Magano Livro em Word Corrigido
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UNIVERSIDADE
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Olga Magano
Uab I Coleção Universitária
INTRODUÇÃO ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS
Olga Magano
UNIVERSIDADE ABERTA | 2014
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
Objetivos de aprendizagem
1.1. O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
1.1.1. Socialização primária
1.1.2. Socialização secundária
1.1.3. Interiorização e estrutura social
1.1.4. Agentes de socialização
1.2. PAPÉIS SOCIAIS - INTERPRETAÇÃO E INTERIORIZAÇÃO DE NORMAS
SOCIAIS
1.2.1. Análise dos papéis sociais
1.2.2. Socialização e aprendizagem de papéis sociais
1.2.3. Perspetiva da vida quotidiana e dos problemas sociais Atividade formativa
Objetivos de aprendizagem
3.1. VISÃO GLOBAL SOBRE AS CIÊNCIAS SOCIAIS
3.2. A ESPECIFICIDADE DO SOCIAL
3.3. UNIDADE E PLURALIDADE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Atividade formativa 3
Objetivos de aprendizagem
4.1. SOCIOLOGIA
4.2. ANTROPOLOGIA
4.3. ECONOMIA
4.4. PSICOLOGIA
4.5. HISTÓRIA
4.6. DEMOGRAFIA
4.7. CIÊNCIA POLÍTICA Atividade formativa 4
Objetivos de aprendizagem
5.1. OS SOCIÓLOGOS FUNDADORES: KARL MARX, EMILE DURKHEIM E MAX
WEBER
5.1.1. Karl Marx (1818-1883) e o materialismo histórico
5.1.2. Émile Durkheim (1858-1917) e o positivismo sociológico
5.1.3. Max Weber (1864-1920) e a objetividade em Ciências Sociais: conceitos
fundamentais de Sociologia
5.1.3.1. As relações sociais e a orientação da conduta social
5.1.3.2. A influência das relações de mercado: classes e grupos sociais
5.2. OUTROS MODELOS EXPLICATIVOS: CULTURA E TRAÇOS CULTURAIS E
GRUPOS SOCIAIS E FORMAS DE SOCIABILIDADE
5.2.1. Cultura e traços culturais
O etnocentrismo como obstáculo ao conhecimento científico
O relativismo cultural e a análise estrutural da cultura
5.2.2. Grupos sociais e formas de sociabilidade
Gurvitch e as formas de sociabilidade
O conceito de sociation de Simmel
Robert K. Merton e o conceito de função: funções latentes e manifestas
Atividade formativa 5
Objetivos de aprendizagem
6.1. A MUDANÇA SOCIAL E A SOCIEDADE GLOBAL
6.2. ANTHONY GIDDENS E AS CONSEQUÊNCIAS DA MODERNIDADE
6.3. ULRICH BECK E A SOCIEDADE DE RISCO Atividade formativa 6
INTRODUÇÃO
Apesar de o principal objetivo deste texto ser disponibilizar uma base de estudo
para a Unidade Curricular de Introdução às Ciências Sociais, não significa que
seja de dispensar outras leituras complementares sugeridas aos estudantes em
contexto académico. O trabalho de leitura diversificada é extremamente
Objetivos de aprendizagem
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Embora seja possível conceber uma sociedade sem que haja outra socialização
depois da primária, essa sociedade teria de possuir um conteúdo de
conhecimentos muito simples (no sentido da conceção de laços de solidariedade
mecânica desenvolvida por Durkheim), diferindo os indivíduos apenas nas suas
perspetivas sobre o conhecimento social, para isso è necessário não haver quase
nenhuma diferenciação entre os indivíduos. No entanto, quase a generalidade
das sociedades têm alguma divisão do trabalho e alguma distribuição social dos
conhecimentos o que potencia a diferenciação e multiplicidade de
conhecimentos, com dinâmicas de interação de socialização secundária, ao longo
da vida do indivíduo, em cada etapa e desafio de incorporação social.
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tanto para os outros como para si próprios. Não existe, por conseguinte, um
problema de Identidade. E improvável que surja na consciência a pergunta
'Quem sou eu?", una vez que a resposta predefinida em termos sociais, tem
uma realidade subjetiva de peso e com uma confirmada coerência em todas as
interações sociais significativas. Isto de modo algum implica que o individuo seja
feliz com a sua identidade. [...] (Id., ibid.: 170).
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Outras agências de socialização, com carácter ainda mas secundário, podem ser
os locais de trabalho, enquanto contextos em que se operam processos de
socialização de modos de trabalhar e de se inserir nos grupos profissionais e nas
empresas ou instituições empregadoras. O "ambiente de trabalho" pode remeter
o indivíduo para situações desconhecidas, obrigando a um maior ajustamento
das perspetivas e comportamento da pessoa, ou seja, implicar novas
aprendizagens quer profissionais quer relacionais. Como agentes de socialização
podia também falar-se da importância que assume, para certos indivíduos, o
suporte de algumas redes de vizinhança, de frequência de clubes, a pertença a
grupos religiosos, etc, sendo que estas participações diversificadas vão
solicitando aos indivíduos constantes aprendizagens sociais ao longo das suas
vidas.
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Mas não se deve confundir o conceito de norma social com o de lei, "embora as
leis sejam um tipo de normas formalizadas juridicamente na sua linguagem e
com especificação dos castigos que a sua violação acarreta" (Marin, 1988: 75).
As normas não comportam a mesma conotação negativa que uma lei, aliás, a
grande diferença consiste no facto de as normas sociais serem "acompanhadas
por sanções que promovem a conformidade e castigam a não conformidade"
(Giddens, 2000: 216), o que significa que tanto atribuem prémios (que poderão
ser meramente simbólicos), como aplicam castigos mais severos, em situação
de desrespeito das normas. As leis apenas aplicam sanções ou penas, no caso
de não cumprimento das regras estabelecidas.
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Desta forma, pode concluir-se, tal como Pais (1986), que "o «quotidiano» não
deve apenas ser encarado como um conceito tomado no sentido vulgar do
termo" (1986: 10-11); antes, "através do seu estudo, podemos aprender
bastante sobre nós mesmos enquanto seres sociais e acerca da própria vida
social" (Gíddens, 1997: 95). Assim, a sociedade é uma construção das relações
estabelecidas entre os seres sociais, quer seja grupai, quer seja
individualmente, são estas relações e interações que estruturam a sociedade e o
conhecimento que temos dela.
Até aqui foi possível ver como se adquirem vários papéis e estatutos, como se
aprende a viver com eles, com maior ou menor resistência, como são impostas
várias normas, mas, igualmente, como se criam, dependendo da posição
ocupada. Mas, como se faz a passagem do quotidiano para a sua importância
científica? Como já foi referido, são as interações que criam e transformam a
sociedade e as suas instituições, mas, para além disso, ao se atribuir um
qualquer significado ao quotidiano, é feita reflexão sobre de, logo, ultrapassa a
perceção inicialmente inexistente de quotidiano, para algo que se tenta
compreender e até analisar Ou seja, "a indefinição do objeto da sociologia da
vida quotidiana passa pela própria indefinição do que se entende ou do que se
possa entender por «quotidiano» ou «vida quotidiana» " (Pais, 1986: 13).
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4) Identifique os papéis sociais que desempenha atualmente e se existe alguma
eventual conflitualidade entre eles.
Objetivos de aprendizagem
Conceptualizar a noção de objetividade e o processo de construção do objeto
de estudo em Ciências Sociais.
Identificar e explicitar os principais obstáculos epistemológicos: familiaridade
com a realidade social, dicotomias natureza/cultura e individuo/sociedade e
etnocentrismo.
Reconhecer as fases do processo de construção do conhecimento científico
e as várias etapas do método científico de acordo com Gaston Bachdard: rutura
com o senso comum, construção e validação de conhecimento.
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emitir urna opinião e considerar que essa opinião é a mais válida, mesmo que
não se fundamente em conhecimentos verificados, sendo, por isso, resultado
não de verificação e validação científica, mas sim da sua experiência social. O
facto é que o indivíduo ê um ser social que vive numa determinada sociedade,
num determinado contexto, numa realidade social e que, ao longo da vida, vai
incorporando, pela socialização, a cultura e as regras sociais que o ajudam a
formular explicações para compreender os acontecimentos do dia-a-dia, mas
também para o situar num determinado circulo social e, em termos mais latos,
em relação á sociedade em que vive.
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passado (o meu amigo Henry, o inglês, que conheci quando eu era estudante do
ensino superior), ou é de caracter superficial e transitório (o inglês com quem
converse», por pouco tempo, num comboio), ou nunca aconteceu (os meus
concorrentes comerciais em Inglaterra) (id, ibid:40-41).
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de modo independente. Posso ter relações sexuais bastante íntimas com vários
membros do meu clube de ténis e relação muito formal com o meu patrão.
Contudo, os primeiros, embora de modo algum anónimos, podem fundir se
naquele "grupo dos courts enquanto o último se destaca como individuo único.
E, por fim, o anonimato pode tornar-se quase total com certas tipificações
jamais destinadas a tornarem-se individualizadas, como o "leitor típico do
Times, de Londres". Enfim, a "amplitude" da tipificação, e portanto o seu
anonimato, pode ser ainda mais alargada se falarmos da "opinião pública
inglesa" (id., ibid.: 44).
Em resumo, para Berger e Luckmann (2004), a realidade social da vida
quotidiana é apreendida num contínuo de tipificações que progressivamente se
vão tornando cada vez mais anónimas à medida que se distanciam do "aqui e
agora", da situação frente a frente. Num dos polos do contínuo estão os que
fazem parte do círculo interior e que são aqueles com que, em vários tipos de
frequência e intensidade, se entra em ação recíproca, em situações frente a
frente. No outro polo estão abstrações, anónimas por completo, que peia sua
própria natureza nunca se poderão encontrar numa interação frente a frente. As
posições sociais que cada indivíduo ocupa na estrutura social contribuem para a
diversificação dos pontos de vista sobre a realidade social, fazendo com que se
tenha um conhecimento mais próximo ou mais afastado em relação a
determinados aspetos da realidade social. É isto que faz com que cada indivíduo
esteja mais próximo de certos aspetos da realidade c mais afastados de outros,
passando se, de igual modo, com todos os outros membros da sociedade.
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Assim, "sei muito bem" que não devo falar ao meu médico sobre os meus
problemas de investimentos, ao meu advogado sobre as minhas dores causadas
por uma úlcera, ou ao meu contabilista a respeito da minha busca da verdade
religiosa. As estruturas com relevância básica para a vida Quotidiana são-me
apresentadas ja prontas peiam própria reserva de conhecimento social. Sei que
a "conversa de mulheres" não tem importância para mim como homem, que
"especulação ociosa" é irrelevante para mm como pessoa de ação, etc. Por fim,
o património social de conhecimentos, no conjunto, tem a sua própria estrutura
de importância (id., ibid.: 56).
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clássicos analisaram esse as peto de várias maneiras. Por exemplo, Max Weber
afirmou que sem a ética capitalista, o capitalismo não se poderia ter
desenvolvido e, por conseguinte, não teríamos assistido ao desenvolvimento das
sociedades modernas.
A predominância do individualismo dá origem a que alguns assuntos falados
pelos dentistas sociais se apresentem como um desafio à maneira de pensar, o
que em muitos estudantes se desenvolve durante o período da sua educação
secundária. Por isso, os conceitos e análises sociológicas e das Ciências Sociais
em geral deparam-se com resistências muito mais vigorosas do que seria de
esperar. Por exemplo, afirmar que determinados indivíduos são "naturalmente"'
competitivos ou "naturalmente" egoístas, quando é fácil demonstrar, recorrendo
á Antropologia, por exemplo, que o grau de egoísmo ou de competitividade dos
indivíduos depende da forma como estio organizadas as suas sociedades de
origem e que o processo de socialização incentiva ou não a competitividade.
Retomando os argumentos usados, normalmente, para a indefinição do objeto
das Ciências Sociais, que defendem que "todo o indivíduo é diferente" ou "todo o
indivíduo é singular, por conseguinte, não pode ser explicado sociologicamente"
(Coiison e Riddcll, 1979 em Esteves e Fleming^ 1982), e se se levasse esta
análise às últimas consequências, significa na que jamais se poderá fazer
previsões sobre o comportamento dos indivíduos. Por exemplo, quando alguém
entra num restaurante espera que haja aí uma pessoa a preparar as refeições e
outra para as servir. De facto, se as pessoas, apesar de serem indivíduos
diferentes, não se comportassem como as outras pessoas preveem que o façam
(pelo menos em determinadas circunstâncias), a vida social tomar-se-ia
impossível.
Com efeito, espera-se que as pessoas se comportem de uma maneira no
restaurante e que os alimentos nos sejam fornecidos sem pensarmos nisso
enquanto aprendizagem social. Já não se espera, porém, necessariamente, que
os divorciados do sexo masculino e protestantes tenham mais probabilidades de
virem a suicidar-se do que outras pessoas, como Durkheim'' demonstrou. Para
chegar a este resultado é preciso desenvolver um esforço de pesquisa e
explicação para mostrar que existe uma ligação entre suicídio c pertença á
categoria "homens protestantes divorciados" (id, Ibid.).
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2.1.1.3. Etnocentrismo
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conscientes enquanto outros são mantidos numa zona não consciente durante
longos períodos, mas todos eles contribuem para definir as formas especificas
do comportamento de cada um.
As distorções conduzem a perceções falsas da realidade e a conclusões erradas
e limitam, decisivamente, a capacidade das Ciências Sociais para eliminar
crenças populares falsas e enviesadas (Myrdal, 1976: 48). A única forma de se
conseguir atingir a objetividade na atividade teórica consiste em expor
claramente as valorações, torná-las consistentes, bem definidas e explícitas,
permitindo que os seus efeitos condicionem a investigação, mas de uma forma
clara e controlada. È necessária uma explicitação clara das premissas de valor
para que a análise possa atingir o estatuto de objetivo (id., itxd.: 55}.
Para romper com o senso comum é necessário relativizar, relacionar e fazer
análise científica das conceções de senso comum. Sendo as ideologias e os
saberes práticos formas de racionalização do mundo e de o classificar, isto é,
são instrumentos de coesão e tensão social e todas as disciplinas cientificas,
estão sujeitas à influência de elementos simbólicos e ideológicos, mesmo as
exatas ou as naturais.
Pode-se dizer que a atitude problematizadora da ciência e os princípios da
pesquisa social constituem os elementos da superação do senso comum: a
relativização dos fenómenos humanos; os contextos socio-históricos e as
coordenadas de tempo e lugar são determinantes; a relacionação dos factos; a
integração em sistemas de relações reciprocas, empiricamente verificáveis,
questionar e problematizar todos os conhecimentos adquiridos, inclusivamente,
o senso comum, as ideologias e a própria ciência. A rutura nunca será completa
nem unitária mas a separação dos domínios da ciência e do senso comum são
condições básicas da própria investigação científica.
De acordo com Silva e Pinto (1986), após a Epistemologia de Gaston Bachelard",
com a insistência no caráter construído do conhecimento, na descontinuidade
racional entre ciências e saber corrente, e na imprescindibilidade da rutura com
os obstáculos epistemológicos - confere um novo apoio ás prevenções
durkheimianas. Tomou-se, a partir de então, frequente sublinhá-las, atualizando
as.
As disciplinas sociais são especialmente permeáveis às interpretações de senso
comum. Ao passo que a Física ou a Astronomia romperam já há alguns séculos,
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Em terceiro lugar, uma das condições cruciais para a superação das conceções
do senso comum e ideológicas deriva precisamente do facto de que a pesquisa
socai pode torná-las objeto da sua própria análise - quer doer, pode submetê-las
aos seus próprios mecanismos de controlo. Tal constitui, é bom não esquecê-lo,
um passo indispensável para a rutura: é porque é capaz de pôr
sistematicamente em causa os conhecimentos adquiridos, quer por saber prático
quer por vinculação doutrinária, quer mesmo por investigação cientifica - é
porque o questionar, o problematizar, representa a própria essência do seu
trabalho, que a ciência é capaz de continuamente romper, no seu domínio, com
as noções que não se adequem às suas regras" (ld., ibid_: 52).
O cientista social acredita que a verdade existe, e parte desse pressuposto para
tentar atingir o "realismo", ou seja, uma visão objetiva da realidade. As questões
metodológicas colocam se na definição do que é a objetividade e nas formas
para atingir essa objetividade na análise dos factos e das suas relações causais.
O cientista debate-se com as seguintes questões: como libertar-se da influência
de trabalhos anteriores, fundamentados em noções normativas e teológicas,
baseadas em opções metafísicas - filosofia da lei natural e utilitarismo; como
libertar se das influências do meio cultural, económico, político e social da
sociedade em que vive; como anular a influência da sua subjetividade própria,
formada em contacto com as tradições de um me» social específico e que
condicionam a sua história pessoal e inclinações particulares?
Tudo isto tem como pano de fundo a interrogação sobre como pode o cientista
ser objetivo e eficaz na compreensão da realidade e não na sua transformação,
ou seja, sobre como pode atingir a verdade colocando de parte as suas
inclinações morais e políticas. O cientista é influenciado, na procura da verdade,
pelo meio social e pela sua personalidade. A sua única defesa consiste em definir
as valorizações que poderão condicionar as suas conceções teóricas e
investigações práticas, analisando a sua relevância, significado e efeito no objeto
de estudo, adaptando a perspetiva de análise segundo essas premissas.
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esse crescimento é descontínuo e opera por saltos qualitativos que, por sua vez,
não se podem justificar em função de critérios internos de validação de
conhecimento científico. A sua justificação reside em fatores psicológicos e
sociológicos e, sobretudo, na comunidade científica enquanto sistema de
organização do trabalho científico. Os saltos qualitativos têm lugar nos períodos
de desenvolvimento da ciência em que são postos em causa e substituídos os
princípios básicos em que se funda a ciência, até então produzida, e que
constituem o que Khun chama de «paradigma» (id ibid.: 150).
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proíbe que tenhamos uma opinião sobre uma questão que não compreendemos,
sobre questões que não sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar, é
preciso saber formular problemas que não se formulam de forma espontânea
em ciência.
É este sentido de perspetivação do problema que carateriza o verdadeiro
espirito cientifico. Para o espírito cientifico todo o conhecimento é uma resposta
a uma pergunta. Se não há pergunta não pode haver conhecimento científico.
Nada é evidente, nada é gratuito, tudo é construído. O obstáculo é também
uma experiencia vivida. O esquema que de seguida se apresenta representa
este processo de construção.
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Objetivos de aprendizagem
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Comte rejeitou esses modelos mas reteve algumas ideias essenciais. Dos
conservadores guardou a ideia de valorizar o passado, dos revolucionários
aceitou a representação de mudança social. Constatando que a crise da
sociedade não era tão material como espiritual, Comte entendeu por bem
submeter o processo de mudanças a um determinado número de princípios.
Assim, a mudança não será o resultado de uma ação direta, de índole política,
mas será coordenada por uma análise científica do estado da sociedade. Por
outras palavras, a mudança só pode ser eficaz se dirigida por uma Filosofia
unificada, baseada na ciência.
Comte admite três requisitos para tornar a política positiva: fazer prevalecer a
observação sobre a imaginação; considerar a organização social como estando
ligada ao estado da civilização; considerar a marcha da civilização como sujeita
a uma lei baseada na natureza humana. Deste modo, Comte tenta determinar
cientificamente o desenvolvimento da civilização.
O autor teve por objetivo proceder filosoficamente a uma síntese das ciências,
cujo verdadeiro pretexto reside na especificação e valorização da Sociologia.
Pretende estabelecer uma relação entre a ciência e a sociedade e entre a
Sociologia e a totalidade das ciências que a precederam, denomina este estudo
de Física Social e, posteriormente, de Sociologia.
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Contudo, as mudanças propostas por Comte não são radicais, são antes pardais,
uma vez que o futuro não entra em rotura total com o passado, mas recupera o,
selecionando os seus aspetos positivos e eliminando os negativos (Maia, 2002:
66 68). Até então os estudos sobre os fenómenos sociais eram fragmentários:
consistiam em reflexões que os pensadores tomavam como objeto, um fator
isolado de conhecimento, ou seja, uma parte da vida social, como a política ou a
moral, com perspetiva normativa e finalista.
Durante o período da Idade Média, os pensadores prendiam se a discussões de
caráter metafísico, que tinham por finalidade justificar a fé cristã. Os dogmas da
Igreja Católica impediam o desenvolvimento da investigação científica. A
Filosofia nesse período era, sobretudo, entendida corno fonte de preparação da
salvação da alma.
Já no final da Idade Média despontou um movimento de reação á escolástica.
Foram os prenúncios da libertação do pensamento ao dogmatismo católico, que
se efetivou finalmente no período agitado do Renascimento, quando se abriram
novas perspetivas ao saber humano. A influência teológica, que não permitia ver
as coisas senão á luz dominante da salvação eterna, deu lugar a uma perspetiva
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A ideia central do Positivismo é a de que nas Ciências Sociais, tal como nas
Ciências da Natureza, é necessário e possível afastar os preconceitos e as
pressuposições, separar os julgamentos de facto dos julgamentos de valor. A
finalidade é Fazer com que as Ciências Sociais consigam atingir a mesma
neutralidade, imparcialidade e objetividade, que se atinge na Física, na Química
e na Biologia. Dai que se evidenciem as implicações ideológicas conservadoras
dessa conceção: se as leis sociais são leis naturais, então, a sociedade não pode
ser transformada. Ao contrário dos filósofos iluministas, considerados
negativistas por Auguste Comte, o Positivismo privilegia a aceitação passiva do
evolucionismo social e defende o evolucionismo social, ou seja, aceita que as
sociedades passam todas pelas mesmas fases de desenvolvimento.
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Outro fato também decisivo para a formação das Ciências Sociais está na
própria dinâmica do sistema de ciências. A evolução das ciências está
diretamente ligada á necessidade de controlar a natureza e compreende la. As
crises, devido aos acontecimentos sociais do século XVIII, provocaram uma
convicção de que os métodos das Ciências da Natureza deviam e podiam ser
estendidos aos estudos das questões humanas e sociais, e que os fenómenos
sociais podiam ser classificados e medidos. No mundo moderno, o conhecimento
científico tornou-se o sistema dominante de conceção do mundo e, aos poucos,
os fenómenos sociais também caíram sob o seu domínio.
Não se pode dizer que essa dinâmica seja a causa do surgimento das Ciências
Sociais, porque, na verdade, as leis científicas não passaram a ser aplicadas à
realidade social simplesmente porque eram aplicadas com sucesso no
conhecimento dos fenómenos da natureza. Mas, sem dúvida, principalmente a
partir do século XVIII, a necessidade de desenvolvimento de técnicas racionais
para controlar os conflitos criados pelas crises da época, acabou por levar á
formação das Ciências Sociais (Filho, 2000).
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Assim sendo, em sentido lato, como definição, as Ciências Sociais podem ser
consideradas as disciplinas que se ocupam da realidade social (Almeida, 1994).
Apesar da reflexão da sociedade sobre si própria, sobre as suas configurações,
sobre os seus processos, ela é anterior à estruturação do campo das Ciências
Sodais, sendo que viver socialmente implica avaliação dos envolvimentos e dos
contextos, dos constrangimentos gerados em parte pela natureza, em parte
pelas próprias sociabilidades e as inter relações nelas implicadas.
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Qualquer disciplina científica pode ser entendida como uma matriz teórica que
dispõe de linhas representativas de dimensões da sua problemática. Formular
perguntas no âmbito de uma área disciplinar corresponde a um conjunto de
operações de tradução, corresponde a dar visibilidade no interior da disciplina a
certos problemas sociais, convertendo os também em problemas sociológicos. A
matriz disciplinar é constituída por conceitos e relações entre conceitos, que se
foram forjando e que, sendo suscitados pelas interrogações da problemática,
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As Ciências Sociais, que antes eram olhadas com algum desprezo, dada a
impossibilidade de atingirem a invejada "exatidão" das Ciências da Natureza,
gozam atualmente de credibilidade. O caráter provisório e altamente
problemático dos seus resultados é hoje reconhecido como característica
fundamental de todo o conhecimento científico e não apenas das Ciências
Sociais. As "leis" cientificas adquirem validade, em todos os campos de análise
cientifica e da integração crítica, da Física ás Ciências Sociais, num sentido
probabilístico e não normativo.
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Este raciocínio faz cair por terra a crença positivista de que se pode conhecer
aquilo que se consegue medir segundo modelos matemáticos exatos; cai
também a ideia de supremacia do quantitativo sobre o qualificativo. E mais, as
causas e os efeitos estão unidos num vínculo de reciprocidade dialetica, isto é,
da relação variável/condicionantes, que desmentem as construções
interpretativas simplisticamente como causais, apoiadas num único fator
dominante - daí resultam, essencialmente, a confirmação, a validez e o
fundamento dos conhecimentos sociológicos e dos esquemas descritos e
interpretativos das Ciências Sociais. Além disso, a própria evolução cientifica e o
progresso das Ciências Sociais deixam de ser considerados um facto puramente
interno do discurso científico; é oportunamente posta ã luz a importância do
ambiente social, do grau de desenvolvimento económico, das aspirações e das
atitudes mentais predominantes.
Ao contrário dos discursos religiosos e intuitivo-artísticos, o discurso científico é
definido pela sua capacidade de se autocorrigir. Igualmente verdade é que essa
capacidade não é um processo científico puro, não surge, nem se desenvolve
numa situação social assética, politicamente neutra, sem quaisquer interesses
extra-científicos. Na realidade, o progresso científico é i*n empreendimento
humano, sujeito ao insucesso e á falência. Esta profunda evolução do conceito
de ciência e de posição metodológica gerai, não só revaloriza a sociologia e lhe
reconhece plena validade científica, quer do ponto de vista dos aparelhos teórico
conceptuais, quer no aspeto dos instrumentos de investigação, como torna
impossível, senão fútil, qualquer definição exclusiva e fechada das várias
ciências (Ferrarotti, 1986: 33).
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Sob o ponto de vista de Gurvitch, o indivíduo e a sociedade são dois termos que
não se contrapõem: pelo contrário, situam-se numa relação de reciprocidade e
são, necessariamente, complementares, já que não existe indivíduo sem social
e, por outro lado, não é concebível uma sociedade sem o indivíduo. Mas, na
realidade, a questão da relação individual social não se resolve tão
simplesmente. Impõe-se precisar o conceito de social. Em particular, é
necessário identificar e determinar as características sociais do indivíduo.
Noutros termos, o social não é qualquer coisa que se vem juntar ao individual,
não lhe é exterior, não vem, apenas e por definição, de fora, mas resulta de
uma conjugação de elementos contextuais, relacionais e de interação social.
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[...] Era comummente aceite: de que a cada una das Ciências Sócias caberia
investigar um distinto campo do real, isto é: um conjunto de fenómenos reais
perfeitamente separados ou separáveis de quaisquer outros. A Economia
ocupar-se-ia da realidade económica {ou dos fenómenos económicos), a
Demografia, da realidade demográfica (ou dos fenómenos demográficos), a
ciência Política, da realidade politica (ou fenómenos políticos), e assim por
diante. A tal conceção opõe-se agora ã de que. no domino do humano e do
social, não existem campos de realidade e fenómenos que dessa forma se
distingam uns dos outros, como se fossem compartimentos estanques: o campo
da realidade sobre o qual as Ciências Sociais se debruçam é, de facto, um só (o
da realidade humana e social) e todos os fenómenos desse campo são
fenómenos sociais totais, quer dizer: fenómenos que - seja na sua estrutura
própria, seja nas suas relações e determinações - têm implicações
simultaneamente em vários níveis e em diferentes dimensões do real-social,
sendo portanto suscetíveis, peto menos potencialmente, de interessar a várias,
quando não a todas as ciências Socais (Nunes, 1964: 21).
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Senão assim, a distinção entre as várias Ciências Sociais só pode provir das
próprias ciências sociais, e não pode ter outro significado que não seja o de
cada uma dessas disciplinas encarar, abordar, analisar de uma forma diferente
aquela mesma realidade. A Economia, a Demografia e a ciência Política, por
exemplo, aferem entre st porque encaram, abordam, analisam de maneiras
diferentes os mesmos fenómenos sociais, os mesmos grupos, as mesmas
sociedades. Por outras palavras, cada uma das Ciências Sociais nomotéticas
adota, em relação á realidade social, uma ótica de análise diferente.
Mais precisamente, podemos destrinçar quatros níveis, ao considerar
empiricamente, na sua visibilidade imediata, a forma como as diversas
Ciências Sociais nomotéticas se diferenciam umas das outras:
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Por essa razão, conclui Nunes, cada Ciência Social produz o seu próprio objeto
científico. Seja qual for a Ciência Social, ela só está propriamente construída
como tal, enquanto "corpo de conhecimentos e resultados", a partir do momento
em que seja possível afirmar que o sistema de produção que a produz já
construiu o seu próprio objeto científico. Significa que uma ciência representa
uma outra maneira de "ler" o real, distinto da leitura do senso comum. Implica
um outro código de leitura e a construção de outros "objetos", que não os que
servem para "ler" o real do cia a dia.
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Na verdade, nem sequer temos de fazer de conta que a mesa do físico e a nossa
mesa são coisas distintas, porque efetivamente o são. Embora se refiram a um
mesmo objeto real, são de facto "objetos conceptuais" diferentes, que
pressupõem (e derivam de) dois códigos de leitura do real estruturalmente
diversos um do outro: o código do senso-comum e o código da Ciência Física.
[...] Como diz Manuel Castells, "uma Ciência define-se, antes do mais, pela
existência de um objeto teórico próprio, ele mesmo suscitado por uma
necessidade social de conhecimento de uma parte do real concreto. O objeto
cientifico de uma determinada disciplina é constituído pelo conjunto concetual
construído com o fim de se dar conta de uma multiplicidade de objetos reais
que, por hipótese, essa ciência tem em vista analisar. [...]
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83
As Ciências Sociais, pela definição do seu próprio objeto, não podem estar
separadas do seu contexto cultural e existem num determinado território. Como
não é possível ter acesso à totalidade do real pode ser tratado e organizado a
partir das observações e reflexões teóricas. Mareei MaussJ7 teve oportunidade
de alertar que o fenómeno social total é irredutível a uma única dimensão do
real, o que significa que as leituras e descodificações feitas pelos cientistas
sociais podem privilegiar determinada dimensão do fenómeno, assim como as
diferentes Ciências Sociais podem abordar o mesmo fenómeno de múltiplas
maneiras. O conceito de fenómeno social total é um exemplo de análise que
coloca em causa a divisão fictícia criada por cada uma das Ciências Sociais sobre
o tratamento do real. Este concerto introduz a perspetiva de que o real social é
pluridimensional, isto é, suscetível de ser abordado de várias maneiras
diferentes, mas é único, sem ser, no entanto, redutível, exclusivamente, a uma
só dimensão (Maia, 2002).
84
Atividade formativa 3
Objetivos de aprendizagem
4.1. SOCIOLOGIA
85
seres humanos estabelecem entre si. Trata, então, do estudo dos seres
humanos em associação, visando os indivíduos que, embora separados no
espaço imediato que os rodeia e capazes de existirem biologicamente sem a
necessidade uns dos outros, se combinam em unidades maiores, suscetíveis de
uma ação coletiva (Lima, 1992). Apesar de o individuo ser livre e se movimentar
neste espaço, age sempre em função de um grupo (família, grupo de referência,
clube, grupo étnico, nação, etc.). Quer dizer, age corporativamente, integrando
se sempre num corpo cada vez mais amplo.
86
87
Deste modo, a Sociologia foi pensada pelos seus fundadores como sendo uma
ciência nomotética, orientando se, no entanto, por alguns paradigmas
diferentes: a procura de leis de evolução das sociedades, com Comte, mas
também com Marx; a procura de relações funcionais entre os fenómenos sociais,
com Durkheim; e a procura das regularidades históricas, com Weber.
88
4.2. ANTROPOLOGIA
89
É neste contexto que aparece pela primeira vez o uso das designações de
Etnologia e de Etnografia. A Etnologia é no início um ramo da Filosofia da
História e depois a análise das características raciais. A Etnografia é mais
recente c designa a classificação dos grupos humanos a partir das características
linguísticas. No fim do século XIX as duas disciplinas apresentam se como duas
fases complementares de um mesmo projeto: coleta dos documentos e
descrição (Etnografia) e depois síntese comparativa (Etnologia).
90
91
Nos Estados Unidos da América, no período que medeia entre as duas guerras
mundiais, desenvolve-se uma tendência diferente do Funcionalismo anglo-
saxónico com E. Sapir, M. Mead, R. Benedict, entre outros. Assiste se a uma
associação de pesquisas etnológicas, psicológicas e psicanalíticas. Trata se,
essencialmente, de referenciar e construir modelos, os princípios ou as
configurações culturais (pattern), que fazem a originalidade dos indivíduos e das
culturas. Os processos de aprendizagem dos valores peias crianças, a
delimitação de mentalidades nacionais, a definição de normas e dos desvios são
assuntos que o Culturalismo desenvolve de forma sistemática.
92
93
4.3. ECONOMIA
A Economia como ciência, com um objeto e método próprios, surge com Adam
Smith e o seu livro "A Riqueza das nações", em 1776, razão pela qual este autor
é considerado o "pai" da ciência económica (Sotomayor e Marques, 2007: 15).
Durante o século XIX, surgiram outros economistas que se preocuparam com o
estudo do comportamento de pequenos agentes económicos, como as famílias e
as empresas. Preocupação que resulta do pensamento do liberalismo total e do
papel do individuo ser considerado cada vez mais preponderante (id, ibid.).
94
significa que, mesmo não produzindo cada uma das coisas que utiliza, produz
uma coisa que troca pelas outras. É possível ter acesso ao que se consome por
troca, isto é, a oferta de força de trabalho e os saberes específicos, fazem se em
troca de pagamentos que, por sua vez, vão permitir aceder á aquisição de bens.
Deste modo, a Economia estuda factos e fenómenos que são essenciais è vida
concreta das pessoas e sociedades de sempre, seja ao nível pessoal, de grupos
sociais ou sobre a incidência de determinados fenómenos no mundo, como as
guerras ou catástrofes naturais.
95
96
97
termos, e das quais apenas o movimento tem sido até hoje pressentido, dão
conteúdos concretos c evolutivos á luta contra a escassez eao principio da
economicidade.
.
A sociedade contemporânea do Ocidente é formada por três grupos sociais
estruturados, cuja hierarquia global já não depende de uma escala de valores
tradicionais, como nas sociedades de Antigo Regime. Os grupos são organizados
na perspetiva da luta económica: os sindicatos e associações profissionais, os
agrupamentos de consumidores, de compradores, de exportadores, os
entendimentos económicos e financeiros. Quanto aos grupos organizados, na
perspetiva de uma finalidade social, tais como os partidos, as ligas, as
agremiações, etc., participam, diretamente ou não, na formação e na aplicação
das decisões económicas do Estado (idem).
O indivíduo adquire a sua eficácia social dentro do grupo, no meio de uma rede
de alianças e de coligações. O Estado age pelos grupos e sobre eles para
coordenar e orientar as produções e as trocas (id ibid.: 20). Os grupos não
atuam num quadro institucional imutável. Todos se esforçam por modificar em
seu benefício, ou rio da sua coligação, as instituições e as regras do jogo. Logo,
a competição coletiva envolve, por todos os lados, as concorrências entre
indivíduos e pequenas unidades. Os agentes coletivos, capitalistas, operários de
indústria, agricultores, empregados, quadros participam num jogo coletivo de
regras evolutivas. O economista interessa se pelas funções sociais, cuja
efetivação dá à luta contra a escassez da plena eficácia. Esta finalidade dos atos
económicos, combinados e compostos no todo social, não se especifica e não se
determina senão pela forma e pelas originalidades deste todo (id., ibid.: 14).
98
99
gera desigualdades sociais, já que não afeta de igual modo toda a população.
Por exemplo, os indivíduos que têm rendimentos fixos ficam mais prejudicados,
porque o valor real dos rendimentos diminui. Assim sendo, a estabilidade do
nível de preços é um objetivo a atingir já que faz com que o sistema de mercado
funcione com maior transparência e eficiência.
4.4. PSICOLOGIA
100
4.S. HISTÓRIA
De acordo com Mare Bloch, o passado é, por definição, um dado que nada mais
o modificará. No entanto, o conhecimento do passado é uma coisa sempre em
progresso, que, incessantemente se transforma e aperfeiçoa (2002 [1993]: 75).
Mesmo o mais claro e complacente dos documentos não falam senão quando se
sabe interroga lo. É o tipo de pergunta que fazemos que condiciona a análise e
eleva ou diminui a importância redrada de um momento afastado. Bloch aceita
como definição de História como sendo a ciência dos homens no tempo (id ibid.:
101
Deste modo, "a história não é mais do que o conhecimento do passado humano,
mas o passado humano cm si mesmo, na sua totalidade" (Carbonell, 1976: 35),
ou seja, a História como a ciência que permite conhecer o passado.
102
4.6. DEMOGRAFIA
103
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105
106
No século XX, a Ciência Política viu alargar o seu objeto de estudo a todos os
domínios políticos onde o poder se manifesta sem, contudo, se verificar
unanimidade sobre a delimitação do objeto de estudo. Os especialistas não
estão de acordo sobre uma noção precisa do objeto da Ciência Polaca. Abordam-
no de diferentes ângulos, uns circunscrevem – no ao estado outros aplicam-no a
todas as manifestações de autoridade, transformando a na ciência do poder;
outros ainda o circunscrevem a conceções intermédias, entre esses dois
107
extremos. Para Duverger (citado por Fernandes, 1995: 14) "a ideia de poder
está na base de todas as definições de ciência política". Numa conceção
alargada, entende-se que tudo o que se refere ao poder depende da Ciência
Política; em sentido mais restrito, considera-se que somente alguns as petos ou
fornias de poder são estudados pela Ciência Política, os outros dependem de
outras Ciências Sociais.
108
Foi possível ver neste capítulo, em traços muito gerais, algumas das ideias
centrais que impulsionam a procura de conhecimento nestas Ciências Sociais e o
que têm sido os temas e perspetivas adotados. Esta breve passagem permitiu
constatar que existe uma multiplicidade de aspetos sociais estudados, todos eles
importantes e que descortinam perspetivas sobre as relações sociais complexas,
que se estabelecem nas sociedades e entre os indivíduos. E também permite
verificar o dinamismo que caracteriza as Ciências Sociais, acompanhando o
desenvolvimento social e histórico da sociedade.
Atividade formativa 4
109
1) Propõe-se que comece por fazer uma síntese dos conteúdos sobre o
desenvolvimento e transformações das Ciências Sociais. Elabore esquemas
comparativos e de distinção entre as várias ciências de objetos de estudo, de
perspetivas, etc.
2) Selecione uma das Ciências Sociais e realize una pesquisa mais aprofundada.
Elabore uma reflexão em que identifique os seguintes tópicos: as condições
sodo-históricas que propiciaram o seu aparecimento, os principais autores, as
principais metodologias e os "centros de interesse" de cada uma.
3) Imagine que tinha de fazer uma abordagem multidisciplinar e complementar
com recurso ás várias Ciências Sociais estudadas. Realize um pequeno ensaio
onde apresente abordagens possíveis da Sociologia, Antropologia, Demografia,
História, Economia e as questões de politica e cidadania, por exemplo, para o
estudo dos ciganos em Portugal.
Objetivos de aprendizagem
Identificar os principais contributos teóricos de Kart Marx para o
desenvolvimento da teoria sociológica.
110
Conhecer outras teorias explicativas, por exemplo, as que têm por base a
noção de cultura e traços culturais como marca identitária de um grupo ou
sociedade.
A principal preocupação dos autores das disciplinas de Ciências Sociais tem sido
a explicação e a compreensão das sociedades em que vivem e as interconexões
que se estabelecem entre elas. Neste capítulo recorre-se a Karl Marx, Émile
Durkheim e Max Weber, selecionados entre os autores clássicos para se
exemplificar como tem sido produzido este conhecimento explicativo da
realidade social. A opção por estes autores deve se ao facto de eles continuarem
a ser referências teóricas nas Ciências Sociais, com as suas explicações
desenvolvidas sobre as relações sociais e as fornias de organização social. Para
além destes três autores, apresentam-se também alguns exemplos de outras
teorias explicativas que, igualmente, procuram explicações para as relações
sociais, nus centram se, por exemplo, na análise de aspetos aglutinadores,
como as formas de sociabilidade ou nas diferenciações culturais.
Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber são considerados os principais clássicos
fundadores das Ciências Sociais, não só porque representam pontos de vista
111
Até hoje, as propostas defendidas por estes autores têm servido de objeto de
estudo a muitos outros cientistas sociais pois, apesar das muitas mudanças
verificadas no Mundo, como é o caso das grandes guerras, das várias
revoluções, do desenvolvimento acelerado da tecnologia da informação, as
teorias continuam atuais e aplicáveis na análise da realidade social. Sob esta
influência teórica, desenvolveram se estudos que favorecem a consolidação de
uma mentalidade cientifica no tratamento dos diversos campos das relações
sociais. Os acontecimentos do século XX, como o crescimento do capitalismo,
monopolizando produtos e mercados, a eclosão das guerras míndia is, a
organização do proletariado, as revoluções socialistas, o desenvolvimento dos
meios de comunicação, da informática, ao mesmo tempo que se tornam objeto
de análise das Ciências Sociais, levam a questionamentos básicos sobre a sua
própria existência.
112
Muitas vezes, as Ciências Sociais têm sido usadas para produzir conhecimentos
de interesse das classes dominantes, tornando se instrumentos de controlo, o
que acarreta a burocratização e a domesticação das suas pesquisas. Outras
vezes, mantêm uma postura crítica diante da ideologia dominante, trazendo,
como consequência, perseguições e incompreensões. A verdade é que não
existe ciência definitiva, pois o conhecimento renova-se continuamente. Mas,
seja enfatizando os fatores de estabilidade e manutenção da organização social,
seja concebendo a sociedade corno uma realidade de conflitos e contradições,
seja valorizando mais os seus aspetos teóricos, seja dando primazia às
pesquisas empíricas, as Ciências Sociais têm, ao longo do processo histórico,
encontrado o seu lugar no quadro das ciências.
Essas mudanças sociais são o objeto de estudo das Ciências Sociais, trazendo
questionamentos básicos sobre a existência do individuo. Hoje, as Ciências
Sociais beneficiam, mas também mantém uma postura crítica da ideologia
dominante, fazendo com que exista uma renovação permanente do
conhecimento por parte das várias disciplinas que as constituem.
113
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117
Na perspetiva de Campenhoudt (2003: 186), "A obra de Marx não visa somente
a interpretação da realidade social, mas a sua transformação. Ela é
emancipadora no sentido em que visa acordar a consciência crítica dos atores c
ajuda los a libertarem se de condições sociais julgadas injustas".
118
O autor foi o percursor da perspetiva de que o social apenas pode ser explicado
recorrendo ao social, ou seja, pela construção social através do corte
epistemológico com o senso comum, procurando obter um estatuto de
cientificidade para a Sociologia. No sentido de explicar a realidade social do seu
tempo, Durkheim desenvolveu a conceção sobre As regras do método
sociológico (Durkheim, 1984 [1895J), que se tomaram importantes para as
Ciências Sociais em geral, e para a Sociologia em particular. Esta conceção
assenta no pressuposto de que o facto social deve ser tratado como uma "coisa"
isto é, de acordo com o método científico.
Pode, ainda, dizer se que o facto social é a interação dos seres humanos através
do tempo e num espaço próprio. Cada facto social concreto deve ser referido a
um ambiente social particular e a um tipo definido de sociedade, pois um dado
facto social ocorre num determinado espaço físico e num determinado tempo
(época ou data específica). Só é possível compreender os factos sociais se se
119
Não há por assim dizer, acontecimentos humanos que não possam ser
apelidados de sociais. Todos os indivíduos bebem, dormem, comem, raciocinam,
e a sociedade tem todo o interesse em que estas funções se exerçam
regularmente. Ora, se estes factos fossem sociais, a sociologia não teria um
120
objeto que lhe fosse próprio e o seu domínio confundir-se ia com o da Biologia e
da Psicologia.
Mas, na realidade, há em todas as sociedades um grupo determinado de
fenómenos que se distinguem por características acentuadas dos estudados
pelas outras ciências da natureza. Quando desempenho a minha tarefa de
irmão, de esposo ou de cidadão, quando executo os compromissos que tomei,
cumpro deveres que estão definidos, para além de mim e dos meus atos, no
direito e nos costumes. Mesmo quando eles estão de acordo com os meus
sentimentos próprios e lhes sinto interiormente a realidade, esta não deixa de
ser objetiva, pois não fui eu que os estabeleci, antes os recebi pela educação.
[...]
Do mesmo modo ao nascer, os féis encontram já formadas as crenças e práticas
da sua vida religiosa; se existiam antes deles é porque existiam fora deles. O
sistema de sinais de que me sirvo para exprimir o pensamento, o sistema
monetário que emprego para pagar as minhas dívidas, os instrumentos de
crédito que utilizo nas minhas relações comerciais, as práticas seguidas na
minha profissão, etc., etc, funcionam independentemente do uso que delas faço.
Tomando, um após outro, todos os membros de que a sociedade se compõe,
pode repetir-se tudo o que foi dito a propósito de cada um deles. São pois
maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade
de existir fora das consciências individuais.
121
Esta definição do facto social pode, aliás, confirmar-se por uma experiencia
característica. Basta observar a maneira como são educadas as crianças.
Quando reparamos nos factos tais como são, e como sempre foram, salta aos
olhos que toda a educação consiste num esforço contínuo para impor ã criança
maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado
espontaneamente. Desde os primeiros tempos da sua vida que a obrigamos a
comer, a dormir, a beber a horas certas. Obrigamo-la á limpeza, à calma, á
obediência. Mais tarde, obrigamo-la a ter em conta os outros, a respeitar os
usos, as conveniências, a trabalhar, etc. etc. Se, com o tempo essa coerção
deixa de ser sentida, e porque, pouco a pouco, engendrou hábitos e tendências
internas que a torram inútil, mas que só a substituem porque derivam dela. [...]
Sem dúvida; mas se é geral, é porque ê coletivo (quer dizer, mais ou menos
obrigatório) e nunca coletivo por ser geral. é um estado do grupo que se repete
nos indivíduos porque se impõe a eles, está em cada parte porque está no todo,
e não no todo por estar nas partes. Isto é sobretudo evidente nas crenças e nas
práticas que nos são transmitidas já feitas pelas gerações anteriores: recebemo-
las e adaptamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma
obra secular, estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos
ensinou a reconhecer e a respeitar. Ora, é de notar que a imensa maioria dos
fenômenos sociais nos vem por esta via; mas, mesmo quando o facto social é
devido, em parte, á nossa colaboração direta, não ë de outra natureza. [...] (id,
ibid.: 35-36).
Assim, um facto social reconhece-se pelo poder de coerção externa que exerce
ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos. A presença desse poder é
122
123
significa que deixe de existir. A força coerciva aparece assim que se tenta opor
resistência à mesma.
124
Nessa perspetiva, a divisão do trabalho não pode ser explicada pelo tédio,
nem pela busca da felicidade, nem tão pouco pelo desejo de aumentar o
rendimento do trabalho coletivo. Sendo um fenómeno social, a divisão do
trabalho, não pode ser explicada a não ser por outro fenómeno social, e esse
125
A Ética protestante e o espirito capitalista, obra que Weber publicou sob a forma
de dois artigos longos, em 1904 e 1905, constitui a sua primeira tentativa para
126
tratar, num plano geral, alguns problemas atrás referidos. O autor constata o
contraste entre as condições de vida e perspetivas de trabalhadores ligados por
contrato e dos jornaleiros, correspondentes em grande medida ao que existe
entre a aceitação de padrões tradicionais de deferência e patronato, por um
lado, e uma atitude de individualismo económico, por outro. Esta última atitude
não constitui, porém, mera consequência das condições económicas dos
jornaleiros, mas antes faz parte de uma ética que contribui para a destruição da
antiga estrutura tradicional de latifúndios (Giddens, 1984: 181).
127
A elucidação desta anomalia exige não só uma análise do conteúdo das crenças
protestantes e urna avaliação da influência das mesmas sobre as ações dos
crentes, mas ainda uma especificação das características do capitalismo
ocidental moderno, como forma de atividade económica. Não só o
protestantismo difere em aspetos importantes da forma religiosa que o
precedeu, como ainda o capitalismo moderno apresenta características básicas
que o distinguem de todas as formas anteriores de atividade capitalista. A
característica dominante da moderna economia capitalista reside pois na
racionalização com base num cálculo rigoroso tendo em vista alcançar êxito
económico.
128
129
Para o autor, a posse de capital e de presença nos lugares de chefia por parte
de protestantes pode explicar se à sua riqueza geral superior à meda. portanto,
de certa forma, historicamente transmitida mas também por razões de ordem
de confissão religiosa. O autor remete para uma relação de causalidade entre as
peculiaridades espirituais inculcadas, que são determinantes para a escolha da
profissão e a carreira profissional.
no titulo deste estudo Weber usa a expressão "espírito do capitalismo" no
sentido de designar um “individuo histórico", ou seja, significa um complexo de
relações na realidade histórica congregadas num todo conceptual, sob o ponto
de vista do seu significado cultural. Este conceito histórico é um fenómeno que
tem um carácter individual antes de ser composto gradualmente a partir das
suas partes constitutivas decorrentes da realidade historica. Reforça o autor que
neste, tal como para qualquer fenómeno histórico, outros pontos de vista fariam
aparecer outros traços como essenciais, daí decorre que não se pode entender
por "espirito" do capitalismo apenas o que é significativo para esta exposição.
130
131
As Ciências Sociais, diz Weber, radicam num interesse pelos problemas práticos,
e no desejo de pôr em prática mudanças sociais desejáveis. Foi no interior desse
contexto que se manifestou a vontade de criação de disciplinas interessadas na
formulação de proposições "objetivas" relativas á realidade humana social e
cultural. Essa evolução não se fez acompanhar, porém, de uma compreensão
clara do significado da descontinuidade lógica essencial, que existe entre as
proposições factuais ou analíticas, por uma lado, e as proposições normativas
relativas não ao que "é" mas antes ao que "devia ser", por outro. A maioria das
132
Ambas essas conceções devem porém ser rejeitadas. Todos os juízos relativos a
decisões quanto á adoção de determinado modo de ação como "algo que deve
ser feito" podem ser decompostos em "meios" adaptados para alcançar
determinados "fins" gerais ou particulares. "Desejamos algo de concreto, ou 'por
si mesmo', ou como meio de alcançar outra coisa anda mais desejável"
(Giddens, 1984: 193). A análise científica permite determinar até que ponto um
dado conjunto de meios são, ou não, adequado para atingir um dado fim. Mas
não pode haver conhecimento científico que demonstre logicamente que um
homem deva considerar determinado fim como um valor.
O cientista social poderá ainda demonstrar quais as vantagens que poderá haver
em utilizar determinado meio em comparação com outro, quando se tem em
vista alcançar um certo objetivo, e também quais os custos implicados. Esses
custos na escolha de um determinado meio para alcançar um
determinado fim podem ser de duas espécies:
1) a realização parcial e não completa do fim em vista, ou 2) o aparecimento de
consequências adicionais que afetam de forma deletéria outros fins que o
indivíduo possa ter também em vista. A análise empírica, efetuada de forma
oblíqua, permite ainda avaliar o fim em si, determinando se é ou não possível
realiza- lo dado o contexto das circunstâncias históricas particulares em que se
procura alcançar o fim em causa.
Outro tema trabalhado por Weber é a separação lógica absoluta entre os juízos
de facto e os juízos de valor - ou seja, o facto de a Ciência não poder validar
ideais culturais - deve ser diferenciado do sentido, segundo o qual a própria
existência pressupõe a existência de valores que definem a análise científica
como uma atividade "desejável" ou "válida" em si. A Ciência baseia se também
133
em ideias que, tal como os outros valores, não podem ser cientificamente
comprovados. O principal objetivo das Ciências Sociais é pois, segundo Weber; o
de "compreender a originalidade característica da realidade em que vivemos" Ou
seja, o principal objetivo das Ciências Sociais consiste na tentativa de
compreensão das razões que fazem com que os fenómenos históricos
particulares sejam aquilo que são. Isto exige, porém, que se opere uma
abstração a partir da complexidade infinita da realidade empírica. A realidade
consiste numa profusão infinitamente divisível. Ainda que a concentração seja
colocada num único elemento dessa realidade, verificar se á que esse elemento
partilha dessa infinidade. Toda a forma de análise científica, todo o corpo de
conhecimentos científicos, pertença ele ao domínio das Ciências Naturais ou
Sociais, implica uma seleção operada a partir da infinidade da realidade
(Giddens, 1984: 197).
134
A criação de tipos ideais não constitui de modo algum um fim em si; a utilidade
de um dado tipo ideal só pode ser avaliada em relação a um problema ou um
tipo concreto de problemas, e o único propósito que orienta a sua elaboração é o
de facilitar a análise de questões empíricas.
135
136
137
Por todas estas razões, a adequação "causal" exige que seja possível
"determinar" que há uma possibilidade, que no caso ideal e raro poderá ser
traduzida em números, mas que é sempre suscetível de um cálculo, de que um
dado acontecimento observável (exterior ou subjetivo) será seguido ou
acompanhado por um outro "acontecimento".
138
139
Quando define uma taxonomia conceptual dos principais tipos de relação social e
de outras formas mais gerais de organização social, Weber fá lo, pois, em
termos de probabilidade. Toda a relação social de caráter durável pressupõe
uniformidades de conduta que, a nível básico, consistem naquilo que Weber
designa pelo nome de "uso" e de "costume". A uniformidade da ação social ê um
uso, na metida em que a probabilidade da sua existência no interior de um
grupo se baseia unicamente na prática da mesma. Um costume é apenas um
uso de longa data. Um uso ou costume é toda a forma de conduta "usual" que,
se bem que não seja expressamente aprovada ou desaprovada pelos outros, é
habitualmente adotada por um individuo ou um certo número de indivíduos. A
conformidade com o uso não é imposta por meio de qualquer tipo de sanção,
mas é antes uma questão de acordo voluntário da parte do agente.
As relações sociais mais estáveis são aquelas em que as atitudes subjetivas dos
indivíduos são orientadas pela crença numa ordem legítima (Giddens, 1984:
216).
A ação pode ser orientada pela crença numa ordem legítima sem que tal
implique a obediência ás regras impostas por essa ordem. Por exemplo, o
criminoso, embora violando as leis, adapta a sua conduta à existência dessas
leis, que reconhece através da adoção de metidas tendentes a levar a cabo com
êxito a sua atividade criminal.
Não existe uma fronteira empírica bem precisa entre o uso e o costume c aquilo
a que Weber dá o nome de "convenção". A conformidade não depende, neste
caso, da vontade do indivíduo. Se, por exemplo, um membro de um grupo que
goza de um prestígio social elevado desobedecer às convenções que regem as
boas maneiras, será provavelmente ridicularizado e votado ao ostracismo pelo
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144
Mais tarde, Giddens propõe uma definição da cultura, reforçando o poder das
relações sociais: *o conjunto de crenças, costumes e valores que se manifestam
nas inter relações entre os indivíduos e o conjunto de uma dada sociedade"
(Giddens, 1997: 46 47). Alguns autores introduziram o conceito de cultura
norma. Para Bauman (2000), a cultura é encarada com constrangimento
normativo: a cultura é um conjunto de crenças, valores e costumes que, sendo
interiorizados, na forma moral, determinam a conduta social. Neste contexto, a
cultura pressupõe uma unidade social, uma homogeneidade (que pode incluir
desvios e disfuncional idades sociais, logo, controlo e sanção dos indivíduos) a
volta de uma norma de "boa conduta" (Caria, 2008: 755).
145
[...] não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que Azem daqueles povos; [...]
na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica na sua terra.
Julgamos os outros pela ideia dos usos e costumes do país em que vivemos.
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Por seu lado, na mesma época, Margaret Mead (1901-1978) opta por orientar o
seu estudo sobre as diferenças dos géneros, isto é, sobre a maneira como um
individuo recebe a sua cultura e as consequências que isto pode provocar na
formação da sua personalidade. Interessa se sobre a forma como cada indivíduo
recebe a sua cultura e a integra no seu desenvolvimento pessoal (id., ibid.).
O seu estudo mais significativo (entre 1931 e 1933) é uma pesquisa realizada
em três sociedades de Nova Guiné, em que mostra, através destes grupos, que
as pretensas personalidades masculinas e femininas (consideradas universais,
por serem consideradas de origem biológica) não existem em todas as
sociedades. Demonstra então a relatividade dos papéis, dos estatutos e das
funções.
148
149
Cada um dos diferentes autores mais relevantes das Ciências Sociais estudou,
não o que se passa no âmbito de um grupo social ou de um indivíduo em
particular mas sim o que se passa entre diferentes grupos sociais ou indivíduos,
ou seja, nas relações entre eles. Esta é uma das tarefas que as Ciências Sociais
procuram fazer que é o estudo das relações sociais sob as suas múltiplas
formas.
150
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Por outro lado, os vários graus de intensidade que esta forma de sociabilidade
pode revelar permitiram a distinção de 3 tipos: a massa, quando o grau de
participação é fraco ao nível das relações e a parte intima dos indivíduos é
preservada, traduzindo-se, assim, no grau mínimo de intensidade de
participação em o Nós; a comunidade, em que o grau de participação é
intermédio mas revela estruturação, tradições e costumes comuns; e a
comunhão, em que os indivíduos se anulam pelo todo, sendo esta forma de
sociabilidade o ponto máximo da fusão no Nós.
152
leva a diferentes graus de intensidade nas relações com os outros, pelo que
Gurvitch distinguiu, neste contexto, as relações de aproximação, as relações de
afastamento e as relações mistas.
Neste sentido, Gurvitch dedicou uma parte da sua atenção ao fenómeno grupo.
Afirmando que os grupos se situam num plano macrossociológico, sendo as
formas de sociabilidade uma parte significativa da sua realidade. O autor
defende que estas unidades coletivas são um dos elementos constituintes das
sociedades globais e nelas se integram. Partindo da enumeração daquilo que os
grupos não são - uma coleção de indivíduos semelhantes ou categorias sociais,
médias estatísticas, ajuntamentos, relações sociais, conjuntos de estatutos e de
papéis sociais, associações, organizações e, por fim, formas de sociabilidade e
sociedades globais Gurvitch encontra a sua definição de grupo: "una unidade
coletiva real mas parcial, diretamente observável e assente em atitudes
coletivas, contínuas e ativas, tendo uma obra comum a realizar, unidade de
atitudes, de obras e de comportamentos, a qual constitui um quadro social
estruturável tendendo para uma coesão relativa das formas de sociabilidade"
(Gurvitch em Barata, 2004: 143-146).
153
Por outro lado, sociation é também tudo o que se relaciona com os impulsos,
interesses ou motivações que estão presentes nos indivíduos, de modo a
provocar ou receber tais efeitos daí que só se tomam fatores de sociation
quando a agregação de indivíduos isolados se transforma em formas especificas
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Numa tentativa de esclarecer o conceito que desenvolveu, aludiu aos rituais dos
índios Hopi do Novo México, rituais estes que têm o objetivo de fazer chover em
tempo de falta de água: embora causar chuva não seja um resultado natural da
cerimónia, é nessa cerimónia que se revela a sua função latente, isto é,
"reforçar a coesão do grupo, oferecendo uma ocasião periódica aos seus
membros disseminados de se reunirem a fim de participarem numa atividade
comum" (Merton em Campenhoudt, 2003: 71).
Pelos vários exemplos apresentados neste capítulo, pode concordar-se que cada
um dos autores, desde os considerados clássicos, quer alguns mais
contemporâneos socorrem-se de diferentes abordagens e de conceitos para a
explicação e compreensão da realidade social. Com estes exemplos, verifica se
que é possível apreender a organização subjacente a cada formação social de
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Atividade formativa 5
1 – Elabore um pequeno ensaio sobre a dicotomia entre natureza e cultura
Objetivos de aprendizagem
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Também fatores culturais podem ser importantes para a mudança social, por
exemplo, a religião tanto pode ser urra força conservadora como uma força
inovadora na vida social (id, ibid.).
O impacto dos fatores enunciados varia de acordo com o tempo e o lugar. Não
se pode isolar um deles como influência determinante sobre todo o
desenvolvimento social humano. Pode-se, contudo, tentar identificar as maiores
influências no sentido de mudança social. Aqui salienta-se: as influências
económicas, sobretudo com o impacto nas sociedades do capitalismo industrial e
a sua influência nos modos de vida dos indivíduos; as influências politicas,
nomeadamente com as lutas entre nações no sentido de expandir os seus
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Para além das alterações no modo como se pensa, houve também alterações de
conteúdo das ideias. Ideais como o de aperfeiçoamento pessoal, da liberdade,
da igualdade e da participação democráticas são, em grande parte, criações
recentes. Para onde conduz a mudança atualmente? Quais os principais
desenvolvimentos que vão afetar as vidas neste século?
Apresenta-se a perspetiva de Anthony Giddens sobre As consequências da
modernidade e a de Ulrick Beck sobre a Sociedade de risco, sendo que ambos os
autores refletem ampla e aprofundadamente sobre a mudança social.
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Max Weber era mais pessimista que Marx e Durkheim Considerava o mundo
moderno paradoxal, no qual o progresso material era obtido à custa da
expansão da burocracia, que esmagava a criatividade e a autonomia individuais
(o Taylorismo) (Idem).
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Nenhuma classe social nem nenhuma nação estão ao abrigo de riscos maiores,
mesmo que as suas capacidades de se protegerem dos riscos sejam desiguais,
como se pode verificar pela instalação de indústrias poluentes em países menos
desenvolvidos ou em zonas mais desfavorecidas.
Este olhar atento às transformações sociais que podem ter efeitos nefastos para
os seres humanos pela degradação das condições climatéricas e outro tipo de
impactos ambientais nocivos, tem produzido efeito nas Ciências Sociais com o
surgimento de novas ramificações das áreas disciplinares, por exemplo, o caso
da Cidadania Ambiental, Ecologia, Sociologia do Ambiente, Sociologia do
Consumo, etc.
Atividade formativa 6
1) Tendo em conta os contributos de Giddens e Beck, analise de que forma é que
os modos de vida e as instituições sociais das sociedades modernas são
radicalmente diferentes das anteriores, incluindo as do passado relativamente
recente. Justifique a afirmação e refira se aos impactos sociais dessas
alterações recorrendo às teorias destes dois autores.
2) Elabore uma pequena reflexão sobre o impacto que as transformações sociais
têm no desenvolvimento das Ciências Sociais.
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CONCLUSÕES
As ciências sociais não constituem um imenso puzzle cie que cada pesquisa é
uma peça. Pode-se apresenta-las como constituindo um oceano que não cessa
de avançar, sustentado por obras marcantes que constituem as correntes
marítimas. Estas abraçam-se e combatem-se, são mas quentes quando outras
são mais frias e mais frias quando outras são mais quentes, dotando deste
modo o oceano, não de uma substancia homogénea, mas de uma consistência
dinâmica. Não existe uma conceção ouve realmente admitida de trabalho
cientifico em ciências sociais, sendo o único ponto de acordo mais ou menos
geral é o de que a própria conceção do trabalho científico em ciências sociais
deve ser objeto de um incessante debate. Se se trata de ciência, é neste debate
que esta em primeiro lugar reside. A acumulação científica não se encontra num
armazenamento de verdades, mas antes num progresso de capacidade de
formular, sobre melhores bases teóricas e empíricas os desacordos
(Campenhoudt, 2003: 293).
A realidade social deve ser entendida como uma totalidade, tendo em conta a
noção de fenómeno social de Mareei Mauss, em que se sustenta, em simultâneo,
a unidade e a pluralidade das Ciências Sociais, sendo que esta visão integrada
das Ciências Sociais potencia o conhecimento científico. Abstrair, racionalizar,
conseguir deixar de olhar a realidade social sob um ponto de vista particular
consiste num percurso difícil, por se ter de prescindir das "verdades" individuais
e iniciar um percurso de aprendizagem em que se vão fazendo descobertas com
formulações objetivadas através de urna análise reflexiva e argumentativa
sistemática.
Espera- se que esta metodologia possa ter contribuído para a desconstrução das
evidências do senso comum, através de um processo de rutura, pela
identificação c discussão dos obstáculos epistemológicos. Este processo implica a
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