompensas ao trabalho militante, 2) as condies de exerccio da liderana e 3) os significados e disposies presentes na atividade militante. A pesquisa na qual se baseia esta anlise foi realizada, entre 2002 e 2003, com lderes de comunidades de base catlicas e tambm das Pastorais da Criana e da Mulher Pobre em periferias urbanas no Rio Grande do Sul.4 A pesquisa concentrou-se em dois bairros de periferia de um municpio contguo a Porto Alegre, onde, no incio da dcada de oitenta, mulheres mobilizadas por agentes religiosos, vinculados tendncia progressista da Igreja Catlica, engajaram-se nos clubes de mes e comunidades catlicas, e contriburam para a organizao e conformao fsica destes dois bairros, a partir de invases de propriedade privada
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O material obtido na pesquisa de campo constitui-se em doze entrevistas, realizadas por mim, com lderes e agentes externos que atuam hoje em dia ou atuavam nas CEBs na dcada de oitenta, folhetos diversos, nmeros de um jornal produzido de forma artesanal Mes Unidas Voz da Libertao por uma agente externa a partir de textos elaborados por mulheres participantes de clubes de mes na dcada de oitenta (aos quais tambm tive acesso), manuais, livros, jornais e documentos diversos da Pastoral da Criana, que so usados atualmente no trabalho comunitrio, alm do prprio dirio de campo. 513

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no ocupadas (Mammarella, 1996). Atualmente, existe nesses bairros a assim chamada rede de comunidades organizao do espao geogrfico, tendo como referncia a Igreja Catlica, fruto daquela atuao anterior.
As recompensas da militncia

possvel demarcar dois momentos distintos da mobilizao coletiva de mulheres de classes populares pela Igreja Catlica: um de formao das comunidades em pauta, entre o final da dcada de setenta e o incio da dcada de oitenta, no qual os marcos organizacionais do engajamento feminino so as comunidades eclesiais de base e clubes de mes, e o mais atual, no qual as referncias da atuao de mulheres so, alm das comunidades, a Pastoral da Criana e a Pastoral da Mulher Pobre. Embora nos antigos clubes as mulheres fizessem a mesma coisa que agora, a denominao de pastorais para o trabalho voluntrio feminino nas comunidades, em detrimento dos clubes de mes, est relacionada ao estado das relaes de fora entre os grupos da Igreja Catlica, no qual a Teologia da Libertao perde legitimidade e os integrantes da ala progressista se engajam em formas de ao mais institucionalizadas (Della Cava, 2001). Os clubes de mes correspondem a um momento de mobilizao dos leigos por agentes religiosos para causas definidas como populares (Della Cava, 1988; 1978; Drogus, 1997). As atuais pastorais esto mais ligadas Igreja e a seus trabalhos paroquiais, cotidianos e rotinizados e remetem a uma outra configurao das relaes entre partidos, Estado, movimentos sociais e Igreja correspondente democratizao. Embora esse processo tenha implicado em defeces e distanciamentos da participao nas comunidades, boa parte das mulheres que tomaram parte nos clubes de mes e em suas lutas, atualmente, trabalha na Pastoral da Mulher Pobre ou na Pastoral da Criana ambas as pastorais so formas de atuao possveis para mulheres leigas

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Gabriele dos Anjos

engajadas como lderes nas comunidades religiosas em bairros de classes populares. Nesse universo social, Lder a qualificao usada para designar as mulheres de classes populares que desempenham continuamente atividades nessas formas associativas. Essa qualificao expressa uma diferenciao entre os membros da prpria comunidade e implica na existncia de uma hierarquia entre os fiis, baseada em certas capacidades da lder. A diferena entre as lderes e outras mulheres que participam das pastorais pode ser descrita como a possibilidade de reconhecimento da capacidade de planejamento e organizao, ligados a alguma instruo. Por exemplo, uma mulher engajada na Pastoral da Criana que participou do processo de ocupao ocorrido no bairro, sendo sua me uma das antigas lderes do Clube de Mes, poderia ser uma lder, como herdeira do trabalho materno nas lutas locais. No entanto, a comunidade a qual pertence no aceita sua liderana e nem os trabalhos por ela propostos: costuras, tapetes, acolchoados feitos com restos de tecido, desqualificados como lixo que junta muita sujeira, muito rato. A lder da Pastoral da Criana na comunidade, por sua vez, no participou da ocupao, tendo comprado o terreno onde possui sua casa, e bem aceita pela comunidade. A outra, que se definiu como uma pessoa que no sabe ler nem escrever, mal sabe rabiscar o nome, no pode, segundo a lder, coordenar reunies do Clube de Mes, pois
as mulheres vo l e no querem ficar. (...) E, coitadinha, ela tem vontade de trabalhar, s que ela no sabe muita coisa. Ento o pessoal no se anima. E eu no. Eu chego l, [e] digo: vamos fazer isso, vamos aquilo. (N., coordenadora da Pastoral da Criana, 08/12/2002).5

As entrevistadas so indicadas com a abreviao de seus nomes, seguida da data em que foi realizada a entrevista. 515

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Ao mesmo tempo, essa diferenciao corresponde a interesses diferenciados na participao em comunidades e pastorais. Para algumas mulheres com menos recursos, as bem pobrezinhas, as comunidades e pastorais permitem a incluso em esferas de sociabilidade, aliada a certa possibilidade de satisfao de necessidades materiais, como a freqncia a cursos de artesanato ou o recebimento de donativos como objeto da caridade e servios da Igreja. Para outras, a constituio em lder aporta recompensas especficas.6 Entre as lderes, a atividade militante est ligada busca de satisfaes morais e do reconhecimento das populaes pelas quais elas atuam. Em primeiro lugar, preciso notar que as lderes demarcam o espao comunitrio como incompatvel com qualquer ganho material:
a gente vai vendo que ganhar o qu? Ser que se trabalhar fora e ter salrio eu ia ganhar alguma coisa? E no fazer nada pelo prximo? Acho que a vantagem que a gente tem aqui que essas crianas precisam. (E.V., ex-lder da
Pastoral da Criana, atualmente, coordenadora de uma creche comunitria, 03/06/2003).

Isso no significa que as lderes no obtenham ganhos de diferentes ordens com a militncia. Uma delas, coordenadora da Pastoral da Criana, considera que com seu trabalho estava buscando tambm benefcios para sua famlia:
no momento que tu ests recebendo informao, tu vais aprendendo a ser uma melhor me, a buscar alternativas tanto de alimentao, quando da preveno de doenas. (...). Ento tudo isso vai modificando dentro da tua famlia. (...) Alm de que a gente aprende a educar os filhos da gente da maneira correta, sabendo impor limites, a ter
6

Sobre as expectativas e gratificaes associadas a hierarquias e diferenas nas organizaes militantes, ver Gaxie (2005:182). 516

Gabriele dos Anjos dilogo com os filhos. Isso so bens que tu vais adquirindo (E., coordenadora da Pastoral da Criana, 06/06/2003).

Outra lder considera:

venci na minha vida (...) atravs dos trabalhos de pastoral, de comunidade e de CEBs... Foi atravs destes trabalhos que eu conheci o Rio de Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, e eu voei de avio (S., Pastoral da Criana e da Mulher Pobre, Alfonsn, 2001:37).

Essas recompensas de carter cultural, como o acesso a informaes e universos sociais diferenciados, so indissociveis dos ganhos do corao, que se opem diretamente aos ganhos materiais, como salienta a religiosa que assessora a Pastoral da Criana em um dos bairros:
Porque as mes saem l de cima, da parada cinco, e vo l embaixo, na [parada] vinte e trs, ajudar a pesar. Elas pagam do dinheiro delas a passagem, ficam o dia todo trabalhando. Voltam feliz da vida de terem ajudado. Dinheiro, no ganham nada. O que elas ganham, vai no corao delas. s a alegria de ajudar (12/06/2003).

Essa satisfao pessoal em ajudar aos necessitados vem junto com a gratificao de ser reconhecida por isso:
se a gente est ajudando o prximo a gente se sente feliz com aquilo. Quando a gente passa na rua [ identificada com]: Olha ali, a titia da sopa. A gente se sente feliz com as crianas chamarem a gente (...) e cumprimentam a gente... (I.V., Pastoral da Criana, 21.05.2003).

Essas recompensas podem ser compreendidas a partir do exame do conjunto das prticas de mediao de recursos nas quais elas se inscrevem, e que constituem o trabalho das lderes.

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Liderana de mulheres em pastorais e comunidades catlicas O exerccio da liderana comunitria

Como em outros casos de aes coletivas de grupos social ou politicamente dominados, a ao dos agentes religiosos constitui as causas, as estruturas organizacionais e os modelos de militncia das mulheres de classes populares em pauta.7 O modo de organizao e ao (Gaxie, 2005:179) proposto pelos agentes religiosos pode ser descrito como mediao de ideologias, de tcnicas, de repertrios de ao e de ampliao de redes de relaes. Os agentes religiosos fornecem s lderes o acesso e o conhecimento de diferentes instituies Igreja, partidos polticos, burocracias estatais. Esse acesso aporta saberes e recursos especficos ao coletiva, como fontes de financiamento para suas aes; permite tambm a constituio de certo capital social, com o engajamento nas comunidades de advogados, engenheiros, jornalistas, socilogos, educadores e, no caso da Pastoral da Criana, mdicos, psiclogos e nutricionistas. pelo exerccio das mediaes entre essas esferas e as comunidades que algumas mulheres obtm o reconhecimento como lderes comunitrias. Se a atuao das lderes similar mediao exercida pelos agentes religiosos, as lgicas a partir das quais atuam so distintas. Os agentes religiosos so partcipes de outras esferas
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No caso aqui tratado, os agentes religiosos atuaram junto s mulheres de classes populares em concorrncia com partidos polticos pela definio do sentido da ao coletiva de grupos de classes populares (sobre essa concorrncia, ver Mammarella, 1996). Sobre o papel dos agentes externos na definio do sentido da ao coletiva, ver Lagroye (1996:306); no caso especfico dos religiosos que aderiram Teologia da Libertao, ver Adriance (1991). No possvel aqui fazer uma exposio mais detalhada de como a mobilizao das classes populares por agentes religiosos catlicos conecta-se com posies no espao teolgico, identificadas com as teologias da libertao. No caso em pauta, para os agentes religiosos, trata-se da experincia de uma catequese latino-americana, que se ope a uma catequese europia, e, especialmente para as mulheres assessoras de classe mdia, leigas ou religiosas, a atuao nas CEBs permite o investimento na elaborao erudita de teologias sobre/da mulher com base na experincia de assessoria. Para um maior detalhamento, ver Anjos (2005:206-15). 518

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sociais como o espao de elaborao teolgica, o espao escolar, instituies estatais, os espaos de definio legtima de exerccios profissionais , nos quais sua experincia como assessores de comunidades e em movimentos populares pode funcionar como um capital e proporcionar recompensas especficas, fruto do que Gaxie (2005:163) chama de multiposicionamento. Para as mulheres, o exerccio de mediao de recursos e saberes para a populao local circunscrita na comunidade resulta na sua constituio em uma referncia em nvel local. A partir do engajamento nas comunidades e pastorais, as mulheres passam a adquirir os recursos que possibilitam o investimento em uma carreira militante. a caminhada de comunidade necessria a toda lder. A partir do estmulo inicial ao trabalho comunitrio dado pelos agentes religiosos, como o convite para participar das atividades da igreja (cursos de catequese dos filhos, fornos comunitrios, grupos de reflexo, etc.), as mulheres vo se descobrindo aos poucos como capazes de liderar, e vo tomando para si ou recebendo outras atribuies no trabalho da Igreja. Este um dos sentidos da caminhada na comunidade, a experincia adquirida na prtica. O engajamento inicial tambm o perodo no qual algumas mulheres experimentam o contraponto da excluso de outras esferas (como o mercado de trabalho e a escola), recebendo convites para coordenar grupos e fazer cursos. As mulheres sentem-se, ento, mais gente, em um meio onde no so desvalorizadas por sua condio social. Assim, sua atividade comunitria pode se estender para vrias pastorais, como a da Criana, da Mulher, Operria, ou outros movimentos e mesmo a partidos polticos. O trabalho comunitrio no possvel sem a formao, a capacitao de lideranas, que vm de mos vazias para o trabalho comunitrio, em cursos e palestras como formao da Pastoral da Criana, teologia popular, de Bblia, doutrina social da Igreja, Direito do Trabalho pela Pastoral Operria, Promotoras Legais Populares, Violncia contra a Mulher,
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12/06/2003).

cursos de fitoterapia, de xaropes e pomadas, propiciados pela Igreja ou por setores prximos. Essa formao oferece s mulheres o domnio dos esquemas de percepo e apreciao em obra na ideologia coletiva, possibilitando o falar em pblico, na frente da comunidade, em momentos emblemticos do reconhecimento de sua autoridade moral e religiosa. A aparente simplicidade dos cursos sobre noes bsicas de sade, xaropes, pomadas, aleitamento materno, tem que ser recolocada em um contexto social de falta de recursos mnimos em matria de sade, saneamento e de informao. A disposio dos recursos comunitrios e de informaes bsicas a serem disseminadas ou aplicadas na prtica capaz de garantir a sobrevivncia dos atendidos pelas pastorais e tornar as lderes especiais, detentoras de algo rarssimo: noes que salvam vidas ou que ajudam a viver melhor. Essas mulheres sabem fazer xaropes e pomadas, soros e misturas alimentares, que tiram crianas da desnutrio e da morte, buscados em momentos crticos de doena por aqueles que no dispem de outras formas de acesso cura. Alm disso, a disposio de saberes relativos ao tratamento de problemas de relacionamentos familiares, ou de violncia domstica, adquiridos junto voluntrios, psiclogos, que do palestra gratuitamente, to essencial na constituio da liderana que, mesmo entre as lderes, h uma competio pelo monoplio desses saberes. Assim, segundo a religiosa que assessora a Pastoral da Criana em um dos bairros, entre as lderes, h muito cime uma da outra (...) competio entre elas, se uma [lder] consegue uma palestrante para [sua] comunidade, no lembra de oferecer para as outras tambm (I.,

A mediao entre as populaes locais pobres e outros grupos e instituies outro fundamento da liderana comunitria. Em nome daqueles que tm necessidades, e de seus filhos, so as lderes que pedem doaes e procuram recursos, reivindicam perante instituies pblicas, pedem s empresas privadas, etc., tornando-se a ponte entre as instituies e o
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pblico a ser atingidos por programas de capacitao, incubadoras, economia popular solidria, que ganham certa nfase em determinados programas governamentais. Complementarmente, so elas que vo s casas ou distribuem as doaes obtidas nas comunidades. Assim, as comunidades e pastorais configuram uma estrutura de mediao de benefcios na forma de convnios, parcerias com poderes pblicos ou entidades privadas para o atendimento s populaes locais, com a implementao, por exemplo, de cursos profissionalizantes, ou de artesanato, alfabetizao e reforo escolar.8 Como uma lder da Pastoral da Criana que est
cadastrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente, ento vem pra ns propostas de cursos, de espaos... onde a gente tenta trazer para programas da comunidade. Ento a gente pega esses [jovens] que esto mais correndo risco, e tenta resgatar eles de novo, [encaminhando-os para os cursos] (G., coordenadora da Pastoral da Criana, 28/04/2003).

Outra lder da Pastoral da Criana obteve do governo do Estado, a realizao de cursos escolares para jovens e adultos de sua comunidade, alm da realizao de um programa de reforo escolar para jovens, que envolve uma entidade filantrpica e uma universidade local. Outras duas lderes mantm uma creche com um projeto com verbas municipais, que proporcionava reforo escolar para crianas, e tambm administravam o repasse de cestas bsicas vindas de um programa do governo do Estado para as famlias de sua rua. Uma delas sempre procurada por assistentes sociais que querem fazer algum
8

Recentemente, as comunidades e pastorais contam com a possibilidade de obteno de verbas de instituies diversas atravs de projetos, o que corresponde, inclusive, a uma diversificao do trabalho comunitrio de mulheres, o qual no feito somente nos marcos das estruturas comunitrias religiosas. Sobre as possveis formas de sustentao da militncia feminina em CEBs com o fim do processo de redemocratizao, ver Drogus (1999). 521

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trabalho no local, e o pessoal daqui da vila acha que a gente tem que saber tudo. J criou uma responsabilidade. Outra lder, coordenadora da Pastoral da Mulher Pobre em um dos bairros, obteve uma verba estadual, durante trs anos, para cursos de artesanato para mulheres com material reciclvel. O reconhecimento da liderana e de seu trabalho implica na disposio e administrao dos recursos comunitrios: so elas que decidem como sero utilizadas verbas e doaes, que grupos e reas sero beneficiados, como repartir os alimentos, quem ser encaminhado aos cursos. Por exemplo, elas estabelecem critrios para as atendidas pelos trabalhos caritativos receberem doaes. Como afirma uma coordenadora da Pastoral da Mulher Pobre, que estabeleceu o seguinte critrio:
Todo mundo se ajuda [na comunidade]. Mas a pessoa tem que aprender a fazer alguma coisa. (...) As que so bem pobrezinhas, a gente arrecada. Todo fim de ms elas levam. Mas elas esto ali, ajudando a fazer um acolchoado, ajudando a fazer um ch, aprendendo a fazer um croch, ajudando a fazer uma pintura (N.J., 05/12/2002).

Esta disposio dos recursos comunitrios permite que, por exemplo, uma lder comunitria ligada Pastoral da Criana repreenda uma mulher que no estava mais trazendo seus filhos s tardes de pesagem e, alm disto, fora vista pedindo alimento em outras comunidades. No perodo da pesquisa de campo, surgiram atritos entre as lideranas das pastorais de um dos bairros, porque as doaes arrecadadas nas vrias comunidades estavam sendo centralizadas em uma nica comunidade e uma lder estava fazendo a partilha sozinha, o que dificultava s outras lderes fazerem doaes em suas comunidades. O controle dos recursos, que parte do trabalho de mediao, constitui estas mulheres, aos olhos de seu pblico, como aquelas que, de alguma forma, so responsveis pela resoluo de seus problemas. Isso aparece na descrio das
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visitas s casas dos atendidos, um momento em que elas tambm fazem doaes de alimentos e roupas:
Com a visita, ... Meu Deus do cu, parece que chegou Deus na casa deles. E quando a gente (...) consegue levar um alimento, (...) como elas ficam felizes. Faltam s se ajoelhar e beijar os ps da gente. Elas pensam que a gente. Eu digo: Eu consigo, mas no sou eu que estou dando. Eu consigo atravs de outras pessoas (I., lder da Pastoral da Criana, 21/05/2003).

Esse investimento na mediao e em um trabalho que implica na doao de si confere o reconhecimento da comunidade. Por outro lado, a procura desse reconhecimento, por parte das lderes, est relacionada adeso a um conjunto de noes que do sentido atividade militante e sua prpria condio feminina.
Os significados da atividade militante

A militncia em pastorais e comunidades expressa9 em um vocabulrio polissmico. Nesse vocabulrio, o trabalho comunitrio apresentado como ajuda aos necessitados (seja como expresso da caridade da lder, seja como demanda s autoridades pblicas), dada com alegria no corao, porque elas sabem que mais tarde esses servios que ns fizemos todas juntas vo servir a ns mesmas (Seguidoras de Cristo Divino Mestre, documento manuscrito). Mas ele pode remeter tambm poltica, quando o trabalho apresentado como luta por direitos. As

Utilizo tambm para anlise os documentos escritos por integrantes de clubes e comunidades na dcada de oitenta, os quais, tanto quanto as entrevistas com as lderes, constituem uma fonte privilegiada das categorias e noes partilhadas pelos integrantes das comunidades, alm de apresentar uma primeira sistematizao das idias-fora presentes na prtica coletiva e no vocabulrio das atuais lderes. 523

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lutas referem-se a eventos, como a formao de uma comisso de mes que

foi secretaria da sade falar com o secretrio sobre a ampliao do posto mdico h seis meses atrs. Ele nos prometeu a ampliao dentro de trs meses e agora fomos outra vez e ele nos prometeu e cumpriu a palavra. O posto mdico j est em construo. Graas comisso que a nossa caminhada foi vitoriosa (Clube de mes Jesus Operrio est feliz - documento manuscrito).

Ou, ainda, atuao das mes das vilas. que vm reivindicando uma escola de primeiro grau completo, no fundo das vilas junto Secretria de Ensino (Mes Unidas Voz da Libertao, ago. 1987:8). Esse vocabulrio polissmico tambm porque as mulheres mobilizadas se apropriam das categorias presentes no discurso dos agentes religiosos e as re-significam, utilizando-as para expressar a condio de pobre e seus problemas. Este o caso da categoria luta. Como se observa em escritos de mulheres participantes de clubes de mes na dcada de oitenta: vida de pobre difcil, se resume em lutas (Vida de pobre documento manuscrito); ou peo a Deus que ajude a todas as mes da de [municpio], que elas no desanimem na luta [com] que esto enfrentando os problemas (Clube de Mes Nossa Senhora Aparecida documento manuscrito). Por sua vez, a categoria ajuda tambm pode ser usada para expressar a assimetria social nas demandas aos ocupantes de cargos pblicos, entendida como luta por direitos: uma integrante do clube de mes se dirige ao prefeito em nome da
necessidade, pela sobrevivncia e o bem-estar de nosso povo, pedindo proteo [considerando-o eleito] pelo povo, [como] nosso protetor, [e por isso] no precisamos pedir isto ou aquilo porque confiamos e acreditamos que o

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Gabriele dos Anjos senhor vai nos ajudar (Pelo direito de viver documento

manuscrito).

Direitos, ajuda e lutas so categorias que permitem conciliar demandas a rgos pblicos e assistncia social a partir de princpios cristos, atendendo necessidades concretas de populaes com poucos recursos econmicos, culturais ou sociais. Tanto a ajuda quanto os direitos e as lutas fazem parte do referencial comunitrio, no qual a identificao com uma populao local, suas condies de existncia, questes ou problemas fundamenta a mobilizao. A existncia de escola, sade, calamento, etc. entendida como aquilo que torna possvel a vida comunitria, e sua obteno possvel pela ao da comunidade representada pelas lderes. Assim, esse referencial enfatiza a unio de todos, o mutiro, a fraternidade comunitria e o compromisso de todos com o bem comum. Essa concepo seria prpria experincia de vida e s origens sociais dos agentes religiosos as populaes descendentes da imigrao europia e de origem rural difundidas entre os pobres de periferias urbanas (Della Cava, 1978:250-251). este referencial, segundo o qual a comunidade deve ser a inspiradora de todas as lutas e formas de mobilizao, que permite conciliar os diferentes significados da ao militante. Isso porque esse referencial comunitrio oferece uma viso de mundo coerente e estruturada (Banck, 1990:75), que d base ao entretenimento de uma identidade de grupo, como pobres, amparados por Deus nas lutas por seus direitos.10 Obtidos pelas lutas, os direitos so fundamentados por uma LEI JUSTA, lei NATURAL (...). Quando a sociedade e as autoridades se OMITEM, o POVO SE ORGANIZA E VAI EM BUSCA DE SEUS DIREITOS. (...) (Mes Unidas Voz da Libertao, maio de 1987:9, caixa alta no original). Nesse sentido, as causas dos
Nesse sentido, possvel falar na constituio de uma identidade a partir da explicitao de problemas, antes, em estado de experincia individual ou serial, mal-estar, ansiedade, expectativa, inquietao (Bourdieu, 1998:142). 525
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pobres so legitimadas por uma instncia supra-social, ao mesmo tempo em que h um investimento intenso em uma identidade que permite fazer frente inimigos fortes ou perodos difceis (Pizzorno, 1988:385), comum a diferentes movimentos sociais dedicados s lutas dos pobres. A atividade militante tambm se d pela adeso a uma ideologia relativa participao feminina no espao pblico, que atribui explicitamente um papel mulher nas lutas dos pobres. O cuidado das crianas e da comunidade materializados nas lutas por creches, escolas, postos de sade, saneamento, luz eltrica podem ser entendidos como uma forma de enquadramento da atividade feminina na, e a partir da, Igreja, impondo uma concepo de condio feminina: a mulher como ligada ao cuidado, criao e maternidade11, atualizando o marianismo (Drogus, 1997:60-1). Nesse sentido, essa definio se constitui em uma contraposio simblica e prtica a outras modalidades de engajamento feminino, em especial o feminismo.12 No entanto, alm de reproduzir ideologias tradicionais sobre condio feminina (Alvarez, 1990:390; Drogus, 1999:41), ou de se constituir em um sentido imputado ao de mulheres de classes populares (Bonetti, 2007:2), tal concepo implica em uma promoo simblica da mulher pobre a ser resignificada pelas mulheres as quais oferecida e se constituir em fundamento de ganhos morais. Nessa concepo, a mulher a principal agente nas lutas sociais porque responsvel pela vida ela gera, d a luz, d seu sangue e seu leite ao filho, nova vida. Isso faz com que ela seja responsvel pela vida no mundo. A nfase popular nessa variao do temrio catlico sobre os poderes femininos radicados na condio de me comporta a re-significao das
11 Sobre a imposio da maternidade como condio feminina legtima, ver Anjos, 2007. 12 Sobre as tomadas de posio anti-feministas da Igreja Progressista, ver Alvarez, 1990:389-90.

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mulheres da Bblia, em um trabalho de analogia e identificao com as mulheres pobres mobilizadas como as mes do povo, e como as mais pobres dentre os pobres, aquelas que sofrem a opresso mais profunda (Pastoral da Mulher Pobre, 1988:77):
O que ser Maria hoje? Muitas mes pobres esto seguindo o exemplo de Nossa Senhora. Elas procuram ser como Maria quando se colocam em disponibilidade, saindo de casa para ajudar outras mes, trabalhando nos clubes e em todos os servios da comunidade, lutando por moradia, educao, sade, empregos e melhores salrios (Mes Unidas Voz da Libertao, maio de 1987:1).

A constituio das causas femininas ligadas precariedade das condies de existncia do povo, do pobre, vem acompanhada da valorizao tanto da fora da mulher, de sua energia, quanto da unio de esforos com os homens pobres, na luta conjunta, luta que a mulher puxa, por melhores condies de vida. Em vrios momentos as lderes enfatizam que sua definio de lutas das mulheres envolve a mulher que se organiza e ao homem d a mo, inclusive como contrria ao feminismo, no qual as mulheres seriam contra os homens. Uma lder de comunidade engajada na Pastoral da Criana, e que, freqentou grupos de mulheres na dcada de oitenta, afirmou: no ramos feministas. A feminista, o pouco que a gente sabia, elas eram contra os homens na sociedade. Ns no, a gente precisava deles (D., 25/05/2003). Outra, que na dcada de oitenta participou dos clubes de mes e das invases no bairro e atualmente coordena a Pastoral da Mulher Pobre em uma parquia, considera que a mulher no pode caminhar sozinha, excluindo o homem. Para isso ela me, ela me da mulher e me do homem (A., 30/06/2003). Nessa complementaridade de esforos na luta comum, a mulher tem que ser valorizada por seus atributos e a ocorre a inverso do sinal negativo da condio de me e mulher pobre, numa espcie de poor housewife is beautiful. Isso est presente em toda a prtica celebratria
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reunies, festas, encontros e na apresentao iconogrfica dessas pastorais, cujas fotos e desenhos de mulheres, mes, pobres, e seus filhos, em torno de suas casas, apresentam uma esttica que foge aos padres dominantes de beleza feminina. Essas lutas e a adeso imagem de mulher presente nelas justificam que donas-de-casa, que so as lderes de pastorais e clubes de mes, deixem seus lares e participem nas boas causas que so as melhorias das condies de vida da comunidade e o cuidado de suas crianas. Essa ideologia da fora da mulher pobre est de acordo com as gestes das carreiras militantes das lderes. Em diferentes situaes apareceram tenses, ou mesmo os conflitos, com os maridos, devido participao nas pastorais, com casos extremos de separao, ou com o estabelecimento de certas regras para evitar conflitos, como no participar em nenhuma atividade noite, pois o [marido] gosta de chegar, eu estar em casa, com a janta pronta, claro, esperando por ele (I.V., lder da Pastoral da Criana, 21/05/2003). Ao mesmo tempo, essas mulheres se vem como libertas e conscientizadas pela participao em clubes e pastorais. As mulheres como fora motriz das lutas devem ser respeitadas por seus maridos e filhos. Esse um dos sentidos da libertao, a partir da militncia adquirem autoridade moral, saberes e um certo capital social que seus maridos no possuem. Uma lder da Pastoral da Criana e da Pastoral da Mulher Pobre exps sua prpria libertao do medo muito grande e das garras do marido, como efeito de sua participao nos movimentos, reunies em que foi abrindo os olhos (S., 19/05/2003). Assim, elas demonstram s outras mulheres os ganhos de participar nas pastorais: obteno de informaes relativas conduo da vida familiar e privada, na formao, na experincia captada no grupo, onde se discute os problemas entre mulheres que eram muito desvalorizadas, sofriam, apanhavam dos homens. nas comunidades que as mulheres ganham

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Gabriele dos Anjos fora para elas sarem daquele mundinho, [tornando-se] umas mulheres libertas. Elas no tm mais aquele vnculo que a mulher s para dentro de casa, s para o marido, s para cozinhar, cuidar dos filhos e lavar roupa (S., lder
da Pastoral da Criana e da Pastoral da Mulher Pobre, 19/05/2003).

Ao mesmo tempo, elas passam a questionar aqueles costumes antigos, do tempo que eu fui criada, em que suas atitudes, porte, roupas eram rigidamente regrados: eu no usava bermuda, no usava short, que eu era feia, que eu era velha, que eu era gorda. Essas mulheres passam, ento, a se verem como exemplos de libertao a serem seguidos por outras, s quais passam a informar seus direitos
de trabalhar, de se arrumar, de ser algum na vida. (...) E ela tem que fazer o marido respeitar ela como mulher. E a eles no ficam to macho, e a elas tambm do fora para ele. Porque a ele sente a fora dela (S., lder da Pastoral da Criana e da Pastoral da Mulher Pobre, 19/05/2003).

A valorizao da fora feminina, se originada no catolicismo, permite s lderes expressarem seu papel nas comunidades: no permitir que seus atendidos desanimem, e continuem a lutar.
Por isso a gente tem que estar encaixada em todos os trabalhos onde necessita da presena da gente, mostrar para as outras mulheres essa fora que ns temos, essa responsabilidade que Deus nos deixou, como geradoras de vida (E., coordenadora da Pastoral da Criana, 06/06/2003).

possvel identificar nas lderes entrevistadas certas disposies que as habilita ao trabalho de liderana e a conceber este trabalho como realizao pessoal. No caso, os trajetos escolares e profissionais dessas mulheres esto estreitamente

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relacionados com a identificao com o papel de dona-de-casa e me pobre, necessrio continuidade do engajamento em clubes e pastorais. Seus parcos recursos sociais de origem as afasta da escola, as leva a uma insero precoce no mercado de trabalho e a um investimento na esfera domstica como dona-de-casa e me. Esse investimento, s vezes, secundado por atividades informais trabalho em tempo parcial, a domiclio, etc. como parte de estratgias familiares de manuteno. O investimento no trabalho voluntrio nas comunidades, pastorais e lutas nas quais a Igreja Catlica est presente, fundado na doao e no desinteresse material, , assim, correlato excluso ou insero precria no mercado de trabalho dessas donas-de-casa (Schmink, 1981). A promoo simblica presente na formulao de uma ideologia relativa mulher pobre oferece s mulheres engajadas nessas formas associativas a possibilidade de definir e expressar o investimento de si enquanto dona-de-casa de classes populares no trabalho de liderana. Ao mesmo tempo, a ideologia referente condio feminina presente em pastorais e comunidades tambm apropriada, porque d expresso autoridade moral das lderes. Ela oferece uma identidade adequada aos recursos que dispem, s suas origens sociais e ao espao de militncia popular no qual esto engajadas como lderes.
Consideraes finais

Esta anlise procurou dar conta das motivaes e interesses presentes na militncia de mulheres de classes populares em espaos associativos ligados Igreja, em nome de causas que remetem ao altrusmo e ao dom de si. A diferenciao entre lderes e demais participantes das comunidades correlata possibilidade de existncia de variadas recompensas ao engajamento. Assim, para as lderes, possvel identificar recompensas prticas, como a aquisio de saberes a serem revertidos na prpria vida familiar, e a mudana de relaes de
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poder nesta esfera. Ou, ainda, uma certa ampliao de seu capital social, com o estabelecimento de redes de relaes para alm do espao comunitrio. No entanto, tais recompensas so parte de uma atividade voltada aquisio e manuteno de um capital simblico, o reconhecimento dos atendidos. Esse reconhecimento um dos objetivos do trabalho de mediao e implica no estabelecimento de laos sociais pela doao de energia, tempo e objetos. Alm disso, muito mais do que implicar na afirmao de ideologias catlicas relativas condio feminina, o exerccio da militncia parte da apropriao de uma identidade positiva e digna como mulher pobre. Essa parte das recompensas simblicas atividade militante. Essa identidade, para as lderes, reverte o estigma do pertencimento s classes populares, expressa sua superioridade moral perante a famlia e a comunidade e se constitui mesmo em um revide sua excluso de outras esferas sociais.
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