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geriatria ESSENCIAL

Organizadores
Leonardo da Costa Lopes
Maíra Tomayno de Melo Dias

Aleksander Prokopowitsch | André Felício | Ceres Eloah


Christyanne Maria Rodrigues Barreto de Assis | Fábio César Gravina Olivieri
Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli Braga | Juliano Silveira de Araújo
Júlio César Menezes Vieira | Keite Priscila Paiá | Leonardo da Costa Lopes | Luciana Avena
Maria Cecília Bernardes Pereira | Michele Bautista | Paula Cristina Eiras Poço | Rita Toledo
Vanessa Silva Suller Garcia | Vivian Romero
geriatria ESSENCIAL
Organizadores
Leonardo da Costa Lopes
Maíra Tomayno de Melo Dias

Aleksander Prokopowitsch | André Felício | Ceres Eloah


Christyanne Maria Rodrigues Barreto de Assis | Fábio César Gravina Olivieri
Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli Braga | Juliano Silveira de Araújo
Júlio César Menezes Vieira | Keite Priscila Paiá | Leonardo da Costa Lopes | Luciana Avena
Maria Cecília Bernardes Pereira | Michele Bautista | Paula Cristina Eiras Poço | Rita Toledo
Vanessa Silva Suller Garcia | Vivian Romero
Organizadores
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
- Coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Geriatria da Faculdade IPEMED de
Ciências Médicas;
- Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (AMB);
- Médico Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de
São Paulo (HU-USP);
- Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Profa. Dra. Maíra Tomayno de Melo Dias


- Gestora dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação:
Conhecimento e Inclusão Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);
- Pesquisadora do Grupo de Pesquisas e Estudos de Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula
(GEPSA), vinculado ao Laboratório de Psicologia da Educação Helena Antipoff / UFMG.
AUTORES
Prof. Dr. Aleksander Prokopowitsch
- Professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Doutor em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP);
- Especialista em Reumatologia pela Sociedade Brasileira de Reumatologia;
- Médico Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de São
Paulo (HU-USP);
- Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP).

Prof. Dr. André Felício


- Coordenador do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Neurologia da Faculdade IPEMED de
Ciências Médicas;
- Pós-Doutor no Pacific Parkinson´s Research Center, University of British Columbia (Vancouver, Canada);
- Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP);
- Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN);
- Administrador com Master in Business Administration (MBA) pela Universidade Paulista (UNIP);
- Residência Médica em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (USP);
- Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Profa. Dra. Ceres Eloah


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Pós-doutora em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP);
- Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);
- Mestre em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);
- Pós-Graduada em Gerontologia Social pelo Instituto Sedes Sapientiae (SP);
- Profa. de Saúde Mental da Universidade de Taubaté (SP);
- Membro do GNCC- Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do HC-FMUSP;
- Graduada em Enfermagem pelo Centro Universitário São Camilo.

Profa. Christyanne Maria Rodrigues Barreto de Assis


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Clínica Médica pela Beneficência Portuguesa de São Paulo;
- Especialista em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP);
- Graduada em Medicina pela Universidade de Taubaté.
Prof. Fábio César Gravina Olivieri
- Professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP);
- Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP);
- Médico Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo;
- Médico do Corpo Clínico do Hospital Sírio-Libanês (SP).

Profa. Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli Braga


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Clínica Médica pela Beneficência Portuguesa de São Paulo;
- Especialista em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo;
- Pós-graduada em Cuidados Paliativos pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês (SP);
- Graduada em Medicina pela Universidade de Taubaté (SP).

Prof. Juliano Silveira de Araújo


- Professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (AMB);
- Pós-Graduado em Distúrbios da Cognição pelo Hospital das Clínicas da Universidade de Medicina
de São Paulo;
- Pós-Graduado em Cuidados Paliativos pelo Hospital Sírio-Libanês (SP);
- Professor da Disciplina de Comunicação em Saúde IV da Universidade Potiguar (UnP), no Rio
Grande do Norte;
- Graduado em Medicina pela Universidade do Estadual do Piauí (UESPI).

Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira


- Professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Mestre em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG);
- Especialista em Psiquiatria pelo Instituto de Pesquisa e Ensino Médico – IPEMED;
- Especialista em Treinamento Profissional Geriatria e Gerontologia pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG);
- Especialista em Treinamento Profissional Avançado em Geriatria pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG);
- Pós-Graduado em Atenção Básica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);
- Pós-Graduado em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP);
- Médico Psiquiatra Assistente e diretor clínico do Hospital Espírita André Luiz, em Belo Horizonte (MG);
- Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Profa. Keite Priscila Paiá
- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Geriatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo;
- Especialista em Medicina de Família e Comunidade da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
(SBMFC/AMB);
- Especialista em Clínica Médica Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM/AMB);
- Residência médica em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade Estadual de Campinas (SP);
- Graduada em Medicina pela Universidade São Francisco, Bragança Paulista (SP).

Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes


- Professor do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (AMB);
- Médico Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de São
Paulo (HU-USP);
- Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Profa. Dra. Luciana Avena


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Doutora em Ciências Médicas;
- Médica assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP);
- Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Profa. Maria Cecília Bernardes Pereira


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Residência Médica em Geriatria pela Universidade de São Paulo;
- Graduada em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba.

Profa. Michele Bautista


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade de Pernambuco;
- Pós-Graduada em Cognição e Comportamento pela Universidade de São Paulo;
- Médica Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital dos Servidores do Estado da Faculda-
de Maurício de Nassau (UNINASSAU);
- Graduada em Medicina pela Universidade de Pernambuco.
Profa. Paula Cristina Eiras Poço
- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Especialista em Geriatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Médica Assistente do Serviço de Humanização do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo;
- Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Profa. Me. Rita Toledo


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Mestre em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Especialista em Estomaterapia pela Universidade de São Paulo;
- Chefe da Unidade de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
- Enfermeira chefe do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Graduada em Enfermagem pela Universidade Paulista (UNIP).

Profa. Vanessa Silva Suller Garcia


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Especialista em Educação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Especialista em Clínica Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
- Especialista em Geriatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Prof. Me. Vivian Romero


- Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Faculdade IPEMED de Ciências Médicas;
- Mestre em Ciências da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
- Especialista em Linguagem do Adulto e do Idoso pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo;
- Especialista em Reabilitação em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo;
- Fonoaudióloga na Prevent Senior;
- Graduada em Fonoaudiologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
GERIATRIA ESSENCIAL

Organizadores
Leonardo da Costa Lopes Colaboração
Maíra Tomayno de Melo Dias Ana Rosa Venâncio
Laís German
Autores Luciana Puddo
Aleksander Prokopowitsch Tatiana Kioki
André Felício
Ceres Eloah Revisão
Christyanne Maria Rodrigues Barreto de Assis Simone Santos - MG03194JP
Fábio César Gravina Olivieri
Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli Braga Projeto gráfico e diagramação
Juliano Silveira de Araújo Rodrigo Cabido
Júlio César Menezes Vieira
Keite Priscila Paiá Foto capa
Leonardo da Costa Lopes Shutterstock
Luciana Avena
Maria Cecília Bernardes Pereira
Michele Bautista
Paula Cristina Eiras Poço
Rita Toledo
Vanessa Silva Suller Garcia
Vivian Romero

Ficha Catalográfica
Maria Fernanda Mayer de Camargo - Bibliotecária - CRB/6: 3103

L864g Lopes, Leonardo da Costa


Geriatria Essencial / Lopes, Leonardo da Costa; Dias, Maíra
Tomayno de Melo - Organizadores - 1.ed. - Belo Horizonte:
Faculdade IPEMED de Ciências Médicas, 2018.

359 p.: il.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-93579-05-9

1. Geriatria. 2. Epidemiologia e teorias biológicas do


envelhecimento.3. Mudanças no organismo e no metabolismo do idoso.
4. Avaliação geriátrica ampla – conceitos e abordagem prática.
I.Prokopowitsch, Aleksander. II.Eloah, Ceres. III.Assis, Christyanne
Maria Rodrigues Barreto de. IV. Olivieri, Fábio César Gravina. V.
Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli. VI.Araújo, Juliano Silveira
VII. Vieira, Júlio Cesar Menezes. VIII.Paiá, Keite Priscila. IX.
Leonardo da Costa. X. Avena,Luciana. X.Pereira, Maria Cecília
X.Bautista, Michele. X. Poço, Paula Cristina Eiras. X.Pinto, Rita de
Cassia Toledo. X. Garcia, Vanessa Silva Suller. X. Romero, Vivian. X.
Carvalho. X. Dias, Maíra Tomayno de Melo.

CDD: 618.97
CDU: 616-053.9
ÍNDICE

1. Epidemiologia e teorias biológicas do envelhecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2. Mudanças no Organismo e no Metabolismo do Idoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3. Avaliação Geriátrica Ampla – Conceitos e Abordagem Prática. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

4. Fármacos no Idoso e Iatrogenia Terapêutica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

5. Cardiogeriatria – parte 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

6. Cardiogeriatria​​ –​​ Parte ​​2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

7. Doenças do Aparelho Digestivo do Idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

8. Epilepsia e Parkinsonismo no Idoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

9. Demências no Idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

10. Delirium no Idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169

11. Depressão no Idoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

12. Transtornos de ansiedade e sono no idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187

13. Transtorno bipolar em idosos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

14. Psicose no idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

15. Principais doenças reumatológicas em geriatria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229

16. Doenças endócrinas do envelhecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243

17. Tontura e vertigem no idoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275

18. Instabilidade, Quedas e Imobilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295

19. Envelhecimento do aparelho geniturinário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303

20. Incontinência Urinária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327

21. Disfagia e Lesão por Pressão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335


editorial

O envelhecimento populacional é um fenômeno cada vez mais presente, com impactos evi-
dentes sobre a saúde. É natural que influencie a educação médica, à medida que se percebe
a necessidade do aprendizado especializado para que os cuidados com a saúde do idoso
sejam precisos, sem serem iatrogênicos; e eficazes; sem serem fúteis.

Um livro sobre Medicina Geriátrica para ser didático, e ao mesmo tempo fonte de consul-
tas ao estudante que se aproxima desta área do conhecimento médico, deve ser concebido
como um desafio. Trata-se de compreender a saúde do idoso sob o olhar do especialista
em uma faixa etária, sem deixar de manter a abrangência necessária para considerar as
peculiaridades de seus órgãos e sistemas. Além disso, é mister que esclareça a importância
de se obter do paciente não somente suas queixas físicas e resultados laboratoriais, mas
também suas características sociais, psicológicas, econômicas e espirituais, para citar ape-
nas algumas das peças fundamentais para a boa prática geriátrica. Isto porque a Medicina,
isoladamente, não reúne todo o conhecimento necessário para uma adequada assistência
ao idoso. É neste sentido que um livro sobre Geriatria, para ser útil, precisa ser também
gerontológico.

A prática geriátrica é um encontro permanente com a heterogeneidade da biologia humana,


e é também fortemente afetada pela biografia de quem envelhece. É na busca pelo conhe-
cimento geriátrico que entenderemos como as doenças possuem apresentações polimór-
ficas. Este exercício contínuo, diferente daquele aprendido no modelo clínico tradicional,
nos permitirá perceber as manifestações atípicas como as mais habituais, a multicausa-
lidade como regra, a fragilidade como contingência, a autonomia como bem precioso, o
efeito adverso de fármacos como um vilão audaz, a reabilitação como recurso eficiente e a
dependência como o maior temor do envelhecimento.

É neste contexto que elaboramos esta obra, produzida exclusivamente para os alunos do
Curso de pós-Graduação Lato sensu em Geriatria da Faculdade IPEMED. Ao longo de seus
22 capítulos, elaborados por uma equipe de 17 especialistas, abordamos os aspectos mais
importantes da saúde do idoso e incluímos diversos casos clínicos para maior fixação dos
conteúdos. A intenção é que nossos estudantes, já apaixonados pela Geriatria, aprendam
também a amá-la, com todo o seu saber e de todo o seu coração.

Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes


Coordenador do Curso de pós-Graduação Lato sensu em Geriatria da Faculdade IPEMED.
CAPÍTULO

Epidemiologia e teorias
biológicas do envelhecimento
Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira
Epidemiologia e teorias biológicas
do envelhecimento
Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira

Epidemiologia do envelhecimento

1. Principais Aspectos da Transição Demográfica


no Mundo e no Brasil
1.1 Transição Demográfica no Mundo
Pela primeira vez na humanidade, a maioria das pessoas pode esperar envelhecer, pois a expecta-
tiva de vida geral aumentou significativamente nas últimas década. Apesar de fases de envelhe-
cimento diferentes ao redor do planeta, todo o mundo está envelhecendo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que o adulto idoso é o habitante acima de 60
anos de idade nos países em desenvolvimento e, nos países desenvolvidos, acima de 65 anos. Um
país é considerado jovem quando sua população tem menos de 7% de idosos, enquanto um país
é considerado velho ao atingir a taxa populacional de idosos acima de 14%. A população mundial
de idosos está em torno de 8%, portanto, em envelhecimento.

Em 2050, a expectativa de vida nos países desenvolvidos será de 87,5 anos para os homens e 92,5
anos para as mulheres. Já nos países em desenvolvimento, será de 82 anos para os homens e 86
anos as para mulheres. Há uma previsão que a Coreia do Sul seja o primeiro país a atingir a ex-
pectativa de vida de 100 anos. Embora percebamos que nos países desenvolvidos haja tendência
de estabilização do crescimento populacional de idosos, nos em desenvolvimentos o aumento do
número de idosos continua desenfreado (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Projeção de crescimento da população idosa de 1950 a 2050


entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento

2.100.000

1.800.000

1.500.000

1.200.000

900.000

600.000

300.000

0
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
2020
2025
2030
2035
2040
2045
2050

Mundo Desenvolvidos Em desenvolvimento

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007


As significativas alterações na estrutura etária da população – Transição Demográfica – ocor-
reram devido à redução das taxas de mortalidade infantil e, depois de um tempo, à queda das
taxas de fecundidade, o que ocasionou o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da
população. Estes fenômenos explicam dois movimentos os babies boomers e os elderly boomers.
Os babies boomers são resultado do enorme crescimento populacional, uma explosão – boomers
– da faixa etária infantojuvenil nas décadas de 1950 e 1960, devido à diminuição da taxa de mor-
talidade infantil e à manutenção das altas taxas de fecundidade. Ao passar dos anos, estes babies
boomers se tornam os elderly boomers, isto é, os idosos de hoje, e das próximas décadas, em cres-
cimento vertiginoso uma vez que é esta a faixa etária que mais cresce, pois hoje vivemos baixas
taxas de fecundidade (Gráficos 2 e 3).

Gráfico 2 - Taxa de Mortalidade Infantil por sexo - Brasil - 2000/2060

35,0
29,0

30,0
Mulheres
Ambos os sexos
25,0
Homens
17,2
20,0

11,6
15,0

9,0
10,0 7,9 7,3 7,1

5,0

0
2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050 2055 2060

Fonte: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais (COPIS) da Diretoria de Pesquisas (DPE), 2013

Gráfico 3 - Taxa de Fecundidade Total - 1940/2010

9,0

8,0

7,0

6,0

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0
1940 1950 1960 1970 1980 199 0 20 0 0 2010 2020 2030

Fonte: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais (COPIS) da Diretoria de Pesquisas (DPE), 2013

Capítulo 1 15
A expectativa de vida tem aumentado dramaticamente nos Estados Unidos, de cerca de 47 anos
em 1900 para 77 anos de idade em 2002. Para os idosos de 65 anos, a esperança média de vida é
superior a 16 anos e para as idosas, é quase 20 anos; aos 85 anos, os homens podem esperar viver
mais 6 anos e as mulheres mais 7 anos. A população idosa é a única faixa etária que deverá cres-
cer substancialmente nas próximas décadas. A expectativa de vida média, em todo o mundo,
aumentou para 65 anos e espera-se para 2030, população de idosos em torno de um bilhão de
pessoas. Em 2050, o número de pessoas acima de 65 anos é projetado entre 2 a 2,5 bilhões em
todo o mundo, 20% da população total.

Os idosos muito idosos, ou seja, acima de 80 anos, constituem um dos subgrupos de maior cres-
cimento populacional. Em 1900, pouco mais de 100 mil pessoas atingiam os 85 anos de idade nos
Estados Unidos. A estimativa era de 4,2 milhões de octogenários em 2000 naquele país. Em 2050,
haverá de 19 milhões a 24 milhões de pessoas com 85 anos ou mais nos EUA, 5% da população
total do país.

Como dito anteriormente, há diferentes momentos de envelhecimento em todo o mundo, por


exemplo, há projeções de aumentos substanciais nos próximos 25 anos nos idosos da América
do Norte, da Europa, da Ásia, da América Latina e do Caribe, com menores aumentos esperados
para áreas como a África Subsaariana, onde tanto a fertilidade quanto as taxas de mortalidade
são altas. A China deverá ter 270 milhões de idosos — quase a população total dos Estados Unidos
no início do século XXI.

1.2 Transição demográfica no Brasil


A expectativa de vida do brasileiro atualmente é de, aproximadamente, 71,6 anos para os ho-
mens e 78,8 anos para as mulheres. A estimativa é de 80 anos, em média, em 2041. As projeções
indicam que, em 2050, a população brasileira será de 253 milhões de habitantes, a quinta maior
do planeta, abaixo apenas da Índia, China, EUA e Indonésia. E, consequentemente, o sexto país
do mundo com o maior número de pessoas idosas, segundo dados da OMS, já para 2025.

Em quase 70 anos, desde 1950, o Brasil vive uma revolução demográfica. Os idosos brasileiros
correspondiam a 4,5% em 1950. Em 2010, eram aproximadamente 39 idosos para cada grupo de
100 jovens. As estimativas populacionais realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística (IBGE) apontam para uma taxa de 23,8% de idosos em 2040. Teremos 63 milhões de idosos
brasileiros em 2050. Com o crescimento do número de idosos em relação à população jovem, esti-
ma-se a inversão da relação entre jovens e idosos, com 153 idosos para cada 100 pessoas menores
de 15 anos (Gráfico 4). Ao contrário do que ocorreu em muitos países desenvolvidos, no Brasil,
como observado, esse envelhecimento tem sido muito rápido. Em 40 anos, a população idosa vai
triplicar no Brasil, de 19,6 milhões, em 2010, para 66,5 milhões em 2050. A França era considera-
da um país jovem em 1865 e somente após 115 anos, em 1980, foi considerada envelhecida.

16
Gráfico 4 - Projeção da população por sexo e idade: Brasil 2000-2060

1950
80+ Homens
75 a 79 Mulheres
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44
35 a 39
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
5a9
0a4
10.000.000 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000

2000
80+
Homens
75 a 79
Mulheres
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
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2010
80+
Homens
75 a 79
Mulheres
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44
35 a 39
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
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10.000.000 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000

Capítulo 1 17
2020
80+
Homens
75 a 79
Mulheres
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44
35 a 39
30 a 34
25 a 29
20 a 24
15 a 19
10 a 14
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2030
80+
Homens
75 a 79
Mulheres
70 a 74
65 a 69
60 a 64
55 a 59
50 a 54
45 a 49
40 a 44
35 a 39
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25 a 29
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15 a 19
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2050
80+ Homens
75 a 79 Mulheres
70 a 74
65 a 69
60 a 64
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50 a 54
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10.000.000 8.000.000 6.000.000 4.000.000 2.000.000 0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000

Fonte: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais (COPIS) da Diretoria de Pesquisas (DPE), 2013

18
1.3 As consequências do envelhecimento da população
A transição demográfica traz consigo a transição epidemiológica. A maioria dos idosos tem
pelo menos uma doença crônica, e muitos têm polipatologias (mais de 5 doenças clínicas) e em
uso de polifarmácia (mais de cinco fármacos). As doenças mais comuns nas pessoas idosas nos
Estados Unidos são a artrite, hipertensão e doenças cardiovasculares. As deficiências senso-
riais também são prevalentes: entre os habitantes de 65 a 74 anos, 30% relatam problemas de
visão; e 18% de audição. Estas taxas são aproximadamente duas vezes mais altas para pessoas
a partir de 85 anos.

A literatura mostra que quase 50% dos idosos apresentam comorbidades clínicas. Entre os oc-
togenários e mais velhos, 70% das mulheres e 53% dos homens tinham comorbidade. Nos EUA,
a taxa de idosos com sobrepeso subiu de 57% para 73% entre 1976 e 2002; e a de obesidade au-
mentou de 18% para 36%. As doenças cardíacas, neoplásicas e o acidente vascular encefálico cor-
respondem a duas de cada três mortes entre os idosos e são também responsáveis por inúmeras
consultas médicas e dias de internação. Apesar de altas, as taxas de mortalidade devido à doença
cardíaca e cerebrovascular diminuíram aproximadamente um terço de 1981 a 2001 por causa dos
programas de prevenção nos países desenvolvidos. O tabagismo também diminuiu, em 2002,
para 10% entre os homens mais velhos, e tem permanecido constante nos últimos anos em cerca
de 9% entre as mulheres mais velhas. Entretanto, as taxas de mortalidade devido a diabetes e
doenças respiratórias crônicas aumentaram 43% e 62%, respectivamente.

Com o envelhecimento, há declínio da reserva funcional e consequentemente maior risco de fra-


gilidade. Aproximadamente 23% dos indivíduos entre 65 e 84 anos e 48% daqueles com 85 anos
ou mais apresentam alguma necessidade de ajuda para o desempenho das atividades de vida
diárias (AVDs). De modo geral, os homens tendem a ter menor probabilidade de realizar de forma
independente as AVDs em todas as faixas etárias.

A feminização do envelhecimento é outro grande marco da senescência. Em todo o mundo, há


uma tendência de disparidade da razão entre os gêneros com o envelhecimento populacional.
A Organzaição das Nações Unidas (ONU) estima aproximadamente que serão 24 milhões de ho-
mens idosos e 30 milhões de mulheres idosas em 2040, uma diferença de 6,2 milhões. A razão
deve cair para 79 homens para cada 100 mulheres entre a população idosa. Em 2000, entre os
octogenários, a relação era de 60 homens para cada 100 mulheres; a previsão para 2020 será de
51 homens para 100 mulheres.

Além das doenças cardiovasculares e neoplásicas - que têm seu pico de incidência entre 50 a 69
anos -, as comorbidades neurodegenerativas ocupam papel importante no envelhecimento devi-
do ao aumento da incidência diretamente ligada ao acúmulo de anos, principalmente, após os 80
anos. A demência de Alzheimer é a sexta causa de morte entre os norte-americanos acima de 65
anos. A incidência da demência de Alzheimer duplica a cada cinco anos, sendo em torno de 5 %
aos 65 anos e pode chegar a 35 a 50% aos 80 anos. A Doença de Parkinson é a segunda causa mais
comum de doença neurodegenerativa, perdendo apenas para a demência de Alzheimer. A pre-
valência estimada é aproximadamente 3% no Brasil, sendo 90% em torno dos 60 anos de idade.

Capítulo 1 19
A pergunta que não se cala é: estamos preparados para o envelhecimento do povo brasileiro?

Ao analisar a formação dos profissionais para atender as demandas específicas do envelhecimen-


to, nós nos deparamos com a carência de profissionais especializados e qualificados. Em 2012,
pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), tínhamos 1.047 geriatras e 248 ge-
rontólogos titulados. E em 2015, eram 1300 geriatras titulados dando média de um geriatra para
aproximadamente 17.615 idosos, segundo a SBGG.

Além da escassez de profissionais qualificados, deparamos com o aumento da pressão sobre os


sistemas de proteção social, principalmente em virtude da queda da relação entre o número
da população que contribui e o aumento crescente daqueles que se aposentam. De acordo com
dados norte-americanos, a despesa total do Medicare (sistema de seguros de saúde do governo
dos Estados Unidos destinado aos idosos) aumentou de 33,9 bilhões de dólares em 1980 para
252,2 bilhões de dólares em 2002, e é projetado crescimento de duas vezes ou mais nas próxi-
mas décadas.

E, por isso, as atuais discussões acaloradas sobre a previdência social. O Brasil não pode mais
adiar a discussão sobre o envelhecimento da população, suas repercussões quanto a maior exi-
gência a pensões e cuidados de saúde. Essas tendências representam um desafio significativo
para a comunidade, profissionais da saúde e os próximos governantes.

1.4 Teorias biológicas do envelhecimento


Por que envelhecemos? Esta é a pergunta que a humanidade se faz desde os primórdios. No en-
tanto, apesar de recentes avanços na biologia molecular e genética, os mistérios que controlam a
vida humana estão ainda a serem desvendados. Muitas teorias têm sido propostas para explicar
o processo de envelhecimento, mas nenhuma delas parece ser totalmente satisfatória.

As teorias biológicas modernas do envelhecimento em seres humanos seguem duas correntes:


a teoria Programada e a teoria Estocástica. A teoria Programada implica que o envelhecimento
segue uma agenda biológica, talvez, uma continuação do que regula o desenvolvimento e cres-
cimento da infância até o envelhecimento – “um relógio biológico”. Este mecanismo depende
de alterações na expressão gênica que afetam o sistema responsável pela defesa, reparação e
manutenção da vida celular. Enquanto a teoria Estocástica enfatiza que as agressões ambientais
induzem danos acumulativos em vários níveis celulares, como a causa do envelhecimento, a
teoria Programada tem três subcategorias:

1) Longevidade programada: o envelhecimento é o resultado da expressão “liga” ou “desliga


“de certos genes, sendo a senescência o resultado da expressão ou supressão gênica;

2) Teoria do sistema endócrino: o relógio biológico agiria através de hormônios para controlar
o ritmo do envelhecimento. Estudos recentes especulam que o envelhecimento é regulado
pela via de sinalização hormonal de insulina/IGF-1(Insulin Growth Factor 1 ou Fator de
crescimento Insulina-1);

3) Teoria imunológica: o sistema imunológico é programado para declinar ao longo do tempo,


o que leva a uma maior vulnerabilidade a doenças infecciosas e, assim, envelhecimento e
morte. Está bem documentada que a eficácia do sistema imunológico declina posterior-
mente com o avanço na idade. O Inflammaging caracteriza-se pela resposta inflamatória
especifica que ocorre com o avançar da idade. Por exemplo, o inflammaging associado a

20
doenças cardiovasculares seria um dos principais mecanismos diretos ou indiretos na fi-
siopatologia da doença de Alzheimer e do câncer.

A teoria Estocástica inclui:

1) Teoria do uso e desgaste: as células e os tecidos têm partes vitais que desgastam resul-
tando em envelhecimento devido ao uso repetido. A teoria do desgaste para o envelhe-
cimento foi introduzida pela primeira vez pelo dr. August Weismann, biólogo alemão, em
1882. Porém, esta teoria é completamente discordante com as observações práticas e não
apresenta evidências robustas na literatura para sustentá-la;

2) Teoria das Modificações Proteicas (Cross-Linking): a teoria do cross-linking do envelheci-


mento foi proposta por Johan Bjorksten, em 1942. De acordo com esta teoria, um acúmulo
de proteínas com alterações de sua estrutura pré-existente (cross-linking) danificaria as
células e os tecidos, diminuindo assim os processos vitais, resultando em envelhecimento.
Ex: o colágeno e a elastina;

3) Teoria dos Radicais Livres: foi introduzida pela primeira vez pelo dr. Gerschman, em 1954,
mas foi desenvolvida pelo dr. Denham Harman. Propõe que os radicais livres causam da-
nos aos componentes macromoleculares das células, dando origem a danos acumulativos,
fazendo com que as células e, eventualmente, órgãos, parem de funcionar. A formação
de espécies reativas de oxigênio (ROS) é provavelmente a mais importante via de radicais
livres responsável pelo desenvolvimento da senescência celular e pelo envelhecimento do
organismo. As macromoléculas como proteínas e os ácidos nucleicos são muito suscetí-
veis ao ataque de radicais livres. O corpo possui alguns antioxidantes naturais na forma
de enzimas (superóxido dismutase e catalase) que ajudam a reduzir o efeito deletério dos
radicais livres, sem as quais as taxas de morte celulares seriam consideravelmente aumen-
tadas e com expectativa de vida menor;

4) Teoria do dano ao DNA: de acordo com esta teoria, os danos no DNA ocorrem continua-
mente nas células. Enquanto a maioria destes danos é reparada, alguns se acumulam e os
mecanismos de reparação, como a DNA polimerase, não conseguem corrigir os defeitos tão
rápido quanto aparentemente são produzidos. As mutações genéticas ocorrem e se acumu-
lam com o aumento da idade, fazendo com que as células se deteriorem e não funcionem
adequadamente. Em particular, danos ao DNA mitocondrial podem levar à disfunção mi-
tocondrial;

5) Teoria Genética do Encurtamento do Telômero: de acordo com esta teoria, os telômeros


sofrem encurtamento com cada divisão celular e, quando chegam ao tamanho mínimo, a
proliferação celular é interrompida. Neste ponto a célula morre, o que eventualmente leva
à morte de todo o organismo. Certas células, como os espermatozoides, usam telomerase
para restaurar os telômeros, garantindo que as células possam continuar a se reproduzir e
promover a sobrevivência da espécie.

Em geral, várias teorias de envelhecimento são propostas e agrupadas para melhor entendimen-
to da senescência (Figura 1), porém, atualmente não há nenhum consenso sobre esta questão.

Capítulo 1 21
Figura 1 – Principais teorias moleculares do envelhecimento

Fonte: Adaptado de OH, J.; LEE, Y.D.; WAGERS, A.J. Nature Medicine, 2014

Referências
AZEVEDO, J. et al. Educação Médica Continuada de Reumatologistas em São Paulo. Revista Bra-
sileira de Educação Médica. 2003;22(2/3)58-66.

CAMARANO, A.A.; KANSO, S. Envelhecimento da População Brasileira/Uma Contribuição De-


mográfica. In: FREITAS, E.V.; PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Quarta edição. Editora
Guanabara Koogan, 2016. p. 52-64.

GURALNIK, J.M.; FERRUCCI, L. Demography and Epidemiology. In: HALTER, J.B. et al. Haz-
zard’s Geriatric Medicine and Gerontology. Sixth Edition. McGraw-Hill Companies; 2009. p.45-67.

JIN, K. Modern Biological Theories of Aging. Aging and Disease. October 2010; Volume 1, Number
2; 72-74.

MIRANDA, G.M.D.; MENDES, A.C.G.; SILVA, A.L.A. O envelhecimento populacional brasileiro:


desafios e consequências sociais atuais e futuras. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Rio de Janeiro, 2016; 19(3):507-519.

OH, J.; LEE, Y.D.; WAGERS, A.J. Stem cell aging: mechanisms, regulators and therapeutic oppor-
tunities. Nature Medicine, 2014; 20, 870–880.

SPAR, J.E.; RUE, A.L. Clinical Manual of Geriatric Psychiatry. In: An Aging World. Arlington.
American Psychiatric Publishing Inc.; 2006. 1st ed. p.1-19.

22
CAPÍTULO

Mudanças no Organismo
e no Metabolismo do Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Mudanças no Organismo
e no Metabolismo do Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1.Introdução
O envelhecimento se caracteriza por uma redução progressiva das reservas funcionais de todos
os órgãos e sistemas. No envelhecimento saudável ou senescência, tais alterações não são sufi-
cientes para provocar doença, sintomas ou restrições às capacidades funcionais habituais do in-
divíduo. A senilidade acontece quando o envelhecimento é acompanhado por alterações funcio-
nais ou doenças que prejudicam a autonomia ou a independência do idoso. O comprometimento
mais significativo da reserva funcional está mais relacionado a hábitos desfavoráveis de vida do
que propriamente a alterações genéticas e hereditárias. O estilo de vida é, portanto, o determi-
nante mais importante do envelhecimento saudável.

A redução das reservas funcionais pode se estabelecer de forma heterogênea, sendo possível
identificar “órgãos de choque”, que irão manifestar mais precocemente sinais de insuficiência
frente a um estresse orgânico agudo.

Figura 1 - Capacidade funcional como determinante da senescência

Fonte: Adaptado de KALACHE & KICKBUSCH, “A global strategy for healthy ageing.” World health 50.4 (1997): 4-5
2. Anatomia e fisiologia do envelhecimento
As principais modificações fisiológicas do envelhecimento se devem a mudanças de ritmos fisio-
lógicos (como ritmo de secreção hormonal), à perda de complexidade (provocando reduções da
variabilidade da frequência cardíaca e da pressão arterial) e à homeoestenose. A homeoestenose
é o estreitamento da faixa de homeostase, provocada pela redução das reservas funcionais orgâ-
nicas, que conduz o idoso a uma maior vulnerabilidade a doenças.

As modificações anatômicas e fisiológicas do envelhecimento, apesar de não se caracterizarem


como patológicas, favorecem a apresentação atípica das doenças no idoso. Muitas vezes uma
doença clínica aguda se manifesta pela descompensação de um “órgão de choque”, tais como
o sistema nervoso, o trato urinário, o sistema cardiovascular ou musculoesquelético. Exemplos
comuns nos idosos são a infecção urinária manifestando-se como insuficiência cardíaca descom-
pensada, infarto agudo do miocárdio como delirium ou pneumonias como instabilidade postu-
ral e quedas.

3. Manifestações clínicas no idoso


Frequentemente, a manifestação de muitas doenças se inicie ou se restrinja a queixas como de-
clínio cognitivo, incontinência urinária, fadiga ou quedas. Muitos sintomas podem surgir como
consequência de uma única doença, mas é mais comum que diversos distúrbios clínicos se ma-
nifestem como um único sintoma. Dessa forma, a identificação de um único diagnóstico como
responsável por um conjunto de sintomas frequentemente não é suficiente para se obter a me-
lhora clínica desejada. A identificação e o tratamento de comorbidades, portanto, serão muito
importantes para a melhora clínica de uma doença clínica mais evidente. Um exemplo típico é
a melhora cognitiva de pacientes com demência após a identificação e tratamento da depressão,
de déficits visuais e auditivos, da insuficiência cardíaca e da suspensão de medicamentos ina-
propriados.

A Tabela 1 resume algumas modificações orgânicas do envelhecimento. No sistema hematopoié-


tico, observa-se a manutenção adequada de suas funções, mas há uma redução na produção de
hormônios que estimulam a produção celular pela medula. Os leucócitos são preservados em
número, mas sua função é reduzida. Há uma maior propensão à mielotoxicidade induzida por
drogas e as plaquetas estão mais propensas a se agregarem gerando um estado pró-coagulante.

Capítulo 2 25
Tabela 1 - Exemplos de algumas alterações morfológicas e fisiológicas no envelhecimento

Sistema Alteração Fisiológica Impacto Clínico


Aumento da gordura corporal e redução Aumento do volume de distribuição
Composição corporal
da água corporal total e da massa magra. de drogas lipossolúveis.
Redução da secreção de sebo, alterações
Pele Ressecamento cutâneo, rugas.
do colágeno e perda de elasticidade.
Arco senil, redução do diâmetro da
Visão Redução da acomodação visual.
pupila.
Enrijecimento na articulação dos
Redução na percepção de sons de alta
ossículos, rigidez da membrana
Audição frequência e na discriminação sonora
timpânica, redução de neurônios
(ouvir sons que competem entre si).
auditivos na porção basal da cóclea.
Neurológico Atrofia do córtex cerebral Alentecimento da resposta motora.
Redução da homeostase de glicose, Hiperglicemia e hiponatremia como
Endócrino aumento de ADH, redução de resposta a doenças agudas; tendência
testosterona e da absorção de vitamina D. à osteopenia.
Redução do reflexo de tosse, da
Redução da elasticidade pulmonar e da
Respiratório complacência torácica, da capacidade
atividade ciliar.
vital forçada e da PaO2.
Menor resposta à elevação de
Redução da resposta beta-adrenérgica
frequência cardíaca; tendência á
e da sensibilidade de barorreceptores.
Cardiovascular hipotensão postural. Redução da
Tortuosidade das artérias e espessamento
complacência dos vasos sanguíneos e
da camada íntima.
do ventrículo esquerdo.
Redução da acidez gástrica e da
Alentecimento do metabolismo de
Gastrointestinal motilidade dos cólons. Redução do fluxo
fármacos; tendência à constipação.
sanguíneo hepático.
Redução do clearence de creatinina
e do fluxo sanguíneo renal.
Renal Redução da taxa de filtração glomerular. Alentecimento do metabolismo de
fármacos; intolerância à infusão de
grandes volumes de fluidos.
Redução da massa magra e da densidade Redução da força muscular;
Musculoesquelético
mineral óssea. tendência à osteopenia.

Fonte: Organizado pelo autor

No trato digestivo, observa-se redução da secreção salivar e mastigação menos eficaz. O esô-
fago revela movimentos peristálticos anormais após a deglutição e contrações repetitivas não
peristálticas (presbiesôfago). No estômago há redução da síntese de prostaglandinas, redução do
bicarbonato e o esvaziamento gástrico torna-se mais lento. A absorção de cálcio pelo intestino
delgado diminui e no cólon a motilidade também se alentece. O fígado se reduz em volume em
até 40%, bem como seu fluxo sanguíneo. A atividade do citocromo P450 se reduz e o clearence
hepático de muitas drogas torna-se até 40% mais lento.

Os rins sofrem redução de até 30% em volume, com perdas preferenciais no córtex e glomeru-
loesclerose, afetando a capacidade de concentração urinária. O clearence de creatinina diminui

26
em até 10ml/min por década, o que afeta o metabolismo da maioria dos fármacos e a regulação
do volume intravascular.

O envelhecimento cardiovascular se caracteriza pela dilatação do átrio esquerdo e hipertrofia do


ventrículo esquerdo. As válvulas aórtica e mitral se espessam e apresentam depósitos de cálcio.
O tônus parassimpático se reduz, bem como a resposta simpática. Diversas outras modificações
podem ser vistas na Tabela 1.

Nos pulmões, os dutos alveolares se alargam pela perda de tecido elástico, reduzindo a superfície
de trocas gasosas. A caixa torácica se torna mais rígida e a capacidade vital forçada se reduz em
até 300ml por década. A tosse é menos intensa e o clearence mucociliar torna-se mais lento e
menos efetivo.

No sistema gênito-urinário, a musculatura detrusora da bexiga tem sua contratilidade reduzida


e a capacidade vesical também diminui. A próstata aumenta de tamanho.

No aparelho musculoesquelético observa-se um declínio de até 50% da massa muscular, mais


significativo nos membros inferiores que superiores.

No sistema nervoso central há perda neuronal, tanto no córtex cerebral quanto cerebelar. A me-
mória episódica e de trabalho se reduz com o envelhecimento, bem como a velocidade de proces-
samento cognitivo e a atenção.

A pele torna-se mais atrófica, fina e seca, menos elástica e com menor poder de cicatrização. Há
redução na vascularização da pele, com prejuízo à capacidade de preservar e dissipar calor. A
percepção sensorial da pele também diminui, bem como a capacidade de síntese da vitamina D.

Nos olhos, há redução da secreção lacrimal, atrofia da conjuntiva e aumento da distância neces-
sária para focalizar objetos próximos (presbiopia). No sistema auditivo, há redução na acuidade
auditiva para sons de alta frequência, bem como maior dificuldade para a discriminação e loca-
lização sonora.

O sistema imune no envelhecimento caracteriza-se por um fenômeno conhecido como “in-


flammaging”: uma ativação de citocinas que provoca um estado inflamatório crônico. A função
imune, entretanto, está reduzida, aumentando a suscetibilidade a infecções.

4. Funcionalidade
Pelo fato de ser muito heterogênea, a população de idosos é representada por indivíduos que,
apesar de possuírem a mesma idade, manifestam diferentes graus de capacidade funcional. A
capacidade funcional ou independência, bem como a autonomia, são condições determinantes
da saúde no envelhecimento. A avaliação desta condição funcional fornece informações funda-
mentais, para além da idade e do diagnóstico de morbidades, do real estado clínico do idoso. O

Capítulo 2 27
registro das atividades básicas e instrumentais de vida diária (Escalas de Katz e Lawton) é um
instrumento simples, dentre os diversos disponíveis para esta avaliação (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2 - Atividades Básicas de Vida Diária (Escala de Katz)

Tomar banho Transferência (deslocar-se)


Vestir-se Controle de esfíncteres
Usar o banheiro Alimentar-se sozinho

Fonte: Katz, S., Down, T.D., Cash, H.R., & Grotz, R.C. 1970. Progress in the development of the index of ADL.
The Gerontologist, 10(1), 20-30

Tabela 3 - Atividades Instrumentais de Vida Diária (Escala de Lawton)

Usar o telefone Lavar roupas


Fazer compras Usar meios de transporte
Preparar refeições Cuidar de suas medicações
Realizar tarefas domésticas Manejar dinheiro e assuntos financeiros

Fonte: Lawton, M.P., & Brody, E.M. (1969). Assessment of older people: Self-maintaining and instrumental activities of
daily living. The Gerontologist, 9(3), 179-186

5. Estudo de Caso
Você é procurado para atender em casa a sra. Filomena, 77 anos, viúva e costureira aposentada.
Ela mora na casa de sua filha, Aparecida, de 50 anos, que trabalha como nutricionista em um
hospital. Durante o dia, a paciente permanecia sozinha em casa, onde desenvolvia todas as tare-
fas de cuidados domésticos. Há 1 mês, após apresentar uma queda com fratura do rádio esquer-
do, foi internada para correção cirúrgica da fratura e permaneceu 8 dias hospitalizada. Na alta,
apresentava dificuldades para deambular, necessitando ser amparada pela filha para andar. Em
casa, tem receio de andar por “fraqueza nas pernas e tontura”. A filha da paciente está bastante
preocupada com a incapacidade da mãe para andar. Sua marcha revela bastante desequilíbrio.
Ela insiste em afirmar que, antes da queda, sua marcha era ágil e ela não apresentava quedas em
casa. Não saía sozinha à rua há cerca de 1 ano, quando se perdeu na vizinhança.

Filomena é hipertensa desde os 60 anos, mas não aderia ao tratamento medicamentoso. Há 40


dias, após ser atendida no posto de saúde, recebeu a prescrição de hidroclorotiazida 25mg, por-
que sua pressão era de 180X100 mmHg.

Durante a internação, o ortopedista estranhou o fato de apresentar uréia 87mg/dL e Creatinina


2,0mg/dL, já que há seis meses havia feito exames bioquímicos no posto, que eram normais.
Estranhou também o fato de ter desenvolvido incontinência urinária na internação. Foi avaliada
por urologista que, após afastar a possibilidade de infecção urinária, prescreveu oxibutinina 5mg
/noite. Foi tabagista de 1 maço de cigarros dos 32 aos 47 anos. Não realiza atividades físicas re-
gulares. Sua mãe faleceu aos 92 anos com pneumonia e o pai aos 95 anos por AVC.

28
Há 4 dias, Aparecida tem notado a mãe mais confusa. Seus pensamentos são lentos e ela oscila
entre períodos de sonolência e outros em que fica levemente agitada. Ela informa já ter visto isto
ocorrer outras duas vezes: a primeira há 6 meses, durante uma gripe, e a segunda, no terceiro
dia da internação hospitalar pela fratura de rádio. No hospital foi submetida a uma tomografia
de crânio, que revelou atrofia cortical difusa. O clínico foi chamado para avaliar, considerando a
hipótese de Doença de Alzheimer. Ontem, a filha optou por levá-la de cadeira de rodas ao posto
de saúde, onde o médico constatou ressecamento da mucosa oral, alterações no turgor da pele e
prescreveu hidratação venosa com 1000mL de soro fisiológico. Não houve, entretanto, melhora
do estado clínico e ela evoluiu com edema facial e dos membros superiores.

No momento: regular estado geral.


PA 100X 50 mmHg FC 92 bpm FR 18 irpm Temperatura 36,2º. C sat O2: 94%.
Peso: 47kg Altura: 1,55m
Neuro: acordada, porém tende à sonolência. Pupilas normais. Sem déficits motores.
RCR, sem sopros. Pulmões limpos. Abdome flácido e indolor.
Membros: superiores com edema moderado. MMII sem edemas, bem perfundidos.

Para discutir em grupo e com seu professor:

1. Como explicar a súbita perda de funcionalidade desta paciente?

2. Que parâmetros nos permitem reconhecer, neste caso, o declínio de reserva funcional?

3. Em que situação há uma aparente confusão entre senescência e senilidade?

4. Houve iatrogenias? Quais? Explique-as.

5. Qual é o seu diagnóstico para a condição atual da paciente? Quais seriam suas condutas?

6. Conclusões
• O envelhecimento se caracteriza pela redução das reservas funcionais.

• As alterações fisiológicas do envelhecimento não provocam incapacidade nem devem ser


concebidas como doença.

• Os sintomas manifestos pelos idosos frequentemente são multifatoriais e a apresentação


das doenças costuma ser atípica.

• Os idosos representam uma população muito heterogênea; dessa forma, a avaliação fun-
cional do idoso nos fornece mais informação que apenas a idade.

Capítulo 2 29
Referências
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30
CAPÍTULO

Avaliação Geriátrica Ampla –


Conceitos e Abordagem Prática
Profa. Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli Braga
Avaliação Geriátrica Ampla –
Conceitos e Abordagem Prática
Profa. Juliana Lourenço Barbosa Pastorelli Braga

1. Introdução
O aumento da expectativa de vida e do número de pacientes com doenças crônico-degenerativas
tem impactado a realidade médica em todo o mundo. Idosos com doenças crônico-degenerativas
requerem acompanhamento constante, sendo necessária a adequação da avaliação médica, com
a adoção de rotinas bem estabelecidas para esta faixa etária. Com uma abordagem adequada, é
possível controlar a progressão de doenças crônicas, reduzir o risco de incapacidade, aumentar a
expectativa e a qualidade de vida.

Sabe-se que condições geriátricas comuns, como prejuízo funcional e demência são frequente-
mente não reconhecidas ou inadequadamente abordadas. Uma avaliação geriátrica eficiente e
completa, a custos razoáveis, torna-se cada vez mais necessária. Identificar tais condições com
uma avaliação estruturada pode ajudar clínicos no seu adequado manejo, além de prevenir ou
retardar complicações.

A identificação das condições funcionais do paciente, associadas ou não a comorbidades, nos


permite desenvolver um plano de intervenção que vise prevenção, tratamento e reabilitação de
forma assertiva, contemplando a população idosa em toda a sua heterogeneidade. Com essa fina-
lidade, foi criada a Avaliação Geriátrica Ampla (AGA).

A AGA foi concebida pela médica inglesa Marjory Warren, conhecida como “mãe da Geriatria
moderna”. Em 1936, ela desenvolveu um trabalho de reabilitação em pacientes hospitalizados.
Muitos pacientes geriátricos recuperaram a mobilidade e receberam alta hospitalar, através da
aplicação do conceito interdisciplinar de avaliação ampla.

A história, o exame físico e os diagnósticos diferenciais tradicionais não são suficientes para um
levantamento adequado das diversas capacidades necessárias à vida diária do idoso. A prática
clínica geriátrica, uma vez preocupada com a qualidade de vida, deve conter também uma ampla
avaliação funcional em busca de perdas possíveis destas funções. A avaliação multidimensional
e interdisciplinar busca reconhecer os seguintes conceitos propostos pela Organização Mundial
da Saúde (OMS):

a) Deficiência (impairment): perda ou anormalidade da estrutura corpórea, da aparência ou da


função de um órgão ou de um sistema, seja ela temporária ou permanente;

b) Incapacidade (disability): restrição ou perda de habilidade para desempenhar uma ativida-


de considerada normal para o ser humano;

c) Desvantagem (handicap): restrição resultante de uma deficiência ou incapacidade ou per-


das sociais/ocupacionais que podem ocorrer ao longo da vida do indivíduo. É a discordân-
cia entre a capacidade individual de realização e as expectativas do indivíduo ou de seu
grupo social.
A AGA é um processo diagnóstico e terapêutico multidimensional, frequentemente interdiscipli-
nar, que visa identificar habilidades ou deficiências no idoso, do ponto de vista médico, psicos-
social e funcional. Difere de um atendimento médico habitual por partir da premissa que idosos
frágeis ou aqueles com múltiplas morbidades se beneficiam mais de uma avaliação sistemática.
Tal abordagem poderá identificar uma variedade de problemas de saúde potencialmente tratá-
veis, gerando melhores desfechos clínicos.

O termo “Síndrome Geriátrica” é usado para se referir a condições de saúde comuns nos ido-
sos e que não apresentam uma única causa ou um único órgão-alvo atingido. Como exemplo
de síndromes geriátricas temos: comprometimento cognitivo, delirium, incontinência urinária,
desnutrição, quedas, distúrbios de marcha, distúrbios de sono, úlceras por pressão, déficits sen-
soriais, fadiga e tontura. Tais condições citadas apresentam grande impacto na qualidade de vida
do idoso e podem ser mais bem identificadas através da AGA.

Outros termos utilizados na literatura para definir este perfil de assistência multidimensional,
assim como a AGA são: Avaliação Geriátrica Global (AGG), Avaliação Geriátrica Multidimensional
(AGM) e Avaliação Global do Idoso (AGI).

2. Público-alvo
A AGA deve fazer parte da consulta geriátrica habitual. Os idosos que se beneficiam deste modelo
de avaliação são aqueles com perda recente de funcionalidade, multimorbidades, utilização fre-
quente dos serviços de saúde, síndromes geriátricas já instaladas e mudança recente de ambien-
te. Em contrapartida, idosos muitos saudáveis e idosos em fase de terminalidade são pacientes
que não terão benefícios ou vantagens com a aplicação da AGA.

A AGA pode ser aplicada em diversos ambientes. Pode ser feita apenas pelo médico no consul-
tório, mas apresenta maior impacto quando realizada por equipe multidisciplinar. Outros locais
de atendimento como enfermaria, domicílio, centro de reabilitação e pronto-socorro também
podem ser utilizados, com adaptações de protocolo de acordo com o local e os componentes da
equipe.

O principal objetivo da AGA é identificar as limitações do paciente geriátrico, quantificá-las com


o auxílio de escalas e, com a participação de uma equipe multiprofissional, estabelecer a conduta
terapêutica mais adequada. Os principais pontos a serem avaliados são a detecção de doenças
crônicas, da função física e mental, e das condições sociais e familiares.

3. cAvaliação clínica, anamnese e exame físico


O conceito de multimorbidade no idoso é um fenômeno que decorre diretamente do envelhe-
cimento populacional. A grande importância da avaliação da multimorbidade num indivíduo

Capítulo 3 33
é entender que a presença de duas ou mais condições crônicas de saúde tem um impacto maior
do que a ocorrência de somente uma delas isoladamente. Desse modo, a combinação de algu-
mas doenças pode ter um efeito sinérgico com consequências maiores do que o esperado, pelo
seu efeito aditivo. A presença de múltiplas condições crônicas num mesmo indivíduo leva a um
declínio mais rápido de sua saúde e, com ele, maiores chances de incapacidade e complicações,
decorrentes inclusive da terapêutica empregada.

Em um estudo populacional de São Paulo, 80% dos idosos apresentavam pelo menos uma doen-
ça crônica e 10% evidenciavam cinco ou mais (Ramos et al.,1998). Desta forma, a avaliação por-
menorizada das condições de saúde do paciente e sua lista de diagnósticos torna-se um elemento
chave na consulta.

De igual importância é o registro do inventário farmacológico do paciente, ou seja, a descrição


de forma detalhada de todas as medicações que o paciente faz uso; sejam elas prescritas ou não
(automedicação). Deve-se, sempre que possível, evitar a polifarmácia, fenômeno que aumenta o
risco de iatrogenia e reações adversas graves no idoso.

Ao conduzir a anamnese, é importante deixar que o idoso se expresse livremente e seja acolhido
em suas preocupações e angústias. O geriatra deverá, concomitantemente, conduzir as informa-
ções coletadas de forma a estruturar uma lista de problemas, hipóteses diagnósticas e priorida-
des, buscando resolutividade e melhoria da qualidade de vida do paciente.

O interrogatório sobre diversos aparelhos é uma das etapas mais importantes da anamnese e
deve ser completo, pois muitas alterações importantes só serão identificadas após um questiona-
mento dirigido. Alguns exemplos são: déficits sensoriais, quedas, disfunções sexuais, distúrbios
do sono, alterações de cavidade oral como próteses mal ajustadas, constipação e perda de con-
tinência. Tais disfunções, quando presentes, podem ter forte impacto na qualidade de vida do
idoso, bem como favorecer seu isolamento social, ou mesmo comprometer sua autonomia.

A investigação ativa dos déficits sensoriais deve ser avaliada na consulta geriátrica, com o Teste
de Snellen, sistema universal de triagem da acuidade visual; e o Teste do Sussurro, na avaliação
auditiva, como triagem para a compreensão de sons de alta e baixa frequências.

4. Avaliação Funcional
Os métodos habituais de se realizar uma avaliação funcional estruturada consistem na observa-
ção direta (testes de desempenho) e por questionários, quer autoaplicados, quer concebidos para
entrevistas presenciais, sistematizados por meio de uma série de escalas que aferem os principais
componentes da dimensão. Tais escalas compõem o que se tem denominado de “instrumentos
de avaliação funcional”. Há algumas evidências importantes de previsibilidade de instituciona-
lização e mortalidade dos indivíduos com distúrbios nesta dimensão da AGA.

34
Tabela 1 - Atividades básicas de vida diária (AVD) – Índice de Katz

ATIVIDADE INDEPENDENTE SIM NÃO


Não recebe ajuda ou recebe ajuda apenas para
1. BANHO 1 0
uma parte do corpo.
Pega as roupas e se veste sem qualquer ajuda, ex-
2. VESTIR-SE 1 0
ceto para amarrar os sapatos.
Vai ao banheiro, usa o banheiro, veste-se e retor-
3. HIGIENE PESSOAL na sem qualquer ajuda (pode usar andador ou 1 0
bengala).
Consegue deitar na cama, sentar na cadeira e le-
4. TRANSFERÊNCIA 1 0
vantar sem ajuda (pode usar andador ou bengala).
5. CONTINÊNCIA Controla completamente urina e fezes. 1 0
Come sem ajuda (exceto para cortar carne ou pas-
6. ALIMENTAÇÃO 1 0
sar manteiga no pão).

Escore: A pontuação é o somatório de respostas “sim”. 1-2 pontos: dependência importante; 3-5 pontos:
dependência parcial; 6 pontos: independência.

Fonte: Modificado de Katz et al. Gerontologist, 1970

Tabela 2 – Atividades instrumentais de vida diária (AIVD) de Lawton

Sem Com ajuda Não


ajuda parcial consegue
1. O(a) sr.(a) consegue usar o telefone? 3 2 1
2. O(a) sr.(a) consegue ir a locais distantes, usando algum
3 2 1
transporte, sem necessidade de planejamentos especiais?
3. O(a) sr.(a) consegue fazer compras? 3 2 1
4. O(a) sr.(a) consegue preparar suas próprias refeições? 3 2 1
5. O(a) sr.(a) consegue arrumar a casa? 3 2 1
6. O(a) sr.(a) consegue fazer os trabalhos manuais
3 2 1
domésticos, pequenos reparos?
7. O(a) sr.(a) consegue lavar e passar sua roupa? 3 2 1
8. O(a) sr.(a) consegue tomar seus remédios na dose certa e
3 2 1
horário certo?
9. O(a) sr.(a) consegue cuidar de suas finanças? 3 2 1

Para cada questão, a primeira resposta significa independência; a segunda, capacidade com ajuda; e a terceira,
dependência. A pontuação mínima é de 9 pontos e máxima 27 pontos, sendo que a pontuação tem um significado
apenas para o paciente individual, servindo como base para comparação evolutiva. As questões 4 e 7 podem ter
variações conforme o sexo e ser adaptadas para atividades como subir escadas e cuidar do jardim.

Fonte: Ministério da Saúde, 2007

Capítulo 3 35
Outra escala muito utilizada é o índice de Barthel, que avalia dez funções: tomar banho, vestir-
se, promover higiene, usar o vaso sanitário, transferir-se da cama para a cadeira e vice-versa,
manter continências fecal e urinária, capacidade para se alimentar, deambular, subir e descer
escadas. Essa escala permite ainda uma gradação mais ampla na classificação de dependência,
indo desde a dependência total (0 ponto) à independência máxima (100 pontos).

Tabela 3 – Índice de Barthel

Independente. 10
1. Como você realiza suas refeições? Necessita de ajuda para cortar carne ou passar manteiga. 5
Dependente – é alimentado por outra pessoa. 0
Independente. 5
2. Como você toma seu banho?
Dependente – necessita de alguma ajuda ou supervisão. 0
Independente. 10
3. Como você se veste? Necessita de ajuda. 5
Dependente. 0
Independente. 5
4. Como você realiza seus asseios?
Dependente – necessita de alguma ajuda. 0
Continente. 10
5. Como é a sua evacuação? Acidente ocasional. 5
Incontinente – mais de um episódio semanal. 0
Continente. 10
6. Como é a sua micção? Acidente ocasional. 5
Incontinente – mais de um episódio em 24 horas. 0
Independente. 10
7. Como você vai ao banheiro? Necessita de ajuda. 5
Dependente. 0
Independente. 15
8. Como você realiza suas
Mínima ajuda – supervisão ou pequena ajuda física. 10
transferências (cama, poltrona,
Grande ajuda – necessita de uma pessoa treinada e forte. 5
cadeira de rodas)?
Dependente. 0
Independente. 15
9. Como você realiza a
Necessita de ajuda ou supervisão. 10
deambulação (locomoção,
Independente em cadeira de rodas. 5
caminhar)?
Dependente. 0
Independente. 10
10. Como você realiza a subida e
Necessita de ajuda ou supervisão. 5
descida de escadas?
Dependente – incapaz de subir ou descer degraus. 0

Dependência Severa: abaixo de 45; Dependência Grave a Moderada: 45-79 pontos; Dependência Leve/ Independência:
60-100 pontos

Fonte: Adaptado de Minosso et al. Validação, no Brasil, do Índice de Barthel em idosos atendidos em ambulatórios.
Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, 2010

Dos instrumentos de Atividades de Vida Diária (AVD), a Escala de Barthel é a que possui resul-
tados de confiabilidade e validade mais consistentes. O instrumento de Katz possui estudos de
validade robustos e a qualidade dos resultados de validade também foi classificada como boa, em
uma revisão brasileira (Paixão Jr, et al., 2005).

36
A Escala de Lawton, reconhecida pelo Ministério da Saúde do Brasil e pela Sociedade Brasilei-
ra de Geriatria e Gerontologia (SBGG), é a forma publicada por Freitas e Miranda (2006). Nessa
escala, a pontuação mínima é de 9 pontos e a máxima de 27 pontos. Na publicação original de
Lawton, constam 8 itens em vez de 9, não estando presente o item sobre trabalhos manuais e
pequenos reparos. A pontuação pela escala de Lawton original varia de 0 a 8 pontos.

A dimensão de estado funcional é central para a avaliação geriátrica. Os instrumentos que a ava-
liam são variados e com objetivos diversos. Podem servir como medidas de saúde geral ou es-
pecífica; servir como instrumentos de pesquisa, triagem ou avaliação clínica; medir graus de
dependência mais graves e até capacidade para funções físicas e sociais. A escolha de um ou mais
instrumentos depende do ambiente operacional e dos objetivos do avaliador.

5. Equilíbrio e Mobilidade
No envelhecimento normal, o aparelho locomotor sofre importantes modificações, como a re-
dução da amplitude de movimentos e a alteração da marcha, com a ocorrência de passos mais
curtos e lentos. O centro de gravidade corporal adianta-se e a base de sustentação amplia-se,
buscando maior segurança e equilíbrio. Segundo Tinetti (1986), a mobilidade é a habilidade de se
locomover em um ambiente, o que é uma função complexa e composta de múltiplas manobras.
Tais manobras dependem da integração de características físicas, cognitivas e psicológicas.

Os principais testes utilizados para a avaliação de equilíbrio e marcha são a Escala de Equilíbrio
e Marcha de Tinetti, a Escala de Berg, o Teste de Guralnik e o Timed Up and Go Test.

Neste capítulo, destacamos a importância do Teste de Tinetti (Performance Oriented Mobility


Assessment – POMA). É um teste utilizado com os seguintes objetivos:

a) Avaliar se os componentes da mobilidade afetam as atividades de vida diária;

b) Identificar os problemas que tornam o indivíduo suscetível a quedas;

c) Estabelecer intervenções que auxiliem na prevenção do imobilismo e reabilitação da mobi-


lidade.

O teste é capaz de avaliar as condições vestibulares e de marcha do paciente (Tabela 3). Em 2003,
foi adaptado para ser utilizado na população brasileira institucionalizada, recebendo o nome de
POMA-Brasil. Apresenta boa aplicabilidade nos indivíduos frágeis.

Destaca-se também, como um importante teste de mobilidade funcional nos idosos frágeis, o
Timed Up and Go Test. Este teste é utilizado para identificar alterações de equilíbrio dinâmico
e problemas de marcha. O teste mensura, em segundos, o tempo que o indivíduo leva para se
levantar de uma cadeira com apoio para os braços, caminhando por uma distância de 3 metros,
retornando e sentando-se novamente. A velocidade com que o paciente realiza o teste relaciona-

Capítulo 3 37
se fortemente com o risco de quedas. A nota de corte para predizer um maior risco de quedas
varia em diferentes estudos populacionais ao redor do mundo. Um importante estudo brasileiro
mostrou um melhor valor preditivo positivo para quedas nos idosos com desempenho superior a
12 segundos (Alexandre et al.,2012). Vários trabalhos mostram que indivíduos saudáveis desem-
penham o teste em até 10 segundos. Um valor acima de 20 segundos já demonstra um moderado
risco para quedas e acima de 30 segundos, altíssimo risco de quedas. Sabe-se ainda que uma
velocidade de marcha inferior a 0,8 metros por segundo também se correlaciona a maior risco
de quedas.

Tabela 4 – Escala de Avaliação do Equilíbrio e Marcha de Tinetti

EQUILÍBRIO – O paciente deve estar sentado em uma cadeira sem braços, e as manobras a seguir
são testadas.
Escorrega. 0
1. Equilíbrio sentado.
Equilibrado. 1
Incapaz. 0
2. Levantando. Usa os braços. 1
Sem os braços. 2
Incapaz. 0
3. Tentando levantar. Mais de 1 tentativa. 1
Única tentativa. 2
Desequilibrado. 0
4. Assim que levanta
Estável, mas usa suporte. 1
(primeiros 5 segundos).
Estável, sem suporte. 2
Desequilibrado. 0
5. Equilíbrio em pé. Suporte ou base de sustentação >9 cm. 1
Sem suporte e base estreita. 2
6. Teste dos 3 tempos
(examinador empurra Começa a cair. 0
levemente o esterno do Agarra e balança. 1
paciente, que deve ficar de pés Equilibrado. 2
juntos).
7. Olhos fechados (igual à Desequilibrado, instável. 0
posição do item 6). Equilibrado. 1
Passos descontínuos. 0
Passos contínuos. 1
8. Girando 360º.
Instável (desequilibrado). 0
Estável (equilibrado). 1
Inseguro (erra a distância, cai na cadeira). 0
9. Sentando. Usa os braços ou movimentação abrupta. 1
Seguro, movimentação suave. 2
Pontuação do Equilíbrio ___ / 16
MARCHA - Paciente de pé caminha pelo corredor ou pela sala no passo normal, depois volta com
passos rápidos, mas com segurança (usando o suporte habitual, como bengala ou andador).
Hesitação ou várias tentativas para iniciar 0
10. Início da marcha.
Sem hesitação. 1

38
a) Pé direito:
Não ultrapassa pé esquerdo; 0
Ultrapassa pé esquerdo; 1
Não sai completamente do chão; 0
11. Comprimento e altura dos Sai completamente do chão. 1
passos. b) Pé esquerdo:
Não ultrapassa pé esquerdo; 0
Ultrapassa pé esquerdo; 1
Não sai completamente do chão; 0
Sai completamente do chão. 1
Passos diferentes. 0
12. Simetria dos passos.
Passos semelhantes. 1
Paradas ou passos descontínuos. 0
13. Continuidade dos passos.
Passos descontínuos. 1
Desvio nítido. 0
14. Direção. Desvio leve ou moderado ou uso de apoio. 1
Linha reta sem apoio (bengala ou andador). 2
Balanço grave ou uso de apoio. 0
Flexão dos joelhos ou dorso ou abertura dos braços 1
15. Tronco.
enquanto anda.
Sem flexão, balanço, não usa braços ou apoio. 2
Tornozelos separados. 0
16. Distância dos tornozelos.
Tornozelos se tocam enquanto anda. 1
Pontuação da marcha _____ / 12
Pontuação Total _____/ 28

Quanto menor a pontuação, maior o problema. Pontuação menor que 19 indica risco cinco vezes maior de quedas

Fonte: Adaptado de Tinetti, M. Journal of the American Society, 1986

6. Cognição e Humor
Através da uma adequada avaliação da saúde mental dos idosos, podem ser identificadas as prin-
cipais alterações pertinentes nesta faixa etária: as síndromes demenciais e os transtornos de hu-
mor. Ambos podem comprometer de forma significativa a qualidade de vida e a funcionalidade
do paciente. No caso do declínio cognitivo, quando acentuado, pode ser um importante fator de
institucionalização.

A escala mais utilizada no rastreio de déficit cognitivo, devido tanto à sua praticidade quanto
rapidez, é o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), proposto por Foltstein, em 1975. Este teste
contempla diferentes áreas da cognição, portanto é uma importante ferramenta de triagem ao
se suspeitar de uma síndrome demencial. Outros testes complementares de rastreio que podem
compor uma investigação inicial são o Teste do Relógio, a Bateria Breve, a Fluência Verbal e o
Moca Test. É importante ressaltar que esses testes não são de caráter diagnóstico e sim de ras-

Capítulo 3 39
treio. Para o correto diagnóstico de uma demência, o paciente deve preencher os critérios do Ma-
nual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). Quando há dúvida diagnóstica, é
possível lançar mão de uma investigação específica com testes neuropsicológicos, aplicados por
profissionais capacitados na área.

Dos transtornos de humor do idoso, a depressão tem a maior prevalência. Algumas caracterís-
ticas como maior recorrência de episódios e maior duração são observadas na população geriá-
trica. Além disso, muitas vezes as manifestações são expressas por sintomas físicos como fadiga
e exaustão, ou dores generalizadas, em vez de queixas propriamente psicológicas, como humor
deprimido e anedonia. Deve-se buscar o diagnóstico correto, pois o tratamento adequado pro-
porciona forte impacto positivo na vida do paciente. A Escala de Depressão Geriátrica é uma das
mais utilizadas, porém, o diagnóstico não dever depender apenas da pontuação obtida.

O diagnóstico e o tratamento da demência e da depressão no idoso serão abordados em capítulos


específicos neste livro.

7. Avaliação Nutricional
O idoso apresenta maior predisposição à desnutrição, por fatores tanto da senescência quanto da
senilidade. São importantes fatores neste processo:

a) A alteração da composição corporal que ocorre no envelhecimento, com redução da massa


magra e aumento do tecido adiposo;

b) A presença de multimorbidades;

c) A alteração na ingestão de líquidos e nutrientes;

d) Condições como a obstipação intestinal, o edentulismo, a sensibilidade gustativa e olfativa


reduzidas e a menor absorção de nutrientes;

e) O isolamento social, a viuvez e o baixo poder aquisitivo.

A Mini avaliação Nutricional (MAN), de Vellas e Guigoz (1996), é considerada atualmente o me-
lhor método de avaliação nutricional para idosos. Apresenta sensibilidade, especificidade e con-
fiabilidade altas. É de rápida e fácil aplicação e não requer equipamentos sofisticados. Sua forma
reduzida (MAN-SF) é uma triagem sensível para identificar o risco nutricional e a desnutrição
inicial, com validação para a população idosa brasileira.

40
Tabela 5 – Mini avaliação Nutricional Reduzida (MAN-SF)

A – O consumo de alimentos diminuiu nos últimos 3 meses devido a


perda de apetite, problemas digestivos, dificuldades para mastigar ou
deglutir?
0 Diminuição acentuada.
1 Diminuição moderada.
2 Não houve diminuição.
B – Perda de peso nos últimos 2 meses?
0 Superior a 3 quilos.
1 Não sabe informar.
2 Entre 1 e 3 quilos.
3 Não perdeu peso.
C – Mobilidade
0 Restrito ao leito ou à cadeira de rodas.
1 Deambula, mas é incapaz de sair de casa sem ajuda.
Deambula normalmente e é capaz de sair de casa sem
2
ajuda.
D – Teve algum estresse psicológico ou doença aguda nos últimos 3 meses?
0 Sim.
2 Não.
E – Problemas neuropsicológicos
0 Tem demência e/ou depressão grave.
1 Tem demência leve.
2 Sem problemas.
F – Índice de Massa Corporal
0 IMC < 19
1 19 < IMC < 21
2 21 < IMC < 23
3 IMC > 23
Total Triagem =

Um escore de 12 pontos ou mais indica que o paciente não apresenta risco nutricional. Não é preciso completar o resto do
questionário. Um escore de 11 pontos ou menos indica que o paciente pode apresentar risco de desnutrição. Pode comple-
tar avaliação MAN respondendo às questões G-R, vide abaixo em Avaliação Nutricional Global.

Fonte: Adaptado de Guigoz, Y. Assessing the nutritional status of the elderly: The Mini Nutritional Assessment as part
of the geriatric evaluation, 1996

Capítulo 3 41
Tabela 5 - Avaliação Nutricional Global. (continuação)

G – Paciente vive na própria casa e não está institucionalizado ou internado?


Não. 0
Sim. 1
H – Utiliza mais de 3 medicamentos por dia?
Sim. 0
Não. 1
I – Tem úlceras de pressão ou outras lesões de pele?
Sim. 0
Não. 1
J – Quantas refeições faz por dia?
1 refeição. 0
2 refeições. 1
3 ou mais refeições. 2
K – Consumo de proteínas

Pelo menos 1 porção de leite ou derivados ao dia? Sim ou Não?


Pelo menos 2 ou mais porções de leguminosas por semana? Sim ou Não?
Carnes, peixes ou aves todos os dias? Sim ou Não?

Nenhuma resposta Sim 0


Duas respostas Sim 0,5
Três respostas Sim 1
L – Consome 2 ou mais porções de frutas ou vegetais por dia?
Não 0
Sim 1
M – Quantos copos de líquido ingere por dia?
Menos de 3 copos 0
De 3 a 5 copos 0,5
Mais de 5 copos 1
N – Modo de se alimentar
Não é capaz de se alimentar sozinho. 0
Alimenta-se sozinho, porém com dificuldade. 1
Alimenta-se sozinho sem dificuldade. 2
O – O paciente acredita ter algum problema nutricional?
Acredita estar desnutrido. 0
Não sabe dizer. 1
Acredita não ter um problema nutricional. 2
P – Em comparação com outras pessoas da mesma idade, como o paciente
avalia a sua saúde?
Pior. 0
Não sabe dizer. 0,5
Igual. 1
Melhor. 2

42
Q – Perímetro braquial (PB) em cm
PB < 21 0
21 < PB < 22 0,5
PB > 22 1
R – Perímetro da panturrilha (PP) em cm
PP < 31 0
PP > 31 1
Total Avaliação Global =
ESCORE TOTAL = TRIAGEM + AVALIAÇÃO GLOBAL
AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRIONAL: pontos totais
Menos de 17 pontos = Desnutrido
De 17 a 23,5 pontos = Risco de Desnutrição.
De 24 a 30 pontos = Estado Nutricional Normal.

Fonte: Adaptado de Guigoz, Y. Assessing the nutritional status of the elderly:


The Mini Nutritional Assessment as part of the geriatric evaluation, 1996

As medidas antropométricas fazem parte da avaliação nutricional. O peso e a altura devem ser
aferidos rotineiramente na avaliação geriátrica, pois um declínio ponderal não intencional fre-
quentemente passa despercebido em uma consulta ambulatorial não especializada.

Pela OMS, os idosos possuem uma classificação de Índice de Massa Corporal (IMC) específica:
inferior a 22 – baixo peso; entre 22 e 27 – peso adequado; entre 27 e 30 – risco de obesidade; e su-
perior a 30 – obesidade.

8. Fatores socioambientais
A avaliação dos aspectos sociais e do ambiente do idoso é complexa, tamanha a heterogeneidade
dos seus componentes. Entretanto, na AGA, torna-se fundamental identificar os recursos dispo-
níveis de suporte social, familiar e financeiro, pois influenciam diretamente o planejamento de
cuidados e o prognóstico do paciente. Deve-se buscar as expectativas e anseios do idoso, bem
como seus valores culturais e religiosos. Na tabela 5 encontra-se um teste que pode ser utilizado
para avaliar o suporte social do idoso, conhecido como Apgar da Família e dos Amigos.

A adaptação ambiental necessária a cada paciente também deve ser especialmente avaliada, com
o objetivo de manter a funcionalidade e a independência do idoso, bem como minimizar o risco
de quedas e todas as suas consequências deletérias à saúde global.

O estresse de quem cuida de um paciente idoso, termo conhecido na literatura como estresse do
cuidador, não deve ser esquecido. O idoso torna-se mais vulnerável a maus tratos e negligência,

Capítulo 3 43
quando assistido por um cuidador em estado de estresse importante. É preciso reforçar a ne-
cessidade de descanso, férias e do acompanhamento de saúde dos cuidadores. Ao identificar o
risco de estresse do cuidador, o geriatra deverá encaminhá-lo à ajuda médica e/ou psicológica
adequada.

Tabela 6 – Apgar da família e dos amigos

ITENS OPÇÕES
0 – Raramente.
1 – Está satisfeito e pode contar com a ajuda de seus familiares
1 – Ocasionalmente.
e amigos para ajudá-lo a resolver seus problemas?
2 – Frequentemente.
0 – Raramente.
2 – Está satisfeito com a forma que seus familiares e amigos
1 – Ocasionalmente.
conversam e compartilham seus problemas com você?
2 – Frequentemente.
0 – Raramente.
3 – Está satisfeito com a forma que seus familiares e amigos
1 – Ocasionalmente.
acatam e apoiam suas vontades e decisões?
2 – Frequentemente.
4 – Está satisfeito com a forma que seus familiares e amigos 0 – Raramente.
expressam afeição e respondem às suas emoções como raiva, 1 – Ocasionalmente.
culpa e medo? 2 – Frequentemente.
0 – Raramente.
5 – Está satisfeito com a forma que você, seus familiares e ami-
1 – Ocasionalmente.
gos compartilham o tempo juntos?
2 – Frequentemente.

Escore: 7-10 família/amizade altamente funcional; 4-6 disfunção moderada; 0-3 disfunção acentuada

Fonte: Adaptado de Smilkstein G. The family APGAR: a proposal for a family function test and its use by physicians, 1978

9. Considerações Finais
Os componentes chave da AGA incluem a capacidade funcional, o risco de quedas, a cognição,
o humor, a polifarmácia, o suporte social, as finanças, os objetivos de cuidado do paciente, bem
como suas preferências no contexto de cuidados intensivos. Componentes adicionais também
podem estar presentes, tais como nutrição e variação de peso, continência urinária, função se-
xual, avaliação sensorial de visão e audição, avaliação da dentição, condição habitacional e espi-
ritualidade.

A família deve ser envolvida, sempre que possível, no processo de avaliação do paciente, e sua
contribuição é, muitas vezes, imprescindível.

Mesmo que com pequenas modificações entre os diversos grupos, a AGA precisa ser incorporada
como rotina na prática clínica, pela possibilidade de ações preventivas e de reabilitação, contri-
buindo para uma expectativa de vida mais saudável aos idosos a ela submetidos.

Caso clínico

Paciente do sexo feminino, 84 anos, viúva há 20 anos, 3 filhos, 4 anos de escolaridade, evangéli-
ca, aposentada (trabalhava como doméstica).

44
Procurou consulta com clínico geral, acompanhada de sua filha mais nova, com quem a paciente
mora. A filha estava preocupada com alguns relatos frequentes da paciente sobre fadiga e exaus-
tão para as atividades de vida diária, além de se recusar a sair de casa para as atividades sociais
habituais. A paciente apresenta queixa de dores na coluna e desânimo, além de insônia inicial
e perda de peso não intencional de 4kg em 3 meses. A filha notou que frequentemente a mãe
deixa de fazer as refeições principais, por referir que “já almoçou” ou então por não sentir fome.
Recentemente a paciente esqueceu o caminho de volta para a casa ao ir até a padaria do bairro e
precisou ser auxiliada por um vizinho. A paciente atribui os esquecimentos à insônia e à fadiga.

Antecedentes: hipertensão arterial sistêmica (HAS) há 10 anos, dislipidêmica, osteoartrose de


coluna e hipotireoidismo. Medicações em uso: metildopa 500mg 3x ao dia; levotiroxina 25mg
1x ao dia; sinvastatina 40mg ao dia; cetoprofeno 50mg quando dor articular importante. Após
avaliação por clínico geral foi constatada PA 150 x 100 (sentada), edema periférico +/4+, sem de-
mais alterações significativas ao exame físico. Exames laboratoriais recentes: TSH e T4 livre com
valores dentro da normalidade; creatinina 0,6mg/dL; ureia 45mg/dL; hemoglobina 10,5g/dL; he-
matócrito 31% (normocítica e normocrômica); albumina 3,1mg/dL, LDL 56mg/dL, colesterol total
150mg/dL, triglicérides 140mg/dL. Demais exames sem alterações significativas.

Foi aventada a hipótese diagnóstica de depressão e HAS descompensada. Iniciado tratamento


com fluoxetina 20mg ao dia e associado à hidroclorotiazida para o controle da hipertensão.

A paciente evoluiu após 2 meses com perda de mais 3kg (IMC atual de 21) e mantinha as queixas
iniciais, além de tontura não rotatória frequente ao se levantar. A filha procurou, então, atendi-
mento geriátrico para a paciente. Após a realização da AGA na primeira consulta, foram consta-
tadas as seguintes questões:

- Paciente descorada ++/4, emagrecida, com hipotensão postural (PA deitada = 160 x
100mmHg, em pé após 5 minutos = 140x80mmHg e sentada = 150x90mmHg sentada. Ci-
foescoliose acentuada. Apresentou 3 quedas nos últimos 6 meses. Teste de Snellen mos-
trando redução da acuidade visual (20/70);

- Avaliação funcional: ABVD’s: 6/6; AIVD’s: 15/27 (já com dificuldade para manejo de finan-
ças, preparar alimentos e tomar medicamentos no horário correto). Segundo a filha, a per-
da funcional ocorreu nos últimos dois anos;

- Avaliação cognitiva: mini exame do estado mental (MEEM): 14/30; fluência verbal: 5 ani-
mais/minutos;

- Avaliação de humor: GDS 2/15 e também não preencheu os critérios de depressão maior
pelo DSM-V;

- Mini Avaliação Nutricional (MAN): 6 pontos na triagem nutricional, já caracterizando risco


nutricional;

- Timed Up and Go Test: 22 segundos.

Capítulo 3 45
Ao final da avaliação geriátrica foram feitas as seguintes alterações na prescrição da paciente:
suspensa a fluoxetina 20mg que poderia estar contribuindo para acelerar a perda ponderal, além
de não haver suspeita de transtorno de humor na avaliação geriátrica. Substituição de metildopa
por enalapril 5mg de 12/12h objetivando melhor controle da HAS e minimizar variação da hipo-
tensão ortostática. Além disso, os IECA apresentam efeito protetor renal nos pacientes com risco
de proteinúria pela HAS. Foi suspensa a sinvastatina devido à perda ponderal e de apetite. Foi
considerado que os valores de colesterol já estavam bastante adequados e como não havia histó-
rico de evento isquêmico coronariano ou cérebro-vascular, não se justificava o emprego de me-
tas rigorosas de controle lipídico. Foi contraindicado o uso de anti-inflamatórios não-esteroides
(AINE) por haver HAS e risco de lesão renal, e orientado analgesia simples de forma regular para
a osteoartrose. Foi solicitado densitometria óssea e radiografia de coluna dorsal e lombar para
avaliar a presença de fratura osteoporótica.

Foi iniciada suplementação calórico-proteica e orientado rigoroso controle de peso. Foram solici-
tados também exames complementares para a investigação da anemia.

A paciente foi encaminhada para avaliação oftalmológica, devido a rastreio visual comprome-
tido, sendo posteriormente identificada catarata em fase avançada com indicação cirúrgica. Foi
encaminhada também para fisioterapia motora, com treino de marcha e equilíbrio, objetivando
fortalecimento de membros inferiores, no intuito de minimizar o risco de quedas. Orientações
ambientais adicionais sobre o risco de quedas foram fornecidas à paciente e sua filha.

Por fim, devido à perda funcional recente para atividades instrumentais e rastreio cognitivo com
valores abaixo do esperado para a faixa etária, foram solicitados exames complementares para
investigação de síndrome demencial. Foram dadas orientações à filha quanto à necessidade de
supervisão das atividades instrumentais da paciente e aos horários corretos das medicações.

Após dois meses de acompanhamento, a paciente evoluiu com controle adequado dos níveis
pressóricos, apresentou melhor aceitação alimentar e obteve ganho ponderal de 2kg. Houve re-
dução da sensação de fadiga e exaustão com a fisioterapia três vezes por semana. Não apresentou
novas quedas. Está em aguardo de cirurgia de catarata. Está tratando deficiência de vitamina D
e de vitamina B12. Há ainda forte suspeita de síndrome demencial do tipo Doença de Alzheimer
provável, e a paciente mantém o acompanhamento regular para avaliar o melhor momento de
iniciar tratamento farmacológico específico.

Referências
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46
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Capítulo 3 47
CAPÍTULO

Fármacos no Idoso
e Iatrogenia Terapêutica
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Fármacos no Idoso
e Iatrogenia Terapêutica
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1. Introdução
Os idosos apresentam um risco duas a três vezes maior, se comparados aos jovens, de apresentarem
reações adversas a fármacos. No Brasil, cerca de 3/4 da população idosa usa algum medicamento
regularmente. Os motivos para tal fenômeno são os seguintes:

a) Há uma redução no clearence de creatinina e no clearence hepático, que aumenta o risco de


intoxicação medicamentosa e amplifica os efeitos colaterais de fármacos;

b) Ocorre significativa modificação no volume de distribuição das drogas, em virtude do


aumento em até 40% da gordura corporal, e redução em até 30% da massa magra e 15% da
água corporal. Dessa forma, as drogas hidrossolúveis se encontram mais concentradas e as
lipossolúveis passam a ter uma meia-vida aumentada;

c) A existência de comorbidades determina um risco aumentado para reação adversa a drogas


(Tabela 1), bem como o comprometimento prévio da funcionalidade, o tempo de internação
prolongado e a ocorrência anterior de outra reação adversa a drogas;

d) Há uma tendência ao uso de muitas medicações em conjunto (polifarmácia), com aumento


das interações farmacológicas e risco de eventos adversos. A polifarmácia é um fator
independente para quedas com fraturas de quadril.

Figura 1 - Alterações da Composição Corporal no Envelhecimento

Fonte: http://www.isagenixhealth.net/the-power-of-protein-for-staying-lean-battling-aging/
Tabela 1 - Exemplos de Interações Medicação-Doença

Doença Medicamento Efeito


Bloqueio A-V 1º grau Antidepressivos tricíclicos BAVT
Declínio Cognitivo Benzodiazepínicos Delirium
Diabetes Corticoides Hiperglicemia
DPOC Beta bloqueadores Broncoespasmo
HAS Anti-inflamatórios Aumento da pressão arterial
Hiperplasia Prostática Benigna Anticolinérgicos Retenção urinária
Hipotensão Postural Diuréticos Quedas
IRC Aminoglicosídeos IRA

Fonte: Compilado pelo autor

2. Reação adversa a drogas no idoso


As reações adversas a drogas ocorrem em até 20% dos idosos hospitalizados e a mortalidade
associada pode chegar a 5%, respondendo por cerca de 5% das admissões hospitalares e até por
10% dos recursos gastos nessas internações. Cerca de 2/3 dessas iatrogenias são evitáveis.

O uso criterioso de fármacos no idoso é, portanto, um ponto importante na terapêutica. Os


tratamentos não farmacológicos devem ser sempre considerados. O Trial of Nonpharmacologic
Interventions in the Elderly (TONE) demonstrou que a perda ponderal e a redução na ingestão
de sódio podem reduzir em até 40% o número de idosos medicados para hipertensão arterial.
Deve haver uma priorização nos alvos terapêuticos, para se evitar o esquema de prescrição de um
fármaco para cada sintoma apresentado pelo paciente. Fato comum é que o uso de um fármaco
provoque sintomas, para os quais frequentemente outro fármaco é prescrito, gerando-se novos
sintomas. Este fenômeno é denominado cascata iatrogênica.

3. Farmacoterapia no idoso
Certos fármacos apresentam um risco maior de gerar complicações, como os antagonistas H2
(ex.: rantidina), que por serem anti-histamínicos podem provocar sonolência, anticoagulantes
(risco de sangramentos), anti-hipertensivos (risco de hipotensão postural), insulinas, antiagre-
gantes plaquetários e hipoglicemiantes orais. Diversas listas de medicações potencialmente ina-
propriadas aos idosos estão disponíveis para consulta, entre elas a dos Critérios de Beers (Tabela
2). Os efeitos anticolinérgicos são os mais indutores de complicações nos idosos. Drogas antico-
linérgicas aumentam o risco de demência.

Os critérios Screening Tool of Older Person’s Prescriptions - STOPP (Ferramenta para prescrição
em idosos, em português) também são úteis por identificarem as interações perigosas entre
fármacos e o uso duplicado de drogas dentro de uma mesma classe farmacológica.

Capítulo 4 51
Deve ser pesquisado também o uso de medicamentos derivados de ervas medicinais, que não
estão isentos de efeitos adversos e podem provocar interações medicamentosas significativas,
como o que ocorre entre o ginkgo biloba e a varfarina e entre o hipérico e os inibidores de
receptação de serotonina.

Tabela 2 - Alguns medicamentos inapropriados para idosos pelos Critérios de Beers

Drogas Motivo
Hidroxizina; prometazina Anti-histamínico com elevada ação anticolinérgica.
Escopolamina Antiespasmódico com elevada ação anticolinérgica.
Nitrofurantoína Antibiótico com elevado risco de toxicidade pulmonar.
Alfa-bloqueadores com elevado risco de hipotensão, depressão do
Doxasozina, clonidina e metildopa
sistema nervoso central.
Digoxina > 0,125mg Risco de toxicidade.
Espironolactona > 25mg Risco de hipercalemia.
Antidepressivos tricíclicos Elevada ação anticolinérgica.
Antipsicóticos Risco elevado de acidente vascular cerebral.
Risco de declínio cognitivo, sedação, delirium e quedas.
Benzodiazepínicos

Testosterona Risco de complicações cardiovasculares e câncer de próstata.


Metoclopramida Efeitos extrapiramidais.
Risco de aspiração com pneumonite lipoídica e má absorção
Óleo Mineral
vitamínica.
Risco de sangramento digestivo, insuficiência renal e retenção de
AINH
volume.
Carisoprodol, ciclobenzaprina Relaxantes musculares com elevada ação anticolinérgica.

Fonte: Adaptada da American Geriatrics Society

Recomenda-se, de forma geral, que os fármacos sejam iniciados em doses menores e aumentados
lentamente de acordo com a necessidade. Medicamentos usados sem prescrição médica também
devem ser investigados com cautela.

A correção de medicações para a função renal é outra estratégia de segurança na terapêutica de


idosos, em especial no caso de antibióticos, antifúngicos e antivirais. O clearence de creatinina
(mL/min) pode ser estimado por diversas fórmulas. Uma das mais utilizadas é a de Cokroft e
Gault:

[140 x peso/kg] / [72 x Creatinina sérica(mg/dL) x 0,85 (se mulher)]

Nesta fórmula, o peso aplicado deve ser o peso real (caso o paciente seja eutrófico ou desnutrido)
ou o peso ideal (caso seja obeso ou apresente edemas).

Na tabela 3 são descritos exemplos de antibióticos e outras drogas que necessitam de correção
pela função renal.

52
Tabela 3 - Exemplos de antibióticos e outras drogas com correção de dose para função renal alterada

Antibiótico Função Renal Normal Clearence:10-50mL/min Clearence < 10mL/min


Amicacina 7,5 mg/kg a cada 12h 7,5 mg/kg a cada 24h 7,5mg/kg a cada 48h
Imipenem 500mg a cada 6h 250mg a cada 6h 250mg a cada 12h
Cefepime 2g a cada 8h 2g a cada 12h 1g a cada 24h
Ciprofloxacin VO 500mg a cada 12h 500mg a cada 24h 500mg a cada 24h
Claritromicina 500mg 12/12h 75% da dose 50% da dose
Metronidazol 7,5mg/kg a cada 6h 100% da dose 50% da dose
Vancomicina 1g a cada 12h 1g a cada 24h 1g a cada 4 dias
Amoxicilina 500mg a cada 8h 500mg a cada 12h 500mg a cada 24h
Fluconazol 100mg a cada 24h 50% da dose 50% da dose
Aciclovir 5-12,4mg/kg a cada 8h 100% da dose a cada 12h 50% da dose a cada 24h

Fonte: Adaptado de Gilbert D. Guia Sanford para terapia antimicrobiana. 47ª. ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2017

4. Estudo de Caso
Você é chamado para avaliar no hospital o sra. Arlete, 92 anos, professora aposentada. Mora
com sua filha, Maria, e apresentava boa funcionalidade até 4 meses atrás, quando começou a
ficar doente. Saía sozinha à rua todos os dias para fazer pequenas compras e administrava suas
próprias finanças. Há 5 dias foi internada após ser trazida ao PS por quadro de síncope.

Maria informa que sua mãe é medicada há cerca de 20 anos com amitriptilina 25mg/noite para
tratar insônia. Há 2 meses e meio a paciente apresentou crise de vertigens, com queda em via
pública. Procurou atendimento na UBS que identificou PA 180X 100 mmHg. Recebeu a prescrição
de cinarizina 75mg pela manhã e metildopa 500mg/noite, em uso contínuo. Após 20 dias, o quadro
vertigionoso melhorou, mas surgiram tremores intensos e os movimentos corporais se tornaram
lentos. Procurou neurologista que diagnosticou Doença de Parkinson e adicionou ao tratamento
meio comprimido de levodopa a cada 6 horas. Após sete dias, a paciente evoluiu com confusão
mental e quedas no domicílio. Foi levada a nova avaliação na UBS. O médico diagnosticou tremor
essencial e indicou suspensão da levodopa e tratamento com propranolol 20mg, 8/8 horas. Houve
resolução da confusão mental, mas após 45 dias surgiram sinais de apatia e a paciente começou a
se desinteressar dos afazeres diários, comunicando-se pouco. Teve então novo episódio de queda,
desta vez associada a desmaio. O SAMU foi chamado e levou-a ao hospital, onde está internada.
No hospital, o médico plantonista solicitou ECG que revelou “arritmia” (abaixo). A tomografia de
crânio foi normal, bem como os exames de sangue. O ecocardiograma também estava normal, e
o U-S doppler de carótidas mostrou placas carotídeas com cerca de 30% de obstrução. O médico
informou à família que se tratava de um caso de AVC e indicou tratamento com Xarelto ® 20mg
(rivaroxabana) 1x ao dia.

Capítulo 4 53
Hoje pela manhã a paciente apresentou uma crise convulsiva, que durou 4 minutos. No momento
encontra-se sonolenta, não responde aos chamados verbais.

Ao exame:

Neuro: sonolenta. Glasgow: 10. Sem déficits motores focais. Pupilas sem alterações. Não há
rigidez nucal.

RCR, sem sopros. Pulmões limpos.

Abdome flácido. Membros sem edemas.

PA: 110 X 70 mmHg FC: 48 bpm FR: 16 irpm sat O2: 98%

Peso: 45kg Alt: 1,51m

Exames laboratoriais: Creatinina: 0,7 mg/dl uréia: 32 mg/dL

Para discutir em grupo e com seu professor:

1. Identifique e explique todas as iatrogenias medicamentosas que identificou neste caso.

2. Qual o diagnóstico do ECG? De que modo os achados deste exame se conectam com as
condutas e evolução da paciente descritas no caso?

3. Qual é o clearence de creatinina estimado para esta paciente? Ela apresenta insuficiência
renal?

4. Por que a paciente apresentou síncope?

5. Qual seu diagnóstico e conduta para a complicação recente da paciente?

5. Conclusões
• O risco de iatrogenias medicamentosas é maior com o envelhecimento.

• Deve ser observada a necessidade de correção de dose de fármacos, em especial por conta
das alterações de clearence de creatinina.

• As reações adversas a drogas estão associadas a maiores taxas de hospitalização e morte.

• A prescrição de fármacos ao idoso deve ser sempre racionalizada, evitando-se o esquema


de uso de uma droga para cada sintoma ou doença, bem como a cascata iatrogênica.

• As tabelas como as dos Critérios de Beers devem ser utilizadas como fonte de consulta para
drogas inapropriadas ao idoso.

54
Referências
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Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults.
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ROCHON, P.A.; GURWITZ, J.H. Optimising drug treatment for elderly people: the prescribing
cascade. British Medical Journal 1997;315:1096.

Capítulo 4 55
CAPÍTULO

Cardiogeriatria – parte 1
Profa. Dra. Luciana Avena
Cardiogeriatria – parte 1
Profa. Dra. Luciana Avena

1. Introdução
Motivo da consulta: a paciente está se matriculando em atividades para idosos e precisa de um
atestado médico para a prática de exercícios físicos.

Mulher 75 anos, procedente de SP, casada, branca, independente para atividades diárias. Ante-
cedentes: colecistectomia há 20 anos e 3 partos normais. Sem uso de medicações. Assintomática
para as atividades habituais, nega dispnéia, dor torácica, tontura, palpitações ou edemas. Não
pratica exercícios físicos regulares, a não ser tarefas domésticas e pequenas caminhadas para
fazer compras. Alimenta-se bem, incluindo verduras, legumes e carnes diariamente e evita fri-
turas e gordurosos desde a época em que operou a vesícula. Peso estável. Exame físico: BEG,
IMC 27, CA=87 cm, FC=88 bpm, PA=160x80, BRNF com sopro sistólico++/4 no foco aórtico, sem
irradiação. Restante do exame físico normal, incluindo pulsos periféricos. Exames Laboratoriais:
Colesterol total=230 mg/dL, LDL=170 mg/dL, HDL=47mg/dL, TG=120 mg/dL, glic=95 mg/dL, Hb-
glic=5,5%, U=40 mg/dL, C=0,9 mg/dL, eletrólitos normais, hemograma sem alterações. Traz me-
didas de pressão arterial que tem feito em casa nas últimas semanas: 150X 75 mmHg e 160 X 80
mmHg.

Problemas: Sedentarismo / Avaliação para atividade física / Sobrepeso e obesidade abdominal / Dis-
lipidemia / Hipertensão arterial sistólica / Sopro sistólico ejetivo no foco aórtico

A primeira intervenção feita foi a de encorajar a idosa a adotar um estilo de vida saudável, uma
vez que essa atitude resulta em redução do risco de desenvolvimento futuro de incapacidades.
Um estudo de coorte que seguiu por 12 anos indivíduos com 65 anos ou mais, inicialmente sem
qualquer incapacidade, mostrou que o risco de desenvolvimento de incapacidades, consideradas
moderadas e graves, foi maior nos indivíduos que tinham nível de atividade física apenas leve
ou moderado, que consumiam menos que uma porção de frutas ou vegetais por dia e que eram
fumantes e que esse risco foi tanto maior quanto maior fosse o número de comportamentos con-
siderados não saudáveis (Artaud et al, 2003).

O exercício físico beneficia pessoas de qualquer idade, pode reduzir todas as causas de morbi-
dade, reduzir mortalidade, aumentar a expectativa de vida e a independência funcional.Assim,
devemos fazer essa recomendação para todos os idosos, incluindo os muito idosos, aqueles com
comorbidades e também para os institucionalizados. Até mesmo a atividade física descomprome-
tida ou no lazer se associam com redução de incidência de doença cardiovascular e mortalidade
cardíaca e total nos idosos. Nunca é tarde para iniciar atividade física e até mesmo idosos com 85
anos ou mais, previamente sedentários, e que iniciaram atividade física evoluíram com benefício
significativo na sobrevida em 3 anos quando comparados com indivíduos sedentários (Stessman
et al, 2009).

A importância da atividade física para a proteção da saúde global e cardiovascular (Tabela 1) é


tão grande que devemos perguntar ao paciente sobre sua atividade física (além das atividades de
vida diária) em todas as consultas médicas, assim como avaliamos os sinais vitais.

A recomendação é a de iniciar exercícios de modo gradual e progressivo (passo a passo) a fim de


garantir a segurança e a aderência. Para os idosos com doenças crônicas o ideal é o desenvolvi-
mento de um plano de atividade física e seguimento com equipe especializada em fisiologia do
exercício e reabilitação cardiopulmonar.

Testes funcionais como o teste ergométrico não são indicados para pacientes idosos assintomá-
ticos que estão se preparando para iniciar uma atividade física. Os testes de esforço podem ser
considerados para idosos previamente sedentários que estão planejando iniciar um programa
intenso de exercícios, o que não é habitual. A falta, portanto, de um teste ergométrico não deve
ser uma barreira para orientarmos o início de um programa de exercícios e deve ser reservado
para pacientes com sintomas cardiovasculares, com doença arterial coronária (DAC) conhecida
ou com alto risco para DAC, baseado em múltiplos fatores de risco, como pacientes diabéticos e
que tem doença macrovascular como doença arterial carotídea e periférica. No entanto, deve-
mos avaliar um eletrocardiograma de repouso.

Assim, a boa anamnese, o exame físico e um eletrocardiograma de repouso são capazes de ava-
liar se há contraindicações ou risco para exercícios físicos. Pacientes sem sintomas cardiovascu-
lares, como a paciente do caso clínico, são capazes de iniciar atividade física de leve a moderada
intensidades, de modo gradual, sem riscos.

A recomendação de atividade aeróbica de moderada intensidade mínima de 30 minutos 5 vezes


por semana também pode ser feita para o idoso, mas de modo gradual, podendo até exceder essa
meta. Também é preciso orientar que, além dos exercícios aeróbicos, sejam também incluídos os
exercícios de fortalecimento muscular, de flexibilidade e de equilíbrio.

A definição de intensidade de exercício é diferente para o idoso. Para os adultos mais jovens, a
intensidade é medida em termos de equivalente metabólico (METS) ou estimativa do consumo
de oxigênio em repouso, de modo a avaliar o custo metabólico de uma dada atividade física.
Uma atividade física de 3 METS é aquela que utiliza 3 vezes mais oxigênio que o gasto energético
corpóreo em repouso. Atividades que dispendem entre 3-6 METS são consideradas de moderada
intensidade e acima de 6 METS são de elevada intensidade. Como os idosos podem ter uma capa-
cidade funcional reduzida e grande heterogeneidade em termos de performance física, gradua-
mos a intensidade do exercício em uma escala de 0 (repouso) a 10 (maior esforço físico possível).
A atividade física de intensidade moderada, recomendada em geral para o início dos exercícios
físicos, é definida entre aquela de nível 5-6 e provoca uma elevação evidente nas frequências
respiratória e cardíaca. As atividades de níveis de 7-8 são aquelas que provocam um grande au-
mento nesses parâmetros. Uma boa regra para diferenciarmos a intensidade do exercício é que
na atividade moderada o paciente deve ser capaz de conversar durante o exercício.

Capítulo 5 59
Tabela 1- Benefícios da atividade física no idoso

Melhora o condicionamento físico


Melhora a força muscular, a flexibilidade e a aptidão física geral
Melhora a mobilidade e redução de incapacidades relacionadas à imobilidade
Redução do risco de doença cardiovascular, de acidente vascular cerebral tromboem-
bólico e hipertensão arterial
Redução de diabetes e osteoporose
Redução do risco de câncer de mama e de câncer de colon
Redução de depressão, ansiedade e declínio cognitivo
Redução do risco de quedas e de problemas relacionados à queda
Melhora a evolução do paciente com doenças crônicas como: transtornos do humor,
dor crônica, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral prévio, constipação e
distúrbios do sono.

Fonte: Adaptado de LIFE Study Investigators. Effects of a physical activity intervention on measures of physical per-
formance: Results of the lifestyle interventions and independence for Elders Pilot (LIFE-P) study. J Gerontol A Biol Sci
Med Sci 2006; 61:1157

Para mais informações sobre recomendação de atividade física nos idosos consulte os sites:

www.exerciseismedicine.org/

www.research.va.gov/resources/pubs/LIFE-modules.cfm

www.move.va.gov/handouts.asp

Outras recomendações em termos de adoção de estilo de vida saudável devem ser enfatizadas.
Devemos perguntar ao idoso sobre tabagismo e aconselhá-lo a parar de fumar, já que essa in-
tervenção reduz de modo significativo o risco de doença arterial coronária, doença pulmonar
obstrutiva crônica e várias neoplasias. Um estudo avaliou por cinco anos idosos que pararam
e não pararam de fumar e observou redução do risco relativo de morte por todas as causas no
grupo que cessou o tabagismo (Russell et al, 1979). O benefício dessa recomendação se observa
em todas as idades, inclusive pacientes com 80 anos ou mais. Se necessário podemos utilizar a
bupropiona e a varenicliclina no tratamento do tabagismo no idoso e, apesar de não haver es-
tudos específicos para essa faixa etária, os medicamentos à base de nicotina também tem sido
prescritos e se mostrado efetivos.

Com relação às medidas de prevenção primária de eventos cardiovasculares e rastreio de doen-


ças cardiovasculares no idoso, uma questão a ser considerada é o conceito de “lag time”, ou seja,
precisamos ponderar o tempo necessário para uma intervenção surtir efeito em termos de redu-
ção de riscos à luz da expectativa de vida, em anos, do indivíduo. Por não haver avaliação dessas
questões, muitos idosos são submetidos a intervenções diagnósticas e terapêuticas desnecessá-
rias (e potencialmente danosas).

Uma estimativa da expectativa de vida, baseada nas condições de saúde e funcionalidade do


paciente, pode nos auxiliar nas tomadas de decisões. Podemos utilizar por exemplo uma ferra-
menta baseada em evidência disponível online: eprognosis.ucsf.edu.

60
Avaliação do risco de eventos cardiovasculares
A doença aterosclerótica vascular é comum e afeta a maioria dos adultos acima de 60 anos. O
risco de doenças cardíacas aumenta com a idade. Assim, idade é um fator importante na maioria
dos modelos de avaliação de risco cardiovascular e só esse fato justificaria monitorizar o risco
cardiovascular nos idosos.

Não se sabe a partir de qual idade essa avaliação periódica de risco não mais se justifica, mas
muitos dos modelos validados de avaliação de risco cardiovascular incluíram pacientes com 79
anos ou menos. Assim, a partir dessa faixa etária, a decisão de suspender essa avaliação perió-
dica de risco deve ser baseada no estado funcional do paciente, na sua expectativa de vida e em
valores e preferências do indivíduo com relação a modificações dos fatores de risco.

Atualmente podemos contar com vários modelos multivariados de avaliação de risco cardiovas-
cular, aplicáveis a indivíduos aparentemente saudáveis e assintomáticos, como é o caso da nossa
paciente. Lembremos que esses modelos tendem a superestimar os riscos mas podem nos au-
xiliar a tomar decisões, especialmente terapêuticas, quando se trata de prevenção primária. A I
Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda a utilização do Escore de Risco Global
(ERG) para avaliação do risco de eventos cardiovasculares (risco de infarto do miocárdio, aciden-
te vascular encefálico, insuficiência vascular periférica e insuficiência cardíaca) em 10 anos, para
pacientes entre 40 e 79 anos, de maneira periódica (a cada 3 a 5 anos).

O mais claro identificador de risco é a manifestação prévia da própria enfermidade. Desta forma,
o primeiro passo na estratificação do risco é a identificação de manifestações clínicas da doença
aterosclerótica ou de seus equivalentes (como a presença de diabetes ou de doença renal crônica
significativa, mesmo em prevenção primária). Indivíduos assim identificados possuem, em 10
anos, risco superior a 20% de apresentar novos eventos cardiovasculares. O paciente que se en-
quadrar em uma dessas categorias, não requer outras etapas para estratificação de risco, sendo
considerado automaticamente de ALTO RISCO.

Portanto, são considerados de alto risco para eventos cardiovasculares:

- Doença aterosclerótica arterial coronária, cerebrovascular ou obstrutiva periférica, com


manifestações clínicas (eventos cardiovasculares), e ainda na forma subclínica documen-
tada por metodologia diagnóstica;

- Necessidade de procedimentos de revascularização arterial prévia;

- Diabete melitus tipo 1 e tipo 2;

- Doença renal crônica;

- Paciente portador de hipercolesterolemia familiar.

Capítulo 5 61
Pacientes já com doença cardiovascular aterosclerótica manifesta são considerados de alto risco
de recorrência de eventos e devem ser tratados com medidas de prevenção secundária.

São considerados de BAIXO RISCO aqueles com probabilidade menor que 5% de apresentarem
os principais eventos cardiovasculares em 10 anos. Os pacientes classificados nessa categoria
e que apresentem histórico familiar de doença cardiovascular prematura serão reclassificados
para risco intermediário.

São considerados de risco INTERMEDIÁRIO homens com risco calculado ≥ 5% e ≤ 20% e mulhe-
res com risco calculado ≥ 5% e ≤ 10% de ocorrência de algum dos eventos citados.

São considerados de ALTO RISCO, aqueles com risco calculado > 20% para homens e >10% para
mulheres no período de 10 anos.

Nos indivíduos de risco intermediário devemos avaliar os fatores agravantes (Tabela 2), que
quando presentes (pelo menos um deles) reclassificam o indivíduo para a condição de alto risco.

Tabela 2 – Fatores agravantes

História Familiar de doença arterial coronariana prematura (parente de primeiro grau mas-
culino < 55 anos ou feminino < 65 anos)
Critérios de síndrome metabólica de acordo com a International Diabetes Federation
Microalbuminúria (30-300 mg/min) ou macroalbuminúria (>300 mg/min)
Hipertrofia Ventricular Esquerda
• Evidência de doença aterosclerótica subclínica:
Escore de cálcio coronário > 100 ou > percentil 75 para idade ou sexo
Índice tornozelo braquial (ITB) < 0,9

Fonte: I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular


Arq. Bras. Cardiol. vol.101 no.6 supl.2; 2013

Na paciente em questão, não identificamos na anamnese e no exame físico evidência de doença


aterosclerótica manifesta e ela nunca apresentou evento cardiovascular. Também não tem doen-
ça considerada equivalente de alto risco, como diabetes e doença renal crônica. Como está abaixo
de 79 anos, podemos realizar uma avaliação de risco de eventos cardiovasculares em 10 anos,
utilizando o ERG = 28,5%. Portanto, essa paciente é classificada em alto risco para apresentar
eventos cardiovasculares em 10 anos.

Para todas as categorias de risco devemos salientar as questões relativas às mudanças do estilo
de vida:

a) redução do peso;

b) preferir o consumo de vegetais, frutas e grãos inteiros; além de fitoesteróis, fibras e peixe;

c) reduzir a ingesta de ácidos graxos saturados e de gordura trans e substituir ácidos graxos
saturados pelos mono e poli-insaturados;

62
d) reduzir ingesta de carboidratos, de açúcares simples, de carne vermelha, de sal (<2,3g/d);

e) ingesta moderada de bebida alcoólica;

f) aumentar a atividade física e;

g) cessar o tabagismo.

Devemos ainda tratar os fatores de risco encontrados. Muitos dos fatores de risco para doenças
cardiovasculares são modificáveis e susceptíveis a medidas preventivas. Os estudos Interheart e
Interstroke, que contaram com a colaboração de 52 países, demonstraram nove fatores potencial-
mente modificáveis que foram responsáveis por 90% dos eventos cardiovasculares ocorridos:
tabagismo, dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes, obesidade abdominal, fatores psicosso-
ciais (depressão, estresse percebido, eventos da vida), consumo diário de frutas e vegetais, con-
sumo regular de álcool e atividade física regular. Atividade física e consumo de legumes e verdu-
ras foram fatores protetores. Consumo moderado de álcool (1 a 2 doses ao dia) pode proteger para
infarto mas aumenta o risco de acidente vascular cerebral hemorrágico.

Os idosos têm um risco anual global maior de doença coronária e podem beneficiar-se da redu-
ção de lipídios se a expectativa de vida for boa. A U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF),
com base nas evidências de que medida de lípides pode identificar pacientes de risco aumentado
para eventos cardiovasculares e que a terapia redutora de lípides mostrou redução na ocorrência
desses eventos, com poucos efeitos colaterais, conclui que o benefício da dosagem de lípides e
tratamento da dislipidemia nos idosos é maior que o malefício.

As estatinas são comprovadamente benéficas na prevenção secundária no idoso. Em revisão


recente do uso de estatinas para prevenção primária nos idosos, concluiu-se que as evidências
existentes até o momento sugerem, mas não confirmam, benefício do uso de estatina para pre-
venção primária no subgrupo com 65 anos ou mais e dos 6 estudos avaliados, apenas três deles
incluíram pacientes com 75 anos ou mais. Assim, os estudos para prevenção primária nos idosos
são limitados e não há estudos randomizados para tratamento de dislipidemia que tenha incluí-
do pessoas com 80 anos ou mais.

Com o passar da idade, os níveis de colesterol tendem a estabilizar-se. Nos pacientes com mais de
um rastreio prévio, poderíamos considerar fazer um exame adicional aos 65 anos e a partir daí
interromper o rastreamento.A presença de diabetes é um indicador independente para avaliação
do perfil de lípides, independente de avaliação de risco do indivíduo. Ver Tabela 3.

A recomendação mais aceita hoje é baseada na avaliação prévia do risco cardiovascular do pa-
ciente idoso. O rastreamento de dislipidemia e a terapia redutora de lipides beneficia os idosos
de alto risco cardiovascular. Entretanto, a decisão de iniciar essa terapia nos idosos, particular-
mente acima de 80 anos deve ser individualizada com base nas comorbidades e nos riscos da
polifarmácia. Os pacientes de risco cardiovascular baixo e intermediário tem benefício incerto
com esse tratamento.

Capítulo 5 63
A terapia com estatina, quando usada na prevenção primária, irá reduzir o risco relativo de even-
tos cardiovasculares em 20-25% e é por isso que pacientes com mais alto risco são os que te-
rão maior impacto em termos de redução de risco absoluto de eventos com a medicação. Assim,
quanto mais alto o risco cardiovascular estimado, mais inclinados estaremos a iniciar estatina
nos idosos, pois o impacto na prevenção de eventos como infarto do miocárdio e acidente vascu-
lar cerebral será maior.

Quando decidimos por instituir a estatina para prevenção primária, a sugestão é usar uma
dose considerada moderada e que foi utilizada nos estudos disponíveis, como atorvastatina
10mg-20mg ou lovastatina 20-40mg, pravastatina 40mg ou sinvastatina 40mg ou rosuvastatina
5-10mg. Não há estudos comparando diretamente o efeito de doses baixas e moderadas com altas
doses de estatina na prevenção primária. Poucos idosos foram incluídos nos estudos de estati-
nas, de modo que essa terapia nessa faixa etária ainda não foi bem estudada.

Nova medida de LDL em 6 semanas pode ser feita para avaliar aderência a medicação e a dieta.
Não há necessidade de se associar uma segunda classe de droga para atingir meta de LDL na
prevenção primária, exceto para pacientes com LDL muito elevado e alto risco cardiovascular.
O tratamento não deve ser baseado na meta de LDL e por isso em geral não há necessidade de se
repetir as dosagens. Uma dosagem de CK e transaminases costuma ser recomendada antes do
início do tratamento com estatina para termos um valor controle de normalidade. Não é preciso
fazer dosagens seriadas de CK e transaminases se não houver sintomas.

O paciente idoso diabético deverá receber estatina, já que é considerado de alto risco, tendo be-
nefício absoluto maior na prevenção de eventos.

Os triglicérides não são considerados nos modelos de avaliação de risco e não há comprovação de
que reduzir triglicérides reduz eventos cardiovasculares. Por causa do risco de pancreatite, po-
rém, quando os níveis são muito elevados, devemos tratar, primeiramente com dieta e mudança
do estilo de vida e, se necessário, com fibratos.

A ação da aspirina (AAS) nas doses de 75-100mg é antiplaquetária pelo efeito de acetilação irre-
versível do sítio ativo da cicloxigenase1 (COX1), que é necessário para a produção de tromboxana
A2, um poderoso promotor da agregação plaquetária. O uso de AAS gera um aumento de 50% no
risco de sangramentos não fatais extracranianos em 10 anos. A maioria dos sangramentos ocor-
rem no trato gastrointestinal e raramente é fatal. O risco mais temido, o sangramento no sistema
nervoso central é de 4 por 10.000 (mas quando ocorre tem 50% de fatalidade). Para aqueles pa-
cientes que apresentam sangramento durante o tratamento com AAS para prevenção primária, a
decisão deve ser reavaliada, considerando o risco de sangramento recorrente versus o benefício
do uso preventivo. O risco de sangramento é tanto maior quanto maior a dose de AAS usada. As-
sim, para prevenção primária, uma boa estratégia é utilizarmos a dose de no máximo 100mg de
AAS por dia (entre 75-100mg). O benefício da aspirina na prevenção primária é a redução do risco
de infarto não fatal e uma pequena redução na mortalidade e possivelmente redução do risco de
câncer coloretal (quando o uso é acima de 10 anos). Em geral, devemos considerar o uso de AAS
para prevenção primária em pacientes com 50 anos ou mais, com risco estimado cardiovascular
acima de 10% e com baixo risco de sangramento, mas essa recomendação não é consenso entre
as várias orientações existentes, de modo que essa decisão deve ser individualizada.

Assim, para a nossa paciente, classificada como de alto risco cardiovascular, indicamos estatina
para prevenção primária de eventos e se considerarmos que ela não tem alto risco para sangramen-

64
to após anamnese cuidadosa, também podemos orientar AAS em dose baixa e com monitorização
periódica, especialmente para sangramento digestivo.

Tabela 3 - Recomendação para solicitação de exame lipídico nos pacientes idosos na prevenção primária

Para os que nunca fizeram esse exame, pedir um painel inicial


aos 65 anos
Recomendação para soli-
A partir dos 65 anos, parar de dosar, pois os níveis tendem a se
citação de exame lipídico
manter estáveis (exceto de houver mudança na evolução clínica)
em pacientes idosos
Pacientes com diabetes são considerados de alto risco para doen-
ça cardiovascular e devem ter seus níveis de lípides avaliados
Aplicar modelo de avaliação de risco cardiovascular em 10 anos e
instituir tratamento para prevenção primária nos pacientes con-
Recomendação para ini- siderados de alto risco
ciar tratamento
Até o momento não há evidências de que pacientes de risco baixo
e moderado se beneficiem do tratamento

Fonte: I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol. vol.101 no.6 supl.2; 2013

Vale ressaltar que a utilização de testes diagnósticos bioquímicos e/ou de exames de imagem
para detecção da aterosclerose subclínica não são preconizados como ferramentas de rotina na
estratificação de risco, mas podem ser usados nos pacientes que apresentem história familiar de
doença aterosclerótica precoce ou que sejam considerados como de risco intermediário. É o caso
da dosagem da proteína C reativa e do escore de cálcio determinado por tomografia de coronária .
Quanto ao Espessamento Médio-Intimal das (EMI) carótidas, sua utilização é muito controversa,
pois as evidências não são claras quanto à sua capacidade de prever doença.

Pessoas assintomáticas, com alterações no eletrocardiograma (ECG) de repouso, como depressão


ST, inversão de onda T, hipertrofia ventricular esquerda ou strain e extrasístoles ventriculares
prematuras, têm 2-10 vezes maior risco de DAC comparados com pacientes com ECG normal,
entretanto, a utilidade do ECG para rastreamento é limitada pois 30-50% das pessoas com arte-
riografia normal têm alterações no ECG, 30% das pessoas com arteriografia mostrando DAC terão
ECG normal de repouso e a maioria dos eventos coronários ocorre em indivíduos sem alterações
eletrocardiográficas de repouso.

O teste de esforço é útil na avaliação de pessoas com DAC conhecida e suspeitada, trazendo para
esses pacientes importantes informações diagnósticas e prognósticas. É, entretanto, muito con-
troverso o uso para rastreamento. Seu valor preditivo é muito dependente da probabilidade pré
teste da população em questão.

Em pacientes sem sinais e sintomas sugestivos de DAC, não é recomendado rastreamento para
DAC. Reservamos o teste de esforço para pacientes assintomáticos nas seguintes situações: a)

Capítulo 5 65
diabéticos que planejam iniciar um programa vigoroso de exercícios físicos; b) pacientes com
múltiplos fatores de risco para DAC ou homens acima de 45 anos e mulheres acima de 55 anos
sedentários e que estão planejando iniciar um programa vigoroso de exercícios; d) pacientes com
atividade ocupacional de risco; e) paciente que traz uma tomografia com escore de cálcio acima
do percentil 75.

A angiotomografia de coronárias é altamente sensível para a detecção de estenoses coronárias


maiores ou iguais a 50% e a especificidade varia com o grau de calcificação. A presença e exten-
são da calcificação nas coronárias pode predizer DAC, sendo muito sensível para correlação com
estenoses maiores ou iguais a 50%, mas menos específico, especialmente nos idosos. A ausência
de calcificação é altamente preditora de ausência de estenose maior que 50%. O escore de cálcio
pode ser: 0 = calcificação não identificada; 1-99 = calcificação leve, 100-399 = calcificação modera-
da, >igual 400 = calcificação importante. Como a calcificação é muito prevalente, especialmente
com a idade e nos homens, muitos pacientes com calcificação não tem isquemia.

Para a nossa paciente não há indicação de realização de exames adicionais para procurar doença
arterial coronária subclínica, porque a paciente já foi classificada como de alto risco e iniciamos
as medidas de prevenção primária. Com relação à atividade física pretendida, não há necessida-
de de exames complementares, além do eletrocardiograma de repouso, especialmente o teste
ergométrico para o início de exercícios de leve e moderada intensidades. O teste ergométrico
muitas vezes é solicitado para pacientes com 50 anos ou mais e com vários fatores de risco, antes
da prática de exercícios vigorosos. Podemos indicar esse exame para a paciente caso ela pretenda
aumentar a intensidade dos exercícios ou se surgirem sintomas sugestivos de DAC com o início
da prática esportiva.

2. Hipertensão arterial sistêmica (HAS)


A hipertensão arterial é um problema bem comum nos idosos, com prevalência tão alta quanto
60-80%.Comparando com faixas etárias mais jovens, a HAS é mais frequentemente diagnosti-
cada e tratada nos idosos, o que em parte reflete as consultas médicas mais frequentes que os
idosos realizam por causa das comorbidades. A taxa de controle da HAS, porém, é menor entre os
idosos hipertensos do que entre os hipertensos mais jovens e esse achado pode estar relacionado
tanto ao aumento da HAS resistente entre os idosos, como ao fenômeno da inércia terapêutica
(não intensificação do tratamento por parte do médico quando esse está insuficiente).

Também nos idosos, a pressão maior ou igual a 140 x 90 não deve ser considerada fisiológica e
define HAS. Após os 60 anos, a pressão sistólica aumenta e a pressão diastólica cai, tanto nos
pacientes normotensos como nos hipertensos. A hipertensão sistólica responde por 60-80% das
hipertensões entre os idosos. A pressão sistólica e a pressão de pulso são preditores de DAC em
idosos, enquanto que a pressão diastólica é o principal preditor em indivíduos abaixo de 50 anos.
Os três parâmetros são preditores de DAC nos pacientes entre 50-59 anos.

A hipertensão sistólica, como a da paciente em questão, é associada com aumento de 2 a 4 vezes no


risco de infarto do miocárdio, hipertrofia ventricular esquerda, disfunção renal, acidente vascular
cerebral e mortalidade cardiovascular. Mesmo entre pacientes que tem também hipertensão diastó-
lica, a pressão sistólica se correlaciona mais com risco cardiovascular.

66
Há benefício inequívoco no tratamento da HAS nos idosos, mesmo naqueles com mais de 80
anos, com redução dos eventos cardiovasculares, principalmente acidente vascular cerebral e
infarto do miocárdio, redução na mortalidade total, mortalidade cardiovascular, insuficiência
renal, insuficiência cardíaca e demência. A maioria dos estudos que demonstraram o benefício
do tratamento adotaram a pressão sistólica de 160 mmHg ou mais para o início do tratamento e
em geral não atingiram a meta inferior a 140 mmHg durante o tratamento. Por isso, a recomenda-
ção é que iniciemos tratamento se a pressão é maior ou igual a 150 x 90 mmHg nos idosos acima
de 60 anos e acima de 140 x 90 mmHg nos idosos com diabetes ou insuficiência renal crônica. A
eficácia do tratamento em níveis menores que esses de pressão sanguínea no idoso ainda precisa
ser estabelecida.

O tratamento deve ser iniciado nos idosos com expectativa de vida igual ou superior a 1 a 2 anos
e pressão arterial sistólica acima de 150-160 mmHg, com ou sem pressão arterial diastólica eleva-
da. Nos pacientes com risco cardiovascular alto e muito alto (com comorbidades como diabetes
mellitus, tabagismo, doença arterial coronariana, acidente vascular encefálico prévio, doença
arterial periférica, doença arterial carotídea, aneurisma de aorta, insuficiência cardíaca e ne-
fropatia crônica ou que apresentem proteinúria maior que 1 grama), o tratamento ativo deve ser
iniciado com níveis a partir de 140 mmHg de PAS.

Entre os idosos, a pressão sistólica e a pressão de pulso se correlacionam diretamente com DAC
e a pressão diastólica tem correlação inversa com DAC, ou seja, pressão diastólica mais baixa
correlaciona-se com maior risco de DAC. Isso gera preocupação com relação ao nível de queda
de pressão diastólica (com comprometimento da perfusão de órgãos vitais como o coração) que
podemos permitir quando estamos tratando um paciente com HA sistólica isolada. A sugestão é
que mantenhamos uma pressão diastólica mínima entre 60 e 65 mmHg nos pacientes com DAC
conhecida, a menos que sintomas possivelmente atribuídos à hipoperfusão ocorram com níveis
maiores de pressão diastólica.

O controle adequado do idoso hipertenso exige níveis de PA abaixo de 140/90 mmHg, porém
níveis ainda menores entre aqueles com risco cardiovascular mais elevado. Todavia, as recomen-
dações quanto à PA alvo nos pacientes portadores de nefropatia, notadamente os não diabéticos,
são derivados de estudos menores, em adultos e idosos jovens. A Diretriz Brasileira recomenda
como metas de tratamento o seguinte:

- Hipertensos estágio 1 e 2 com risco cardiovascular médio < 140/90 mmHg;

- Hipertensos e limítrofes com risco cardiovascular alto < 130/85 mmHg;

- Hipertensos e limítrofes com risco cardiovascular muito alto < 130/80 mmHg;

- Hipertensos nefropatas com proteinúria > 1,0 g/l < 125/75 mmHg.

O objetivo pressórico a ser atingido com o tratamento para a maioria dos hipertensos idosos, se-
gundo as diretrizes internacionais, será pressão sistólica de 125 a 135 mmHg para medida manual
e entre 120-125 mmHg para medida automática.

Capítulo 5 67
O tratamento recomendado será a mudança do estilo de vida, especialmente a perda de peso e a
restrição de sódio (menos que 2,3g dia). Idosos podem ingerir mais sal por causa da facilidade do
consumo dos alimentos processados (ricos em sódio) e para tentar compensar a redução do paladar
que pode ocorrer com a idade. É importante, porém, salientar a restrição de sódio, pois o efeito do
excesso de sódio e a eficácia anti-hipertensiva da restrição de sódio aumentam com a idade.

Se essas intervenções não forem suficientes, recomendaremos tratamento medicamentoso para a


nossa paciente. O anti-hipertensivo deve sempre ser iniciado em baixa dose (aproximadamente
a metade da dose que usamos no não idoso).

Os idosos podem ter resposta simpática e de baroreceptores lentificada, além de deficit na auto-
regulação cerebral. Por isso, na ausência de urgência/emergência hipertensiva, a pressão deve
ser reduzida gradualmente, por semanas a meses e não em horas a dias, para minimizar o risco
de hipotensão postural e sintomas isquêmicos. Mais cautela ainda deve ser tomada com os muito
idosos.

No tratamento, será importante avaliar se o paciente tem hipotensão postural e/ou hipotensão
pós prandial, achados encontrados em até 20% dos pacientes com hipertensão sistólica isola-
da. Esses pacientes tem um risco de queda muito maior e o tratamento anti-hipertensivo nesse
grupo de pacientes correlaciona-se com maior risco de fratura de quadril durante os primeiros
dois meses de tratamento. Por isso, teremos que medir a pressão arterial em posição deitada e
na vertical, de todo idoso, antes do início do tratamento. Diagnosticamos hipotensão postural se
após 2 a 5 minutos em pé, ocorre um ou mais dos seguintes: queda de pelo menos 20mmHg na
pressão sistólica, queda de pelo menos 10mmHg na pressão diastólica e ocorrência de sintomas
de hipoperfusão cerebral, como tontura. Fraqueza, fadiga ou tontura após alimentação podem
ser marcadores de hipotensão pós prandial, o que pode ser verificado medindo a pressão arterial
antes e após a refeição.

Outra complicação potencial com a terapia é o baixo fluxo cerebral, gerando confusão mental e
sonolência.

O principal determinante da redução do risco cardiovascular é a redução da pressão arterial e


não a escolha da droga usada para esse fim. Esse princípio geral aplica-se à monoterapia mas não
parece se aplicar a terapia combinada, uma vez que os estudos tem mostrado que a associação de
um inibidor de enzima conversora de angiotensina (IECA) com um bloqueador de canal de cálcio
de longa ação diidropiridínico promovem redução significativa de eventos cardiovasculares se
comparados a uma mesma meta pressórica atingida pela associação IECA e tiazídico.

Muitos idosos hipertensos terão indicação de IECA ou bloqueadores do receptor de angiotensina


(BRA), incluindo aqueles com insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio prévio e doença renal
crônica com proteinúria.

Os betabloqueadores não devem ser a primeira droga indicada para o tratamento de HAS nos ido-
sos, a não ser que outra indicação esteja presente, como insuficiência cardíaca e pós infarto. Essa
classe de drogas pode ser uma escolha pior que as outras para prevenção de acidente vascular
cerebral, especialmente entre fumantes e talvez com aumento do risco de morte com o atenolol.

Assim, se o paciente necessita de tratamento medicamentoso anti-hipertensivo e não tem outra


indicação para uso de IECA ou betabloqueador, é mais importante a redução da pressão do que

68
a droga utilizada. Nessa situação, a primeira droga a ser escolhida (monoterapia) pode ser qual-
quer uma das três classes: diurético tiazídico em baixa dose (ex 12,5 a 25mg/ dia de clortalidona),
um bloqueador de canal de cálcio de longa ação diidropiridínico e um IECA ou BRA. As duas
primeiras classes em geral são preferidas no idoso por causa de maior eficácia em baixar a pres-
são. Deve-se levar em conta, entretanto, o risco de incontinência urinária e hipotensão postural
associado aos diuréticos.

Quando há necessidade de uma segunda droga anti-hipertensiva, especialistas recomendam


iniciar com bloqueador de canal de cálcio de longa ação, associado a um IECA ou BRA de longa
ação, conforme sugere o estudo ACCOMPLISH (Jamerson et al, 2008), enquanto que os consensos
como o JNC-8 recomendam a combinação de qualquer duas classes de drogas das três citadas:
tiazídicos, bloqueadores de canal de cálcio de longa ação e IECA ou BRA.

É preciso ter cuidado com os possíveis efeitos colaterais do tratamento, especialmente a hipoten-
são postural e risco de quedas com qualquer classe de anti-hipertensivo, a piora da função renal
com IECA ou BRA e a hiponatremia e hipocalemia com os tiazídicos.

Definimos como hipertensão resistente quando o nível pressórico permanece maior ou igual a
140 x 90 mmHg nos pacientes tomando três ou mais anti-hipertensivos, situação em que investi-
garemos hipertensão secundária (doença renal, doença renovascular, hiperaldosteronismo, uso
de medicamentos como reposição hormonal e corticóides, feocromocitoma, Doença de Cushing,
hiperparatireoidismo e apnéia do sono). A doença renovascular deve ainda ser investigada nas
seguintes situações:

a) elevação de creatinina > 50% após uma semana após início de IECA ou BRA;

b) HAS grave em paciente com assimetria do tamanho dos rins;

c) HAS grave com episódios recorrentes de edema agudo de pulmonar;

d) HAS com insuficiência cardíaca refratária.

3. Presença de sopro cardíaco


A prevalência de doença valvar (em geral degenerativa) aumenta com a idade, de modo que ao
menos um oitavo dos idosos com mais de 75 anos de idade apresenta doença valvar moderada
ou grave. As valvopatias mais comuns no idoso são a estenose aórtica, a regurgitação mitral e a
regurgitação tricúspide.

A prevalência de estenose aórtica moderada é de 5%, enquanto a de estenose aórtica grave é de


1-2% entre 75-76 anos e 6% aos 86 anos. A prevalência de estenose aórtica moderada ou grave é
maior nas mulheres.

As causas mais comuns de estenose aórtica no idoso são a calcificação da valva bicúspide e a cal-

Capítulo 5 69
cificação degenerativa da valva tricúspide. Essa última etiologia é a mais comum nos pacientes
acima de 70 anos, enquanto que a valva bicúspide é afetada com maior frequência entre os 50
e 70 anos. Os fatores de risco associados com o desenvolvimento de estenose aórtica nos idosos
são os mesmos da aterosclerose: idade (a cada 10 anos o risco dobra), sexo masculino (risco 2x
maior), tabagismo (35% de aumento do risco), hipertensão arterial (20% de aumento do risco) e
dislipidemia (baixo LDL e elevação de lipoproteína A).

A esclerose (espessamento) da valva aórtica, sem estenose, é um achado comum nos idosos (pre-
valência acima de 25% nos idosos com 65 anos ou mais) e aumenta com a idade, sendo encontra-
do em 26-29% dos indivíduos com 65 anos ou mais, em 35% entre 75-84 anos e em 48% dos acima
de 85 anos. A esclerose de valva aórtica é definida como um espessamento irregular dos folhetos
da valva aórtica, com aumento focal da ecogenicidade, sem contudo prejudicar a movimentação
dos folhetos e com uma velocidade de pico no Doppler através da valva < 2m/s. Esses pacientes
devem ser acompanhados, pois a esclerose pode progredir para estenose, além de ser um marca-
dor de aumento do risco cardiovascular. Costuma-se repetir o ecocardiograma a cada 5 anos nos
pacientes com esclerose aórtica.

Na avaliação da gravidade da estenose aórtica devemos nos basear nas características anatômicas
e hemodinâmicas da valva, nos efeitos hemodinâmicos sobre o ventrículo esquerdo e nos sinto-
mas do paciente. Assim, classificamos a estenose aórtica com base nos seguintes parâmetros:
presença ou não de sintomas; calcificação e mobilidade da valva; velocidade de fluxo através da
valva; gradiente médio de pressão através da valva; área valvar e grau de disfunção ventricular
ou fração de ejeção reduzida. Veja a tabela 4.

A história natural da estenose aórtica costuma cursar com um longo período assintomático. Em
geral os sintomas começam quando a estenose é grave com área valvar menor do que 1cm2, ve-
locidade de jato transvalvar maior que 4m/seg e/ou gradiente de pressão média valvar acima de
40mmHg. A evolução hemodinâmica é variável e em geral a área valvar declina 0,1cm2 por ano.
A mortalidade dramaticamente aumenta após o surgimento dos sintomas e aqueles que não são
submetidos a procedimento cirúrgico tem prognóstico muito ruim e a sua mortalidade excede
90% em poucos anos. Essa observação juntamente com a evidência de melhora da sobrevida
após a troca da valva são responsáveis pela recomendação de troca valvar nos pacientes sinto-
máticos.

70
Tabela 4 - Graduação da Estenose aórtica - V=velocidade aórtica transvalvar máxima

Estágio Manifestação clínica Características anatômicas e hemodinâmicas


Paciente de risco, Calcificação, esclerose, mobilidade normal da valva,
A
assintomático velocidade menor do que 2m/s
Calcificação e mobilidade da valva reduzida:

Estenose Leve: Velocidade 2-2,9m/s ou gradiente médio de


B Assintomático pressão menor que 20mmHg

Estenose moderada: velocidade 3-3,9m/s ou gradiente


médio de 20-39mmHg
Estenose grave: velocidade acima de 4m/s ou gradiente
médio de 40mmHg ou mais, em geral área valvar menor ou
Assintomático, estenose igual a 1cm2
C1 aórtica grave com fração de
ejeção normal Estenose muito grave: velocidade maior ou igual a 5m/s ou
gradiente médio maior ou igual a 60mmHg, em geral área
valvar menor ou igual a 0,6cm2
Velocidade maior do que 4m/s ou gradiente médio de
Assintomático, estenose
40mmHg ou mais, em geral área valvar menor ou igual a 1cm2
C2 aórtica grave e redução da
fração de ejeção
Fração de ejeção (FE) menor do que 50%
Sintomático, estenose
aórtica grave, com função Velocidade acima de 4m/s ou gradiente médio de 40mmHg
D1
ventricular normal ou pouco ou mais, em geral área valvar menor ou igual a 1cm2
reduzida
Velocidade menor do que 4m/s ou gradiente médio menor
do que 40mmHg, área valvar menor ou igual 1cm2
Sintomático, estenose
D2 grave com gradiente baixo e
Teste stress com dobutamina mostra área valvar menor ou
disfunção ventricular
igual a 1cm2 com velocidade máxima maior ou igual a 4m/s e
FE menor do que 50%
Velocidade <4m/s ou gradiente médio < 40mmHg, área
Sintomático, estenose
valvar <igual 0,6-1cm2, índice de volume ejetado < 35ml/min
D3 grave com gradiente baixo e
função ventricular normal
FE>50%

Fonte: Nishimura, R.A. et al. 2014, AHA/ ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease:
a report of the American College of Cardiology

Os sintomas clássicos de estenose aórtica são insuficiência cardíaca, angina e síncope. O pacien-
te, entretanto, pode apresentar sintomas inespecíficos como redução da tolerância aos esforços
e tontura, e até sintomas leves na estenose aórtica grave indicam mau prognóstico e necessidade
de cirurgia. Embora o exame físico se correlacione com a gravidade da estenose, não há um único
achado ou conjunto de dados no exame físico que tenha alta sensibilidade e especificidade para
exclusão de estenose aórtica grave. O ecocardiograma é o principal exame para o diagnóstico. O
cateterismo cardíaco é indicado para casos duvidosos, especialmente quando há discrepância
entre a avaliação clínica e o ecocardiograma.

Capítulo 5 71
O paciente com estenose aórtica grave sintomática é de risco aumentado para morte súbita. Nos
portadores de estenose aórtica grave e assintomáticos, a incidência anual de morte súbita é de
1%. Em adultos com sintomas devido à estenose aórtica, essa incidência é de 8-34%.

Uma vez sintomática, a proposta terapêutica é a cirurgia e o tratamento clínico tem pouca utili-
dade. Para os que se recusam a operar ou que não tem condições clínicas para tal, o tratamento
é paliativo, evitando fatores agravantes (prevenção e tratamento de condições concomitantes,
especialmente fibrilação atrial, doença coronária e hipertensão).

Para os assintomáticos, não há tratamento clínico capaz de retardar a evolução da doença e esta-
tina não é recomendado para esse fim. Para pacientes em estágio B com estenose leve, devemos
repetir o ecocardiograma a cada 3-5 anos. Para estágio B e estenose moderada, a cada 1-2 anos e
para pacientes em estágio C1, a cada 6-12 meses.

Se o paciente tem hipertensão concomitante à estenose aórtica assintomática, deve receber tra-
tamento para hipertensão mas de forma cuidadosa. Os inibidores de angiotensina podem ser
benéficos pelo efeito na fibrose ventricular e os betabloqueadores podem ser associados se há
doença coronária presente. Os diuréticos em geral devem ser evitados, especialmente se a câma-
ra ventricular é pequena devido à hipertrofia concêntrica pois nessa situação, qualquer redução
de volume ventricular (num ventrículo pequeno hipertrófico e pouco complacente) pode resultar
em queda do débito cardíaco.

Há alta prevalência de doença arterial coronária nos pacientes com estenose aórtica, de modo
que 40% dos pacientes que serão submetidos à cirurgia valvar também necessitarão de revascu-
larização.

A fibrilação atrial pode ocorrer nos pacientes com estenose aórtica e precipitar insuficiência
cardíaca nos previamente assintomáticos, por causa do ventrículo esquerdo não complacente e
maior dependência da contração atrial.

Uma vez que a cirurgia seja indicada é recomendado que o paciente evite a atividade física até
que o procedimento seja realizado. As indicações de cirurgia, conforme o grau de recomendação
e nível de evidência são as mesmas dos pacientes mais jovens:

a) estenose aórtica grave com sintomas (angina, dispnéia ou síncope) – IB;

b) estenose aórtica grave assintomática mas com uma fração de ejeção menor que 50% - IB;

c) estenose aórtica grave assintomática mas paciente com cirurgia de revascularização coro-
nária indicada - IB;

A cirurgia pode ainda ser indicada nas seguintes situações:

a) pacientes com estenose aórtica grave e assintomáticos, com baixo risco cirúrgico – IIa B;

b) pacientes com estenose aórtica grave assintomáticos mas com tolerância reduzida aos
exercícios ou ainda com queda de pressão sistólica nos exercícios – IIa B;

c) em pacientes sintomáticos com estenose aórtica grave com baixo fluxo/baixo gradiente

72
e fração de ejeção reduzida, cujo exame de estresse com dobutamina mostra aumento da
velocidade aórtica maior ou igual a 4m/s ou gradiente de pressão média maior ou igual a
40mmHg com área valvar menor ou igual a 1cm2, para qualquer dose de dobutamina – IIa B

d) pacientes sintomáticos que tem estenose aórtica grave com baixo fluxo/baixo gradiente
que são normotensos e tem fração de ejeção acima de 50% mas que a avaliação clínica, he-
modinâmica e anatômica evidenciam que a obstrução valvar é a causa mais provável para
os sintomas – IIa C;

e) pacientes com estenose aórtica moderada (velocidade aórtica de 3-3,9m/s) que irão ser sub-
metidos a outra cirurgia cardíaca – IIa C;

f) pacientes assintomáticos com estenose aórtica grave, rápida progressão da doença e baixo
risco cirúrgico – IIa C.

Quadro 1. Graus de Recomendação e Níveis de Evidência

Grau de recomendação:

Classe I – o procedimento ou tratamento deve ser feito

Classe IIa – é razoável realizar o procedimento/tratamento

Classe IIb – o procedimento ou tratamento pode ser considerado

Classe III – o procedimento ou tratamento não deve ser realizado e pode ser danoso ao paciente
Nível de evidência:

Nível A – dados a partir de múltiplos estudos clínicos randomizados e metanálises ( múltiplas popu-
lações avaliadas)

Nível B – algumas populações avaliadas, dados derivados de um único estudo randomizado ou vá-
rios estudos não randomizados

Nível C – poucas populações avaliadas, conclusões derivadas de opiniões de especialistas, estudos


de caso ou prática diária.

Fonte: Compilado pelo autor

Ao indicarmos cirurgia da valva aórtica, devemos lembrar que os idosos têm maior risco cirúrgi-
co do que os mais jovens, com mortalidade intra hospitalar entre 5-18%. O risco cirúrgico é ainda
maior se revascularização miocárdica ou outros procedimentos cirúrgicos concomitantes forem
realizados. Aqueles que sobrevivem à cirurgia, porém, em geral têm boa evolução e importante
melhora na qualidade de vida.

Capítulo 5 73
Com relação à escolha do tipo de prótese, será preciso pesar o risco de tromboembolismo e de
sangramento (pela necessidade de anticoagulação) das próteses mecânicas com a durabilidade
menor das biopróteses. Em avaliação de 15 anos de prótese, a taxa de disfunção da prótese bio-
lógica foi de 26% para pacientes com menos de 65 anos e de 9% para os maiores de 65 anos. A
sobrevida e mortalidade precoce é similar para os dois tipos de próteses. Assim, a expectativa de
vida de um octagenário será menor do que o esperado tempo de durabilidade da valva biológica
e é por isso que a bioprótese é em geral a valva de escolha para os idosos.

O sucesso crescente do implante transcateter de valva aórtica (TAVI), com 20% de redução de
mortalidade em um ano quando comparado ao tratamento clínico, trouxe uma nova alternativa
terapêutica para os pacientes considerados de alto risco cirúrgico. Se o risco cirúrgico é altíssimo
(maior ou igual a 50% de probabilidade de morte ou complicações graves irreversíveis) ou houver
uma contra indicação absoluta para a cirurgia, o TAVI é preferível à cirurgia (1B).

4. Outras valvopatias no idoso


A insuficiência aórtica pode acompanhar a estenose aórtica degenerativa mas é incomum apre-
sentar-se isoladamente no idoso. Quando ocorre, a causa mais comum é a dilatação da aorta as-
cendente por hipertensão ou doença primária da aorta, na apresentação crônica e endocardite
ou dissecção de aorta, na apresentação aguda ou subaguda. Outra etiologia mais frequente após
o advento da TAVI é a disfunção de próteses (regurgitação periprotética). Quando ocorre insufi-
ciência aórtica periprotética, mesmo que leve a moderada, isso está associado a pior prognóstico
e aumento da mortalidade.

As indicações para cirurgia no idoso também não diferem dos adultos mais jovens:

a) insuficiência aórtica grave sintomática (IB);

b) insuficiência aórtica grave assintomática e fração de ejeção menor que 50% (IB);

c) insuficiência aórtica grave e cirurgia cardíaca por outra indicação (IC);

d) insuficiência aórtica grave assintomática com aumenta do diâmetro sistólico do ventrículo


esquerdo maior que 50 mm ( IIa B);

e) insuficiência aórtica moderada e cirurgia cardíaca por outra indicação (IIaC);

f) insuficiência aórtica grave assintomática e com função ventricular normal, mas com pro-
gressiva dilatação ventricular esquerda (diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo acima
de 65mm) – IIb C.

A melhor indicação cirúrgica para insuficiência aórtica grave no idoso é a presença de sintomas,
especialmente após os 80 anos.

A insuficiência mitral é comum no idoso (19% dos idosos a partir de 60 anos) e sua prevalência
aumenta com a idade (aumento de 1,3 vezes a cada 10 anos). Disfunção significativa (ao menos
moderada) ocorre em 1,9-4% dos idosos. As principais causas são: doença intrínseca dos folhetos

74
da valva ou do aparato subvalvar (prolapso mitral, degeneração e calcificação, rotura de corda
tendínea), insuficiência mitral isquêmica por isquemia reversível ou por infarto de músculo pa-
pilar e regurgitação mitral secundária à dilatação do anel mitral no contexto de insuficiência
cardíaca com dilatação de câmaras.

A insuficiência mitral crônica é a segunda razão mais comum para indicarmos cirurgia valvar
no idoso. A evolução pós operatória é melhor com a plastia do que com a troca da valva. A plas-
tia preserva todos os componentes funcionais da valva nativa, evitando o uso de prótese e suas
complicações e associa-se com menor taxa de morbidade, quando comparada à troca da valva
nos idosos. O reparo mitral percutâneo ainda se encontra em fase investigacional e poderá ser
útil nos pacientes sem condições cirúrgicas. Atualmente existe um estudo em curso sobre esse
assunto (COAPT Study).

A estenose mitral no idoso não é comum e pode ser produzida por calcificação intensa do ânulo
mitral. O tratamento cirúrgico preferido é a comissurotomia. No idoso este procedimento nem
sempre é possível, por causa da anatomia desfavorável (calcificação intensa, rigidez e retração dos
componentes da valva), sendo necessária a troca da valva. O procedimento de escolha quando a
anatomia é favorável deve ser a valvoplastia percutânea mas essa não pode ser feita na estenose
mitral por calcificação de ânulo mitral e pode cursar com recidiva da estenose no seguimento.
Encontra-se em experiência o implante transcateter de bioprótese mitral com balão expansível,
que poderá ser muito útil para os pacientes de risco muito alto para a cirurgia.

A insuficiência tricúspide é encontrada frequentemente no idoso (prevalência de 84% numa


revisão de cerca de 5000 pacientes) e quando moderada a grave, correlaciona-se com aumento
de mortalidade. As causas principais são: doença intrínseca dos folhetos da valva ou do apara-
to subvalvar (prolapso de tricúspide, rotura de cordoalha) e regurgitação secundária devido à
doença do lado esquerdo do coração e/ou hipertensão pulmonar (alargamento do anel valvar por
aumento da cavidade do ventrículo direito) ou ainda secundária à idade e à fibrilação atrial (que
também podem cursar com alargamento anular tricúspide por alargamento da base do ventrí-
culo direito).

O tratamento clínico consiste no uso de diurético e tratamento da disfunção cardíaca esquerda.


O tratamento cirúrgico é em geral indicado quando a insuficiência é grave e o paciente fará uma
cirurgia valvar esquerda. O reparo da valva é preferido à troca valvar.

Para a paciente em questão, solicitamos um ecocardiograma que mostrou esclerose da valva aórtica
e função ventricular normal. A conduta é a manutenção do tratamento dos fatores de risco para
aterosclerose, acompanhamento clínico e, se não houver mudança no quadro clínico e/ou no exame
físico, repetiremos o ecocardiograma em 5 anos.

Capítulo 5 75
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80
CAPÍTULO

Cardiogeriatria​​ –​​ Parte ​​2


Profa. Dra. Luciana Avena
Cardiogeriatria​​ –​​ Parte​​ 2
Profa. Dra. Luciana Avena

1. CASO CLÍNICO
Maria Inácia, 64 anos, solteira, aposentada. Veio para uma consulta de retorno. Diagnósticos
prévios: HAS, dislipidemia e esclerose de valva aórtica. Precisou procurar o PS há 1 semana por
dispneia e foi encaminhada para uma consulta​​ambulatorial extra​​para ​​investigação​​diagnóstica​
. Fazia caminhada de 20 minutos 3 vezes por semana e dança de salão 1 vez por semana. Estava
em uso de: 100mg de aspirina, 10mg de atorvastatina e 12,5mg de hidroclortiazida. Há 2 meses,
começou a sentir cansaço durante as caminhadas e, por causa do calor, resolveu parar os exer-
cícios até o término do verão. Nega dor torácica. Refere ainda episódios de palpitações de curta
duração (10-15 minutos). Nos últimos quinze dias, a dispneia piorou para esforços menores, como
os de subir os degraus do seu sobrado (15 degraus). Iniciou edema de tornozelos e tosse seca. Há
1 semana esteve no PS, quando a hidroclorotiazida foi trocada por furosemida 40mg. O edema
regrediu e a dispneia melhorou parcialmente. Exame físico: BEG, IMC 25kg/m2, circunferência
abdominal = 85cm, FC = 100bpm, PA = 140x80mmHg. BRNF com sopro sistólico++/4 foco aórtico,
sem irradiação (sopro sem alteração em relação ao último exame físico). Restante do exame físico
normal, incluindo ​​pulsos​​ periféricos.

Apresenta elevado risco cardiovascular para eventos em 10 anos. Ecocardiograma de um ano


atrás mostrando função ​​ventricular ​​normal.

Problemas:

- Dispneia e edema de membros inferiores: insuficiência cardíaca de início recente ​​a​​esclare-


cer​​​. Equivalente ​​isquêmico?

-​​ Episódios ​​de ​​palpitações ​​-​​ arritmia?

2. Insuficiência ​​cardíaca
A insuficiência cardíaca (IC) pode ser definida como uma incapacidade do coração prover débito
suficiente para manter a perfusão e a oxigenação adequada para os tecidos, enquanto ​​mantém​​
pressões ​​de​​ enchimento​​ normais.

A prevalência e incidência de IC aumentam com a idade. Além do envelhecimento da população,


contribuem para isso o melhor tratamento da hipertensão, valvopatia e coronariopatia, permitin-
do que os pacientes sobrevivam a essas condições e evoluam tardiamente com IC. Quase 20% das
admissões hospitalares entre idosos acima de 65 anos são devido à IC, e as doenças coexistentes
em geral são as causas da descompensação.

Uma revisão sistemática recente mostrou que a prevalência estimada de IC entre os idosos é de
11%, independentemente da função ventricular (VAN RIET et al., 2016). A prevalência de IC com
fração de ejeção normal tem aumentado e é o tipo de IC mais comum nos idosos.

A prevenção de IC requer a detecção e o tratamento precoces das condições predisponentes. São


considerados pacientes em estágio A da doença aqueles que têm fatores de risco para IC (hiper-
tensão, diabetes, obesidade e doença coronária) mas sem doença estrutural e sem sintomas. O
tratamento da hipertensão no idoso reduz o risco de IC em 39%. Os hábitos saudáveis de vida
(manter um peso corporal normal, não fumar, praticar exercícios 5 ou mais vezes por semana,
consumir moderamente o álcool, consumir cereais, frutas e vegetais) estão associados a um me-
nor risco de IC.​​​

Pacientes com doença cardíaca estrutural mas sem sintomas de IC são classificados em estágio
B. A detecção precoce de pacientes assintomáticos mas com fração de ejeção menor ou igual a
40% é importante, pois o tratamento com inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA)
retarda o início da doença clínica e prolonga a sobrevida.​Essa condição é comum na população
idosa, por isso devemos solicitar o ecocardiograma para os pacientes com cardiomegalia no exa-
me físico ou na radiografia de tórax, onda Q patológica no eletrocardiograma ou BNP (peptídeo
natriurético cerebral) elevado. Não é recomendado rastreamento com ecocardiograma ou com
BNP nos pacientes sem fatores de risco ou sem suspeita clínica para IC, porque ainda não há evi-
dências ​​de​​ que​​ exista ​​benefício clínico ​​com ​​essa​​ estratégia. O ecocardiograma deve ser solicitado
em todo paciente com IC de início recente, pois além de ter alta sensibilidade e especificidade
para o diagnóstico de disfunção miocárdica, ​​ainda​​ pode​​ auxiliar​​ na ​​avaliação ​​de sua​​ etiologia.

Todos os pacientes com IC cuja causa permanece inexplicada devem ser pesquisados para pos-
sível doença coronariana. Um teste funcional não invasivo é uma boa estratégia como primeiro
passo da investigação, pois nos dará informação sobre a presença​​de isquemia​​
​​ e​​prognóstico.

A IC estágio C é definida quando há doença cardíaca estrutural e sintomas prévios ou atuais. A


classe D se caracteriza por sintomas refratários e necessidade de intervenções​​especializadas.

A IC com fração de ejeção reduzida (ICrFE) é caracterizada por alteração na função sistólica,
com progressiva dilatação de câmaras e remodelamento excêntrico, com​​fração​​de​​ejeção​​me-
nor ​​que ​​40%.

Na IC com fração de ejeção preservada (ICpFE), a fração de ejeção e o volume diastólico final do
ventrículo esquerdo são normais, mas a função diastólica é alterada, geralmente​​com remodela-
mento​​ concêntrico ​​e ​​hipertrofia.

Há ainda um terceiro grupo com leve disfunção sistólica e que compartilha características de
ambos os tipos anteriormente citados. Mas há ainda poucos estudos com esses pacientes e a
maioria acredita que seja um grupo similar ao da IC com fração de ejeção reduzida.
​​ A ICpFe e
ICrFE são duas síndromes distintas e não espectros de uma mesma doença.

A apresentação clínica do idoso difere entre os pacientes abaixo e acima de 75 anos. A presença
de dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, aumento do peso e edema pe-

Capítulo 6 83
riférico corroboram para o diagnóstico de IC, mas com o envelhecimento, apresentações atípicas
tornam-se mais comuns e podem retardar o diagnóstico correto. Muitos idosos podem não rela-
tar dispneia por causa da vida sedentária que levam e podem se queixar de fadiga ou alterações
no estado mental​. As comorbidades e as múltiplas insuficiências orgânicas podem também in-
fluenciar na apresentação​​clínica.

A incidência, prevalência e mortalidade de IC aumentam após os 75 anos e o sexo predominante


é o feminino. A tabela 1 mostra algumas diferenças entre IC nos idosos mais jovens e​​com mais
de ​​75 ​​anos.

Tabela 1 - Diferenças entre IC nos idosos mais jovens e com mais de 75 anos

Idade ​​< 75​​anos Idade​​≥ 75 anos


Incidência < 0.2% > 4%
Prevalência < 5% > 10%
Sexo​​ predominante Masculino Feminino
Mortalidade ​​anual < 20% > 20%
Fatores de risco cardiovascular;
Comorbidades
doença renal crônica; doença Déficit cognitivo; perda de autonomia
predisponentes
pulmonar
Hipertensão​; síndrome​​ coronária Má aderência ao tratamento,​​
Fatores ​​precipitantes
aguda infecções
Sintomas ​​
Dispneia Fadiga, dispneia, confusão
predominantes
Valores de corte devem ser ajustados
BNP Valores normais de corte
para a idade
Fração​​ de​​ ejeção Em​​geral < 40% Em geral
​​ > 40%
Sinais clássicos de congestão Frequentemente achados
Radiografia de tórax
pulmonar inespecíficos
Tratamento ​​para ​​
Diuréticos/vasodilatadores Doses​​ adaptadas
congestão
Ventilação ​​não​​
Frequente Frequente, ​​uso​​ com ​​cautela
invasiva
Tratamento ​​paliativo Raro Frequente
Melhorar​​ sobrevida​​ e ​​reduzir Melhorar a ​​qualidade ​​de​​ vida ​​e a
Objetivo ​​principal
internações autonomia

Fonte: TEIXEIRA​​, A. et al. Management​​of​​acute heart​​failure in elderly patients


Archives of Cardiovascular Diseases.​​2016 Jun-Jul;109(6-7):422-30

A IC-pFE é quase exclusivamente uma doença de idosos, particularmente mulheres idosas. Nes-
sas pacientes quase 90% dos novos casos de IC são do tipo com fração​​de​​ejeção normal.
​​

A prevalência da IC-pFE vem aumentando, com morbidade, mortalidade e custos equiparados


aos da IC com fração de ejeção reduzida.​A evolução dos pacientes com IC-pFE que necessitam de
hospitaliação costuma ser ruim, de modo que 1/3 dos pacientes ​​ou é ​​reinternado ​​ou ​​morre​​ em​​ até​​
90 ​​dias​​ após​​ a​​ alta ​​hospitalar.​

84
A fisiopatologia da IC-pFE ainda não é bem compreendida e não há estudos demonstrando bene-
fício com tratamentos específicos. O envelhecimento normal é associado com muitas das mes-
mas alterações que ocorrem nos pacientes com IC-pFE, incluindo disfunção diastólica, redução
da reserva sistólica e diastólica, enrijecimento vascular e incompetência cronotrópica. Nas pes-
soas com IC-pFe pode ser que esse processo de senescência do coração seja acelerado, especial-
mente ​​nas mulheres ​​obesas.​

Na IC-pFE em geral há um remodelamento do VE, do átrio esquerdo (AE), dos cardiomiócitos e


da matriz extracelular, resultando na redução da distensibilidade doVE e aumento de sua pres-
são diastólica. Isso faz com que aumente a importância das fases finais da diástole para o enchi-
mento ventricular. É por essa razão que pacientes com disfunção diastólica são mais sensíveis
aos efeitos da taquicardia, do exercício (encurtamento da diástole) e da fibrilação atrial (perda
da contração atrial). Nestas situações, não são capazes de aumentar o relaxamento ventricular
para compensar a diástole encurtada. A fase inicial da diástole, portanto, é marcada por elevação
da pressão do átrio esquerdo, que pode gerar elevação da pressão capilar pulmonar e dispneia.
Outro fator descompensador nesses pacientes é a sobrecarga ​​de ​​volume ​​(aumento​​ da​​ pressão​​
diastólica ​​volume​​ dependente).

A descompensação da Ic-pFE pode ocorrer por desencadeantes cardiovasculares e não cardio-


vasculares, como fibrilação atrial, taquicardia, hipertensão não controlada, aumento na ingesta
de água e sal, suspensão de diurético, isquemia miocárdica, piora da função renal,​​anemia,​​doen-
ça ​​pulmonar​​ obstrutiva​​ crônica​​ (DPOC)​​ e ​​infecção.

Até 70-80% dos pacientes com IC-pFE têm hipertensão pulmonar (aumento da pressão hidrostá-
tica do leito vascular pulmonar), que está associada a pior prognóstico, aumento da mortalidade
e das reinternações hospitalares. A redução das pressões pulmonares com o uso de diuréticos
reduz as hospitalizações desses pacientes. A disfunção de ventrículo direito (VD) ocorre em 20-
35% dos casos e também é um marcador de morbimortalidade. A fibrilação atrial é mais comum
nos pacientes com IC-pFE (até 2/3 dos pacientes) e está associada à redução da capacidade de
exercício,​​disfunção​​ de​​ VD ​​e ​​pior​​ prognóstico clínico.

Além da IC–pFE há outras causas de IC com fração de ejeção normal: doenças valvares, doença
pericárdica, amiloidose cardíaca, cardiomiopatia hipertrófica, cardiomiopatia​​ restritiva ​​e​​ IC​​ de​​
alto ​​débito.

O tratamento da IC-pFE consiste na abordagem aos fatores contribuintes e às comorbidades, que


frequentemente estão presentes no curso dessa síndrome: hipertensão arterial, DPOC, doença
arterial coronária, obesidade, anemia, doença renal e apneia obstrutiva do sono. Além disso,
deve-se obter o controle da congestão pulmonar e do edema periférico com diuréticos, restaurar
o ritmo sinusal ou controlar a frequência cardíaca, especialmente quando há fibrilação atrial. É
importante também controlar a pressão arterial nos hipertensos e realizar a revascularização
coronária nos pacientes com doença arterial coronária e isquemia.

Pelo fato da disfunção diastólica geralmente ser acompanhada por uma cavidade ventricular es-

Capítulo 6 85
querda pequena e pouco complacente, é comum que uma redução da pré-carga provoque redu-
ção do enchimento do ventrículo esquerdo, com queda do débito cardíaco e hipotensão. Por isso,
diuréticos e venodilatadores como nitratos devem ser administrados com cautela. Os exercícios
físicos e a reabilitação cardiovascular constituem-se nas únicas intervenções que mostraram
uma consistente ​​melhora ​​na​​capacidade ​​funcional ​​e na ​​qualidade ​​de ​​v ida ​​desses ​​pacientes.

Já para pacientes com IC com FE reduzida, o objetivo do tratamento será reduzir a morbidade
(reduzir os sintomas, melhorar a qualidade de vida, o ​status funcional,​​reduzir​​ as ​​hospitalizações)​​
e​​reduzir​​a​​mortalidade. As intervenções se resumem a:

a) Tratar fatores associados: hipertensão, anemia, arritmias, DAC,​​doença valvar,​​


​​ diabetes,​​
apneia​​ do ​​sono, ​​disfunção ​​tireoidiana ​​e ​​infecção;

b) Mudar o estilo de vida: parar de fumar, restringir consumo de álcool, cessar o uso de
drogas ilícitas, restringir sal, tratar a obesidade e monitorizar o peso diariamente para de-
tectar acúmulo de fluidos. A restrição de sal é recomendada, embora não existam estudos
demonstrando qualquer nível específico de ingesta de sódio como meta. A opinião de es-
pecialistas recomenda restrição de sódio em 2-3g ao dia nos pacientes com IC sintomática.
Também é orientada a restrição hídrica de 1,5-2L ao dia, especialmente nos pacientes com
hiponatremia. Cessar as drogas e suplementos que possam piorar a IC: anti-inflamatórios
não hormonais, esteroides, antiarrítmicos, bloqueadores de canal de cálcio, tiazolidine-
dionas. Vacinar contra ​​pneumococos ​​e​​ anualmente contra​​ influenza;

c) Tratar com medicamentos para melhorar sintomas e reduzir a progressão da deterioração


ventricular e a mortalidade ​​(Tabela​​2);

d) Uso de dispositivos - quando há sintomas refratários apesar de terapia otimizada, pode


estar indicada a ressincronização cardíaca (RC), o suporte circulatório mecânico, o car-
diodesfibrilador implantável e o transplante cardíaco. A RC pode melhorar os sintomas
e a sobrevida de pacientes em ritmo sinusal, fração de ejeção reduzida e duração​​de ​​QRS​​
prolongada;

e) Reabilitar o aparelho cardiovascular – para pacientes com classe funcional II a III que não
têm arritmias graves e que não têm outras limitações aos exercícios, os benefícios já são
aparentes após 3 semanas do treinamento. Ainda não há estudos que recomendem a ​​rea-
bilitação ​​para​​ os ​​pacientes ​​com​​ IC​​ avançada.

86
Tabela 2 - Tratamento da IC-rFE

DROGA INDICAÇÕES
Diuréticos (1A) Se​​ houver sobrecarga ​​de ​​volume.
Se não tolera IECA por razões outras do que insuficiência renal e
IECA (1A)
hipercalemia: trocar por BRA (1B).
Betabloqueadores (1A) Carvedilol,​​ succinato ​​de​​ metoprolol​​ ou ​​bisoprolol.
Sacubitril-valsartan (2B) IC leve a moderada estável FE<40%, BNP elevado ou hospitalização
por IC nos últimos 12 meses, PAS maior ou igual a 100mmHg, ritmo de
(risco ainda alto e filtração glomerular maior ou igual a 30, que tem tolerado altas doses de
experiência limitada IECA ou BRA equivalente a 10mg 2x dia de enalapril por maior ou igual a
ao estudo clínico que o 4 semanas, usar o sacubitril-valsartan no ​​lugar​​ do ​​IECA ​​(suspender ​​IECA​​ ​
revelou) antes​​ do ​​início ​​dessa ​​droga).
IC crônica com FE menor ou igual a 35%, ritmo sinusal com FC de repouso
Ivabradina (2B) maior ou igual a 70, na dose máxima tolerada de betabloqueador ou com
contraindicação a betabloqueador.
Para ​​paciente​​ com ​​boa ​​função ​​renal ​​e ​​que ​​pode ​​monitorizar ​​função​​ renal​​
e ​​potássio:
Antagonista de receptor
a) IC classe funcional III ou mais e FE menor ou igual a 30%;
de mineralocorticoide
–espironolactona,
b) IC CF II ou mais e FE < 35%;
eplerenone (1A)
c) Pós-infarto, já em uso de iECA dose terapêutica e FE < 40% e IC
sintomática ou diabetes.
a) Pacientes negros com IC persistente com sintomas moderados a
graves, FE < 40% , apesar do uso de IECA ou BRA, antagonista de
aldosterona (se indicado) e diuréticos ( 1A);

b) Pacientes não negros com FE < 40%, com síndrome de baixo


débito, hipertensão ou regurgitação mitral com sintomas
Hidralazina + Nitrato
persistentes a despeito de terapia otimizada com betabloqueador,
IECA ou BRA, antagonista de aldosterona (se indicado) e
diuréticos (2B);

c) Pacientes que não podem usar IECA ou BRA por intolerância à


droga, hipotensão ou insuficiência renal (2B).
FE<40% classe II ou mais apesar de terapia optimizada com IECA ou BRA,
Digoxina (2B) betabloqueadores, antagonista da aldosterona, diuréticos e restrição
hídrica.

Capítulo 6 87
a) Ritmo sinusal, FE ≤ 35%, bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e QRS
≥ 150ms com CF III ou IV apesar do tratamento otimizado (1A) e
CF II apesar da terapia medicamentosa otimizada (1B);

Ressincronização b) Ritmo sinusal, FE​≤35%, CF III ou IV, QRS≥150ms, terapia


cardíaca (RC) - para otimizada, não BRE (2B);
pacientes cujo status
c) Ritmo sinusal, FE ​≤3 ​ 5%, BRE e QRS≥120ms e <
​ 150 ms e com CF II,​​
funcional é ruim
III​​ ou​​ IV ​​apesar​​ do​​ tratamento​​ medicamentoso​​ otimizado (2B);
ou expectativa de
vida é limitada por
d) Ritmo sinusal, FE​≤30%, QRS≥150ms, BRE, assintomático mas
comorbidades, a RC
que tem indicação de implante de CDI (2B);
não é indicada
e) Paciente com FE≤35% que colocará um marcapasso definitivo ou
irá trocar o seu marcapasso (2B);

f) FE≤50%, ​​CF ​​I​​ ou ​​mais​​ e​​ BAVT​​ que​​ implantarão ​​marcapasso​​ (​2B​).

Fonte: ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: executive summary: a report of the American College of
Cardiology Foundation/American Heart Association​​ Task​​ Force​​ on​​ practice​​ guidelines. 2013

Tabela 3-Drogas a serem evitadas em pacientes com IC

Retenção de sódio, vasoconstrição periférica,


Anti-inflamatório não hormonal redução da resposta a diuréticos e IECA, alto risco de
insuficiência renal.
Retenção hídrica (especialmente fludrocortisona e
Glicocorticoide
hidrocortisona).
Cilostazol Taquiarritmia ventricular.
Bloqueador de canal de cálcio Inotrópico negativo.
Metformin Risco de acidose láctica.
Tiazolidinedionas Retenção hídrica.
Fosfodiesterase Contraindicado com nitrato.
Anfetamina/ergotamina Arritmias.
Carbamazepina Inotrópico negativo e bradiarritmia.
Tricíclicos Arritmia, inotrópico negativo.
Beta2agonista Taquiarritmia, hipocalemia.
Risco de hipercalemia e insuficiência renal se usado
Trimetoprim-sulfametoxazol
com IECA ou BRA.
Haloperidol, eritromicina, anti-histamínico
Arritmia (prolongam QT).
(exceto fexofenadina e cetirizina)
Clozapina Miocardite/ cardiomiopatia.
Teofilina Alto risco de intoxicação na IC, arritmia.
Drogas ricas em sódio (bicarbonato, fleet com
Descompensação da IC, nefropatia por fósforo.
fosfato de sódio)
Itraconazol Inotrópico negativo e aumenta nível sérico dadigoxina.
Pró-arritmia (amiodarona é a droga preferida para o
Antiarrítmicos
tratamento de arritmias na IC).

Fonte: ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: executive summary: a report of the American Colle-
ge of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on practice, 2013

88
A cada visita médica é necessário avaliar a capacidade para as atividades cotidianas, o estado
volêmico, o peso, tabagismo, alcoolismo, uso de tratamentos alternativos, dieta e restrição de
sal. Se o paciente apresenta mudança do estado clínico ou recidiva dos sintomas, reavaliar o eco-
cardiograma para analisar o remodelamento e a fração de ejeção.​​ O ​​BNP ​​também​ ​é ​​útil ​​como ​​g uia​​
do ​​tratamento ​​crônico ​​(tem ​​valor​ ​prognóstico).

A presença de doença renovascular deve ser considerada nos pacientes com IC e hipertensão, es-
pecialmente com IC devido a doença cardíaca isquêmica. Descompensações recorrentes e inex-
plicadas de IC e/ou edema agudo flash (de início súbito) ocorrem nesses pacientes, em geral com
fração de ejeção normal ou quase normal. Eles ​​necessitarão ​​de ​​tratamento ​​anti-hipertensivo ​​e​​
muitas ​​vezes ​​de​ ​revascularização da artéria renal.

A doença coronária é uma causa importante de IC (por infarto prévio ou isquemia atual). A re-
vascularização deve ser considerada, especialmente​​ nos​ ​pacientes ​​com​ ​flash ​​edema​ ​agudo ​​e ​​re-
petidas descompensações.
​​ A doença valvar pode também ser causa de IC. São frequentes as in-
suficiências mitral e tricúspide em pacientes com miocardiopatia dilatada de outras etiologias. A
doença valvar ​​impõe ​​sobrecarga​​ hemodinâmica ​​aos ​​ventrículos, ​​piorando ​​a ​​função ​​ventricular.

A sobrevida da IC piora com a idade e geralmente é maior nas mulheres que nos homens. Tam-
bém é dependente da etiologia: é menor na amiloidose, hemocromatose, HIV e toxicidade por
doxorrubicina. As duas principais causas de óbito na IC são a morte súbita (arritmogência) e a
morte por progressão da insuficiência cardíaca.

Os ​​preditores ​​de ​​mau ​​prognóstico ​​na ​​IC​ ​estão​ ​na ​​Tabela​​ 4.

Tabela 4 - Fatores de mau prognóstico na IC

Classe ​​funcional ​​clínica ​​​New ​​York ​​Heart ​​Association​ ​(NYHA);


taquicardia​​ no ​​repouso; baixa​​ pressão ​​arterial ​​média; sinais​​ de ​​má ​​
Anamnese e exame físico perfusão ​​tecidual; respiração​​ de ​​Cheyne​​Stokes; comorbidades:​​
diabetes, ​​doença ​​arterial​​ coronária​​, ​​depressão, ​​apneia ​​do ​​sono;
hospitalização ​​por ​​insuficiência ​​cardíaca.
Eletrocardiograma Bloqueio​​ de ​​ramo ​​esquerdo.
Insuficiência​​renal; hiponatremia, BNP elevado, elevação de
Laboratório
noradrenalina, linfopenia, leucócitos < 7000/ mm3, VHS >15 mm/h.
Fração​​ de ​​ejeção ​​reduzida, disfunção ​​diastólica, disfunção ​​de ​​
Ecocardiograma
ventrículo ​​direito ​​e ​​insuficiência ​​tricúspide.
Pico ​​VO2 ​​baixo ​​no ​​exercício ​​máximo ​​(teste ​​ergoespirométrico),
Teste de esforço ou
alterações ​​hemodinâmicas ​​no ​​exercício, baixa ​​resposta ​​da ​​frequência​​
ergoespirométrico
cardíaca​​ ao ​​exercício, reduzida ​​variabilidade ​​da ​​frequência ​​cardíaca.

Fonte:​ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: executive summary: a report of the American College
of Cardiology Foundation/American Heart Association​​ Task​​ Force​​ on​​ practice​​, 2013

Capítulo 6 89
Devemos considerar ainda que os pacientes com mais de 75 anos são sub-representados nos es-
tudos clínicos e não dispomos ainda de evidências científicas demonstrando qual o tratamento
ideal para esse grupo de pacientes.

A nossa paciente repetiu o ecocardiograma e confirmou a suspeita clínica de IC-pFE. Como estava
em acompanhamento médico, mantendo a pressão arterial sob controle, era improvável que a causa
da IC fosse hipertensiva. Optou-se por investigar insuficiência coronária​
​​ ​crônica​​como​​fator causal.
​​

3. Insuficiência​​ Coronária ​​C rônica


Apesar do desenvolvimento diagnóstico e terapêutico e redução da mortalidade por doença arte-
rial coronária crônica (DAC) nas últimas décadas, esta continua sendo​​a ​​principal​​causa ​​de ​​mor-
bidade​​ e ​​mortalidade ​​entre os ​​idosos.

A prevalência da DAC aumenta com o envelhecimento, é maior nos homens do que nas mulheres
e, em média, tende a manifestar-se 10 anos mais tarde nas mulheres. Isto ocorre, pelo menos em
parte, devido aos efeitos protetores do estrogênio, conforme evidenciado pelo acentuado aumen-
to de DAC nas mulheres pós-menopausa.

A idade é um importante marcador de risco e o aumento da vulnerabilidade do idoso com DAC é


consequência de vários fatores: doença coronária mais extensa e mais grave, alterações anatô-
micas e funcionais do envelhecimento (com consequente diminuição da reserva cardíaca), além
do aumento da prevalência e associação dos fatores ​​de ​​risco​​ cardiovascular,​​ doença​​ subclínica ​​e​​
comorbidades.

Estudos epidemiológicos identificaram múltiplos fatores que aumentam a probabilidade do de-


senvolvimento de aterosclerose em um determinado indivíduo. O risco aumenta
​​ quando
​​ ​​muitos​​
desses ​​fatores​​ coexistem.​​ Veja​​ a​ Tabela 5​.

A isquemia miocárdica é um estado de perfusão diminuída durante o qual o suprimento de oxi-


gênio ao miocárdio é insuficiente para satisfazer as suas demandas metabólicas.​​

Durante a isquemia, a primeira anormalidade demonstrável da função cardíaca é o relaxamento


miocárdico prejudicado (disfunção diastólica) que é seguido por um prejuízo na contração (dis-
função sistólica). A dor torácica e as alterações eletrocardiográficas isquêmicas
​​ são
​​ ​​tardias​​na​​
resposta ​​isquêmica.

Se a isquemia for transitória, a disfunção pode durar pouco tempo. Uma isquemia mais prolon-
gada pode produzir um atordoamento ou a uma hibernação do miocárdio, ou até um infarto do
miocárdio. O atordoamento miocárdico refere-se a um período prolongado (horas a dias) de dis-
função miocárdica reversível após um evento isquêmico. A hibernação ocorre no caso de uma is-
quemia crônica, presumivelmente quando a liberação de oxigênio é adequada para manutenção
da viabilidade miocárdica, mas inadequada para manter a função normal. A importância clínica
desse conceito é que o restabelecimento do fluxo sanguíneo para o miocárdio envolvido pode
resultar em​​ melhora​​ na ​​função ventricular.

90
Tabela 5 - Fatores de risco para o desenvolvimento de aterosclerose

Dislipidemia: estudos​​ em grande escala ​​ demonstraram a​​ eficácia


​​ da redução​​
​​ do ​​colesterol na​​
prevenção ​​primária e ​​ secundária ​​da​​DAC. O aumento do colesterol, especialmente o LDL (lipopro-
teína de baixa densidade), acelera a aterosclerose. O colesterol elevado é considerado o principal​​
fator ​​de​​risco​​modificável. Aumento de triglicérides é ​ fator de risco independente para DAC,
especialmente​​em mulheres.
​​ O HDL (lipoproteínas de alta densidade) tem função protetora, é
inversamente ​​relacionado ​​ao ​​risco​​ de​​ DAC.
HAS: o ​​tratamento​​da ​​HAS reduz​​o ​​risco​​de​​DAC. A HAS aumenta significativamente o risco de DAC
aterosclerótica e esse risco aumenta proporcionalmente com o grau de elevação da pressão arterial.
Diabetes: aumenta ​​o ​​risco ​​de​​ DAC​​ e da ​​mortalidade ​​associada​​ à​​ DAC. A resistência à insulina e hi-
perinsulinismo, mesmo sem diabetes, aumentam a incidência de DAC, possivelmente através de
alterações no metabolismo dos lípides e aumento da agregação plaquetária. Além disso, é frequente
a coexistência​​ do​​ diabetes​​ com ​​dislipidemia, ​​HAS​​ e​​ obesidade.
Síndrome ​​metabólica (obesidade ​​abdominal​​​ + 2​​fatores:​​TG alto, HDL baixo, HAS, alteração da
​​
glicemia ): sua presença identifica uma pessoa com risco significativamente aumentado de​​ter​​ou​​
desenvolver ​​aterosclerose. Obesidade e elevação do índice de massa corpórea também se correla-
cionam com maior risco cardiovascular, além de flutuações significantes no peso (ciclos ​​de ​​ganho​​
e ​​perda​​ de​​ peso).
Tabagismo: é​​ considerado ​​a​​​ principal causa​​ evitável​​ de ​​morte prematura​. Produz efeitos adversos
sobre o perfil lipídico, fatores de coagulação e função plaquetária, aumentando o risco de IAM em
2-3 vezes no homem e em 6 vezes na mulher. Doze meses após deixar de fumar, ocorre uma redução​​
mensurável​​ na​​ incidência​​ de ​​IAM.
Inatividade ​​física: atividade física até mesmo em grau moderado é fator protetor contra DAC e to-
das as causas de mortalidade. Os benefícios são: elevação de HDL, redução na pressão sanguínea,
redução da resistência à insulina e perda de peso. O grau do condicionamento físico, determinado
pela duração e dispêndio metabólico (consumo de oxigênio) do exercício tem correlação com​​o​​
nível ​​de​​proteção.
Não ​​consumo​​ de legumes, ​​verduras ​​e frutas: consumo​​ de ​​legumes,​​ verduras​​ e ​​frutas​​ é ​​fator​​ protetor.
Fatores ​​psicossociais: podem contribuir para o desenvolvimento precoce de aterosclerose assim
como risco de IAM e morte súbita, por lesão endotelial direta ou por agravamento ​​dos ​​fatores​​de​​
risco.
Consumo​​ ​​ de álcool​​​: o consumo​​ excessivo​​ de álcool é ​​a​​ principal​​ causa evitável​​ de​​ câncer​​ e ​​todas
as​​causas​​de ​​morte. Dados epidemiológicos apontam para o efeito protetor para DAC do consumo
de álcool moderado, provavelmente por seu efeito no HDL, na sensibilidade à insulina, na atividade
trombótica e na inflamação. Porém, há aumento da mortalidade para os que excedem o consumo
moderado e o potencial benefício deve ser contrabalançado aos múltiplos efeitos deletérios do ál-
cool (inclusive aumento de AVC hemorrágico), de modo que não devemos recomendar​​o ​​uso ​​mode-
rado​​para​​quem não ingere
​​ ​​álcool ​​de​​rotina. (considerar consumo moderado de álcool como de um
a dois drinks por dia para homem e um drink por dia para a mulher).

Capítulo 6 91
Doença​​ renal​​ crônica: alguns pacientes sem doença arterial coronária têm um risco de eventos car-
diovasculares subsequentes, que é equivalente ao risco dos pacientes com DAC estabelecida e esses
pacientes são: a) os ​portadores de doença arterial aterosclerótica não coronariana; b) os pacientes
diabéticos; c) os pacientes com doença renal crônica. Esses 3 grupos são considerados equivalentes
de risco e devem ser manejados de forma agressiva para a prevenção ​​de ​​eventos. Microalbuminúria
reflete dano vascular e parece ser um marcador de dano arterial inicial,
​​ ​​podendo​​ser ​​considerado​​
um​​ marcador ​​de ​​risco cardiovascular.
Lipoproteína ​a é idêntica à LDL com uma molécula apo a igual, tem homologia estrutural com
o plasminogênio e parece interferir com a geração de plasmina, predispondo às complicações
trombóticas da aterosclerose; aumento da ​apolipoproteína CIII e LDL pequeno e denso e diferen-
tes genótipos​​ de ​​​apolipoproteína​​ E​​ também ​​influenciam ​​o ​​risco​​ de ​​aterogênese. Homocisteína em
níveis elevados tem associação com maior risco de DAC, doença arterial cerebral e doença vascular
periférica, provavelmente por lesão endotelial e por maior propensão à trombose. Tratamos com
suplementação de folato, porém ainda não se sabe qual o efeito do tratamento da hiper-ho-
mocisteinemia e da lipoproteína a ​ sobre a incidência de eventos cardiovasculares; níveis elevados
de ​fibrinogênio e atividade fibrinolítica diminuída (​inibidor do​​ativador​​ do​ ​plasminogênio ​​elevado​)
também parecem ter associação com a aterogênese.
O grau de c ​ alcificação coronariana, determinado pela tomografia de coronárias​relaciona-se​​ com ​​a​​
presença ​​e ​​com ​​a ​​gravidade​​ da ​​DAC. O nível de ​proteína C reativa (ultrassensível)​,um marcador de
inflamação sistêmica se correlaciona com a presença e extensão da DAC, podendo refletir o grau de
inflamação e instabilidade das placas. Interleucina 6 e ​IL6-R também têm direta relação com DCV.
Níveis elevados de m ​ ieloperoxidase que é secretada pelos leucócitos na inflamação aguda​​e​​pro-
move ​​oxidação​​ das ​​lipoproteínas,​​ se​​ correlaciona​​ com​​ DAC. A utilidade potencial na prática clínica
atual desses marcadores é na identificação de indivíduos assintomáticos considerados de risco
intermediário pelos escores de avaliação de risco e que necessitarão de modificação​​mais ​​agressiva​​
dos ​​fatores ​​de​​ risco.

Fonte: Diretriz de Doença Coronária Estável da Sociedade Brasileira de Cardiologia -


Arquivos Brasileiros de Cardiologia -Volume​​103,​​ Nº​​2,​​ Suplemento ​​2,​​ Agosto​​ 2014

Nas artérias que gradualmente desenvolvem estenose, colaterais suficientes podem se desen-
volver para prevenir lesões miocárdicas irreversíveis, mesmo com o desenvolvimento​​de ​​uma​​
oclusão ​​coronariana.

O espectro clínico da DAC varia desde a isquemia silenciosa (doença assintomática), passando
pela angina crônica estável, angina instável, infarto agudo do miocárdio,​​cardiomiopatia​​isquê-
mica ​​e ​​morte​​ súbita​​ cardíaca.

A angina é uma síndrome clínica caracterizada por dor em quaisquer das seguintes regiões: tó-
rax, epigástrio, mandíbula, ombro, dorso ou membros superiores. Muitos não conseguem relatar
uma dor verdadeira e sim um desconforto. É tipicamente desencadeada ou agravada com a ati-
vidade física, estresse emocional, exposição ao ar frio ou após alimentação copiosa e é atenuada
com uso de nitroglicerina e repouso. Pode​​estar​​ associada​​ à ​​dispneia, ​​sudorese, ​​náuseas​​ ou ​​pal-
pitações.

A maioria dos pacientes pode identificar um nível de esforço que reproduzirá o desconforto,
como subir um lance de escadas ou uma ladeira. Tal angina associada ao esforço em geral apare-
ce gradualmente, dura menos que 15 minutos e resolve-se rapidamente com o repouso ou com a
nitroglicerina (em cerca de 1min após o uso).

92
Chamamos de angina estável (AE) quando os sintomas, devido à isquemia, se apresentam de
forma inalterada há pelo menos dois meses. Pode ser a primeira manifestação de DAC, ou surgir
após IAM ou angina instável (AI). É uma das principais manifestações clínicas entre os idosos.

Apesar de sua alta prevalência, existe certa dificuldade em seu diagnóstico, possivelmente de-
vido à diferença nas manifestações clínicas da DAC nos idosos. A angina típica de esforço ocorre
em apenas metade dos pacientes idosos. Pode ser menos intensa, ou não ocorrer, devido à ativi-
dade física limitada. Pode ainda manifestar-se sob a forma de “equivalentes anginosos”, sendo
mais frequente a dispneia, o edema agudo pulmonar, as arritmias cardíacas (palpitação e sínco-
pe) ou forma silenciosa, manifesta como isquemia silenciosa, IAM ou morte súbita. Além disso
a manifestação atípica é comum, como dor nos ombros ou nas costas, dor na região epigástrica,
dor pós-prandial ou noturna (sugerindo hérnia de hiato ou refluxo esofagiano). A dor pode se
confundir com sintomas de espasmo do esôfago, úlcera péptica, colelitíase, distúrbios neuro-
​​
músculo esqueléticos​​ e ​​ansiedade.

Embora a aterosclerose seja responsável pela maioria dos casos de angina, deve ser considerada
também a isquemia miocárdica na ausência de obstrução coronariana significante. Geralmente,
são doenças que causam isquemia miocárdica, por aumentarem​​ o​​ consumo ​​ou ​​por​​ diminuírem​​ a​​
oferta​​de oxigênio
​​ para​​
​​ o​​miocárdio. Os exemplos mais comuns são as drogas estimulantes como
anfetaminas, o hipertireoidismo, a hipertermia, as taquiarritmias e a HAS não controlada. Algu-
mas condições reduzem a oferta de oxigênio para o miocárdio e podem precipitar angina, como
a hipotensão arterial, a hipoxemia e a hiperviscosidade sanguínea, como ocorre nas leucemias
e no mieloma ​​múltiplo. A cardiomiopatia hipertrófica, a hipertensão arterial não controlada e a
estenose aórtica podem causar angina por aumento da tensão na parede do miocárdio (aumento
do​​ consumo ​​e ​​redução​​ da ​​oferta​​ de​​ oxigênio).

Pacientes com coronárias normais e isquemia miocárdica relacionada ao espasmo ou disfunção


endotelial também podem apresentar angina.

Todo paciente com suspeita de AE deve ser submetido a um eletrocardiograma (ECG) de repouso.
Em cerca de 50% dos casos, entretanto, o exame é normal e não exclui a existência de obstrução
coronariana.​​​As ondas Q patológicas, por outro lado, sugerem um infarto prévio e são bastante
específicas de DAC. O ECG pode ser útil também quando realizado durante episódios de angina,
ao identificar depressão do segmento ST, inversão de T ou pseudonormalização de alterações​​
prévias​​ do ​​ST-T,​​ achados que ocorrem em ​​aproximadamente​​ 50% ​​dos ​​casos.​​

Para pacientes cuja etiologia da dor torácica não é clara ou há suspeita clínica de equivalente
isquêmico, o teste ergométrico (TE) ou teste com estresse farmacológico (cintilografia ou eco-
cardiograma com estresse) é o melhor exame, podendo esclarecer o diagnóstico, seja pela re-
produção dos sintomas anginosos seja por demonstração de evidências objetivas de isquemia:
alterações típicas no eletrocardiograma, alterações de perfusão miocárdica ou da mobilidade da
parede ventricular​​.

O TE (Figura 1) não deve ser realizado nos pacientes com angina instável e outras síndromes

Capítulo 6 93
coronárias agudas. O nível de tolerância ao esforço, o comportamento da pressão arterial e a
resposta da frequência cardíaca são parâmetros importantes na avaliação​​hemodinâmica, ​​assim​​
como ​​a​​ elevação ​​ou ​​depressão ​​do ​​segmento​​ ST.

Para os pacientes capazes de deambular, o TE de rotina em esteira é o teste ideal e fornece muito
mais ​i​nformações fisiológicas do que o teste com estresse farmacológico.

Nos pacientes que não deambulam, nos que têm capacidade muito limitada para o exercício e
naqueles com anormalidades basais no seu ECG (alterações inespecíficas de repolarização, hi-
pertrofia ventricular esquerda, bloqueio de ramo esquerdo, alterações no ECG por uso de digital
ou uso de marcapasso), utilizamos o teste com estresse farmacológico, com dobutamina, adeno-
sina ou dipiridamol. Estes são capazes de fornecer informações diagnósticas similares ao teste
ergométrico, porém não nos darão informações​​ sobre ​​a ​​capacidade ​​de ​​exercício ​​ou ​​a​​ resposta​​
hemodinâmica ​​ao ​​exercício.

Nos pacientes idosos, a indicação do estresse farmacológico pode ser a única opção, devido à in-
capacidade de realizar o exercício. A sensibilidade e especificidade do exame para a detecção de
lesões significativas encontra-se diretamente relacionada à probabilidade pré-teste do paciente.
Nos diversos estudos que avaliam a acurácia do ecocardiograma com estresse farmacológico, por
exemplo, foram encontrados valores médios de sensibilidade de 88% e especificidade de 83%
para estenose coronária acima de 50%. De qualquer forma, independentemente do método de
imagem utilizado ou do agente estressor, um exame negativo para detecção de isquemia confere
ao paciente um excelente prognóstico, com um risco de morte de 0,4%-0,9% ao ano.​​

Pacientes impossibilitados de realizar o estresse farmacológico com adenosina ou dipiridamol,


por hipotensão, bloqueio atrioventricular avançado ou broncoespasmo têm como alternativa o
uso de dobutamina, que também é inotrópica e cronotrópica positiva, provocando vasodilatação
coronária secundária ao aumento do consumo miocárdico de oxigênio.

A angiotomografia de coronárias ​também tem sido utilizada para a detecção de DAC e a ausência
de calcificação correlaciona-se fortemente com a ausência de aterosclerose coronária significati-
va. Apesar de não ser um teste funcional, mas anatômico, no caso de idosos, as dificuldades de
realização de esforço físico podem dificultar a execução de testes indutores de isquemia. Neste
sentido, a angiotomografia tem importância crescente nesta população. Por outro lado, a calci-
ficação coronária que acompanha o processo de envelhecimento dificulta a visualização da luz
vascular, diminuindo a sensibilidade e especificidade do método. O exame possui um elevado
poder preditivo negativo e fornece informações adicionais em caso de discordância entre outros
exames não invasivos. A principal limitação é a necessidade do uso de contraste iodado, que
pode​​ acarretar​​ agravamento ​​de ​​função ​​renal.

O cateterismo cardíaco com angiografia coronária (Figura 2) permite a visualização da extensão e


da gravidade da doença coronária. A informação anatômica precisa, entretanto, ser interpretada
à luz da condição funcional, pois a gravidade anatômica de uma​​lesão ​​não necessariamente
​​ se
​​ ​​
correlaciona​​com​​a​​sua significância
​​ ​​fisiológica. É importante frisar que os idosos, quando sub-
metidos ao cateterismo, apresentam risco de óbito duas vezes superior ao da população em geral,
independente de outras comorbidades. Estudos recentes de intervenção coronária percutânea
(ICP) têm demonstrado que a opção pela via radial tende a apresentar menores taxas de sangra-
mento local e complicações vasculares.

94
Figura 1- O Teste Ergométrico (TE) positivo para isquemia: as variáveis mais preditivas relacionadas ao diagnóstico de
obstrução coronariana são depressão do segmento ST ≥ 1 mm (medido a 0,80 segundo do ponto J) ,com configuração
horizontal ou descendente e a presença da dor anginosa.

Fonte: www.misodor.com/ANGOR PECTORIS.php

Figura 2 – Cineangiocoronariografia

Fonte: www.hemodinamica.com.br/artigo03.htm

Após o diagnóstico de insuficiência coronária crônica, é importante estratificar o risco do pa-


ciente, ou seja, identificar os pacientes que estão sob alto risco de evoluir com síndrome coroná-
ria aguda ou com as consequências de uma isquemia miocárdica crônica, como disfunção ven-
tricular e arritmias. Nos pacientes considerados de alto ​​risco,​​ uma​​ terapia​​ mais ​​intensiva ​​está​​
justificada. A história clínica com angina de início recente, angina progressiva ou limitante e
insuficiência cardíaca de provável causa isquêmica identifica pacientes de alto risco para​​o de- ​​
senvolvimento​​ de ​​eventos​​ cardiovasculares.

Os dois mais importantes preditores de sobrevida na DAC crônica são a função ventricular​​e a
​​
extensão​​ do ​​miocárdio ​​sob ​​risco ​​de ​​isquemia.

Capítulo 6 95
Nos pacientes com DAC capazes de ultrapassar o terceiro estágio do Protocolo de Bruce, no teste
ergométrico, a taxa de mortalidade anual é ao redor de 1%, em contraste com aqueles incapazes
de ultrapassar os 5 METs, cuja mortalidade anual gira em​​torno ​​de​​5%.

Os​​ marcadores ​​de​​ pior ​​prognóstico​​ com ​​o​​ teste ​​ergométrico ​​são:

a) Alterações isquêmicas no ECG (depressão de ST) ocorrendo precocemente durante​​o​​exer-


cício;

b) Alterações ​​isquêmicas​​ que ​​ocorrem ​​em​​ múltiplas ​​derivações;

c) Alterações isquêmicas que persistem por mais que 5 minutos após o término do exercício;

d) Queda ​​na ​​pressão​​ arterial​​ no ​​esforço​​ ou​​ curva​​ achatada;

e) Sinais clínicos de congestão pulmonar durante o exercício, na presença de depressão ​​de​​ST​​


ou ​​de ​​dor​​ anginosa;

f) Arritmias ​​ventriculares ​​graves​​ em​​ nível​​ baixo ​​de​​ exercício;

g) Inadequada​​ resposta​​ cronotrópica.

Outra forma de estratificar o risco de portadores de angina estável é a utilização de equações


matemáticas (escores prognósticos) desenvolvidas por meio de variáveis clínicas e ergométricas.
Pode-se utilizar o escore de Duke, que resulta da equação: TEMPO DO EXERCÍCIO (em minutos)
- 5 X DEPRESSÃO DO ST (em milímetros) - 4 X ÍNDICE ANGINOSO (1 para ausência de angina, 2
para presença de angina e 3 para angina como causa de interrupção do exercício). Valor ≥ 5 repre-
senta baixo risco, com mortalidade anual ≤ 1%. Valor compreendido entre 4 e -10 representa risco
intermediário, com mortalidade anual estimada entre 1 a 3%. Valor < -10 representa risco ​​elevado​​
de ​​futuros ​​eventos.

Os achados da angiografia coronária também se relacionam diretamente com o prognóstico. O


mais simples e mais usado método para descrever a extensão da DAC separa os pacientes em
uniarteriais, biarteriais, triarteriais ou lesão em tronco (TCE). O tempo de sobrevida diminui com
o envolvimento de vasos adicionais, com o comprometimento da​​ ​​ artéria descendente​​anterior e
​​ ​​
com ​​disfunção​​ ventricular ​​esquerda.

A ecocardiografia também pode servir na avaliação da viabilidade miocárdica, já que, nos pa-
cientes com DAC, a função contrátil miocárdica pode estar deprimida, devido à necrose miocár-
dica ou como resultado do miocárdio hibernado. Assim, nos pacientes com doença multiarterial
e função ventricular esquerda deprimida, a melhora da contração miocárdica segmentar durante
baixas doses de dobutamina é considerada indicativa de reserva contrátil, sendo preditora de
melhora da função ventricular após cirurgia de revascularização miocárdica. A cintilografia e a
ressonância magnética também podem ser usadas na distinção entre o miocárdio hibernado e o
necrótico.

A angiografia coronária, nos pacientes com angina, deve ser realizada quando se deseja definir
a anatomia coronariana para programar a revascularização (por angioplastia ou cirúrgica). Os
pacientes que apresentam melhor prognóstico com a revascularização, em comparação com a
terapia medicamentosa isolada são os que:

96
• Têm sintomas​​
​​ refratários​​à​​medicação;

• Não toleram
​​ a​​
​​ medicação por​​
​​ efeitos​​colaterais;

• Têm marcadores de mau prognóstico pelas características​​ clínicas ​​ou ​​pelo ​​resultado​​ dos​​
testes​​ realizados;

• Têm sinais​​
​​ e​​sintomas​​de insuficiência​​
​​ cardíaca;

• Têm histórico de morte súbita reanimada ou arritmia ventricular grave.

O tratamento farmacológico da AE tem como objetivo melhorar o prognóstico, prevenindo IAM


e morte súbita, e melhorar a qualidade de vida, reduzindo sintomas. A Tabela 6 resume o trata-
mento recomendado para insuficiência coronária ​​crônica.

O tratamento farmacológico no idoso ocupa papel de destaque, reservando-se as intervenções


de revascularização para os pacientes de alto risco, principalmente aqueles que apresentam is-
quemia extensa ou disfunção ventricular esquerda ou com sintomas importantes e refratários.

Tabela 6 - Tratamento da DAC crônica

Modificação dos fatores de risco​: controle da HAS, DM, DLP, cessação do tabagismo, obtenção de
um ​​peso​​ ideal​​.
Mudança do estilo de vida: a ​atividade física regular a um nível que seja tolerável deve ser enco-
rajada. Não são recomendáveis os exercícios isométricos, como o levantamento de peso e ativida-
des de alta intensidade, especialmente no frio, como esquiar ou retirar neve com uma pá. Porém,
muitos pacientes com angina estável podem realizar atividades vigorosas, inclusive um exercício
moderado durante o trabalho. A terapia de reposição estrogênica não reduz risco de eventos CV
nas mulheres após a menopausa e não deve ser prescrita como terapia para prevenção primária ou
secundária​​ de ​​DAC.
Corrigir​​ doenças ​​que ​​podem​ ​precipitar ​​ou ​​piorar ​​a ​​angina: como hipertireoidismo, ​​anemia,​​ DPOC.
Tratamento farmacológico: baseia-se ou na melhora do fluxo sanguíneo coronariano (aumento do
suprimento) ou na redução no consumo miocárdio de oxigênio (redução da demanda) e na terapia
antiplaquetária.
-Aspirina: 81 a 325mg (clopidogrel 75mg para os alérgicos à AAS) - reduz a taxa de IAM e a mortalida-
de nos pacientes com angina ou IAM prévio. Os únicos medicamentos que reduzem a mortalidade
nos pacientes com angina são os antiplaquetários ​​e ​​a ​​estatina.
-Estatina: para atingir meta de LDL ≤100mg/dL no idoso de alto risco (identificado pela presença de
múltiplos fatores de risco) ; ou LDL ≤ 70mg/dL no idoso de risco muito alto (ex.: evento coronário
prévio).

Capítulo 6 97
-Nitratos​: para controle de sintomas - promove dilatação das arteríolas, queda da resistência vascu-
lar sistêmica, queda da pós-carga e venodilatação. Efeitos colaterais: cefaleia e hipotensão postural.
O uso crônico resulta em tolerância, efeito que pode ser minimizado com um período diário livre de
nitratos. Não pode ser usado nos pacientes que fazem uso dos inibidores da​​​​ fosfodiesterase.
-Betabloqueadores​: para controle de sintomas - reduz mortalidade no pós-infarto e no paciente
com IC. Reduzem a demanda miocárdica de oxigênio por redução da frequência cardíaca, na pres-
são arterial e na contractibilidade. Efeitos colaterais: bradicardia/bloqueio atrioventricular, hipo-
tensão, disfunção sexual, broncoespasmo, fadiga, depressão e pesadelos.
-Bloqueadores de canais de cálcio​: para controle de sintomas. Ação: redução da FC, da contractibi-
lidade e vasodilatação periférica. Diminui a demanda miocárdica de oxigênio.
-Trimetazidina: é uma substância com efeitos metabólicos e anti-isquêmicos, sem qualquer efei-
to na hemodinâmica cardiovascular. Seus benefícios têm sido atribuídos à preservação dos níveis
intracelulares de ATP e da fosfocreatina. A administração desse agente não modifica a frequência
cardíaca e a pressão arterial durante o repouso ou esforço físico.
-Ivabradina: é um inibidor específico da corrente I f​ ​no nó sinusal (X). Como resultado, trata-se de
uma droga exclusivamente redutora da frequência cardíaca, sem afetar os níveis pressóricos, a con-
tratilidade miocárdica, a condução intracardíaca e a repolarização ventricular.
-Ranolazina: ​bloqueador de canal de sódio. Atua reduzindo a sobrecarga de cálcio no miócito, redu-
zindo a tensão diastólica e o consumo de oxigênio. Pode ser adicionado aos antianginosos clássicos,
reduz sintomas anginosos e melhora a tolerância aos exercícios. Pode ser um substituto para os
betabloqueadores, se o paciente não tolera o betabloqueador ou tem contraindicações ​​para ​​o ​​​seu​​
uso. Não está disponível para uso no Brasil.

Fonte: Task Force Members, MONTALESCOT, G.; SECHTEM, U. et al. 2013 ESC guidelines on the management of stable
coronary artery disease: The Task Force on the management of stable coronary artery disease of the​​European​​Society​​
of​​ Cardiology. European Heart Journal. 2013;​​34:​​2949

Infelizmente, as técnicas de revascularização percutânea e cirúrgica não impedem a progressão


do processo aterosclerótico. Ocorre, portanto, aterosclerose progressiva com novas estenoses
desenvolvendo-se em locais previamente não envolvidos, tanto nas coronárias nativas como nos
enxertos. Até 50% dos enxertos de safena estão ocluídos em 10 anos, se o tratamento dos fatores
de risco e mudanças no estilo de vida
​​ não
​​ forem​
​​ ​instituídos.

Para o controle dos sintomas, em geral preferimos os betabloqueadores como terapia inicial na
ausência de contraindicações. Associamos nitrato oral de longa duração para pacientes cuja an-
gina não é controlada com betabloqueador. Utilizamos diltiazem ou verapamil para pacientes
com AE que não podem utilizar betabloqueador. Um bloqueador de cálcio diidropiridínico de
ação prolongada pode ser introduzido quando a monoterapia com betabloqueador não é suficien-
te para controlar a angina.

Os idosos podem apresentar mais efeitos colaterais com as medicações anti-isquêmicas, como
hipotensão com nitratos e bloqueadores de canais de cálcio e efeitos no sistema nervoso cen-
tral em decorrência dos betabloqueadores. Habitualmente são usadas doses menores que são
aumentadas de forma lenta de acordo com sua tolerabilidade.

O único ensaio clínico randomizado realizado em idosos com AE, o estudo TIME​, demonstrou
os benefícios advindos da angioplastia percutânea, em comparação com tratamento clínico con-
servador otimizado. Em 6 meses de evolução, os pacientes da estratégia invasiva, 72% dos quais
tratados por meio de angioplastia, apresentaram reduções significativas de angina, número de

98
medicamentos antianginosos utilizados, re-hospitalizações e necessidade de procedimentos
adicionais de revascularização. Após 4 anos de evolução clínica tardia, verificou-se que a sobre-
vida foi similar para ambas as estratégias (70,6% versus 73%). Os pacientes da estratégia invasi-
va, porém, apresentaram sobrevida livre de eventos cardíacos maiores significativamente menor
(39% versus 20%).​​​

No que se refere à anatomia coronária, a revascularização, seja cirúrgica ou por angioplastia, de-
verá ser solicitada preferencialmente para pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda,
lesões triarteriais (particularmente quando a fração de ejeção for menor que 40%) e pacientes
biarteriais com estenose maior de 75% na descendente anterior proximal. Nesses pacientes, a​​
revascularização​ ​reduz ​​o ​​risco ​​de ​​morte​ ​e ​​complicações.​​​ Também recomenda-se a revasculari-
zação nos pacientes com grande área de miocárdio sob isquemia (> 10%) e naqueles com lesão
proximal de descendente anterior (>50%).​​​

Para a paciente em questão, que tinha um ECG de repouso com ritmo sinusal e não apresentava
alterações de repolarização que dificultassem a interpretação do segmento ST, o TE foi solicitado.
A paciente, entretanto, não conseguiu prosseguir no teste por cansaço e não atingiu o mínimo de
85% da frequência cardíaca máxima (220-idade). Solicitamos então uma cintilografia miocárdica
com estresse farmacológico com dipiridamol. O resultado foi a ausência de hipoperfusão miocárdi-
ca tanto no repouso quanto no estresse e boa função ventricular, sugerindo ser improvável a origem
isquêmica da IC-pFE. Um novo ecocardiograma mostrou aumento do átrio esquerdo, em relação ao
exame prévio. A paciente continuava apresentando episódios​​ de​​ palpitações. ​​Solicitamos ​​um ​​Holter​​
de ​​24h ​​à ​​procura​ ​de ​​arritmias.

Antes que fizesse o Holter, apresentou episódio de palpitações mais persistentes e necessitou procu-
rar o Pronto-Socorro novamente. Foi feito o EGG representado abaixo, com diagnóstico de fibrilação
atrial de alta resposta ventricular. As enzimas cardíacas foram negativas. A frequência cardíaca
foi controlada com betabloqueado. Recebeu alta e foi sugerido o início de anticoagulação oral com
rivaroxabana no ​​seguimento​ ​ambulatorial.

Figura 3 – Eletrocardiograma com ritmo de fibrilação atrial

Fonte: goo.gl/jxtfdN

Capítulo 6 99
4. Arritmias ​​nos​​ idosos
As alterações miocárdicas estruturais e funcionais que ocorrem com o envelhecimento contri-
buem para o aparecimento de arritmias nos idosos.​ Além disso, como as arritmias são mais pre-
valentes nos portadores de doença cardíaca estrutural e os idosos com mais frequência apresen-
tam condições como hipertensão arterial, diabetes, insuficiência cardíaca e coronariopatia, elas
são frequentemente encontradas na prática clínica​​entre ​​os​​pacientes idosos.
​​

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca mais comum. Sua incidência e prevalência estão
aumentando no mundo todo e se associam a maior risco de morte, insuficiência cardíaca, hos-
pitalização e eventos tromboembólicos. A prevalência da FA chega a 9% ​​dos idosos com mais
de ​​80 ​​a nos.​​​

A FA em geral é associada com alguma doença estrutural cardíaca: aumento do átrio esquer-
do, elevação da pressão atrial esquerda ou infiltração/inflamação dos átrios. As doenças cardía-
cas mais comumente associadas à FA são cardiopatia hipertensiva, doença cardíaca coronária e
doenças valvares. Frequentemente FA coexiste com IC, e uma condição pode agravar a outra. O
fator desencadeante no idoso pode ser ainda o hipertireoidismo, a embolia pulmonar, o pós-ope-
ratório (especialmente de cirurgia cardíaca)​​ e​​ as ​​doenças​​ pulmonares.

A perda da contração atrial organizada e regular, assim como o subsequente aumento da fre-
quência cardíaca pode resultar em comprometimento hemodinâmico, com progressiva disfun-
ção atrial e ventricular​​esquerdas.

Nem todos os pacientes com FA terão sintomas, mas os pacientes podem apresentar palpitações,
taquicardia, fadiga, redução da tolerância aos esforços, tontura, aumento da diurese e dispneia.
Pode ainda ocorrer descompensação da insuficiência cardíaca, síncope e exacerbação de episó-
dios anginosos. A primeira manifestação pode ser ​​um fenômeno
​​ ​​embólico.

Os sintomas associados a FA de início recente são em geral relacionados à alta frequência ventri-
​​
cular,​​ como​​ ocorreu​​ com ​​a ​​paciente descrita no caso clínico.

O tratamento envolve três metas: a) prevenção de eventos embólicos; b) controle da​​frequência​​


cardíaca;​​ c)​​ opção​​ por​​ controle​​ da​​ frequência ​​ou​​ controle ​​do ​​ritmo.

O desenvolvimento de trombo no átrio e subsequente embolização pode ocorrer em qualquer


tipo de apresentação da fibrilação atrial, seja paroxística, persistente ou permanente (Tabela 7).
O acidente vascular cerebral é a manifestação embólica clinicamente mais frequente, mas embo-
lização sistêmica para outras localizações, inclusive para a circulação pulmonar, podem ocorrer.

100
Tabela 7 - Tipos de apresentação da fibrilação atrial

FA que termina espontaneamente ou com intervenção em até 7


FA ​​paroxística
dias do início. Pode recorrer ​​com ​​frequência ​​variável.
FA ​​persistente FA​​ que ​​dura​​ mais ​​que​​ 12​​ meses.
FA ​​permanente FA​​ persistente​​ em ​​que​​ decidimos ​​não​​ mais ​​tentar​​ reverter​​ o ​​ritmo.

Fonte: JANUARY, C.T. et al. 2014 AHA/ACC/HRS guideline for the management of patients with atrial fibrillation exe-
cutive summary a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice
guidelines and the Heart Rhythm Society.​​Circulation​​. 2014;​​130:2071

Todos os pacientes cujo risco de embolização excede o risco de sangramento são candidatos à an-
ticoagulação por toda a vida. A anticoagulação com warfarin, dabigatran, rivaroxaban ou apixa-
ban reduz o risco de embolização sistêmica em 70%. O risco de sangramento e a quantificação do
benefício dessa intervenção deve ser avaliado pelo cálculo do escore ​CHA2DS2-VASc (Tabela 8)
e pelo escore de risco de sangramento ​HAS-BLED (Tabela 8). Para pacientes com ​CHA2DS2-VASc
maior ou igual a 2, a anticoagulação é recomendada. Para pacientes entre 65 e 74 anos, do sexo
masculino, muitos autores recomendam também a anticoagulação quando o ​CHA2DS2-VASc é de
1. Para pacientes com ​CHA2DS2-VASc de 0 e sexo feminino com escore de 1, não há necessidade
da anticoagulação.

Tabela 8 - CHAD2DS2VASC

ESCORE
CHA2DS2-VASC
(escore máxcimo = 9)
INSUFICIÊNCIA​​ CARDÍACA 1
HIPERTENSÃO 1
IDADE​​ MAIOR ​​OU ​​IGUAL ​​A ​​75​​ ANOS 2
DIABETES​​ MELITUS 1
ACIDENTE​​ VASCULAR ​​CEREBRAL ​​PRÉVIO ​​OU ​​ACIDENTE​​
2
ISQUÊMICO​​ TRANSITÓRIO
IDADE​​ ENTRE 65-74​​ ANOS 1
SEXO​​ FEMININO 1
DOENÇA​​ VASCULAR​​ ARTERIAL ​​​(INFARTO ​​PRÉVIO,​​ DOENÇA​​
1
ARTERIAL ​​PERIFÉRICA ​​OU DOENÇA/PLACA ​​NA​​ AORTA)

Capítulo 6 101
RISCO​​ DE​​ EVENTO​​
ESCORE​​ CHA2DS2-VASC
EMBÓLICO ​​(%/ANO)
0 0,2%
1 0,6%
2 2,2%
3 3,2%
4 4,8%
5 7,2%
6 9,7%
7 11,2%
8 10,8%
9 12,2%

Fonte: JANUARY, C.T. et al. 2014 AHA/ACC/HRS guideline for the management of patients with atrial fibrillation exe-
cutive summary a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice
guidelines and the Heart Rhythm Society.​​Circulation. ​​2014;​​130:2071

Tabela 9 - HAS-BLED

Pontos (máx. 9
Letra Característica ​​clínica
pontos)
H HAS ​​(>160 PAS)​​ não ​​controlada 1
ALTERAÇÃO​​ NA​​ FUNÇÃO​​ RENAL ​​E HEPÁTICA (1
A 1​​ ou 2
ponto para cada)
S ACIDENTE​​ VASCULAR ​​CEREBRAL 1
B PREDISPOSIÇÃO ​​OU ​​TENDÊNCIA​​ À SANGRAMENTO 1
L LÁBIL​​ INR​​ (para​​ pacientes ​​em​​ uso ​​de warfarin) 1
E IDADE​​ > ​​65​​ ANOS 1
DROGA​​ CONCOMITANTE
D (ASPIRINA ​​OU ​​AINH*​​ OU ​​ABUSO​​ DE ÁLCOOL, 1 1​​ ou ​​2
PONTO PARA CADA)
Escore​​
HAS Sangramento​​ por​​ 100 pacientes​​ por​​ ano
BLED
0 1,13
1 1,02
2 1,88
3 3,74
4 8,70
5​​ A ​​9 Dados insuficientes

(AINH=anti-inflamatório não hormonal)

Fonte: JANUARY, C.T. et al. 2014 AHA/ACC/HRS guideline for the management of patients with atrial fibrillation exe-
cutive summary a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice
guidelines and the Heart Rhythm Society.​​Circulation.​​ 2014;​​130:2071

102
Tanto o H​ AS-BLED ​como outros escores que estimam risco de sangramento nos fornecem uma
estimativa imprecisa do risco individual do paciente, já que eles foram derivados de estudos
que incluíram sangramentos de diferentes níveis de gravidade. Enquanto alguns sangramentos
podem provocar incapacidade e morte, como o sangramento no sistema nervoso central (SNC),
outros não geram repercussões importantes. Muitos estudos observacionais e randomizados re-
gistraram um risco de 0,2-0,4% ao ano para sangramento no SNC com o uso de warfarin. O risco
é significativamente maior quando há trombocitopenia ou outros distúrbios de coagulação com
sangramento prévio, sangramento ativo ou cirurgia recente com risco de sangramento, sangra-
mento prévio grave, incluindo no SNC quando em uso de anticoagulante, suspeita de dissecção
de aorta, hipertensão maligna e uso ​​combinado ​​de ​​anticoagulante​​ e ​​antiplaquetários.

Para FA não valvar recomenda-se a escolha de um inibidor direto da trombina ou inibidor do fa-
tor Xa em detrimento do warfarin. Não há evidências de que um anticoagulante não antagonista
da vitamina K seja superior ao outro (não há estudos comparativos entre os novos anticoagulan-
tes). A warfarina deve ser reservada para:

a) Pacientes que já estão em uso e que estão adaptados ao controle periódico de TP (manten-
do INR entre 2 e 3 em pelo menos 65% das medidas em um ano);

b) Pacientes que não podem custear os novos anticoagulantes;

c) Pacientes com doença renal crônica grave (clearance abaixo de 30);

d) Quando o uso de anticoagulantes de ação direta estiver contraindicado (uso concomitante


de fenitoína ou paciente com HIV em uso de inibidor de protease);

e) Pacientes portadores de valvas protéticas, doença valvar mitral reumática, estenose mitral
de qualquer origem ou outras lesões valvares cursando com insuficiência cardíaca mode-
rada a grave e que podem necessitar​​de troca​​
​​ valvar​​no ​​futuro.

As estratégias de controle de ritmo (reversão para ritmo sinusal) e controle de frequência ventri-
cular são similares em termos de mortalidade, morbidade, taxa de eventos embólicos. O controle
de frequência pode ser feito utilizando-se drogas que bloqueiam o nó atrioventricular (betablo-
queador, bloqueador de canal de cálcio e digoxina). Nos casos refratários a essas drogas, existe a
opção de colocação de um marcapasso ventricular e ablação​​do nó​​
​​ atrioventricular.

Para pacientes acima de 65 anos portadores de FA e assintomáticos ou com sintomas leves, a re-
comendação prioritária é a do controle de frequência cardíaca (FC). Devemos manter a FC abaixo
de 85bpm para pacientes sintomáticos e abaixo de 110bpm para assintomáticos. O fundamental
é o alívio dos sintomas (com o controle da frequência cardíaca) e a prevenção de eventos embóli-
cos (pela anticoagulação), ao invés da tentativa da manutenção do ritmo sinusal, estratégia cujo​​
benefício ​​clínico ​​não​​ está​​ demonstrado ​​até ​​o​​ momento.​​​

Para a paciente em discussão, foi introduzido anticoagulação com um anticoagulante de ação di-
reta e controlada a frequência da FA com betabloqueador. Na consulta ambulatorial, solicitamos a

Capítulo 6 103
suspensão do AAS, uma vez que a associação com warfarin aumenta o risco de sangramento. Solici-
tamos ainda um Holter de 24h para avaliar a eficácia do controle do ritmo, além de monitoramento
da função renal e do hematócrito (por causa do anticoagulante).

Também podemos avaliar o controle da frequência cardíaca pelo do teste de caminhada de 6 mi-
nutos (exercício moderado) ou pelo teste ergométrico, para de forma mais completa determinar-
mos a frequência ventricular no repouso e nos esforços físicos. A frequência cardíaca persisten-
temente elevada tem sido associada com o desenvolvimento​​de​​uma taquicardiomiocardiopatia.

É preciso orientar o paciente e sua família para o risco de sangramento aumentado quando em
uso de anticoagulação, como em quadros infecciosos e condições​​que​​cursam ​​com​​desidratação​​
e/ou ​​hipovolemia.

5. Síndrome​​ do ​​nó ​​sinusal


Esta síndrome é caracterizada por disfunção do nó sinusal que é frequentemente secundária à
senescência do nó sinoatrial e do miocárdio atrial circundante. Medicações podem provocar essa
síndrome; por isso é preciso ter cuidado com o uso de drogas que reduzem a FC, principalmente
após os 80 anos. Pacientes com este distúrbio têm fibrose do nó sinusal, que pode ser progressiva
e em geral evoluem com maior taxa de eventos​​cardiovasculares ​​e ​​maior mortalidade.
​​

6. Bloqueio ​​atrioventricular ​​(BAV)


Um atraso ou interrupção na condução atrioventricular pode ocorrer por alterações anatômicas
ou funcionais do sistema de condução, e pode ser transitório ou permanente. O termo Doença de
Lev tem sido usado para definir a esclerose/fibrose no sistema de condução à esquerda, que ocor-
re em alguns idosos após os 70 anos, em geral associado à calcificação dos anéis aórtico e mitral.
O quadro costuma ser progressivo e evoluir para BAV completo. Essa etiologia responde por cerca
de 50% dos casos de BAV nos idosos, enquanto que a etiologia isquêmica (crônica ou aguda) res-
ponde por 40%. Outro fator causal e potencialmente reversível são as drogas: betabloqueadores,
bloqueadores de canal de cálcio não diidropiridínicos, digoxina e antiarrítmicos, além de distúr-
bios ​​eletrolíticos​​ (hipercalemia) ​​e ​​hipotireoidismo.

O BAV de primeiro grau é definido quando o intervalo PR é maior ou igual a 200ms (é um atraso
para o impulso atrial atingir os ventrículos) e em geral é benigno e não provoca sintomas. No
BAV de segundo grau, alguns impulsos atriais não atingem os ventrículos. No BAV de segundo
grau Mobitz tipo I, há um prolongamento progressivo no intervalo PR até que uma onda P não é
conduzida, enquanto no Mobitz tipo​​ II,​​ o ​​intervalo ​​PR ​​não ​​se ​​modifica​​ e ​​subitamente uma​​ onda​​
P ​​não​​ é​​ conduzida.

Geralmente o Mobitz tipo II gera sintomas, incluindo fadiga, dispneia, dor torácica, pré-síncope
ou síncope. Esse tipo de arritmia tem natureza instável e tem risco de progressão para BAV com-
pleto, mesmo que o paciente esteja estável. Deve ser indicado o monitoramento cardíaco e, se
não houver fator causal reversível, é indicado​​o​​implante de
​​ marcapasso
​​ ​​definitivo.

104
7. Extrasístoles ​​supraventriculares
São batimentos prematuros originados dos átrios ou da junção atrioventricular, cuja prevalência
aumenta com a idade, e é um achado frequente do exame de Holter de 24h. Na maioria das vezes
são assintomáticos, mas podem causar sensação de palpitação.
​​

Uma vez identificadas, devemos avaliar se há ou não doença cardíaca estrutural. Não é necessá-
rio tratamento específico e devemos esclarecer o paciente que trata-se de uma arritmia benigna.
Orientamos que o paciente evite desencadeantes possíveis como cafeína, tabagismo, ingesta de
álcool e estresse emocional. Quando são sintomáticas, podemos utilizar betabloqueadores. Se as
extrassístoles desencadeiam fibrilação atrial, podemos encaminhar o paciente para​​ablação do
foco arritmogênico.

8. Extrassístoles ​​ventriculares (EV)


Os batimentos ventriculares originados dos ventrículos também são comuns e podem ocorrer
nos indivíduos sem doença cardíaca estrutural. A prevalência aumenta com a idade e é uma ar-
ritmia que aparece em associação a várias doenças cardíacas. Em geral apresenta poucos sinto-
mas. Quando são muito frequentes e ocorrem em pacientes com disfunção ventricular impor-
tante e bradicárdicos​​ pode haver comprometimento ​​hemodinâmico,​​ com ​​tontura ​​e ​​pré​​-síncope.

A maioria das EVs que ocorrem em corações normais se inicia na via de saída do ventrículo direi-
to e portanto possui a morfologia de bloqueio de ramo esquerdo. Deve ser feito, entretanto, diag-
nóstico diferencial com a displasia arritmogênica de ventrículo direito (DAVD). A DAVD é uma
doença rara, mas que deve ser suspeitada nos pacientes com história familiar de morte súbita e/
ou onda T negativa ​​nas ​​derivações ​​precordiais​​ direitas.

A abordagem de um paciente em que detectamos EV deve ser a seguinte:

a) Holter de 24-48h para avaliar a frequência dessa arritmia e se são monomórficas ou po-
limórficas;

b) Ecocardiograma para avaliar a função ventricular;

c) Teste de esforço para avaliar a resposta das extrassístoles ao esforço, sua morfologia e se
determinam o aparecimento de taquicardia ventricular sustentada (TVS) ou não sustenta-
da (TVNS). Além disso, identificar isquemias (que aumenta o risco de EV).

O encontro de EV muito frequentes e polimórficas, além de associação com TVNS​​ou​​TVS​​, suge-


rem ​​doença​​ cardíaca​​ subjacente.

O tratamento das EV deve ser o da doença cardíaca subjacente encontrada (como isquemia e
hipertensão). Já o tratamento específico dependerá da presença de sintomas e doença cardíaca

Capítulo 6 105
estrutural. Não há evidências de que a supressão dessas extrassístoles com antiarrítmicos me-
lhore a sobrevida. Nos pacientes sintomáticos optamos por betabloqueadores ou bloqueador de
canal de cálcio, reservando os antiarrítmicos e a ablação por cateter para aqueles com sintomas
refratários. Dentre os antiarrítmicos, preferimos o sotalol (se não houver disfunção ventricular)
ou a amiodarona. Se houver disfunção ventricular e o paciente apresentar EV frequentes, a abla-
ção por radiofrequência ​​é ​​indicada.

9. Taquicardia ​​ventricular ​​( TV)


A TV é classificada como não sustentada quando ocorrem três ou mais batimentos ventriculares
consecutivos, uma frequência cardíaca acima de 120bpm e uma duração de arritmia menor que
30 segundos. Causas reversíveis devem ser pesquisadas, como distúrbios eletrolíticos, isquemia
miocárdica, hipóxia, anemia, hipotensão arterial e insuficiência cardíaca. Pode haver também
doença cardíaca estrutural. Pacientes assintomáticos não precisam de tratamento específico, en-
quanto os sintomáticos podem se beneficiar com betabloqueadores e bloqueadores de canal de
cálcio, reservando amiodarona e a ablação por cateter para os casos refratários a essas drogas.
Pacientes com disfunção ventricular grave e TVNS podem ser encaminhados para​​implante de​​ ​​
desfibrilador​​com vistas à prevenção de ​​morte súbita.

A taquicardia ventricular sustentada é uma arritmia potencialmente fatal e deve ser tratada na
emergência. Para os pacientes que já apresentaram essa arritmia, é mandatória a investigação de
doença cardíaca estrutural e isquemia miocárdica, estando indicado o desfibrilador implantável.
O diagnóstico diferencial será o de taquicardia supraventricular com aberrância de condução,
taquicardia ventricular com pré-excitação e taquicardia supraventricular em um paciente com
marcapasso. Em casos duvidosos, o estudo​​ eletrofisiológico ​​poderá ​​esclarecer ​​o​​ diagnóstico.

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Capítulo 6 109
CAPÍTULO

Doenças do Aparelho
Digestivo do Idoso
Profa. Maria Cecília Bernardes Pereira
Doenças do Aparelho Digestivo do Idoso
Profa. Maria Cecília Bernardes Pereira

1. Caso Clínico
João, 80 anos, masculino, natural e procedente de Catanduva/SP, agricultor, católico, viúvo, re-
side sozinho, iniciou queixa de astenia há 3 meses com piora progressiva nas últimas 2 semanas.

Segundo relato do paciente, houve início de epigastralgia e hiporexia há 6 meses, pouco depois de
ter sido internado por síndrome coronariana aguda, quando foi tratado por angioplastia com colo-
cação de endoprótese em artéria coronária direita. Foi na consulta com cardiologista onde relatou
esta primeira queixa.

Outros antecedentes pessoais: diabético e hipertenso há 20 anos, depressão parcialmente com-


pensada há 5 anos desde que ficou viúvo, lesão renal crônica estágio III, síndrome dolorosa mio-
fascial dorsal há 15 anos, osteoporose vertebral, ex-tabagista 40 maços/ano, constipação intesti-
nal crônica e sedentarismo.

Medicações em uso: Metformina XR 500mg 3xdia, Losartana 50mg 12/12h, Carvedilol 3,125mg
12/12h (uso irregular por às vezes esquecer), Hidroclorotiazida 25mg 1xdia (uso irregular por
queixa de incontinência urinária), AAS 100mg 1xdia, Clopidogrel 75mg 1xdia, Sinvastatina 40mg
1xdia, Amitriptilina 25mg 1xdia, Alendronato 70 mg 1xsemana, Fórmula com Meloxican 20mg +
Ciclobenzaprina 5mg + Ginkgo Biloba 80mg + Ranitidina 150mg, além de uso por conta própria de
diclofenaco 50mg intermitente.

Devido à queixa dispéptica, o cardiologista solicitou Endoscopia Digestiva Alta que evidenciou
esofagite erosiva leve, gastrite enantemática no fundo gástrico (realizada biópsia), úlcera no duo-
deno com hematina (realizada biópsia), Teste da Urease negativo. Laudo histopatológico: gastrite
atrófica crônica (fragmento fundo gástrico) e gastrite aguda sem sinais de malignidade (fragmen-
to de úlcera). Paciente foi então encaminhado ao gastroenterologista, que prescreveu Omeprazol
40mg 1xdia por 8 semanas.

Passados 9 meses do quadro dispéptico, paciente procurou geriatra por astenia progressiva, além
de perda de peso. Durante o interrogatório sintomatológico, havia perda de peso (cerca de 5% em
3 meses), alternância do hábito intestinal com fezes escurecidas. Um episódio de queda da pró-
pria altura em casa há 3 semanas. Dieta predominante de carboidratos simples. O idoso relatava
melhora da epigastralgia com omeprazol, porém não conseguia interromper uso do IBP pois o
sintoma recrudescia.

Após avaliação geriátrica ampla e exame físico, foram formuladas as seguintes hipóteses diag-
nósticas: 1. Síndrome dispética com perda de peso; 2. Astenia com perda de peso a esclarecer; 3.
Insuficiência coronariana; 4. Diabetes; 5. HAS; 6. DRC estágio III; 7. Depressão; 8. Osteoporose
vertebral; 9. Dorsalgia miofascial crônica; 10. Constipação intestinal crônica; 11. Mau estado de
conservação dentária; 12. Alto risco de desnutrição 13. Quedas; 14. Polifarmácia; 15. Medicação
inapropriada para o idoso; 16. Má adesão medicamentosa; 17. Fragilidade social.
Foi realizada propedêutica complementar, sendo encontrada anemia ferropriva (Hb 7,3g/dl;
Ht25,6%; Ferro sérico 33 mg/dL; saturação da transferrina 9%). Além disso havia creatinina au-
mentada: 1,8mg/dl. Apesar do achado da doença ulcerosa péptica em EDA prévia e recente, foi
solicitada colonoscopia pelos sinais de alarme de perda de peso, alteração intestinal e anemia. O
exame foi normal.

O paciente foi tratado com manutenção do inibidor da bomba de prótons para doença ulcerosa
péptica e reposição de ferro endovenoso para anemia. Além disso, o geriatra corrigiu a polifar-
márcia, suspendendo o alendronato devido à esofagite erosiva e piora da função renal; reduziu a
dose de metformina para 2xdia devido à hiporexia e perda de peso; suspendeu a Fórmula anal-
gésica com meloxicam pela doença ulcerosa e disfunção renal, como também ciclobenzaprina
por aumentar o risco de quedas e Ginkgo biloba por aumentar risco de sangramentos; prescreveu
analgésico simples para dor.

Você pensaria em mais alguma hipótese diagnóstica e conduta para o sr. João? Que tal discutir
o caso com seu professor? Abaixo discutiremos as principais alterações do envelhecimento gas-
trintestinal e principais doenças do trato gastrintestinal do idoso.

2. Introdução
A melhor abordagem do idoso com queixa principal gastrintestinal acontece quando é aplicada
a avaliação geriátrica ampla. Nesta, além do diagnóstico da patologia principal, é possível presu-
mir riscos de perdas funcionais e mortalidade que tal comorbidade pode gerar.

O conhecimento das alterações do sistema digestório inerentes ao envelhecimento também tem


muita importância para o raciocínio diagnóstico e arquitetura do plano terapêutico.

O envelhecimento do sistema digestório pode variar tanto na intensidade como na natureza e


está relacionado com alterações estruturais, de motilidade e da função secretória. No idoso a
avaliação deve abranger topograficamente desde a boca até o ânus. As repercussões clínicas des-
sas alterações, na maioria dos casos, são pouco expressivas, mas, em seu conjunto, podem ad-
quirir importância para a compreensão e o manejo de sintomas e para a previsão de alterações na
farmacocinética de diversas medicações.

No processo de envelhecimento do esôfago a musculatura pouco se altera, porém há alteração


da motilidade esofagiana, por progressiva e importante redução da sua inervação intrínseca. O
conjunto desta mudança na motilidade é chamada de “presbiesôfago”. Por isso, ocorrem distúr-
bios do esfíncter inferior e contrações não propulsivas em cerca de 45% das deglutições. Pode
também apresentar diminuição da pressão de repouso, alterações de sincronia e magnitude do
relaxamento do esfíncter superior, que podem causar disfagia alta. Há aumento da incidência
de contrações não peristálticas (assincrônicas). Apesar dessas alterações, é controverso se elas
apresentam repercussões clínicas isoladamente. Por este motivo, todo idoso com disfagia deve
ser investigado para patologias esofágicas e apenas após investigação completa o problema pode

Capítulo 7 113
ser atribuído apenas ao envelhecimento. É recomendável que a administração de medicamentos
via oral, mesmo nos idosos assintomáticos, seja feita na posição ortostática.

Com relação ao estômago, ocorre discreta a moderada elevação do tempo de esvaziamento gás-
trico, principalmente para líquidos, o que pode alterar a absorção de fármacos sensíveis ao meio
ácido (por ex.: cetoconazol, fluconazol e tetraciclinas). Uma importante alteração é a redução
da produção de ácido clorídrico (hipocloridria) pela redução do número de células parietais. Tal
fator leva à diminuição da absorção de ferro. Há também diminuição da produção de fator intrín-
seco, o qual é necessário para absorção de vitamina B12. Ocorre declínio na produção do muco
protetor gástrico, do bicarbonato, do sódio, da secreção não parietal e das prostaglandinas na
mucosa gástrica, como também redução da capacidade regenerativa, favorecendo, em conjunto,
o aumento da prevalência das doenças pépticas.

No envelhecimento do pâncreas há diminuição da massa pancreática (60g para 40g na nona dé-
cada); dilatação do ducto de Virchow e proliferação do epitélio ductal e formação de cistos. Há o
achado de fibrose e lipoatrofia focal e aumento da densidade do parênquima. Funcionalmente,
há redução da secreção de lipase e bicarbonato. Apesar disso, a reserva funcional do pâncreas
é muito grande, não havendo descrições de repercussões clínicas apenas pelo envelhecimento.

No fígado, observa-se, anatomicamente, a redução do volume de cerca de 30 a 40% da segunda


para nona década de vida. O fluxo sanguíneo torna-se reduzido em cerca de 35%. Na atividade
sintética, ocorre redução da síntese e secreção de albumina (até 20%) e colesterol. Há também di-
minuição da produção de ácidos biliares e aumento da secreção de alfa-ácido glicoproteínas. As
alterações da albumina e glicoproteínas interferem na farmacocinética de alguns medicamentos
como fenitoína, antipsicóticos (ligados à albumina), lidocaína e propranolol (ligados a glicopro-
teínas). Quanto à função de metabolização de medicamentos, ocorre redução de 5 a 30% da Fase
I (ação de enzimas mono-oxigenase microssomais, incluindo citocromo P-450), com diminuição
da metabolização de substâncias como os benzodiazepínicos.

No intestino delgado, observa-se redução da superfície mucosa, das vilosidades intestinais e do


fluxo esplâncnico. Não há alterações no tempo de trânsito intestinal, porém podem ocorrer alte-
rações da motilidade, permitindo a hiperproliferação bacteriana, que é uma das causas de perda
de peso nos idosos. A função absortiva pouco se altera. Pode haver discreta diminuição na absor-
ção de lípides, especialmente em sobrecarga de ingesta. Há descrição de redução de absorção de
alguns micronutrientes (vitamina D, ácido fólico, vitamina B12, cálcio, cobre, zinco), porém com
significância clínica duvidosa na senescência.

No cólon, observa-se redução dos neurônios do plexo mioentérico, tornando o idoso mais sus-
ceptível à constipação. As alterações morfológicas e biomecânicas do cólon observadas são a di-
minuição da resistência da parede e pressão intraluminais elevadas (criadas devido a alterações
do plexo), que favorecem o surgimento da doença diverticular. Em consequência, ocorre exposi-
ção prolongada a agentes carcinogênicos e aumento da incidência de neoplasias.

Por fim, relativo ao envelhecimento do reto e ânus, ocorrem alterações da musculatura do es-
fíncter externo, como espessamento e alterações do colágeno, redução da força muscular e
diminuição da capacidade de retenção fecal voluntária, que aumentam a incidência de incon-
tinência fecal.

114
3. Cavidade Oral
A avaliação da cavidade oral do idoso nos permite identificar tanto as alterações próprias do en-
velhecimento, quanto as doenças, que tem impacto sobre a qualidade de vida e influenciam a
manutenção do estado nutricional.

Há numerosas condições e doenças que afetam a cavidade oral nas pessoas idosas. Muitas são
facilmente passíveis de prevenção e de tratamento.

Uma das principais alterações em relação à saúde bucal é a perda dos dentes. A perda dentária é
evitável no processo do envelhecimento. As maiores causas de perda dentária são a doença pe-
riodontal, o tabagismo e a osteoporose.

No envelhecimento normal há diminuição do fluxo e da qualidade da saliva, levando a maior


risco de proliferação de leveduras e doença periodontal. Devemos atentar a medicamentos, como
os de efeito anticolinérgicos, que causam xerostomia. Em alguns casos podemos utilizar saliva
artificial. Nos casos graves, como pós radioterapia, podem ser necessários secretagogos como
pilocarpina e carbacolina. A mastigação não se altera com envelhecimento, somente se há inade-
quada saúde bucal e edentulismo. Sintomas como estomatodínea e glossodínia podem ser pro-
vocados por deficiência vitamínica (Complexo B), anemias, síndrome “sicca”, candidíase e medi-
camentos (clorpromazina, tioridazida, carbamazepina, colchicina, metotrexate). A infecção por
Candida albicans é uma condição frequente nos idosos desnutridos, com diabetes descompen-
sado ou em outras condições de imunossupressão. O tratamento é feito com nistatina oral por 2
semanas, associada ao fluconazol ou cetoconazol a depender da gravidade e imunidade basal do
paciente. Por fim, a neoplasia cavidade oral tem como fatores de risco o álcool e o tabagismo. O
carcinoma de células escamosas é o tipo mais comum.

4. Avaliação da síndrome dispéptica no idoso


A dispepsia define um conjunto de sintomas referentes ao trato gastrintestinal superior, tais
como dor ou desconforto na região epigástrica do abdome. Este desconforto, por sua vez, pode
ser caracterizado pelas sensações de plenitude epigástrica, empachamento ou distensão do ab-
dome, que ocorrem mais no período pós-prandial. Esse desconforto pode, ainda, ser caracteriza-
do por saciedade precoce, ou por sintomas mais bem definidos, como azia ou náuseas.

A dispepsia pode ser classificada como orgânica ou funcional. A primeira ocorre quando existem
causas orgânicas diagnosticadas por métodos objetivos, enquanto a segunda ocorre quando nos
métodos diagnósticos, incluindo a endoscopia digestiva alta, não são identificados processos que
justifiquem os sintomas. Uma observação relevante é de que, no entanto, a maioria das gastrites
endoscópicas não tem correlação clínica, pois é observada nos indivíduos assintomáticos.

A classe mais comum, com base em investigação endoscópica para a população geral, é a dispep-
sia funcional (60%), seguida pela úlcera péptica (15 a 25%), esofagite por doença do refluxo (5 a
15%) e neoplasias de esôfago e estômago (< 2%).

Capítulo 7 115
Nos idosos, há aumento da prevalência de sintomas dispépticos, embora não se conheça dados
muitos específicos para faixas etárias avançadas. Sabe-se que a incidência de doenças do trato
gastrintestinal é maior após os 60 anos. Os sintomas dispépticos nos idosos muitas vezes são
subestimados; diante da multiplicidade de doenças concorrentes atribui-se frequente e inadver-
tidamente o aparecimento destes sintomas ao uso de múltiplas drogas ou à introdução de um
novo medicamento.

Quadro 1: Causas de dispepsia orgânica em idosos

Doença péptica ulcerosa Hérnia de hiato


Gastropatia por AINE Doença celíaca
Esofagite por DRGE Neoplasias gástricas, intestinais e esofágicas
Gastrite, duodenite Isquemia mesentérica
Hérnia de hiato Colecistopatia calculosa
Doença celíaca Neoplasias gástricas, intestinais e esofágicas
Isquemia mesentérica

Fonte: FREITAS, E.V.; PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia, 4ed. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara Koogan; 2016. p. 719

Na avaliação da síndrome dispéptica no idoso, uma história clínica detalhada deve fornecer
orientação diagnóstica para causa orgânica ou funcional. Questionamentos sobre transgressões
dietéticas, estilo de vida, uso de álcool, ingestão de AINE, história prévia de doença ulcerosa
péptica, cirurgia gástrica e história familiar de câncer gástrico são fundamentais. A criteriosa
identificação da idade e de sinais e sintomas de alarme é de extrema importância e são conside-
rados preditores de doença orgânica (Quadro 2).

Quadro 2: Sinais e sintomas de alarme para pacientes com dispepsia

Idade > 55 anos com início recente de sintomas Disfagia ou odinofagia


Perda involuntária de peso Cirurgia gástrica prévia
História familiar de câncer gástrico Massa epigástrica
Vômitos persistentes Icterícia
Sangramento gastrintestinal Anemia sem causa definida
Resposta insatisfatória a tratamento empírico

Fonte: FREITAS, E.V.; PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia, 4ed. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara Koogan; 2016. p. 720

A endoscopia digestiva alta (EDA) é o exame de maior sensibilidade e especificidade diagnóstica,


pois tem visão direta de possíveis lesões e permite coleta de material para análise histopatoló-
gica. O tratamento geralmente é realizado de forma empírica antes de proceder à EDA. No caso

116
de idosos que, apesar de dispepsia de início recente, tenham antecedentes familiares de câncer
gástrico, ou que sejam provenientes de países onde é alta a prevalência de neoplasias gastrintes-
tinais, a abordagem diagnóstica deve ser individualizada, prevalecendo, naturalmente, maior
liberalidade na indicação da EDA.

5. Doença do refluxo gastroesofágico


É uma entidade clínica que costuma ser mais grave no idoso, porém com quadro clínico menos
exuberante dadas as alterações próprias do envelhecimento, a maior associação de comorbida-
des, a maior incidência de hérnias de hiato e a alta prevalência do uso de medicamentos que
alteram a função esofágica ou retardam o esvaziamento gástrico.

O quadro clínico típico é de pirose e regurgitação. Já os sintomas atípicos podem ser: dor torácica
sem doença coronariana, asma, tosse crônica, bronquite, pneumonias de repetição, rouquidão,
pigarro, laringite, sinusite crônica, otalgia, halitose e aftas. Os sinais de alarme são: disfagia,
odinofagia, perda de peso e anemia.

A complicação mais temida é o desenvolvimento do esôfago de Barret, ou seja, a substituição do


epitélio escamoso estratificado por colunar. Nesse caso, o paciente deve ser acompanhado com
biópsias anuais. Se apresentar displasia leve, deverá ter EDA repetida semestralmente; já se apre-
sentar displasia de alto grau, considerar intervenção cirúrgica ou acompanhamento trimestral.

O diagnóstico é clínico, confirmando com teste terapêutico. Quando a idade é maior de 50 anos,
os sintomas existem há mais de 5 anos ou há sinais de alarme ou sintomas atípicos, deve-se rea-
lizar endoscopia digestiva alta (EDA). Pode ser considerada a realização de pHmetria de 24 horas
nos casos de EDA normal ou duvidosa.

Para o tratamento, iniciar orientando medidas comportamentais que são: elevação da cabeceira
em 15cm (colocar calço nos pés da cama e não somente elevação com travesseiros), evitar ingesta
de líquidos ao dormir, recomendar perda de peso se necessário, aguardar 2 horas para deitar após
as refeições, evitar alimentos gordurosos e álcool, evitar roupas apertadas, cessar tabagismo,
evitar ou substituir drogas que reduzam tônus do esfíncter esofágico inferior (anticolinérgicos,
beta agonistas, bloqueadores canais de cálcio, nitrato, diazepam, narcóticos e teofilina).

Para a terapia farmacológica, os inibidores da bomba de prótons (IBP) são as drogas de escolha
nos idosos devido à maior potência de controle da secreção ácida, maior capacidade de cicatri-
zação da esofagite, dose única e baixo risco de interação medicamentosa. A opção inicial é o
omeprazol 40mg por 4 a 12 semanas; se não houver resposta, pode-se dobrar a dose por 12 sema-
nas. Os inibidores receptores H2 têm menor efetividade, além de interferirem na metabolização
de medicações pelo citocromo P-450 (varfarina, teofilina, fenitoína). Os procinéticos devem ser
usados com cautela, devido aos potenciais efeitos adversos (por ex.: metoclopramida e parkinso-
nismo; domperidona e ginecomastia ou arritmias). Os antiácidos promovem alívio dos sintomas,
mas o efeito é de curta duração e há riscos de sobrecarga salina, constipação, diarreia. O sucral-
fato gera efeito protetor de mucosa, mas seu benefício é limitado.

Capítulo 7 117
6. Gastrites
A gastrite crônica está subdividida em duas categorias: tipo A (localizada no corpo gástrico) e
tipo B (localizada no antro).

No primeiro tipo, a produção de ácido gástrico está diminuída por destruição das células pa-
rietais com consequente redução da produção de fator intrínseco, podendo gerar deficiência na
absorção de vitamina B12 e subsequentes anormalidades neuro-hematológicas. O segundo tipo
de gastrite está associado à infecção pelo H. pylori, é o tipo de gastrite mais comum e altamente
prevalente acima de 70 anos, chegando a atingir até 100% dos idosos de baixo nível socioeconô-
mico. Inicialmente superficial, pode evoluir para gastrite atrófica por atingir camadas mais pro-
fundas e estender-se para o corpo e fundo. O estágio final é a atrofia gástrica com a mucosa fina
e destruição glandular, podendo haver alterações morfológicas tipo metaplasia intestinal, que é
um fator predisponente para o câncer gástrico.

Na fisiopatologia da gastrite por hipocloridria, encontram-se reduzidos a secreção de pepsina


gástrica, além dos fatores protetores da mucosa, como as proteínas citoprotetoras (trefoil pro-
tein-TFF2), a produção de bicarbonato, o fluxo sanguíneo local, a produção de prostaglandina e
a regeneração epitelial, favorecendo o aparecimento de úlceras gástricas por anti-inflamatórios
não esteroides (AINE).

O diagnóstico é endoscópico. O tratamento será abordado no próximo tópico.

7. Doença ulcerosa péptica


A principal causa de dispepsia nos idosos são as úlceras pépticas gastroduodenais. A incidência
de úlceras aumenta com a idade particularmente nos homens. A incidência de sangramento por
úlcera péptica é 13 vezes maior nos indivíduos com mais de 70 anos em comparação com aqueles
com menos de 40 anos.

A doença ulcerosa péptica (DUP) está associada a dois fatores principais: infecção por Helicobac-
ter pylori; e o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). Existem também outros mecanis-
mos definidos para a DUP que são muito menos comuns, mas são mais evidentes à medida que a
prevalência de H. pylori diminui nos países desenvolvidos.

A prevalência de H. pylori tanto na população em geral quanto nos pacientes com úlcera péptica
está diminuindo rapidamente nas regiões desenvolvidas, presumivelmente devido à melhora
da higiene e à diminuição da transmissão da bactéria na primeira infância. As baixas taxas de
reinfecção após a cura de H. pylori também refletem a queda na prevalência da infecção por esta
bactéria. Em contraste, as taxas de prevalência e reinfecção permanecem altas nas regiões onde
a higiene e as condições socioeconômicas não mudaram. Além disso, a população urbana empo-
brecida e as populações rurais geralmente têm uma prevalência muito maior de H. pylori, embo-
ra observe-se que esta situação também mudando.

A taxa de infecção por H. pylori nos idosos, entretanto, vem crescendo, com relatos de taxas
superiores a 70% nos portadores de doenças gastrintestinais e cerca de 60% nos idosos assinto-
máticos. Desses, entre 10 e 20% desenvolverão doença ulcerosa péptica e em torno de 1% apre-
sentará câncer gástrico ou linfoma MALT.

118
O aumento da prevalência desta bactéria nos idosos não parece resultar no aumento das taxas de
úlceras gastroduodenais, mas está associado a maior risco de anemia perniciosa e linfoma gás-
trico. Dois pontos são de importância crítica tanto na discussão de causas quanto na avaliação de
pacientes com úlceras pépticas:

1. H. pylori pode ser difícil de diagnosticar em alguns pacientes. Testes sorológicos falsos
negativos ocorrem em pelo menos 10% dos pacientes. Isso pode ocorrer após o uso de anti-
bióticos e IBP. Da mesma forma, o sangramento gastrointestinal agudo diminui a sensibi-
lidade do teste da urease.

2. O uso de AINEs é causa muito comum de úlceras refratárias e complicadas.

Uma metanálise apontou que o risco de úlcera péptica em portadores de H. pylori em uso de
AINE é 61 vezes maior que em pacientes sem infecção por H. pylori e não usuários de AINE (Ciz-
giner et al., 2014).

A aspirina também aumenta o risco de úlcera péptica. A aspirina revestida entérica é projetada
para resistir à desintegração no estômago, dissolvendo-se no ambiente mais neutro a alcalino do
duodeno. Embora a aspirina com revestimento entérico diminua os sinais endoscópicos de lesão
gastroduodenal, o mesmo não se observa com a aspirina tamponada.

Para o tratamento da DUP, os inibidores da bomba de prótons (IBP) curam úlceras gastroduode-
nais mais rapidamente do que os antagonistas dos receptores H2. Uma metanálise comparando
a cicatrização de úlceras duodenais identificou que 20mg de omeprazol todas as manhãs durante
quatro semanas era superior a 300mg de ranitidina e 800mg de cimetidina, ambos administra-
dos na hora de dormir. Do mesmo modo, outra metanálise mostrou que 30mg de lansoprazol
todas as manhãs curaram significativamente melhor úlcera do que 300mg de ranitidina e 40mg
de famotidina. O pantoprazol e o rabeprazol se revelaram mais eficazes na cicatrização de úlcera
em comparação com antagonistas de H2. A duração ideal da terapia com IBP deve ser de quatro
semanas para úlcera duodenal aguda e oito semanas para úlcera gástrica. Os IBP também são
eficazes para a prevenção primária de úlceras associadas aos AINEs.

8. Considerações sobre terapia com inibidores


da bomba de prótons
Vários estudos abordaram os efeitos do uso dos IBP a longo prazo na absorção de nutrientes como
ferro e vitamina B12, embora quaisquer efeitos sejam geralmente leves e clinicamente insignifi-
cantes. A má absorção de magnésio e cálcio, entretanto, pode ser relevante, predispondo à hipo-
magnesia e à doença óssea metabólica. Em março de 2011, a Food and Drug Administration (FDA
- agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) emitiu um
alerta de segurança sobre o risco de hipomagnesemia em pacientes que estiveram em uso de IBP
a longo prazo (geralmente mais de um ano).

Capítulo 7 119
Uma metanálise que incluiu onze estudos de coorte e caso-controle examinou o risco de fraturas
associadas ao uso de IBP. O risco de fratura do quadril foi aumentado entre os usuários de IBP em
comparação com os não usuários (risco relativo 1,30, IC 95%: 1,19-1,43). Houve também um risco
aumentado de fratura da coluna vertebral (RR 1,56, IC 95% 1,31-1,85).

O papel da supressão ácida potente e os mecanismos fisiopatológicos envolvidos no aumento do


risco de C. difficile pelo uso de IBP não são claros. Três metanálises de estudos observacionais
demonstraram risco aumentado de infecções por C. difficile em pacientes tratados com IBP.

O risco de pneumonia em usuários de IBP pode estar aumentado devido a uma redução na se-
creção de ácido gástrico, permitindo que os agentes patogênicos colonizem mais facilmente o
trato gastrointestinal superior. O aumento do risco foi observado com a pneumonia adquirida na
comunidade (PAC) e também a hospitalar.

O uso prolongado dos IBP é cada vez mais visto na prática. Muitos pacientes com refluxo gastroe-
sofágico e dispepsia são mantidos continuamente em uso de IBP, mas algumas preocupações
foram expressas quanto à segurança a longo prazo desses medicamentos, bem como interações
medicamentosas potencialmente importantes. Assim, pacientes assintomáticos que não tenham
indicação precisa para uso prolongado de IBP devem ter a medicação descontinuada. Pacientes
tratados por um período de seis meses devem ser estimulados a suspender a medicação. As dire-
trizes seguintes podem ser empregadas para o desmame dos IBP:

• Pacientes com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) ou dispepsia, estando assintomá-


ticos por um período mínimo de três meses podem passar pelo desmame;

• Pacientes tratados por úlceras duodenais e gástricas agudas durante quatro a oito semanas
não requerem um desmame;

• Pacientes que recebem um IBP como parte de um curso de tratamento para H. pylori não
requerem um desmame;

• Pacientes com IBP de dose moderada a alta (por exemplo, omeprazol 40mg ao dia ou duas
vezes ao dia), devem ter a dose reduzida em 50% a cada semana até a total suspensão da
medicação.

9. Hemorragia digestiva
A hemorragia digestiva (HD) é problema comum entre os idosos. A incidência acima dos 70 anos
é 10 vezes maior que nas pessoas abaixo dos 45 anos. A hemorragia digestiva aguda deve sempre
ser classificada quanto a seu provável sítio de origem. A forma de exteriorização do sangramento
guia a propedêutica inicial, possibilitando na maioria das vezes a localização da lesão hemorrá-
gica do trato gastrintestinal.

A classificação mais recente de hemorragia digestiva aguda subdivide-se em:

a) Hemorragia digestiva alta (HDA): os sangramentos são localizados entre o esôfago e o ân-
gulo de Treitz, manifestam-se como hematêmese ou melena e, quando volumosos, como
hematoquezia;

120
b) Hemorragia digestiva baixa (HDB): são de origem colônica (após íleo distal);

c) Hemorragia digestiva média (HDM): localizadas entre o ângulo de Treitz e o íleo distal,
podendo exteriorizar-se como melena ou hematoquezia. Apresentam o sítio dos sangra-
mentos de difícil definição em até 80% dos casos.

As HDA são responsáveis por 75% dos sangramentos (principalmente por úlceras e uso de AINE),
enquanto que 25% ocorrem no tubo digestivo baixo.

A principal causa de HDA em pacientes de qualquer faixa etária é a doença ulcerosa péptica. So-
mada às esofagites e gastrites, a doença ulcerosa péptica responde por mais de 70% das admis-
sões de idosos com HDA. A fonte da hemorragia pode não ser identificada em 10 a 15% dos casos,
porque a lesão pode ser de difícil identificação (como as ectasias vasculares de antro gástrico, a
hemobilia e a fístula aortoentérica). O risco de hemorragia por úlcera de estresse está aumentado
nos pacientes com insuficiência respiratória e naqueles com coagulopatia. O estresse psicológico
associado a eventos comuns de vida não tem claramente sido associado com úlcera, e terapia de
redução ácida não está rotineiramente indicada nesta situação.

Na maioria das séries, a diverticulose é a fonte mais comum de HDB, representando até 55% dos
casos. A seguir, as causas mais frequentes são: origem anorretal (hemorroidas, fissuras anais e
úlceras retais - 6 a 16%); neoplasias (pólipos e cânceres - 3 a 11%); angiodisplasias (até 3%); doen-
ça inflamatória intestinal (2 a 4%); colite actínica (1 a 3%). Outras colites (infecciosa, associada a
antibióticos, isquêmica) podem responder por até 29% dos casos.

A HDM corresponde a 5% dos casos de sangramento digestivo. As principais causas são lesões
vasculares: angiectasias, telangiectasia hemorrágica familiar e hemangiomas.

Idosos também apresentam diferenças na apresentação clínica em relação aos mais jovens em
razão das alterações na percepção de dor com o aumento da idade. As apresentações atípicas
também são comuns, podendo ir desde anemia crônica sem sintomas gastrintestinais específi-
cos até hemorragias maciças e óbito.

Embora não existam diretrizes específicas para a condução da hemorragia digestiva no idoso,
na maioria absoluta dos casos será necessário a internação hospitalar e a avaliação endoscópica
precoce. Na HDA recomenda-se o uso de altas doses de IBP por via intravenosa nos primeiros 3
dias de tratamento (p. ex., 80mg de omeprazol em bolus, seguido por infusão contínua de 8mg/h
por 72 h).

Está indicada a testagem para H. pylori nos pacientes com hemorragia digestiva por úlcera pép-
tica, pois a erradicação da bactéria se mostrou superior à terapia apenas com IBP na prevenção
da recidiva de sangramento na doença ulcerosa. Vale lembrar que no episódio de sangramento,
a identificação da bactéria revela maior taxa de falso-negativos, sendo pertinente nova testagem
nos pacientes com pesquisa inicial negativa para H. pylori.

Capítulo 7 121
Nos últimos anos, tem crescido o uso de novos anticoagulantes orais (nACO) (dabigatrana, riva-
roxabana, apixabana) por pacientes com necessidade de anticoagulação prolongada. Há maior
risco de sangramento intestinal com dabigatrana, mas menor risco de sangramento de sistema
nervoso central, se comparada à varfarina. Quanto aos outros nACO os dados obtidos são consi-
derados insuficientes para se precisar o risco de sangramento nos idosos.

10. Câncer gástrico


No Brasil, o câncer gástrico (CG) é a segunda causa de morte por neoplasias. É a terceira neoplasia
mais incidente no sexo masculino (após as de próstata e pulmão) e a quinta no sexo feminino
(após as de mama, colo do útero, cólon e pulmão). É considerada uma doença típica do idoso, com
pico de incidência ocorrendo na sétima década de vida.

Estudos epidemiológicos mostraram prevalência mais elevada de H. pylori em pacientes com CG.
Nos idosos, a positividade dos testes para H. pylori está associada ao aumento em até 8 vezes no
risco de desenvolver CG. Adicionalmente, estudos de seguimento após estratégia de erradicação
de H. pylori relatam queda significante na incidência de CG.

Estratégias de rastreio e tratamento preventivo do H. pylori se demonstraram indicadas em áreas


de alto risco para CG, com taxas de incidência superiores a 20/100.000 habitantes (no Brasil a
incidência é menor). O mesmo vale para: (a) parentes de primeiro grau de portadores de CG; (b)
após ressecção de adenocarcinoma gástrico; (c) pacientes com pangastrite grave, gastrite atrófica
e/ou metaplasia intestinal. Recomenda-se um intervalo de 3 anos para exames endoscópicos nos
pacientes com atrofia e/ou metaplasia intestinal extensa do corpo ou do antro.

Indivíduos que têm anemia perniciosa secundária à gastrite autoimune apresentam maior risco
de tumores gástricos carcinoides e de adenocarcinoma gástrico. A anemia perniciosa, por ser
considerada condição pré-maligna, deve ser monitorada periodicamente por EDA.

Os sintomas do CG em geral são inespecíficos, como perda de peso, fraqueza ou hiporexia. Os


sintomas clássicos de saciedade precoce e dor à palpação abdominal aparecem em menos de 20%
dos pacientes. O diagnóstico confirmatório é feito por biopsia endoscópica.

O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica, apesar de apenas 15% dos pacientes terem o
tumor totalmente ressecável. A sobrevida média em 5 anos é de 20%. A ressecção e quimiote-
rapia paliativas podem dar qualidade de vida e podem aumentar a sobrevida. Não há diferença,
em comparação aos mais jovens, quanto à taxa de complicações pós-operatórias graves, como
sangramentos e infecções, tempo de cirurgia e quantidade de analgesia utilizada. A avaliação,
portanto, deve ser feita de forma individualizada, ponderando sobre o grau de funcionalidade e
comorbidades do paciente.

11. Colelitíase
Estudos epidemiológicos registram que a maioria dos cálculos biliares é assintomática, podendo
permanecer assim por várias décadas. As manifestações clínicas só ocorrem quando há maior
tensão na vesícula biliar e/ou nos ductos biliares. A colelitíase acomete mais as mulheres (relação

122
de 4:1). O estrogênio aumenta o risco de cálculos biliares de colesterol, por produzir mais secre-
ção hepática de colesterol, levando ao aumento na saturação de colesterol biliar.

Manifesta-se clinicamente com dor contínua no epigástrio ou hipocôndrio direito, em um perío-


do nunca inferior a 30 minutos, irradiando-se por vezes para a região escapular direita e/ou dor-
so. Podem ocorrer náuseas, vômitos, distensão abdominal, dispepsias e outras queixas menos
específicas.

Comumente não são necessários recursos adicionais à ultrassonografia para estabelecer o diag-
nóstico de cálculos biliares, e de um modo geral o paciente com idade avançada já tem esse diag-
nóstico confirmado desde a idade adulta. A tomografia não é muito adequada para a detecção
de cálculos, mas excelente para o diagnóstico das complicações, como abscesso, perfuração da
vesícula, do ducto biliar e pancreatite. A ultrassonografia endoscópica (USE) tem grande precisão
na detecção de cálculos do ducto biliar. Também a CPRE (colangiopancreatografia endoscópica
retrógrada) é o teste padrão para diagnóstico e extração de cálculos do ducto biliar, com eficiên-
cia nos casos de colangite aguda, por reduzir a necessidade de exploração do ducto biliar por
ocasião da colecistectomia.

A cólica biliar é a indicação mais comum de colecistectomia, visto que costuma apresentar re-
cidivas. Além disto, pessoas idosas têm risco maior de complicação de cálculos biliares e a mor-
talidade é mais elevada acima de 65 anos. A complicação mais comum da colelitíase consiste na
colecistite aguda, pela migração de cálculo biliar.

12. Constipação Intestinal


A constipação nos idosos é aproximadamente 4 a 5 vezes mais frequente do que nos adultos
jovens, acometendo 50% dos idosos com mais de 80 anos, sendo que as mulheres são mais aco-
metidas (2- 3 vezes mais que os homens).

A etiologia é bem diversa, podendo ser sintoma de diversas síndromes clínicas, entre elas as gas-
trointestinais (doença diverticular dos cólons, fissuras anais, hemorroidas, vólvulo intestinal,
tumores e síndrome do cólon irritável); as doenças metabólicas (diabetes melito, hipotireoidis-
mo, hiperparatireoidismo, insuficiência renal crônica); os distúrbios eletrolíticos (hipocalemia,
hipercalemia, hipercalcemia, hipomagnesemia) e as doenças neurológicas (AVC, Parkinson, de-
mências, tumores). Existem também as causas psicogênicas (adiar ou ignorar a defecação volun-
tariamente, depressão) e a constipação provocada por imobilidade ou por medicamentos.

Além disso, a baixa ingesta hídrica, a falta de uma dieta equilibrada (rica em frutas, verduras,
legumes) e o sedentarismo interferem de forma negativa na manutenção de um bom funciona-
mento intestinal.

Com relação às medicações constipantes, as que têm com maior potencial de provocar constipa-
ção estão no Quadro 3.

Capítulo 7 123
Quadro 3: Medicações com efeito constipante

Carbonato de cálcio
Antidepressivos tricíclicos
Anti-histamínicos
Antipsicóticos
Antiparkinsonianos / dopaminérgicos
Anticonvulsivantes
Opioides
Bloqueadores do canal de cálcio
Diuréticos não poupadores de potássio
Anti-inflamatórios não hormonais
Hidróxido de alumínio
Sulfato ferroso

Fonte: FREITAS, E.V.; PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia, 4ed. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara Koogan; 2016. p. 741

O quadro clínico é bastante heterogêneo. Queixas como redução do número de evacuações e alte-
rações da consistência fecal geralmente não são relatadas, pois os idosos as consideram próprias
do envelhecimento. Regularmente há relato de desconforto à evacuação, necessidade de ma-
nobras digitais para auxiliar a eliminação de fezes, além de sensação de evacuação incompleta.
Muitos pacientes apresentam queixas relacionadas à alteração da mobilidade gastrointestinal,
secundárias à constipação grave: sensação de esvaziamento gástrico lento, dispepsia, pirose,
náuseas e vômitos, flatulência excessiva, cólica ou distensão abdominal. Pode haver, ainda, per-
da involuntária de fezes, erroneamente confundida com incontinência fecal.

Para o diagnóstico, utilizando-se os critérios de Roma III, considera-se constipação intestinal


funcional quando há 2 ou mais dos seguintes critérios, presentes nos últimos 3 meses:

- Grande esforço durante pelo menos 25% das defecações;

- Fezes duras ou grumosas em pelo menos 25% das defecações;

- Sensação de evacuação incompleta pelo menos em 25% das defecações;

- Sensação de obstrução anorretal e/ou evacuação incompleta pelo menos em 25% das defe-
cações;

- Manobras manuais para facilitar pelo menos em 25% das defecações;

- Menos de 3 evacuações por semana.

124
Há uma regra mnemônica (“regra dos 9D”) como orientação diagnóstica e terapêutica durante a
avaliação do paciente:

Depressão Dieta inadequada Doenças degenerativas


Drogas Demência Diminuição da mobilidade
Desidratação Defecação difícil Dependência funcional

O exame clínico deve abranger a avaliação perianal e o toque retal. Exames complementares
básicos, embora úteis, normalmente têm baixa capacidade de auxílio no diagnóstico causal. A
colonoscopia é indicada nos quadros de constipação recente associada à hematoquezia, perda de
peso significativa ou quando há antecedente familiar de neoplasia. É importante ressaltar a re-
comendação de hospitalização para realização de preparo e exame de colonoscopia nos pacientes
com mais de 70 anos.

Para o tratamento, caso as medidas comportamentais não melhorem o quadro, deve-se orientar
o incremento de fibras e líquidos, sendo que esta medida já provoca remissão significativa dos
sintomas em número significativo de idosos.

Se não ocorrer resposta adequada, agregam-se laxantes osmóticos (lactulose, manitol, sorbitol,
polietilenoglicol). Dá-se preferência a esta classe pelo maior grau de resposta clínica e segurança,
se comparada a outros laxantes. Mesmo os laxativos osmóticos, todavia, apresentam potenciais
limitações, principalmente distensão e dor abdominais, flatulência e diarreia.

A constipação intestinal causa impacto significativo na qualidade de vida dos idosos e apresenta
potencial para provocar ou acelerar declínios funcionais. Medidas preventivas são importantes
para evitarmos o tratamento farmacológico destes pacientes. De forma geral, há uma boa respos-
ta com as medidas citadas anteriormente.

13. Diarreia
Define-se diarreia quando o peso e/ou o volume das fezes são superiores a 400g (mL) por dia,
ou quando há mais de 3 evacuações por dia. A queixa é corriqueira nos serviços de saúde, inde-
pendentemente da faixa etária. Classifica-se, quanto ao tempo de instalação da queixa, em três
subtipos: aguda, persistente e crônica.

A diarreia aguda é aquela que tem menos de 2 semanas de duração. Na maioria das vezes tem
etiologia infecciosa e também não definida. Os idosos, pelo próprio processo normal do enve-
lhecimento tem sua microbiota intestinal alterada. Devemos atentar aos fatores adicionais que
possam modificar esta microbiota, como a origem do paciente: domicílio, ILPI ou hospital. Ou-
tros fatores importantes de serem considerados são: fragilidade, desnutrição, imobilidade, po-
lifarmácia e padrão dietético (especialmente dietas enterais – por mecanismos relacionados a

Capítulo 7 125
osmolaridade e velocidade de infusão). Quanto ao prognóstico, a maioria é autolimitada com
resolução espontânea. Na população idosa, contudo, a diarreia aguda provoca grande número de
internações e apresenta grande potencial para óbito.

A diarréia persistente é aquela que tem mais de 14 dias e menos de 4 semanas de duração. Em
geral, é de origem infecciosa, mas que se perpetuou em decorrência de complicações múltiplas.
Os principais fatores de risco para esta condição são hábito alimentar inadequado, condições de
higiene e de habitação precárias, convívio com animais domésticos, presença de familiares/cui-
dadores com os mesmos sintomas e episódios prévios. Para o diagnóstico, alguns exames labora-
toriais são úteis: coprocultura e parasitológico de fezes, pH fecal e substâncias redutoras nas fezes
(sugerem componente osmótico se apresentarem valores menores que 6,0 e maiores que 0,5%
respectivamente), leucócitos fecais (indicam invasão da mucosa intestinal) e sangue oculto nas
fezes (indica invasão da mucosa). A pesquisa da osmolaridade fecal, pela obtenção dos eletrólitos
fecais, nos ajuda a diferenciar a diarreia osmótica de secretora. A osmolaridade fecal normal é de
290 mEq/L e é calculada pela fórmula:

OF: 2X [ valores de sódio + potássio fecais ]

Para o tratamento, a hidratação e controle dietético adequado evitam a persistência da fase agu-
da da diarreia. Mesmo sendo habitualmente de origem infectoparasitária, sugere-se limitar o uso
de agentes antimicrobianos/antiparasitários quando tais agentes são identificados nas fezes ou
se houver comprometimento do estado geral do paciente. Indica-se terapia nos casos de infecção
prolongada causada por Salmonella, Giardia, Cyclospora, Strongyloides e E. coli enteroagregativa
(este principalmente em desnutridos e imunodeprimidos). Em caso de sangue positivo nas fezes,
prescreve-se antimicrobiano para Shigella quando o agente for isolado.

A diarreia crônica é aquela que se estende por mais de 4 semanas. Este tipo é classificado pela
aparência das fezes em 3 subtipos, embora seja importante ressaltar que pode haver sobreposi-
ção dos subtipos:

a) Diarreia gordurosa ou má absorção intestinal (fezes com aspecto oleoso ou gorduroso);

b) Diarreia inflamatória (fezes com sangue e/ou pus);

c) Diarreia aquosa (fezes sem sangue ou gordura). Esta subdivide-se em: secretória (normal-
mente com alguns sinais de alarme, como ocorrência em período noturno e não há relação
com a ingesta alimentar, observada na doença de Chron, hipertireoidismo, estados pós
-operatórios); osmótica (nas intolerâncias alimentares); e por fim, funcional (nos estados
de hipermotilidade intestinal).

Para o diagnóstico diferencial da diarreia crônica deve-se solicitar exames de acordo com estes
subtipos acima e o conjunto da anamnese e suspeita clínica. História e exame físico são funda-
mentais para a diferenciação entre os subtipos. Diarreia há pelo menos 3 meses, principalmente
durante a noite, associada a perda significativa de peso, sugere origem secretória e secundária a
doença orgânica, como hipertireoidismo ou doença de Crohn. Exame físico normal indica Sín-
drome do Cólon Irritável, assim como esteatorreia, fezes claras e volumosas sugerem má absor-
ção intestinal.

126
Quando a diarreia é de padrão secretório, é recomendável solicitar coprocultura e parasitológico
de fezes para isolar agentes infecciosos. No padrão osmótico, o exame de pH fecal é valido (se
ácido, sugere má absorção a carboidratos). Já quando o padrão é gorduroso, para confirmar solici-
ta-se pesquisa de gordura nas fezes (pesquisa qualitativa e não quantitativa) e pode ser solicitada
função pancreática sérica quando há suspeita de pancreatite crônica. Já nas diarreias de caracte-
rísticas inflamatórias, os principais exames são: pesquisa de sangue/pus nas fezes, colonoscopia
ou retossigmoidoscopia, pesquisa de toxina A e B de Clostridium difficile (quando houver históri-
co de uso de antibióticos). A diarreia com sinais de alarme, como perda de peso e anemia, pode
ser também provocada por neoplasias, estando indicada a investigação por colonoscopia.

O tratamento divide-se em fase de suporte e farmacológica. O suporte inclui medidas educativas


quanto ao padrão dietético e medicamentoso. Já para o tratamento farmacológico podem serem
usados: inibidores de motilidade e de secreção intestinal (loperamida e difenoxilato), formado-
res de massa fecal (caolim – pectina), antissecretórios (análogos da somatostatina), sequestrado-
res de ácidos biliares (em caso de suspeita de diarreia secundária à colecistectomia). Justifica-se
o uso de antibiótico empírico em locais de alta prevalência de infecções bacterianas, como hos-
pitais e em ILPI.

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Capítulo 7 129
CAPÍTULO

Epilepsia e Parkinsonismo no Idoso


Prof. Dr. André Felício
Epilepsia e Parkinsonismo no Idoso
Prof. Dr. André Felício

Epilepsia no idoso

1. Introdução
A epilepsia é a doença neurológica crônica mais prevalente. Por sua característica de dispersão
em qualquer faixa etária, este é um problema relevante na prática médica como um todo. A senes-
cência é talvez o momento mais comum em que se desenvolve epilepsia. Existem diversas causas
nesta faixa etária, epilepsias ditas primárias e secundárias. Vamos rever o conceito mais atual da
classificação das crises e epilepsias.

De uma maneira simplificada as crises são divididas em 4 tipos:

• Início focal;

• Início generalizado;

• Desconhecido;

• Não-classificado.

As crises de início focal são separadas em perceptivas ou disperceptivas (conforme a presença ou


não de estreitamento do conteúdo da consciência), de início motor ou não motor e, ainda, focais
evoluindo para tônico-clônica bilateral.

Já as crises de início generalizado são divididas em motoras (tipo tônico-clônicas ou outras mo-
toras) e não motoras (ausências).

Aquelas de início desconhecido são separadas em motoras (tipo tônico-clônicas ou outras moto-
ras) e não motoras (parada comportamental).

Por fim, existem as não classificadas que não têm subdivisão.

Em relação às mudanças na classificação dos tipos de crises epiléticas de 1981 para a de 2017 po-
demos notar que:

1. Mudança de “parciais” para “focais”;

2. Alguns tipos de crises podem ser de início focal, generalizado ou desconhecido;

3. Crises de início desconhecido podem ter características que ainda podem ser classificadas;

4. A percepção é utilizada como classificador em crises focais;


5. Os termos discognitivo, parcial simples, parcial complexa, psíquica, secundariamente
generalizada foram eliminados;

6. Novos tipos de crises focais incluem automatismos, autonômicas, parada comportamental,


cognitivas, emocionais, hipercinéticas, sensoriais e focais evoluindo para crises tônico-
clônicas bilaterais. Crises atônicas, clônicas, espasmos epiléticos, mioclônicas e tônicas
podem ter início focal ou generalizado;

7. Novos tipos de crises generalizadas são: ausências com mioclonias palpebrais, ausências
mioclônicas, mioclono-atônicas, mioclono-tônico-clônicas, espasmos epiléticos.

A importância prática de classificar uma crise está em facilitar a determinação de sua etiologia e
tratamento.

Vejamos abaixo:

Um idoso de 72 anos, previamente hígido, tem 3 episódios de crises convulsivas de início focal
em um intervalo de 3 meses. As crises não foram precedidas de alteração de consciência. Todos
os 3 episódios se caracterizaram por clonias na face à E e braço ipsilateral, com duração máxima
de 40 segundos. Este idoso está perdendo peso e tem queixas de prostatismo. Exame físico geral
e neurológico são normais.

Em uma situação como a descrita acima, após classificar estas crises como “de início focal” e
avaliar a questão do emagrecimento e sintomas prostáticos, é necessário pensar que uma das
prováveis etiologias para crises de início focal neste contexto poderia ser metástase de um cân-
cer prostático, como na figura abaixo:

Figura 1: Ressonância magnética revelando 3 casos diferentes de metástases cerebrais

Fonte: http://www.mdpi.com/1422-0067/15/6/10508/htm

Capítulo 8 133
Por outro lado, do ponto de vista terapêutico, sabemos que antiepiléticos como carbamazepina
são excelentes drogas para crises de início focal, em detrimento de ácido valproico, cuja indica-
ção maior são nas crises de início generalizado.

2. Crise convulsiva e epilepsia


Todo paciente com epilepsia teve pelo menos uma crise convulsiva em sua vida e tem predispo-
sição persistente para um novo evento, seja porque há um substrato anatômico para tal (lesão
tumoral, vascular, sequela de trauma ou esclerose mesial hipocampal), seja porque há história
familiar/genética.

Assim, um idoso que tem hipoglicemia, hipo ou hipernatremia, quadros agudos de desidratação,
infecções sistêmicas e que desenvolve uma crise neste contexto não terá, por definição, epilep-
sia, mas sim o que se chama de “crise provocada”. Crise provocada é tratada primariamente a
partir da correção da causa de base. Os antiepiléticos podem ser utilizados, mas em geral por
volta de seis meses.

3. Manejo das crises convulsivas no idoso


Perante a suspeita de primeira crise convulsiva de um idoso, devemos investigar se o que ocorreu
foi, de fato, uma crise ou não. Se sim, será necessário investigar com exame de imagem cerebral.
Caso contrário, devemos tratar este evento não epilético paroxístico de acordo com a causa de base.

Em segundo lugar, determinar se é realmente a primeira crise ou se há história de recorrência.


Depois classificar as crises e, por último, tratá-las.

Muitos eventos não epiléticos paroxísticos podem fazer diagnóstico diferencial com crise epilép-
tica nos idosos, por exemplo:

A. Ataque isquêmico transitório;

B. Amnésia Global Transitória;

C. Síncope vasovagal;

D. Arritmias cardíacas;

E. Hipoglicemia/hiponatremia/hipocalemia.

Assim, a tarefa de coletar uma boa história e fazer um bom exame físico geral e neurológico são
determinantes. Não podemos deixar de observar:

A. Nível e conteúdo da consciência;

B. Movimentação ocular extrínseca;

134
C. Pupilas;

D. Força;

E. Marcha;

F. Sensibilidade;

G. Reflexos profundos e cutâneo-plantar;

H. Sinais de irritação meningorradicular.

4. Tratamento farmacológico das crises


convulsivas no idoso
No idoso, questões de natureza farmacocinética e farmacodinâmica precisam ser levadas em
conta quando da escolha de uma droga antiepilética. Do ponto de vista farmacocinético, por
exemplo, sabemos que há uma redução do metabolismo hepático, da ligação de drogas com pro-
teínas e da excreção renal. Isto leva, portanto, a uma maior chance de intoxicação. Já do ponto
de vista farmacodinâmico, existem alterações em neurotransmissores, nos receptores cerebrais
e mecanismos de homeostase que levam as drogas a funcionar de maneira inadequada.

Veja na Tabela 1, as principais características das drogas antiepiléticas e suas implicações nos
idosos.

Capítulo 8 135
Tabela 1: Drogas antiepiléticas e suas vantagens e desvantagens em relação a pacientes idosos

Dose mínima
Droga/Mecanismo ação Prós Contras
terapêutica
Fenobarbital Baixo custo Sedação
Amplo espectro Indutor enzimático
Bloqueador sódio/ 100mg
GABAérgico Comprometimento
Dose única
cognitivo
Fenitoína Tontura
Baixo custo Indutor enzimático 100mg 3 x dia
Bloqueador de sódio
Reação alérgica cutânea
Carbamazepina Hiponatremia
Padrão-ouro crise
Indutor enzimático 200mg 3 x dia
Bloqueador de sódio focal
Reação alérgica cutânea
Ácido Valproico Hepatotóxico
Padrão-ouro crise Inibidor enzimático
500mg 3 x dia
Agonista GABAérgico generalizada
Tremor

Topiramato
Perda de peso
Bloqueador sódio/
Nefrolitíase
GABAérgico Amplo espectro 100mg
Comprometimento
Bloqueador cálcio
cognitivo
Antagonista glutamato
Lamotrigina
Amplo espectro 50mg 2 x dia
Bloqueador sódio Titulação
Boa tolerabilidade
Bloqueador cálcio Reação alérgica cutânea
Pouca interação
Antagonista glutamato
Alterações comportamentais
Levetiracetam Amplo espectro
Elevado custo 500mg 2 x dia
Bloqueador cálcio Pouca interação
Sedação

Fonte: Organizado pelo autor

Uma regra geral no tratamento de idosos é utilizar as medicações em monoterapia e, havendo


controle parcial das crises, fazer associações racionais como carbamazepina e topiramato ou
ácido valproico e lamotrigina ou fenitoína e levetiracetam. Durante o tratamento também é im-
portante monitorar o hemograma, os eletrólitos séricos, a função hepática e renal. Dosar o nível
sérico das drogas antiepiléticas auxilia quando há controle inadequado das crises e se pensa em
pouca adesão.

Lembrar que drogas como carbamazepina, fenitoína e fenobarbital são indutoras enzimáticas e
diminuem o nível sérico de outras medicações. São também drogas que levam à perda mineral
óssea. Logo, é necessário monitorar os níveis de cálcio e de vitamina D. Por outro lado, o ácido
valproico é um grande inibidor enzimático e pode aumentar o nível sérico de outras medicações,
como anticoagulantes, sendo necessário ajustes.

136
5. Conclusões
A epilepsia é comum nos idosos e particularidades nesta população como efeitos adversos das dro-
gas antiepilépticas, mecanismos de ação, questões de natureza farmacocinética e farmacodinâmi-
ca devem ser levadas em consideração. Finalmente, lembrar de procurar diagnósticos diferenciais
de crises epiléticas e procurar o melhor manejo possível para um completo controle das crises.

Parkinsonismo no Idoso

1. Introdução
O parkinsonismo no idoso é um problema bastante comum, seja no contexto da doença de Par-
kinson, seja no contexto de outras doenças neurodegenerativas como os parkinsonismos atípi-
cos e o parkinsonismo medicamentoso. Os sinais cardinais que compõem uma síndrome parkin-
soniana são a bradicinesia, a rigidez, o tremor de repouso e a instabilidade postural.

2. Doença de Parkinson versus síndrome parkinsoniana


Para o diagnóstico da doença de Parkinson é necessário a presença de bradicinesia e de pelo me-
nos um dos outros 3 sinais cardinais. Assim, o elemento principal no diagnóstico de Parkinson
é a lentidão dos movimentos, com decremento e hesitações, testado no exame físico pelas ma-
nobras: abrir e fechar as mãos, bater os pés, abrir e fechar o dedo indicador com polegar, bater a
ponta do pé ao chão com calcanhar fixo. Mas o elemento mais importante no exame físico de um
paciente com suspeita de uma síndrome parkinsoniana é a marcha.

A marcha parkinsoniana é o cartão de visitas deste paciente. Demonstra os passos curtos, pode
ocorrer festinação e congelamentos, a postura pode estar fletida, existe diminuição do balanço
dos braços e o equilíbrio pode estar claramente prejudicado, inclusive com quedas espontâneas.
Finalmente, durante a marcha também é possível avaliar o tremor de repouso.

A doença de Parkinson é lentamente progressiva, assimétrica, com a cognição preservada no


início, sendo as alterações axiais (equilíbrio) mais tardias. Assim, é importante conhecer carac-
terísticas desta doença e saber o que não se trata de doença de Parkinson. Vamos a um exemplo.

3. Estudo de Caso
Trata-se de uma senhora que veio com o filho advogado para uma “segunda opinião sobre sua
doença de Parkinson”.

Capítulo 8 137
Identificação e História Patológica da Moléstia atual: N.C.T., sexo feminino, 73 anos, branca,
aposentada, trabalhava como bibliotecária, procedente de Goiânia/GO e atendida em São Paulo/
SP em 30 de novembro 2015. Há 3 anos diagnosticada com doença de Parkinson (final de 2012).
Na ocasião tinha dificuldade para movimentar-se e não se observava um lado do corpo pior que o
outro. Os sintomas evoluíram rapidamente e há 1 ano está em cadeira de rodas dependente para
andar, fazer higiene pessoal e alimentar-se. A fala ficou mais baixa e as frases mais curtas. Tem
dificuldade grave de deglutir e sialorreia. Não responde a 1g de levodopa.

Interrogatório sobre os diversos aparelhos: cognição preservada; olfato preservado (sic); humor
deprimido; tem dificuldade para alimentação ingerindo apenas comida pastosa; sialorreia; in-
continência urinária (usa fraldas); constipação intestinal; fica “tonta” e “mole” toda vez que é
levantada da cama (hipotensão postural).

Antecedentes pessoais: hipotireoidismo; infecções urinárias de repetição (ITU) e broncopneu-


monia (BCP) de repetição. Em 2015 já teve 4 ITU’s e 2 BCP’s broncoaspirativas.

Medicações: ProlopaR DR 200/50 1cp 4 x dia; StalevoR (levodopa/carbidopa/entacapone) 50 1cp 4


x dia; Selegilina 5mg cedo; Domperidona 1cp 4 x dia; Fludrocortisona 0,1mg cedo; AdderaR (vita-
mina D) 7000 U/semana; PristiqR (desvenlafaxina) 100mg.

Tratamento não-farmacológico: fisioterapia e fonoaudiologia.

Hábitos de vida: ex-tabagista, parou há > 20 anos. Nega uso de álcool.

Antecedentes familiares: irmão com esquizofrenia.

Ao exame: PA 200x110 mmHg deitada / PA 80x60 mmHg de pé / FC89 / Ritmo regular em 2 tem-
pos, bulhas normofonéticas, sem sopros. Presença de disartria e disfonia grave / disfagia gra-
ve. Rigidez e bradicinesia graves bilateralmente e simétricos. Distonia em membros inferiores
(MMII) e membro superior direito. Provas cerebelares sem alterações em membros superiores.
Não testada em MMII. Equilíbrio não testado. Paciente não fica de pé. Reflexos presentes e nor-
moativos. Cutâneo plantar em flexão.

Figura 2: RM de crânio revelando sinal hipointenso em SE-T2 simetricamente disposto nos aspectos laterais dos
putamina, indicativo de deposição de minerais, desproporcionalmente maior do que nos globos pálidos e mais
acentuado em relação ao padrão habitualmente observado no grupo etário. No contexto clínico, pode ser compatível
com a possibilidade de afecção de natureza degenerativa (atrofia de múltiplos sistemas, forma parkinsoniana)

Fonte: Arquivo pessoal do autor

138
O caso acima exemplifica um quadro clássico de parkinsonismo atípico, identificado pela his-
tória e exame físico. Dentre os sinais de alarme na história acima, os que fazem o médico não
pensar na doença de Parkinson são:

1. Parkinsonismo simétrico desde o início: a doença de Parkinson típica tem um quadro clí-
nico assimétrico, com sintomas predominando em um lado em relação ao outro;

2. Progressão rápida dos sintomas: a paciente do caso teve uma evolução muito rápida, ne-
cessitando de cadeira de rodas e totalmente dependente para atividades de vida diária
(AVD) em menos de 5 anos. A doença de Parkinson típica evolui lentamente e, usualmente,
dificuldades graves com a locomoção ocorrem somente após 1 década.

3. Sintomas axiais: fala e deglutição são sintomas que podem estar comprometidos na doen-
ça de Parkinson típica, mas normalmente não inauguram a doença e são afetados de ma-
neira mais leve nos primeiros 5 anos.

4. Ausência de resposta a 1 grama de levodopa: a doença de Parkinson típica classicamente


responde a levodopa. Ausência de resposta a uma dose de 1 grama é um sinal de parkinso-
nismo atípico.

5. Disautonomia grave: incontinência urinária, constipação e hipotensão postural são mani-


festações da doença de Parkinson típica, mas de forma leve ou moderada. Hipotensão gra-
ve como a documentada na paciente acima sugere outro diagnóstico, como por exemplo,
parkinsonismo atípico.

6. Distonia: distonia fixa, que não ocorre no contexto do período off da levodopa indica a ne-
cessidade de investigar outra causa de parkinosnismo.

4. Sintomas pré-motores da doença de Parkinson


À época do diagnóstico clínico da doença de Parkinson, baseado nos sinais motores cardinais,
cerca de 60% dos neurônios dopaminérgicos da substância negra mesencefálica já estão mortos.
Isto ocorre porque esta doença, em realidade, inicia-se muito antes, às vezes décadas antes, dos
sintomas motores como bradicinesia e tremor de repouso.

Existem, portanto, sintomas conhecidos como não motores e que podem anteceder ou coexistir
com a doença de Parkinson. Em algumas vezes, estes sintomas podem ser até mais incapacitan-
tes do que os sintomas motores. Abaixo, vamos discutir alguns destes sintomas.

Capítulo 8 139
Alterações do trato gastrointestinal

A constipação intestinal, embora seja um sintoma muito comum na população geral, é uma das
manifestações não motoras que antecedem o diagnóstico clínico da doença de Parkinson e pode
estar presente em até 80% dos casos. O tratamento destes sintomas segue, em geral, as recomen-
dações usuais a portadores de constipação intestinal crônica que inclui: ingestão de mais líqui-
dos, atividade física, dieta rica em fibras e laxativos com fibras solúveis ou osmóticos.

Alterações do olfato

Acredita-se que um dos primeiros sintomas da doença de Parkinson, décadas antes dos sinto-
mas motores, seja justamente a alteração de olfato, normalmente caracterizada por hiposmia ou
anosmia. Ocorre, entretanto, que este órgão do sentido não é tão apurado no ser humano como a
visão, por exemplo, e muitos outros problemas alteram por si só o olfato (tabagismo, trauma cra-
nioencefálico, doenças das vias aéreas superiores), tornando muitas vezes difícil sua avaliação.
Uma particularidade interessante da alteração de olfato no Parkinson é que ela pode servir como
auxílio no diagnóstico diferencial entre esta e outras doenças. Tanto no tremor essencial quanto
no parkinsonismo medicamentoso, diagnósticos diferenciais comuns com Parkinson no idoso, o
olfato está preservado. Não há tratamento específico para esta alteração no Parkinson.

Alterações do sono

A principal alteração no sono de pacientes com Parkinson, antecedendo os sintomas motores, é o


que conhecemos por Transtorno Comportamental do Sono-REM. O sono tem 2 fases, REM e não
REM. Estas fases se alternam em ciclos, 3 a 4 vezes durante um sono normal de 7 a 8 horas. Na
fase REM do sono ocorre um fenômeno de atonia muscular e, em geral, o indivíduo sonha.

Na doença de Parkinson a pessoa é capaz de experimentar fisicamente o conteúdo, em geral vio-


lento, do sonho (na fase REM). Assim, os pacientes gritam, dão socos e chutes enquanto estão
apresentando um “pesadelo”. Em geral, isto traz problemas ao companheiro de quarto. Acre-
dita-se que 25-40% dos portadores deste transtorno poderão em algum momento desenvolver
Parkinson ou outra sinucleinopatia, como demência por Corpos de Lewy. O tratamento disto na
doença de Parkinson é com pequenas doses de clonazepan, em gotas, normalmente não mais do
que 3 a 5 gotas ao deitar.

Alterações do humor

A depressão pode ser um evento pré-clínico associado a uma maior predisposição para desenvol-
ver Parkinson. A depressão de início na terceira idade é um fator de risco conhecido para o desen-
volvimento de doenças neurodegenerativas. A depressão pode anteceder a doença de Parkinson
ou coexistir com ela, tornando-se um forte modulador negativo para a qualidade de vida destes
pacientes. Em geral, esta depressão no idoso é confundida com aspectos da própria senescência.
Deve ser, portanto, ativamente procurada.

140
O manejo da depressão na doença de Parkinson envolve o uso de drogas antidepressivas. De uma
forma prática, os duais e os inibidores seletivos da receptação da serotonina são os antidepressi-
vos mais utilizados, como duloxetina, desvenlafaxina, citalopram ou escitalopram, pelo perfil de
efeitos colaterais mais favorável.

5. Tratamento farmacológico dos sintomas motores da


doença de Parkinson
Discutiremos o tratamento para os sintomas motores da doença de Parkinson: bradicinesia, tre-
mor de repouso e rigidez, que são os que mais melhoram com as medicações e alterações do
equilíbrio, que melhoram muito pouco ou nada com as medicações.

Entre as drogas antiparkinsonianas podemos separar 3 grupos com eficácias diferentes.

Em um primeiro grupo: anticolinérgicos como biperideno e trihexifenidil, antiglutamatérgicos


como amantadina e, finalmente, inibidores da monoamino-oxidase (MAO), como a selegilina.
Este grupo, via de regra, tem um efeito modesto sobre os sintomas motores da doença de Par-
kinson, com a possibilidade de efeitos adversos como sintomas psicóticos e prejuízo cognitivo,
principalmente os anticolinérgicos. Assim, é pouco provável que após os 70 anos haja boa tole-
rabilidade a estas medicações. Entre 60 e 70 anos devem ser usados com cautela. A rasagilina,
uma outra medicação da classe dos inibidores da MAO, parece ter efeito superior se comparada
às demais citadas anteriormente.

Um segundo grupo de medicações, bem mais eficaz que o primeiro, são os agonistas dopaminér-
gicos. Neste grupo estão o pramipexol e a rotigotina. Esta classe melhora os sintomas motores
de portadores de Parkinson. Estas medicações podem provocar sonolência, além de edema de
membros inferiores e patologias de controle do impulso, como jogo patológico, hipersexualidade
e compulsão por compras.

O terceiro grupo é a classe mais eficaz no tratamento dos sintomas motores. Trata-se da levo-
dopa, sempre em associação com inibidores da dopa-descarboxilase (carbidopa na formulação
SinemetR ou ParkidopaR ou benserazida nas diferentes formulações de ProlopaR).

A Tabela 2 mostra características de cada uma das drogas mais utilizadas em Parkinson.

Capítulo 8 141
Tabela 2: Drogas antiparkinsonianas e suas vantagens e desvantagens em relação a pacientes idosos

Eficácia ao tratar Efeitos adversos em Perfil de paciente


Droga/Mecanismo ação
sintomas motores* idosos ideal para uso
Constipação/retenção
Biperideno e Triexifenidila
urinária
Jovem (< 55 anos),
Modesto Sintomas psicóticos
para o tremor
Anticolinérgico Comprometimento
cognitivo
Tratar discinesias
Amantadina Insônia
L-dopa-induzidas
Modesto
Eczema cutâneo Jovem (< 55 anos)
Antiglutamatérgico
Sintomas psicóticos em monoterapia
Insônia (com Tratar flutuação
Selegilina e Rasagilina
selegilina**) motora (rasagilina)
Modesto Sintomas psicóticos
Jovens ou idosos
Inibidores da MAO Interação
entre 60 e 70 anos
medicamentosa
Sonolência e sintomas Jovens ou idosos
Pramipexol e Rotigotina
psicóticos entre 60 e 70 anos
Edema de membros
Eficaz Auxilia no controle
inferiores
Agonista dopaminérgico da flutuação
Baixo controle do
motora
impulso
Droga de escolha se
> 70 anos
Levodopa*** Intolerância gástrica
Usar dose mínima
Precursora da dopamina Muito eficaz Flutuações motoras
eficaz
Discinesias
Usar longe da dieta
com proteína
*Bradicinesia, tremor de repouso e rigidez. Equilíbrio não melhora com as medicações acima. Considerar fisioterapia
nestes casos.
**Devido à metabolização da droga e formação de um derivado anfetamínico. Isto não acontece com a rasagilina.
***Família Prolopa R: Prolopa 200/50 (em qualquer fase), Prolopa DR 200/50 (em qualquer fase, minimizar o wearin-
g-off), Prolopa BD 100/25 (em qualquer fase), Prolopa HBS 100/25 (ao deitar, para minimizar a imobilidade à noite),
Prolopa dispersível 100/25 (para pacientes com sondas ou disfagia grave, para OFFs imprevisíveis como resgate). A en-
tacapone, droga que bloqueia a enzima COMT, é utilizada sempre JUNTO com a levodopa com o objetivo de prolongar
seu efeito. Seu principal efeito adverso é o aumento das discinesias.

Fonte: Organizado pelo autor

6. Evolução da doença de Parkinson


A evolução clínica da doença de Parkinson é conhecida e bem definida. Inicialmente, temos o pe-
ríodo pré-motor ou pré-clínico, no qual encontramos sintomas não motores como os discutidos
acima (alterações do intestino, olfato, sono e humor). Este período pode durar de 10 a 20 anos.

142
A segunda etapa da evolução do Parkinson, quando ocorre o diagnóstico, dura em geral de 3 a 5
anos e também é conhecida como período de Lua de Mel. Nesta fase, onde ainda existe relativa
reserva dopaminérgica, predominam os sintomas motores como a bradicinesia, tremor de re-
pouso e rigidez e o paciente não tem complicações do uso de medicações como levodopa.

Na terceira etapa, o período de flutuações motoras e discinesias, começam as complicações de-


correntes do uso de levodopa, inexoráveis no contexto da progressão da desnervação dopami-
nérgica. É neste momento, em geral a partir de 5 anos de diagnóstico com duração de até uma dé-
cada, que o paciente observa as flutuações motoras do tipo fenômeno on-off (quando o remédio
faz e não faz efeito) e as discinesias. Estas são divididas em:

1. Móveis, do tipo coreia ou balismo e ocorrem no pico de efeito da levodopa (período On);

2. Imóveis, do tipo distonia, dolorosas, em geral quando a levodopa não está funcionando
(período Off).

Tanto na segunda quanto na terceira etapas, a maioria dos sintomas que impactam a qualidade
de vida do paciente com Parkinson ainda responde satisfatoriamente à levodopa.

Finalmente, há o quarto período da doença, chamado de período dos sintomas axiais e cogniti-
vos, em que surgem sintomas refratários à terapia de estimulação dopaminérgica, entre eles ins-
tabilidade postural, freezing de marcha e prejuízo cognitivo (demência). A demência associada
à doença de Parkinson pode afetar até 40% dos pacientes, mas é um evento tardio, que ocorre
mais de 10 anos depois do início dos sintomas motores.

7. Demência associada à doença de Parkinson


A demência associada à doença de Parkinson é um evento bem conhecido e definido na evolução
desta enfermidade e tem diferenças marcantes com a doença de Alzheimer entre outros diagnós-
ticos diferenciais. Abaixo, segue a Tabela 3 com estas principais diferenças.

Capítulo 8 143
Tabela 3: Demência associada à doença de Parkinson, demência com corpos de Lewy
e doença de Alzheimer: principais características

Demência associada à Demência com


Doença de Alzheimer
doença de Parkinson Corpos de Lewy
Função executiva,
Função executiva,
Disfunção cognitiva atenção, percepção
atenção, percepção Memória e linguagem
(campos comprometidos) visuo-espacial. Os
visuo-espacial.
sintomas flutuam.
Alucinações visuais
Alucinações visuais e Alucinações visuais
e delírios paranoides
delírios paranoides, e delírios paranoides
Sintomas psicóticos coexistem desde
que precedem a precedem a disfunção
o início com a
disfunção cognitiva. cognitiva.
disfunção cognitiva.
A demência se inicia, A demência se inicia
em geral, 10 anos em até 1 ano do Via de regra não há
Parkinsonismo
após os sintomas início dos sintomas parkinsonismo.
parkinsonianos. parkinsonianos.
Inibidores da
Inibidores da acetilcolinesterase Inibidores da
acetilcolinesterase com com resultado acetilcolinesterase
resultado modesto. ruim. Se (donepezil, galantamina
Se necessário, preferir necessário, preferir e rivastigmina), com
Tratamento
antipsicóticos atípicos antipsicóticos resultado modesto.
nas menores doses atípicos para o Se necessário, preferir
possíveis (quetiapina e manejo. Ocorre antipsicóticos atípicos
clozapina). hipersensibilidade para o manejo.
aos neurolépticos.

Fonte: Organizado pelo autor

8. Parkinsonismo medicamentoso
Os transtornos de movimento, de uma forma geral, aumentam significativamente com a idade.
Além disto, uma situação bastante comum em nosso meio é o parkinsonismo medicamentoso ou
induzido por drogas. Dentre estas medicações destacam-se:

• Neurolépticos, especialmente os típicos como haloperidol e clorpromazina;

• Antieméticos como metoclopramida;

• Reserpina;

• Alfametildopa;

• Flunarizina;

• Cinarizina;

• Verapamil;

144
• Ácido valproico;

• Lítio.

Pela lista acima de medicações acima é fácil perceber que grande parte destes medicamentos
é comprada em nosso país sem prescrição médica. O exemplo mais típico é o de um idoso com
queixa de “tontura”, para o qual é prescrito flunarizina ou cinarizina em uso crônico, desenvol-
vendo-se o parkinsonismo.

Em geral, o parkinsonismo induzido por drogas é do tipo tremulante e, diferente da doença de


Parkinson típica, os sintomas tendem a ser mais simétricos. Assim, é fundamental fazer um in-
ventário adequado sobre as medicações que idosos estão utilizando, inclusive aquelas que são
compradas sem prescrição médica e que muitos destes pacientes sequer consideram “remédio”.

O tratamento do parkinsonismo induzido por drogas é muito simples. Basta retirar a medica-
ção desencadeante dos sintomas. A grande questão é: por quanto tempo devemos esperar para
que os sintomas desapareçam? Em geral, este tempo deve ser de, pelo menos, 6 meses. A partir
deste período, se os sintomas persistirem, é provável que o idoso tenha, coincidentemente, um
parkinsonismo degenerativo como doença de Parkinson. Nesses casos há um quadro incipiente
agravado pelo contato com uma droga bloqueadora dopaminérgica.

Cabe ressaltar que o parkinsonismo induzido por drogas, em geral, não responde ao tratamento
convencional com levodopa. Isto tem uma razão farmacodinâmica. Como o mecanismo de ação
da levodopa é pré-sináptico e depende de um terminal pós-sináptico íntegro, a levodopa não tra-
rá benefícios a pacientes que estão com os receptores dopaminérgicos bloqueados (por exemplo,
por neurolépticos).

9. Conclusões
A doença de Parkinson é a segunda doença neurodegenerativa mais comum nos idosos e o en-
velhecimento de nossa população gera um desafio aos médicos que atendem idosos, no sentido
de realizar diagnóstico e tratamento adequados. Para tanto, é fundamental conhecer os diagnós-
ticos diferenciais, como parkinsonismos induzidos por droga ou parkinsonismos atípicos, até
porque isto confere diferentes prognósticos para cada paciente.

Referências
BERG, A.T. et al. Revised terminology and concepts for organization of seizures and epilepsies:
report of the ILAE Commission on Classification and Terminology, 2005–2009. Epilepsia
2010;51:676–685.

ENGEL, J.J.R. Report of the ILAE classification core group. Epilepsia 2006; 47:1558–1568.

Capítulo 8 145
STAMELOU, M.; BHATIA, K.P. Atypical parkinsonism: diagnosis and treatment. Neurologic
Clinics. 2015; 33:39-56.

STAMELOU, M.; HOEGLINGER, G.U. Atypical parkinsonism: an update. Current Opinion in


Neurology. 2013; 26:401-5.

STOESSL, A.J.; RIVEST, J. Differential diagnosis of parkinsonism. The Canadian Journal of


Neurological Sciences. 1999; 26 Suppl 2:S1-4.

146
CAPÍTULO

Demências no Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Profa. Dra. Ceres Eloah
Demências no Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Profa. Dra. Ceres Eloah

1. Definição
O conceito de demência passou por uma extensa e recente revisão. Pela terminologia do DSM-V,
os termos “demência” e “comprometimento cognitivo leve” foram reformulados em “transtorno
neurocognitivo (TNC) maior” e “transtorno neurocognitivo menor”, respectivamente. Cada tipo
de transtorno pode ser provocado pelas mesmas etiologias (Doença de Alzheimer, vascular, cor-
púsculos de Lewy, frontotemporal, etc), havendo uma diferenciação especial para a nomenclatu-
ra do TNC provocado por Doença de Alzheimer (DA), como descrito ao longo do capítulo. Outro
ponto é que o TNC passa a ser descrito “com ou sem alterações comportamentais”.

O TNC maior pode ser subdivido em fases leve, moderada e grave. Caracteriza-se pelo comprome-
timento de ao menos um domínio cognitivo (atenção, função executiva, memória, aprendizado
e linguagem), confirmado pela entrevista com o paciente e um informante (cuidador ou familiar)
confiável, em que se observe declínio da performance se comparado ao estado prévio do paciente.
Ocorre comprometimento da independência, e o quadro não pode ser provocado por delirium ou
outra doença mental. A principal diferença entre esta conceituação e a terminologia antiga é que
a memória não corresponde mais a um domínio cognitivo obrigatoriamente comprometido (exce-
tuando-se na DA, como será visto adiante) e que não há mais a necessidade do acometimento de
dois domínios cognitivos para se caracterizar o quadro demencial.

O TNC menor caracteriza-se também pelo acometimento de ao menos um domínio cognitivo,


porém com prejuízo modesto à performance funcional, sem comprometimento da capacidade
(ou seja, da independência) do indivíduo. O TNC menor (assim como era anteriormente definido
o comprometimento cognitivo leve) é um fator de risco para o desenvolvimento de TNC maior.

Como o termo “demência” não foi abandonado por outras sociedades médicas - como a Alzhei-
mer´s Association, que manteve a terminologia “Demência por Doença de Alzheimer” -, será uti-
lizado neste capítulo o termo demência indistintamente de TNC maior.

O fator de risco mais importante para demência é a idade, mas também são significativos a histó-
ria familiar, histórico de trauma craniano, baixa escolaridade e gênero feminino. O determinante
genético mais significativo é a presença do alelo épsilon 4 da apolipoproteína E. O diagnóstico é
eminentemente clínico, sendo utilizados exames complementares apenas para identificar etiolo-
gias específicas e testes ou baterias neuropsicológicas para quantificar os déficits. As informações
obtidas na história clínica devem ser sempre confirmadas por um familiar ou cuidador confiável.
Os cuidadores devem ser questionados quanto à existência de dificuldades de julgamento, redu-
ção do interesse em atividades usuais, comportamento repetitivo, como fazer perguntas e contar
histórias, dificuldades de aprendizado de algo novo, esquecimentos de datas, problemas com as-
suntos financeiros e pagamento de contas.
Figura 1 - Transtorno neurocognitivo pelo DSM-V

Fonte: Adaptado de Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V)

Os diagnósticos diferenciais de demência com delirium e depressão podem ser observados na


Tabela 1.

Tabela 1 - Diagnóstico diferencial entre demência, depressão e delirium

Característica Demência Depressão Delirium


Início Gradual Recente Agudo
Duração Anos Variável Dias
Reversibilidade Não Sim Sim
Variabilidade Não Flutua com o humor Flutua ao longo do dia
Consciência Normal Normal Rebaixamento
Atenção Normal Reduzida Reduzida
Alterada só na fase
Psicomotricidade Normal ou lenta Agitação ou letargia
avançada

Fonte: Adaptado DE HOWARD, F. et al. Brocklehurst’s Textbook of Geriatric Medicine and Gerontology,
8th Edition. Elsevier, 2017

Capítulo 9 149
2. Epidemiologia
A prevalência de demência no Brasil é de cerca de 7% dos idosos. Nos indivíduos com mais de 80
anos ultrapassa os 30%. Até 80% dos casos, entretanto, não é diagnosticada e a maior parte dos
diagnósticos é feita nas fases mais avançadas da doença. Há uma negligência, tanto de familiares
quanto de profissionais de saúde no reconhecimento de sintomas precoces de déficit cognitivo,
que muitas vezes são identificados como típicos do envelhecimento. O envelhecimento normal
caracteriza-se por uma redução na velocidade do processamento cognitivo e maior dificuldade
para lidar com estímulos cognitivos competitivos e sustentar a atenção. Estas modificações, en-
tretanto, não são progressivas e não comprometem as funções diárias do idoso.

O diagnóstico precoce permite detectar causas reversíveis, planejar adaptações, reduzir o impac-
to psicossocial da doença para o paciente e a família e reduzir a chance de institucionalização.

3. Fases Clínicas e Comprometimento Funcional


A demência pode evoluir desde uma fase leve, passando pela fase moderada e avançada. A evo-
lução pelas três fases da doença, entretanto, não é obrigatória. Apesar do caráter progressivo da
maior parte das síndromes demenciais, alguns pacientes manifestam uma tendência de estabili-
zação nas fases leve ou moderada ou apresentam uma evolução muito lenta, que pode durar mais
de uma década. Em outros casos, porém, a evolução pode ser mais rápida, com a transição da fase
leve à avançada em períodos tão curtos quanto dois anos.

A fase leve da doença se caracteriza por comprometimento apenas das atividades instrumentais
e preservação das atividades básicas de vida diária. Nesta fase, além das alterações de memória,
existem dificuldades de orientação e nomeação. Na fase moderada já há comprometimento de ao
menos uma atividade básica. Começam a surgir dificuldades maiores de compreensão e apren-
dizado. Na fase avançada estão comprometidas pelo menos 3 atividades básicas e há grave pre-
juízo à linguagem, que se torna quase incompreensível, além de surgirem incontinências fecal e
urinária. Desta forma, a avaliação da capacidade funcional é um instrumento importante para o
seguimento clínico do paciente. Uma escala útil para identificar pacientes por grau de acometi-
mento é a FAST (Tabela 2).

Tabela 2. Escala FAST

Classificação Condição Clínica


1- Envelhecimento Normal Sem déficits
2 - Possível comprometimento leve Déficit funcional subjetivo
3 - Comprometimento cognitivo leve Déficit funcional objetivo nas tarefas complexas
4 - Demência leve Perda em atividades instrumentais
5- Demência moderada Necessita de ajuda para escolher roupas apropriadas
6 a - Demência moderada grave Dificuldade para vestir-se
6 b - Demência moderada grave Dificuldade para banhar-se
6 c - Demência moderada grave Dificuldade para ir ao banheiro sem auxílio

150
6 d - Demência moderada grave Incontinência urinária
6 e - Demência moderada grave Incontinência fecal
7 a - Demência grave Incapaz de dizer mais que 5 palavras
7b - Demência grave Capaz de dizer apenas 1 palavra
7c - Demência grave Incapaz de andar sem ajuda
7d - Demência grave Incapaz de se manter sentado sem ajuda
7e - Demência grave Perda da capacidade de sorrir
7f - Demência grave Perda da capacidade de sustentar a cabeça

Fonte: Adaptado de Functional Remediation for Bipolar Disorder.


United Kingdom, Cambridge University Press, 2014

4. Testes Cognitivos
O diagnóstico de demência, embora seja clínico, deve ser ratificado pela execução de alguns tes-
tes cognitivos. O Mini Exame do Estado Mental, muito embora seja apenas um teste de triagem,
é frequentemente utilizado por sua praticidade. É um teste que em poucos minutos avalia diver-
sos domínios cognitivos, como orientação, atenção, nomeação, cálculo, linguagem e praxia. O
desempenho neste teste é fortemente influenciado pela escolaridade. Estão descritos pontos de
corte para a população brasileira de acordo com os anos de escolaridade. Do total de 30 pontos
do teste, para analfabetos temos ponto de corte em 18; para 1-3 anos de escolaridade, corte em 21;
para 4-6 anos, corte em 24 e para 7 anos ou mais, corte em 26.

O teste de fluência verbal avalia o domínio da linguagem e pode ser aplicado nos indivíduos
analfabetos. Pode-se utilizar o teste de fluência semântica (animais) ou fonêmica. Em 1 minuto,
espera-se que o indivíduo analfabeto mencione 11 palavras e o escolarizado, 14 palavras.

O teste do desenho do relógio, apesar de exigir escolaridade para ser realizado adequadamen-
te, avalia não somente os domínios de memória, mas também a capacidade de planejamento
executivo. O paciente deve ser capaz de desenhar uma circunferência, dispor os números com
espaçamento adequado e incluir os ponteiros mediante a solicitação de marcação de um horário
específico. É aceitável apenas erros ligeiros de colocação dos ponteiros para que haja um bom
desempenho neste teste.

Estes testes isoladamente possuem baixa sensibilidade para ratificar o diagnóstico de demência,
mas quando todos se apresentam alterados há elevada sensibilidade e especificidade para o diag-
nóstico (superior a 90%).

Capítulo 9 151
Figura 2 - Teste do Desenho do Relógio em pacientes com síndrome demencial

Fonte: Arquivo do autor

5. Etiologias
Didaticamente, as demências são divididas em causas ditas reversíveis e irreversíveis. As princi-
pais causas irreversíveis estão descritas na Tabela 3.

Tabela 3 - Causas irreversíveis de demência

Doença de Alzheimer Demência por trauma craniano


Demência Vascular Demência por HIV
Demência por corpúsculos de Lewy Demência por Doença de Parkinson
Demência frontotemporal Demência por príons

Fonte: Adaptado de HOWARD, F. et al. Brocklehurst’s Textbook of Geriatric


Medicine and Gerontology, 8th Edition. Elsevier, 2017

A principal causa de demência é a Doença de Alzheimer (DA), que responde por até 70% dos casos.
Segundo a definição do DSM-V, o TNC maior por DA se caracteriza pelo início insidioso e progressão
gradual, sendo necessário o acometimento de pelo menos 2 domínios cognitivos, sendo um deles a
memória. No TNC menor por DA o acometimento se dá apenas no domínio da memória.

A Alzheimer´s Association também reformulou seus critérios diagnósticos para a DA, que passou
a ser definida como um continuum que se inicia na fase pré-clínica (em que só é possível obter
o diagnóstico por alterações em biomarcadores liquóricos ou exames de imagem, de interesse
apenas para pesquisa clínica), passa pelo comprometimento cognitivo leve (em que há perda
objetiva de memória, mas sem impacto funcional significativo) até chegar à fase demencial pro-
priamente dita. Esta mudança de abordagem do diagnóstico de Doença de Alzheimer tem por
objetivo identificar casos mais precoces dos distúrbios, tendo em vista, no âmbito da pesquisa
clínica, a possibilidade de intervenções que alterem o curso natural da doença, haja vista que os
tratamentos até hoje disponíveis se mostraram pouco eficazes.

152
O National Institute on Aging também ressalta que, a exemplo das demências vascular, fron-
totemporal e por corpúsculos de Lewy, a Doença de Alzheimer pode apresentar espectros não
amnésticos, incluindo-se aí as manifestações comportamentais e alterações de personalidade,
que assumiram o status de domínio cognitivo, assim como a memória, a função executiva, a
linguagem e a habilidade visuoespacial. Desse modo, os critérios diagnósticos para DA (e para
todas a demências) envolveriam o acometimento de pelo menos 2 de qualquer um dos 5 domí-
nios mencionados.

A DA se caracteriza pela deposição cerebral de proteína beta-amiloide, na forma de placas neu-


ríticas e angiopatia, provocando redução da atividade colinérgica e processamento neuronal.
Surgem também emaranhados neurofibrilares decorrentes da deposição da proteína tau fosfori-
lada. A análise de biomarcadores é recomendada, entretanto, apenas para o âmbito de pesquisa.
Podem ser definidos três estágios na fase pré-clínica (Tabela 4). Os biomarcadores podem estar
alterados até 10 anos antes do surgimento dos primeiros sintomas de doença (Tabela 5), como as
imagens de PET-scan cerebral marcadas com Pittsburgh Binding Compound (PiB). Este marcador
identifica áreas de deposição de proteína amiloide (Figura 3).

Tabela 4 - Estágios da Fase Pré-Clínica da DA

Estágio 1. Amiloidose Cerebral Elevada captação do beta amiloide no PET


assintomática. Redução do beta amiloide-42 no líquor.
Marcadores beta-amiloides positivos.
Disfunção neuronal no FDG-PET ou ressonância funcional.
Estágio 2. Amiloidose com
Aumento da proteína tau no líquor.
Neurodegeneração inicial.
Redução da espessura cortical/atrofia hipocampal na
ressonância magnética.
Estágio 3. Positividade para Critérios dos estágios 1 e 2.
amiloide com neurodegeneração e Alteração sutil no nível cognitivo prévio. Baixa performance
declínio cognitivo sutil. em testes cognitivos complexos.

Fonte: Adaptado de FROTA et al. Critérios para o diagnóstico de doença de Alzheimer, 2011

Capítulo 9 153
Tabela 5 - Biomarcadores na Doença de Alzheimer

Biomarcadores de Deposição Beta Dosagem de Abeta-42 no líquor (reduzido).


Amiloide. PET com marcador amiloide positivo.
Dosagem de proteína tau no líquor (aumentada).
Atrofia do córtex temporal (incluindo hipocampo) e
Biomarcadores de lesão neuronal. parietal medial por ressonância magnética.
Redução do metabolismo do córtex temporoparietal
no FDG-PET.

Fonte: Adaptado de FROTA et al. Critérios para o diagnóstico de doença de Alzheimer, 2011

Figura 3 - Imagem de PET-scan cerebral marcado com PiB em paciente com


Doença de Alzheimer pré-clínica (AD) e controle normal

Fonte: http://www.diffen.com/difference/CT_Scan_vs_PET_Scan

A demência vascular (DV) responde por cerca de 10% das causas de demência e ocorre mais fre-
quentemente nos homens portadores de fatores de risco cardiovascular, tais como hipertensão
arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo, fibrilação atrial e aterosclerose manifesta.
Pode haver início abrupto, associado a evento isquêmico, sintomático ou não. A evolução é clas-
sicamente descrita em degraus, mas é comum observar-se também a evolução insidiosa, carac-
terizada por acometimento subcortical, com redução da capacidade em sustentar a atenção e
diminuição da velocidade do pensamento, quadro que às vezes se assemelha a sintomas depres-
sivos. Esta evolução lenta é resultado da ocorrência de múltiplos surtos silenciosos de infartos
lacunares. A evolução costuma ser mais rápida que a da DA. O Escore Isquêmico de Hachinsky é
um instrumento válido para apoiar o diagnóstico diferencial entre DA e DV (Tabela 6).

Cerca de um terço dos pacientes com DA apresentam também achados vasculares no SNC, carac-
terizando uma demência mista, que pode responder por até 15% dos casos de demência. A dete-
rioração clínica destes pacientes costuma ser mais rápida. As alterações de memória são menos
pronunciadas e mais evidente o comprometimento da função executiva (lobo frontal).

154
Tabela 6 - Escore Isquêmico de Hachinski

Início abrupto 2 Preservação relativa da personalidade 1


Deterioração em degraus 1 Depressão 1
Curso flutuante 2 Queixas somáticas 1
Confusão noturna 1 Instabilidade emocional 1
História ou presença de HAS 2 Sintomas neurológicos focais 2
História de AVC 2 Sinais neurológicos focais 2
Evidência de aterosclerose 1
0-3 pontos: sugestivo de DA; 4-6; inconclusivo ou doença mista; 7-18: sugestivo de DV.
Fonte: HACHINSKI et al. Cerebral blood flow in dementia, 1975

A demência por corpúsculos de Lewy caracteriza-se pela presença de flutuações da atenção e do


estado de alerta, alucinações visuais e sintomas motores, com alentecimento generalizado dos
movimentos (parkinsonismo) e distúrbios do sono. A evolução costuma mais ser mais rápida que
a da DA. Outra característica deste tipo de demência é a intolerância tanto a neurolépticos quanto
a antiparkinsonianos.

A demência frontotemporal acomete indivíduos mais jovens, que apresentam alterações preco-
ces de comportamento e do planejamento executivo com relativa preservação da memória. Há
desinibição, impulsividade e oralidade (hábito de levar objetos à boca).

A demência por trauma craniano caracteriza-se pelo declínio cognitivo de instalação súbita, após
um traumatismo craniano, em que houve perda de consciência, amnésia pós-traumática, de-
sorientação e confusão. Há alterações nos exames de imagem cerebral ou sinais neurológicos,
como convulsões, perda de campo visual, anosmia ou hemiparesia.

A demência pelo HIV caracteriza-se por uma destruição difusa da substância branca e do subcór-
tex. O paciente manifesta-se com pensamento lento, apático e retraído socialmente. Pode haver
associação com outros tumores do SNC, como linfomas e infecções oportunísticas, tais como
toxoplasmose, citomegalovírus, criptococose, tuberculose e sífilis.

A demência associada à Doença de Parkinson (DPP) apresenta quadro clínico semelhante à de-
mência por corpúsculos de Lewy. Na DPP, entretanto, os sintomas motores precedem o quadro
demencial em ao menos um ano. Pode afetar até 80% dos portadores de Doença de Parkinson
após 8 anos de duração.

A demência por príons, cujo representante mais significativo é a Doença de Creutzfeldt-Jakob


é um quadro fatal caracterizado por um declínio cognitivo rapidamente progressivo, com en-
volvimento do córtex cerebral, gânglios da base, cerebelo, tronco cerebral e medula espinhal. O
diagnóstico de confirmação é obtido pela detecção da proteína 14-3-3 no líquor.

Capítulo 9 155
A Tabela 7 lista as causas reversíveis de demência.

Tabela 7. Causas Reversíveis de Demência

Distúrbios da Tireoide Distúrbios do Cálcio


Déficit de Infecções do Sistema Nervoso Central
Vitamina B12 (sífilis, AIDS, fungos, meningite bacteriana, tuberculose).
Hidrocefalia de Pressão Normal Tumores e Abscesso do SNC.
Medicamentos (anticolinérgicos, antipsicóticos,
Hematoma Subdural
antiepilépticos, benzodiazepínicos).

Fonte: Adaptado de HOWARD, F. et al. Brocklehurst’s Textbook of Geriatric Medicine and Gerontology, 8th Edition.
Elsevier, 2017

A depressão ocorre em cerca de 40% dos pacientes dementados e, se não for tratada, pode pro-
vocar rápido agravamento do quadro demencial. A hidrocefalia de pressão normal caracteriza-se
por uma tríade: declínio cognitivo, instabilidade de marcha ou quedas e incontinência urinária.
O exame de imagem (TC ou RM de crânio) costuma revelar dilatação ventricular desproporcional
ao grau de atrofia cortical. Nestes casos, indica-se um teste terapêutico (tap test): o paciente é
submetido a uma punção liquórica para drenagem de 20mL de líquor. Quando o teste é positivo
observa-se melhora espontânea do distúrbio de marcha horas após a punção. Quando a resposta
ao tap test é positiva, há melhor prognóstico clínico na drenagem ventricular definitiva, realiza-
da por meio do implante de uma derivação ventrículo-peritoneal.

6. Exames Complementares
Indica-se a coleta de exames laboratoriais principalmente para afastar as causas reversíveis. De-
vem ser solicitados: hemograma, glicemia, função renal, hepática e tireoidiana, cálcio, vitamina
B12 e sorologia para sífilis. Outros exames, como coleta de líquor, sorologia para HIV, eletroence-
falograma e PET-scan poderão ser indicados em casos isolados.

Os exames de neuroimagem estão indicados principalmente para se afastarem causas estrutu-


rais e reversíveis de demência, o que em geral pode ser esclarecido pela tomografia de crânio. A
ressonância magnética do crânio pode ser útil para avaliar aspectos mais específicos da estrutu-
ra cerebral, tais como o volume do hipocampo, sinais de microangiopatia e lesão de substância
branca (avaliadas pela escala de Fazekas) ou mesmo áreas de infartos lacunares. (Figura 4)

156
Figura 4 - Imagens de ressonância magnética de crânio revelando diferentes graus de microangiopatia
(Escala de Fazekas 1,2,e 3)

Fonte: FAZEKAS et al. MR Signal Abnormalities 1.5 T in Alzheimer’s


Dementia and Normal Aging. American Journal of Roentgenology, 1987

7. Tratamento
O tratamento dos quadros demenciais se dará em função do diagnóstico etiológico. No trata-
mento dos quadros potencialmente reversíveis, o objetivo é a resolução da causa metabólica,
infecciosa ou estrutural que afeta o SNC, como a derivação ventrículo-peritoneal nos casos de
hidrocefalia de pressão normal.

8. Abordagem não farmacológica dos sintomas


psicológicos e comportamentais
Os sintomas comportamentais das demências, tais como, desorientação, mudanças de humor,
confusão, dificuldades com a linguagem, com o planejamento e execução de tarefas precisam de
cuidados apropriados de um familiar ou cuidador. Os cuidados vão desde a supervisão sutil até o
auxílio às atividades instrumentais e básicas. Para a família, assumir estes cuidados é desafiador,
e os profissionais devem estar alertas para o fornecimento de subsídios para estes cuidadores, re-
ferentes aos manejos diários em casa diante das dificuldades graduais que vão se apresentando.

Os sintomas comportamentais e psicológicos da demência (SCPD) como agitação/agressividade,


delírios, ansiedade e apatia são responsáveis por profunda sobrecarga entre cuidadores, pior
curso evolutivo da doença, maiores custos e institucionalização precoce. A abordagem destes
sintomas deve sempre questionar como, quando e o porquê da ocorrência da alteração apresen-
tada pelo paciente. Os sintomas comportamentais podem ser explicados por causas orgânicas,
ambientais, mas também podem ser desencadeados pelo próprio cuidador.

Capítulo 9 157
9. O que são os SCPD
Desde que foi cunhado por Finkel e cols (1999), em reunião de Consenso da International Psycho-
geriatric Association (IPA), o termo Behavioral Psychological Symptoms of Dementia (BPSD) é
usado para descrever um grupo de condições heterogêneas que abrange reações psicológicas,
sintomas psiquiátricos e comportamentos decorrentes das síndromes demenciais. Pode-se dizer
que os BPSD são um grupo de sintomas caracterizados por distúrbio de percepção, alterações
de conteúdo mental, alterações de humor e de comportamento, que frequentemente acometem
pacientes com demência. O termo correspondente em português é SCPD – sintomas comporta-
mentais e psicológicos da demência.

10. SCPD na demência


A prevalência de SCPD é alta. Até 95% das pessoas com demência apresentam um ou mais sinto-
mas em algum ponto de evolução da doença. Mais de 80% dos sintomas persistem por mais de
18 meses, especialmente delírios, depressão e comportamento repetitivo. Os SCPD são preditivos
de maior declínio funcional e institucionalização. Os sintomas mais frequentes são:

Tabela 8 - SCPD na Demência

Comportamento motor
Delírios Depressão Distúrbio do Sono
aberrante
Alucinações Ansiedade Desinibição Apatia
Agitação Euforia Alteração do apetite Irritabilidade

Fonte: Compilado pelo autor

Os delírios, a agitação/agressividade, as alucinações e a irritabilidade são os sintomas mais im-


pactantes. Uma boa maneira de se identificar estes distúrbios é a utilização de instrumentos de
medida que auxiliem na investigação e confirmação do fenômeno apresentado. Um dos instru-
mentos de medida mais conhecidos e utilizados na análise de alterações de comportamento é
o Neuropsychiatric Inventory (NPI) ou Inventário Neuropsiquiátrico. A escala compreende 10
domínios. Avalia a presença, a frequência e a gravidade das alterações nos últimos 30 dias e seu
escore é baseado na entrevista com o cuidador. Para avaliar o comportamento do paciente com
demência é necessário o domínio de conhecimento multifatorial, sendo imprescindível uma
análise de aspectos biopsicossociais. Não há um padrão fixo de evolução na demência: muitos
fatores influenciam esta evolução, tais como a capacidade de resiliência do cuidador/família, os
conflitos na sua estrutura e o arranjo familiar nuclear ou multigeracional. O trabalho desenvolvi-
do pela Enfermagem no controle das alterações de comportamento é, portanto, quase artesanal.
Ele se baseia em um modelo que busca:

158
• Identificar quais sintomas causam maior desconforto/ perturbação;

• Descrever cada sintoma com rigor de detalhes;

• Especificar os fatores desencadeantes/ antecedentes e suas consequências;

• Estabelecer o alvo da intervenção;

• Estabelecer metas realísticas para a prescrição não farmacológica;

• Avaliar continuamente as intervenções, para mudanças de plano se necessário.

11. Quais intervenções não farmacológicas podem ser úteis


para o manejo não farmacológico dos SCPD?
Têm sido discutidas na literatura especializada algumas estratégias de controle das SCPD, que
abordam a gravidade dos sintomas, correlacionando-as com o tipo de intervenção. Os grupos de
aconselhamento e educação de cuidadores permitem aos enfermeiros levar informações que fa-
cilitem os manejos diários com seus pacientes. O estabelecimento de diretrizes práticas de como
lidar com as principais mudanças comportamentais na demência parece facilitar as responsabili-
dades do cuidador que, bem informado sobre o curso evolutivo das síndromes demenciais, acaba
por adotar precocemente medidas centradas no problema. Isto é de fundamental importância
também na prevenção dos distúrbios comportamentais.

Agitação/agressividade

1. Distrair o paciente e redirecionar atividades para tirar o foco de atenção sobre situações
problemáticas.

2. Reduzir excesso de estímulos e passeios para lugares lotados (sobreposição a estímulos


ambientais pode levar à agitação e desorientação).

3. Usar iluminação para reduzir confusão e agitação à noite.

4. Evitar luminosidade excessiva e o brilho dos espelhos, o barulho de uma televisão e de


uma casa desorganizada.

5. Olhar sempre de frente e usar tom de voz baixo e suave.

6. Evite confrontos verbais.

Capítulo 9 159
Delírios

1. Redirecionar e distrair o paciente.

2. Considerar o uso de medicação antipsicótica e, para tal, discutir com o médico responsável
esta possibilidade.

Comportamento repetitivo

1. Responder com firmeza e sempre que necessário. Distrair o paciente. Usar calendários,
agenda e relógio.

Ansiedade

1. Usar um estímulo de cada vez.

2. Não oferecer atividades que o paciente já apresenta dificuldade para realizar.

3. Não comunicar ao paciente, por exemplo, uma atividade que será realizada no final de se-
mana, antecipadamente.

4. Sempre oferecer atividades que induzem relaxamento em ambiente igualmente calmo.

Apatia

1. Convidar a pessoa para fazer atividades que tenham sido, e, principalmente, ainda sejam,
agradáveis a ela.

2. Faça com que a pessoa sinta-se importante na participação de qualquer conversa ou ativi-
dade proposta.

Perambulação

1. Avise amigos, vizinhos, parentes e comerciantes que a pessoa poderá se perder e, portan-
to, caso o paciente seja visto perambulando, peça que a família seja avisada imediatamen-
te.

2. Utilize pulseiras com identificação com o telefone do cuidador e, se possível, a doença que
a pessoa apresenta.

3. Garanta a segurança ambiental com luzes, corrimões, retirada de tapetes soltos, manuten-
ção de portas trancadas e das chaves em local seguro, uso de telas ou grades de proteção
em andares altos.

160
Alucinações

1. Não se preocupe demais se não são angustiantes para o paciente.

2. Considere o uso de medicações antipsicóticas quando necessário, mas só utilize essas me-
dicações com prescrição médica.

3. Informe inteiramente à família e aos cuidadores dos riscos / benefícios desses medicamentos.

Risco de acidentes

1. Garanta ambiente seguro.

2. Evite que o paciente manuseie eletrodomésticos sem o acompanhamento de alguém de


confiança.

3. Mantenha medicamentos e produtos tóxicos (materiais de limpeza, por exemplo), longe do


alcance do paciente.

4. Nunca o deixe só na cozinha.

5. Mantenha o gás desligado.

6. Providencie barras de segurança no interior do box e também ao lado do vaso sanitário.

7. Mantenha piso limpo e seco.

8. Mantenha no banheiro apenas os objetos de higiene pessoal (creme dental, sabonete,


shampoo). Retire barbeadores, lâminas e medicamentos.

9. Mantenha luz de vigília (abajur) acesa durante a noite.

As orientações são extensas e devem ser explicadas de forma individualizada. Deve-se lembrar
que tanto a falta de orientações quanto o excesso de recomendações podem aumentar a sobre-
carga do cuidador. Reforçar junto aos cuidadores que os SCPD:

1. Podem ocorrer em qualquer estágio da demência.

2. Todos os pacientes apresentam algum tipo de SCPD em algum momento do curso evoluti-
vo da demência.

3. Os distúrbios afetivos ocorrem mais nas fases iniciais da doença.

Capítulo 9 161
4. As alterações de comportamento como agitação e agressividade são mais comuns nas fases
moderadas da doença.

5. Os SCPD tendem a atingir um pico de frequência antes da fase avançada, quando tendem a
declinar.

6. Os SCPD podem variar de acordo com a etiologia da síndrome demencial.

7. É preciso estar atento à presença de delirium, associado a causas orgânicas tratáveis como
infecções, desidratação, pneumonias, fecaloma, dentre outras causas clínicas.

Os instrumentais de abordagem incluem:

Tabela 9 - Instrumentos de abordagem às SCPD

1. Terapia comportamental 2. Terapia de reminiscência


3. Orientação para a realidade 4. Aromaterapia
5. Arteterapia 6. Terapia luminosa
7. Musicoterapia 8. Terapia cognitivo-comportamental

Fonte: Compilado pelo autor

10. Tipos das intervenções com cuidadores


Intervenção psicoeducativa

• Inclui um programa estruturado que provê informações sobre a doença, recursos e servi-
ços sobre como expandir a habilidade de resposta eficaz aos sintomas da doença.

• Inclui atividades que envolvem palestras, discussões e entrega de materiais impressos pro-
duzidos por profissionais treinados.

Suporte

• Foca na construção de suporte entre os participantes e criação de um espaço em que os


problemas, os resultados e os sentimentos da relação ao cuidar possam ser discutidos.

• Reuniões de grupos com interesses similares.

• Intervenções que dão a oportunidade de mudar estratégias que podem ser mais efetivas.

162
Psicoterapêutico

• Envolve o relacionamento entre o cuidador e o terapeuta. Discussão de pensamentos ne-


gativos, auxílio no desenvolvimento de habilidades para gerenciamento e/ou resolução de
problemas. Manejo das emoções e reengajamento social.

• A atividade física também reduz a progressão do declínio funcional. Cuidados com relação
aos déficits de deglutição e consequente desnutrição são fundamentais, bem como a pre-
venção do imobilismo e do surgimento de úlceras por decúbito.

11. Abordagem Farmacológica


Estão disponíveis duas classes de medicações para tratamento da DA, DV e demência mista: inibi-
dores de acetilcolinesterase (IAch) e a memantina. Há estudos promissores no tratamento da DA
com solanezumab, um anticorpo IgG1 monoclonal contra o peptídeo Abeta. É uma droga intrave-
nosa e de uso mensal, mas ainda sem resultados definitivos que recomendem seu uso clínico.

Os inibidores de acetilcolinesterase são utilizados tomando-se por base a hipótese hipocolinérgica


formulada para a fisiopatologia da DA. Clinicamente, os estudos que aplicaram esta classe de me-
dicações aos portadores de demência, observaram um efeito modesto em termos de redução das
perdas cognitivas: retardo em 6 meses na evolução da doença. Nesta classe há 3 medicações dispo-
níveis: rivastigmina (1,5 – 6mg 2X/dia), donepezila (5-10mg/dia) e galantamina (8-24mg/dia). Estas
drogas estão indicadas nas fases leve e moderada da doença. Apresentam custo elevado e alguns
efeitos colaterais mais comuns, como distúrbios gastrointestinais e redução do apetite.

A memantina (5-20mg/dia) é um antagonista não competitivo do receptor NMDA do glutamato.


Seu uso se justifica pela observação de que nas fases moderada e avançada da doença há uma
tendência à ativação do sistema glutamatérgico, com efeitos de neurotoxicidade, em especial
ao hipocampo. A memantina apresenta uma resposta clínica de melhora dos sintomas compor-
tamentais nas fases moderada e avançada da doença. Na fase moderada pode ser utilizada em
associação aos IAch.

Uma outra questão no tópico farmacológico é o tratamento dos sintomas comportamentais, que
se tornam mais frequentes a partir da fase moderada da doença. São sintomas de agitação, de-
sinibição, inquietude, agressividade, irritabilidade, alucinações, ansiedade e insônia com pe-
rambulação noturna. Quando as abordagens comportamental e ambiental não forem suficientes
para o controle dos sintomas, está indicado o uso de fármacos. Os de uso mais habitual são os
antipsicóticos. O Food and Drug Administration (FDA) - agência federal do Departamento de
Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos - não autoriza o uso destas medicações para o
controle de sintomas comportamentais nas demências, dado o risco aumentado de morte asso-
ciado a acidente vascular cerebral isquêmico (RR=2). Desta forma, deve-se preferir o uso pontual
e sintomático, das menores doses possíveis, dando-se preferência a antipsicóticos atípicos (tais

Capítulo 9 163
como risperidona, quetiapina e olanzapina), que produzem menos efeitos extrapiramidais. Po-
de-se recorrer também a anticonvulsivantes (como divalproato de sódio e carbamazepina) e a
antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina, principalmente nos sintomas
ansiosos. Deve-se evitar o uso de benzodiazepínicos.

O tratamento dos fatores de risco cardiovascular mesmo nos pacientes com DA sem quaisquer
sinais de doença cerebrovascular instalada está associado à redução da progressão do declínio
cognitivo.

12. Estudo de Caso


Um neurologista atendeu o sr. Osvaldo, 75 anos, casado. Ele é trazido ao consultório pela esposa,
d. Palmyra, para uma segunda opinião médica. Osvaldo sempre foi saudável e nunca usou me-
dicamentos. Há 6 meses, porém, começou a apresentar dificuldades de memória que chamavam
a atenção da esposa. Esquecia-se de compromissos, contas a pagar, números de telefone e até da
data do seu aniversário. Apesar disso, continuava a sair à rua para fazer compras e cuidava de
diversos afazeres domésticos. Há 45 dias, ao se dirigir a um consultório para a primeira avaliação
neurológica, sofreu uma queda em via pública, com fratura transtrocanteriana do fêmur esquer-
do, sendo internado para correção cirúrgica, o que se deu no dia seguinte. A cirurgia transcorreu
sem complicações, e o paciente recebeu alta após 2 dias, caminhando com auxílio de andador.
Tem evoluído bem da reabilitação motora, mas Palmyra nota que os esquecimentos se intensi-
ficaram. Durante o trajeto de casa até o consultório, Osvaldo questionou-a três vezes sobre para
onde estavam indo. Na consulta, Osvaldo responde a todas as perguntas feitas pelo neurologista
com bom humor. No exame físico é notado apenas um ritmo cardíaco irregular e o neurologista
registra na ficha os seguintes resultados de testes cognitivos:

MEEM: 27/30 (perdeu 3 pontos na recordação de palavras) – escolaridade: 8 anos.

Fluência verbal: 13 animais/minutos.

Teste do Relógio:

Fonte: Arquivo do autor

164
Em função destes resultados, o neurologista solicitou exames de sangue, de líquor, um ECG e
uma ressonância magnética do crânio. Prescreveu memantina 5mg à noite e pediu que retornas-
sem o quanto antes com os resultados.

Após 10 dias, o paciente retorna com os resultados. A esposa refere que o quadro de memória
encontra-se inalterado, mas que há dois dias Osvaldo teve dificuldade para abotoar sua camisa e
afivelar o cinto, precisando de ajuda da esposa para se vestir.

Os exames de sangue revelaram:

Hb 13,2 g/dL Glicose: 78 mg/dL Uréia: 35 mg/dL Creatinina: 0,8 mg/dL Na: 142 mEq/L K: 3,8
mEq/L Cálcio ionizado: 1,21 (normal de 1,10-1,30 mEq/L) TSH: 25 UI/mL T4 livre: 0,4 UI/mL vi-
tamina B12: 110 (normal de 150-800 mg/dL)

O exame líquórico revelou: 2 células / Beta-Amilóide: 450 (normal de 400-800)

Proteína Tau: 480 (normal de 300 – 700)

A ressonância magnética está abaixo:

Fonte: https://emedicine.medscape.com/article/344482-overview#a3

Capítulo 9 165
O eletrocardiograma está abaixo:

Fonte: Chinitz, J.S., et al. , Atrial Fibrillation Through the Years - Contemporary Evaluation and Management.
Circulation. 2013; 127:408-416

Em função destes exames, o neurologista deu o diagnóstico de Transtorno Neurocognitivo Maior


por Doença de Alzheimer, manteve a Memantina e prescreveu Levotiroxina sódica 100mcg / je-
jum e Vitamina B12 1 cápsula 12/12 horas.

Questionamentos:

1. Você concorda com o diagnóstico do neurologista? Justifique.

2. Qual seria sua conduta, nesse momento, no que se refere ao tratamento do quadro cognitivo?

3. Faça uma avaliação crítica dos medicamentos prescritos pelo neurologista.

4. Qual a justificativa clínica para a solicitação de exame liquórico neste caso? Como interpre-
tar os resultados deste paciente?

13. Conclusões
• O termo demência designa a ocorrência de déficits cognitivos associados a alguma incapa-
cidade funcional.

• É fundamental que as informações colhidas a respeito do declínio cognitivo sejam confir-


madas por familiar ou cuidador confiável.

• O diagnóstico sindrômico é eminentemente clínico. Exames complementares, como de


sangue e radiológicos, são complementares e voltados à elucidação etiológica da demência.

166
• A causa degenerativa mais comum é a Doença de Alzheimer. Causas potencialmente rever-
síveis também devem ser investigadas.

• O tratamento farmacológico dos quadros degenerativos, como Doença de Alzheimer e De-


mência Vascular é de eficácia modesta, elevado custo financeiro e associado a efeitos adversos.

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168
CAPÍTULO

Delirium no Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Delirium no Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1. Introdução
Delirium é uma síndrome mental orgânica, caracterizada por confusão mental, redução da aten-
ção, de início abrupto e curso flutuante. Ocorre por perda da homeostase cerebral e desorganiza-
ção da atividade neural. A maior parte dos pacientes se recupera após dias ou semanas do início
do quadro, especialmente quando a causa é identificada e tratada prontamente (Tabela 1). Apesar
de seu caráter agudo, o início dos sintomas pode ser insidioso, precedido em alguns dias de redu-
ção da concentração, irritabilidade, distúrbios do sono e alucinações fugazes.

2. Epidemiologia
O delirium pode responder por mais de 20% das admissões hospitalares de idosos. Em unida-
des de terapia intensiva, a prevalência de delirium pode ultrapassar 70% entre idosos. Apesar
de sua elevada frequência, é subdiagnosticado em mais da metade dos casos, o que compromete
seu prognóstico, em virtude do atraso na identificação de suas causas subjacentes. O diagnóstico
tardio de delirium aumenta a chance de agravamento do quadro clínico, tornando-o até irreversí-
vel, pelo consumo das reservas funcionais orgânicas. O delirium está relacionado à mortalidade
hospitalar em 25-60% dos casos e a maiores taxas de institucionalização após a alta. Além disso,
os idosos afetados por delirium apresentam um risco maior de declínio cognitivo permanente,
mesmo após seis meses de recuperação, sugerindo que idosos que desenvolvem delirium já apre-
sentam maior fragilidade cognitiva.

3. Manifestações Clínicas
O delirium habitualmente se manifesta com desorientação temporal e espacial, podendo surgir
distúrbios da percepção como alucinações visuais. É frequente haver uma fase prodrômica, em
que há sintomas de fadiga, distúrbios do sono, ansiedade e irritabilidade. Apresenta piora no pe-
ríodo vespertino e o ciclo sono-vigília normalmente está comprometido. Pode se manifestar de
três formas:

a) Hipoativa, que é a forma mais comum e de mais difícil detecção, manifesta por apatia
ou rebaixamento do nível de consciência;

b) Hiperativa, com agitação psicomotora, agressividade, insônia e distúrbios autonômicos


(taquicardia e sudorese);

c) Mista, em que se associam componentes das formas hipoativa e hiperativa.


Do ponto de vista fisiopatológico, o delirium se caracteriza por deficiência relativa de acetilcolina
e excesso de dopamina. Outros neurotransmissores podem estar implicados como a serotonina
e o GABA.

4. Diagnóstico
Existem algumas estratégias para o reconhecimento do delirium, entre elas, a aplicação do Con-
fusion Assessment Method – CAM. É um instrumento padronizado e validado para o português,
com sensibilidade e especificidade em torno de 94% (Tabela 3). Logo após o reconhecimento do
delirium, a tarefa mais importante é a identificação das causas potenciais, o adequado tratamen-
to e a prevenção de iatrogenias. Muitas vezes, a única apresentação clínica de uma doença física
potencialmente grave é o estado confusional agudo, especialmente nos idosos que já apresentam
declínio cognitivo. O delirium frequentemente é multifatorial; em cerca de 50% dos casos é pos-
sível identificar ao menos dois fatores causais. A reação adversa a drogas responde por cerca de
30% das causas de delirium. A Tabela 2 descreve os seus principais fatores de risco.

Tabela 1 - Causas de Delirium

Medicamentos, como anticolinérgicos,


antidepressivos, anticonvulsivantes, Hipóxia e hipercapnia.
benzodiazepínicos, corticoides e opioides.
Desidratação e distúrbios eletrolíticos, em
Abstinência medicamentosa ou alcoólica.
especial do sódio.
Infecções sistêmicas. Traumatismos do SNC, AVC, convulsão.
Distúrbios endócrinos (tireoide, adrenais, IAM, arritmias, insuficiência cardíaca e
disglicemias, distúrbios do cálcio). choque circulatório.
Pós-operatório e sangramentos. Admissão em UTI.
Mudanças ambientais. Contenção física ao leito.
Uso de sondas ou cateteres. Dor não controlada.
Estresse emocional. Privação de sono.
Impactação fecal. Retenção urinária.

Fonte: Adaptado de Jeffrey Halter et al. Hazzard’s Geriatric Medicine and Gerontology, 7th Edition.
McGraw-Hill Education, 2017

Capítulo 10 171
Tabela 2 - Fatores de Risco para Delirium

Demência (principal fator de risco). Desidratação.


Sexo masculino. Desnutrição.
Idade > 65 anos Uso de drogas psicoativas e polifarmácia.
Dependência funcional. Abuso de álcool.
Incontinência urinária ou fecal. Insuficiência renal ou hepática.
Imobilidade. Sequela de AVC.
História de quedas. Déficit visual ou auditivo.

Fonte: Adaptado de Jeffrey Halter et al. Hazzard’s Geriatric Medicine and Gerontology,
7th Edition. McGraw-Hill Education, 2017

Tabela 3 - Confusion Assessment Method (CAM)

01. Início Agudo


Há evidência de uma mudança aguda do estado mental de base do paciente?
02. Distúrbio de Atenção
a. O paciente teve dificuldade em focalizar sua atenção, por exemplo, distraiu-se
facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que estava sendo dito?
- Ausente em todo momento da entrevista;
- Presente em algum momento da entrevista, porém leve;
- Presente em algum momento da entrevista, de forma marcante;
- Incerto.
b. Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é, tendeu
a surgir e desaparecer ou aumentar e diminuir de gravidade?
- Sim;
- Não;
- Incerto;
- Não aplicável.
03. Pensamento Desorganizado
O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com a conversão dispersiva
ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível do assunto?
04. Alteração do Nível de Consciência
Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente?
- Alerta;
- Vigilante;
- Letárgico;
- Estupor;
- Coma;
- Incerto.
O diagnóstico de delirium requer a presença dos critérios 1 e 2 somados ao critério 3 ou 4.

Fonte: Delirium in the Older Person: A Medical Emergency. Island Health, 2006

172
O principal diagnóstico diferencial a ser estabelecido no delirium é com demência. Como a aplicação
de testes cognitivos é inapropriada no quadro confusional agudo, o diagnóstico diferencial depende-
rá fundamentalmente das informações colhidas junto a familiares ou cuidadores. Deve ser investi-
gada de forma objetiva as condições cognitivas e funcionais prévias do paciente, considerando que o
principal fator de risco para o desenvolvimento de delirium é a própria síndrome demencial.

5. Tratamento
O tratamento será definido a partir da identificação das causas do delirium. Cerca de 30% dos
quadros de delirium são provocados por efeito adversos a drogas, especialmente as que possuem
efeitos sedativos O tratamento do delirium se dá eminentemente no ambiente hospitalar, dada
à gravidade da doença e ao elevado risco de mortalidade. Alguns exames laboratoriais são obri-
gatórios, como hemograma, determinação dos eletrólitos, dos níveis de glicose, da função renal
e hepática, dos marcadores de necrose miocárdica, além de análise de um exame de urina, RX
de tórax e ECG. Outros exames poderão ser necessários, como função tireoidiana, gasometria
arterial, culturas de sangue e urina, análise de líquor e exames de imagem do sistema nervoso
central e eletroencefalograma.

Drogas implicadas com o surgimento de delirium devem ser descontinuadas, bem como devem
ser corrigidos fatores que possam agravar a confusão mental, tais como desidratação, imobilida-
de, déficits visuais e auditivos, além dos distúrbios do sono. Deve ser investigado o histórico de
introdução recente de fármacos.

Os pacientes que apresentam agitação psicomotora devem ser medicados com neurolépticos. A
droga de eleição na fase aguda é o haloperidol 0,5-1mg, a cada 30 minutos, até se obter a tranqui-
lização. Devem ser evitadas doses superiores a 4,5mg/dia. Alternativas são o uso dos antipsicóti-
cos atípicos, como risperidona (dose inicial: 0,5mg) e quetiapina (dose inicial: 25mg). Na Tabela
4 estão dispostas as equivalências de dose para alguns antipsicóticos.

Tabela 4 - Equivalência de Dose de Alguns Antipsicóticos

Antipsicótico Dose Equivalente (mg)


Clorpromazina 100
Clozapina 100
Haloperidol 2
Olanzapina 4
Quetiapina 125
Risperidona 1
Tioridazina 100
Ziprasidona 40

Fonte: Adaptado de Drug Information Handbook for Psychiatry, Lexi - Comp, 2009

Capítulo 10 173
O uso de benzodiazepínicos deve ser evitado, excetuando-se no delirium por abstinência a esta
substância ou nos casos de abstinência alcoólica. Os aspectos sensoriais e ambientais também
são de importância para a recuperação clínica. Deve-se dar preferência a manter o paciente em
ambientes silenciosos, bem iluminados durante do dia, garantindo-se a manutenção de órteses
como óculos, aparelhos auditivos e próteses dentárias, que favorecem a orientação e comunica-
ção. Relógios, calendários e orientações verbais podem evitar a confusão mental. A estimulação
cognitiva também é útil, como as visitas de familiares e amigos. Bebidas quentes ao deitar, mú-
sica relaxante, iluminação suave e massagem também são recursos úteis. Deve-se evitar a con-
tenção física, que agrava o quadro confusional e propicia o surgimento de úlceras por decúbito.
Além disso, garantir a adequada hidratação e nutrição, mantendo-se a cabeceira do leito elevada
por conta do risco de broncoaspiração. O sono noturno poderá ser facilitado evitando-se a admi-
nistração de medicamentos nesse período e reduzindo ruídos. O uso de tampões auditivos reduz
o risco de delirium nas unidades de terapia intensiva. Parte significativa das medidas terapêu-
ticas atuarão também como medidas preventivas, evitando o agravamento e prolongamento do
quadro confusional.

6. Estudo de Caso
Você está no pronto-socorro e terá de atender o sr. Marcílio, 70 anos, atendente de bar. Ele traba-
lhava até há 3 anos, quando teve AVCi e ficou com sequela de hemiparesia leve à direita. É trazido
ao PS pela esposa Vilma porque há dois dias está “diferente” do seu habitual. A esposa relata
que começou a se tornar mais irritado e, às vezes, muito quieto e apático. Há 1 dia começou a
apresentar confusão mental, falar sobre coisas sem sentido e ficar mais agitado. Nessas horas, o
paciente esfrega a mão no abdome mas nega sentir dor. Trata HAS e DM com enalapril 10mg/dia e
metformina 850mg 8/8 horas. Usa também loperamida 2mg 1 x ao dia, porque apresenta diarreia
crônica que já foi investigada no posto de saúde sem conclusão diagnóstica. À noite usa clonaze-
pam 2mg para tratar insônia, que adquiriu depois do AVCi. Toma também sertralina 50mg/dia.
Usa aparelho auditivo à esquerda há cerca de 5 anos. Ontem, por achar que estivesse com dor, a
esposa administrou 40 gotas de Escopolamina (Buscopam ® ), o que ajudou bastante na agitação.

Quando perguntado sobre suas condições cognitivas prévias, Vilma informa que o esposo era
normal (sic). A única coisa que também lhe chama a atenção, além da confusão mental, é que há
2 dias não está evacuando, nem urinando, nem ingerindo líquidos e alimentos, o que a deixou
preocupada e a fez trazê-lo ao PS.

Ao Exame: PA 120 X 80mmHg FC 78 bpm FR 16 irpm sat: 97%

Hidratado.

Neuro: no momento vigil, contactuante, com bom humor.

RCR, sem sopros.

Pulmões limpos.

Abdome: flácido, com massa palpável no hipogastro, dolorosa.

Membros sem edemas.

174
Enquanto o paciente aguarda a coleta de material para exames laboratoriais que você solicitou,
a esposa lhe informa que ele está ficando agitado. Na sala de medicação, começou a discutir com
o auxiliar de enfermagem, chamando-o de “ladrão” e dizendo que “ninguém vai roubar assim o
meu bar”. A enfermeira-chefe solicitou que ele se deitasse em uma maca para colher o material
para exames e orientou a contenção física do paciente, o que deixou a esposa aborrecida e cho-
rosa.

Mais tarde, os resultados de exames de sangue foram todos normais.

Questionamentos:

1. Qual o diagnóstico sindrômico deste paciente? Qual sua etiologia mais provável?

2. Que medicações podem estar implicadas, direta ou indiretamente, no surgimento da con-


fusão mental?

3. Qual é sua conduta terapêutica neste momento? O que fazer com as prescrições de clonaze-
pam e sertralina?

4. Pelo relato da esposa o paciente parecia ser cognitivamente normal. Esta informação parece
confiável? Que método(s) você escolheria para se avaliar o estado cognitivo deste paciente?

7. Conclusões
• O delirium é um quadro confusional agudo que costuma ter uma causa clínica subjacente.

• Apresenta elevada mortalidade e seu maior fator de risco é a demência.

• A forma hipoativa do delirium é a mais comum e favorece seu subdiagnóstico.

• Dentre as causas de delirium, a iatrogenia medicamentosa é uma das mais prevalentes.

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Capítulo 10 175
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176
CAPÍTULO

Depressão no Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Depressão no Idoso
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1. Introdução
A depressão é um distúrbio do humor caracterizado por sintomas psicológicos, comportamentais
e físicos. Afeta até 10% da população idosa da comunidade e até 30% dos idosos hospitalizados.
Nos pacientes afetados por AVC, infarto do miocárdio ou câncer a prevalência de depressão pode
chegar a 40%. A depressão está associada ao aumento da mortalidade, do risco de suicídio e do
desenvolvimento de demência.

2. Critérios diagnósticos
Os principais critérios diagnósticos, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans-
tornos Mentais/2013 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM), da Associa-
ção Americana de Psiquiatria, estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1 - Critérios Diagnósticos pelo DSM-V

Humor deprimido na maior parte do dia, na maior parte dos dias da semana,
confirmado pelo paciente ou familiares.
Perda do interesse ou do prazer.
Agitação ou retardo psicomotor.
Perda ou ganho de peso ou apetite (5% em 1 mês).
Insônia ou hipersônia.
Fadiga ou diminuição de energia.
Sentimentos de inutilidade ou culpa excessivos ou inadequados.
Redução da capacidade de pensar ou concentrar-se.
Pensamentos de morte ou suicidas.

Fonte: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais/2013 - Associação Americana de Psiquiatria

A depressão maior se caracteriza pela presença obrigatória de ao menos 5 desses sintomas, sendo
obrigatórios o primeiro e o segundo deles. Os sintomas devem estar presentes ao menos por duas
semanas.

O clínico deve estar atento à existência de depressões reativas, relacionadas a eventos vitais como
luto ou estressores psíquicos. A tendência é que haja recuperação espontânea, em período variá-
vel de meses a um ano. Estes pacientes não deverão ser tratados farmacologicamente, a menos
que apresentem sintomas graves ou tendência à piora, com significativo impacto funcional.

3. Manifestações nos idosos


A manifestação clínica da depressão nos idosos costuma diferir daquela observada nos jovens.
É habitual encontrarem-se mais sintomas físicos que psicológicos. É comum identificar-se de-
pressão subsindrômica, apenas com leve humor deprimido e tendência a queixas de memória,
o que justifica o subdiagnóstico de muitos pacientes. Estes idosos, em geral, procuram atendi-
mento médico com queixas físicas generalizadas e persistentes, sendo submetidos a múltiplos
exames complementares sem que seja obtido diagnóstico preciso e tratamento adequado. São
menos frequentes as queixas subjetivas do humor e mais reiteradas alterações como anedonia,
dores físicas, falta de ar, tonturas com sensação de cabeça vazia, distúrbios do sono, do apetite,
da cognição e do comportamento, com sintomas ansiosos e risco de surgimento de alcoolismo.
A Escala de Depressão Geriátrica – GDS - (Yesavage et al., 1983), é um instrumento desenvolvido
para o diagnóstico de depressão na população idosa e pode ser preenchido pelo próprio paciente.
A escala original com 30 perguntas foi adaptada em uma versão para 15 questões, com pontuação
mínima para o diagnóstico em 6 pontos, apresentando sensibilidade de 85% e especificidade de
73% (Tabela 2).

Tabela 2 - Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15)

Você está satisfeito com sua vida? SIM NÃO*


Você deixou muitos de seus interesses e atividades? SIM* NÃO
Você sente que sua vida está vazia? SIM* NÃO
Você se aborrece com frequência? SIM* NÃO
Você se sente de bom humor a maior parte do tempo? SIM NÃO*
Você tem medo que algum mal lhe aconteça? SIM* NÃO
Você se sente feliz a maior parte do tempo? SIM NÃO*
Você sente que a sua situação não tem saída? SIM* NÃO
Você prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? SIM* NÃO
Você se sente com mais problemas de memória que a maioria? SIM* NÃO
Você acha maravilhoso estar vivo? SIM NÃO*
Você se sente um inútil nas atuais circunstâncias? SIM* NÃO
Você se sente cheio de energia? SIM NÃO*
Você acha que sua situação é sem esperanças? SIM* NÃO
Você sente que a maioria das pessoas está melhor do que você? SIM* NÃO

*Resposta esperada para sintoma depressivo.


Fonte: Yesavage et al., 1983

Capítulo 11 179
A Tabela 3 indica os principais fatores de risco para depressão nos idosos:

Tabela 3 - Fatores de Risco

Baixo nível socioeconômico e


Sexo feminino Dor crônica
educacional
Isolamento social Comorbidades Baixa funcionalidade
Viuvez ou separação Insônia Declínio cognitivo

Fonte: Adaptado de Freitas et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia.


Rio de Janeiro, 4ª. edição. Guanabara Koogan, 2016

Os fatores que favorecem a instalação da depressão são:

a) A estrutura psíquica, que engloba o modo de conceber a própria existência;

b) A condição social, ou seja, o modo como o paciente se relaciona com a família e a socieda-
de, os vínculos afetivos com amigos e a rede de suporte social. Dessa forma, a viuvez e a
perda de familiares e amigos, o isolamento social, a privação sensorial, a aposentadoria e a
mudança de papéis sociais na família são fatores predisponentes para depressão;

c) A base neuroquímica e hormonal, caracterizada por uma desregulação de neurotransmis-


sores, estando implicados principalmente serotonina e noradrenalina, mas também acetil-
colina, dopamina e GABA. Além disso há um aumento na secreção de corticoides.

A depressão nos pacientes muito idosos pode ser a manifestação prodrômica de um quadro demen-
cial. Dessa forma, a cognição deve ser sempre monitorada. A abordagem diagnóstica deve excluir
causas orgânicas para o distúrbio de humor, como diabetes descompensado, anemia, doenças da
tireoide, do metabolismo do cálcio, apneia do sono, cardiopatias, uremia, demência e medicamen-
tos (como anti-hipertensivos de ação central e benzodiazepínicos). Em alguns idosos a depressão
pode ser a única manifestação de neoplasias, especialmente malignidades abdominais.

4. Tratamento
Quando não tratada, a depressão aumenta a mortalidade, reduz a adesão a tratamentos de outras
doenças clínicas e aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Apenas um terço dos pacientes é tratado adequadamente, com fármaco e psicoterapia. A psi-
coterapia, em especial a psicoterapia breve no modelo cognitivo-comportamental, é útil para o
tratamento da depressão nos idosos. Para quadros de depressão leve, a atividade física pode ser
um bom recurso, principalmente se existirem sintomas ansiosos associados.

Com relação ao tratamento farmacológico, deve ser indicado nos casos moderados e graves de
depressão. Deve ser iniciado sempre em monoterapia. Podem ser utilizados, basicamente, anti-

180
depressivos e estabilizadores de humor, evitando-se o uso de benzodiazepínicos. Nos casos de
insônia, preferir hipnóticos não benzodiazepínicos, como o zolpidem ou antidepressivos modu-
ladores de serotonina, como a trazodona.

As drogas antidepressivas apresentam perfil de eficácia semelhante entre si. Dessa forma, serão
selecionadas tendo em vista seu perfil de efeitos colaterais. Com relação à terapêutica farmacoló-
gica deve-se cuidar para evitar a ocorrência tanto de subtratamento quanto de supertratamento.
Para evitar o subtratamento é necessário rever periodicamente as drogas, suspender ou trocar se
necessário, e organizar um planejamento terapêutico, que reconheça a resposta clínica ao medi-
camento, a remissão, a recaída e a recorrência. Para evitar o supertratamento, buscar orientar a
terapêutica não exclusivamente pela intervenção medicamentosa, julgar de forma crítica quais
os limites e os benefícios do uso de medicações para cada paciente, levando em conta os efeitos
adversos e, principalmente, não confundir depressão com tristeza. A tristeza é um sentimento e,
como tal, não deve ser interpretado como doença ou medicado.

As medicações devem ser iniciadas em doses baixas e reavaliadas após 4 a 6 semanas de uso,
quanto à manutenção, ajuste de dose ou substituição. Deve-se lembrar que, após a primeira ten-
tativa de tratamento, ainda 50% dos pacientes não terão se recuperado, exigindo mudança do
esquema terapêutico. A resposta completa a um antidepressivo é mais lenta nos idosos e cos-
tuma ser menos robusta que aquela observada nos pacientes mais jovens. Após 8 semanas de
tratamento na fase aguda, se houver adequada resposta, segue-se uma etapa de 4 a 9 meses, de
prevenção de recaídas e recuperação de funcionamento psicossocial. Os medicamentos antide-
pressivos poderão, nesta fase, ter suas doses reduzidas. Evita-se a suspensão completa do trata-
mento antes de seis meses, haja vista que a taxa de recorrência de sintomas nos idosos é elevada.
Como regra, o tratamento é mantido por pelo menos um ano. A Tabela 3 lista as principais classes
de antidepressivos, princípios ativos e doses usuais.

Os inibidores da receptação seletiva de serotonina costumam ser as drogas de escolha no tra-


tamento inicial, por sua boa tolerabilidade e segurança. Dentre os efeitos colaterais nos idosos
estão o parkinsonismo, a acatisia, a anorexia, a bradicardia e a hiponatremia.

Os inibidores da receptação de serotonina e norepinefrina (venlafaxina e duloxetina) apresentam


efeito adicional para o controle da dor. Este efeito também é observado com o uso de tricíclicos,
uma classe de antidepressivos que deve ser usada com muita cautela nos idosos, pelos efeitos
adversos que apresenta, especialmente anticolinérgicos.

Dentre as drogas adjuvantes ao tratamento vale a citação do metilfenidato, que em estudos re-
centes com idosos demonstrou benefício ao ser associada ao citalopram. O tratamento também
pode ser potencializado com anticonvulsivantes, estabilizadores de humor e levotiroxina. Pa-
cientes que necessitam de tratamentos combinados, entretanto, devem ser referenciados a psi-
quiatras para seguimento.

Capítulo 11 181
Tabela 3 – Antidepressivos

Classe Princípios Ativos e Doses Observações


Evitar Fluoxetina pela meia-vida
Paroxetina (10-40mg/dia) longa. Paroxetina e sertralina são
Inibidores seletivos da
Sertralina (25-200mg/dia) mais indutores de disfunção erétil.
receptação de serotonina
Citalopram (10-20mg/dia) Outros efeitos colaterais desta classe
(ISRS).
Escitalopram (5-20mg/dia) são os distúrbios gastrointestinais e a
insônia.
A venlafaxina em doses elevadas
Venlafaxina (37,5-375mg/dia)
Inibidores de receptação de pode levar à hipertensão arterial.
Desvenlafaxina (50-100mg/dia)
serotonina e noradrenalina. Apresentam eficácia contra a
Duloxetina (30-90mg/dia)
ansiedade.
Devem ser evitados pelos
efeitos anticolinérgicos e risco
cardiovascular. Benefício como
Tricíclicos. Nortriptilina (25-250mg/dia)
adjuvante no controle da dor. Preferir
o uso da nortriptilina por melhor
perfil de segurança.
Ação serotoninérgica Seus efeitos adversos podem ser
e noradrenérgica por Mirtazapina (15-45mg/dia) usados em benefício do paciente:
Antagonismo Alfa-2. aumento do apetite e do sono.
Antagonista de dupla
ação sobre receptores de
Trazodona (50-300mg/dia) Aumenta a sonolência.
serotonina 2a e inibição de
recaptação de serotonina.
Pode ser associada aos ISRS. Sem
Bloqueadores de recaptação
Bupropiona (100-300mg/dia) impacto na libido. Risco aumentado
de noradrenalina e dopamina.
de convulsões e agitação.
Agonista melatoninérgico. Agomelatina (25-50mg/dia) Benefício para melhora do sono.

Fonte: Adaptado de Freitas et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia.


Rio de Janeiro, 4ª. edição. Guanabara Koogan, 2016

Com relação aos estabilizadores de humor, pode-se utilizar a carbamazepina, a oxcarbazepina,


o ácido valproico e a lamotrigina. O lítio costuma ser evitado pelo elevado risco de intoxicação.
Em geral, é associado ao antidepressivo em casos de bipolaridade ou quando há necessidade de
potencialização de tratamento. É comum que se necessite de suporte psiquiátrico para a condu-
ção destes pacientes, bem como daqueles idosos que apresentem depressão refratária a múltiplos
tratamentos depressivos ou com sintomas psicóticos. Estes pacientes em geral necessitam de
associação de classes de antidepressivos ou mesmo terem considerada a eletroconvulsoterapia
(ECT). O suporte psiquiátrico também deve ser considerado quando há risco evidente de suicídio,
em que deve ser ponderada a necessidade de internação. O risco de suicídio é menos frequente
nos idosos se comparado a jovens, mas a taxa de êxito é cerca de duas vezes maior.

Um outro tratamento disponível para a depressão em fase leve e moderada é a estimulação elétri-
ca transcraniana, técnica não invasiva que atua pela modulação da excitabilidade cerebral, com
melhora dos sintomas depressivos.

182
A depressão quando não tratada adequadamente se torna crônica e de mais difícil manejo, con-
dicionando perdas funcionais e comportamento desadaptado. Há ainda o aumento do risco em
até três vezes para o surgimento de infarto agudo do miocárdio e duas vezes para demência por
Doença de Alzheimer, diabetes e acidente vascular cerebral isquêmico. Há um risco de até 30%
da depressão se tornar uma doença crônica, necessitando de suporte farmacológico contínuo.

5. Estudo de Caso
Um clínico está atendendo no consultório a sra. Alzira, 69 anos, viúva e auxiliar de serviços ge-
rais. Ela trabalha em uma repartição pública e é acompanhada na consulta pela amiga do serviço,
Vera, já que não tem filhos e mora sozinha há 4 anos, desde que o marido faleceu. Ela procura
atendimento porque tem se sentido muito cansada nos últimos 3 meses. No último mês chegou
a faltar ao trabalho por dois dias, com muita sonolência e sem vontade de sair da cama. Quei-
xa-se de dores nos braços e na região cervical posterior que não a deixam dormir à noite. Conta
também declínio do apetite, tendo perdido 7kg nesse período. A amiga informa que está muito
preocupada com Alzira porque ela abandonou o tratamento que fazia com hidroclorotiazida e
amitriptilina, prescrito no posto de saúde. Acha que Alzira está muito cansada, com falta de ar
e esquecimentos, inclusive se confundindo nas atividades do trabalho. Acha também que ela
está fumando e bebendo cerveja demais. Alzira informa que interrompeu o tratamento porque
apresentava muita tontura e não suportava tomar a medicação, tendo havido melhora quando
as suspendeu. Reconhece que está bebendo muita cerveja e que deseja parar porque começou a
ouvir vozes estranhas e incompreensíveis dentro de casa, principalmente à noite. É tabagista de
48 maços/ano (1 maço de cigarros ao dia desde os 21 anos) e etilista de 4 garrafas de cerveja/dia
há cerca de 30 anos.

Ao exame: PA 150X90 mmHg FC 96 bpm FR 20 irpm satO2 89%

Neuro: Lúcida e orientada, cooperativa. MEEM: 24/30 (5 anos de escolaridade).

RCR sem sopros. Pulmões com MV difusamente reduzido, sem sibilos. Abdome flácido, indolor.

Membros com edemas 3+/4+ e sinais de insuficiência venosa periférica.

Peso: 72 Kg Alt 1,61 m IMC: 27,8 Kg/m2

Após examinar a paciente, o clínico solicitou alguns exames e iniciou tratamento com sertralina
50mg/manhã e solicitou retorno em 2 semanas.

Após 2 semanas, a paciente retorna informando piora do apetite e insônia. Está mais cansada e
faltou no serviço por 4 dias seguidos na última semana.

Exames: Hb 10,5 g/dL Ht 32,9% HCM 22 VCM 109 Uréia 45 mg/dL Creatinina 0,9mg/dL Glicose
92mg/dL Na 143mEq/L K 3,9mEq/L urina tipo I: 9.000 leucócitos por campo; urocultura negativa.

Capítulo 11 183
Em função deste cenário, o médico optou por suspender sertralina e introduzir outro antidepressivo.

Questionamentos:

1. Que hipóteses diagnósticas você consideraria para esta paciente?

2. Você solicitaria outros exames complementares a esta paciente? Justifique.

3. Como você avalia a conduta de trocar o antidepressivo?

4. Como você avalia a condição cognitiva atual da paciente?

6. Conclusões
• A depressão é condição frequente nos idosos e está associada a aumento de mortalidade,
risco de suicídio e declínio cognitivo.

• Os sintomas depressivos nos idosos podem ser atípicos, com mais sintomas físicos e menos
sintomas psicológicos.

• O tratamento deve envolver psicoterapia, atividade física e o uso de fármacos. A resposta


ao tratamento farmacológico nos idosos costuma ser mais lenta que em jovens.

• Os antidepressivos costumam ter eficácia semelhante entre si, sendo escolhidos de acordo
com o perfil de efeitos colaterais de maior tolerabilidade ao paciente.

• A droga de primeira linha no tratamento da depressão é o inibidor de receptação de seroto-


nina; o uso de tricíclicos deve ser evitado pelo seu perfil desfavorável de efeitos adversos.

7. Referências
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184
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aged: a systematic review. International Journal of Geriatric Psychiatry 2006:21:410.

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YESAVAGE, J.A. et al. Development and validation of a geriatric depression screening scale: a
preliminary report. Journal of Psychiatric Research. 1983;17:37-4

Capítulo 11 185
CAPÍTULO

Transtornos de ansiedade
e sono no idoso
Profa. Paula Cristina Eiras Poço
Profa. Vanessa Silva Suller Garcia
Transtornos de ansiedade e sono no idoso
Profa. Paula Cristina Eiras Poço
Profa. Vanessa Silva Suller Garcia

1. Caso Clínico
Senhora Ivone, de 82 anos, comparece à consulta médica acompanhada de seu filho. É desqui-
tada, vive sozinha, porém passa o dia em companhia de seus netos. Aposentou-se do trabalho
de costureira, mas ainda aceita pequenas encomendas para complementar a renda. Realizava
tratamento irregular de hipertensão e dislipidemia até 6 meses atrás, quando apresentou infarto
agudo do miocárdio e passou a se preocupar com sua saúde. Procurou atendimento por dificulda-
de em iniciar e manter o sono há 6 meses, desde a internação pelo infarto. Lembra com angústia
dos dias no hospital, com receio de pegar no sono e morrer dormindo, mas acha que esse medo é
exagerado. Conta que sempre teve um sono agitado e seu falecido esposo reclamava de roncos.
Chegou a usar CPAP por apneia obstrutiva do sono, porém abandonou o uso pelo desconforto do
dispositivo. Voltou a usá-lo há 2 meses, quando passou a despertar no meio da noite com mal-es-
tar e falta de ar, o que proporcionou pequena melhora desses sintomas. Acorda de manhã indis-
posta e com dor cervical, mas logo inicia suas tarefas e tem a impressão que a cabeça está “a mil
por hora”. Confessa que os netos a deixam sobrecarregada e irritada, mas o filho está precisando
dessa ajuda neste momento. Refere ainda dispneia aos grandes esforços, o que não limita suas
atividades. Nega ortopneia, palpitação, dor torácica e edema periférico. Não faz atividade física.
Tem dificuldade recente de lembrar onde guardou objetos e não dá conta de realizar mais de uma
tarefa ao mesmo tempo, como costurar e vigiar os netos. Tem que ir e voltar de um cômodo para
o outro para lembrar-se do que estava fazendo ou o que estava procurando. Apresenta queixas
de memória iniciadas junto ao quadro de insônia. A avaliação cognitiva foi normal para o grau de
escolaridade e o exame físico sem particularidades.

2. Transtornos de ansiedade
Os transtornos de ansiedade englobam comportamentos de medo e ansiedade que, quando ex-
cessivos e persistentes, causam sofrimento e esquiva. O medo é a resposta emocional fisiológica
à ameaça iminente, real ou percebida, enquanto que a ansiedade representa a antecipação de
ameaça futura. A evolução recorrente e crônica desses comportamentos, em geral maior que 6
meses, é o que distingue os transtornos de respostas adaptativas e transitórias, desencadeadas
principalmente por estresse.

Os quadros ansiosos diferem entre si pelas situações temidas ou evitadas e pelo conteúdo dos
pensamentos ou crenças associadas, embora tendam a ser altamente comórbidos entre si. As
principais características dos transtornos de ansiedade estão ilustradas na Tabela 1. Uma avaliação
clínica detalhada é, portanto, essencial para um diagnóstico mais preciso. Apesar de afetarem ini-
cialmente adultos jovens, os quadros de ansiedade podem surgir tardiamente, em particular entre
a quinta e a sexta décadas de vida. Diversos fatores predisponentes para o desenvolvimento de
transtorno de ansiedade generalizada (TAG) no idoso foram identificados, dos quais se destacam:
- Sexo feminino;

- Pobreza e baixo nível educacional;

- Eventos de vida estressores recentes;

- Doença física crônica (respiratória, cardiovascular, metabólica, cognitiva);

- Antecedente de transtorno mental (depressão, fobia);

- Perda ou separação conjugal;

- Personalidade neurótica;

- Suporte afetivo baixo durante a vida e situações traumáticas na infância.

Tabela 1: Principais características dos quadros ansiosos específicos

Indução imediata de apreensão, ansiedade e esquiva diante de situações específicas, como


Fobia específica a animais, ambiente natural, sangue, injeção e ferimentos, até um ponto em que é persis-
tente e fora de proporção em relação ao risco real que se apresenta.
O indivíduo é temeroso, ansioso ou se esquiva de interações e situações sociais que envol-
Fobia social vem a possibilidade de ser avaliado negativamente pelos demais, ficar embaraçado, ser
humilhado, rejeitado ou ofender os outros.
São ataques abruptos de medo intenso ou desconforto intenso que atingem um pico em
Ataques de pânico
poucos minutos, acompanhados de sintomas físicos e/ou cognitivos.
Apreensão, ansiedade e esquiva de duas ou mais das seguintes situações: usar transporte
público; estar em espaços abertos; estar em lugares fechados; ficar em uma fila ou estar
no meio de uma multidão; ou estar fora de casa sozinho em outras situações. O indivíduo
Agorafobia
teme essas situações devido aos pensamentos de que pode ser difícil escapar ou de que
pode não haver auxílio disponível caso desenvolva sintomas do tipo pânico ou outros sin-
tomas incapacitantes ou constrangedores.
Ansiedade e preocupação persistentes e excessivas acerca de vários domínios, os quais o
Transtorno indivíduo encontra dificuldade em controlar. Além disso, são experimentados sintomas físi-
de ansiedade
generalizada cos, incluindo inquietação ou sensação de “nervos à flor da pele”, fatigabilidade, dificuldade
de concentração ou “brancos”, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono.
Transtorno de
ansiedade Sintomas de ansiedade devido à intoxicação ou abstinência de substância ou a um trata-
induzido por mento medicamentoso.
substância
Transtorno de
ansiedade devido
Sintomas de ansiedade são consequência fisiológica de outra condição médica.
à outra condição
médica

Fonte: Adaptado de Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-V,


American Psychiatric Association; Artmed, Porto Alegre, 2014

Capítulo 12 189
O impacto da ansiedade patológica é considerável e semelhante ao da depressão. No entanto,
acredita-se que seja subdiagnosticada e pouco tratada nos idosos. Os pacientes, familiares e pro-
fissionais de saúde podem atribuir o medo e a preocupação a fatores de personalidade, ou consi-
derar a ansiedade como uma resposta realista ao ambiente social, aos desafios e eventos da vida
recentes, em vez de abordá-la como uma síndrome tratável.

A ansiedade no idoso pode estar presente como transtorno isolado, mas com frequência ocorre
em associação a outras doenças clínicas e psiquiátricas, ou ainda com uso ou abstinência de me-
dicamentos e outras substâncias. A ocorrência conjunta de depressão e ansiedade é frequente e
tem pior prognóstico, por retardar a resposta terapêutica e aumentar a probabilidade de ideação
suicida.

Outro desafio é o diagnóstico e manejo da ansiedade nos pacientes com demência, que podem
apresentar sintomas ansiosos manifestos sob a forma de agitação psicomotora, descontrole ver-
bal e prejuízo nas funções executivas.

Neste capítulo abordaremos os aspectos clínicos, o diagnóstico e o manejo do Transtorno de


Ansiedade Generalizado (TAG), psicopatologia ansiosa mais frequente nas fases mais tardias de
vida, com prevalência estimada de 6 a 10% nos idosos.

3. Quadro clínico e diagnóstico


Apesar da preocupação excessiva e irreal acerca de diversos eventos ou atividades, que ocorre na
maioria dos dias por ao menos seis meses, ser amplamente considerada a característica cardinal
do TAG, a maioria dos pacientes apresentam também outros sintomas relacionados à hiperativi-
dade, à hiperestimulação autonômica e à tensão muscular.

É importante frisar que a ansiedade no idoso, assim como a depressão, tem uma apresentação
clínica com mais elementos somáticos que no jovem. São frequentes as queixas de perda de me-
mória, sono não restaurador, fadiga, dificuldade de relaxar, dores de cabeça e osteomusculares.
Isto é particularmente difícil para o médico, pois trata-se de uma população também sob risco do
desenvolvimento de doenças orgânicas que poderiam explicar os sintomas. Nos portadores de
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ou de Insuficiência Cardíaca, por exemplo, a dispneia pode
ser superestimada pela ansiedade, o que também provoca impacto funcional negativo.

Os pacientes ansiosos também estão mais sujeitos à instabilidade de marcha e quedas. É de ex-
trema importância o reconhecimento de pacientes com medo excessivo de cair, condição que
pode determinar inatividade física e isolamento social.

A escala GAD-7 é amplamente validada para rastreamento de casos suspeitos de TAG (Tabela 2).
São atribuídos pontos de acordo com a frequência em que ocorrem os sintomas ansiosos, sendo
a somatória dos pontos proporcional à gravidade do quadro. O diagnóstico definitivo de TAG é
clínico e se baseia nos critérios estabelecidos pelo DSM-5 (Tabela 3).

190
Tabela 2: Escala GAD-7 de rastreamento de Transtorno de Ansiedade Generalizada

Nas últimas 2 semanas, com que frequência você se Nenhum Alguns Mais da meta- Quase todos
sentiu: dia dias de dos dias os dias
1. Nervoso, ansioso ou no limite; 0 1 2 3
2. Incapaz de controlar medos e preocupações; 0 1 2 3
3. Preocupado excessivamente com diferentes as-
0 1 2 3
suntos;
4. Com dificuldade para relaxar; 0 1 2 3
5. Cansado a ponto de interferir nas suas atividades; 0 1 2 3
6. Facilmente chateado ou irritado; 0 1 2 3
7. Preocupado como se algo ruim fosse acontecer. 0 1 2 3
TOTAL DE PONTOS*:
* Escore 5 a 9 = ansiedade leve; 10 a 14 = ansiedade moderada; 15 a 21 = ansiedade grave

Fonte: SPITZER, R.L. et al. A brief measure for assessing generalized anxiety disorder:
the GAD-7. Archives of Internal Medicine. 2006 May 22;166(10):1092-7

Tabela 3: Critérios diagnósticos de Transtorno de Ansiedade Generalizada, segundo o DSM-5

A. Ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por
pelo menos seis meses, com impacto em diversos eventos ou atividades (tais como desempenho es-
colar ou profissional).
B. O indivíduo considera difícil controlar a preocupação.
C. A ansiedade e a preocupação estão associadas a três (ou mais) dos seguintes seis sintomas (com pelo
menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses):
1. Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele.
2. Fatigabilidade.
3. Dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente.
4. Irritabilidade.
5. Tensão muscular.
6. Perturbação do sono (dificuldade em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e
inquieto).
D. A ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou
prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medi-
camento) ou a outra condição médica (p. ex., hipertireoidismo).
F. A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental.

Fonte: Adaptado de Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais:


DSM-V, American Psychiatric Association; Artmed, Porto Alegre, 2014

Capítulo 12 191
4. Diagnóstico diferencial
O TAG primário com sintomas depressivos associados pode ser difícil de distinguir do distúrbio
depressivo persistente (distimia), pois as condições compartilham muitas características, como
um início insidioso, curso prolongado, disforia proeminente e sintomas de ansiedade. Indiví-
duos com depressão tendem a se preocupar com eventos e circunstâncias anteriores, enquanto
os pacientes com TAG tendem a se preocupar com possíveis eventos futuros. A ocorrência de
despertares no início da manhã, de variações diurnas do humor e de pensamentos suicidas são
incomuns no TAG, ao contrário do que se constata nos quadros depressivos.

Da mesma forma que acontece com a depressão, a relação entre cognição e ansiedade é comple-
xa. Por um lado, o paciente com declínio cognitivo tem dificuldade de expressão da experiência
emocional; mas, por outro, pode acontecer sobreposição de sintomas possivelmente explicados
pela demência, como agitação e dificuldade em fazer escolhas. A ansiedade está relacionada ao
declínio cognitivo, porém não é certo ainda se ela é a manifestação de uma resposta do indivíduo
frente à percepção do declínio cognitivo, ou se ela é o próprio fator de risco para a piora cognitiva.
Um possível viés de confusão dessa associação é o uso de benzodiazepínicos por longos períodos
de tempo. A avaliação neuropsicológica de pacientes ansiosos evidencia prejuízo na atenção, na
habilidade de resolução de problemas, na memória de curto prazo e na memória de trabalho.

Há diversas substâncias com potencial de gerar sintomas ansiosos por seu uso ou abstinência. As
mais vistas na prática clínica são o álcool, a cafeína, a fenciclidina, os alucinógenos, os inalantes,
os opioides, os benzodiazepínicos, os anfetaminérgicos, a cocaína e o fenoterol.

As doenças clínicas que podem ter sintomas semelhantes aos da ansiedade estão descritas no
Quadro 1. Em casos de dor torácica ou dispneia, sempre realizar avaliação cardiológica minucio-
sa, já que ansiosos têm maior risco de desfechos cardiovasculares negativos.

Quadro 1: Doenças clínicas que podem se manifestar com sintomas de ansiedade

Insuficiência cardíaca e coronariana Hipertireoidismo


Doença pulmonar obstrutiva crônica Hipoglicemia
Tromboembolismo pulmonar Feocromocitoma
Fibrilação atrial Hipercortisolismo
Asma Distúrbios hidroeletrolíticos

Fonte: Adaptado de WOLITZKY-TAYLOR, K.B. et al. Anxiety disorders in older adults:


a comprehensive review. Depress Anxiety. 2010 Feb;27(2):190-211

192
5. Tratamento
O tratamento deve sempre incluir medidas de auxílio no manejo do estresse. Atualmente pre-
coniza-se o estímulo à pratica de atividade física aeróbica e terapias de relaxamento. Evidências
recentes apontam para o benefício da realização de meditação mindfulness. A psicoterapia tem
benefício bem estabelecido, não havendo superioridade entre as técnicas, embora atualmente a
linha cognitivo-comportamental seja bastante estudada.

As principais classes de medicamentos usados no TAG são os antidepressivos, os anticonvulsi-


vantes e os benzodiazepínicos. Os antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de seroto-
nina (ISRS) ou os inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) são as classes de
medicamentos de escolha para a terapia a longo prazo (Tabela 4). A mirtazapina pode ser usada
como monoterapia ou em associação com os ISRS e IRSN, com efeito sedativo que pode auxiliar
no sono. Os tricíclicos são medicações potencialmente inapropriadas para idosos devido a seus
efeitos colaterais. Todos os antidepressivos podem exacerbar os sintomas ansiosos no início do
tratamento, que tendem a regredir após 2 a 3 semanas de tratamento, quando é possível obser-
var o efeito terapêutico destes medicamentos. A escolha do fármaco deve ser individualizada,
tomando por base o perfil de efeitos colaterais e interações medicamentosas.

A pregabalina é um anticonvulsivante aprovado tanto para o tratamento agudo quanto na pre-


venção de recidiva em TAG. Possui uma estrutura molecular semelhante ao neurotransmissor
inibidor de ácido gama-amino-butírico (GABA), mas seu mecanismo de ação não foi completa-
mente identificado.

Os benzodiazepínicos devem ser evitados por seu grande potencial de desencadear efeitos ad-
versos. Se indicados, devem ter seu uso restrito ao início do tratamento, durante o período de
latência dos antidepressivos. Deve-se dar preferência aos de meia-vida mais curta, como o lora-
zepam e o alprazolam. Os riscos potenciais do uso crônico incluem quedas, prejuízo cognitivo,
tolerância e dependência.

Nos casos de ansiedade que afetam pacientes com demência, deve-se tratar possíveis fatores
desencadeantes, como alterações ambientais, dor e distúrbio do sono. O tratamento farmacoló-
gico, quando necessário, pode ser realizado com inibidores de receptação de serotonina ou com
antipsicóticos atípicos, que além de serem usados para controle comportamental, também tem
ação contra a ansiedade.

Capítulo 12 193
Tabela 4: Principais medicamentos utilizados para tratamento do TAG

Medicamentos Dose Habitual Efeitos colaterais mais comuns

ISRS
Tontura, insônia, tremor, diarreia, disfunção ejaculatória,
Citalopram 20-40mg
aumento do intervalo QT
i: 5mg
Cefaleia, insônia, tontura, disfunção ejaculatória, náusea,
Escitalopram
diarreia
10-20mg
i: 10mg
Sonolência, tontura, diminuição da libido, boca seca, cons-
Paroxetina
tipação ou diarreia
20-40mg
IRSN
i: 37,5mg
Sonolência ou insônia, tontura, náusea, boca seca, hiper-
Venlafaxina 75-225mg
tensão, taquicardia
Desvenlafaxina i: 50mg
Insônia, cefaleia, tontura, náuseas, boca seca, hiper-hidrose
50-200mg
i: 30mg
Duloxetina Cefaleia, sonolência, náusea, insônia, constipação
60-120mg

i: 15mg
Mirtazapina Sonolência, ganho de peso, boca seca, constipação
15-45mg

Antidepressivos tricí-
i: 10mg Arritmia, glaucoma de ângulo fechado, confusão mental,
clicos
constipação, retenção urinária, hipotensão postural, déficit
30-50mg cognitivo
Nortriptilina
Anticonvulsivantes
i: 75mg
Edema periférico, tontura, sonolência, tremor, xerostomia,
Pregabalina
ganho de peso e confusão mental
150-300mg
i: dose inicial; ISRS: inibidores seletivos da recaptação de serotonina; IRSN: inibidores da recaptação de serotonina e nora-
drenalina

Fontes: Adaptado de FORLENZA, O.V. et al. Neuropsiquiatria Geriátrica. 2. Ed. Atheneu 2014; FREITAS, E.V.; PY, L.
Tratado de Geriatria e Gerontologia, 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016; ANDREESCU, C. et al. New resear-
ch on anxiety disorders in the elderly and an update on evidence-based treatments. Current Psychiatry Reports, 2015
Jul;17(7):53

194
Distúrbios do sono no idoso

1. Introdução
As alterações do sono apresentam-se como uma das queixas mais comuns do indivíduo adulto,
com crescente prevalência ao longo da sua vida. O processo de envelhecimento implica no sur-
gimento de inúmeros fatores de risco para o desenvolvimento de distúrbios do sono e estima-se
que metade dos indivíduos acima de 60 anos vivendo na comunidade e mais de dois terços dos
institucionalizados já experimentaram alguma dificuldade para dormir. Queixas de sono devem
ser valorizadas, pois além de altamente prevalentes, estão envolvidas na gênese de diversas
doenças físicas e psiquiátricas, além de contribuir para a descompensação de doenças crônicas.

O ciclo sono-vigília é gerado pelos núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo e envolve diversas


outras estruturas do sistema nervoso central. O sono apresenta duas fases: a não sincronizada, ou
sono REM (rapid eye movement), e a sincronizada, ou sono não-REM. O sono não-REM representa
75-80% do total do sono e é subdividido em três fases sequenciais: N1, N2 e N3. No sono REM (20-
25% do sono) ocorre atonia muscular, os sonhos e os movimentos oculares rápidos que dão nome
a esta fase. O sono inicialmente começa com períodos de 90 minutos de sono não-REM, no qual
sequencialmente aprofunda-se do estágio 1 ao 3, seguido por um período de 10 a 15 min de sono
REM. Este ciclo se repete a cada 70 a 120 minutos ao longo da noite.

A arquitetura do sono muda com o avançar da idade, relacionada a alterações no ciclo circadiano,
na temperatura e no perfil hormonal. Observa-se marcada redução da secreção de melatonina e
do hormônio de crescimento. O sono do idoso tem maior latência (tempo necessário para passar
da vigília ao sono) e menor eficiência (razão entre tempo total de sono e tempo total na cama)
em relação ao adulto jovem, passando a ser mais superficial e mais fragmentado. Outros fatores,
como privação de sono, uso de fármacos, doenças crônicas, redução à exposição solar e redução
da atividade física, contribuem para um agravamento da qualidade do sono.

Os distúrbios do sono têm impacto na qualidade de vida, na mortalidade e na cognição do idoso.


A maior mortalidade está associada com alteração da duração do sono (tanto para mais, quanto
para menos) e com a síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono. Os impactos na cogni-
ção foram demonstrados a curto e a longo prazo. A qualidade ruim do sono ou restrição de dura-
ção afetam precocemente o desempenho em testes cognitivos. Cronicamente, as queixas subjeti-
vas de má qualidade de sono e insônia estão associadas ao desenvolvimento de demência. Ainda
há dúvida, entretanto, se essa associação se dá pela alteração arquitetural do sono se manifestar
precocemente na história natural da demência - antes ainda dos parâmetros de funcionalidade
estarem afetados -, se seria um fator de risco independente ou ainda um viés de confusão com o
uso de benzodiazepínicos.

O diagnóstico dos distúrbios do sono geralmente é feito através de uma anamnese cuidadosa,
da qual extraem-se informações sobre os hábitos de sono, rotinas de vida diária e sintomas diur-

Capítulo 12 195
nos. Deve-se sempre investigar o uso de medicamentos que possam prejudicar o sono. Hábitos
alimentares como a ingestão de álcool, café e outros alimentos estimulantes também devem ser
investigados, assim como os cochilos diurnos. A utilização de um “diário do sono” ao longo de 2
semanas, no qual é registrada a rotina (horários de deitar, pegar no sono, acordar, tomar medica-
mentos e café, realizar atividade física) pode ser útil para uma avaliação mais completa na abor-
dagem da insônia. Em casos selecionados, como na suspeita de síndrome da apneia e hipopneia
do sono, pode ser necessária a realização de uma polissonografia.

Existe atualmente o registro de mais de 100 tipos de distúrbios do sono. Neste capítulo abordare-
mos as alterações mais frequentes no idoso: insônia, síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva
do sono, síndrome das pernas inquietas e transtorno comportamental do sono REM.

2. Insônia
A insônia é o transtorno do sono mais comum no idoso. Trata-se da percepção de sono insufi-
ciente ou não reparador, motivada pela incapacidade em iniciar e/ou manter o sono durante a
noite, com prejuízo na capacidade de ficar alerta, no desempenho físico e mental e na qualidade
de vida.

Pode ter origem primária ou secundária. A insônia primária corresponde a 15% dos casos e é
caracterizada pela atividade mental exagerada ao deitar, trazendo dificuldade de relaxar e pen-
samentos que geram angústia. A incapacidade de dormir provoca ansiedade e agrava o quadro, o
que constitui o componente cognitivo de perpetuação da insônia. Muitas vezes a insônia primá-
ria tem início após um precipitante, como um evento de vida estressor ou uma condição médica
de curso agudo. Pode, entretanto, se manter a longo prazo pela existência dessas alterações cog-
nitivas e psicológicas, o que ocorre principalmente nos indivíduos que já apresentam fatores pre-
disponentes, como maus hábitos relacionados ao sono, uso de substâncias, sedentarismo, iso-
lamento social, baixa renda e baixa escolaridade. Por outro lado, a insônia pode ser secundária
a diversas condições médicas, como DPOC, asma, insuficiência cardíaca congestiva, demência,
doenças urológicas (noctúria), doença do refluxo gastresofágico, dor e prurido crônicos. Pode
também ser secundária a doenças psiquiátricas como transtornos de ansiedade ou do humor.

O diagnóstico baseia-se principalmente na história clínica. O interrogatório consiste em três cri-


térios clínicos subjetivos: (1) se o tempo que o paciente leva para dormir é maior que 30 minutos
ou se passa este tempo acordado durante a noite; (2) se a dificuldade para dormir ocorre, em
média, três ou mais vezes por semana; (3) se o problema perdura por mais de 3 meses (Tabela 5).

196
Tabela 5: Critérios diagnósticos de insônia

A. Queixas de insatisfação predominante com a quantidade ou a qualidade do sono associadas, no


mínimo, a um dos seguintes sintomas:
1. Dificuldade para iniciar o sono.
2. Dificuldade para manter o sono, que se caracteriza por despertares frequentes ou por problemas
para retornar ao sono depois de cada despertar.
3. Despertar antes do horário habitual com incapacidade de retornar ao sono.
B. A perturbação do sono causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento
social, profissional, educacional, acadêmico, comportamental ou em outras áreas importantes da
vida do indivíduo.
C. As dificuldades relacionadas ao sono ocorrem pelo menos três noites por semana.
D. As dificuldades relacionadas ao sono permanecem durante pelo menos três meses.
E. As dificuldades relacionadas ao sono ocorrem a despeito de oportunidades adequadas para dormir.
F. A insônia não é mais bem explicada ou não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno
do sono-vigília (p. ex., narcolepsia, transtorno do sono relacionado à respiração, transtorno do
sono-vigília do ritmo circadiano, parassonia).
G. A insônia não é atribuída aos efeitos fisiológicos de alguma substância (p. ex., abuso de drogas
ilícitas, medicamentos).
H. A coexistência de transtornos mentais e de condições médicas não explica adequadamente a queixa
predominante de insônia.

Fonte: Adaptado de Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais:


DSM-V, American Psychiatric Association; Artmed, Porto Alegre, 2014

Tabela 6: Medicamentos e substâncias que interferem no sono

Substância Efeito
Etanol Induz a um sono fragmentado
Xantinas (café) e fenilefedrinas Efeito estimulante
Nicotina Insônia
Anticolicolinesterásico Insônia e pesadelos
ISRS e IRSN Insônia inicial ou terminal
Levodopa Insônia e pesadelos
Corticoides sistêmicos Efeito dose-dependente de estimulação e agitação psicomotora
Diuréticos Nictúria
Fenitoína Insônia
Teofilina Efeito estimulante
Betabloqueadores Alteração da fisiologia do sono, pesadelos

Fonte: Adaptado de ZDANYS, K. et al. Sleep Disturbances in the Elderly. Psychiatric Clinics of North America. 2015
38(4):723-741; e ROEPKE, S.K. et al. Sleep disorders in the elderly. Indian Journal of Medical Research. 2010;131:302–310

Capítulo 12 197
O manejo da insônia sempre deve ser iniciado com orientações comportamentais concernentes à
higiene do sono. Além disso, a terapia cognitivo-comportamental é bem estudada para a insônia
e tem alguns componentes de aplicação simples na prática ambulatorial (Quadro 2). A associação
de terapias não farmacológicas, como técnicas de relaxamento muscular progressivos, terapia
de biofeedback, terapia de restrição do sono e fototerapia, deve ser estimulada. As terapias não
farmacológicas são altamente eficazes e não têm efeitos colaterais importantes, então devem ser
prioritárias no manejo de pacientes idosos.

O tratamento farmacológico deveria ser utilizado na minoria dos pacientes, porém o que se ob-
serva na prática é que os idosos com queixas de insônia tèm chance maior de receber tratamento
farmacológico do que os pacientes jovens, a despeito do perfil de eventos adversos dos fármacos
serem piores no primeiro grupo. A abordagem farmacológica, quando necessária, deve levar em
consideração as expectativas do paciente, o perfil de segurança do fármaco, efeitos colaterais,
interações medicamentosas, possibilidade de titulação da dose, custo, comorbidades e contrain-
dicações. Deve-se atentar para o uso a curto prazo, com dose inicial mais baixa possível, e para a
reavaliação regular da eficácia do tratamento.

Quadro 2: Terapia não farmacológica na insônia

Higiene do Sono
Criar um padrão de sono:
1. Manter uma rotina de sono/vigília. É de maior importância o acordar sempre no mesmo horário,
a despeito de quantas horas teve de sono. Não tentar compensar noites mal dormidas durante a
semana, em dias de feriado ou fim de semana.
2. Não cochilar ao longo do dia.
Manter um ambiente adequado ao sono:
1. Garantir quarto escuro e temperatura ambiente confortável.
2. Garantir bloqueio de sons que podem atrapalhar o sono, com uso de protetores auriculares ou
ruídos brancos (como o de ventilador ou ar condicionado).
Reduzir a ansiedade antes de dormir:
1. Não olhar o alarme e se preocupar em quantas horas de sono vai ter.
2. Desenvolver um ritual antes de deitar, fazendo sempre as mesmas atividades, o que auxilia a ge-
rar uma espécie de memória inconsciente acerca do momento de descansar.
3. Planejar atividades noturnas que promovam relaxamento. As tarefas que são de preocupação
para o dia seguinte podem ser escritas em um papel para auxiliar a não pensar sobre elas ao estar
na cama.
Alterações de hábitos de vida:
1. Não deitar com fome ou após refeições copiosas. Jantar diariamente no mesmo horário.
2. Minimizar ou evitar o uso de cafeína após o almoço.
3. Evitar o uso de álcool. Temporariamente o álcool pode gerar sonolência, porém aumenta os des-
pertares noturnos e piora a qualidade do padrão do sono. Além do mais, álcool pode piorar a
apneia do sono.
4. Manter o hábito de se exercitar. O melhor momento do dia para o exercício é o período da manhã,
pois em algumas pessoas o exercício pode ser estimulante e atrapalhar o sono.

198
Terapia comportamental (TCC) cognitivo
1. Psicoeducação: abordar o entendimento que o paciente tem sobre o problema da insônia. Fre-
quentemente os pacientes têm uma percepção aumentada do impacto da insônia no seu cotidia-
no, ou crenças fantasiosas sobre o problema, que devem ser abordadas. Sempre dar um panorama
realista para o tratamento, para que eventuais insucessos não piorem a ansiedade.
2. Higiene do sono (ver acima).
3. Terapia de controle de estímulo: o foco deste componente é criar associação entre “cama” e
“sono”, e diminuir a ansiedade que ocorre pela dificuldade de cair no sono ao deitar-se. A orien-
tação a ser dada é não fazer atividades incompatíveis com o sono na cama, ou seja, deitar somente
com sono e sair da cama se não conseguir dormir ou se sentir-se ansioso.
4. Técnicas de relaxamento.
5. Restrição de sono: restringir o sono é um método já estudado nos idosos insones, e que auxilia a
reestabelecer o ciclo sono/vigília.

Fonte: Adaptado de GOONERATNE, N.S. et al. Sleep in older adults: normative changes, sleep disorders, and treat-
ment options. Clinics in Geriatric Medicine. 2014 Aug;30(3):591-627; e RODRIGUEZ, J.C. et al. Sleep problems in the
elderly. Medical Clinics of North America. 2015 Mar;99(2):431-9

Os antidepressivos sedativos são bem tolerados e têm sido as medicações de primeira escolha em
grande parte dos casos atualmente (Tabela 7). O agonista da melatonina ramelteona ainda não
está disponível no mercado brasileiro, mas seu uso tem sido associado à diminuição da latência
de sono e de despertares noturnos. Anti-histamínicos, anticonvulsivantes e antipsicóticos não
são recomendados para tratamento crônico da insônia.

O uso de benzodiazepínicos deve ser evitado no idoso pela ocorrência frequente de diversos
efeitos colaterais, a saber: sedação residual durante o dia, déficit cognitivo, quedas, depressão
respiratória, insônia rebote com a descontinuação do remédio e chance de desenvolvimento de
tolerância, dependência e abuso da medicação. Quando necessário, preferir benzodiazepínicos
de meia-vida curta, pela menor chance de sedação residual e confusão pela manhã. No tocante
às medicações hipnóticas, por algum tempo acreditou-se que o uso dos hipnóticos não benzodia-
zepínicos era muito mais seguro em idosos. Entretanto, estudos demonstram que estas medica-
ções também acarretam em efeitos motores (como risco de quedas) e cognitivos.

Capítulo 12 199
Tabela 7: Medicações para tratamento de insônia

Tempo de meia- vida


Classe / Medicação Dose Habitual Efeitos colaterais
Início da ação
Hipnóticos não benzodiazepínicos
Comportamentos
Zopiclone 7,5mg t1/2: 7h; i: 0,5h
atípicos, amnésia.
Zolpidem 5mg t1/2: 1-3h; i: 0,5h Pesadelos, quedas.
Hipnóticos benzodiazepínicos
Bromazepam 3mg t1/2: 8-20h; i: 1h Ataxia, confusão.
t1/2: 10-24h; Sedação, quedas,
Estazolam 0,5 – 1 mg
i: 0,5h tontura, depressão.
Antidepressivos Sedativos
t1/2: 20-40h; Tontura, ganho de
Mirtazapina 15mg
pico: 2h peso, constipação.
Cefaleia, fadiga,
Trazodona 50mg t1/2:5-9h; pico: 1h náusea, hipotensão
postural.
Hepatotoxicidade,
Agomelatina 25mg t1/2: 2h; pico: 1h tontura, insônia,
alteração visual.
t1/2: meia vida ; i: início de ação

Fonte: Adaptado de ZDANYS, K. et al. Sleep Disturbances in the Elderly. Psychiatric Clinics of North America. 2015
38(4):723-741; e ROEPKE, S.K. et al. Sleep disorders in the elderly. Indian Journal of Medical Research. 2010;131:302–310

3. Síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono


A Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono (SAHOS) é caracterizada por colapso fun-
cional recorrente da via aérea palatofaringea e/ou orofaríngea durante o sono, causando redução
substancial (hipopneia) ou cessação completa (apneia) do fluxo aéreo, apesar dos esforços respi-
ratórios. Os eventos de apneia e hiopneia têm duração de no mínimo 10 segundos e resultam em
alterações gasométricas transitórias (hipercapnia e hipóxia), tornando o sono fragmentado (mi-
crodespertares) e, portanto, não reparador. O colapso da via aérea pode ocorrer durante todas as
fases do sono, porém a redução do tônus do músculo genioglosso durante o sono REM aumenta
substancialmente a propensão à obstrução das vias aéreas.

As principais manifestações clínicas da SAHOS são descritas no Quadro 3. Deve-se manter um


alto grau de suspeição nos idosos, particularmente nos que dormem sozinhos, pois não terão o
relato da alteração do padrão respiratório no sono (roncos, pausas respiratórias). Além disso, es-
tima-se uma prevalência de 5 a 7% nos adultos e uma prevalência de 20% nos idosos.

200
Quadro 3: Manifestações clinicas da SAHOS

Roncos Sonolência diurna


Gasping noturno Fadiga
Pausas respiratórias seguidas de ronco Baixa concentração
Angina noturna Cefaleia matinal
Noctúria Hipertensão arterial sistêmica

Fonte: Adaptado de GOONERATNE, N.S.; VITIELLO, M.V. Sleep in older adults: normative changes, sleep disorders, and
treatment options. Clinics in Geriatric Medicine. 2014. Aug;30(3):591-627

As complicações da SAHOS, como aumento do risco cardiovascular, piora cognitiva (particular-


mente das funções executivas), maior risco de delirium no pós-operatório e aumento de mortali-
dade revelam a importância da suspeição diagnóstica e da investigação inicial.

Os fatores de risco para o desenvolvimento de SAHOS são:

• Idade acima de 65 anos;

• Sexo masculino;

• Obesidade (principalmente a do tipo androide);

• Hipotireoidismo;

• História familiar positiva;

• Anormalidades craniofaciais e de vias aéreas superiores: mandíbula pequena de asiáticos,


pescoço largo, hipertrofia de amígdalas e adenoides e edentulismo;

• Outros: congestão nasal, uso de álcool, tabagismo, menopausa, uso de benzodiazepínicos


e relaxantes musculares.

Para o diagnóstico e acompanhamento é importante quantificar a gravidade dos sinais e sinto-


mas. A Escala de Sonolência de Epworth é validada para diagnóstico e seguimento de pacientes
com SAHOS e o principal enfoque da escala é no sintoma diurno de sonolência. O padrão-ouro
para o diagnóstico definitivo é a polissonografia. A presença de 5 ou mais eventos respiratórios
obstrutivos (apneia e hipopneia) por hora de sono, associada ao menos a 1 sintoma (Quadro 3), ou
a ocorrência de 15 ou mais eventos por hora, independente de sintomas, confirma o diagnóstico.
A gravidade da SAHOS é definida pela frequência de eventos: de 5 a 15 (leve), de 16 a 30 (modera-
da) e 31 ou mais (grave). As consequências da hipopneia ou apneia também são mensuráveis atra-
vés da polissonografia, com o registro de queda na saturação de oxigênio, e dos microdespertares
através do registro eletroencefalográfico.

Capítulo 12 201
O tratamento usual consiste na perda de peso e na administração de pressão positiva nas vias
aéreas (PAP, positive airway pressure) durante o sono. Nos idosos o efeito da obesidade no de-
senvolvimento da SAHOS é atenuado e é possível que existam idosos de massa corpórea normal
portadores da SAHOS. Nos casos leves, a simples mudança de posicionamento no leito (deitando
em decúbito lateral com a cabeceira inclinada de 30º a 60º), a mudança de hábitos como ces-
sar o consumo de tabaco, de álcool e de medicações sedativas, ou ainda o uso de dispositivos
orais, pode ser suficiente. Em casos de edêntulos é importante avaliar se o uso da prótese den-
tária durante a noite pode ser uma alternativa. A intervenção mais eficaz, entretanto, é o uso de
PAP, sendo o dispositivo mais comum o continuous-PAP (CPAP) acoplado a uma máscara nasal.
O problema deste tratamento, entretanto, reside na adesão, para a qual há diversos obstáculos:
o custo, o não discernimento da importância da terapia por parte do paciente e o ressecamento
de vias aéreas com o uso do dispositivo. O Quadro 4 apresenta considerações acerca da adesão à
PAP na SAHOS.

Quadro 4: Fatores a serem considerados com relação à adesão à PAP

• O paciente adere ao uso de PAP? A boa adesão é definida pelo uso mínimo de 4
horas por noite em 70% das noites.

• Como melhorar a adesão? Avaliar a máscara (adaptação); usar umidificadores;


uso de BiPAP (bifásico) ou autoadjusting-PAP (APAP); uso do modo “ramp” (au-
mento paulatino da pressão inspiratória ao longo das horas de sono);

Fonte: : Adaptado de RODRIGUEZ, J.C. et al. Sleep problems in the elderly. Medical Clinics of North America. 2015
Mar;99(2):431-9

A abordagem cirúrgica é reservada aos casos de falha ou intolerância à terapia com CPAP. Inclui
uma ampla gama de procedimentos e abordagens que aumentam e/ou estabilizam a via aérea su-
perior. São categorizados em procedimentos nasais, faríngeos superiores, faríngeos inferiores e
global de vias aéreas superiores. Uma seleção cuidadosa de pacientes e procedimentos, especial-
mente relacionada à gravidade da SAHOS, à anatomia, fisiologia e função do trato aerodigestivo
superior, e ao gerenciamento do risco perioperatório são considerações importantes na avaliação
cirúrgica dos pacientes.

A cirurgia nasal não trata a SAHOS de forma isolada. O principal objetivo dos procedimentos na-
sais é aumentar a eficácia do CPAP e o conforto dos pacientes com obstrução nasal. Exemplos de
procedimentos nasais utilizados para este propósito incluem redução de cornetos, septoplastia
e cirurgia valvar nasal.

A Uvulopalatofaringoplastia (UPFP) é o procedimento cirúrgico mais realizado, visto que obs-


trução faríngea superior é a anormalidade anatômica das vias aéreas mais encontrada. Resulta
em melhora dos sintomas clínicos, mas o grau de benefício polissonográfico é variável e as curas
são raras. Os efeitos adversos importantes incluem disfagia leve crônica em até um terço dos pa-
cientes. A amigdalectomia simples em pacientes selecionados com hipertrofia tonsilar, por outro
lado, está associada a altas taxas de sucesso.

202
Os procedimentos na região faríngea inferior e laríngea, como glossectomia da linha média, epi-
glotidectomia e avanço genioglosso, visam melhorar a via aérea retrolingual laríngea ao reduzir,
avançar ou estabilizar a base da língua.

Abordagens cirúrgicas mais extensas, como o avanço maxilomandibular, melhoram vários ní-
veis de obstrução das vias aéreas e com melhora significativa dos parâmetros polissonográficos.
No entanto, é reservado para pacientes com SAHOS persistente e significativa após outros tra-
tamentos cirúrgicos. A traqueotomia é geralmente reservada para pacientes com múltiplas co-
morbidades e SAHOS grave refratária ao CPAP. A estimulação das vias aéreas superiores através
de um neuroestimulador implantável é um novo tratamento emergente da via aérea da faringe
superior e inferior em pacientes selecionados.

4. Síndrome das pernas inquietas


A Síndrome de Ekbon, conhecida como Síndrome das Pernas Inquietas (SPI), acomete todas as
idades, sendo mais frequente nas mulheres idosas. Os principais fatores que influenciam no de-
senvolvimento desta patologia são: história familiar (positiva em 50% dos casos), deficiência de
ferro, neuropatia periférica, insuficiência renal, esclerose múltipla e parkinsonismo.

O diagnóstico é clínico e requer apenas avaliação laboratorial para exclusão de fatores de risco
potencialmente reversíveis (ferritina, creatinina, hemograma, TSH e vitamina B12). A seguir, as
características clínicas da SPI:

1. Urgência em movimentar os membros, associado a parestesias e disestesias, que:

a. Se iniciam ou pioram com repouso;

b. Melhoram parcialmente com os movimentos;

c. Pioram no final da tarde ou à noite;

d. Se manifestam de forma frequente e crônica: três vezes por semana por ao menos três meses.

2. Os sintomas não podem ser explicados por outra condição médica (como alterações cutâ-
neas, edemas, isquemia periférica) ou psiquiátrica e nem pelo uso de droga ou medica-
mentos (que cursem com acatisia, por exemplo).

Geralmente os sintomas se restringem às pernas, mas em casos mais graves os braços também
podem ser acometidos.

Existem várias alternativas terapêuticas para a SPI. A primeira opção são os agonistas dopaminér-
gicos, como o pramipexol, na dose de 0,125 a 0,5mg/dia. Outras opções incluem levodopa na dose
de 50 a 200mg/dia antes de dormir, pregabalina e gabapentina. Tratamentos adjuvantes podem ser
usados para melhora do quadro, como exercícios de relaxamento e atividade física regular.

Capítulo 12 203
5. Transtorno comportamental do sono REM
O Transtorno Comportamental do Sono REM (TCSR) é uma parassonia caracterizada pela perda
da atonia muscular durante o sono REM. A apresentação clínica é variável, desde gestos de mãos
até golpes, socos e chutes violentos. Os pacientes geralmente procuram atenção médica com
queixas relacionadas a ações potencialmente prejudiciais para si mesmos ou para seu parceiro
de cama.

O TCSR está associado a um grande espectro de desordens neurológicas, como isquemias em


território pontino, narcolepsia e esclerose múltipla, podendo em alguns casos preceder o apare-
cimento de doenças neurodegenerativas, como a Doença de Parkinson e a Demência por Corpos
de Lewy. Pode ainda ser decorrente do uso de fármacos, como neurolépticos, antidepressivos e
biperideno.

O tratamento baseia-se em modificar o ambiente de sono, tornando-o mais seguro, e no uso de


medicações como clonazepam (dose de 0,25 a 1mg) e melatonina (3 a 15mg). Assim, todos os pa-
cientes e seus parceiros de cama devem ser aconselhados a modificar o ambiente de sono para
evitar lesões. Objetos pontiagudos, cortantes ou facilmente quebráveis não devem estar acessí-
veis. Em caso de comportamentos vigorosos contínuos, é aconselhável dormir sozinho.

6. Concluindo o caso clínico


A sra. Ivone teve pontuação de 14 no GAD-7. Um ecocardiograma normal afastou a possibilidade
insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica. Também foi afastada a hipótese de trombose ou
reestenose do stent, pela cintilografia do miocárdio, que não indicou isquemia.

Com as hipóteses de TAG e SAHOS, foi tratada com escitalopram até a dose de 20mg, iniciou ati-
vidade física (caminhadas diárias) e psicoterapia (uma vez por semana). Foi ainda adaptada no
modo “Ramp” do CPAP. Foi discutido com a paciente a importância do uso do CPAP para a sua
saúde, inclusive para o controle do risco cardiovascular. Após 3 meses, houve melhora significa-
tiva do quadro de ansiedade e do padrão de sono.

Referências
ALEXOPOULOS, G.S. Depression in the elderly. Lancet. 2005 Jun 4-10. 365(9475):1961-70.

GULPERS, B. et al. Anxiety as a Predictor for Cognitive Decline and Dementia: A Systematic Re-
view and Meta-Analysis. The American Journal of Geriatric Psychiatry. 2016;24(10):823-42.

ALLGULANDER, C. Morbid anxiety as a risk factor in patients with somatic diseases: A review of
recent findings. Mind & Brain, 2010; 1 (1):1-9.

ALMONDES, K.M. et al. Insomnia and risk of dementia in older adults: Systematic review and
meta-analysis. Journal of Psychiatric Research. 2016 Jun;77:109-15.

ANDREESCU, C.; VARON, D. New research on anxiety disorders in the elderly and an update on
evidence-based treatments. Current Psychiatry Reports. 2015 Jul;17(7):53.

204
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206
CAPÍTULO

Transtorno bipolar em idosos


Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira
Transtorno bipolar em idosos
Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira

1. Caso Clínico
Sr. ACRS, viúvo, de 68 anos de idade, diagnóstico prévio de transtorno de humor bipolar há 40
anos. Ele estava evoluindo com pródromos de sintomas depressivos o que estava preocupando a
família, principalmente após o falecimento da esposa que ocorreu há um ano. Ele permaneceu
estável com divalproato de sódio 1g por dia desde o ano de 2000, quando foi a última crise mani-
forme. Ao longo dos últimos meses, a família tinha observado crescente apatia, falta de motivação
e um declínio em sua capacidade funcional, embora ele negasse. Sem relato de outras comorbida-
des clínicas. No exame, sr. ACRS tinha um tremor de ação e de repouso simétrico nas mãos. Um
Mini Exame do Estado Mental (MEEM) de 28 de 30. Dosagem sérica do ácido valproico de 110µg/
mL (VR: 50,0 a 100,0µg/mL) e aumento de 3 vezes nos valores de referência das transaminases.
Devido ao tremor e provável risco de toxicidade do divalproato, a dosagem do divalproato foi re-
duzida para 500mg/dia. Após duas semanas, a dosagem sérica do ácido valproico estava em 35µg/
mL e as transaminases normais. Dentro de 4 semanas, a filha do sr. ACRS ligou para informar que
seu pai “já não está mais deprimido” e tinha melhorado a motivação, a energia e a concentração,
bem como apresentado retorno à funcionalidade prévia. No mês seguinte, a filha do sr. ACRS liga
novamente, extremamente preocupada, pois seu pai estava com grave ansiedade, dormindo duas
horas por noite, tendo pensamentos acelerados, humor irritável e loquaz. Sr. ACRS foi internado e
recebeu alta com o uso de quetiapina 200mg/dia na hora de dormir. Em acompanhamento ambu-
latorial, nos últimos 12 meses, ele continua estável e sem alterações de humor.

2. Introdução
O transtorno de humor bipolar (THB) é uma doença crônica caracterizada por episódios de sín-
drome depressiva intercalados com humor maniforme (elevado, expansivo, irritado) e muitas
vezes com apresentação mista. Para satisfazer um diagnóstico clínico de transtorno bipolar, os
episódios de humor anormal devem causar prejuízo sobre a funcionalidade social e ocupacional
do indivíduo. Embora os critérios de diagnóstico da doença sejam bem demarcados na população
adulta, o mesmo não acontece no THB nos idosos. Pesquisas sugerem que o transtorno em idosos
seja diferente em termos de sua apresentação, epidemiologia e etiopatogenia.

3. Epidemiologia
O transtorno bipolar afeta mais de 1% da população do mundo, independentemente da naciona-
lidade, etnia ou condição socioeconômica. A prevalência de THB é estimada aproximadamente
em 0,6% para transtorno bipolar I, 0,4% para o transtorno bipolar II, de 1 a 4% para transtorno
bipolar subsindrômico, ou seja, para o espectro bipolar. O THB geralmente afeta as pessoas com a
idade de 30 anos; estima-se que 90% estão com idade inferior a 50 anos, quando surge o primeiro
episódio maniforme ou misto. Isto indica que 10% dos pacientes bipolares vão desenvolver sua
doença depois dos 50 anos. Um estudo mostrou que 9% dos pacientes bipolares tinham mais de
60 anos quando tiveram o primeiro episódio.

Estudos epidemiológicos realizados em idosos na comunidade, utilizando rigorosos critérios de


diagnósticos de THB, encontraram taxas de prevalência variando de 0,08% para 0,25%, que é
perto do valor de prevalência de 0,1% de idosos bipolares. No entanto, em casas de repouso e em
pacientes internados, as taxas de THB em idoso são bem maiores, em torno de 10%. Isto é prova-
velmente devido a associação de bipolar de início tardio com doença física, especialmente com
demência e com doença cerebrovascular.

O bipolar de início tardio (BIT) é classificado quando o primeiro episódio ocorre após 50 anos, por
consenso na maioria dos estudos. E temos os bipolares de início precoce (BIP), que são adultos
bipolares envelhecendo. Enquanto o BIP tem alta taxa familiar de bipolaridade, o BIT tem maior
associação como comorbidade médica e neurológica. Alguns destes incluem demências, condi-
ções neurológicas e condições cerebrovasculares. Os idosos bipolares de início tardio também
demonstraram sintomas maníacos mais brandos e humor mais irritável em comparação com o
BIP. Os bipolares de início tardio parecem ter um maior intervalo entre um episódio depressivo
e um maníaco.

Um estudo encontrou um tempo médio entre o primeiro episódio de depressão e o aparecimen-


to de mania de 17 anos no grupo idoso contra três anos no grupo dos BIP. Além disso, também
evidenciou que os mais idosos tinham sofridos três ou mais episódios depressivos antes de seu
primeiro episódio maníaco. Um achado interessante foi que o paciente idoso maníaco era mais
provável ter uma recaída em depressão depois da mania.

Esses achados indicam que idosos com THB têm um padrão clínico diferente, envolvendo mais
depressão e possivelmente sintomatologia maníaca mais suave.

4. Etiopatogenia
4.1 Hipótese de mania vascular
Semelhante à hipótese de depressão vascular no início tardio, a hipótese vascular para sintomas
maniformes está ficando cada vez mais evidente nos últimos estudos. Em pacientes idosos bi-
polares, fatores de risco vasculares estavam associados com desempenho cognitivo mais pobre.
Além disso, em um estudo com bipolares, o maior escore de risco de acidente vascular cerebral
de Framingham foi encontrado no BIT contra BIP.

Há uma correlação cada vez mais estudada de áreas maiores de hiperintensidade de substância
branca cerebral em pacientes com transtorno bipolar de início tardio em relação a população em
geral (Figura 1). Lesões microangiopáticas cerebral foram mais encontradas em pacientes BIT
na região frontal, parietal e putâmen quando comparados a idosos BIP. Porém, faltam estudos
atuais de acompanhamento longitudinais para explorar melhor estes achados.

Capítulo 13 209
Figura 1 – Microangiopatia cerebral

Fonte: Inzitari et al., British Medical Journal, 2009

5. Lesão cerebral
Embora seja relativamente bem conhecido que o traumatismo cranioencefálico na população
adulta possa causar mania secundária como uma sequela neuropsiquiátrica, a evidência para
esta associação nos idosos é muito mais fraca. Existem alguns relatos de casos de mania secun-
dária nesta população causada por danos talâmicos ou encefalopatia anóxica. De fato, parece
razoável que uma lesão cerebral tenha efeitos semelhantes ou piores nas pessoas idosas.

5.1 Variações de volume de cérebro


O lobo temporal seja talvez a estrutura cerebral mais importante na etiopatogenia do transtor-
no afetivo, além da sua relevância na memória. O volume aumentado do lobo temporal foi en-
contrado em alguns estudos de ressonância nuclear magnética estrutural em pacientes com o
transtorno bipolar adulto. No entanto, existem relatos contraditórios da extensão das variações
de volume de cérebro em BIT. Em estudo recente, nenhuma evidência significativa de alterações
estruturais cerebrais foi encontrada entre idosos bipolares de início tardio e controle.

Os estudos sobre a etiopatogenia do BIT são limitados, porém, as melhores evidências apoiam o
papel da doença cerebrovascular nas manifestações clínicas do THB no idoso.

5.2 THB em idosos e diagnóstico diferencial


Na senescência, devido à reserva funcional diminuir fisiologicamente, o risco de fragilidade e
doenças neurodegenerativas aumenta. Por isso, é fundamental o diagnóstico diferencial de cau-
sas secundárias de transtorno de humor, principalmente sintomas maniformes de início tardio.

A mania secundária pode estar associada às condições neurológicas ou clínicas como acidente
vascular encefálico, trauma, epilepsia do lobo temporal, demências, alterações do cortisol, hi-
pertireoidismo, lúpus eritematoso sistêmico, infecções sistêmicas e uremia; ou condições medi-
camentosas como no uso de corticosteroides, levotiroxina, agonistas dopaminérgicos.

Apesar da tendência de diminuição da incidência de uso abusivo e dependência química no en-


velhecimento, a incidência continua alta, sendo que quase 10% da população idosa faz algum
uso abusivo de substâncias. Portanto, sempre investigar intoxicação ou abstinência de substân-

210
cias psicoativas (álcool, cocaína, metanfetamina e opioides) como causas secundárias de trans-
torno de humor. Todos os idosos BIT devem ser investigados por avaliação clínica e laboratorial/
imagem rigorosa.

A relação entre bipolaridade e comprometimento cognitivo está no foco dos estudos atualmente.
Embora o risco de desenvolver demência, particularmente a doença de Alzheimer, aumenta com
a idade. Este risco parece aumentar ainda mais em pacientes com transtornos afetivos. Apesar da
associação entre depressão unipolar e demência seja relativamente bem estabelecida atualmen-
te, há bem menos estudos sobre associação entre bipolaridade e demência.

Existem poucos estudos que evidenciam que os BITs possam apresentar um comprometimento
cognitivo mais tardio em relação à população em geral. Há, entretanto, maior risco de disfunção
executiva e declínio cognitivo global mais rápido do que o esperado para sua idade e escolaridade.

A Tabela 1 mostra um resumo das principais características no diagnóstico diferencial no THB do idoso.

Tabela 1 – Diagnóstico diferencial no Transtorno Bipolar no Idoso

Características Mania Demência Delirium


Pelo menos uma semana de Início rápido e com
História Clínica humor elevado, expansivo ou Início gradual. flutuação ao longo do
irritado. dia.
História Familiar Transtorno de Humor. Demência. Nenhuma associação.
Nível consciência
Nível de consciência preservada. Afasia.
preservada. Grandiosidade. Agnosia. Apraxia.
Alteração do nível de
Exame do Estado Pressão na fala. Agitação Amnésia. Disfunção
consciência, atenção,
Mental Psicomotora. Fuga de ideais. executiva. Perda funcional
sono. Flutuação.
Aumento de energia em gradativa e insidiosa.
atividades direcionadas. Sintomas maniformes são
geralmente raros.
Comum encontrar
Achados anormalidades
Nenhum. Nenhum.
Laboratoriais associadas com
alterações clínicas
Neuroimagem tradicional
Aumento da perfusão do pode revelar atrofia EEG geralmente
Neuroimagem e
córtex frontal orbital e cerebral e hipocampal, anormal com traçado
EEG
supragenual medial. mas os achados não são lento, generalizado.
uniformes.

Fonte: Adaptado de Trinh N, Forester BP. Bipolar Disorder in the Elderly: Differential Diagnosis and Treatment.
Psychiatric Times, 2007

Capítulo 13 211
6. Considerações sobre o tratamento
farmacológico no THB no idoso
O tratamento farmacológico exige mais atenção e conhecimento do clínico, pois existem altera-
ções farmacocinéticas e farmacodinâmicas que aumentam o risco de interações medicamento-
sas e efeitos colaterais. Além da maior chance do idoso ter polipatologias e polifarmácia. Em um
estudo com idosos em instituições psiquiátricas, verificou-se que 96% das prescrições tinham
potencial para interações medicamentosas com uma média de oito medicamentos prescritos
para cada paciente.

Como ocorre no tratamento para transtorno psicótico no idoso, não existem estudos controlados
aleatorizados de tratamento farmacológico no idoso bipolar. O tratamento farmacológico se ba-
seia em extrapolação de estudos clínicos realizados nos adultos jovens. Há evidências limitadas
em estudos abertos, naturalísticos, relatos de casos e experiência clínica sobre o manejo do THB
em idosos.

Os estabilizadores de humor e os antipsicóticos são os principais tratamentos para a fase aguda


dos episódios de mania e depressão no THB (Tabelas 2 e 3). Os estudos sobre o tratamento na fase
de mania apresentam dados mais robustos em concordância em várias revisões sistemáticas e
metanálise, enquanto no tratamento da depressão bipolar continua polêmico com evidências
contraditórias e conflituosas sobre o uso de antidepressivos.

Tabela 2 – Recomendações para tratamento farmacológico da Mania

Primeira Linha
Monoterapia: Lítio, Divalproato, Divalproato ER, Olanzapina, Risperidona, Quetiapina, Quetiapina
XR, Aripiprazol, Ziprasidona, Asenapina, Paliperidona.

Terapia Combinada: Lítio ou Divalproato com: Olanzapina, Risperidona, Quetiapina, Quetiapina


XR, Aripiprazol, Ziprasidona, Asenapina.
Segunda Linha
Monoterapia: Carbamazepina, Carbamazepina ER, ECT, Haloperidol.

Terapia Combinada: Lítio + Divalproato.


Terceira Linha
Monoterapia: Clorpromazina, Clozapina, Oxcarbazepina, Tamoxifeno.

Terapia Combinada: Lítio ou Divalproato + Haloperidol, Lítio + Carbamazepina, Combinação com


Tamoxifeno.
NÃO RECOMENDADO
Monoterapia: Gabapentina, Topiramato, Lamotrigina, Verapamil.

Terapia Combinada: Risperidona + Carbamazepina, Olanzapina + Carbamazepina.

Fonte: Adaptada de Yatham et al. /CANMAT, 2013

212
Tabela 3 – Recomendações para tratamento farmacológico da Depressão Bipolar I

Primeira Linha
Monoterapia: Lítio, Lamotrigina, Quetiapina, Quetiapina XR.

Terapia Combinada: Lítio ou Divalproato + ISRS, Olanzapina + ISRS (Fluoxetina), Lítio + Divalproa-
to, Lítio ou Divalproato + Bupropiona.
Segunda Linha
Monoterapia: Divalproato, Lurasidona.

Terapia Combinada: Quetiapina + ISRS, Lítio ou Divalproato + Lamotrigina, Lítio ou Divalproato +


Lurasidona e Associação com Modafinil.
Terceira Linha
Monoterapia: Carbamazepina, Olanzapina, ECT.

Terapia Combinada: Lítio + Carbamazepina, Lítio + Pramipexol, Lítio ou Divalproato + Venlafaxina,


Lítio + IMAO, Lítio ou Divalproato ou APA + ADT, Lítio ou Divalproato ou Carbamazepina + ISRS +
Lamotrigina, Quetiapina + Lamotrigina.
NÃO RECOMENDADO
Monoterapia: Gabapentina, Aripiprazol, Ziprasidona.

Terapia Combinada: Associação com Ziprasidona.

Fonte: Adaptada de Yatham et al. /CANMAT, 2013

Alguns trabalhos apontam que os antipsicóticos foram significativamente mais eficazes para
o tratamento da mania do que os estabilizadores do humor convencionais (lítio e valproato e
carbamazepina), sendo os mais potentes: haloperidol, risperidona e olanzapina. Alguns antip-
sicóticos mostraram eficácia no BIT, especialmente como agente antimaníaco. Em uma análise
post-hoc de dados não controlados, a quetiapina em monoterapia foi eficaz para o tratamento
agudo da mania nos bipolares idosos. Os mesmos autores encontraram eficácia no aripiprazol.
Em estudos retrospectivos sobre os padrões de resposta, observaram que os estabilizadores de
humor foram os mais utilizados (68%), seguido por antipsicóticos (54%) e antidepressivos (34%).
A terapia combinada com as medicações acima era mais comum do que a monoterapia (57% vs.
38%). Remissão foi alcançada em apenas 35% dos indivíduos, enquanto 32% não mostraram ne-
nhuma melhoria significativa.

No conhecido estudo de coorte EMBLEM, com 2761 pacientes bipolares, verificou-se que os pa-
cientes BIT utilizavam mais antipsicóticos típicos, lítio e anticolinérgicos do que os pacientes
BIP. No entanto, após um episódio de recaída nas de mania ou misto, houve aumento na pres-
crição de antipsicóticos atípicos e uma consequente diminuição no uso de antipsicótico típico.
Houve aumento constante na prescrição de antidepressivos em todos os grupos durante o trata-
mento ativo.

Capítulo 13 213
Para os casos de THB refratário em idosos, o uso da clozapina também é reservada como opção
farmacológica. E apesar da clozapina demonstrar benefício e eficácia para os idosos com THB
refratários, ela deve ficar reservada somente a eles devido ao risco de agranulocitose, sedação,
hipotensão postural, efeitos anticolinérgicos e aumento da possibilidade de convulsões dose-
dependente.

E, finalmente, a eletroconvulsoterapia (ECT) continua a ser um tratamento seguro e eficaz em


torno de 60 % dos casos de transtorno de humor refratário e alguns estudos apontam até 80%
de resposta na população em geral. A ECT deve ser a primeira opção quando os pacientes apre-
sentam alto risco de suicídio; síndrome catatônica; sintomas psicóticos refratários; e depressão
grave com recusa alimentar.

As terapias não analíticas com a terapia cognitiva comportamental são as mais estudadas e pa-
recem eficazes na prevenção de recorrências e recaídas quando iniciadas após recuperação dos
episódios de alteração do humor melhorando adesão ao tratamento através da psicoeducação do
paciente e familiares.

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Capítulo 13 215
CAPÍTULO

Psicose no idoso
Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira
Psicose no idoso
Prof. Me. Júlio César Menezes Vieira

1. Caso Clínico
Sra. FCMV, solteira de 72 anos de idade, ensino superior – médica –, foi levada pelo seu sobrinho
ao pronto atendimento devido à história recente de mudança de comportamento, desconfiança
e comprometimento social. Ela reclamava insistentemente das intenções “maliciosas” dos vizi-
nhos; estava cada vez mais inquieta e observando compulsivamente se as portas estavam tran-
cadas; não dormia à noite e já tinha trocado inúmeras vezes as fechaduras. FCMV colocava as
orelhas na parede afirmando que os vizinhos estavam dizendo obscenidades sobre ela, acrescen-
tando que ouve “vozes” de homens desconhecidos, que comentam do outro lado da parede sobre
todas as suas atividades diárias. Sem história pregressa de comorbidades clínicas ou psiquiátrica.
Ao chegar ao hospital, sra. FCMV insistia que estava sendo perseguida. O Mini Exame do Estado
Mental foi 30/30. Exames laboratoriais e RNM do encéfalo sem alterações. O tratamento foi ini-
ciado com 0,5mg/dia de risperidona e posteriormente ajustado para 1,5mg/dia. Atualmente, junto
com a intervenção psicossocial, observou-se melhora significativa do quadro.

2. Introdução
Os sintomas psicóticos podem ocorrer frequentemente na idade avançada e podem fazer parte de
várias doenças como esquizofrenia, demência, delirium, transtorno delirante, depressão, psicose
orgânica, etc. A esquizofrenia é o transtorno psicótico mais emblemático no sofrimento mental
e se caracteriza além das vivências delirantes (delírios e alucinações) por sintomas negativos,
desorganização da linguagem e do comportamento com importante comprometimento da afeti-
vidade e da cognição ao longo da evolução da doença. A prevalência global está em torno de 1%.
É uma das dez principais doenças que causam incapacidade segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS) devido aos prejuízos ocupacionais, nas relações interpessoais e familiares. A esqui-
zofrenia de início precoce (EIP) apresenta sua maior incidência no início da vida adulta, sendo nos
homens em torno de 18 anos e nas mulheres mais tardio, por volta de 25 anos. No entanto, a lite-
ratura sugere que aproximadamente 23% dos pacientes com esquizofrenia têm início da doença
após os 40 anos de idade, sendo que 3% apresentam os sintomas iniciais após os 60 anos de idade.
Kraepelin (2006ª) definia “Parafrenia” como um grupo de sintomas correspondentes a esquizo-
frenia de início mais tardio, caracterizada por um alucinações e delírios, sem sintomas negativos.
Além disso, nesses pacientes, não havia nenhuma deterioração a longo prazo da personalidade.

Este capitulo fornece uma visão geral do conhecimento atual sobre sintomas psicóticos no enve-
lhecimento e como identificá-los a fim de proporcionar um acompanhamento clínico adequado.
3. Envelhecimento dos pacientes com
Esquizofrenia de Início Precoce
Apesar da maior taxa de mortalidade em geral e de suicídio nos EIP, os pacientes esquizofrênicos
de início precoce estão envelhecendo.

Estudos de acompanhamento longitudinais de pacientes com EIP indicam considerável variabi-


lidade de resultados. O curso da doença, na maioria dos pacientes, permanece inalterado, embo-
ra haja melhora nos sintomas positivos e possível agravamento dos sintomas negativos e cogniti-
vos. Mas, uma minoria dos pacientes experimenta remissão dos sintomas positivos e negativos.

Fatores associados com mau prognóstico para EIP são cronicidade, início insidioso, déficits fun-
cionais ou psicossociais pré-mórbidos e sintomas negativos proeminentes. Em uma amostra de
pacientes cronicamente institucionalizados com esquizofrenia, a idade mais avançada foi asso-
ciada com níveis mais baixos de sintomas positivos e níveis mais elevados de sintomas negativos.

A literatura disponível também sugere a presença de mais déficits cognitivos em pacientes com
EIP em comparação com indivíduos saudáveis, especialmente nas áreas de aprendizagem e fun-
ção executiva. A funcionalidade varia consideravelmente entre os pacientes mais idosos com
esquizofrenia. Em um estudo de um grupo de pacientes com esquizofrenia de meia-idade e mais
velhos, apenas 30% tinham emprego na maior parte do tempo após o início do quadro.

Em geral, o pior desempenho dos EIP nos testes neuropsicológicos está relacionado a baixo nível
de escolaridade e aos sintomas negativos, mas não aos sintomas positivos. A baixa qualidade de
vida nos esquizofrênicos está associada com depressão, sintomas positivos e negativos, déficits
cognitivos, dificuldades financeiras, pobre apoio social e falta de traquejo social.

4. Esquizofrenia de Início Tardio


O termo “esquizofrenia de início tardio” (EIT) refere-se a indivíduos com quadro esquizofreni-
forme após 40 anos de idade. Há um grupo em que o início dos sintomas ocorre após os 60 anos
de idade, que é classificado como de esquizofrenia de início muito tardio (EIMT).

Estudos epidemiológicos estimam uma prevalência de esquizofrenia entre pessoas com idades
entre 45-64 de 1,0%; e entre os idosos acima de 65 anos de idade, em 0,3%. Os encargos financei-
ros para a EIT são tão altos quanto a EIP.

Fatores de risco e apresentação clínica associada a EIT são semelhantes aos associados com o
EIP. A proporção de indivíduos com EIP e com EIT é a mesma em relação ao histórico familiar,
em torno de 10-15%. Nenhuma ligação consistente foi encontrada entre a idade de início e o risco
genético para a esquizofrenia. Negligência na infância como fator de risco foi similar na EIT e
na EIP, mas superior em ambos os grupos se comparados com indivíduos saudáveis. Estudos de

Capítulo 14 219
neuroimagem mostram que os pacientes EIT e os EIP têm anormalidades estruturais mais ines-
pecíficas como ventrículos alargados e aumento de lesões na substância branca, leucoaraiose, e
um maior volume no tálamo.

Acompanhamento neuropsicológico a longo prazo de pacientes com EIT não revelou evidência de
declínio cognitivo acentuado, reafirmando que a esquizofrenia é um transtorno do neurodesen-
volvimento e não de um processo de neurodegenerativo. Em testes neuropsicológicos, pacientes
com EIT tendem a ter menos prejuízo na aprendizagem, abstração e flexibilidade no pensamento
do que pacientes com EIP. Em comparação com pacientes com EIP, uma maior proporção de EIT
tem histórico ocupacional e conjugal mais bem-sucedidos e geralmente tem melhor funciona-
mento pré-mórbido.

A prevalência de EIT e transtorno delirante persistente é maior nas mulheres. Entre os pacientes
que tiveram esquizofrenia após os 40 anos de idade, 62,5% eram mulheres. Em outro estudo, so-
bre as características clínicas da EIT, a idade de aparecimento da doença foi 47 anos para homens
e 51 anos para mulheres, indicando que nelas o início se dá mais tardiamente do que nos homens.
Por isso, é especulado que o estrogênio tenha uma ação protetora contra a psicose, mascarando
os sintomas da esquizofrenia em mulheres vulneráveis até a perimenopausa. No entanto, in-
vestigações sobre a eficácia da terapia de reposição hormonal como tratamento adjuvante para
mulheres na pós-menopausa com psicose não têm tido resultados promissores.

A prevalência da característica paranoica em pacientes com EIT é 75%; e naqueles com com a EIP
fica em torno de 50%. Pacientes com EIT tendem a ter delírios mais organizados e sistematizados
associados, com ou sem alucinações auditivas. Pacientes com EIT também têm menos sintomas
negativos do que pacientes com EIP.

A incapacidade comunicativa, principalmente déficits na audição e na visão, está associada a


sintomas psicóticos de início tardio.

5. Esquizofrenia de Início Muito Tardio


Os transtornos psicóticos esquizofreniformes de início muito tardio podem ser difíceis de diag-
nosticar porque o quadro clínico pode ser confundido com outras condições como síndrome de-
mencial ou delírio, devido à doença clínica subjacente. Em um estudo prospectivo comparando
indivíduos com EIMT a uma amostra de EIP, os pacientes com EIMT eram diferenciados por ta-
xas mais elevadas de casamento, os níveis de ensino superior, melhores respostas ao tratamento
com neuroléptico e atrofia cerebelar mais acentuada. Em geral, EIMT pode ser um processo neu-
rodegenerativo em contraste com a EIT que se desenvolve antes dos 60 anos, sendo um processo
mais do neurodesenvolvimento.

As características que distinguem os pacientes com EIMT incluem menor carga genética, menor
evidência de fatores de risco na primeira infância, pensamentos mais organizados e menos sin-
tomas negativos. Um maior risco de discinesia tardia nos pacientes com EIMT pode evidenciar
um componente mais neurodegenerativo, ao invés de um processo do neurodesenvolvimento
visto na EIT e na EIP.

Os pacientes com EIMT podem ter um perfil cognitivo mais estável de funcionamento do que os
idosos cronicamente institucionalizados com esquizofrenia.

220
Na EIMT, também, há predomínio do gênero feminino e elevada prevalência de delírio persecu-
tório.

Na Tabela 1, há um resumo das principais características sobre a esquizofrenia em relação seu


início de instalação.

Tabela 1 – Características clínicas quanto ao início de instalação da esquizofrenia

Características EIP EIT EIMT


Idade de início Antes de 40 anos 40 a 60 anos Mais de 60 anos
Predomínio do gênero feminino − + ++
Sintomas negativos ++ + −
Alterações Neuropsicológicas ++ + ?++
Deterioração cognitiva progressiva − − ++
História familiar de esquizofrenia + + −
Dose diária de neuroléptico ++ + +
Risco de discinesia tardia + + ++

Fonte: Adaptada de Palmer et al., 2001

6. Transtorno Delirante
Há poucos estudos sobre transtorno delirante em idosos. Pelo menos 6% dos idosos têm sinto-
mas paranoicos como delírios persecutórios, mas na maioria destes indivíduos, há uma demên-
cia comórbida. O transtorno delirante é responsável por 1 a 4% das admissões nos hospitais
psiquiátricos e é mais visto em populações de imigrante e situação socioeconômica desfavorável.
A prevalência relatada para o transtorno delirante entre idosos vivendo na comunidade varia de
0,1 a 4% e sua incidência é estimada em 10-26 por 100.000 habitantes por ano.

Os delírios persecutórios estão presentes em 90% dos casos, podendo no restante ser de refe-
rência, de controle, grandiosidade, hipocondríaco, religioso. As alucinações são bem mais raras,
mas podem ocorrer, sendo as mais comuns de origem auditiva e visual. E há preservação do
afeto, cognição e personalidade.

Entre os vários subtipos de transtornos delirantes, a vivência delirante de infestação por pa-
rasitose é comum na população idosa, especialmente nas mulheres. É conhecida também com
delírio de Ekbom, uma condição persistente em que o paciente falsamente acredita que peque-
nos insetos (pulgas, vermes ou larvas) têm infestado a sua pele. Os idosos com delírio de Ekbom
apresentam traços obsessivos de personalidade em mais de um terço. Em estudo com 45 idosos,
quase metade (46%) relatou delírios somático/infestação seguido por delírios de ciúme e per-

Capítulo 14 221
seguição. Para diagnosticar transtorno delirante, o médico deve sempre descartar o delirium,
demência, transtornos psicóticos devido a condições médicas gerais ou uso de substância (ben-
zodiazepínicos ou anticolinérgicos), esquizofrenia, transtornos do humor com características
psicóticas. Fatores de risco para transtorno delirante incluem uma história familiar de esquizo-
frenia ou transtorno de personalidade esquizoide, esquizotípica ou paranoica.

7. Depressão com características psicóticas


A depressão é a segunda causa mais comum de psicose em idosos, em torno de 20 % dos trans-
tornos psicóticos em pacientes geriátricos. Embora a psicose comumente acompanhe a doença
bipolar, esses pacientes são muito menos encontrados em instituições psiquiátricas. Portanto, os
clínicos devem considerar prioritariamente o diagnóstico de depressão quando avaliar pacientes
idosos com psicose. A depressão de início tardio, após 60 a 65 anos, é mais frequente em mu-
lheres e mais graves com maior prevalência de psicose do que a depressão de início precoce. Na
verdade, os delírios estão presentes em até 40% dos pacientes mais idosos hospitalizados para
a depressão. Os delírios persecutórios, somático, de culpa ou niilistas são mais frequentes nos
idosos deprimidos.

Estudos evidenciaram maior frequência de delírios nos pacientes idosos deprimidos em relação
a depressão de início precoce. Os indivíduos com depressão com sintomas psicóticos eram mais
velhos e respondiam melhor a ECT.

Embora o tratamento farmacológico com antidepressivo associado a antipsicótico seja importante


na recuperação do idoso deprimido com sintomas psicóticos, a ECT continua sendo a forma mais
eficaz de tratamento para pacientes com episódios depressivos graves com características melan-
cólicas, psicóticas associadas com agitação ou catatonia. Os idosos com depressão grave tendem
a não responderem adequadamente aos antidepressivos ou experimentar mais efeitos colaterais.

8. Psicose na demência
Os sintomas comportamentais e psicológicos na demência (BPSD) podem ocorrer em torno de
50 a 70 % ao longo do processo neurodegenerativo da demência de Alzheimer (DA). A frequência
de delírio varia entre 10% e 73%. Os delírios persecutórios são os mais comuns. Ao contrário dos
sintomas psicóticos na esquizofrenia, os delírios na DA tendem a ser mais simples e menos estru-
turados (Tabela 2). De modo geral, o conteúdo delirante é: “pessoas roubando coisas”; “...não tem
ninguém em casa”; cônjuge (ou outro cuidador) é um impostor – delírio de Capgras; abandono;
e de infidelidade. As alucinações visuais podem ser mais frequentes do que auditivas, princi-
palmente, na Demência por Corpos de Lewy (DCL). A frequência das alucinações na demência é
relatada na faixa de 12 a 49%, que pode ser de até 80% em pacientes na DCL.

Na demência por degeneração lobar frontotemporal é raro encontrar delírios ou alucinações ao


longo da doença, apesar das intensas alterações comportamentais.

Os BPSD foram classificados como preocupantes para a maioria dos cuidadores e têm efeitos ad-
versos sobre a saúde mental dos cuidadores, sendo uma das principais causas de institucionali-
zação de idosos.

222
Tabela 2 – Características dos sintomas psicóticos na Demência de Alzheimer (DA) e na esquizofrenia

Características Psicose na DA Psicose na esquizofrenia


Prevalência De 35% a 50% na DA < 1% população em geral
Delírios bizarros ou complexos Raro Frequente
Erro na identificação dos cuidadores Frequente Raro
Tipo de alucinações Visuais Auditivas
Ideação suicida Raro Frequente
História familiar de psicose Raro Muito comum
Eventual remissão da psicose Frequente Raro
Dose usual de antipsicóticos
Risperidona 0,75-1,5mg 1,5-2,5mg
Olanzapina 2,5-7,5mg 7,5-12,5mg

Fonte: Adaptada de Jeste e Finkel, 2000

9. Psicose e delirium
Os sintomas psicóticos são muito comuns no delirium, devido ao rebaixamento do nível de
consciência. O delirium é o diagnóstico mais comum entre os transtornos psiquiátricos em geral
(30-39%), sendo mais encontrado na população idosa (49%). Apesar da prevalência de sintomas
comportamentais e cognitivos serem significativamente maiores em comparação com sintomas
psicóticos, os delírios e as alucinações são mais frequentes no subtipo hiperativo e misto do
delirium.

Pacientes psicóticos prévios com delirium têm um prognóstico pior do que aqueles que não apre-
sentam psicose de base. Idosos com delirium têm maior risco de desenvolver declínio cognitivo
e funcional a longo prazo.

O haloperidol continua sendo o antipsicótico mais utilizado e com eficácia comprovada em en-
saios clínicos randomizados e controlados. Embora, atualmente, os antipsicóticos atípicos (ris-
peridona, olanzapina e quetiapina) também estejam sendo usados para tratar a agitação em pa-
cientes com delirium hiperativo e misto, com eficácia comparável ao haloperidol.

10. Psicose associada a Condições Médicas Gerais


Várias doenças clínicas podem se apresentar com sintomas psicóticos em idosos. Uma psicose
secundária deve ser sempre investigada, principalmente quando as vivências delirantes apare-
cem pela primeira de forma abrupta, tardia, sem história pessoal ou familiar de sofrimento men-
tal prévio e com alteração do nível de consciência, da atenção ou cognitivo.

Capítulo 14 223
O padrão temporal do aparecimento de sintomas delirantes continuam sendo o fator mais impor-
tante do diagnóstico diferencial. Se o curso dos sintomas psicóticos se iguala ao da doença mé-
dica, o diagnóstico de psicose secundária é a mais provável. Algumas condições médicas estão
mais relacionadas a quadro psicótico: distúrbios metabólicos (deficiência de vitamina B12, ence-
falopatia hepática, uremia, distúrbios da tireoide e das adrenais, etc.), acidente vascular cerebral,
doença de Wilson, tumor, epilepsia, etc.

E, na prática clínica, é fundamental a investigação do uso de medicamentos devido ao seu po-


tencial risco de psicose e alterações comportamentais no idoso. A psicose secundária por efeito
colateral de medicamentos deve sempre ser investigada, principalmente para os que têm ação
sedativa e anticolinérgica. Os principais medicamentos implicados com risco de psicose são:
corticoides, drogas dopaminérgicas (levodopa, amantadina e agonista dopaminérgicos), interfe-
rons, estimulantes, anticolinérgico; os raramente associados são: digitálicos, anestésicos, drogas
antimaláricas, drogas antituberculose, antibióticos (ciprofloxacina), antivirais (efavirenz, aciclo-
vir) e antineoplásicos (especialmente ifosfamida). Sedativo-hipnóticos, álcool e drogas recreati-
vas também causam psicose.

O primeiro levantamento nacional sobre o consumo de álcool constatou que 7% da população


brasileira acima dos 60 anos fazem uso diário de álcool. Por isso, não podemos esquecer de in-
vestigar o uso de álcool e outras substâncias na mudança de comportamento nos idosos. O ál-
cool e sedativos hipnóticos podem, às vezes, levar à psicose durante intoxicação, porém, é mais
comum durante a abstinência. As alucinoses alcoólicas ou delírio de ciúme (síndrome de Otelo)
pode se desenvolver com o abuso de álcool a longo prazo. Drogas estimulantes (cocaína, me-
tanfetamina) e alucinógenas (ácido lisérgico, fenciclidina), assim como a maconha, geralmente
desencadeiam transtornos psicóticos.

Portanto, um diagnóstico diferencial minucioso das possíveis causas médicas e tóxicas da psi-
cose é necessário para se evitar um diagnóstico apressado de um transtorno psiquiátrico primá-
rio. Excluir causas secundárias de psicose é fundamental para a conduta terapêutica adequada e
pode mudar dramaticamente o prognóstico.

11. Considerações ao Tratamento Farmacológico


O tratamento da psicose no idoso requer atenção especial às questões relacionadas com a idade,
incluindo alterações farmacocinéticas, farmacodinâmicas, doenças comórbidas e polifarmácia.
Além disso, os idosos são mais sensíveis aos efeitos colaterais dos antipsicóticos. Os efeitos ad-
versos comumente conhecidos dos antipsicóticos são os sintomas extrapiramidais (SEPs) que
incluem parkinsonismo (bradicinesia, tremor, rigidez, fácies hipomímica), acatisia (sentimentos
de tensão interior, ansiedade, necessidade compulsiva de mover o corpo ou inquietação) e disto-
nia (espasmos musculares que podem ser dolorosos). Embora os SEPs sejam geralmente tratados
em adultos com medicamentos anticolinérgicos como o biperideno, triexifenidil, amantadina
ou benzodiazepínicos, essas drogas podem causar prejuízo cognitivo, confusão mental, agrava-
mento da constipação intestinal e outros problemas importantes em idosos (Tabela 3).

224
Tabela 3 - Comparação do perfil farmacológico dos neurolépticos

Neuro-
Risperi- Olanzapi- Quetiapi- Ziprasi- Aripipra- Amis-
léptico Clozapina
dona na na dona zol sulprida
Típico
+ (se < 0 a + (se
SEP + a +++ 0 0 0a+ 0a+ +
4mg) <10mg)
Discine-
++ a +++ 0 a raro raro raro raro raro raro raro
sia Tardia
Convul- 0.1% a
2 a 6% ~0.3% ~0.9% ~0.8% ~0.4% ~0.1% raro
são 0.3%
Sedação + a +++ +++ + ++ ++ 0-++ 0-+ +
Hipoten-
são Ortos- + a +++ +++ ++ + ++ + a ++ + a ++ +
tática
Aumento
do Inter- + a +++ + a ++ + 0a+ + a ++ ++ 0a+ 0a+
valo QT
Ação An-
ticolinér- + a +++ +++ 0 + 0a+ 0 0 0
gica
Agranulo- ~1 em 6 em < 1 em < 1 em < 1 em < 1 em < 1 em < 1 em
citose 50.000 1.000 50.000 50.000 50.000 50.000 50.000 50.000
Aumento
Transitó- + se
de Prolac- ++ a +++ +++ 0 0a+ 0 +++
rio >20mg
tina
Ganho de
+ a ++ +++ + +++ ++ 0 + a ++ +
Peso
Catarata Algum
0? 0? 0? 0? 0? 0? 0?
Focal risco
Metabo-
lização
1A2, 2D6,
pelo Ci- vários 2D6 1A2, 2D6 3A4 3A4 2D6, 3A4 nenhum
3A4
tocromo
CYP P450
Piora da
+ a ++ +++ + +++ ++ 0 +? 0
Diabetes
Hipertri-
gliceride- + a ++ +++ + +++ ++ 0 0 0
mia

Fonte: Adaptado do International Psychopharmacology Algorithm Project, 2009, de www.ipap.org

Outro efeito adverso grave dos antipsicóticos é discinesia tardia. A discinesia tardia é um distúr-
bio de movimento de início retardado que continua mesmo depois que a droga foi descontinuada
e é caracterizada por movimentos repetitivos, sem propósito, involuntários, principalmente na

Capítulo 14 225
região orofacial. A prevalência média geral de discinesia tardia em pacientes cronicamente trata-
dos com neuroléptico típico é de aproximadamente 24%. A incidência anual em jovens adultos é
de 4%. Os idosos tratados com antipsicóticos convencionais apresentam de quatro a cinco vezes
o risco de desenvolver discinesia tardia do que os pacientes mais jovens. Uma revisão sugere que
há significativamente maior incidência acumulativa de discinesia tardia em populações idosas
recebendo antipsicóticos típicos em relação à população adulta (após 3 anos de incidência de te-
rapia 63% entre idosos contra 15% entre a população adulta).

O ganho de peso é um importante efeito colateral com o uso de antipsicótico atípico que não pode
ser ignorado. Em 2003, o Food and Drug Administration (FDA) exigiu de todos os fabricantes de
antipsicóticos atípicos a inclusão de um aviso sobre os riscos do uso deles por pessoas com hiper-
glicemia e diabetes.

A maioria dos estudos sobre o tratamento farmacológico para a esquizofrenia de início tardio é
especulação sobre os tratamentos na EIP. Os estudos aprovam a eficácia de vários antipsicóticos
atípicos, incluindo clozapina, risperidona, olanzapina e aripiprazol no tratamento da psicose de
início tardio. Assim, a primeira linha de tratamento para a psicose em idosos é antipsicóticos
atípicos.

Em geral, os antipsicóticos atípicos são preferidos em idosos devido a menos efeitos colaterais ex-
trapiramidais, mas à custa de efeitos colaterais metabólicos em comparação com antipsicóticos
típicos. O uso de baixa dose de risperidona apresenta boa resposta aos ensaios clínicos controla-
dos. Resultados semelhantes de eficácia para o tratamento de idosos com EIP foram encontrados
para 2mg de risperidona e 10mg olanzapina em um estudo randomizado controlado, apesar da
olanzapina apresentar mais efeitos colaterais metabólicos.

Uma revisão da Cochrane não identificou evidência para o uso de antipsicóticos em pacientes
com EIT ou EIMT. Estudos abertos com antipsicóticos típicos, usados para o tratamento de EIT e
EIMT indicaram que 48-61% dos pacientes demonstraram remissão completa dos sintomas psi-
cóticos. Os antipsicóticos de alta potência (haloperidol) e os típicos de baixa potência (clorpro-
mazina) são associados a vários efeitos anticolinérgicos e extrapiramidais.

De um modo geral, há ampla evidência da eficácia do uso de neurolépticos para todos os tipos de
psicose em idosos, embora haja um alerta “black box” do FDA desde 2005, de aumento de 1.5 a 1.7
vezes do risco de mortalidade em pacientes idosos com demência de Alzheimer, principalmente
cerebrovascular, com o uso de qualquer antipsicótico. Apesar de as drogas antipsicóticas serem
comumente usadas para diferentes tipos de psicoses em idosos, nota-se que nenhum destes fár-
macos (nem outras drogas psicotrópicas) foi aprovado pelo FDA para uso em qualquer psicose di-
ferente de esquizofrenia. Por isso, na demência, é orientado utilizar dose baixa no menor período
de tempo, com o objetivo de eventual interrupção sempre que possível.

A recomendações para delírios/alucinações/agitações em demência: risperidona (começando a


dose 0,5mg/dia e máximo de dose 2mg/dia), olanzapina (começando a dose 2,5mg/dia e máximo
de dose 10mg/dia), quetiapina (começando a dose 25mg/dia e máximo de 100mg/dia de dose) e
aripiprazol (começando a dose 2mg/dia e máximo de dose 15mg/dia).

Uma ressalva importante: a quetiapina e a clozapina têm muito baixa incidência de SEPs, a ponto
de serem os de escolha para casos de psicose em síndromes parkinsonianas. Além disso, a cloza-
pina é primeira linha para esquizofrenia refratária.

226
Em estudos randomizados controlados, os resultados indicam que baixa dose clozapina e quetia-
pina são eficazes no controle dos sintomas comportamentais sem agravamento do parkinsonis-
mo, embora a clozapina seja um desafio para uso em adultos mais velhos por causa de seu risco
para agranulocitose (necessitando de acompanhamento hematológico semanal e mensal) e suas
propriedades de anticolinérgicos potentes.

Referências
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cas das psicoses em idosos. In: FORLENZA, O.V.; RADANOVIC, M.; APRAHAMIAN, I. Neurop-
siquiatria geriátrica. 2. ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2014p. 163-169.

Capítulo 14 227
CAPÍTULO

Principais doenças
reumatológicas em geriatria
Prof. Dr. Aleksander Prokopowitsch
Principais doenças
reumatológicas em geriatria
Prof. Dr. Aleksander Prokopowitsch

1. Introdução
O objetivo deste capítulo é abordar, de forma sucinta, as doenças da área de Reumatologia com
maior importância no universo dos pacientes geriátricos. Devido à sua prevalência e relevância
na população geral e, especialmente, nos idosos, foram selecionadas quatro doenças, que a se-
guir serão detalhadas: osteoartrite, polimialgia reumática, arterite de células gigantes e artrite
reumatoide.

2. Osteoartrite
A osteoartrite (OA) é uma condição crônica degenerativa da cartilagem articular, de grande preva-
lência na população geral, especialmente acima dos 60 anos de idade e com predomínio no sexo
feminino. Estima-se que por volta de 15% da população tenha sintomas de OA na sexta década de
vida. A prevalência, porém, de alterações radiográficas compatíveis com a doença em ao menos
uma articulação nessa faixa etária é bem maior, podendo atingir 85% dos indivíduos. É a mais co-
mum das afecções reumatológicas, representando cerca de um terço das consultas ao reumatolo-
gista, e tem grande impacto social pois é causa frequente de afastamentos do trabalho e solicita-
ções de auxílio-doença. Mais frequentemente, a OA é de origem primária, oriunda de um proces-
so de desequilíbrio entre a síntese e a degradação da matriz extracelular da cartilagem articular,
com alterações das moléculas constituintes dessa matriz (glicosaminoglicanas e proteoglicanos)
e desidratação da cartilagem. Quando primária, afeta principalmente articulações das mãos (in-
terfalangianas distais e 1ª articulação carpometacarpiana), joelhos, quadris, coluna vertebral, 1ª
articulação metatarsofalangiana e articulações acromioclaviculares. Um dos principais fatores de
risco para a doença é a obesidade, especialmente para OA de joelhos, mas outros fatores de risco
podem incluir lesões articulares crônicas estruturais ou ligamentares, presença de deformidades
articulares, fatores ocupacionais e esportivos, além de fatores genéticos (principalmente para OA
de mãos). Entretanto, a OA pode também ter causas secundárias, tais como doenças inflamató-
rias articulares por cristais ou autoimunes, pioartrites, hemartroses, osteonecroses, neuropatias
crônicas, doença de Paget, síndrome de hipermobilidade e doenças endócrinas ou metabólicas
(hemocromatose, doença de Wilson, acromegalia, amiloidose e hiperparatireoidismo).

Apesar de a OA poder ser encarada como decorrente de um processo eminentemente degenerati-


vo da cartilagem articular, sabe-se atualmente que a inflamação também tem papel importante
na patogênese da doença, com participação de moléculas como radicais livres e metaloprotei-
nases, além do aumento de mediadores pró-inflamatórios como IL-1 e TNF-alfa. A ocorrência de
sinovite é frequente, ainda que subclínica, podendo haver exacerbações inflamatórias clinica-
mente evidentes ao longo da evolução da doença. Tais exacerbações podem ser motivadas não
apenas pela presença de moléculas pró-inflamatórias, mas também pela deposição frequente de
cristais no ambiente articular, especialmente de pirofosfato de cálcio (condrocalcinose secundá-
ria). Além disso, atualmente é descrito nos idosos um estado pró-inflamatório sistêmico crônico
de baixo grau (inflammaging), decorrente de uma maior produção de citocinas pró-inflamatórias
e metaloproteinases, que parece ter papel importante na patogênese da OA nessa população.

Do ponto de vista clínico, a OA manifesta-se essencialmente por dor articular mecânica, ou seja,
que piora à movimentação e melhora ao repouso. Vale ressaltar que a origem da dor articular na
OA é multifatorial, envolvendo inflamação e distensão da membrana e da cápsula sinovial, sensi-
bilização periosteal e central de dor, remodelação do osso subcondral, proliferação neural na jun-
ção osteocondral e fatores psicossociais. Além do quadro doloroso, na OA frequentemente ocorre
rigidez articular matinal de curta duração (menor que 30 minutos), com achado de crepitações
articulares ao exame físico e, eventualmente, sinais flogísticos, caso a doença esteja em fase
inflamatória. Nas mãos, o desenvolvimento de osteófitos pode levar ao surgimento dos nódulos
de Heberden e Bouchard nas articulações interfalangianas distais e proximais, respectivamente.
Nos quadros mais avançados, pode ser evidente a limitação de amplitude de movimento articu-
lar com o consequente prejuízo funcional.

Figura 1: Osteoartrose de Mãos

Fonte: FELLET, A.J. et al. Temas de Reumatologia Clínica, 2011

Quanto às alterações radiográficas, geralmente pode-se encontrar redução do espaço articular,


com presença de esclerose e cistos subcondrais, além de osteófitos marginais articulares. Even-
tualmente, pode haver também alterações erosivas, especialmente nas mãos, o que pode reque-
rer diagnóstico diferencial com outras doenças articulares crônicas como a artrite reumatoide e
a artrite psoriática.

Capítulo 15 231
Figura 2: Aspecto radiológico da osteoartrite de joelho

Fonte: http://images.md/osteoarthritis-degenerative-joint-disease-djd/

O tratamento da OA tem por objetivo a melhora da dor e da função articular, uma vez que, até
o momento, não há nenhuma medida capaz de mudar a evolução natural da doença. Há duas
frentes complementares e igualmente importantes no tratamento da doença: as medidas farma-
cológicas e as não farmacológicas.

Do ponto de vista não farmacológico, o tratamento da OA deve incluir medidas educativas e de


proteção articular, perda de peso, exercícios físicos e fisioterapêuticos, uso de órteses, palmi-
lhas e meios físicos, indicados individualmente conforme as características de cada paciente e as
principais articulações envolvidas. Por exemplo, a perda de peso tem grande impacto na redução
da dor relacionada à OA em geral, especialmente de joelhos e quadris. O uso de calçados adequa-
dos, com boa distribuição de carga e elevações posteriores de até 2 ou 3 centímetros, é capaz de
diminuir sintomas de OA nos membros inferiores e reduzir sobrecargas sobre a coluna lombar.
Exercícios físicos que levem a ganho de condicionamento aeróbico (tais como caminhadas, hi-
droginástica, natação e bicicleta) devem ser estimulados conforme a capacidade funcional do pa-
ciente e não devem levar à piora da dor durante ou após a sua execução. Acompanhamento fisio-
terapêutico com exercícios para fortalecimentos e alongamentos de cadeias musculares é muito
importante para a estabilização funcional das articulações acometidas e alívio dos sintomas. O
uso de órteses específicas para OA nodal de mãos e rizartroses, orientado por terapeuta ocupa-
cional habilitado, é também de grande valia para melhora funcional e de sintomas dolorosos. Por
fim, podem ser usadas palmilhas específicas para casos de OA de joelhos com deformidades em
varo ou em valgo. O uso de bengala no lado oposto ao da articulação mais acometida pela doen-
ça pode também ser eficiente para a melhora de sintomas por redução de sobrecarga mecânica.
Vale lembrar também que o emprego da acupuntura pode trazer benefícios para o controle da dor
crônica associada à OA.

O tratamento farmacológico da OA inclui medicamentos de ação rápida e de ação lenta. No pri-


meiro grupo, encontram-se os analgésicos comuns (paracetamol e dipirona), os analgésicos
opioides, os anti-inflamatórios não hormonais e os relaxantes musculares. Cabe aqui ressaltar
que o uso de anti-inflamatórios não hormonais na população idosa deve ser feito com extremo
critério ou mesmo evitado, dados os potenciais efeitos adversos decorrentes da sua utilização,
o mesmo valendo em relação ao uso de opioides. É possível, apesar disso, utilizar com maior

232
tranquilidade anti-inflamatórios ou analgésicos tópicos como a capsaicina, especialmente na OA
de mãos e joelhos. A colchicina oral também pode ser empregada, especialmente nos casos com
exacerbações inflamatórias frequentes, que geralmente estão associadas à deposição articular
de cristais de pirofosfato de cálcio. Já os medicamentos de ação lenta incluem o sulfato de glico-
samina, o sulfato de condroitina, a diacereína e os óleos insaponificáveis de soja e abacate, cujo
efeito geralmente inicia-se após 4 a 8 semanas de uso e pode perdurar por até 6 meses após a sua
interrupção. Entretanto, não há evidência de que o uso dessas medicações seja capaz de alterar a
progressão da doença. Uma alternativa possível de tratamento são as infiltrações articulares com
corticoide (usualmente a triancinolona), especialmente nos joelhos, durante exacerbações in-
flamatórias, ou com derivados do ácido hialurônico (viscossuplementação), que podem garantir
melhora sintomática durante meses. Vale lembrar que o uso do antidepressivo duloxetina tam-
bém pode ser considerado um tratamento adjuvante no controle da dor crônica relacionada à OA.

Há várias outras modalidades de tratamento ainda em estudo, como, por exemplo, o uso de co-
lágeno hidrolisado, ranelato de estrôncio, bisfosfonatos e plasma rico em plaquetas, porém no
momento não há ainda evidências suficientes para recomendar a utilização de tais tratamentos
na prática clínica.

3. Polimialgia reumática
A polimialgia reumática (PMR) é uma condição inflamatória sistêmica relativamente comum na
faixa etária mais idosa. Afeta quase que exclusivamente indivíduos acima dos 50 anos de idade,
com a maior incidência ocorrendo entre os 70 e 80 anos. Trata-se de doença importante devido à
sua frequência relativamente elevada. Em algumas populações, especialmente de origem escan-
dinava, a PMR ocupa o segundo lugar entre as doenças reumáticas inflamatórias sistêmicas mais
comuns, com uma prevalência de até 0,7% da população com mais de 50 anos de idade, perdendo
apenas para a artrite reumatoide.

A PMR pode ocorrer isoladamente ou em associação à arterite de células gigantes (ACG), tam-
bém conhecida como arterite temporal, mas é doença duas a três vezes mais comum que a ACG.
Estima-se que aproximadamente metade dos pacientes com ACG apresente associadamente sin-
tomas de PMR. Ao inverso, por volta de 10-20% dos pacientes com PMR poderão, em algum mo-
mento da evolução, desenvolver ACG.

Do ponto de vista clínico, a PMR caracteriza-se essencialmente pela ocorrência de dor e rigi-
dez matinal importantes, por vezes de início abrupto, envolvendo a região cervical e as cinturas
escapular e pélvica, geralmente de maneira simétrica. Tais sintomas podem também acometer
porções mais distais, na maioria das vezes punhos e mãos, porém de forma mais branda que nas
porções proximais dos membros. A rigidez matinal pode durar horas e recorrer após períodos de
inatividade física, resultando muitas vezes em limitação funcional para atividades de vida diá-
ria. Podem ocorrer também sintomas constitucionais inespecíficos, tais como fraqueza, fadiga,
perda de peso e episódios de febre baixa. Os achados de exame físico são relativamente pobres,

Capítulo 15 233
mas podem incluir limitação de amplitude de movimento cervical, dos ombros e dos quadris,
bem como sinovite leve de articulações periféricas (principalmente mãos e punhos).

Laboratorialmente, o achado mais característico da PMR é a marcante elevação da velocidade


de hemossedimentação (VHS), geralmente acima de 40 mm/hora e por vezes acima de 100 mm/
hora. Níveis normais de VHS, entretanto, não afastam o diagnóstico, já que até 20% dos pacientes
com PMR podem apresentar níveis de VHS abaixo de 40 mm/hora. É comum também ocorrer
elevação dos níveis de proteína C-reativa, usualmente acima de 1 mg/dL, além de achados de
anemia de doença crônica. Testes sorológicos, como pesquisa de fator antinúcleo e fator reuma-
toide, são negativos na PMR, embora valha a pena ressaltar que a prevalência da positividade de
tais testes na população idosa normal seja naturalmente mais elevada que na população geral.

O diagnóstico de PMR baseia-se em grande parte nos achados clínicos e laboratoriais, uma vez
que não há teste específico para o seu diagnóstico. Em caso de dúvida, porém, pode-se lançar
mão de algum método de imagem, como ultrassonografia ou ressonância nuclear magnética de
ombros ou quadris, para melhor caracterização do quadro. Na PMR, tais métodos costumam de-
monstrar a sinovite glenoumeral e/ou coxofemoral, além de frequente acometimento inflamató-
rio de estruturas periarticulares, como tendões e bursas (principalmente subacromial/subdeltoi-
dea e trocantérica).

O diagnóstico diferencial mais importante da PMR é a artrite reumatoide soronegativa, porém


outras condições, a depender da apresentação clínica, devem ser consideradas, tais como in-
fecções subagudas ou crônicas, fibromialgia, miopatias inflamatórias ou induzidas por drogas,
mieloma múltiplo e doenças ósseas, por exemplo.

A principal linha de tratamento para a PMR é a corticoterapia. Geralmente, os pacientes com


PMR obtêm respostas clínicas rápidas e marcantes com doses de corticoide baixas a moderadas,
o que pode inclusive ser considerado para o diagnóstico da doença. Em linhas gerais, pode-se
começar o tratamento com doses de prednisona de 10 a 20mg/dia, iniciando-se lento e gradual
desmame após um mês de bom controle dos sintomas. Eventualmente, pode haver recorrência
dos sintomas durante o desmame, especialmente se feito de forma muito rápida, o que pode
requerer incremento temporário na dose de corticoide. Em casos de grande dificuldade de des-
mame, pode-se considerar a associação de drogas poupadoras de corticoide. A principal delas é o
metotrexate, porém têm sido utilizados também anticorpos anti-TNF (infliximabe e etanercepte)
e anticorpos anti-IL-6 (tocilizumabe). A eficácia dessas medicações é ainda bastante controversa.
No mais das vezes, é possível descontinuar a corticoterapia após um a dois anos de uso, porém
alguns pacientes podem requerer manutenção de corticoterapia em baixas doses, como predni-
sona 2.5 a 5mg/dia a longo prazo.

4. Arterite de células gigantes


A arterite de células gigantes (ACG), também denominada “arterite temporal”, é uma vasculite
sistêmica de grandes e médios vasos que afeta quase que exclusivamente a população mais ido-
sa. Da mesma forma que a polimialgia reumática (PMR), é extremamente rara antes dos 50 anos
de idade, com sua incidência atingindo o pico durante a oitava década de vida. É mais comum na
população de origem escandinava e mediterrânea, sendo extremamente infrequente na raça ne-
gra. É a mais comum das vasculites sistêmicas: estima-se que o risco de a doença se desenvolver

234
ao longo da vida é de 0,5% para os homens e 1% para as mulheres. Sua ocorrência predomina no
sexo feminino, na qual a doença é duas a três vezes mais comum que nos homens.

Clinicamente, a ACG tem em geral início subagudo, com sintomas constitucionais usualmente
marcantes, tais como febre, fadiga, anorexia e perda de peso. Em um número considerável de pa-
cientes, tais sintomas são os únicos na apresentação inicial da doença, de modo que a ACG deve
ser incluída no diagnóstico diferencial de febres de origem indeterminada na população idosa.
Vale lembrar também que aproximadamente metade dos pacientes com ACG apresenta sintomas
compatíveis com polimialgia reumática, já descritos no tópico anterior.

Um dos mais importantes sintomas da ACG é a cefaleia, que ocorre em mais de dois terços dos
pacientes. Ela, muitas vezes, é mais pronunciada na região temporal, porém pode ocorrer em
outras áreas ou mesmo ser generalizada. Não há um padrão típico para a cefaleia associada à
ACG, mas comumente é possível caracterizá-la como sendo nova, e frequentemente os pacientes
queixam-se de aumento de sensibilidade ao toque no couro cabeludo. Outro sintoma marcante, e
que apresenta boa especificidade para o diagnóstico, é a claudicação de mandíbula, que aparece
em cerca de metade dos casos e geralmente é referida como sensação de fadiga mastigatória.

Os sintomas potencialmente mais perigosos e mais temidos da ACG são aqueles relacionados a
perdas visuais. Tais perdas podem ter caráter transitório, na forma de amaurose fugaz. Podem,
todavia, ser permanentes e ocorrer de forma súbita, tanto unilateral quanto bilateralmente. Esti-
ma-se que até um quinto dos pacientes com ACG possa evoluir com perdas visuais permanentes
parciais ou completas, de um ou ambos os olhos. Os quadros de perda visual na ACG são, mais
frequentemente, derivados do acometimento inflamatório da artéria ciliar posterior (produzin-
do a chamada neuropatia óptica isquêmica anterior aguda) ou da artéria central da retina, com
o consequente comprometimento do fluxo sanguíneo para porções da retina e do nervo óptico.
Além de perdas visuais, podem ocorrer eventualmente também sintomas de diplopia, secunda-
riamente a lesões isquêmicas de qualquer porção do sistema oculomotor.

Apesar de a ACG tipicamente afetar vasos arteriais do segmento cefálico, acometimento de ou-
tras grandes artérias também pode ocorrer. São descritas na doença, por exemplo, alterações
inflamatórias na parede da aorta, levando a quadros como aneurismas e dissecções, ou mesmo
aortites idiopáticas. Ramos da aorta também podem ser acometidos, especialmente os mais cra-
niais, tais como as artérias subclávias e o tronco braquiocefálico, apesar de também haver des-
crições de acometimento das artérias femorais.

Do ponto de vista do exame físico, podem eventualmente ser notadas anormalidades em artérias
do segmento cefálico, especialmente nas artérias temporais superficiais, que podem se apresen-
tar dolorosas à palpação, endurecidas e aumentadas de volume, com redução ou mesmo ausência
do seu pulso. Vale ressaltar que este não é um achado universal na ACG, de modo que a ausên-
cia de anormalidades ao exame das artérias temporais superficiais não afasta o diagnóstico da
doença. Além disso, o exame oftalmológico fundoscópico deve ser realizado em todos os pacien-
tes com suspeita de ACG, especialmente naqueles com queixas de perdas visuais transitórias ou
permanentes, no sentido de se pesquisar alterações compatíveis com neuropatias ópticas isquê-

Capítulo 15 235
micas. Eventualmente, a depender do envolvimento de outras grandes artérias, podem ser iden-
tificados sopros arteriais, assimetrias de pulsos ou diferenças de pressão arterial entre membros.

Em relação ao diagnóstico laboratorial da ACG, não há nenhum ensaio bioquímico que demons-
tre alterações típicas ou específicas da doença. São frequentes as elevações de provas de fase
ativa (VHS e proteína C-reativa), com valores de VHS que muitas vezes atingem 100mm/hora
ou mais. Estima-se, contudo, que 5% dos pacientes com ACG possam apresentar valores de VHS
abaixo de 40mm/hora no momento do diagnóstico. Assim, valores pouco elevados ou mesmo
normais de VHS não excluem a possibilidade de ACG. Outros achados laboratoriais inespecíficos
podem incluir anemia de doença crônica, elevação discreta de transaminases e redução dos ní-
veis de albumina sérica.

O método considerado de escolha para a confirmação diagnóstica é a biópsia de artéria temporal


superficial, geralmente realizada no lado mais sintomático do paciente. Devido ao envolvimento
arterial caracteristicamente segmentar da doença, é frequente que os achados histopatológicos
resultem negativos, mesmo quando retirado um segmento representativo da artéria. Nesses ca-
sos, se houver elevado nível de suspeita clínica, pode ser indicada a biópsia contralateral. Quan-
do presentes, os achados são compatíveis com uma pan-arterite, envolvendo especialmente a
camada média da artéria, com um infiltrado inflamatório rico em linfócitos e macrófagos, além
da presença frequente de células gigantes.

Alguns métodos de imagem podem contribuir para o diagnóstico de ACG, mas, até o momento,
não tornam dispensável a biópsia vascular. O principal método de imagem atualmente utilizado
é a ultrassonografia com Doppler das artérias temporais superficiais. Nos casos de ACG, pode ser
eventualmente visualizado o denominado “sinal do halo”: uma área hipoecogênica circunferen-
cial à parede vascular, medindo até 2mm de largura e representando edema inflamatório. Pode
também ser percebida a persistência da visualização da parede arterial inflamada durante a sua
compressão pelo transdutor. No entanto, a utilização desse método como apoio diagnóstico de-
pende em grande parte da experiência do ultrassonografista, o que pode limitar a sua acurácia.
Outros métodos, tais como angiotomografias, angiorressonâncias e PET-CT, podem ser utiliza-
dos na avaliação de quadros suspeitos de ACG, especialmente para a avaliação de acometimento
de grandes artérias extracranianas.

Figura 3: Arterite de células gigantes

Fonte: http://medicinembbs.blogspot.com.br/2011/01/giant-cell-arteritis-temporal-arteritis.html

236
O tratamento da ACG é baseado fundamentalmente na corticoterapia, que deve ser iniciada tão
logo seja firmada a suspeita clínica, mesmo antes da confirmação histológica, no sentido de se
reduzir substancialmente o risco de complicações visuais. Vale ressaltar que o início precoce
do tratamento não prejudica a avaliação histopatológica da biópsia vascular, uma vez que os
achados característicos da ACG podem persistir por semanas ou mesmo meses após iniciada a
corticoterapia. Usualmente, o corticoide de escolha é a prednisona, na dose inicial de 1mg/kg/
dia. Essa dose pode ser precedida de pulsoterapia com metilprednisolona (1000mg/dia por via
endovenosa durante 3 dias consecutivos) nos casos em que haja complicações visuais já instala-
das. Uma vez iniciada a corticoterapia, o desmame deve ser lento, de modo que muitos pacien-
tes acabam permanecendo em uso de doses decrescentes de prednisona durante um período de
tempo total de um ano ou mais. Eventuais exacerbações da doença ao longo do desmame podem
requerer elevações temporárias da dose de corticoide. Nos casos resistentes ao desmame, que ne-
cessitem de doses maiores que 10mg/dia de prednisona para o adequado controle de atividade de
doença, pode ser considerada a associação de algum agente poupador de corticoide, tais como o
metotrexate, a ciclofosfamida e, mais recentemente, o tocilizumabe (anticorpo monoclonal anti-
receptor de interleucina-6). Em grande parte dos pacientes, porém, a doença apresenta um curso
autolimitado, permitindo a descontinuação completa do corticoide ou, eventualmente, sua ma-
nutenção em doses baixas a longo prazo.

Como terapia adjuvante, pode ser considerada a associação de AAS em baixas doses (geralmente
100mg/dia) no sentido de se diminuir o risco de complicações isquêmicas visuais ou no sistema
nervoso central. Nesses casos, especialmente na população idosa, é importante considerar pro-
teção gástrica com o uso de inibidores de bomba de prótons. Além disso, a prolongada corticote-
rapia requer vigilância em relação à massa óssea, podendo ser adequado o uso de suplementação
de cálcio e vitamina D, ou mesmo de bisfosfonatos.

5. Artrite reumatoide no idoso


A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória autoimune sistêmica de evolução crônica,
cujo principal alvo são as articulações sinoviais, nas quais produz sinovites de caráter erosivo,
embora possa também acometer vários órgãos e sistemas. Apresenta predileção pelo sexo femi-
nino, com as mulheres sendo três vezes mais afetadas que os homens. É doença de prevalência
relativamente elevada, variando entre 0,8% e 1% na população geral, e seu pico de incidência
situa-se entre os 30 e 50 anos de idade. Quando se inicia na população mais idosa, há caracterís-
ticas clínico-epidemiológicas um tanto diferenciadas, como veremos mais adiante.

Do ponto de vista clínico, a AR pode afetar qualquer articulação sinovial, porém classicamente
acomete os punhos, os carpos e as pequenas articulações das mãos, caracteristicamente pou-
pando as articulações interfalangianas distais. O acometimento tende a guardar relativa sime-
tria, e a rigidez articular matinal costuma ser prolongada, geralmente com duração maior que
uma hora. As articulações afetadas apresentam-se edemaciadas e doloridas, muitas vezes com
prejuízo funcional importante. Caso não seja adequadamente tratada, a AR pode, ao longo do

Capítulo 15 237
tempo, causar erosões ósseas e deformidades articulares, tais como subluxações metacarpofa-
langianas, desvio ulnar dos dedos das mãos e as clássicas deformidades em “pescoço de cisne”,
“botoeira” e “martelo”.

Variados acometimentos extra-articulares podem ocorrer nos pacientes com AR. Os mais co-
muns são nódulos reumatoides, vasculites reumatoides, síndrome sicca secundária e alterações
pulmonares, especialmente fibrose pulmonar intersticial e derrame pleural. Tais quadros são
mais comuns nos pacientes com doença articular mais agressiva, geralmente portadores de fator
reumatoide em títulos elevados.

Figura 4: Artrite reumatoide

Fonte: http://www.stemcelltherapyinindia.com/treatable-diseases/rheumatoid-arthritis.php

Estima-se que por volta de um quarto dos pacientes com AR são diagnosticados a partir dos 60
anos de idade. Nesses casos, a proporção de acometimento entre os gêneros tende a ser igual,
diferentemente da proporção de três mulheres para um homem vista na AR de início em indiví-
duos mais jovens. Além disso, o acometimento é mais agudo, oligoarticular e assimétrico, com
predomínio maior nas grandes articulações e sintomas constitucionais mais marcantes.

Figura 5: Acometimento pulmonar intersticial na AR

Fonte: OZERKIS-ANTIN, D. et al. Recognizing Lung Disease in patients with Rheumatoid Arthritis.
European Journal of Respiratory Diseases, 2008, vol. 29

238
Do ponto de vista laboratorial, a AR associa-se à positividade do fator reumatoide em 70-80% dos
casos. Vale recordar que o fator reumatoide é inespecífico para a doença, porém sua positividade
em altos títulos relaciona-se a uma doença mais agressiva, com maior potencial erosivo e mani-
festações articulares mais graves. Nos casos onde o fator reumatoide é negativo, principalmente
nas fases iniciais da doença, pode ter importância a pesquisa de anticorpos contra peptídeos
citrulinados, dos quais o anti-CCP (anticorpo antipeptídeo cíclico citrulinado) é o mais relevante.
Tais anticorpos apresentam especificidade muito maior para a AR que o fator reumatoide, esti-
mada em cerca de 95%, com sensibilidade entre 70% e 80%. É importante considerar que, na po-
pulação idosa, a positividade inespecífica do fator reumatoide é mais comum que na população
jovem, o que pode limitar o seu valor diagnóstico para a AR e tornar a pesquisa dos anticorpos
contra peptídeos citrulinados mais importante, dada a sua maior especificidade para a doença.

Outra consideração importante a se fazer na população idosa é que os valores da velocidade de


hemossedimentação (VHS), muito utilizada na avaliação do grau de atividade da AR, são natural-
mente algo mais elevados nessa população em comparação a indivíduos mais jovens, o que deve
ser levado em consideração na avaliação da atividade da doença e da resposta ao tratamento.

Nos idosos, diante de um caso suspeito de AR, deve-se sempre avaliar a possibilidade de alguns
diagnósticos diferenciais comuns a essa faixa etária. Assim, é necessário considerar a presença de
alguma neoplasia associada à idade e ao sexo do paciente, já que manifestações articulares compa-
tíveis com a AR podem ter caráter paraneoplásico. Outros diagnósticos diferenciais a serem con-
siderados são osteoartrose em fase inflamatória, artropatia por cristais e polimialgia reumática,
lembrando que, nesta última, os níveis de VHS tendem a ser ainda mais elevados que na AR, com
fator reumatoide usualmente negativo e anticorpos antipeptídeos citrulinados ausentes.

O tratamento da AR na população idosa deve seguir os mesmos princípios que na população mais
jovem. Idealmente, a instituição do tratamento deve ser precoce, visando à remissão de doença
(o chamado treat to target), com o uso de drogas antirreumáticas modificadoras de doença (ou
DMARDs – disease-modifying anti-rheumatic drugs). O uso associado de prednisona em baixas
doses pode ser considerado (geralmente até 10mg/dia), porém a utilização de anti-inflamatórios
não hormonais nos idosos deve ser feita com grande cautela ou mesmo evitada, devido ao seu
grande potencial de efeitos adversos nessa população. Dentre as DMARDs atualmente disponí-
veis, a mais importante no tratamento inicial da doença é o metotrexate oral, geralmente utiliza-
do nas doses de 15 a 25mg/semana. Outras DMARDs orais incluem o leflunomide, a sulfassalazina
e a cloroquina, que podem ser usadas isoladamente ou em combinação com o metotrexate. No
caso de falha aos DMARDs orais, pode estar indicado o uso de terapia imunobiológica. Dentre
as medicações dessa categoria atualmente disponíveis, encontram-se os agentes anti-TNF (in-
fliximabe, etanercepte, adalimumabe, certolizumabe, golimumabe), o tocilizumabe (anticorpo
monoclonal antireceptor de IL-6), o abatacepte (inibidor da coestimulação de linfócitos T) e o
rituximabe (anticorpo monoclonal anti-CD20 de linfócitos B). Há também disponível atualmente
o tofacitinibe, pequena molécula de uso oral inibidora das janus-quinases 1, 2 e 3. Recomenda-se
que a indicação e a utilização dessas medicações sejam avaliadas e acompanhadas por reumato-
logista.

Capítulo 15 239
6. Caso clínico
Paciente do sexo feminino, de 74 anos de idade, compareceu ao consultório médico com queixas
de dores articulares acompanhadas de edema havia 2 meses. Tais queixas foram aditivas e passa-
ram a predominar nas pequenas articulações das mãos e nos punhos, também afetando um dos
tornozelos e o joelho contralateral. A paciente também referia sentir rigidez articular nas mãos
ao acordar, que melhorava gradativamente até desaparecer por completo após aproximadamen-
te duas horas. Relatava discreta perda ponderal de 2kg no período, porém sem febre ou outras
queixas constitucionais. Negava surgimento de lesões mucosas ou cutâneas, dores lombares, al-
terações intestinais ou urinárias, sintomas respiratórios ou queixas oculares. Tinha anteceden-
tes pessoais de tabagismo, suspenso havia oito anos, com carga tabágica total de 40 maços-ano.
Também apresentava hipertensão arterial e hipotireoidismo, em uso de valsartana 160mg/dia,
amlodipina 5mg/dia e levotiroxina 75mcg/dia, sem outras comorbidades conhecidas.

Ao exame físico articular, constatava-se aumento de volume e presença de dor à palpação em al-
gumas articulações interfalangeanas proximais das mãos e metacarpofalangianas, com relativa
simetria. Notava-se também edema articular no punho esquerdo, com alguma dor à sua flexo
-extensão, além de discreto aumento de temperatura no joelho direito e no tornozelo esquerdo.
Não havia deformidades articulares ou outras alterações evidentes ao exame clínico.

Considerou-se inicialmente a principal hipótese diagnóstica como sendo artrite reumatoide, para
cuja investigação foram solicitados alguns exames, dentre eles hemograma completo, provas de
atividade inflamatória, pesquisa de fator reumatoide e de anticorpos anti-CCP, além de radiogra-
fia das mãos. Os resultados mostraram hemograma normal, VHS de 52mm/hora, proteína C-rea-
tiva de 2.84mg/dl (normal até 1 mg/dl), fator reumatoide e anti-CCP negativos. A radiografia de
mãos evidenciou porose óssea difusa, porém sem erosões articulares evidentes. Sorologias para
quadros virais crônicos (infecção por HIV, hepatite B e hepatite C), como possíveis diagnósticos
diferenciais para a poliartrite crônica, também foram solicitadas e resultaram todas negativas.

Assim sendo, em vista do quadro clínico altamente sugestivo e das alterações inflamatórias aos
exames laboratoriais, admitiu-se de fato o diagnóstico de artrite reumatoide soronegativa do
idoso. Instituiu-se tratamento com metotrexate 15mg/semana, hidroxicloroquina 400mg/dia e
prednisona 5mg/dia, com boa resposta clínica após dois meses de tratamento, embora a VHS e a
proteína C-reativa permanecessem ainda elevadas, com melhora apenas parcial (38mm/hora e
1.42mg/dl, respectivamente).

Durante o terceiro mês de tratamento, a paciente passou a evoluir com episódios de epistaxe de
repetição à esquerda, além de leve sensação de obstrução nasal do mesmo lado, sem dor local
ou outras queixas. Hemograma demonstrou nível normal de plaquetas, não havendo alterações
também ao coagulograma. Foi encaminhada a serviço otorrinolaringológico, onde foi realizada
nasofibroscopia, sendo evidenciada massa em fossa nasal esquerda. Biópsia da lesão foi com-
patível com melanoma maligno. No prosseguimento da investigação, a paciente foi submetida
a tomografia computadorizada das fossas nasais, que mostrou grande invasão tumoral local e
de base de crânio, não havendo possibilidade de ressecção cirúrgica. Foi instituída radioterapia
paliativa do tumor, com a paciente evoluindo a óbito depois de dois meses.

Esse caso ilustra a necessidade de atenção para etiologias paraneoplásicas em casos de artrite
reumatoide do idoso, especialmente quando da negatividade do fator reumatoide e de outros au-

240
toanticorpos associados à doença, bem como quando há persistência da elevação das provas de
atividade inflamatória. As neoplasias mais comuns são aquelas mais frequentes segundo a idade
e o sexo do paciente, mas também podem ocorrer em sítios pouco usuais e serem virtualmente
assintomáticas e de difícil suspeita diagnóstica, como no caso aqui apresentado.

Referências e sugestões de leitura


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WENHAM, C.Y.; CONAGHAN, P.G. New horizons in osteoarthritis. Age Ageing 2013; 42(3): 272-8.

Capítulo 15 241
CAPÍTULO

Doenças endócrinas
do envelhecimento
Profa. Michele Bautista
Profa. Christyanne Maria Rodrigues Barreto de Assis
Prof. Juliano Silveira de Araújo
Doenças endócrinas do envelhecimento
Profa. Michele Bautista
Profa. Christyanne Maria Rodrigues Barreto de Assis
Prof. Juliano Silveira de Araújo

Introdução
As alterações hormonais associadas ao envelhecimento habitualmente não apresentam impacto
na perda de funcionalidade do idoso. Apesar de alguns níveis hormonais não se reduzirem ou até
aumentarem no envelhecimento, a resistência dos receptores hormonais conferem um menor
funcionamento do sistema endócrino no idoso.

1. Comportamento do GH - Hormônio do Crescimento


O hormônio do crescimento (GH), produzido na hipófise, exerce sua ação sobre o crescimento me-
diante regulação do sistema IGF. Os IGFs (IGF-1 e IGF-2) são fatores de crescimento produzidos na
maioria dos órgãos e tecidos do organismo, possuindo ações autócrinas, parácrinas e endócrinas
sobre o metabolismo intermediário, proliferação, crescimento e diferenciação celular.

O processo de envelhecimento promove mudanças na secreção do hormônio do crescimento nos


indivíduos idosos, com alteração na intensidade dos pulsos de GH com subsequente redução da
secreção total do hormônio. A cada década, após a puberdade, ocorre redução de cerca de 14% da
secreção total do hormônio. A literatura relata que cerca de 60% dos sexagenários apresentem
algum grau de deficiência de GH. O impacto de tais alterações ainda é ponto controverso, tendo
em vista que a reposição nos idosos saudáveis levou a mais efeitos colaterais (edema, artralgia,
síndrome do túnel do carpo, disglicemias) que efeitos benéficos.

1.1 O impacto da deficiência do GH


Os indivíduos com deficiência comprovada de GH evoluem com alterações na composição cor-
poral, principalmente com redução da massa magra (decorrente da redução e síntese proteica) e
aumento da adiposidade visceral (redução da lipólise). Com relação a fatores de risco cardiovas-
cular, observa-se aumento no níveis de LDL colesterol, aumento dos níveis tensionais e redução
da fração de ejeção cardíaca. Existe um impacto relevante nas atividades de vida diárias (AVD),
devido à diminuição da capacidade aeróbica, anemia e depressão.

Alguns estudos evidenciaram que o tratamento de indivíduos deficientes melhora a qualidade de


vida, promove ganho muscular e melhora a expectativa de vida da população geral, visto que há
maior mortalidade de indivíduos com deficiência de GH. Os principais efeitos adversos da reposi-
ção residem no aumento de risco para malignidades e alterações em níveis glicêmicos.
1.2 Investigação
As recomendações para investigação da deficiência de GH no idoso seguem as mesmas orienta-
ções do adulto. Os indivíduos com dosagem deficiente de IGF-1 associado a outras deficiências
hormonais hipofisárias são de alto risco para a real deficiência de GH.

A confirmação diagnóstica é feita através de exames laboratoriais. Uma avaliação inicial do eixo
somatotrófico pode ser feita pelas dosagens séricas de IGF-1 e de IGFBP-3, já que seus níveis refle-
tem os efeitos biológicos do GH e também se correlacionam com o pico de GH estimulado. Valores
de IGF-1 e IGFBP-3 abaixo de -2 desvios-padrão do valor de referência aumentam a probabilidade
de deficiência e demandam a realização de um primeiro teste provocativo para avaliar a reserva
secretória de GH.

O teste da hipoglicemia induzida por insulina (ITT) é considerado o padrão-ouro. No entanto,


está contraindicado nos pacientes idosos e/ou portadores de cardiopatias e disritmias cerebrais.
Na impossibilidade de sua realização, ou quando uma segunda prova de estímulo for necessária,
outro teste de liberação pode ser usado, desde que com os valores de corte apropriados. O teste
provocativo com GHRH e arginina (GHRH-arginina) é considerado a alternativa de escolha.

1.3 Tratamento
Os idosos com deficiência de GH apresentam perfil de risco de efeitos colaterais com a reposi-
ção de GH maior que os jovens. Recomenda-se doses menores que as habituais do adulto, 100 a
200 mcg/dia, com aumentos a cada 1 a 2 meses. O objetivo terapêutico é atingir metade superior
do limite da normalidade do valor de referência para GH. Após alcançar a meta, recomenda-se
observar o paciente a cada 6 meses.

2. Hipogonadismo Masculino
Tem sido reconhecido por vários anos que o processo de envelhecimento do homem é associado
ao declínio progressivo na produção androgênica. As principais manifestações da Deficiência
Androgênica no Envelhecimento Masculino (DAEM) são:

• Diminuição da libido;

• Disfunção erétil;

• Depressão e irritabilidade;

• Diminuição da massa e força muscular;

• Osteoporose.

Capítulo 16 245
2.1 Investigação
Recomenda-se a investigação de indivíduos com queixa de redução da libido, número de ereções,
ginecomastia, redução dos pelos corporais, redução testicular e baixa massa óssea. O escore
Androgen Deficiency in the Aging Male (ADAM), que consiste em 10 questões (Tabela 1), é uma
ferramenta de grande utilidade no rastreio do hipogonadismo.

O exame realizado consiste na dosagem da testosterona matinal. Os valores normais de testoste-


rona total para o sexo masculino são de 240 a 820 ng/dL.

Tabela 1 - Score ADAM - Androgen Deficiency in the Aging Male

1. Tem observado redução da libido?


2. Tem observado falta de energia?
3. Percebeu diminuição na força muscular?
4. Perdeu altura?
5. Perdeu a alegria de viver?
6. Fica triste ou rabugento com frequência?
7. Percebeu que as ereções são menos vigorosas?
8. Tem perdido a capacidade para atividades esportivas?
9. Sente sonolência após o jantar?
10. Tem percebido piora no desempenho profissional?
Rastreio positivo se questões 1 ou 7 afirmativas ou 3 questões positivas.

Fonte: TANCREDI, A. et al. Interest of the Androgen Deficiency in Aging Males (ADAM)
questionnaire for the identification of hypogonadism in elderly community-dwelling male volunteers.
European Journal of Endocrinology, 2004, 151, 355–360

2.2 Tratamento
A principal forma de administração é através de testosterona injetável. Estão disponíveis no Bra-
sil: propionato, fenilpropionato, cipionato, decanoato, isocaproato e undecanoato. A medicação
deve ser repetida a cada 2 ou 3 semanas para medicamentos de curta duração e a cada 6 ou 12
semanas para aqueles de longa duração. Nos pacientes com DAEM, os adesivos transdérmicos
são bem aceitos na dose de 5 a 7,5 mg/dia e trocados a cada 48 horas.

246
Quadro 1 - Opções terapêuticas para reposição de testosterona

Fonte: SARRIS, A.B. et al. Fisiopatologia, avaliação e tratamento da disfunção erétil: artigo de revisão.
Revista de Medicina 95.1, 2016: 18-29

3. Função adrenal no envelhecimento


A produção de cortisol se mantém ou pode se elevar com a idade e em ambos os sexos. Pode ha-
ver, portanto, uma resposta ao estresse mais prolongada nos idosos. Nos indivíduos com quadro
de insuficiência adrenal é observada maior associação com hospitalização, fraqueza muscular e
fragilidade, aumento da obesidade e disfunção sexual. A principal causa de insuficiência adrenal
no idoso é a supressão do eixo hipotalamo-hipófise-adrenal (HHA), que ocorre como resultado
da administração exógena de glicocorticoides.

O retorno da função normal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal nos usuários crônicos de


corticoides pode demorar até 12 meses. Sempre que for feita a redução/suspensão da dose do gli-
corticoide devem ser avaliados os sintomas da deficiência (febre, náuseas, vômitos, hipotensão,
hipoglicemia, hipercalemia e hiponatremia).

Idosos sob corticoterapia podem necessitar de dose suplementar de glicocorticoide quando ex-
postos a situações de estresse, como anestesia geral, procedimento cirúrgico, trauma e na vigên-
cia de processos infecciosos. Uma das formas de suplementação é a administração de 100mg de
hidrocortisona a cada 8 horas por 72 horas nos pacientes submetidos a cirurgia de grande porte e
50 a 100mg de hidrocortisona a cada 8 horas por 12 a 24 horas nos procedimentos de menor porte.
Após uso deste esquema o paciente retorna ao uso da dose habitual.

Capítulo 16 247
4. Climatério
4.1 Introdução
A menopausa natural é a permanente cessação dos ciclos menstruais definida retrospectivamente
após 12 meses de amenorreia sem outra causa secundária. A perimenopausa (PM) é definida pelo
início dos sintomas climatéricos até 1 ano após a menopausa. Esta fase pode durar anos.

Na fase inicial da PM a mulher começa a apresentar irregularidade menstrual; A inibina B (o mais


precoce marcador mensurável) e o hormônio antimulleriano tendem a cair e o hormônio folículo
estimulante (FSH) a aumentar, com relativa preservação do estradiol (normal ou elevado), po-
rém, com a progesterona da fase lútea baixa, além dos sintomas de fogachos.

Na fase tardia a variedade cíclica aumenta, com flutuação no FSH e estradiol. Alto FSH com baixo
estradiol sugere menopausa, mas, logo em seguida o FSH e o estradiol podem voltar aos níveis
da pré-menopausa.

4.2 Epidemiologia
A média de idade da menopausa é de 51 anos, com 95% entre 45 e 55 anos. Antes dos 40 anos não
é normal, devendo ser aventada a falência ovariana.

A histerectomia parece alterar a função ovariana a longo prazo, mesmo com preservação dos
ovários. Tal efeito não é completamente entendido. Estudos mostram que mulheres pós-histe-
rectomia desenvolvem mais precocemente perfil hormonal e clínico da menopausa, possivel-
mente pelo dano vascular.

Na senescência o FSH e o LH mudam estruturalmente e têm maior meia-vida, o que leva a maio-
res níveis hormonais, mesmo que menos biologicamente ativos.

4.3 Manifestações Clínicas


Perimenopausa (PM)

O período PM, em média, se inicia 4 anos antes da menstruação e incluem alterações fisiológicas
que afetam a qualidade de vida. Irregularidade dos ciclos, flutuação hormonal, fogachos, distúr-
bios do sono, do humor e ressecamento vaginal. Em paralelo, alterações no lipidograma e perda
de massa óssea começam a ocorrer. Na fase inicial da PM tende a existir uma irregularidade dos
ciclos; tipicamente primeiro um aumento no intervalo intermenstrual, mais tardiamente as mu-
danças se acentuam até mesmo com ciclos amenorreicos e anovulatórios. Algumas mulheres
podem ter ciclos com sangramentos mais intensos e/ou prolongados, que são mais anovulató-
rios e mais frequentes nas mulheres com obesidade e/ou fibromas uterinos. Dados sugerem que
mulheres que apresentaram 3 meses de amenorreia deverão atingir o último ciclo menstrual nos
próximos 4 anos.

Os sintomas mais comuns no período PM e menopausa são os sintomas vasomotores (SV) - (refe-
rido como fogachos ou “ondas de calor”), que ocorrem em torno de 80% das mulheres, mas ape-
nas 20 a 30% procuram o médico. Tais sintomas são mais frequentes na fase tardia (80% versus
40% na precoce).

248
Os SV comumente se iniciam com uma súbita sensação de calor em face e tronco que se generaliza,
dura de 2 a 4 minutos e se associa a transpiração, suor frio, palpitações, ansiedade, várias vezes
ao dia e mais à noite. Mais de 80 % dura mais de um ano, tende a cessar em 4 a 5 anos, porém,
alguns persistem por anos, com 9% além dos 70 anos.

Distúrbios do sono também podem ocorrer na PM com uma prevalência que aumenta na fase
tardia. O manejo dos SV pode auxiliar na insônia, mas, às vezes, há outras causas associadas
como depressão e ansiedade.

A queda hormonal gera atrofia e ressecamento vaginal com sintomas como comichão, dispareu-
nia e alterações urinárias na forma mais tardia, que aumentam após a PM. No que tange ao ciclo
sexual existe diminuição no fluxo sanguíneo e da lubrificação vaginal, além de diminuição do
turgor e da elasticidade da vagina. Podem haver alterações de memória e capacidade de concen-
tração, mas são achados controversos na literatura médica.

4.4 Efeitos a longo prazo da menopausa


A perda de massa óssea começa desde a PM, tendendo a ser mais alta no período de um ano antes
e dois anos após o último ciclo menstrual. O risco cardiovascular aumenta após a menopausa,
em parte pela queda estrogênica associada a alguns fatores como o perfil lipídico. A deficiên-
cia estrogênica está relacionada a ganho de gordura em detrimento da massa magra, além da
diminuição do colágeno da pele.

4.5 Diagnóstico e manejo


O aparecimento dos sinais e sintomas da PM em mulheres acima de 45 anos não necessita de
painel de exames diagnósticos para conclusão, a não ser que existam outros sintomas. O diag-
nóstico é mais difícil se existe uma alteração do ciclo menstrual como na síndrome dos ovários
policísticos (SOP) ou na amenorreia hipotalâmica. Por razões não esclarecidas, na SOP os ciclos
tendem a ser mais regulares na PM. Se há uso de anticoncepcionais (ACO) o período pode ser
oligossintomático, tardando o diagnóstico, além da alteração no FSH pela supressão do eixo. Na
pós-histerectomia os SV e o FSH embasam o diagnóstico.

4.6 Tratamento
O estrógeno é a terapia mais eficaz para os sintomas da menopausa, principalmente os SV. Outros
sintomas como o humor, os distúrbios de sono e as dores articulares também podem ser aliviadas,
assim como a atrofia vulvovaginal. Os transtornos de humor também podem ser manejados com
inibidores de recaptação de serotonina e a atrofia vulvovaginal com estrógeno local. Para a pre-
venção cardiovascular, da osteoporose e dos distúrbios cognitivos, não há indicação de reposição
hormonal.

A terapia de reposição hormonal com estrógeno combinado ou não com progesterona não é

Capítulo 16 249
indicação de rotina, diante dos resultados de estudos com aumento do risco de câncer e eventos
trombóticos. Considera-se candidata a paciente que está há menos de 10 anos na menopausa,
que apresenta menos de 60 anos, na ausência de contraindicações, como histórico de câncer de
mama, doença coronariana, trombose, acidente vascular encefálico ou doença hepática.

A reposição pode ser de diversas formas, como oral, transdérmica, vaginal em creme, anel
ou implante subcutâneo. A transdérmica está associada a menores riscos de trombose e
hipertrigliceridemia. O tempo de reposição hormonal deve ser limitado a não mais do que 5 anos
ou para além dos 60 anos de idade.

5. Diabetes mellitus (DM) no Idoso


Estudos realizados no Brasil evidenciam que a prevalência do DM entre idosos pode superar 17%
da população. A incapacidade funcional e as multimorbidades tornam-se um desafio para o tra-
tamento do diabetes no idoso. Os princípios básicos para diagnóstico de idosos com diabetes não
diferem daqueles estabelecidos para indivíduos mais jovens. Por outro lado, no que diz respeito
à definição das metas de tratamento, bem como à escolha do agente terapêutico a ser utilizado, é
fundamental considerar aspectos que diferenciam tal população das demais faixas etárias.

Tabela 2 – Principais desafios no manejo da diabetes mellitus no idoso

Envelhecimento cerebral associado ao risco de déficits cognitivos.


Redução do glicogênio hepático e risco de hipoglicemia.
Déficits sensoriais (visuais e auditivos) que limitam a adesão terapêutica.
Presença de multimorbidades (insuficiência renal, cardíaca, hepática).

Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015–2016). Sao Paulo:
AC Farmacêutica, 2013

5.1 Complicações macro e microvasculares do diabetes


As complicações vasculares do DM estão associadas a elevada morbimortalidade. A hiperglice-
mia pós-prandial é um fator de risco isolado para mortalidade por todas as causas, especialmente
as cardiovasculares. Quanto às complicações macrovasculares, devido ao processo de ateroscle-
rose, os indivíduos podem desenvolver cardiopatia isquêmica e suas complicações (insuficiência
cardíaca e arritmia), doença cérebro vascular e doença vascular periférica (aneurisma aórtico,
isquemia aguda e crônica dos membros).

As complicações microvasculares são caracterizadas por lesões visuais (retinopatia), renais (ne-
fropatia) e neuronais (neuropatias). A investigação destas afecções deve ser realizada anualmente.

A retinopatia diabética é a responsável pelo risco 25 vezes maior de diabéticos apresentarem ce-
gueira em relação à população geral. A retinopatia pode ser classificada em: I. Não proliferativa;

250
II. Pré-proliferativa; III. Proliferativa. A estratégia de avaliação consiste na realização de oftal-
moscopia e identificação dos microaneurismas (preditores de progressão de doença).

A nefropatia diabética é uma das complicações microvasculares mais importantes do DM e a sua


patogênese é complexa e não completamente compreendida. A hiperglicemia desempenha um
papel central na cadeia de danos causados pelas citocinas e fatores de crescimento que produ-
zem estresse oxidativo, glicosilação anormal, peroxidação lipídica e a outros elementos inflama-
tórios.

Das intervenções possíveis na nefropatia diabética, o controle da pressão arterial é uma das mais
importantes na prevenção e progressão de doença. A relevância do controle da pressão arterial
nas complicações do DM é demonstrado pelo estudo UKPDS. Neste estudo, ficou demonstrado
que cada redução de 10mmHg na pressão arterial sistólica está associada a uma queda de 12% no
risco de complicações. Das classes de anti-hipertensivos, os IECAs (inibidores de enzima conver-
sora de angiotensina) e os BRAs (bloqueadores de receptores de angiotensina) apresentam efeito
nefroprotetor pela redução da perda proteica renal.

Durante vários anos o nível tensional de 130x80mmhg foi a meta pressórica para indivíduos com
diabetes mellitus. O consenso americano (Eighth Joint) estabeleceu um alvo de pressão inferior a
140x90mmHg, acima do qual os indivíduos devem ser tratados farmacologicamente.

A neuropatia é uma das piores complicações crônicas do DM, sendo um distúrbio do nervo peri-
férico caracterizado por atrofia e degeneração axonal e/ou por alterações nas células de Schwann,
provocando desmielinização em segmentos do axônio, tendo como consequência diminuição da
velocidade de condução ou interrupção da transmissão do impulso nervoso.

A neuropatia diabética gera transtornos tróficos da pele e osteoarticulares do pé, como atrofia
muscular e diminuição da amplitude de movimento, o que resulta no risco de ulceração plantar.
Úlceras superficiais ou lesões pré-ulcerativas nos pés de indivíduos diabéticos com diminuição
de sensibilidade causada por neuropatia diabética constituem 85% dos casos graves de interna-
ções hospitalares.

5.2 Tratamento do diabetes no idoso


O tratamento do diabetes nos idosos obedece aos mesmos princípios utilizados nas faixas etárias
mais jovens. O médico assistente deve estar atento a importantes particularidades, diferenças
nas metas de controle glicêmico e restrições ao uso de vários dos antidiabéticos orais.

Capítulo 16 251
Quadro 2 - Metas laboratoriais para o tratametdo do DM tipo 2

Parâmetro Meta terapêutica Nível tolerado


Hb Glic 7,5% a 8,5% no idoso a
Hemoglobina glicada (Hb Glic) Hb Glic em torno 7% no adulto depender de multimorbidade e
expectativa de vida
Glicemia de jejum <100 mg/dl <130 mg/dl
Glicemia pré-prandial <100 mg/dl <130 mg/dl
Glicemia pós-prandial <160 mg/dl <180 mg/dl

Fonte: American Diabetes Association’s (ADA), 2014

5.3 Tratamento Não Medicamentoso


As intervenções devem ser instituídas precocemente e devem abranger pacientes e cuidadores.
Dentre as opções podemos citar:

Aconselhamento nutricional (atentar para o maior risco de hipoglicemia e perda ponderal pelo idoso).

Prática de atividade física regular.

5.4 Tratamento medicamentoso

Quadro 3 - Recomendações para o o tratamento do diabetes no idoso

Recomendação Grau

O tratamento do idoso com diabetes deve obedecer aos mesmos princípios dos não idosos. A

Não há evidências de que o controle glicêmico rigoroso em idosos evita eventos cardiovasculares. B

A terapia intensificada em idosos com diabetes está associada a maior risco de hipoglicemia. A

Não se conseguiu comprovar que a maior mortalidade observada com tratamento intensivo dos idosos com diabetes
B
se deveria à maior incidência de hipoglicemia.

Metformina não é contraindicada em idosos, mas, quando recomendada, deve-se dar maior atenção às funções re-
A
nal, hepática, cardiopulmonar e a quaisquer situações que predisponham à acidose.

Insulinoterapia não está contraindicada aos idosos com diabetes, mas este tipo de tratamento necessita cuidados
B
maiores e implica em maior risco de hipoglicemia.
Acarbose pode ser utilizada em idosos com diabetes com mínimo ou nenhum risco de hipoglicemia, mas a tolerância
C
aos efeitos colaterais é menor.

As glitazonas podem ser utilizadas nos pacientes idosos com diabetes, mas o risco de insuficiência cardíaca e os-
A
teoporose (principalmente nas mulheres) limitam o seu uso nesta população.

Análogos de GLP-1 e inibidores da DPP-IV podem ser usados em idosos com diabetes com especial atenção à função
B
renal, já que são contraindicados na insuficiência renal grave (Clearance igual ou menor do que 30 ml/minuto).

(A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; (B) Estudos experimentais e observacionais de menor
consistência; (C) Relatos de casos - estudos não controlados; (D) Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consenso,
estudos siológicos ou modelos animais.

Fonte: Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2014-2015

252
5.5 Classes farmacológicas no tratamento do DM tipo II
Nos idosos, o tratamento deve ser iniciado com doses menores que as administradas em pacien-
tes jovens, considerando-se a possibilidade de interações medicamentosas, dado o uso frequente
de diversos medicamentos.

I. Biguanidas (metformina): atuam na resistência insulínica, com mecanismos de ação pri-


mários de redução da produção hepática e aumento da captação intestinal de glicose. Seu
principal efeito adverso é a intolerância gastrointestinal. É um medicamento seguro para
idosos por não promover hipoglicemia.

II. Sulfoniureias (clorpropramida, gliclazida, glibenclamida, glimepirida): são agentes que


estimulam a secreção de insulina pelo pâncreas e podem causar hipoglicemia: a clorpro-
pamida (em desuso) e glibenclamida apresentam maior risco de hipoglicemia. Para os ido-
sos, a gliclazida e a glimepirida devem ser os medicamentos de escolha devido ao maior
comodidade posológica (utilizados 1x ao dia) e o melhor perfil de segurança (menor risco
cardiovascular e hipoglicemia).

III. Glitazonas (pioglitazona): combate primariamente a resistência à insulina, aumentando


a sensibilidade do músculo, tecido gorduroso e fígado à ação da insulina. É contraindica-
da em paciente com insuficiência cardíaca.

IV. Acarbose: apresenta ação modesta nos idosos, reduzindo a glicemia de jejum em 20-30mg/
dl. Atua retardando a degradação dos carboidratos, assim como a absorção pós-prandial
dos glicídios no intestino delgado. Os efeitos que limitam seu uso são: flatulência, intole-
rância gástrica, diarreia e dor abdominal.

V. Incretinomiméticos (inibidores DPP4, análogos GLP1): os incretinomiméticos são medi-


camentos peptídeos que mimetizam várias das ações do peptídeo semelhante ao gluca-
gon-1 (GLP-1) e têm demonstrado reduzir níveis de hemoglobina glicada nos pacientes
com DM2. Adicionalmente, incretinomiméticos reduzem as glicemias pós-prandial e de
jejum, suprimem a liberação elevada do glucagon, e são associados com redução de peso.
Os inibidores da dipeptidil peptidase-4 (DPP-4) aumentam os níveis de GLP-1 endógeno
pela inibição da degradação enzimática do GLP-1. Os inibidores da DPP-IV são para uso
oral e os agonistas do receptor de GLP-1 são injetáveis, e ambas as classes não induzem
hipoglicemia.

VI. Insulinoterapia: apesar de ser uma modalidade efetiva nos idosos, é subutilizada. A in-
sulinoterapia deve ser introduzida quando o controle da glicemia se mostrar refratário às
modificações do estilo de vida e ao uso dos hipoglicemiantes orais. Deve-se iniciar com
dose de 0,1 a 0,2 UI/kg de insulinas de ação intermediária (NPH) ou prolongada (deglude-
ca, glargina e detemir) com ajustes de 2 a 4 unidades após 1 a 2 semanas.

Mediante a persistência de hiperglicemia, deve-se administrar uma segunda dose de insulina


de ação intermediária (NPH) ou introduzir insulinas de ação rápida (regular) ou ultrarrápidas

Capítulo 16 253
(lispro, asparte e glulisina). Em 2014, foi aprovado no Brasil o uso da insulina degludeca (tresiba
- insulina de ação ultralonga) que apresenta um comportamento mais homogêneo durante o dia
evitando os picos glicêmicos.

Figura 1 – Comportamento sérico dos diversos tipos de insulina

Fonte: Adaptado de MCMAHON, G.T. et al. Intention to Treat — Initiating Insulin and the 4-T Study. The New England
Journal of Medicine.2007;357(17):1759-61

Quadro 4 - Insulinas disponíveis no Brasil

Fonte: WEINERT, L.S.; CAMARGO, E.G.; SILVEIRO, S.P.. Tratamento Medicamentoso da Hiperglicemia no Diabetes
Melito Tipo 2. Clinical & Biomedical Research. 2015. 30.4

254
Figura 2 - Etapa inicial no manejo da diabetes mellitus 2

Fonte: http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/POSICIONAMENTO-OFICIAL-SBD-02-2017-ALGORITMO
-SBD-2017.pdf

Figura 3 – Manejo farmacológico do DM 2

Fonte: http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/POSICIONAMENTO-OFICIAL-SBD-02-2017-ALGORITMO
-SBD-2017.pdf

Capítulo 16 255
Figura 4: Manejo farmacológico do DM tipo 2

Fonte: http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/POSICIONAMENTO-OFICIAL-SBD-02-2017-
ALGORITMO-SBD-2017.pdf

6. Alterações da tireoide
A elucidação dos sintomas e a inter-relação com afecções da tireoide são desafiadoras nos
idosos, pois, as manifestações clínicas podem ser ausentes, oligossintomáticas ou sem sintomas
clássicos. Por conseguinte, a dificuldade clínica do diagnóstico justifica o rastreio periódico da
função tireoidiana (FT).

6.1 Efeitos da senescência na tireoide


Com o envelhecimento, a tireoide pode passar por mudanças na sua anatomia, com alteração de
tamanho. Na maioria das vezes, há aumento relacionado ao aparecimento de nódulos. Também
podemos encontrar microscopicamente efeitos como fibrose, infiltração linfocitária e redução
dos folículos, porém sem disfunção endócrina.

A senescência traz impactos sobre o eixo hipófise-tireoide, com menor elevação do TSH em
resposta à queda do T4 livre e redução na produção do hormônio tireoidiano (HT), devido á
redução do clearance hormonal e uma maior meia vida.

6.2 Doenças da tireoide


Afecções como doenças crônicas ou consumptivas trazem reflexo com valores menores do HT.
Ademais, algumas medicações podem trazer efeito sobre a FT (Tabela 3).

256
Tabela 3 - Drogas que são causas secundárias de alterações do perfil hormonal

Diminuição da secreção de TSH


Corticoide
Aumento da secreção do hormônio tireoidiano
Interferon alfa
Amiodarona
Diminuição da secreção do hormônio tireoidiano
Amiodarona
Lítio
Aumentam metabolismo hepático
Fenobarbital
Fenitoína
Carbamazepina
Sertralina

Fonte: NASRI, F.; FREITAS, E.V.; PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia, 4ed. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara. Koogan; 2016. p. 860-66

6.3 Hipotireoidismo
Estado de menor disponibilidade do HT para os tecidos periféricos, incorrendo no alentecimento
da velocidade do metabolismo dos órgãos e sistemas.

A prevalência geral do hipotireoidismo é em torno de 1,5 % e o hipotireoidismo subclínico (HS)


(elevação do TSH com T4 livre normal) é quase dez vezes maior. Aumenta com a idade, mas
também varia com sexo e raça.

6.4 Etiologias e manifestações


A causa mais comum é a tireoidite autoimune crônica (tireoidite de Hashimoto). No entanto,
também pode resultar de tireoidectomia ou pós-radiação com iodo 131 I, com drogas antireoidia-
nas (DAT) ou após várias formas de tireoidites e doenças infiltrativas. Tanto a deficiência como o
excesso de iodo são causas de doença primária. O HS compartilha a etiologia da forma primária.

No que concerne aos sintomas tendem a ser menos sinalizados nos idosos e infrequentes no HS.
Na esfera osteomuscular existe maior desequilíbrio, menor força muscular, alterações de pro-
priocepção com maior risco de queda e até mesmo a possibilidade de síndrome do túnel do carpo.
No campo neuropsiquiátrico, o individuo pode ser classificado erroneamente com um transtorno
de humor ou declínio cognitivo.

Capítulo 16 257
Quanto às alterações laboratoriais associadas pode haver elevação do colesterol total, fração LDL
e triglicerídeos. No exame físico podemos encontrar bradicardia, derrame pericárdico, edema
muscular com dor proximal e certa fraqueza associada, que tende a melhorar após 2 meses de
tratamento.

6.5 Tratamento
O tratamento usual no idoso terá início com baixas doses de levotiroxina (LT4): 25mcg e pro-
gressão mensal, conforme necessidade, tendo-se cuidado se houver doença coronariana ou ar-
ritmias. O alvo do TSH entre 60-70 anos deverá ser entre 3-4 mU/L e nos pacientes acima de 70
anos, 4-6 mU/L. A dosagens de TSH e T4 livre devem ser feitas a cada 6 a 8 semanas para ajustes
de dose.

Se houver necessidade de doses altas de LT4 (> 2 mcg/kg/dia) devemos considerar a possibilidade
de interação medicamentosa ou má absorção, como o que ocorre na insuficiência cardíaca ou no
uso de hidróxido de alumínio, ferro, cálcio e inibidores de bomba de prótons.

Para muitos autores o tratamento do HS estará indicado se TSH > 10 mU/ml, se houver evidên-
cia de anticorpos antitireoideanos (AAT) e depressão concomitante. Tal indicação, entretanto,
tem sido questionada diante de alguns estudos que não evidenciaram benefícios sintomáticos
consistentes com este tratamento.

6.6 Hipertireoidismo
O hipertireoidismo tem uma prevalência variável nos idosos. A doença com variante subclínica
(TSH baixo com T4 livre normal) tem prevalência estimada em 2,5% e a forma clínica de 0,5 a
2,3% dos idosos.

6.7 Etiologias e manifestações


As causas mais encontradas são a Doença de Graves (DG), o bócio multinodular tóxico e o unino-
dular tóxico. A forma multinodular é a causa mais comum nos idosos.

Na DG o quadro clínico pode sugerir o diagnóstico, com oftalmopatia e bócio difuso. Em cerca
de 30% dos casos, entretanto, não evidenciamos a tireoide palpável. Para auxílio no diagnóstico,
a presença do AAT anti-Trab é especifico e a cintilografia revela um bócio com captação difusa,
diferente da captação em nódulo (s) “quente (s) ” na doença uninodular ou multinodular tóxica.

A tireoidite aguda ocorre em decorrência de uma liberação hormonal da glândula por efeito in-
flamatório agudo. Há um quadro clínico de dor e calor na região cervical associado aos sinais e
sintomas de tireotoxicose que, usualmente, sucedem um quadro infeccioso de vias aéreas ou
viral. Na cintilografia de tireoide há uma baixa captação.

A amiodarona pode ser causa de hipertireoidismo secundário e também pode ser causa de
alteração de dosagem hormonal mesmo nos eutireoideos.

Uma manifestação comum no idoso é o hipertireoidismo apático, em que há um quadro de fadiga,


letargia, perda ponderal, declínio cognitivo, humor depressivo e precipitação da fibrilação atrial
(FA). Todo esse painel é diferente daquele observado nos mais jovens: insônia, intolerância ao
calor, sudorese, ansiedade, tremores e hiperfagia.

258
Nos idosos os sintomas cardiopulmonares como taquiarritmias, dispneia ao esforço e ede-
ma podem predominar, além da tendência à perda ponderal e menor aumento do apetite. O
hipertireoidismo subclínico aumenta em três vezes o risco de FA no idoso.

6.8 Tratamento
O hipertireoidismo pode ser controlado por meio de inibição da síntese hormonal, utilizando as
DAT. Como exemplos, temos o metimazol (MTZ) e o propiltiouracil (PTU). Os únicos tratamentos
definitivos, contudo, são a destruição com iodo radioativo 131 I ou a tireoidectomia total.

A adesão ao tratamento costuma ser melhor com o MTZ por exigir apenas uma tomada diária. O
monitoramento da FT com o T4 livre e o T3 total (TSH pode permanecer suprimido após longo
prazo) deve ser feito após 4 a 6 semanas do início e depois em intervalos de 4 a 8 semanas até se
obter o eutireoidismo. O risco de agranulocitose deverá ser vigiado, podendo ocorrer em 0,5%
dos casos em uso de DAT.

A taxa de remissão da doença após 1 a 2 anos de tratamento com DAT varia de 30 a 50%, o que pode
ser subestimado nos idosos, cuja doença tende a ser mais leve. O tratamento deverá ser utilizado
por até 1 a 2 anos e a maioria das recidivas ocorre entre 3 a 6 meses após o fim do tratamento.
Diante do risco, a FT deverá ser realizada mensalmente nos primeiros 6 meses, depois a cada 3
meses por 1 ano e depois anualmente. Se recidiva, tratamento definitivo deverá ser ponderado.

Os betabloqueadores (BB) podem atuar no controle dos sinais e sintomas da tireotoxicose, como
taquicardia, hipertensão arterial, tremores e labilidade emocional. O propranolol é o mais uti-
lizado, mas também podem administrados atenolol e metoprolol. Os bloqueadores de canal de
cálcio como verapamil e diltiazem são uma opção se houver contraindicação aos BB.

A terapia definitiva com 131 I é escolha muitas vezes por ausência de remissão plena e efeitos ad-
versos do tratamento com DAT; seu uso é contraindicado no caso de câncer de tireoide. O pré-
tratamento com DAT e BB deve ser considerado nos pacientes com alto risco de complicação. Se
utilizados, deverão ser suspensos 4 a 7 dias antes do tratamento com 131I. A reintrodução da DAT
após 7 dias parece evitar a exacerbação da tireotoxicose, não interferindo na eficácia.

Após o 131I a avaliação clínica e laboratorial seguirá a cada 4 a 6 semanas. Cerca de 20% dos trata-
dos com 131I apresentam falha terapêutica e o tratamento pode ser repetido se persistência após
6 meses.

Os fatores associados à falência de tratamento são: sexo masculino, tabagismo, bócios volumo-
sos, captação de iodo elevada, uso de dose baixa de 131I e níveis de T3 muito elevados.

A variante subclínica do hipertireoidismo tem indicação de tratamento se dosagem repetida em


mais de uma ocasião do TSH < 0,1 mU/l.

Capítulo 16 259
6.9 Nódulos e neoplasias de tireoide
A prevalência de nódulos da tireoide (NT) aumenta com a idade e com o maior uso dos métodos
de imagem o diagnóstico de nódulos acidentais aumentou. Estima-se uma prevalência de NT
evidentes por ultrassonografia em torno de 50% aos 65 anos.

Os NT podem ser císticos, adenomas benignos, neoplásicos ou secundários a um processo


inflamatório, sendo a maioria nódulos coloides ou císticos. Menos de 10% são malignos. Na evi-
dência de um NT o primeiro passo é avaliar a FT; se não existir sinais de hiperfunção glandular
deve-se avaliar os critérios para possível punção (Tabela 4).

Tabela 4 - Classificação e aspetos ultrassonográficos, risco estimado de malignidade


e indicações de PAAF* para nódulos tireoidianos

Classificação Risco de Indicação de


Aspectos ultrassonográficos
ultrassonográfica malignidade PAAF
Nódulo sólido hipoecoico ou com
componente parcial cístico com
um ou mais dos aspectos: margens
irregulares (infiltrativa, microlobulada), Recomendada
Suspeita alta > 70 a 90%
microcalcificações, altura maior do PAAF se > 1 cm
que largura, calcificações das bordas
com pequena extrusão de tecido mole,
evidência de extensão extratireoidiana.
Nódulo sólido hipoecoico com margens
Suspeita suaves SEM calcificações, extensão Recomendada
10 a 20%
intermediária extratireoidiana ou altura maior do que PAAF se > 1 cm
largura.
Nódulo sólido isoecoico ou hiperecoico
ou parcialmente cístico com áreas Recomendada
Suspeita baixa sólidas excêntricas SEM calcificações, 5 a 10% PAAF se > 1,5
extensão extratireoidiana ou altura cm
maior do que largura.
Considerar
Nódulos espongiformes ou parcial PAAF se > 2 cm
Suspeita muito cístico SEM nenhuma aspectos ou observar
< 3%
baixa ultrassonográficos descritos nas sem PAAF
suspeitas alta, intermediária ou baixa. como opção
razoável
Puramente cístico (sem componente
Benigno < 1% Sem biópsia
sólido).

Fonte: HAUGEN, B.R. et al. American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid No-
dules and Differentiated Thyroid Cancer: The American Thyroid Association Guidelines Task Force on Thyroid Nodules
and Differentiated Thyroid Cancer. American Thyroid Association. 2016 Jan;26(1):1-133

*Punção Aspirativa com Agulha Fina

A incidência de neoplasias de tireoide vem aumentando nos últimos anos. Estatisticamente, 70%
das neoplasias de tireoide são bem diferenciadas (68% papilares, 30% foliculares e 2% neopla-
sia de Hurthle). Cerca de 29% das lesões são pouco diferenciadas, como carcinoma anaplásico,

260
metástases e linfomas. O anaplásico deve ser aventado se houver uma massa sólida de rápido
crescimento.

O fator etário é importante no prognóstico da doença, além do risco de recidiva. Como outros
fatores temos sexo masculino, crescimento rápido dos nódulos, antecedente de irradiação no
pescoço, linfonodo cervical e clínica de disfagia.

Usualmente a FT é normal na vigência de neoplasia de tireoide; entretanto, nos casos com hiperti-
reoidismo o prognóstico tende a ser pior, pois os AAT podem estimular o crescimento neoplásico.

O tratamento do idoso deverá seguir a mesma linha do jovem, baseado na análise histopatológica
e sua classificação, com atenção ao prognóstico geral do idoso. A terapêutica mais usualmente
indicada é a tireoidectomia total por ablação com iodo radioativo. A terapia com tiroxina até o
momento da cirurgia para manutenção de valores subnormais do TSH costuma ser indicada, pois
reduz a recidiva da neoplasia. Lembrar, porém, do risco de taquiarritimias nos idosos.

7. Osteoporose: diagnóstico e manejo


A osteoporose é uma doença do metabolismo ósseo, caracterizada pelo desequilíbrio no pro-
cesso de remodelamento ósseo, com aumento da reabsorção e consequente perda de massa e
alteração arquitetural do osso. Acomete grande número de indivíduos, independente do sexo
ou raça e tem sua prevalência aumentada na população idosa. Estudos brasileiros apontam para
uma prevalência que varia em torno de 6% nos pacientes na pré-menopausa, aproximadamente
16% nos homens idosos e cerca de 44% nas mulheres na pós-menopausa.

7.1 Fatores de risco


A maioria das mulheres na pós-menopausa tem a perda de massa óssea relacionada à idade e/
ou deficiência estrogênica. Muitas doenças que afetam o metabolismo ósseo, contudo, podem
estar associadas à baixa densidade mineral óssea (DMO), como o hiperparatireoidismo e a os-
teomalácia. Essas doenças, em geral, possuem tratamento específico, sendo, por este motivo, de
fundamental importância uma avaliação detalhada da história e do exame físico. Em especial,
pacientes com múltiplas fraturas ou DMO muito baixa devem ser investigados para causas de
osteoporose secundária.

Capítulo 16 261
Tabela 5 – Causas de Osteoporose secundária

Medicações (corticoides, ciclosporina, Doenças hematológicas (leucemia, hemofilia,


fenobarbital, fenitoína, heparina, etc) mieloma múltiplo, etc)
Acromegalia Sarcoidose
Insuficiência adrenal Transplante de órgãos sólidos
Síndrome de Cushing Espondilite anquilosante
Hiperparatireoidismo Artrite reumatoide
Hipertireoidismo Esclerose múltipla
Hipogonadismo Hipofosfatasia
Deficiência de vitamina D e/ou cálcio Osteogeneses imperfeita

Doença celíaca Hipercalciúria idiopática

Desnutrição Doença hepática crônica

Doença colestática e hepatite ativa crônica Gastrectomia

Doença inflamatória intestinal Síndrome mal absortivas

Fonte: Adaptado de FITZPATRICK, L.A. Secondary causes of osteoporosis. Mayo Clinic Proceedings. 2002; 77:453

7.2 Manifestações clínicas


Em geral, a osteoporose é uma doença silenciosa, sem muitos sintomas associados, cuja principal
implicação clínica está relacionada ao aumento no risco de fraturas, que é maior entre os pacien-
tes com menor densidade mineral óssea. Os principais locais de fratura são a coluna vertebral, o
fêmur proximal e antebraço distal, embora possa ocorrer, virtualmente, em qualquer osso. Dessa
forma, fraturas que aconteçam, especialmente, após os 50 anos merecem investigação adicional,
a fim de se avaliar a osteoporose como possível causa.

A ocorrência de fraturas, quando não há recuperação completa, está relacionada a dores crôni-
cas, alterações do humor, debilidade funcional e até aumento da mortalidade. Além disso, histó-
ria prévia de fratura é um dos principais fatores de risco para novas fraturas.

7.3 Diagnóstico
Visto que a osteoporose pode estar relacionada a outros fatores de risco que não apenas o aumen-
to da idade, é importante a realização de anamnese completa, com história clínica e exame físico
detalhados, além da abordagem das medicações em uso, a fim de identificar possíveis causas
secundárias ou contribuintes para o quadro e poder guiar melhor a investigação e necessidade
de exames adicionais.

De modo geral, todo paciente em investigação para osteoporose deve realizar um hemograma
completo, dosagem de ureia, creatinina, cálcio, fósforo, magnésio, proteína total e fração, tran-
saminases, fosfatase alcalina, TSH e T4 livre, PTH e 25-OH-vitamina D, e, de acordo com os dados
obtidos na consulta, complementar com exames para suspeição clínica de causas associadas (ex.:
dosagem de testosterona, eletroforese de proteínas, anticorpo transglutaminase, cálcio urinário
de 24h e cortisol sérico).

262
Além disso, com objetivo de se firmar o diagnóstico e monitorizar o tratamento, a densitometria
óssea (DO) da coluna lombar ou do quadril é essencial, uma vez que o critério da Organização
Mundial de Saúde (OMS) se baseia nos dados deste instrumento. Dessa forma, pacientes com T-s-
core acima de -1.0 desvio-padrão (DP), possuem exame considerado normal; aqueles com T-score
entre -1.0 e -2.5 DP são classificados como portadores de osteopenia e os que apresentam exame
com T-score abaixo de -2.5 DP são diagnosticados com osteoporose. O exame está indicado prin-
cipalmente para mulheres após os 65 anos, ou antes dos 65 anos que estejam na pós-menopausa
e adultos que tenham fatores de risco para osteoporose secundária e fraturas. Algumas diretrizes
sugerem realizar DO nos homens acima de 70 anos ou naqueles entre 50 e 69 anos que tenham
fatores de risco associados.

Este diagnóstico também pode ser estabelecido quando há fratura sem trauma maior na coluna
vertebral, quadril, úmero, rádio distal e costelas. Uma situação habitual é a identificação, pela
radiografia de coluna torácica e lombar, de uma fratura vertebral assintomática em um idoso com
diminuição da altura.

Exames bioquímicos de remodelamento ósseo (de reabsorção - telopeptídeo-C sérico e N-telo-


peptídeo urinário e de formação - fosfatase alcalina osso-específica, osteocalcina e propeptídeo
aminoterminal do tipo 1 do procolágeno) podem ser utilizados para predizer o risco de fratura e
a velocidade de perda de massa óssea e ajudar a determinar a adesão terapêutica.

A perda de massa óssea pode ser provocada por fatores secundários, tais como uso de corticoide,
tabagismo, etilismo, artrite reumatoide, história pessoal ou parental de fratura prévia, hiperti-
reoidismo não tratado e desnutrição.

Para auxiliar na identificação do alto risco de fraturas nas mulheres pós-menopausa e homens
acima de 50 anos, recomenda-se o uso do FRAX (Fracture Risk Assessment Tool), algoritmo que
estima a probabilidade de fratura de quadril e de fratura osteoporótica maior (vertebral, de qua-
dril, úmero proximal e radial) em 10 anos. Este algoritmo se baseia em fatores clínicos, podendo
ou não utilizar a densidade mineral óssea do fêmur proximal ou do quadril.

7.4 Tratamento
O tratamento precoce reduz o risco de fraturas. Está indicado para pacientes com fratura os-
teoporótica de coluna vertebral, de quadril ou outros sítios (úmero, rádio distal ou costelas), para
aqueles com DO evidenciando T-score abaixo de -2.5 e para os que tenham osteopenia e uma
probabilidade em 10 anos de fratura de quadril maior que 3% e de qualquer fratura osteoporótica
maior que 20% pelo FRAX.

O tratamento deve ser decidido em conjunto com o paciente, considerando suas preferências,
comorbidades e risco de fraturas. Dentre as medidas gerais indicadas no tratamento da osteopo-
rose, estão inclusos:

a) Ingestão adequada de cálcio (1000mg a 1200mg/dia) e vitamina D (600-1000U/dia), quer


seja por dieta ou por suplementação;

Capítulo 16 263
b) Prática de exercícios físicos regulares de treinamento aeróbico, de melhora do equilíbrio e
de fortalecimento muscular. Os exercícios reduzem o risco de queda e poder gerar discreto
aumento na DMO;

c) Cessação do tabagismo e do etilismo;

d) Suspensão de medicações que possam interferir no metabolismo ósseo;

e) Prevenção de fatores de risco para queda.

Dentre o arsenal medicamentoso, dispõe-se dos bifosfonatos (alendronato, ibandronato, risen-


dronato, ácido zolendrônico), de análogo do PTH (teriparatide), do anticorpo monoclonal inibi-
dor do ligante do receptor ativador do fator nuclear kappa (denosumab) e do modulador seletivo
do receptor de estrogênio (raloxifeno). A primeira opção de tratamento é o bifosfonato oral, devi-
do a sua eficácia, segurança e custo.

O bifosfonato é a única classe terapêutica com efeito prolongado. Devem ser utilizados por um
período máximo de 5 anos. Após este tempo o risco de fratura deve ser reavaliado, tomando-se
por base exames laboratoriais, história clínica, risco de queda, comorbidades e uso de medicações.

Tabela 6 – Opções de tratamento medicamentoso para osteoporose

Medi-
Dose Ação Indicação Observações
cação
Tomar em jejum.
Osteoporose na pós-menopausa, em
homens e induzida por corticoides.
Reduz risco de fratura vertebral, de

Permanecer 30 minutos em posição ereta e alimentar-se


somente após este período.
quadril e não vertebral.
Comp.: 70mg/semana

Tempo de uso: 5 anos, podendo-se aumentar por até mais


Alendronato

5 anos em pacientes de alto risco.

Efeitos colaterais: Desordens gastrointestinais, fraturas de


fêmur atípicas por longo tempo de uso (raro) e osteonecrose
de mandíbula (maior entre pacientes que fazem altas
doses intravenosas em tratamento quimioterápico).

Contraindicação: pacientes com clearance de creatinina <


30ml/min.

264
Tomar em jejum.

Permanecer 60 minutos em posição ereta e alimentar-se


somente após este período.
Inntravenoso: 3mg a cada 3 meses

Osteoporose na pós-menopausa
Considerar uso intravenoso em pacientes com
Reduz risco de fratura vertebral

contraindicação ou com efeitos colaterais gastrointestinais


causado por bifosfonatos orais
Comp.: 150mg/mês
Ibandronato

Injetável: aplicação em bolus, em 15 a 30 seg.


Tempo de uso: 5 anos, podendo-se aumentar por até mais
5 anos em pacientes de alto risco.

Efeitos colaterais: desordens gastrointestinais (apenas


para a formulação oral), fraturas de fêmur atípicas por
longo tempo de uso (raro) e osteonecrose de mandíbula
(maior entre pacientes que fazem altas doses intravenosas
em tratamento quimioterápico).

Contraindicação: pacientes com clearance de creatinina <


30ml/min.
Tomar em jejum.
Comp.: 75mg em 2 dias consecutivos/mês

Osteoporose na pós-menopausa, em
homens e induzida por corticoides.
Reduz risco de fratura vertebral, de

Permanecer 30 minutos em posição ereta e alimentar-se


somente após este período.
quadril e não vertebral.
Comp.: 35mg/semana

Comp.: 150mg/mês

Tempo de uso: 5 anos, podendo-se aumentar por até mais


Risendronato

5 anos em pacientes de alto risco.

Efeitos colaterais: Desordens gastrointestinais, fraturas de


fêmur atípicas por longo tempo de uso (raro) e osteonecrose
de mandíbula (maior entre pacientes que fazem altas
doses intravenosas em tratamento quimioterápico).

Contraindicação: pacientes com clearance de creatinina <


30ml/min.

Capítulo 16 265
Considerar em pacientes com contraindicação ou

Osteoporose na pós-menopausa, em homens e induzida


com efeitos colaterais gastrointestinais causado por
bifosfonatos orais.

Aplicação em 15 min.

Reduz risco de fratura vertebral,


Manter o paciente bem hidratado e pré-medicar com
de quadril e não vertebral.
Intravenoso: 5mg/ano

analgésico/antitérmico para evitar reação à medicação

por corticoides.
(artralgia, febre, dor de cabeça e mialgia – maior risco na
Zolendrônico

1a aplicação).
Ác.

Tempo de uso: 5 anos, podendo-se aumentar por até mais


5 anos em pacientes de alto risco

Contra-indicação: Pacientes com clearance de creatinina <


30ml/min

Efeitos colaterais: fraturas de fêmur atípicas por longo


tempo de uso (raro) e osteonecrose de mandíbula (maior
entre pacientes que fazem altas doses intravenosas em
tratamento quimioterápico).
Considerar em pacientes com contraindicação, com efeitos
homens e induzida por corticoide com
Osteoporose na pós-menopausa, em

osteoporose grave, de alto risco ou

colaterais ou refratários ao tratamento com bifosfonatos.


Reduz risco de fratura vertebral
Subcutâneo: 20mcg/dia

Tempo de uso: 2 anos. Após este período, costuma-se


portadores de fraturas.

associar, geralmente, um bifosfonato a fim de manter o


e não vertebral.
Teriparatide

aumento de DMO.

Efeitos colaterais: câimbras, náuseas e tontura. Evitar


em pacientes com risco aumentado de osteossarcoma
(relato de aumento da incidência deste tumor em modelos
animais).

Contraindicação: pacientes com clearance de creatinina <


30ml/min.

266
Considerar em pacientes com contraindicação, com efeitos
Subcutâneo: 60mcg a cada 6 meses

em homens, mulheres portadoras


Osteoporose na pós-menopausa e
Reduz risco de fratura vertebral,
colaterais ou refratários ao tratamento com bifosfonatos.

inibidor de aromatase, homens


de câncer de mama em uso de

gonadotrofina para neoplasia


em tratamento de inbidor de
de quadril e não vertebral.
Após suspensão pode haver perda rápida de massa óssea
com necessidade de início de outro medicamento para
Denosumab

prostática.
manter DMO.

Alternativa de tratamento em paciente com doença renal


crônica.

Efeitos colaterais: rash cutâneo, celulite, hipocalcemia,


osteonecrose de mandíbula (raro), fraturas atípicas de
fêmur (raro).
Considerar em pacientes que necessitem profilaxia para
Osteoporose

menopausa.

neoplasia de mama.
Reduz risco
Raloxifeno

de fratura
vertebral.
60mg/dia

na pós-
Comp.:

Efeitos colaterais: aumento dor isco de trombose venosa


profunda, câimbras, aumento ou aparecimento do
fogacho.

Fonte: Produzido pelo autor

A hormonioterapia com estrógenos em associação ou não a progestágenos pode ser utilizada na


prevenção de osteoporose nos pacientes pós-menopausa com sintomas vasomotores, após consi-
derados os riscos e benefícios desta terapêutica. Além disso, após a suspensão, pode haver queda
rápida da DMO, com necessidade de uso de agentes alternativos para manter a massa óssea. Ou-
tras medicações, como ranelato de estrôncio e tibolona, não estão aprovadas para o tratamento
da osteoporose.

É necessário o monitoramento periódico dos pacientes que estão em tratamento ou nos que hou-
ve suspensão das medicações. Em geral, indica-se reavaliação da DO a cada 2 anos para pacientes
em tratamento e com periodicidade regular a critério clínico para aqueles em que houve inter-
rupção do tratamento. Outro dado importante é o acompanhamento da altura, uma vez que a
perda de estatura superior a 2 cm pode sugerir fraturas vertebrais assintomáticas. A dosagem
de marcadores bioquímicos de reabsorção óssea, quando disponíveis, também podem ser uti-
lizados na avaliação de resposta ou nos casos em que se optou por suspensão temporária dos
medicamentos.

8. Doença de Paget Óssea


A Doença de Paget Óssea, também chamada de osteíte deformante, é uma doença crônica be-
nigna causada pelo aumento inicial da atividade osteoclástica, seguida de aumento da atividade
osteoblástica e esclerose óssea, o que pode ocasionar dor e deformidades.

Capítulo 16 267
É discretamente mais comum em homens e sua prevalência é rara entre pacientes jovens, sendo
maior com o aumento da idade, podendo chegar a cerca de 10% na população idosa após 80 anos.
É mais comum em países como Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, tendo menor prevalência
nos países orientais e da América do Sul. Existem poucos dados epidemiológicos brasileiros, mas
a doença é mais frequente em cidades cuja colonização e descendência europeias foram mais
presentes, uma vez que há maior taxa de prevalência entre indivíduos brancos.

Sua etiologia não é bem determinada, com algumas evidências sugerindo o envolvimento de
fatores genéticos e ambientais. Pode ser encontrada história familiar em até 40% dos casos.

8.1 Manifestações clínicas


A maioria dos pacientes são assintomáticos, sendo diagnosticados incidentalmente por exames
de imagem realizados por outra indicação clínica. É comum, também, o diagnóstico ser realizado
nos pacientes com aumento isolado de fosfatase alcalina sérica. O acometimento ósseo pode ser
localizado, monostótico, ou difuso, poliostótico, acometendo mais comumente ossos pélvicos,
coluna vertebral, membros inferiores (fêmur e tíbia) e crânio.

Entre os pacientes sintomáticos, são mais comuns os sintomas relacionados ao sistema músculo
esquelético, como o aparecimento de deformidades, devido a alteração no tamanho ou forma
óssea; dor óssea; osteoartrite de articulações adjacentes; protrusão acetabular; fraturas e esteno-
se espinhal. A dor óssea é um dos sintomas mais presentes, mas, geralmente, se desenvolve em
fases mais tardias, sendo descrita como uma dor profunda com piora ao longo do dia, podendo
estar relacionada ao aumento ósseo e deformidades, lesões líticas, fraturas ou osteoartrite de
articulações adjacentes.

Outras manifestações clínicas estão relacionadas a complicações da doença, como paralisias ou


plegias, devido a roubo vascular ou compressão neurológica direta; perda auditiva por acome-
timento dos ossículos do ouvido; insuficiência cardíaca de alto débito, por aumento da vascula-
rização nas regiões ósseas acometidas; hipercalcemia secundária à imobilização por acometi-
mento extenso da doença; nefrolitíase; além do aumento no risco de neoplasias como sarcomas
e tumor de células gigantes.

8.2 Diagnóstico
Por tratar-se de uma doença assintomática na maioria dos casos, o diagnóstico é suspeitado nos
indivíduos com alterações típicas nos exames de imagem, realizados por outra indicação clínica,
ou naqueles com alteração exclusiva de fosfatase alcalina sérica. Nestes casos, deve ser indicada
a complementação com exame de imagem, a fim de fazer um rastreio ósseo e identificar possí-
veis lesões suspeitas.

Além de anamnese e exame físico completos, é importante realizar exames laboratoriais como
hemograma, função renal, bioquímica hepática, eletrólitos e, em alguns casos, dosagem de
25-OH-vitamina D e PTH, para realizar diagnóstico diferencial com outras doenças, como a os-
teomalácia, a elevação de fosfatase alcalina por acometimento hepático, o hiperparatireoidismo
e a hipercalcemia secundária ao imobilismo.

A fosfatase alcalina sérica (FAs), por se tratar de exame de fácil acesso, menor custo e por estar
relacionada à atividade de doença é o marcador bioquímica mais utilizado. Nos casos em que

268
há disponibilidade pode-se dosar a fração de fosfatase alcalina óssea e outros marcadores de re-
modelação óssea, como o propeptídeo amino-terminal do procolágeno tipo 1, N-telopeptídeo na
urina e o C-telopeptídeo sérico.

Entre os exames de imagem indicados estão a radiografia e a cintilografia óssea. A cintilogra-


fia óssea, apesar de pouco específica, tem alta sensibilidade quando comparada à radiografia
simples, sendo capaz de detectar lesões iniciais em 10 a 15% dos casos em que não há alteração
radiológica.

A tomografia computadorizada, a ressonância magnética e o PET-scan são exames complemen-


tares indicados, especialmente, em casos em que a diferenciação entre Paget e neoplasia se faz
necessário.

A biópsia óssea, em geral, não está indicada, podendo ser realizada nos casos em que a apresen-
tação radiológica não for típica de Doença de Paget ou quando houver suspeita de malignidade.

8.3 Tratamento
Os objetivos do tratamento são a diminuição da dor, do remodelamento ósseo, da vascularização
óssea e da progressão da doença. Indica-se tratamento quando:

a) Há sintomas típicos da doença;

b) O paciente assintomático apresenta elevação de fosfatase alcalina 2 a 4 vezes o limite supe-


rior da normalidade ou exames de imagem indicando risco de complicações;

c) Há programação cirúrgica, a fim de diminuir a vascularização local e o risco de sangramento;

d) Há hipercalcemia associada à imobilização (indivíduos com doença poliostótica).

O tratamento medicamentoso é baseado em drogas que diminuem a remodelação óssea, atuan-


do, especialmente, nos osteoclastos. A calcitonina foi a primeira medicação utilizada em casos
de Paget. Com o advento dos bisfosfonatos, a calcitonina tem sido menos utilizada, uma vez que
a normalização do turnover ósseo não acontece em muitos dos pacientes. Os bisfosfonatos ni-
trogenados (ácido zolendrônico, pamidronato, risedronato, alendronato e ibandronato) são os
agentes de primeira linha no tratamento da Doença de Paget.

Entre os bisfosfonatos, o ácido zolendrônico é o que tem maior potência e produz maior resposta
sustentada, obtendo remissão bioquímica de até 2 anos após uma única infusão. Além disso, em
casos de necessidade de retratamento, o zolendronato é a medicação de escolha na maioria dos
casos, visto as características descritas.

O pamidronato é uma alternativa de medicação injetável, mas tem uma potência menor e neces-
sita de um maior tempo de infusão. Alguns pacientes desenvolvem resistência à medicação, o
que dificulta o retratamento com esta droga. O alendronato e o risendronato representam alter-
nativas orais de tratamento.

Capítulo 16 269
Tabela 7 – Dose de bisfosfonatos mais utilizados no tratamento de doença de Paget

Medicação Dose
Ácido zolendrônico 5mg, intravenoso, em infusão única
Pamidronato 30-60mg, intravenoso, em infusão única
Risendronato 30mg, 1x/dia, por 2 meses
Alendronato 40mg, 1x/dia, por 6 meses

Fonte: Adaptado de SINGER, F.R. et al. Paget’s disease of bone: an endocrine society clinical practice guideline.
The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. 2014; 99:4408

Um procedimento cirúrgico pode ser necessário para pacientes com complicações da doença,
como fixações para fraturas, osteotomias em caso de deformidades e colocação de próteses ar-
ticulares. Quando há paraplegia, o tratamento com bifosfonatos parece ter melhor resposta em
comparação com cirurgia.

O acompanhamento do tratamento deve ser feito com dosagem de fosfatase alcalina sérica a
cada 3 a 6 meses até a estabilização de seus níveis séricos. Considera-se como remissão total a
normalização dos níveis de fosfatase alcalina, e como remissão parcial, a queda de mais de 50-
75% nos seus níveis após 6 meses do tratamento. Naqueles indivíduos com doença monostótica,
sem aumento dos níveis de fosfatase alcalina, a cintilografia óssea a cada 6 a 12 meses pode ser
uma opção para o controle de atividade metabólica. O retorno de sintomas ou uma nova elevação
da fosfatase alcalina pode ser indicativa da necessidade de retratamento, sendo o ácido zolen-
drônico o mais indicado nesses casos.

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Capítulo 16 273
CAPÍTULO

Tontura e vertigem no idoso


Prof. Fábio César Gravina Olivieri
Tontura e vertigem no idoso
Prof. Fábio César Gravina Olivieri

1.Introdução
Tontura, vertigem e desequilíbrio são queixas importantes em atendimentos médicos da popula-
ção adulta e idosa. São frequentemente causadas por alterações labirínticas, porém outras causas
incluem alterações cardíacas, neurológicas, endocrinológicas e psicológicas. Dados mostram que
a prevalência de tontura significativa ao longo da vida varia entre 17 e 30%, enquanto para verti-
gem essa variação se dá entre 3 e 10%.

Idosos com queixa de tontura têm maior probabilidade de cair. Lesões relacionadas a quedas le-
vam a restrições de mobilidade e perda de funcionalidade, além de aumentar o medo de cair, o
que também aumenta o risco de futuras quedas.

Embora seja uma queixa comum entre idosos, a tontura não deve ser interpretada como parte
do processo normal do envelhecimento. Cabe ao médico generalista estar familiarizado com a
investigação do sintoma, seus diagnósticos diferenciais e manejo terapêutico. Como a etiologia é
geralmente multifatorial, o encaminhamento a um ou mais especialistas (otorrinolaringologista,
oftalmologista, neurologista, cardiologista, psiquiatra ou neurocirurgião) pode ser necessário.

A estabilidade postural envolve uma complexa integração de informações sensoriais proprio-


ceptivas, somatossensórias e vestibulares. Distúrbios em qualquer desses sistemas de aferências
podem levar à sensação de desorientação espacial, tipicamente percebida como tontura. Dividi-
remos as queixas de tontura em quatro grandes categorias de sintomas: vertigem, pré-síncope,
desequilíbrio e tontura inespecífica.

Apesar da enorme gama de distúrbios que podem contribuir para a queixa, aproximadamente
90% das causas identificáveis de tontura situam-se em uma de sete grandes categorias causais
(Tabela 1).

Tabela1 : Sete grandes causas de tontura

Distúrbios vestibulares periféricos Distúrbios neurológicos primários


Distúrbios cardiovasculares Distúrbios psiquiátricos
Perdas multissensoriais
Síndrome de hiperventilação
Doença cerebrovascular da fossa posterior

Fonte: Adaptado de EATON, D.A. et al. Dizziness in the older adult, part 1:
Evaluation and general treatment strategies. Geriatrics 2003;58(4):28-36)
2. Fisiologia do equilíbrio e envelhecimento
A manutenção do equilíbrio depende da correta percepção e integração de cinco modalidades
sensoriais: vestibulares, visuais, proprioceptivas, somatossensórias (toque e pressão) e auditi-
vas. Crianças tendem a utilizar mais informações proprioceptivas (como a posição dos pés) e
vestibulares (como a posição da cabeça), ao passo que na idade adulta tornam-se preponderantes
para o equilíbrio as informações visuais (como a posição dos objetos ao redor). Em uma situação
normal, os receptores vestibulares de ambos os labirintos geram uma informação de repouso;
movimentos da cabeça produzem alterações opostas e de mesma intensidade nas informações
de cada ouvido. Isso leva a alterações compensatórias dos olhos e músculos, que permitem a
manutenção do equilíbrio postural. Qualquer discrepância das informações sensoriais, altera-
ções na integração sensorial central ou na função motora (causada por doenças neurológicas ou
ortopédicas como Parkinson ou artrite) pode levar à tontura e ao desequilíbrio.

O envelhecimento normal aumenta a suscetibilidade do indivíduo à tontura e dificulta a recupe-


ração de doenças que levam ao surgimento do sintoma. Alterações decorrentes da senescência
incluem diminuição da função e quantidade dos receptores sensoriais labirínticos, propriocepti-
vos e da retina. A acuidade visual e os reflexos visuo-vestibulares também diminuem com o en-
velhecimento. Como o papel da visão no equilíbrio é preponderante nos adultos, a perda visual
contribui significativamente para tontura e desequilíbrio entre idosos.

O declínio assimétrico da função vestibular e do reflexo vestíbulo-ocular estão associados à di-


minuição na visão dinâmica, uma vez que movimentos rápidos da cabeça não são acompanha-
dos por movimentos oculares corretivos. Essa alteração, que em quadros agudos leva à sensação
de vertigem rotatória, passa a ser percebida nos idosos com degeneração vestibular como insta-
bilidade postural e intolerância ao movimento. Acredita-se ser esse o motivo de, em quadros de
vertigem posicional paroxística benigna (VPPB), a queixa de vertigem rotatória ser menos im-
portante. Entretanto, apesar dessa menor percepção de vertigem entre idosos, os fenômenos de
desequilíbrio são mais importantes e graves. O achado isolado de assimetria no reflexo vestíbulo
-ocular, mesmo nos pacientes sem quadros de disfunção vestibular aguda, é preditor de quedas.

3. Tipos de tontura: divisão em categorias de sintomas


Um aspecto chave na avaliação de um indivíduo com tontura é a descrição detalhada das caracte-
rísticas do sintoma nas palavras do paciente, a partir das quais tentamos classificá-la em uma de
4 categorias. Nem sempre o clínico conseguirá restringir a queixa a uma única categoria. Há rela-
tos de que mais da metade dos pacientes idosos com queixa de tontura descrevem o sintoma de
maneira vaga e inconsistente. Além disso, não há um sintoma que, isoladamente, possa prever
com acurácia a causa da tontura relatada. Não raro, mais de um tipo de sintoma estará presente.

Abaixo, caracterizaremos brevemente cada um dos tipos de tontura. Em seguida, apresentare-


mos casos clínicos, a partir dos quais aprofundaremos a discussão das causas e da abordagem
diagnóstica das tonturas.

Capítulo 17 277
a) Vertigem

A vertigem é a sensação descrita pelo paciente como movimento do ambiente ao redor. Apesar
de geralmente ser rotacional, pacientes também podem descrevê-lo como sensação de queda.
Geralmente é episódico, inicia-se abruptamente e quando intenso está associado a náuseas e
vômitos. É tipicamente causada por um distúrbio do sistema vestibular periférico (ouvido in-
terno ou VIII nervo craniano) ou suas conexões no sistema nervoso central. As causas comuns
de vertigem periférica são vertigem de posicionamento paroxística benigna (VPPB), labirintite
aguda e doença de Menière. As causas centrais incluem lesões vasculares, bem como processos
expansivos e doenças inflamatórios do Sistema Nervoso Central.

b) Desequilíbrio

O desequilíbrio é uma sensação iminente de queda, que ocorre em posição ereta, referida prin-
cipalmente ao tronco e membros inferiores (e não à cabeça). A sensação desaparece em posição
sentada ou deitada. A queixa de desequilíbrio geralmente é contínua; raramente aparece de ma-
neira intermitente. Causado geralmente por disfunção de distintas modalidades sensoriais, o de-
sequilíbrio costuma denotar deterioração do sistema nervoso. Causas comuns de desequilíbrio
incluem doenças vestibulares graves, acidentes vasculares encefálicos, neuropatias periféricas
e doenças cerebelares.

c) Pré-síncope

A pré-síncope é geralmente descrita como a sensação iminente de desmaio ou perda de consciên-


cia, às vezes associada a turvação visual e a um barulho nos ouvidos. O sintoma denota isquemia
cerebral difusa devida a baixo débito, podendo ter causas cardíacas (arritmias, estenose aórtica),
não cardíacas (vasovagal, hipotensão postural, medicações) ou ambas.

d) Tontura inespecífica

A tontura inespecífica é descrita como sensação vaga (como “cabeça vazia”), que não pode ser
claramente identificada como vertigem, pré-síncope ou desequilíbrio. Este tipo de tontura pode
ser devido a formas mais leves das desordens previamente descritas, mas frequentemente é de-
corrente de transtornos fóbicos e ansiosos, além de hiperventilação.

Tabela 2: Categorias de tontura

Categoria Descrição % dos pacientes com tontura


Vertigem Falsa sensação de movimento ou rotação 45-54%
Desequilíbrio Perda do equilíbrio quando em pé Até 16%
Pré-síncope Sensação de perda iminente da consciência Até 14%
Sintomas vagos, sensação de desconexão
Tontura inespecífica Aproximadamente 10%
com o ambiente

Fonte: Adaptado de POST, R.E. et al. Dizziness: A Diagnostic Approach.


American Academy of Family Physicians. 2010;82(4):361-68)

278
Caso 1

Sr Osvaldo, de 81 anos, em acompanhamento geriátrico há um ano, com diagnóstico de Doença


de Parkinson feito nesta época. Queixa-se de tontura tipo rotatória percebida há duas semanas,
principalmente ao sair da cama e fazer movimentos bruscos com a cabeça. Nega zumbido ou
hipoacusia. Relata grande insegurança relacionada ao sintoma, pois apresenta histórico passado
de quedas (já fraturou o úmero após queda sofrida dois anos atrás). Por este motivo, está evitan-
do sair à rua e abandonou temporariamente o hábito de caminhar na praça próxima à sua casa.

Faz uso de levodopa + bensarazida 125mg ½ cp 3 vezes ao dia, vitamina D3 7000 UI por semana
e alendronato sódico 70mg por semana.

Ao exame físico, apresenta:

Peso= 54,7kg Alt= 1,72m (IMC= 18,5)

Nistagmo horizontal unidirecional para a direita, fatigável. Manobra de Dix-Hallpike positiva a


esquerda. Equilíbrio estático (sinal de Romberg): tendência de queda para a esquerda, com latên-
cia. Marcha parkinsoniana típica. Rigidez muscular global associada a bradicinesia e tremor de
baixa frequência (mais perceptível em antebraço e dedos da mão esquerda).

Questões propostas:

1. Qual a provável causa e os tratamentos propostos para a vertigem do paciente?

2. Existem outras alterações descritas no caso que podem ser relatadas como tontura ou ins-
tabilidade?

3. Quais são as estratégias de investigação e tratamento para queixas de desequilíbrio?

Respostas

1. A causa provável da vertigem de início recente do paciente é vertigem posicional paroxística


benigna (VPPB). O tratamento é feito sempre que possível com manobras de reposicionamento
vestibular. A reabilitação vestibular é um tratamento complementar que pode diminuir a de-
manda por medicações antivertiginosas (algumas das quais são contraindicadas nesse caso
pelos efeitos antidopaminérgicos que podem acentuar os sintomas de parkinsonismo).

2. Apesar da queixa “nova” ser característica de quadro vestibular periférico, o paciente apre-
senta outras alterações que afetam o equilíbrio e podem explicar o histórico de quedas. A
degeneração neurossensorial da doença do Parkinson associada ao provável quadro de sarco-
penia e fragilidade do paciente podem manifestar-se através de queixa de desequilíbrio, uma
das categorias de tontura.

Capítulo 17 279
3. Deve-se pesquisar as principais doenças que causam desequilíbrio: lesões vestibulares bila-
terais ou de instalação lenta, mielopatias, neuropatias periféricas, hidrocefalia de pressão
normal, tremor ortostático e tumores do sistema nervoso central na fossa posterior. O tra-
tamento inclui identificar e, quando possível, tratar as patologias que provocam o quadro.
Deve ser feita reabilitação com treinamento de marcha, bem como prescrição de dispositivos
de auxílio de marcha (bengala, andador).

3.1 Vertigem e disfunção vestibular


Disfunções vestibulares periféricas são as principais responsáveis por quadros vertiginosos.
Dessas, as três causas mais frequentes são, por ordem, vertigem posicional paroxística benigna
(VPPB), doença de Menière e neurite vestibular.

VPPB

A VPPB é a causa mais comum de vertigem em todas as faixas etárias. Estudos apontam para
uma prevalência do distúrbio entre idosos até sete vezes maior que entre adultos jovens. É carac-
terizada pela queixa de vertigem intermitente e de curta duração, provocada pela mudança de
posição da cabeça. O diagnóstico é feito com uma história sugestiva e pela observação de nistag-
mo durante as manobras de posicionamento (Dix-Hallpike).

Figura 1: Manobra de Dix-Hallpike

Fonte: POST, R.E. et al. Dizziness: A Diagnostic Approach. American Academy of Family Physicians. 2010;82(4):361-68)

Utilizada no diagnóstico da VPPB, a manobra tem início com o paciente sentado, de olhos abertos
e olhando para frente. O examinador vira a cabeça do paciente em 45 graus para o lado que irá
testar e, segurando a cabeça lateralizada, pede para o paciente rapidamente deitar-se, deixando
a cabeça pendente em 20 graus para fora da cama. O paciente é mantido nesta posição por 30
segundos, em seguida retorna para a posição inicial e aguarda por mais 30 segundos antes de ini-
ciar a manobra para o lado contrário. O teste é considerado positivo quando a manobra de algum
dos lados reproduz vertigem, com ou sem nistagmo.

280
É causada pela formação e deposição de pequenas partículas de cristais (otólitos) nos canais se-
micirculares, sendo o canal posterior o mais afetado. Esses cristais, formados pela degeneração
do utrículo, provocam estímulo irritativo no labirinto lesado quando a cabeça é movimentada.
A duração do sintoma costuma ser de algumas semanas e a intensidade mais leve. A vertigem
costuma remitir espontaneamente e recidivar ao longo do tempo.

O tratamento de primeira linha na VPPB do canal posterior é feito com manobras de reposicio-
namento, sendo a de melhor evidência a de Epley modificada. A manobra de Semont também é
uma alternativa terapêutica, com eficácia superior à intervenção farmacológica pura. A recomen-
dação de restrição de movimentos da cabeça após executada uma manobra de reposicionamento
não encontra embasamento em literatura.

Figura 2: Manobra de Epley modificada

Fonte: POST, R.E. et al. Dizziness: A Diagnostic Approach. American Academy of Family Physicians. 2010;82(4):361-68)

Capítulo 17 281
O paciente senta-se na maca com os olhos abertos e a cabeça virada em 45 graus para o lado
acometido. O examinador segura a cabeça do paciente lateralizada enquanto ele se deita rapida-
mente, deixando a cabeça pendente para fora da maca em 20 graus. O examinador vira então a
cabeça em 90 graus para o lado oposto, mantendo a posição por 30 segundos. O examinador vira
a cabeça do paciente em mais 90 graus, enquanto o paciente vira-se em decúbito lateral na mes-
ma direção. Após 30 segundos, o paciente senta-se, reassumindo a posição inicial. A manobra
pode ser repetida até que o paciente apresente melhora sintomática.

Mesmo nos pacientes submetidos às manobras de reposicionamento canalicular, é comum uma


queixa residual de tontura e instabilidade postural, que chega a durar semanas. Nos idosos, isso
está relacionado ao declínio da função vestibular, dos demais mecanismos envolvidos no equilí-
brio e da menor mobilidade nas funções diárias. De todo modo, o tratamento é eficaz em melho-
rar o equilíbrio, a funcionalidade e em diminuir a intensidade de crises futuras. A associação de
exercícios de reabilitação vestibular às manobras de reposicionamento é particularmente bené-
fica na população idosa. O princípio de tal terapêutica é a repetição sistemática de exercícios de
estimulação vestibular e ganhos muscular e de propriocepção.

Figura 3: Protocolo de reabilitação vestibular

Fig 1. Movimentação de Fig 2. Movimentação de cabeça Fig 3. Movimentação dos


cabeça para os lados. para cima e para baixo. olhos para os lados.

Fig 4. Movimentação dos olhos Fig 5. Fixar o olhar no dedo, Fig 6. Jogar a bola de uma mão Fig 7. Sentar, levantar
para cima e para baixo. afastando-o e aproximando-o. para outra fixando o olhar. e sentar.

Fig 8. Pegar objetos no chão Fig 9. Levantar e abaixar a Fig 10. Andar em linha Fig 11. Andar em linha
com fixação ocular. bola com fixação ocular. reta olhando para reta olhando para os la-
frente, andar em linha dos, andar em linha reta
reta olhando para cima jogando uma bola de
e para baixo. uma mão para a outra.

Fonte: MANTELLO, E.B. et al. Efeito da reabilitação vestibular sobre a qualidade de vida de idosos labirintopatas.
Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 2008;74(2):172-80)

Trata-se basicamente de exercícios de movimentação de cabeça, olhos, tronco e marcha, asso-


ciados ou não, com ou sem apoio visual, proprioceptivo e táctil. Os exercícios devem ser de-
monstrados, explicados e treinados sob supervisão profissional, e então repetidos no domicílio
diariamente, de duas a três sessões por dia.

282
Embora a taxa de recorrência dos sintomas seja menor nos pacientes submetidos a manobras de
reposicionamento, ela é bastante elevada ao longo do tempo, chegando a ser observada em até
80% dos casos.

Tabela 3: Principais medicamentos indicados no tratamento das síndromes vestibulares periféricas

Classe farmacológica Medicamento Dose e via de administração Intervalo


cinarizina 12,5-25mg, VO 8 ou 12 h
flunarizina 10mg, VO 24 h
Supressor vestibular
diazepam 10mg, IM ou IV 8 ou 12 h
clonazepam 0,25-0,5mg, VO ou SL 12 ou 24 h
meclizina 25-50mg, VO 6 ou 8 h
Supressor vestibular/
prometazina 25-50mg, IM 8 a 12 h
antiemético
metoclopramida 5mg, IM ou IV 8h
ondansetrona 4-8mg, VO ou IV 8h
Antiemético
domperidona 10mg, VO 8h
dexametasona 4mg, IV 12 h
Corticosteroide
prednisona 1mg/kg (máx. 60mg), VO 24 h
Antag. dos recept. H3 no SNC betaistina 24mg, VO 12 h
amitriptilina 25-50mg, VO 24 h
Antidepressivos
nortriptilina 25-50mg, VO 24 h
Anticonvulsivantes topiramato 25-50mg, VO 12 h

Fonte: GANANÇA, F.F. et al. Como Diagnosticar e Tratar Labirintopatias.


Revista Brasileira de Medicina. 2014;71(12)78-85)

3.1 Doença de Menière


Acredita-se que o aumento abrupto da pressão endolinfática seja a causa da Doença de Menière,
cujas crises costumam durar uma ou mais horas e cursar com vertigem espontânea, náuseas e
vômitos intensos. As primeiras manifestações costumam aparecer entre a terceira e sexta déca-
das de vida, sendo que até 20% dos pacientes têm histórico familiar compatível com o distúrbio.
Geralmente estão associadas à perda auditiva, zumbido e sensação de plenitude auditiva unila-
terais, com duração de alguns dias nos casos iniciais. As crises são recorrentes, levando ao longo
do tempo à lesão irreversível da função vestíbulo-coclear, com hipoacusia e zumbido permanen-
tes. O tratamento etiológico consiste em restrição dietética de sódio rigorosa e, eventualmente,
uso de diuréticos (hidroclorotiazida, em doses de até 25mg ao dia). Antivertiginosos são úteis
durante as crises de vertigem, sob demanda. Casos graves de hidropsia endolinfática podem ser
tratados com cirurgias descompressivas ou secção no nervo vestibular.

Capítulo 17 283
O principal diagnóstico diferencial da doença de Menière, principalmente em suas apresenta-
ções iniciais em que as queixas auditivas são menos presentes, é a enxaqueca vestibular. Nesses
casos, a vertigem pode apresentar-se associada a náuseas e vômitos como manifestação isolada
ou como fenômeno de aura, antecedendo a cefaleia hemicrania típica da enxaqueca. A duração
típica das crises de enxaqueca vestibular costuma ser inferior a uma hora. Queixas de hipoacu-
sia, zumbido e plenitude auditiva não estão presentes no quadro. O mecanismo que faz com que a
enxaqueca leve a crises de vertigem não é claro. Entretanto, os sintomas vertiginosos geralmente
respondem às medicações usadas no tratamento das crises de enxaqueca, como ergotamínicos
e triptanos. A profilaxia medicamentosa das crises é análoga a das demais enxaquecas e inclui o
uso de beta-bloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio, tricíclicos, valproato, acetazolamida
e metisergida.

3.2 Neurite vestibular


A perda aguda e unilateral da função vestibular periférica assume mais de uma denominação: la-
birintite, neurolabirintite, neurite (ou neuronite) vestibular. Geralmente é descrita como secun-
dária a infecção viral ou evento parainfeccioso. Entretanto, como as evidências de que o distúr-
bio seja decorrente de infecção viral não são fortes, pode também ser denominada vestibulopatia
periférica aguda unilateral.

Nos pacientes com neurite vestibular superior e inferior combinadas, os sinais clínicos são se-
melhantes aos observados logo após cirurgias de labirintectomia ou neurotomia vestibular: há
presença de nistagmo horizontal e rotatório (torsional) espontâneo, cuja fase lenta “bate” em
direção ao ouvido afetado. O nistagmo é necessariamente unidirecional e cessa com a fixação do
olhar, o que pode dificultar sua identificação em uma avaliação clínica padrão.

O teste de impulso cefálico é geralmente positivo: o paciente não consegue manter o olhar fixo ao ter
a cabeça girada para o lado lesado, necessitando executar um movimento ocular compensatório vo-
luntariamente, o que evidencia a ausência de função do canal semicircular lateral do lado afetado. O
paciente, embora instável, é capaz de manter o equilíbrio quando em pé e com os olhos abertos, mas
apresenta rotação do eixo de marcha com os olhos fechados (teste de Fukuda positivo).

O tratamento é direcionado para o alívio sintomático. Corticosteroides (prednisona na dose de


1mg/kg durante 5 dias) e medicações antivertiginosas podem ser associadas. A recuperação nos
idosos costuma ser mais lenta.

Figura 4: Teste do impulso cefálico

Fonte: HUH, Y.E. et al. Bedside Evaluation of Dizzy Patients, Journal of Clinical Neurology. 2013; 9(4):203-13)

284
A: Nos pacientes sadios, o impulso cefálico (seta) normalmente induz rapidamente um movi-
mento ocular compensatório no sentido oposto, permitindo a fixação da visão.

B: Em pacientes com diminuição unilateral da função vestibular periférica, o impulso cefálico


para o lado afetado (seta maior) produz movimento ocular de sacada compensatória (setas meno-
res) momentos após a rotação da cabeça. Uma vez que o reflexo óculo-vestibular está hipoativo, o
paciente não é capaz de manter a fixação visual durante a rotação da cabeça.

O principal diagnóstico diferencial da neurite vestibular é o infarto cerebelar. Obviamente a dis-


tinção de ambas as hipóteses é importante, principalmente devido às complicações neurológicas
e necessidade de instituir profilaxia específica para casos de acidentes vasculares encefálicos.
Cabe aqui ressaltar aspectos chave na diferenciação de ambos os quadros:

• Reflexo de impulso cefálico positivo é patognomônico de neurite vestibular, e exclui o


diagnóstico de infarto cerebelar;

• Nistagmo bilateral, vertical ou que não é suprimido com a fixação do olhar sugere infarto
cerebelar;

• O paciente com infarto cerebelar, ao contrário dos quadros de neurite vestibular, geral-
mente não consegue manter o equilíbrio estático sem apoio;

• Nos casos que demandem avaliação de neuroimagem, o método sugerido é a ressonância


magnética de crânio, uma vez que a tomografia computadorizada é incapaz de identificar
boa parte dos infartos cerebelares agudos.

3.3 Acidente Vascular Isquêmico


Embora a principal causa de vertigem intensa de início agudo seja vestibulopatia periférica agu-
da, é sabido que pequenas lesões isquêmicas de fossa posterior podem mimetizar quadro de neu-
rite vestibular. Estudo populacional apontou etiologia isquêmica em cerca de 3% dos pacientes
com queixa de vertigem. É fundamental pesquisar por outros sinais e sintomas neurológicos
focais – como alterações de fala, motricidade e sensibilidade. Menos de 1% dos pacientes com
vertigem isolada, sem outros achados neurológicos focais, tem etiologia isquêmica.

Figura 5: Infarto agudo no território médio da artéria cerebelar póstero-


inferior (PICA)

Obs.: Neste caso, o paciente apresentava vertigem de início agudo e vômitos.


A única anormalidade encontrada no exame neurológico era incapacidade de
manter-se em pé ou caminhar sem suporte. Não havia nistagmo e o teste do
impulso cefálico era normal.

Fonte: HALMAGYI, G.M. Diagnosis and management of vertigo. Clinical Me-


dicine Journal. 2005;5(2):159-65

Capítulo 17 285
Os pacientes com acidente vascular encefálico (AVE) podem queixar-se de vertigem, desequilí-
brio ou sensação mais vaga de tontura. Náuseas e vômitos são comuns – assim como na neurite
vestibular. Embora todos os pacientes com neurite vestibular apresentem instabilidade de mar-
cha, a incapacidade de andar deve ser interpretada como sinal de alarme para lesão isquêmica
central.

Infelizmente, a tomografia computadorizada de crânio não é um método adequado para excluir


a possibilidade de um AVE, devido à sua baixa sensibilidade para lesões de fossa posterior. A
ressonância magnética de crânio possui sensibilidade maior para lesões isquêmicas de fossa pos-
terior, mas por ser custosa e pouco acessível, não é um método prático para rastreio de vertigem
de origem central.

Um paciente com nistagmo unidirecional, teste de impulso cefálico positivo (para o lado oposto à
da fase rápida do nistagmo) e ausência de outros sinais neurológicos focais pode ser diagnostica-
do como neurite vestibular com alto grau de certeza, sem que outros exames sejam necessários.

Nistagmo é um achado decorrente do desbalanço na aferência entre ambos os la-


birintos. O sistema vestibular envia potenciais de ação que estimulam a movimen-
tação dos olhos para o lado oposto. Em uma situação de normalidade, os estímulos
se equivalem no repouso, e os olhos permanecem estacionários. Quando ocorre le-
são aguda em um dos lados, o estímulo do labirinto sadio não sofre oposição. Como
resultado, os olhos serão “puxados” para o lado lesionado – essa é a fase lenta do
nistagmo. O cérebro responde enviando comando de um movimento corretivo dos
olhos - na fase rápida, o nisagmo “bate” na direção no labirinto saudável. Lesões
vestibulares periféricas agudas resultam em nistagmo de padrão unidirecional. Nis-
tagmo bidirecional, vertical espontâneo ou rotatório puro são padrões típicos de le-
sões centrais. Qualquer padrão diferente de nistagmo nos pacientes com vertigem de
início agudo deve ser considerado sinal neurológico focal. No decorrer do tempo, o
achado tende a desaparecer: a assimetria entre os estímulos se resolve ou o cérebro
passa a compensá-la.

4. Desequilíbrio
Geralmente é consequência de deterioração do sistema nervoso (central ou periférico), envol-
vendo uma ou mais disfunções sensoriais. Abaixo, discorreremos sobre algumas das principais
causas de desequilíbrio.

a) Lesões vestibulares

A perda da função vestibular unilateral de instalação lenta (como no neurinoma do acústico) ou


lesões vestibulares bilaterais e simétricas podem levar a um quadro crônico de desequilíbrio. Esse
tipo de queixa é pior no escuro, quando a compensação visual da vestibulopatia não é possível.

Lesões vestibulares bilaterais não causam vertigem, mas ataxia e visão oscilante. Em quadros
que não estejam acompanhados de perda auditiva, são de difícil suspeição diagnóstica. O teste
de impulso cefálico é positivo bilateralmente. A principal causa de lesão vestibular bilateral não

286
acompanhada de perda auditiva é a toxicidade à gentamicina, devendo ser suspeitada nos pa-
cientes que passam a se queixar de desequilíbrio adquirido após internação hospitalar.

b) Perdas proprioceptivas e somatossensoriais

Geralmente causadas por neuropatias periféricas, comuns nos pacientes diabéticos ou com insu-
ficiência renal. A osteoartrose da coluna cervical pode causar mielopatia compressiva, levando
a queixa de desequilíbrio; esses pacientes também demonstram fraqueza muscular do território
das raízes nervosas acometidas, bem como disfunções esfincterianas.

c) Lesões motoras e cerebelares

Lesões dos lobos frontal e gânglios basais causam desequilíbrio associado à fraqueza, rigidez ou
tremor. Lesões cerebelares causam grave desequilíbrio que não melhora com a compensação vi-
sual, estando geralmente associadas a visão oscilante, marcha de base alargada e ataxia de tron-
co. Lesões dos centros motores corticais e subcorticais levam a distúrbio do equilíbrio, podendo
ser causadas por doença de Parkinson, múltiplos infartos subcorticais, tumores e hidrocefalia
comunicante.

d) Doença de Parkinson

As alterações posturais na Doença de Parkinson levam ao deslocamento do centro de gravidade


para a frente. A marcha festinante, característica da doença, consiste em passos curtos e arrasta-
dos, progressivamente mais rápidos, que podem levar a quedas. A instabilidade postural resul-
tante dessas alterações não responde ao tratamento medicamentoso com agonistas dopaminér-
gicos.

e) Hidrocefalia de pressão normal

Desequilíbrio, incontinência urinária e perda de memória são a tríade clássica de sintomas da


hidrocefalia de pressão normal. Nesses pacientes, o equilíbrio e a marcha geralmente melhoram
após retirada de líquido cerebroespinhal (“tap test”) ou cirurgia de derivação ventrículo-perito-
neal.

f) Tumores de fossa posterior

Os tumores de sistema nervoso central localizados na fossa posterior, particularmente os pró-


ximos ao IV ventrículo e cisternas pré-pontina e cerebelopontina, podem manifestar-se inicial-
mente com desequilíbrio e não são facilmente identificados nas tomografias de crânio.

g) Paralisia supranuclear progressiva

Este raro quadro degenerativo extrapiramidal pode manifestar-se com desequilíbrio e tendência
a quedas. Outros sintomas incluem rigidez axial sem tremor, demência e oftalmoplegia (dificul-
dade de olhar para cima).

Capítulo 17 287
h) Ataxia cerebelar

Distúrbio de equilíbrio não acompanhado de ataxia apendicular, nistagmo ou outros sinais ocu-
lares. Pode ser decorrente de degeneração cerebelar. Síndromes paraneoplásicas e atrofia de múl-
tiplos sistemas (um quadro de parkinsonismo atípico) são hipóteses que devem ser consideradas
nos idosos.

i) Tremor ortostático

Tipicamente, não causa distúrbios de marcha, mas uma queixa de desequilíbrio quando na posi-
ção ortostática. O paciente nem sempre percebe o tremor fino e de alta frequência nos quadríceps
e músculos tibiais anteriores, alteração facilmente identificável em exame de eletromiografia de
superfície.

Caso 2

Sra. Helena, 76 anos, encaminhada para primeira consulta geriátrica (já faz acompanhamento
com cardiologista e reumatologista). Relata internação hospitalar recente após episódio de sínco-
pe associada a queda e traumatismo cranioencefálico. De acordo com o resumo de alta hospita-
lar, a investigação realizada descartou causas cardíacas ou complicações cerebrais relacionadas
ao evento.

Perguntada sobre o episódio de síncope, a paciente relata que ocorreu ao levantar-se do vaso sa-
nitário após evacuar. Relata sintomas prodrômicos (turvação visual, sensação de perda de tônus
muscular) e que tentou voltar correndo ao seu quarto, mas bateu a cabeça na beira da cama quan-
do perdeu a consciência. Seu esposo estava em casa e foi acudi-la ao ouvir o barulho da queda,
encontrando-a desperta no chão do quarto, porém pálida e com extremidades frias.

A sra. Helena nega outros episódios de síncope. Relata, entretanto, que frequentemente tem sen-
sação de tontura, “como se fosse desmaiar”. Conta que sua tontura é recorrente, constante em
alguns períodos do dia, e não sabe relatar situações que favoreçam o surgimento do sintoma.

Tem antecedentes de hipertensão, hipotireoidismo e artrose de joelho. Faz uso de prazosina 1mg
1 comprimido ao dia, levotiroxina 88mcg 1 comprimido ao dia; além de 1 cápsula diária de fór-
mula manipulada composta de paracetamol 300mg + ciclobenzaprina 5mg + nortriptilina 10mg.

Ao exame físico, apresenta os seguintes achados positivos:

PA (deitada)= 122x84mmHg PA (em pé)= 98x74mmHg

ACV: rítmico, sopro sistólico ejetivo no foco aórtico (2+/6+)

Aumento de volume articular e limitação de amplitude de movimento de joelho direito, sem


sinais de artrite.

Traz exames realizados durante a internação:

Ecocardiograma: estenose valvar aórtica leve, alterações do relaxamento ventricular esquerdo.

288
Holter-ECG (24 horas): ritmo sinusal, com raras extrassístoles ventriculares e supraventriculares,
baixa variabilidade da frequência cardíaca, ausência de alterações sugestivas de isquemia. Sin-
tomas relatados durante o exame não se correlacionaram com as alterações eletrocardiográficas
encontradas.

TC de crânio: hipoatenuação de substância branca periventricular, aumento das vias de circula-


ção liquórica, redução volumétrica cerebral global (achados comumente encontrados nesta faixa
etária)

Exames laboratoriais realizados (hemograma completo, avaliação de eletrólitos e função renal,


dosagem de enzimas cardíacas, hepáticas e hormônios tireoidianos) encontravam-se dentro das
faixas de normalidade.

Questões propostas

1. Quais as prováveis causas da tontura e síncope da paciente?

2. Quais medicações em uso pela paciente podem contribuir para a queixa relatada?

Respostas

1. Hipotensão ortostática e disautonomia.

2. Prazosina (anti-hipertensivo de efeito bloqueador alfa-1 periférico), ciclobenzaprina


(relaxante muscular com efeito anticolinérgico) e nortriptilina (antidepressivo tricíclico).

5. Pré-síncope
Geralmente descrita como uma sensação de desmaio iminente, pode iniciar-se com uma sensa-
ção de turvação visual ou rugido no ouvido. As causas mais frequentes são a hipotensão ortostá-
tica, a tontura vasovagal e as doenças que rebaixam o débito cardíaco.

a) Hipotensão ortostática

Essa forma de tontura ocorre com o paciente em pé. A tontura ortostática pode ocorrer mes-
mo nos pacientes que não apresentam critérios de hipotensão postural - queda pressórica de
ao menos 20mmHg na pressão sistólica ou 10mmHg na pressão diastólica, medidas 2 minutos
após levantar o paciente da posição deitada. Nos pacientes idosos, está geralmente associada à
disfunção autonômica, desidratação ou medicações. Alterações fisiológicas do envelhecimento
contribuem para que a hipotensão postural seja a principal etiologia de síncope nos maiores de
70 anos. Estas alterações incluem diminuição e retardo no reflexo baroceptor, diminuição da
complacência miocárdica e do volume circulatório sanguíneo, além do aumento da pós-carga.

Capítulo 17 289
O tratamento do quadro inclui:

• Evitar fármacos que causam hipotensão postural (vide Tabela 3);

• Evitar uso de diuréticos e aumentar a ingestão de líquidos e sal (exceto em pacientes


com insuficiência cardíaca);

• Evitar grandes refeições, ingestão alcoólica, exposição ao calor e força excessiva na hora
de evacuar;

• Evitar repouso prolongado;

• Elevar cabeceira da cama em ângulo de 5 a 20 graus;

• Levantar-se aos poucos da cama;

• Usar meias elásticas, preferencialmente de forte compressão;

• Realizar programa de atividades físicas (evitar exercícios isométricos);

• Terapia medicamentosa (cafeína, fludrocortisona, midodrina).

Tabela 4: Fármacos causadores de hipotensão postural

Medicação Classe
Dexclorfeniramina
Dimenidrinato
Hidroxizina Anti-histamínicos de 1ª geração
Meclizina
Prometazina
Escopolamina
Antiespasmódicos
Hiosciamina
Carisoprodol
Relaxantes musculares
Ciclobenzaprina
Doxazosina
Bloqueadores alfa-1 periféricos
Prazosina
Clorpromazina
Clozapina
Antipsicóticos
Olanzapina
Tioridazina
Oxibutinina
Antimuscarínicos (usados na incontinência urinária)
Tolterodina
Clonidina
Metildopa Alfa-bloqueador central
Reserpina (>0,1mg/d)
Amitriptilina
Clomipramina
Imipramina Antidepressivos
Nortriptilina
Paroxetina

Fonte: Adaptado de KENNY, R.A. et al. Syncope. In: HALTER, J.B. et al. Hazzard’s Geriatric Medicine and Gerontology,
6th ed. New York: McGraw-Hill; 2009, p. 698

290
b) Tontura vasovagal

Tontura e síncope vasovagal são espectros diferentes do mesmo distúrbio. O quadro, principal
desencadeante de síncopes nos jovens, é menos comum na população idosa. Os sintomas podem
surgir vários minutos após a pessoa assumir postura sentada ou em pé. Os pacientes tipicamente
apresentam pré-síncope associada a náuseas, sudorese fria e palidez cutânea – em alguns casos,
ocorre perda de consciência.

O aumento do tônus parassimpático leva à diminuição do débito cardíaco, da pressão arterial e,


consequentemente, do fluxo sanguíneo cerebral – gerando os sintomas habitualmente percebidos.

O reflexo parassimpático é ativado em situações como deglutição, estímulos gastrointestinais


(como diarreia ou impactação fecal), calor, dor ou medo. A ativação de centros depressores do
tronco cerebral por meio do sistema límbico explica a influência que emoções fortes podem exer-
cer na etiologia dessas crises.

É importante que o paciente saiba identificar precocemente os sintomas e as situações que os


desencadeiam, de modo a evitar seu aparecimento ou perpetuação.

c) Doenças que levam a baixo débito cardíaco

Diversos problemas podem levar à diminuição do débito cardíaco. Arritmias, insuficiência car-
díaca congestiva, infarto do miocárdio, doença cardíaca valvar (particularmente a estenose aór-
tica) são possíveis causas de pré-síncope. O tratamento deve ser direcionado à causa identificada.

Exames complementares devem ser realizados nos casos suspeitos, incluindo ECG de repouso ou
Holter-ECG, Ecocardiograma e ultrassonografia com doppler de carótidas.

É fundamental identificar dentre os pacientes que procuram atendimento por quadro


de síncope aqueles com maior risco de morte por eventos cardiovasculares.

A regra de São Francisco é um instrumento de fácil aplicação, com sensibilidade de 98% e


especificidade de 56%. Na presença de qualquer um dos cinco itens, o paciente idealmen-
te deve ser hospitalizado e submetido a avaliação cardiovascular aprofundada:

• Insuficiência Cardíaca Congestiva;

• Hematócrito <30%;

• Eletrocardiograma alterado;

• Dispneia;

• PA sistólica <90mmHg.

Capítulo 17 291
Voltando ao Caso 2 ...

Optou-se pela troca do anti-hipertensivo por losartana 25mg ao dia e suspensão da fórmula ma-
nipulada em uso contínuo, com prescrição de fisioterapia e analgesia de demanda com paraceta-
mol pela artrose de joelho. A sra. Helena retorna após 30 dias, sem novos episódios de síncope,
porém mantendo queixa de tontura constante. Perguntada sobre sintomas previamente relata-
dos de turvação visual e perda de tônus muscular, afirma que a “sensação de desmaio” não foi
mais percebida. Relata, no entanto, tontura mal caracterizada (“sensação de cabeça vazia”) que
chega a durar várias horas seguidas, e que relaciona a momentos de maior ansiedade ou aborre-
cimento.

Entrevistada quanto a sintomas psiquiátricos, relata sensação de tristeza, irritabilidade, dificul-


dades na concentração e insônia. Os sintomas estão presentes há longa data, porém acentuaram-
se alguns dias após interromper uso da medicação manipulada, motivo pelo qual retomou seu
uso há duas semanas.

Ao exame físico:

PA= 132x86mmHg (deitada) PA= 120x78mmHg (em pé)

Questões propostas

1. Qual o provável motivo da persistência da queixa de tontura da paciente?

2. Tendo em vista a piora dos sintomas depressivos e ansiosos, qual a estratégia adequada
com relação aos psicofármacos?

Respostas

1. A queixa atual da paciente é provavelmente secundária aos sintomas depressivos e ansiosos.

2. Seria interessante trocar o antidepressivo em uso por outro sem efeito anticolinérgico, seja
da classe dos inibidores seletivos da receptação de serotonina (p.ex.: sertralina) ou dos an-
tidepressivos atípicos (trazodona, mirtazapina).

6. Tontura inespecífica
Descrições vagas do quadro de tontura geralmente não podem ser classificadas em nenhuma das
categorias de tontura já descritas (vertigem, desequilíbrio ou pré-síncope). Queixas de “cabeça
cheia”, “cabeça vazia”, ou de leve tontura ou atordoamento podem estar associadas à síndrome
de hiperventilação ou a quadros ansiosos.

A síndrome de hiperventilação, apesar de habitualmente confundida como sinônimo de ansie-


dade, pode também aparecer em pacientes não ansiosos. Hipocapnia e alcalose respiratória pro-
duzidas pela hiperventilação podem levar a diversas manifestações clínicas, incluindo tontura,
cefaleia, parestesias e tetania de extremidades, dispneia e até dor torácica. Um teste de hiper-
ventilação voluntária, no qual o paciente rapidamente faz 20 ciclos de inspiração e expiração
profundas, é capaz de reproduzir o sintoma e ajudar na identificação etiológica.

292
Queixas de tontura relacionada a sintomas fóbicos e ansiosos são descritos há tempos na literatu-
ra médica. São mais comuns entre mulheres, de todas as faixas etárias. O paciente pode queixar-
se de insegurança quando em pé ou caminhando. Geralmente o curso é crônico e flutuante - ra-
ramente há história de piora progressiva. No exame físico, não se encontram sinais objetivos de
vertigem ou desequilíbrio. As opções terapêuticas são bastante eficazes e incluem psicoterapia,
terapia cognitivo-comportamental e medicações antidepressivas.

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294
CAPÍTULO

Instabilidade, Quedas e Imobilidade


Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Instabilidade, Quedas e Imobilidade
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1. Introdução
A queda é um fenômeno multifatorial, frequente e de significativo impacto na morbimortalidade
dos idosos. Além disso, produz prejuízo à qualidade de vida, não somente pelas lesões que provoca,
como pelo receio de cair novamente. O medo de novas quedas afeta 1/3 dos idosos que caem e
está associado ao isolamento social, deterioração cognitiva, depressão e dependência funcional,
com piora do equilíbrio e imobilismo. Idosos que já sofreram ao menos uma queda apresentam
declínio nas atividades da vida diária e os ditos “caidores crônicos” têm mais chance de serem
institucionalizados e maior mortalidade. Até 35% dos idosos com mais de 65 anos sofrem quedas
no período de 1 ano e cerca de 15% das quedas provocam traumatismos graves, como fratura de
fêmur, pelve, coluna e membros superiores, além do trauma craniano. A fratura de fêmur é muito
ilustrativa da gravidade das quedas. Cerca de 50% dos idosos que apresentam fratura de fêmur
morrem no primeiro ano após a fratura e 50% dos sobreviventes ficam dependentes de cuidadores.

A ocorrência de quedas deve ser investigada ativamente. Muitos idosos se esquecem de


mencioná-las como um problema de saúde. A ocorrência de dois ou mais episódios de quedas no
período de um ano deve ser investigada, buscando-se identificar as possíveis causas. A síncope,
como motivo da perda do tônus postural deve ser sempre suspeitada, especialmente quando há
lesões que sugerem impossibilidade de proteção durante a queda (trauma da face e do crânio).
Parte significativa dos idosos que apresentam síncopes não relatam a ocorrência da perda de
consciência.

2. Etiologia
Na pesquisa de síncope deve-se considerar a possibilidade de hipotensão ortostática, reflexos
vasovagais exacerbados e arritmias cardíacas. A avaliação de deformidades e de alterações de
sensibilidade nos pés pode identificar pacientes com maior risco para quedas.

Os fatores causais para quedas estão listados na Tabela 1. As causas mais significativas são os
distúrbios de marcha e equilíbrio, o uso de fármacos, a hipotensão postural, os déficits visuais,
a incapacidade funcional prévia e os distúrbios cognitivos. A perda de equilíbrio é uma causa
frequentemente apontada pelos idosos e está relacionada ao comprometimento dos mecanismos
efetores do equilíbrio: sistema visual, vestibular, proprioceptivo, aparato muscular e segurança
psicológica.
Tabela 1- Fatores Causais para Quedas

Distúrbios cognitivos, epilepsia, AVC e neuropatia


Fraqueza muscular e deficiência de vitamina D
periférica
Distúrbios de equilíbrio Depressão, ansiedade e delirium
Fármacos: benzodiazepínicos, neurolépticos,
Ambientais e arquitetônicos (casa insegura,
antidepressivos, hipotensores, hipoglicemiantes,
calçados e calçadas inadequadas)
anticolinérgicos e relaxantes musculares.
Hipotensão postural Álcool
Déficit visual e auditivo Síncope
Doença de Parkinson Descompensação de comorbidades
Gênero feminino Distúrbios osteoarticulares e deformidades nos pés

Fonte: Adaptado de FREITAS et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia.


Rio de Janeiro, 4ª. edição. Guanabara Koogan, 2016

3. Avaliação da marcha
Os distúrbios de marcha podem ser avaliados preventivamente. É comum que com o
envelhecimento se reduza a amplitude dos passos, provocando um andar mais arrastado,
hesitante e suscetível à queda por tropeços. A dificuldade de mobilidade pode ser avaliada pela
dificuldade em subir lances de escada, por exemplo. O uso de dispositivos auxiliares à marcha,
como bengalas ou andadores também é um fator propiciador de quedas, principalmente se não
forem utilizados de forma adequada. Um dos testes de fácil aplicação é o “Get Up and Go”, em
que se solicita que o idoso se levante de uma cadeira sem braços, ande uma distância de 3 metros,
dê meia-volta e retorne à cadeira até se sentar novamente. O tempo esperado para executar
esta tarefa é de até 10 segundos. Os pacientes que levam de 10 a 20 segundos ainda apresentam
mobilidade que permite a marcha sem acompanhantes ou uso de apoios. Um tempo superior a
20 segundos sugere um comprometimento maior da mobilidade, recomendando-se, neste caso,
a supervisão de um acompanhante e o uso de dispositivos auxiliares à marcha. A velocidade de
marcha também é um parâmetro que está associado ao risco de quedas e à maior mortalidade.
Pode ser testada pedindo-se ao paciente para caminhar o mais rápido possível por uma distância
de 6 metros e cronometrando-se o tempo dispendido para a tarefa. A velocidade menor que
0.8m/s (bradipedia) é sugestiva de maior risco de quedas.

4. Tratamento e prevenção
O tratamento está fortemente associado à prevenção das quedas. A queda, entretanto, frequen-
temente se manifesta como um epifenômeno, consequência do agravamento de instabilidade

Capítulo 18 297
postural por conta de uma doença aguda, como infecções ou distúrbios hidroeletrolíticos. Dessa
forma, a avaliação de um episódio inicial de queda não deve estar restrita à identificação de pos-
síveis lesões ou traumatismos, mas considerar a existência de um fator desencadeante subjacen-
te, muitas vezes assintomático.

Dessa forma, o tratamento passa pela identificação de um possível fator causal para quedas, como
a revisão de medicamentos inapropriados, que provoquem hipotensão postural ou sedação e a
avaliação da acuidade visual. As quedas costumam ser multifatoriais e o descondicionamento
físico, especialmente a fraqueza de quadríceps, associado a alterações de equilíbrio é causa muito
frequente. Recomenda-se, portanto, a reabilitação como ferramenta não só para o tratamento
das lesões, mas para a prevenção de novas quedas e do medo de cair novamente. Os exercícios
resistidos (musculação) promovem ganho de força e resistência e podem ser associados a recursos
fisioterapêuticos como treino de marcha, além de medidas para melhora do equilíbrio postural,
como Tai Chi. O uso de dispositivos de segurança como barras de apoio, elevação do assento
sanitário, corrimãos, piso antiderrapante, iluminação de vigília e sinalização de degraus são
outras medidas que podem reduzir o receio de quedas e favorecer a mobilidade e a independência
do paciente. A detecção e o tratamento da osteoporose podem contribuir para a prevenção de
fraturas, habitualmente provocadas por quedas. O uso da vitamina D, na dose mínima de 800 UI/
dia, mostrou-se eficaz na redução de quedas. Pacientes com níveis muito baixos de vitamina D (<
10 ng/mL) devem receber reposição de 50.000 UI por semana por até 8 semanas.

5. Imobilidade
Nos pacientes em que não é obtida a reabilitação adequada é comum a ocorrência da síndrome de
imobilidade, que também pode ser desencadeada por outros fatores, como sequelas neurológicas
de acidente vascular cerebral, Doença de Parkinson e quadros demenciais. O paciente imóvel em
geral torna-se frágil e apresenta emagrecimento em decorrência da perda de massa muscular. O
imobilismo por cerca de dois meses pode provocar a perda de até 50% de toda massa muscular.
Outras complicações são o surgimento de incontinência urinária e fecal, úlceras por decúbito,
pneumonias, fenômenos tromboembólicos e contraturas musculares generalizadas. É frequente
também que surjam hipotensão postural, infecções urinárias, constipação intestinal, hiporexia,
sintomas ansiosos e depressivos.

Figura 1 - Pontos de pressão mais suscetíveis ao surgimento de úlceras de decúbito


(imagem de úlcera sacral extensa e profunda, com sangramento e áreas de necrose)

Fonte: Jewish General Hospital. Disponível em: http://www.jgh.ca/en/qiPressureUlcerPrevention?mid=ctl00_


LeftMenu_ctl00_TheMenu-menuItem008 /Atlas Cirúrgico. Disponível em: https://www.atlascirurgico.com.br/artigos/
ulcera-por-pressao

298
Cerca de 40% dos idosos com mais de 70 anos apresentam alguma dificuldade para locomoção.
O fenômeno é multifatorial, mas tem como causa subjacente o baixo de grau de atividade física
(sedentarismo). Indivíduos sedentários estão mais sujeitos, em especial após algum evento agudo,
como infecções ou internação hospitalar, a apresentarem perda de funcionalidade, tornando-se
mais dependentes e imóveis. A Tabela 2 lista as causas comuns de imobilismo nos idosos.

Tabela 2 - Causas de imobilismo nos idosos

Artropatias degenerativas AVC, demência e Doença de Parkinson


Quedas com fraturas ou medo de quedas Depressão
Deformidades nos pés Déficit visual e auditivo
Insuficiência Vascular dos MMII Hospitalização prolongada
Doenças cardiorrespiratórias Fraqueza muscular e desnutrição

Fonte: Adaptado de FREITAS et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia


Rio de Janeiro, 4ª. edição. Guanabara Koogan, 2016

O tratamento está baseado na reabilitação, uso de órteses, prevenção de contraturas musculares e


dor por fisioterapia e mudança frequente do decúbito, evitando o surgimento de úlceras. Cuidados
para evitar a retenção urinária e fecal evitarão a ocorrência de outras complicações. Deve-se dar
preferência à posição sentada, reservando-se o decúbito apenas para o repouso noturno. A pele
deverá ser mantida hidratada, mas sem umidade excessiva, para impedir a maceração e formação
de lesões. Colchões especiais, como os “caixa de ovo” e pneumático também podem auxiliar
na redução de áreas de pressão. A prevenção do imobilismo durante a internação hospitalar
é fundamental, já que é ambiente onde pode parecer natural que o idoso permaneça a maior
parte do tempo deitado. O hospital é o local onde há maior chance de início de uma síndrome
de imobilidade grave, condicionando dependência funcional definitiva. A alimentação, quando
realizada no leito, deve ser feita com a cabeceira elevada. A manutenção do decúbito elevado é
medida que também reduz o risco de hipotensão postural. Meias elásticas podem ser utilizadas
nos casos de maior risco para trombose, em especial no imobilismo de início recente. Em algumas
condições específicas, como no pós-operatório de cirurgias ortopédicas, está recomendado o uso
de heparina de baixo peso molecular durante algumas semanas, por reduzir substancialmente o
risco de trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) no contexto do
imobilismo agudo e transitório.

6. Estudo de caso
Uma fisioterapeuta lhe reencaminhou a sra. Doralice, 72 anos, a quem você havia indicado
fisioterapia há cerca de 2 anos por queixas de lombalgia mecânica. Ela apresentou tanta melhora
com os exercícios que abandonou o tratamento médico que fazia com você. O motivo do

Capítulo 18 299
reencaminhamento é que a fisioterapeuta está observando que a paciente sofreu grande número
de quedas nos últimos 6 meses. Na sua ficha está registrado que além de hipertensa, a paciente
tem osteoporose, cefaleia tensional e insuficiência cardíaca (IC) diastólica.

Doralice mantém o uso contínuo das seguintes medicações: Alendronato de sódio 70mg/semana,
Vitamina D 7000 U/semana, Ciclobenzaprina 5mg/noite, Enalapril 20mg 12/12 horas e Carvedilol
12,5mg 12/12 horas.

Sua queixa principal voltou a ser a dor lombar. Relata que caiu mais de 10 vezes nos últimos 6
meses, mas que não entende o motivo de cair. Como mora sozinha, já precisou gritar por socorro
em seu apartamento para obter a ajuda de vizinhos para se levantar. Atualmente tem muito
receio de cair, e só sai de casa para ir à fisioterapia e ao mercado, sempre com ajuda de um taxista.
Passa o dia todo sentada ou deitada.

Ao exame físico: lúcida e orientada. Bom estado geral. Diversos hematomas na fronte, nos braços
e nas pernas.

PA (sentada): 120x80 mmHg PA (de pé): 100X60 mmHg

FC (sentada): 62 bpm FC (de pé): 72 bpm.

RCR sem sopros. Pulmões limpos. Dor à flexão do tronco, na região lombar. A região sacral
apresenta área de intensa hiperemia local (foto). Abdome flácido, sem massas ou visceromegalias.
Membros sem edemas, pulsos arteriais presentes.

Velocidade de Marcha: 0,3m/s

“Timed Up and Go Test”: 37 segundos.

Trouxe 2 exames de densitometria óssea, um realizado há 2 anos e outro há 2 meses, cujos


resultados se encontram abaixo:

Exame T (L1-L4) T (colo fêmur) T (fêmur total)


Atual -3,0 -3,1 -3,8
Anterior -2,1 -2,6 -2,8

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de
Condutas para Úlcera Neurotróficas e Traumáticas. Brasília: Ministério da Saúde, 2002

300
7. Questionamentos
1. Que fatores você acredita estarem implicados nas quedas desta paciente? Que intervenções
proporia?

2. O que pensar a respeito dos hematomas encontrados ao exame físico?

3. Quais exames complementares são fundamentais para avaliar esta paciente?

4. Qual sua impressão sobre a evolução da osteoporose desta paciente? O que proporia?

5. A respeito da lesão de pele no sacro, como a avalia? Que conduta proporia?

8. Conclusões
• As quedas ameaçam a independência dos idosos e aumentam o risco de fraturas e morte.

• A pesquisa pela ocorrência de quedas costuma ser negligenciada.

• Uma importante causa é o déficit de marcha e equilíbrio, associados ao sedentarismo


exagerado e perda de massa muscular.

• Fármacos de efeito sedativo, como benzodiazepínicos, antidepressivos, anticolinérgicos e


relaxantes musculares também estão associados a risco aumentado de quedas.

• A reabilitação fisioterapêutica deve estar voltada à prevenção do receio de cair novamente,


condição muito associada ao imobilismo.

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Capítulo 18 301
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302
CAPÍTULO

Envelhecimento do
aparelho geniturinário
Profa. Keite Priscila Paiá
Envelhecimento do
aparelho geniturinário
Profa. Keite Priscila Paiá

1. Caso clínico
Paciente A., 85 anos, portador de hipertensão arterial, dislipidemia, doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC), vem para iniciar seguimento geriátrico por indicação de familiares. Independen-
te, autônomo, frequentador de Posto de Saúde – PS - (onde vai sempre sozinho), conta diversos
tratamentos de infecções do trato urinário nos últimos anos. Lembra nunca ter ido ao PS por esta
queixa, mas lá eles sempre “descobriam a infecção” (sic). Trouxe medicações de uso contínuo:
cerca de 10 medicamentos, vários deles prescritos por médicos do PS. Sua única demanda é que
deseja realizar “prevenção da próstata”.

2. Discussão
Objetivamos neste caso, diminuir as idas a PS e a múltiplos especialistas, além de minimizar ia-
trogenias. Lembrando de acompanhar suas comorbidades e avaliar a polifarmácia.

3. Alterações do aparelho geniturinário no envelhecimento


3.1 Envelhecimento renal – alterações morfológicas
Durante o envelhecimento, as perdas renais são heterogêneas, afetando os vasos, glomérulos,
túbulos e interstício renal em diferentes graus de atrofia, esclerose e hiperplasia. A consequência
disso é uma perda funcional que não leva à plena falência do órgão. A Tabela 1 resume as altera-
ções específicas de cada estrutura.

Tabela 1: Alterações renais no envelhecimento

ESTRUTURA ENVELHECIMENTO (a partir dos 40 anos)


Diminuição do peso (230-250g > 180g)
RIM
Redução da área de filtração glomerular
Progressiva esclerose maior que diminuição da luz e do fluxo laminar
Deposição lipídica na parede vascular
VASOS RENAIS
Substituição de células musculares por depósitos de colágeno Diminuição
da elasticidade
Diminuição no tamanho e no número
Modificações estruturais na expressão de genes
Diminuição da área de filtração e da permeabilidade glomerular
GLOMÉRULOS
Diminuição no ritmo de filtração.
Unidades esclerosadas, outras hialinizadas, alguns glomérulos
hipertrofiados, outros com aspecto normal
Diminuição no comprimento e no volume (decorrente de isquemia)
TÚBULOS Substituição do tecido conectivo
Diminuição no comprimento das Alças de Henle
Aumento do tecido conectivo
INSTERSTÍCIO
Depósito de gordura

Fonte: CARVALHO, F.J.W., 2016

3.2 Modificações fisiológicas


Em decorrência das alterações estruturais observadas no envelhecimento, teremos algumas al-
terações funcionais decorrentes do denominado envelhecimento bem sucedido, já que apesar
das perdas, as funções de equilíbrio do meio interno são mantidas dentro dos níveis de normali-
dade. A Tabela 2 mostra algumas alterações fisiológicas importantes.

Tabela 2: Alterações fisiológicas renais

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS
700 mL/min (vida adulta)
FLUXO SANGÚINEO RENAL
Redução para cerca de 300 mL/min (90anos)
ENDOTÉLIO Vasoconstrição

Fonte: CARVALHO, F.J.W., 2016

3.3 Ritmo de filtração glomerular


O principal teste de avaliação da função renal é expresso pela medida do ritmo da filtração glo-
merular (RFG), que na prática clínica, utiliza a depuração da creatinina endógena. A maioria dos
autores refere como normal entre 80 a 120mL/min para área corpórea 1,73m2.

O RFG diminui 1% para cada ano de vida a partir dos 40 anos. Como a medida do RFG emprega a
depuração da creatinina endógena, que é um metabólito muscular, deve-se atentar quando ava-
liamos o nível plasmático do idoso. Neste grupo, pela diminuição na massa muscular, os níveis
só se elevarão quando em adiantado comprometimento da função renal. A avaliação da função
renal, portanto, será superestimada se tomar por base apenas a aferição dos níveis de creatinina.
Contrariamente aos níveis de creatinina, observa-se desproporcional aumento da ureia plasmática
nos idosos.

Capítulo 19 305
Pela dificuldade de coleta de urina de 24 horas nesta população, procuramos lançar mão de fór-
mulas de cálculo, como Cockroft e Gault, para estimar o RFG.

(140 – IDADE) X PESO = mL/min x 0,85 (se mulher)

72 X CREATININA

3.4 Função tubular


Na avaliação da função tubular, devemos atentar para alterações do balanço de sódio e potássio
provenientes do envelhecimento renal (Tabela 3).

Tabela 3: Balanço sódio e potássio

BALANÇO
CARACTERÌSTICAS NO ENVELHECIMENTO
Na / K
Sódio plasmático no limite da normalidade

Resposta mais lenta ao desequilíbrio salino


SÓDIO (Na)
Menor perda urinária: renina e aldosterona reduzidas, com aumento do
fator natriurético atrial e redução do ritmo de filtração glomerular
Diminuição na eliminação
POTÁSSIO (K)
Risco aumentado de distúrbio na associação com alguns medicamentos ou
suplementos

Fonte: CARVALHO, F.J.W., 2016

3.5 Mecanismo de concentração e diluição tubular


Nos idosos, a produção do hormônio antidiurético (ADH) está aumentada em relação aos jovens,
mas sua ação tubular está prejudicada. A participação medular no mecanismo de concentração e
diluição tubular também se mostra comprometida em decorrência de fatores vasculares.

A sensibilidade à sede nesta idade está diminuída. Assim, os idosos encontram-se num estado
homeostático que os deixa mais vulneráveis a progressivos estados de desidratação.

3.6 Mecanismo de acidificação urinária


A homeostase do meio interno deve-se, em parte, aos mecanismos de acidificação urinária que,
com o envelhecimento, tendem à acidose metabólica leve, do tipo tubular, com compensação
respiratória.

306
3.7 Alterações de ureteres, bexiga e uretra
A Tabela 4 resume as alterações observadas nos ureteres, na bexiga e na uretra, decorrentes do
envelhecimento normal.

Tabelas 4 (A, B, C): Alterações provenientes do envelhecimento dos ureteres, bexiga e uretra

A – Ureteres

Maior contratilidade
Expansão da camada muscular
Diminuição da elasticidade
Alteração da motilidade

B – Bexiga

Depósito de colágeno
Contrações não inibidas do músculo detrusor
Progressiva esclerose da vasa vasorum
Aumento do trabeculado, fibrose
Formação de divertículos
Denervação da musculatura lisa, axônios terminais e diminuição na permeabilidade ao cálcio,
com alteração da contração muscular
Desequilíbrio entre músculos estriados (voluntários) e lisos involuntários
Danos nos receptores terminais
Queda de 50% na capacidade de armazenamento

C - Uretra

Diminuição da celularidade
Maior depósito de colágeno
Atrofia, enfraquecimento da musculatura pélvica e perda elasticidade do colo vesical, com au-
mento na frequência e urgência urinárias
Mulheres: redução do comprimento funcional e da pressão máxima, com maior vulnerabilidade a ITU
Homens: hipertrofia da próstata e maior sensibilidade à infecção

Fonte: CARVALHO, F.J.W., 2016

Capítulo 19 307
3.8 Retomando caso clínico
Calculando o clearance estimado do paciente pela fórmula de Cockroft e Gault, temos:

140 - IDADE (85 ANOS) X PESO (72KG) = 36 mL/min

72 X CREATININA (1,5)

A redução no clearence de creatinina nos deve deixar atentos a potenciais riscos de suas medica-
ções, do uso de suplementos, de sobrecargas dietéticas e do uso de contrastes.

4. Patologias do aparelho geniturinário


frequentes no envelhecimento
4.1 Infecção do trato urinário (ITU)
Podemos classificar as infecções do trato urinário conforme a Tabela 5.

Tabela 5: Classificação das infecções do trato urinário

Localização Alta (Pielonefrite) Baixa (Cistite)


Frequência Esporádica Recorrente
Sintomatologia Sintomática Assintomática
Gravidade Complicada Não complicada

Fonte: FABBRI, 2016

A prevalência de ITU aumenta substancialmente com a idade avançada em ambos os sexos, pela
diminuição nos mecanismos de defesa, além das alterações funcionais e orgânicas do trato ge-
niturinário (Tabela 6), imobilidade, desidratação e doenças sistêmicas. Representa a primeira
causa de infecção hospitalar, podendo chegar a 40% dos casos. É a principal responsável pelo
desenvolvimento de sepse nesses indivíduos.

Tabela 6: Alterações do trato geniturinário que propiciam ITU

Homem Mulher
Aumento prostático Enfraquecimento do assoalho pélvico
Dificuldade esvaziamento vesical Redução da capacidade vesical
Alterações tróficas do epitélio pela queda hormonal

Fonte: Adaptado de POMPEO et al, 2004; e FABBRI, 2016

308
Os sintomas podem variar substancialmente e o diagnóstico pode ser dificultado por sintomas
atípicos nos idosos. Nas infecções baixas, sintomas clássicos como disúria, polaciúria e urgência
miccional predominam, porém, podem estar relacionadas a outras causas, não infecciosas. Sin-
tomas atípicos como adinamia, prostração, anorexia e delirium podem estar presentes e serem
predominantes. Na infecção alta, sintomas clássicos como febre e dor lombar podem ocorrer,
mas outros sintomas como náuseas, vômitos e dor abdominal podem mascarar o quadro.

A investigação deve ser baseada na anamnese e na coleta de urina tipo 1, associada a urocultura
com antibiograma ou avaliação microscópica com coloração de Gram (bacterioscopia), quando a
urocultura não estiver disponível.

4.2 Bacteriúria assintomática


É condição frequente nos idosos, com aumento progressivo da prevalência com o avanço da ida-
de, principalmente nos idosos institucionalizados. É definida como a presença de bactérias (não
leucócitos) na urina de pacientes que não referem sinais ou sintomas.

A bacteriúria assintomática tem curso benigno, não leva a dano renal progressivo ou a forma-
ção de cicatrizes renais e seu tratamento não reduz a mortalidade nem episódios sintomáticos
de ITU. Seu tratamento aumenta o risco de efeitos adversos dos fármacos, bem como promove
aumento da resistência bacteriana, superando quaisquer benefícios. Existem condições em que
deve ser tratada, como antes de procedimentos invasivos do trato geniturinário para fins diag-
nósticos ou terapêuticos, antes de procedimentos cirúrgicos e em quadros de DM descompensa-
do. Sua investigação deve ser feita antes de procedimentos urológicos invasivos e pré-operató-
rios de cirurgia com implante de material.

4.3 Tratamento da ITU


A bactéria Escherichia coli é o uropatógeno mais comum, sendo responsável por pelo menos 65%
dos casos. Outros agentes comuns nos idosos são Klebsiella, Proteus, Enterobacter, Serratia e
Pseudomonas.

O tratamento deve ser baseado em testes de sensibilidade bacterianas aos antibióticos, concen-
tração local do fármaco, via de administração, tolerabilidade e custos. Deve-se iniciar a antibioti-
coterapia imediatamente após a coleta da urina com urocultura e antibiograma. Após resultados,
a medicação pode ser alterada, se necessário.

Os idosos são infectados geralmente por bactérias mais resistentes do que a população mais jo-
vem, devido à maior frequência de ITU e ao uso de repetidos ciclos de antibiótico, muitas vezes
sem indicação.

As cistites não complicadas na mulher podem ser tratadas por três a sete dias. Já os homens,
devem receber tratamento por sete a quatorze dias. As fluoroquinolonas, a sulfametoxazol-tri-

Capítulo 19 309
metropima, a nitrofurantoína, os amioglicosídeos e as cefalosporinas de terceira geração consti-
tuem os antibióticos mais empregados.

A pielonefrite aguda requer tratamento mais prolongado, de quatorze dias em média, podendo
chegar a vinte e um dias, inicialmente por via endovenosa, havendo boa eficácia com o uso de
fluoroquinolonas, cefalosporinas de terceira geração ou da associação de piperacilina com tazo-
bactana.

A antibioticoterapia baseada em baixas doses de antibióticos por longo período (três a seis meses)
pode ser eficaz na profilaxia de infecções recorrentes.

A higienização adequada, a troca de fraldas, a hidratação e o estímulo a micções programadas,


além de tratamento com estrógeno vaginal nas mulheres menopausadas são meios eficazes de
prevenção de recorrências destas infecções.

4.4 Infecção do trato urinário e cateter vesical


Nos pacientes cateterizados por longo período (mais de 30 dias), tipicamente a flora tende a ser
polimicrobiana, geralmente contendo dois a cinco patógenos, sendo que o uso de antimicrobiano
não reduz a incidência de complicações e contribui para o aumento da resistência bacteriana. Nas
formas sintomáticas, todos os casos devem ser tratados, semelhante a infecções agudas, por 7 a
10 dias na cistite e por 14 dias na pielonefrite. O cateter deve ser removido, se possível, ou trocado
na vigência da terapia.

4.5 Continuando o caso clínico


Nota-se que por diversas idas a pronto atendimentos, muitos pacientes são submetidos a exames
sem indicação, principalmente de urina I. Muitos deles nem compareceram ao PS por queixa
urinária, mas o exame é pedido.

No caso clínico que seguimos, o paciente conta diversos ciclos de antibióticos, mesmo sem apre-
sentar queixa, o que nos sugere tratar-se de bacteriúria assintomática, sem qualquer indicação de
tratamento. Some-se a esta iatrogenia o fato de que a maioria dos antibióticos prescritos não devem
ter sido corrigidos para a atual função renal do paciente, o que aumenta o risco de intoxicações.

4.6 Hematúria
Hematúria ou existência de células sanguíneas na urina é sinal comum em mais de uma centena
de doenças ou de condições sistêmicas, sendo muito frequente na população geral. As principais
etiologias variam com a idade e as mais comuns são litíases, infecções e inflamações da bexiga
ou da próstata. A prevalência de hematúria microscópica assintomática aumenta com a idade,
podendo atingir até 21% após os 60 anos.

4.7 Investigação
Sempre avaliar a proporcionalidade da investigação deste achado nos idosos, pensando em sua fun-
cionalidade, riscos e benefícios tanto dos procedimentos diagnósticos, quanto dos tratamentos.

Anamnese e exame físico devem ser bem detalhados, procurando por infecções recentes (bac-

310
terianas ou virais), ingestão de alimentos (p.ex. beterraba, páprica, etc.) e medicamentos que
podem alterar a coloração da urina (ex. fenitoína e nitrofurantoína) e os que podem causar he-
matúria (ex. anticoagulantes), tabagismo, sangramentos frequentes, antecedentes pessoais e
familiares de doenças urológicas, renais e sistêmicas, avaliação da pressão arterial, exame das
genitálias e da uretra, bem como atenção a hematomas e a equimoses.

Os exames que fazem parte da investigação são urina tipo I, urocultura com antibiograma, pes-
quisa de dismorfismo eritrocitário, estudos de coagulação, hemograma completo e avaliação da
função renal (ureia e creatinina).

A presença de proteinúria significativa, cilindros hemáticos, insuficiência renal, ou a predomi-


nância de hemácias dismórficas, levam à avaliação de patologias do parênquima renal e parecer
do nefrologista.

Nas patologias extrarrenais, a avaliação completa das vias urinárias deve ser indicada se houver
risco para diagnóstico de câncer, como mostra a Tabela 7. Causas extrarrenais respondem por
60% dos casos de hematúria, sendo que as patologias malignas do trato urinário, como câncer de
próstata e de bexiga, representam a primeira e a segunda neoplasias mais frequentes, respecti-
vamente, nos homens com mais de 55 anos.

Tabela 7: Fatores indicativos de avaliação urológica completa por risco mais elevado de patologias de vias urinárias

Idade acima de 40 anos


Tabagismo
(principalmente sexo masculino)
História anterior de hematúria
Uso abusivo de anti-inflamatório não hormonal
macroscópica
Antecedentes de patologias urológicas
Sintomas irritativos vesicais
(cálculos e tumores)
Antecedente de infecções do trato
Antecedentes de irradiação pélvica
urinário
Exposição ocupacional a químicos ou a corante

Fonte: Adaptado de TRINDADE FILHO, J.C.S. et al, 2010

Para avaliação radiográfica inicial, recomenda-se tomografia computadorizada (TC), que apresen-
ta especificidade de 97% e acurácia de 98% para diagnosticar e caracterizar lesões renais (como
tumores e cistos) e extrarrenais/ureterais, principalmente cálculos urinários e lesões infecciosas.
A acurácia da TC é superior que a da urografia excretora (UGE). Embora apresente sensibilidade
inferior à uretrocistoscopia na detecção de tumores vesicais, permite identificação de lesões que
invadem os tecidos perivesicais. A ressonância magnética (RM) tem precisão semelhante à TC
na identificação de tumores e pode ser indicada para pacientes com alergia a contraste iodado.
Uma possível crítica à RM como primeiro exame seria seu alto custo e sua menor sensibilidade

Capítulo 19 311
para detecção de litíase. Vários centros utilizam ultrassonografia (US) renal como exame inicial
por ser um método de menor custo, não invasivo e não radioativo, embora apresente limitações
na avaliação do sistema coletor e de pequenas lesões renais. No diagnóstico de tumores vesicais,
sua sensibilidade também é inferior à da uretrocistoscopia. A US pode ser utilizada como método
auxiliar na avaliação de lesões císticas renais.

A uretrocistoscopia é indicada a todos os indivíduos com maior risco de desenvolver câncer de


bexiga, já que é o melhor exame para diagnóstico de tumores vesicais, embora seja invasiva. Per-
mite a realização de biópsias de lesões e de áreas suspeitas.

Rotineiramente, não se utiliza biópsia renal em casos de hematúria para esclarecimento diag-
nóstico. Ela tem indicação precisa para glomerulopatias e para pacientes com piora progressiva
da função renal.

Não há consenso quanto ao acompanhamento de hematúria persistente de causa desconhecida.


Recomenda-se avaliação dos níveis pressóricos e exames de urina a cada seis meses ou anuais até
a resolução da hematúria. Não há consenso sobre a realização de novos exames de imagem e cis-
toscopia em pacientes assintomáticos. Recomenda-se reavaliação completa se houver aumentos
significativos da hematúria (>50 cels), episódio de macro-hematúria ou surgimento de sintomas
irritativos na ausência de infecção.

Nos casos de micro-hematúria assintomática transitória, sem fatores de risco para ocorrência
de tumores, indica-se reavaliação e novo exame de urina após um ano. Quando há hematúria
associada à infecção urinária, realiza-se novo exame de urina seis semanas após o tratamento da
infecção, principalmente se estiverem no grupo de risco para tumor. Na permanência de hema-
túria, indica-se avaliação urológica completa.

4.8 Doença renal crônica


A doença renal crônica consiste em lesão renal e perda progressiva e irreversível da função dos
rins (glomerular, tubular, endócrina). Em sua fase mais avançada (chamada de fase terminal da
insuficiência renal crônica – IRC), os rins não conseguem mais manter a normalidade do meio
interno do paciente.

Tabela 8: Estadiamento e classificação da doença renal crônica

FILTRAÇÃO
ESTÁGIO GRAU DE DISFUNÇÃO RENAL
GLOMERULAR (mL/min)
0 >90 Grupos de risco para DRC, ausência de lesão renal
1 >90 Lesão renal com função renal normal
2 60-89 Leve ou funcional
3 30-59 Moderada ou laboratorial
4 15-29 Grave ou clínica
5 <15 Terminal ou dialítica

Fonte: ROMÃO JUNIOR, J.E., 2004

312
Com a devida estimativa da TFG do paciente, deve-se sempre avaliar medicamentos em uso,
adequando suas doses, evitando polifarmácia e ajustando a dieta. Como os pacientes idosos são
sensíveis a mudanças de sódio e equilíbrio hídrico, desencadeando desidratação ou edema pul-
monar, atenção redobrada ao balanço hídrico é necessária. O controle do peso é um guia rápido
para se detectar o nível de desidratação, particularmente para se estabelecer o diagnóstico. A
super-hidratação pode normalmente ser controlada pelo uso de altas doses de diuréticos (80 a
120mg de furosemida), embora em alguns pacientes a complementação com um outro diurético
seja necessária para aumentar a diurese. A constipação intestinal crônica pode exacerbar a hiper-
potassemia em pacientes renais crônicos. O emprego da eritropoetina recombinante humana na
pré-diálise é bem estabelecido na prática. A anemia associada à lesão renal crônica exige maior
rapidez no tratamento do paciente, pelo risco de ser desencadeada a insuficiência cardíaca por
alto débito. A deficiência de ferro deve ser excluída pela avaliação da ferritina, do ferro sérico e
da saturação de transferrina.

A abordagem precoce conjunta com o nefrologista permite que pacientes geriátricos renais crô-
nicos tenham tempo para compreender seu estado de saúde, preparando-se para a decisão a re-
peito da diálise. O encaminhamento tardio, maiores comorbidades e a piora na situação funcio-
nal influenciam na sobrevida. A Tabela 9 mostra condições que impactam no tratamento destes
pacientes.

Tabela 9: Condições geriátricas com impacto no atendimento nefrológico

Dificuldade visual Polifarmácia Limitações funcionais


Comprometimento auditivo Problemas afetivos Falta de apoio social
Desnutrição e perda ponderal Incontinência urinária Dificuldades financeiras
Equilíbrio
Comprometimento cognitivo Ambiente domiciliar inseguro
Dificuldade de marcha e quedas

Fonte: Adaptado de WIGGINS, 2009

A diálise nos pacientes idosos, que há três décadas era considerada proscrita, hoje em dia é ro-
tineira para o nefrologista, sendo o grupo que mais cresce em incidência nas clínicas de diálise.
A diálise peritoneal, a hemodiálise e o tratamento conservador têm seu lugar nesta população.

Na prática clínica diária, quando a diálise está indicada para pacientes com DRC estágio 5, a per-
gunta que deve ser feita é se aquele determinado paciente realmente se beneficiará da terapia.
Aspectos como expectativa de vida, impacto da diálise na qualidade de vida, determinantes de
sobrevida, impacto das comorbidades e ônus da doença devem ser levados em consideração. As-
sim, para pacientes portadores de DRC estágio 5 que preferem não serem submetidos à diálise,
tem sido oferecido outro modelo de assistência descrito como tratamento conservador, trata-

Capítulo 19 313
mento conservador máximo (TCM), tratamento não dialítico e tratamento renal paliativo. Nesta
abordagem, o foco é o controle rígido da anemia, da acidose, da hipervolemia, da pressão arte-
rial, da insônia, da fadiga, da anorexia, da dor, da depressão e de outros sintomas associados à
DRC avançada.

Mesmo que o paciente aceite o tratamento dialítico, o foco da atenção deve ser de priorização de
alívio de sintomas e cuidados paliativos, ao invés de prolongamento da vida pela diálise.

O acompanhamento geriátrico bem sucedido é aquele capaz de manter o idoso independente,


com sua capacidade funcional preservada, pelo maior tempo possível.

4.9 Hiperplasia prostática benigna (HPB)


É uma condição extremamente frequente, sendo a doença benigna mais comum do homem a
partir da sexta década de vida. Apresenta influência negativa na qualidade de vida de grande
parte dos idosos por piora no padrão do sono pela noctúria, bem como por prejuízo social asso-
ciado à polaciúria e à incontinência.

Devido à íntima relação entre próstata, uretra e colo vesical, qualquer aumento da próstata, per-
manente ou não, trará graus variáveis de obstrução ao fluxo urinário. Dependendo do grau de
aumento e adaptação do idoso, a HPB pode ser assintomática, até apresentar-se com sintomas do
trato urinário baixo, hematúria, incontinência urinária, infecções e insuficiência renal pós-re-
nal, conforme detalhado na Tabela 10.

Tabela 10: Sintomas da HPB

SINTOMAS IRRITATIVOS
SINTOMAS OBSTRUTIVOS (esvaziamento vesical)
(enchimento vesical)
Diminuição do jato urinário Noctúria
Hesitação Frequência
Constrição abdominal Urgência
Gotejamento terminal Disúria
Esvaziamento incompleto Incontinência
Intermitência

Fonte: Adaptado de CAVALCANTI, A.G.L.C. et al, 2006

A avaliação inicial de um paciente com sintomas do trato urinário baixo (STUI) inclui: história
clínica, questionário de sintomas I-PSS (vide abaixo), exame físico com toque retal, exame de
urina, dosagem de creatinina plasmática e dosagem do antígeno prostático específico (PSA).

Deve-se abordar a condição global de saúde, a duração e natureza dos STUI, antecedentes de
cirurgias, doenças neurológicas (como AVC e Parkinson) e metabólicas (como diabetes), que pos-
sam afetar o trato urinário. Também deve ser avaliado o uso de medicamentos, como diuréticos,
drogas de ação anticolinérgica e de ação alfa simpaticomiméticas.

314
O I-PSS (Tabela 11) é um instrumento validado e utilizado mundialmente para quantificar os
STUI. A graduação dos sintomas e do incômodo que acarretam impacto na qualidade de vida
pode auxiliar na decisão terapêutica. A Organização Mundial de Saúde (OMS) elaborou uma
questão complementar ao I-PSS, enfatizando a percepção do indivíduo sobre seus sintomas e
quanto esses sintomas pioram sua qualidade de vida. A confiabilidade do escore é afetada pelo
estado cognitivo, grau de escolaridade e outras condições que interfiram com a compreensão das
perguntas.

Tabela 11: I-PSS

Menos
Menos que Cerca de Mais que a
Escore Internacional de Sintomas Nenhuma de 1 vez Quase
a metade metade metade das
Prostáticos (IPSS) Vez a cada 5 sempre
das vezes das vezes vezes
vezes
No último mês, quantas vezes
você teve a sensação de não es-
0 1 2 3 4 5
vaziar completamente a bexiga
após terminar de urinar?
No último mês, quantas vezes
você teve urinar novamente 0 1 2 3 4 5
menos de 2h após ter urinado?
No último mês, quantas vezes
você observou que, ao urinar,
0 1 2 3 4 5
parou e recomeçou várias ve-
zes?
No último mês, quantas vezes
você observou que foi difícil 0 1 2 3 4 5
conter a urina?
No último mês, quantas vezes
você observou que o jato esta- 0 1 2 3 4 5
va fraco?
No último mês, quantas vezes
você teve de fazer força para 0 1 2 3 4 5
começar a urinar?
No último mês, quantas vezes,
em média, você teve de se le- 0 1 2 3 4 5
vantar para urinar?
1 6
Qualidade de vida 2 3 4 5
excelente péssima

Pontuação final: sintomas leves - até 7; sintomas moderados - 8-19; sintomas severos - 20-35

Fonte: Fonte: Adaptado de RHODEN, E.L., 2010

Exame físico: os requisitos mínimos são o exame neurológico sumário e o toque retal. Deve-
se pesquisar a função sensitiva e motora do períneo e membros inferiores. O exame digital da

Capítulo 19 315
próstata deve avaliar o volume, consistência, formato e presença de nódulos, além do tônus do
esfíncter anal. Importante salientar que o tamanho da glândula tem pouca relação com a presen-
ça ou ausência dos sintomas.

Laboratório: a análise dos elementos do sedimento (urina tipo 1) pode demonstrar hematúria,
piúria, glicosúria, proteinúria e outras anormalidades que implicarão em necessidade de inves-
tigações complementares. O nível do PSA guarda correlação estreita com o volume prostático e
pode ser utilizado como instrumento de estimativa do volume da glândula. A ultrassonografia
do trato urinário inferior e próstata via abdominal permite a avaliação do volume e formato da
próstata, protrusão para o interior da bexiga, medida da espessura da parede vesical, identifica-
ção de divertículos, cálculos ou tumores vesicais, além do volume urinário residual. A Tabela 12
resume os demais exames disponíveis para investigação.

Tabela 12: Exames opcionais na investigação de HPB

Outros Exames Comentários


Fornece informações do horário, número e volume das
Diário Miccional
micções. É pouco oneroso e não invasivo.
Útil na terapia invasiva e para avaliar resposta ao
tratamento. O fluxo máximo baixo pode estar associado à
Urofluxometria
obstrução infravesical. Não permite diferenciar obstrução de
hipocontratilidade do detrusor.
Método não invasivo: US pélvico.
Avaliação do volume residual
Sem valor como avaliação isolada
Único que diferencia obstrução infravesical de
Estudo urodinâmico
hipocontratilidade do detrusor. É um método invasivo.
Não substitui o toque retal.
Ultrassonografia transretal
Não tem indicação na avaliação de STUI por HPB.
Ultrassonografia de rins Recomendável quando creatinina elevada, hematúria,
e vias urinárias suspeita de litíase ou antecedente de ITU alta.
Pacientes com suspeita de estenose de uretra (traumática ou
Uretrocistografia
manipulação uretral prévia).
Pode ser útil quando há hematúria, suspeita de câncer de
Uretrocistoscopia
bexiga ou de estenose de uretra.

Fonte: Adaptado de MANZANO, J.P. et al., 2014

Tratamento: depende da magnitude dos sintomas e da interferência destes na qualidade de vida,


assim como a morbimortalidade inferida a longo prazo. Os objetivos do tratamento são diminuir
a obstrução uretral, aliviar sinais e sintomas I-PSS, melhorar o esvaziamento vesical, melhorar
ou reverter a instabilidade detrusora, evitar ou reverter a insuficiência renal pós-renal e prevenir
eventos futuros de infeção urinária e retenção urinária. Os pacientes devem ser alertados para os
eventuais efeitos colaterais do tratamento medicamentoso da HPB.

Vigilância ativa: uma proporção significativa de homens com HPB não necessitam de tratamen-
to. A observação não implica necessariamente ausência de tratamento. Podemos obter melhora

316
nos STUI adotando algumas medidas não farmacológicas, como a redução da ingestão hídrica
noturna, a redução do consumo de cafeína e seus derivados e de bebida alcoólica, evitando o uso
descongestionantes e anti-histamínicos, além de poderem desenvolver treinamento pessoal em
controle de sintomas, por exemplo, mediante esvaziamentos vesicais com micções programa-
das. São candidatos a vigilância ativa homens com sintomas leves ou moderados com impacto
mínimo na qualidade de vida.

Tabela 13: Tratamento medicamentoso:

Droga Importância Ação Recomendação Efeito colateral

Astenia
Alfa- *Tratamento STUI Tontura
bloqueador *Relaxa musculatura associado a HPB. Hipotensão
Doxazosina Antagonista lisa da próstata e colo *STUI moderados ortostática
Tansulosina receptor alfa vesical. a severos com
Alfuzosina adrenérgico *Primeira linha. impacto na #Recomenda-
Terasozina *Efeito rápido. qualidade de se seu emprego
Silodosina vida. ao deitar e com
titulações lentas.

*Diidrotestosterona,
Inibidores da atua no trofismo *Sintomas do
Redução da libido
5-alfa redutase glandular e participa trato urinário
Converte Disfunção
(5AR) do componente inferior, próstata
testosterona a ejaculatória
Finasterida mecânico ou estático aumentada e/ou
diidrotestosterona Impotência
Dutasterida da HPB. PSA elevado.
Ginecomastia
*Efeito alguns meses
(4 a 6 meses)

Sintomas do trato
urinário inferior
Terapia
moderados
combinada Não é recomendada
a intensos,
(inibidores para tratamento com
próstatas
da 5-alfa duração inferior a um
aumentadas e/
redutase e alfa ano
ou PSA elevado
bloqueador)
e fluxo urinário
máximo reduzido

Capítulo 19 317
Boca seca
Constipação
Sintomas do trato Dificuldades
Antagonistas urinário baixo de micção
Inibe a ação da
de receptor e sintomas de Nasofaringite
acetilcolina e
muscarínico armazenamento Tontura
consequentemente
Oxibutinina vesical Confusão mental
reduz a
Tolterodina (principalmente Agitação
contratilidade do
Darifenacina com resíduo Risco de
músculo detrusor.
Solifenacina pós-miccional esvaziamento
elevado) incompleto e
retenção urinária
aguda
Efeitos sobre o
relaxamento do
músculo liso,
Inibidores da proliferação de células
Disfunção erétil
PDE5 endoteliais, melhora
com STUI e HPB
Tadalafila do fluxo sanguíneo
e atividade sobre
os nervos eferentes
prostáticos.
Falta de evidência Não
Fitoterápico
científica. recomendados

Fonte: Adaptado de MANZANO, J.P. et al., 2014

Procedimentos: os procedimentos minimamente invasivos para tratamento dos sintomas da


HPB apresentam-se como técnicas atraentes, devido à sua facilidade de realização e possibilida-
de de tratamento ambulatorial. De um modo geral, entretanto, apresentam resultados clínicos
insatisfatórios quando comparados aos tratamentos cirúrgicos, além de alta taxa de necessida-
de de retratamento. A termoterapia transuretral por micro-ondas (TUMT) e ablação prostática
através de agulha transuretral (TUNA™) podem ser alternativas para pacientes idosos e/ou com
comorbidades que desejam adiar ou evitar RTUP. Os stents são alternativas ao cateterismo vesical
de demora em homens sem condições clínicas para o procedimento cirúrgico.

A cirurgia da próstata é geralmente necessária para pacientes com sintomas urinários modera-
dos ou intensos, que apresentam indicações absolutas de cirurgia: retenção urinária recorrente
ou refratária, incontinência por transbordamento, infecções recorrentes do trato urinário, cál-
culos ou divertículos na bexiga, hematúria macroscópica ou hidronefrose devido a HPB, com
ou sem insuficiência renal. Além disso, a cirurgia é geralmente necessária quando os pacientes
obtiveram alívio insuficiente dos STUI ou do resíduo pós miccional (RPM) após a instituição dos
tratamentos conservadores ou medicamentosos (indicações relativas de cirurgia).

O tratamento cirúrgico (Tabela 14) em pacientes geriátricos hígidos tem suas indicações bem es-
tabelecidas e deve ser oferecido ao paciente para que o mesmo participe do processo de decisão,
uma vez ciente dos riscos e benefícios do mesmo. Nos tratamentos dos muito idosos ou com alto
risco cirúrgico, deve-se individualizar a decisão, discutindo-se a proposta entre o geriatra e o
especialista.

318
Tabela 14: Modalidades de cirurgias

Tipo de cirurgia Indicações Complicações


Hemorragia e transfusão
Disfunção erétil
Padrão Disfunção ejaculatória
Próstata 30-80mL com STUI moderado- Incontinência
RTUP monopolar
intenso ou STUI refratário a tratamento Estenose uretra e colo
clínico vesical
Queixas miccionais
persistentes
ITUP
Alternativa
(Incisão Transuretral da
Próstata menor que 30 g
Próstata)
Primeira opção nos seguintes casos:
Próstata maior que 80g com STUI
Prostatectomia aberta
moderado-intenso ou refratário a
tratamento clínico
Alternativa menos invasiva
Vaporização fotosseletiva
STUI moderado-intenso em próstatas
com laser
pouco aumentadas
HoLAP (Enucleação da Alternativa menos invasiva
Próstata com Holmium STUI moderado-intenso e próstatas
Laser) grandes
Alternativa a cirurgia aberta e próstatas
grandes
Prostatectomia simples
*Não há dados publicados suficientes
laparoscópica ou robótica
para se basear uma recomendação de
tratamento

Fonte: Adaptado de MANZANO, J.P. et al., 2014

5. Cânceres urológicos em geriatria


5.1 Câncer de bexiga
Predominam nos homens, sendo que na meia idade e nos idosos a neoplasia de bexiga é a segun-
da mais prevalente após o câncer de próstata. É tipicamente diagnosticado nos idosos, com idade
média de 69 anos nos homens e 71 anos nas mulheres, com aumento da incidência no envelhe-
cimento.

Os carcinomas uroteliais (células transicionais) estão presentes em 90% dos casos, seguidos de
outros tipos menos comuns, como carcinoma epidermoide, adenocarcinoma, carcinoma de pe-
quenas células e sarcoma.

O espectro do câncer de bexiga inclui tumores superficiais (sem invasão muscular), tumores com
invasão muscular e a doença metastática.

Capítulo 19 319
Os sintomas podem variar e serem intermitentes. A hematúria (visível ou microscópica) e sinto-
mas irritativos do trato urinário, como aumento de frequência, urgência e disúria, podem ser as
manifestações iniciais. O diagnóstico pode tardar pela semelhança com outras doenças benig-
nas, como infecção do trato urinário, cistite intersticial, prostatite ou calculose. Este atraso pode
levar à piora no prognóstico.

A hematúria indolor é a principal manifestação, entretanto o número de hemácias na urina não é


preditivo da probabilidade de câncer. Os sintomas irritativos podem estar presentes em cerca de
um terço dos casos, já os sintomas obstrutivos ocorrem com menos frequência. Dor está presente
principalmente na doença localmente avançada ou na doença metastática, bem como sintomas
constitutivos, como anorexia, perda de peso, fadiga, denotando pior prognóstico.

Na avaliação do câncer de bexiga, deve constar toque retal nos homens e toque bimanual nas
mulheres, sempre que possível. Deve-se considerar a realização de cistoscopia com biópsia, ci-
tologia urinária quando possível e imagem do trato urinário superior, preferencialmente tomo-
grafia, já que algumas lesões podem ser multifocais, com uma ou mais lesões presentes desde a
pelve renal até a uretra proximal.

O tratamento varia de acordo com o grau do tumor. Os tumores sem invasão muscular podem ser
manejados com ressecção transuretral (RTU), sendo que pacientes de alto risco de recorrência ou
progressão podem necessitar de terapia intravesical associada (quimioterapia ou imunoterapia
com BCG).

A cistectomia radical com derivação urinária é o tratamento de escolha para pacientes com inva-
são muscular. A neoadjuvância com quimioterapia (cisplatina) pode ser considerada, entretanto
os benefícios da adjuvância são controversos. Uma opção para não candidatos a cistectomia radi-
cal seria RTU completa associada a radioterapia.

Doença com invasão muscular e acometimento de linfonodos regionais limitados à pelve, sem
linfonodos a distância ou metástases viscerais, podem ser tratados com quimioterapia, seguido
de cistectomia ou terapia combinada.

Combinação de drogas na quimioterapia pode prolongar a sobrevida e oferecer paliação de sin-


tomas.

Muitos pacientes portadores de câncer de bexiga não morrem da doença, mas experimentam
múltiplas recorrências.

Estudos têm identificado diversos fatores de risco para esta neoplasia, sendo o tabagismo o mais
importante deles. Outros fatores como exposição a cistite crônica, HPV, radioterapia prévia, uso
de ciclofosfamida, exposição prolongada a tintas e corantes, entre outros (indústrias têxteis,
de borracha, de combustão de gás e carvão), podem estar relacionados ao desenvolvimento da
doença.

5.2 Câncer de rim


É uma neoplasia relativamente rara, predominante no sexo masculino, com notado aumento glo-
bal de incidência por provável diagnóstico incidental nos exames de imagem.

320
O câncer de rim mais comum é o carcinoma de células claras, originário do córtex renal, corres-
pondendo a 80 a 85% dos tumores primários renais. Outros tipos mais raros são o carcinoma de
células de transição da pelve renal, seguidos do oncocitoma, tumor ductal e sarcoma.

Infelizmente, a maioria dos pacientes são assintomáticos até o avançar da doença. Sintomas
como hematúria, massa abdominal palpável, dor abdominal e perda de peso podem ocorrer,
mas há um aumento na frequência de diagnósticos incidentais durante algum exame de imagem
por outra indicação. Sintomas menos comuns incluem varicocele, principalmente à esquerda
e síndrome de Budd-Chiari, quando há envolvimento da veia cava inferior, produzindo ascite,
hepatomegalia, dor abdominal, edema dos membros inferiores, disfunção hepática e embolia
pulmonar.

Na apresentação, aproximadamente 25% dos indivíduos já têm metástases a distância ou doença


localmente avançada.

Sinais e sintomas paraneoplásicos também podem ocorrer secundariamente à produção de hor-


mônios, como eritropoetina, gonadotrofinas e renina: anemia da doença crônica, disfunção he-
pática (síndrome de Stauffer), febre intermitente, hipercalcemia, caquexia, eritrocitose, trombo-
citose, amiloidose secundária e polimialgia reumática.

Sugere-se tomografia computadorizada como exame para diagnóstico e, ocasionalmente, ultras-


som abdominal, já que este pode distinguir cistos benignos simples, de cistos mais complexos
e tumores sólidos. A ressonância magnética (RM) pode ser usada quando os exames prévios fo-
rem inconclusivos e/ou por alergia a contraste iodado. A RM pode ser particularmente útil para
identificar presença e/ou extensão de envolvimento do sistema coletor e/ou da veia cava inferior.

Após o diagnóstico presuntivo ter sido feito pelas imagens, deve ser avaliada a extensão da doen-
ça e a presença de metástases para proceder-se a cirurgia, sempre que possível. A biópsia per-
cutânea é mais limitada, porém pode ser usada nas massas renais menores, com suspeita de
metástase renal, linfoma ou infecção renal, além dos casos de pacientes não candidatos à cirur-
gia, para iniciar tratamento apropriado. Para pacientes com massa renal isolada, a nefrectomia
parcial ou completa é preferível à biópsia porque já permite o diagnóstico e o tratamento defini-
tivo. Quando há suspeita de metástase a distância, a biópsia da lesão metastática pode ser mais
acessível que a biópsia renal.

Apesar de massas sólidas menores de 3cm poderem ser adenomas benignos, a distinção baseada
no tamanho não deve ser usada. A maioria das massas renais sólidas devem ter diagnóstico e,
apenas nos pacientes com comorbidades significativas, a conduta expectante é adotada.

Testes de triagem para diagnóstico precoce de câncer renal não são recomendados pela baixa
prevalência do carcinoma de células renais na população geral. A busca pelo tumor é recomenda-
da, entretanto, nos portadores de síndrome de Von Hippel-Lindau e esclerose tuberosa, nos pa-
cientes em estágio final da insuficiência renal com programação de diálise por 3 a 5 anos ou mais,
quando houver história famíliar forte de câncer renal ou antecedente de irradiação renal prévia.

Capítulo 19 321
Os pacientes com massas menores de 1cm podem ser seguidos com vigilância ativa, com ima-
gens seriadas com 6 e 12 meses e então anuais, pelo período de 5 anos. Pacientes com massas
renais entre 1 e 4 cm com expectativa de vida maior que 5 anos, devem ser submetidos a cirur-
gia poupadora ou nefrectomia parcial, sempre que possível, para preservação da função renal.
Entretanto, em alguns casos, a nefrectomia total faz-se necessária. Os não candidatos à cirurgia
ou com expectativa de vida menor que 5 anos, podem ser submetidos a biópsia, com posterior
ablação termal. Este tratamento também pode ser realizado em recidiva pós nefrectomia parcial,
pacientes com rim único ou transplantados, ou de risco para múltiplos cânceres renais. Após res-
secção completa do tumor localizado não há indicação de terapia adjuvante com imunoterapia
ou outras drogas.

Nos pacientes com doença localmente avançada (e irressecável), metastática ou recorrente pode-
se usar terapia sistêmica com imunoterapia ou com terapia alvo molecular, além de radioterapia,
dependendo da extensão da doença e condições clínicas do doente. Há uma gama de drogas que
podem ser tentadas pelos oncologistas, como interleucina 2 ou terapia alvo molecular com dro-
gas como pazopanibe, sunitinibe, axitinibe, sorafenibe ou bevacizumabe.

Os cuidados paliativos devem ser oferecidos quando, ao diagnóstico, a doença já não apresentar
possibilidade de cura.

5.3 Câncer de próstata


Nos Estados Unidos, o câncer de próstata é o câncer visceral mais comumente diagnosticado; em
2017, espera-se que haja cerca de 161 mil novos diagnósticos de câncer de próstata e aproximada-
mente 26.700 mortes causados por ele. Em todo o mundo, são estimados 1.600.000 novos casos
de câncer de próstata com 366.000 mortes anualmente, tornando-o o câncer mais comumente
diagnosticado nos homens e a sétima principal causa de morte por câncer masculino.

Em homens americanos, o risco de desenvolver câncer de próstata é de 16%, mas sua letalidade
é de menos de 3%. Muitos casos sem evidência clínica são achados em levantamentos de autóp-
sias, com 30% deles em homens de 55 anos e aproximadamente 60% de casos aos 80 anos. Isso
sugere que, com frequência, há crescimento lento do tumor, com a maioria das mortes ocorrendo
antes deste diagnóstico.

A sobrevida depende de muitos fatores, especialmente da extensão do tumor no momento do


diagnóstico. Homens com câncer localizado ou acometimento regional podem ter sobrevida de
100% em 5 anos, comparados com 29% em 5 anos nas doenças metastáticas.

O PSA é uma glicoproteína produzida nas células epiteliais da próstata e tem sua produção au-
mentada no câncer, com ruptura das barreiras tissulares entre a glândula e os capilares, e con-
sequente aumento de seus níveis séricos. Esta elevação pode preceder a doença clínica em 5 a 10
anos ou mais. O PSA, entretanto, também pode estar elevado em condições benignas como HPB
e prostatite. Também sofre alteração após a ejaculação, após o ato de pedalar bicicleta e após
episódios de retenção urinária aguda. A biópsia prostática e a RTU, igualmente, podem levar a
elevações do PSA. As drogas inibidoras da 5-alfa redutase, como finasterida e dutasterida, por
sua vez, diminuem os níveis de PSA.

O rastreamento do câncer de próstata tem sido uma questão controversa porque não há evidên-
cias claras de benefícios populacionais no que se refere ao diagnóstico precoce. Os estudos não

322
demonstram redução significativa da mortalidade e indicam piora da qualidade de vida e das
morbidades decorrentes da detecção do PSA elevado, notadamente a necessidade de biópsias
prostáticas e os efeitos adversos da prostatectomia, como disfunção erétil e incontinência uriná-
ria. A radioterapia complementar também está associada a complicações intestinais, como retite
actínica.

Seguem algumas recomendações de grandes entidades na área:

• A American Cancer Society (ACS) recomenda o PSA como rastreamento, com ou sem to-
que retal, começando aos 50 anos. O rastreamento não deve ser oferecido para pacientes
com expectativa de vida menor que 10 anos. Homens que tem PSA inicial maior ou igual a
2,5ng/mL devem fazer exames anuais. Menores que 2,5ng/mL, a cada 2 anos. Também re-
comendam começar discussão entre 40 e 45 anos em pacientes de alto risco de desenvolver
câncer de próstata (ex. negros, pacientes com familiares de primeiro grau com a doença
diagnosticada antes dos 65 anos). Há recomendação de realização de biópsia quando o PSA
for superior a 4,0ng/mL.

• A American Urological Association (AUA) não recomenda a realização de triagem nos me-
nores de 40 anos, nos pacientes de risco intermediário entre 40 e 54 anos, nos homens
maiores de 70 anos e nos pacientes com expectativa de vida menor que 10 a 15 anos. A
decisão deve ser individualizada entre 40 e 54 anos e nos pacientes com mais de 70 anos
e excelente saúde. A recomendação mais forte da AUA é de realizar PSA nos homens en-
tre 55 e 69 anos. A recomendação não encontra evidências para manter toque retal como
primeira linha de triagem. A AUA afirma que um intervalo de dois anos para os homens
que escolhem o rastreio pode ser preferido a triagem anual e que os intervalos podem ser
individualizados com base no nível de PSA basal. A diretriz observa a falta de evidência
para o uso de qualquer teste além do PSA, como os derivados de PSA, a cinética de PSA, os
marcadores moleculares de PSA, os marcadores urinários, as imagens ou as calculadoras
de risco. A AUA sugere usar o limiar de PSA em 10,0ng/mL para indicar biópsia prostática
para homens com 70 anos ou mais.

• A US Preventive Services Task Force (USPSTF) recomenda, em 2017, a individualização das


decisões sobre rastreio nos homens de 55 a 69 anos. Não recomenda rastreio em maiores de
70 anos. Conclui que novas evidências mostram um pequeno potencial de benefício na re-
dução do risco de morte e na ocorrência de doença metastática. A USPSTF também afirma
que não há evidências suficientes para fazer recomendações específicas de rastreio para
grupos como negros e pacientes com história familiar de câncer.

• O Canadian Task Force on Preventive Health Care faz fortes recomendações contra o ras-
treio nos menores que 55 anos e maiores que 69 anos. Faz uma recomendação fraca contra
PSA entre 55 e 69 anos.

• O United Kingdom National Screening Committee não recomenda rastreio para câncer de
próstata.

Capítulo 19 323
• O Australian Cancer Council não encontra evidências para triagem populacional e orienta
que a abordagem seja individualizada.

• A European Society for Medical Oncology (ESMO) não recomenda rastreio populacional e
é a favor de uma abordagem individualizada usando a tomada de decisão compartilhada.
A ESMO acredita que há evidências inconsistentes para rastreio nos menores que 50 anos e
entre 70 e 75 anos, com evidências de maior risco que benefício nos maiores de 75 anos.

• O Clinical Guidelines Committee of the American College of Physicians (ACP) produziu


uma “declaração de orientação” em 2013, com base em sua rigorosa revisão de diretrizes
desenvolvidas por outras organizações dos Estados Unidos, incluindo o American College
of Preventive Medicine, a American Cancer Society, a American Urological Association e
a US Preventive Services Task Force. A ACP recomendou que os clínicos informassem aos
pacientes entre 50 e 69 anos sobre o limitado benefício e substanciais danos do rastreio de
câncer de próstata e que rastreassem os que expressassem clara preferência em fazê-lo.
Também recomendou evitar o rastreio nos homens com risco intermediário menores de 50
anos e maiores de 69 anos, além dos pacientes com expectativa de vida menor que 10 a 15
anos.

• O National Comprehensive Cancer Network (NCCN) recomenda discutir risco e benefício


do rastreamento a partir dos 45 anos. O PSA deve ser oferecido para homens que desejem
o rastreamento. Um toque retal de base também poderia ser considerado, particularmente
se o PSA estiver elevado. O NCCN orienta rastreamento até os 75 anos.

Em resumo: quando a decisão for de realizar o rastreamento, sugere-se rastreamento com PSA
em intervalos entre 2 e 4 anos. O toque retal não deve fazer parte do rastreio. A idade limítrofe
para pausa no rastreamento é de 69 anos, ou antes se comorbidades limitarem a expectativa de
vida em menos de 10 anos, ou se o paciente não desejar mais realizá-lo. A suspensão do rastreio
também seria apropriada aos 65 anos com PSA menor que 1,0ng/mL.

Os homens com PSA maior que 7,0ng/mL ou com toque retal alterado (caso tenha sido realizado)
devem ser encaminhados ao urologista, sem mais testes, para avaliação sobre biópsia.

Sugere-se que pacientes com PSA entre 4 e 7ng/mL devem ter o exame repetido algumas sema-
nas após, com preparo adequado. Homens com prostatite sintomática devem ser tratados com
antibióticos antes de novo PSA. Os homens com um nível repetido de PSA acima de 4ng/mL de-
vem ser encaminhados para biópsia de próstata.

Não se deve utilizar a velocidade de crescimento de PSA, o PSA livre, a idade ou a raça na decisão
sobre quais pacientes encaminhar para biópsia.

Os homens com biópsia negativa, realizada conforme protocolos, devem ser manejados como os
que não realizaram a mesma. Seu próximo rastreamento deve ser novamente orientado e discu-
tido, com os mesmos critérios utilizados antes da biópsia.

5.4 Finalizando o caso clínico


A única demanda trazida pelo nosso paciente foi o desejo de realizar “prevenção da próstata”.
Lembrando que tem 85 anos, polifarmácia, algumas comorbidades, entre elas disfunção renal

324
grau III, nosso papel é informá-lo sobre riscos e benefícios do rastreamento de câncer de prósta-
ta, sobre as evidências até o momento e sobre tratamentos disponíveis e efeitos colaterais possí-
veis, caso rastreio venha positivo.

O mesmo agradeceu as explicações e preferiu não realizar a dosagem de PSA.

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326
CAPÍTULO

Incontinência Urinária
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Incontinência Urinária
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1. Introdução
A incontinência urinária é condição patológica comum de ser observada nos idosos, apesar de
subdiagnosticada, seja por inibição do paciente em queixar-se da perda urinária, seja por falta
de questionamento por parte do médico da sua ocorrência. A incontinência urinária é, muitas
vezes, considerada normal ou esperada com o envelhecimento. Até 30% dos idosos apresentam
perdas urinárias e a prevalência é 2 a 3 vezes maior nas mulheres que nos homens, ao menos até
os 80 anos de idade. A incontinência urinária provoca significativo impacto sobre as finanças e a
qualidade de vida do idoso, restringindo sua mobilidade e contatos sociais, elevando o risco de
depressão e aumentando o risco de quedas, infecções urinárias e institucionalização.

2. Mecanismos de Incontinência
Os mecanismos provocadores de incontinência urinária estão relacionados ao comprometimento
de um ou mais fatores reguladores da micção normal:

a) As vias neurais autonômicas e somáticas, que atuam no fechamento esfincteriano;

b) Relaxamento da musculatura detrusora e a contração da musculatura pélvica;

c) Ação inibitória do córtex cerebral.

As alterações fisiológicas do envelhecimento reduzem a reserva funcional do aparelho urinário,


mas não são suficientes para promover a perda da continência. Estas alterações fisiológicas são
a redução da contração detrusora, da capacidade vesical, do fluxo urinário, a maior produção
noturna de urina e um maior relaxamento da musculatura do assoalho pélvico.

Uma série de comorbidades podem promover a perda da continência urinária no idoso, na forma
de causas transitórias: delirium, depressão, poliúria, déficit de estrógeno, infecção urinária,
imobilidade, iatrogenia medicamentosa e impactação fecal. Dentre os fármacos implicados na
incontinência estão os diuréticos, as xantinas, os anticolinérgicos, os bloqueadores do canal de
cálcio, os estimulantes alfa-adrenérgicos e os sedativos.

A incontinência urinária permanente pode ser dividida em 5 causas: por urgência, por esforço,
mista, total ou paradoxal.

A incontinência por urgência é a principal causa, e caracteriza-se por uma sensação de urgência
miccional com desejo súbito de urinar. Ocorre por hiperatividade detrusora não inibida. A
incontinência por esforço é mais frequente nas mulheres e caracteriza-se por perda urinária
associada ao aumento da pressão intravesical (por tosse, espirros e ao carregar pesos), que supera
a pressão determinada pelo esfíncter, que se encontra deficiente.
A incontinência mista engloba características tanto dos mecanismos de esforço quanto de
urgência urinária.

A incontinência total é fruto de lesão do esfíncter uretral externo ou das fibras que o inervam,
como ocorre nas sequelas de prostatectomia. Ocorrem perdas urinárias contínuas.

A incontinência paradoxal é mais frequente nos homens e se caracteriza pela incapacidade de


esvaziamento vesical e retenção urinária, ou por hipocontratilidade detrusora (como ocorre no
parkinsonismo ou no diabetes), ou por obstrução uretral (em geral compressão prostática) ou
ambas. A incontinência ocorre quando o volume intravesical aumentado produz uma pressão que
supera a pressão estabelecida pelo esfíncter. Ocorre uma incontinência por gotejamento podendo
haver globo vesical palpável. É comum observar-se uma bexiga hipertrófica, trabeculada e por
vezes com divertículos nas suas paredes.

Figura 1 - Bexiga hipertrófica e trabeculada secundária a hiperplasia prostática

Fonte: www.slideshare.net/vmshashi/pathology-of-prostate (James Cook University)

A história clínica costuma ser suficiente para se estimar o mecanismo gerador de incontinência.
Recomenda-se que, na primeira avaliação, seja solicitado exame de urina com urocultura
e antibiograma. A análise da função renal e da glicemia pode adicionar informações úteis. A
avaliação mais minuciosa dos mecanismos de incontinência pode ser obtida pelo estudo
urodinâmico. A estimativa do resíduo pós-miccional, pelo ultrassom, nos auxilia a identificar o
impacto de bexigas hipocontráteis ou o grau de compressão uretral.

Capítulo 20 329
Figura 2 - Estudo urodinâmico com curvas relativas à pressão intravesical (preto), intra-abdominal (azul) e do
músculo detrusor (vermelho)

Fonte: CONCEIÇÃO, J.C. Centro de Estudos e Pesquisas da Mulher.


Disponível em http://www.urogin.com.br/avaliacao.htm

3. Tratamento
O tratamento consistirá em medidas comportamentais, fisioterapêuticas, farmacológicas ou
cirúrgicas. Dependerá do mecanismo específico de incontinência, da gravidade dos sintomas e
de seu impacto sobre a funcionalidade e independência do paciente. O tratamento conservador
produz melhora clínica em cerca de 70% dos pacientes.

Na incontinência de urgência, pode-se recorrer ao treinamento vesical, orientando a micção em


intervalos programados a fim de se reduzir os eventos de incontinência. Medicamentos com
efeitos anticolinérgicos (como oxibutinina e tolterodina) podem ser utilizados com cuidado,
dado seus efeitos colaterais. Casos refratários podem ser tratados com injeções intravesicais de
toxina botulínica. Outro recurso disponível é o implante de marcapasso de estimulação sacral,
que por ação nas terminações nervosas sacrais modula a hiperatividade detrusora, reduzindo os
episódios de incontinência. A Tabela 1 descreve as opções medicamentosas possíveis.

Na incontinência de esforço, o tratamento fisioterapêutico deve concentrar-se em medidas para


fortalecimento do assoalho pélvico, como os exercícios de Kegel (contrações e relaxamentos
repetidos), uso de cones vaginais ou biofeedback, em que eletrodos de eletromiografia e
transdutores de pressão registram graficamente a atividade muscular, favorecendo o aprendizado
dos exercícios. Casos mais graves, com prolapso vesical significativo se beneficiam de correção
cirúrgica.

330
Figura 3 - Cones vaginais de diversos pesos (4 a 55 gramas)

Fonte: http://chadeintimidade.blogspot.com.br/2014/08/fisioterapia-uroginecologica-e.html

Na incontinência total, onde há lesão de esfíncter ou das fibras que o inervam, pode-se recorrer
ao uso de plugs penianos, à tentativa de reconstrução cirúrgica do esfíncter ou ao implante de
slings perineais.

Na incontinência paradoxal a medida mais eficaz é a desobstrução uretral, atuando sobre a


próstata com medicamentos (alfa-bloqueadores, como tansulosina e doxasozina) ou cirurgia. Os
alfa-bloqueadores podem provocar hipotensão grave e devem ser utilizados com cautela.

Tabela 1 - Fármacos Disponíveis para incontinência urinária

Medicamento Dose Tipo de Incontinência


Alfusozina 10mg/dia Prostatismo
Darifenacina 7,5-15mg/dia Urgência
Doxasozina 1-8mg/dia Prostatismo
10-30mg/dia (lib.
Oxibutinina Urgência
Prolongada)
Solifenacina 5-10mg/dia Urgência
Tansulosina 0,4mg/dia Prostatismo
Terazosina 1-10mg/dia Prostatismo
2-4mg/dia (lib.
Tolterodina Urgência
prolongada)

Capítulo 20 331
4. Estudo de Caso
Você está atendendo pela primeira vez a sra. Amélia, 79 anos, que vem trazida ao consultório por
sua filha Lúcia. Já no início do atendimento, a filha manifesta muita preocupação por conta de
um assunto constrangedor: há cerca de 4 meses sua mãe apresenta perda urinária pela casa, com
piora progressiva: já urinou na cama diversas vezes, no estofado da sala de estar e até durante um
almoço de família. Segundo a filha, isto está provocando diversos problemas no domicílio, onde
moram seus dois filhos adolescentes. O odor de urina na casa está muito intenso e a paciente se
recusa a usar fraldas. A filha Lúcia resolveu procurar assistência médica porque está decidida a
internar a mãe em um asilo se o problema não se resolver. Ela tentou procurar o médico do posto
que atendeu sua mãe há cerca de 6 meses, mas como ele estava em férias, decidiu buscar outra
orientação.

A filha informa também que sua mãe trata hipertensão arterial, diabetes, que adquiriu depois
da sétima gestação, quando tinha 36 anos. Desde então faz tratamento irregular. É tabagista de
1 maço de cigarros/dia desde os 27 anos de idade. Há 4 anos tem tosse crônica com expectoração
de secreção clara e eventuais crises de sibilos. O médico disse se tratar de bronquite e prescreveu
teofilina, que usa diariamente desde então. Na última consulta, como estava muito hipertensa,
foi prescrito Furosemida 40mg/dia e Anlodipina 10mg/dia. Para o diabetes usa Glibenclamida
5mg 2x ao dia.

Trouxe os últimos exames colhidos que ainda não conseguiu mostrar ao médico:

Hb glic 9,9% Glicemia de jejum: 235mg/dL

A paciente, que está em silêncio desde o início da consulta, diz que o que mais a incomoda é a
constipação intestinal. Está tomando três colheres de sopa de lactulose, duas de óleo mineral,
1 cp de Bisacodil 5mg ao dia e 1 copo de chá de sene por dia, sem sucesso. Concorda que a
incontinência é muito desagradável e que já não a deixa mais sair à rua, para ir à feira ou à igreja.
Então começa a chorar. Pede para não ir ao asilo nem usar fraldas.

Ao Exame: PA 110X70 mmHg FC 82 bpm

RCR sem sopros. Pulmões com MV reduzidos, sibilos esparsos e roncos. Ao inspirar apresenta
muita tosse até expectorar pequena quantidade de secreção clara. Abdome flácido. À palpação
abdominal, apresentou perda urinária na mesa de exame. Membros com edema 2+/4+, mole e
depressível.

5. Questionamentos
1. Que fatores estão envolvidos na incontinência urinária desta paciente?
2. Quais as consequências que uma incontinência urinária desta intensidade podem
provocar?
3. Que condutas você proporia para investigar e tratar esta paciente?

332
6. Conclusões
• A incontinência urinária é um distúrbio prevalente nos idosos, especialmente nas
mulheres e frequentemente subdiagnosticada.

• Provoca significativo impacto na qualidade de vida.

• A história clínica é fundamental para identificar o mecanismo da incontinência.

• Os medicamentos anticolinérgicos devem ser usados com cautela no tratamento da


incontinência urinária de urgência, devido a seus efeitos adversos potencialmente
graves.

• O tratamento não farmacológico deve ser sempre considerado, com recursos como
a fisioterapia urogenital e técnicas de biofeedback.

7. Referência
FREITAS, E.V.; PY, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª. edição. Rio de Janeiro. Guanabara
Koogan, 2011.

Capítulo 20 333
CAPÍTULO

Disfagia e Lesão por Pressão


Profa. Me. Vivian Romero
Profa. Me. Rita de Cassia Toledo Pinto
Disfagia e Lesão por Pressão

Profa. Me. Vivian Romero


Profa. Me. Rita de Cassia Toledo Pinto

DISFAGIA

1. Introdução
Disfagia é considerada toda alteração encontrada em qualquer uma das fases da deglutição, que
leve a risco de desnutrição, desidratação e broncoaspiração. Chamamos de disfagia orofaríngea
as alterações ocorridas desde a preparação do bolo alimentar até sua passagem pela faringe e de
disfagia esofágica as alterações ocorridas no trajeto do bolo alimentar do esôfago ao estômago.

Diversas doenças associadas à disfunção orofaríngea ou esofágica podem causar disfagia nos
idosos. A disfagia orofaríngea em idosos é mais comumente causada por acidente vascular en-
cefálico (AVE), ocorrendo em um terço desses pacientes. A disfagia esofágica pode resultar de
várias causas motoras ou mecânicas. E, em alguns pacientes, muitas vezes nenhuma causa pode
ser reconhecida. Identificar a diferença entre a disfagia orofaríngea e a disfagia esofágica não é
apenas importante em relação à etiologia, mas é fundamental no gerenciamento da deglutição do
paciente.

2. Prevalência
A prevalência da disfagia é maior na população idosa do que na população em geral: 23% dos ido-
sos com idade igual ou superior a 70 anos. A prevalência de disfagia é ainda maior naqueles que
residem em instituições de longa permanência (ILPI), onde 40% a 60% dos residentes apresentam
dificuldades de deglutição. Também encontramos disfagia em 30% dos idosos com AVE, em 60%
- 80% dos idosos com distúrbios neurodegenerativos e em 55% a 86% dos idosos hospitalizados
por pneumonia.

3. Mudanças fisiológicas no envelhecimento normal


A deglutição se inicia com uma fase antecipatória ao ver e cheirar o alimento. Em uma pessoa
idosa com cognição preservada, não há mudanças nessa primeira fase.

Na segunda fase, a fase preparatória oral, o bolo alimentar necessita de preparação para ser deglu-
tido. A preservação da dentição ou a adaptação correta de próteses dentárias são fundamentais
para um bom desempenho de mastigação. Quando ocorrem ausências dentárias ou quando as
próteses estão mal ajustadas, podem ocorrer algumas adaptações espontâneas na função, como
por exemplo, evitar ingerir vegetais crus e carnes. Outra questão importante é que, com próteses
dentárias mal ajustadas, os músculos da mastigação não atuam corretamente, gerando um pro-
longamento do processo de mastigação e número maior de movimentos mastigatórios.

A produção de saliva geralmente permanece intacta durante o envelhecimento, com excessão


do efeito xerostômico provocado pelo uso de determinadas medicações como antidepressivos,
antiespasmódicos, anti-hipertensivos, broncodilatadores, anticolinérgicos, anti-histamínicos e
sedativos.

4. Fase Oral
Esta fase envolve a manipulação e o transporte dos alimentos na boca. A língua propulsiona o
alimento para a faringe. Próximo aos pilares faríngeos ocorre o disparo da deglutição e é inicia-
da a fase reflexa faríngea. As movimentações labial, bucal e lingual, em conjunto com a saliva,
atuam para manipular o alimento e para formularem o bolo alimentar. O bolo alimentar é levado
à porção posterior da boca para a porção inicial da faringe. No envelhecimento, a força da língua
diminui e, consequentemente, a duração da fase oral aumenta. Este fato permite o acúmulo de
resíduos na boca e pode levar ao crescimento excessivo de bactérias, assim como pode levar à
aspiração desses conteúdos.

5. Fase Faríngea
A cavidade bucal e a faringe contêm uma enorme quantidade de receptores sensoriais. O mo-
mento exato do início da fase faríngea é desencadeado por reflexos através da atuaçao desses
receptores sensoriais. Qualquer atraso nesse início pode resultar na entrada de alimento na via
aérea e/ou na aspiração. Na população idosa ocorre o atraso do reflexo de deglutição e também há
uma distância aumentada entre o osso hioide e a laringe.

O movimento do osso hioide desempenha um papel crucial, pois ele é importante não só por
gerar segurança ao mover a entrada da via aérea para longe do bolo alimentar, como também
por razões de eficiência, pois este movimento é responsável pela abertura do esfíncter esofágico
superior. Este movimento declina com o envelhecimento, mesmo nos idosos saudáveis quando
comparados a indivíduos mais jovens.

A segurança da deglutição é reforçada pelo movimento da epiglote e pela aproximação das pregas
vocais, mas sua eficiência não implica apenas em uma função motora adequada, mas também
dependem da preservação da sensibilidade. O aumento da idade é frequentemente associado a
uma percepção reduzida do lábio, da língua e da cavidade oral como um todo.

Nos idosos, o bolo alimentar tende a se acumular nos seios piriformes e nas valéculas, e essa alte-
ração pode estar associada a um maior risco de penetração ou aspiração nas vias aéreas. Estudos

Capítulo 21 337
mostraram que resíduos são frequentemente encontrados na valécula e nos seios piriformes em
idosos assintomáticos saudáveis. Chamamos de penetração quando o alimento chega ao nível
das pregas vocais, e de aspiração quando o material atinge as estruturas traqueais. Nos idosos
saudáveis, ocorre maior incidência de penetração do que de aspiração.

6. Fase Esofágica
Inicia com a abertura da transição entre a faringe e o esôfago. Em seguida surgem ondas peris-
tálticas que transportam o alimento até o estômago. No envelhecimento, estas ondas se tornam
mais lentas e ineficazes, aumentando a incidência de refluxo gastroesofágico. Estes problemas
na movimentação se agravam na presença de doenças que afetam o sistema nervoso ou o siste-
ma muscular e também com a utilização de alguns medicamentos.

7. Influências da musculatura respiratória


e da coluna cervical
O processo normal de envelhecimento predispõe o paciente à perda de elasticidade pulmonar.
Acoplada a mudanças na posição do pulmão pela degeneração da coluna cervical e torácica, a
capacidade vital dos idosos é reduzida. Assim, a capacidade de tossir e proteger as vias aéreas
está diminuída.

As mudanças na coluna cervical e torácica em virtude do processo de envelhecimento podem


afetar a integridade da deglutição. A exemplo disso, temos as obstruções faríngeas causadas por
osteófitos cervicais que geram estases na região da transição entre a faringe e o esôfago. Depen-
dendo da altura do osteófito, a epiglote pode não descer ou se inclinar para um dos lados.

8. Causas
Primárias - Doenças neurológicas como os AVEs, doenças neuromusculares como esclerose la-
teral amiotrófica e esclerose múltipla, doença de Parkinson, distúrbios reumatoides, distúrbios
metabólicos como doenças da tireoide, miosites e miopatias, quadros demenciais como a Doença
de Alzheimer e neoplasias em estruturas periféricas da deglutição.

Secundárias - São causas iatrogênicas, sendo a mais comum a medicamentosa. Os efeitos colate-
rais da medicação costumam descompensar o mecanismo de deglutição.

Algumas medicações provocam redução do funcionamento da musculatura involuntária, dimi-


nuindo a motilidade esofágica e as pressões do esfíncter esofágico superior. Outras geram efeitos
xerostômicos sobre a cavidade oral, o que prejudica o paladar e a preparação do bolo alimentar.
Outras causas iatrogênicas são as cirurgias de coluna anterior, quimioterapia, radioterapia (xe-
rostomia e fibrose) e traqueostomia (desvio da passagem do ar e redução da elevação laríngea).

338
9. Avaliação
A avaliação clínica fonoaudiológica desempenha um papel importante na avaliação do pacien-
te disfágico. Esta avaliação detecta a presença de disfagia, avalia sua gravidade, determina as
alterações que a causam, permite o planejamento da reabilitação e a testagem do resultado da
reabilitação fonoaudiológica. Após uma anamnese direcionada à história pregressa do distúrbio
de deglutição e a investigação dos hábitos alimentares atuais e remotos do paciente, deve ser
realizada a avaliação da anatomia, da sensibilidade e dos reflexos do aparelho de deglutição e por
fim a avaliação funcional, que avalia as fases oral e faríngea da deglutição durante a alimentação
e/ou hidratação.

Existem também as avaliações complementares, entre as quais podemos destacar a videofluo-


roscopia e a nasovideoendoscopia da deglutição que são os métodos mais solicitados habitual-
mente. São exames objetivos que avaliam a dinâmica da deglutição, as estruturas anatômicas, e
possibilitam ao fonoaudiólogo a verificação da eficácia do uso de manobras facilitadoras postu-
rais e de limpeza de recessos faríngeos, assim como a escolha da consistência mais adequada ao
paciente.

10. Tratamento
Após a avaliação fonoaudiológica da deglutição, devemos determinar o tipo de terapia: de esti-
mulação ou de deglutição.

As terapias de estimulação de forma isolada são indicadas para pacientes com quadro de disfa-
gia grave, usuários de via alternativa de alimentação que aspiram todas as consistências e volu-
mes de alimentos. Esta deve ser realizada até que a terapia de deglutição para reintrodução de
via oral segura possa ser realizada. Seu objetivo é melhorar as condições de força, mobilidade e
sensibiliddae geral do paciente sem a oferta de alimento. Para isso, são realizados exercícios de
mobilidade das estruturas envolvidas: laringe, faringe, língua, bochechas lábios, palato mole e
pregas vocais. Vale ressaltar que, em casos muito graves não se tem a intenção de restabelecer a
alimentação por via oral. Contudo, a terapia é indicada em caráter de manutenção visando mini-
mizar o risco de broncoaspiração salivar.

A terapia de deglutição envolve a utilização de técnicas e estratégias somadas ao uso de alimen-


tos. São utilizados exercícios para normalizar a sensibilidade, controle oral, mobilidade e funcio-
nalidade dos musculos da língua, bochechas, faringe e laringe. No caso de pacientes usuários de
via alternativa de alimentação, é realizado o desmame gradual da sonda de alimentação. Estabi-
lizado o quadro, é então retirada a sonda de alimentação.

Capítulo 21 339
11. Conclusão
Lidar com o envelhecimento e suas nuances é um dos grandes desafios deste século. A demanda
é crescente e complexa, exigindo dos profissionais, além de conhecimentos específicos em ge-
riatria e gerontologia, atenção interdisciplinar que contemple as necessidades de saúde do idoso.

A atuação do fonoaudiólogo consiste em identificar, encaminhar, diagnosticar e reabilitar pro-


blemas de deglutição e é de fundamental importância a todos que almejam preservar a qualidade
de vida de idosos.

Lesão por pressão

1. Introdução
Através de um caso clínico, abordaremos os principais aspectos no tratamento das lesões por
pressão - LP (do inglês, pressure injury), termo que passou a ser utilizado a partir do Consenso
da NPUAP (National Pressure Ulcer Advisory Panel), em maio de 2016, para substituir a denomi-
nação úlcera por pressão (pressure ulcer). A substituição se deu porque a expressão descreve de
forma mais precisa esse tipo de lesão, tanto na pele intacta quanto na pele ulcerada.

Essas lesões são decorrentes de um dano localizado na pele e/ou tecidos moles subjacentes, ge-
ralmente sobre uma proeminência óssea ou relacionadas ao uso de dispositivo médico ou outro
artefato. Podem se apresentar em pele íntegra ou como úlcera aberta e ser dolorosas. Ocorrem
como resultado da pressão intensa e/ou prolongada em combinação com o cisalhamento. A to-
lerância do tecido mole à pressão e ao cisalhamento, pode também ser afetada pelo microclima,
nutrição, perfusão, comorbidades e pelo estado geral do paciente.

As lesões por pressão relacionadas ao dispositivo médico resultam do uso de dispositivos pro-
jetados e aplicados para fins diagnósticos ou terapêuticos (uma órtese, um cateter de oxigênio,
sonda nasogástrica, entre outras). Geralmente a lesão está em conformidade com o padrão ou
forma do dispositivo.

Elas também podem acontecer em membrana mucosa relacionada a um dispositivo médico em


uso no local da lesão, como por exemplo, uma lesão na mucosa nasal devido ao uso de sonda na-
sogástrica. Devido à anatomia do tecido essas úlceras não podem ser classificadas.

Quanto à fisiopatologia das LPs, sabe-se que a superfície de contato, a cama ou a poltrona, exerce
pressão sobre os tecidos moles do paciente e este, por sua vez, contra o osso. Os vasos sanguíneos,
o músculo, a gordura subcutânea e a pele são comprimidos entre estas contrapressões. Quando
a pressão externa (intersticial) excede a pressão intracapilar, ou seja, excede a 32mmhg, ocorre
uma oclusão dos vasos (hipóxia), má nutrição e oxigenação dos tecidos, causando o acúmulo de
subprodutos tóxicos resultantes do metabolismo celular, anoxia tecidual e morte celular.

340
2. Caso clínico
Sr. WGS, de 79 anos, foi admitido numa enfermaria geriátrica, proveniente do domicilio, para
tratamento de pneumonia aspirativa. Com história de IAM e AVCi prévios, é portador de De-
mência Vascular Avançada, HAS e tabagismo. É totalmente depende para as atividades básicas
de vida diária (ABVD) há 2 anos . Com anemia e desnutriçao leve, recebia dieta oral pastosa e
líquidos com auxílio. Fazia uso de anticoagulantes, hipoglicemiantes orais, diuréticos, betablo-
queadores e analgésicos.

Situação social: Reside com sua esposa e cuidadora principal, de 77 anos, portadora de diabetes
mellitus. Seu filho viúvo auxilia nos cuidados por uma hora ao dia. Sua neta, que trabalha e es-
tuda, auxilia esporadicamente, bem como uma inquilina que mora no mesmo terreno .

Exame físico da pele: detectou-se a lesão por pressão no trocânter E e D, na região sacra, nos joe-
lhos D e E e nos calcâneos D e E.

No hospital foi introduzida antibioticoterapia e fisioterapia respiratória para o tratamento da


broncopneumonia. Iniciada dieta enteral por sonda nasoenteral e posteriormente realizado
gastrostomia. Para tratarmos as lesões por pressão, optamos por seguir as diretrizes, dos pai-
néis consultivos internacionais e norte-americanos (National Pressure Ulcer Advisory Panel –
NPUAP; European Pressure Ulcer Advirory – EPUAP) juntamente com a Pan Pacific Pressure In-
jury Alliance (PPPIA) e o protocolo da Anvisa publicado em 2014.

Avaliamos o risco que o sr. W. teria de desenvolver lesão por pressão (LP), utilizando como ins-
trumento de avaliação a escala de Braden (Tabela 1) e encontramos o escore 9. Isto significa que
nosso paciente tem altíssimo risco de desenvolver LP. Essa escala estratifica o risco em muito
elevado (escores de 9 ou menos); risco elevado (escores entre 10 e 12); risco moderado (escores
entre 13 e 14); risco baixo (escores entre 15 e 16). Na vigência de outros fatores como idade maior
que 65 anos, escores de 17 e 18 são considerados como pacientes de risco.

Tabela 1 - Escala de Braden

1.totalmente 3.levemente 4.nenhuma


Percepção sensorial 2. Muito limitado
limitado limitado limitação
1.completamente 3.ocasionalmente 4.raramente
Umidade 2.muito molhada
molhada molhada molhada
2.confinado à 3.anda 4.anda
Atividade 1.acamado
cadeira ocasionalmente frequente-mente
3. levemente 4. não apresenta
Mobilidade 1.totalmente imóvel 2.bastante limitado
limitado limitações
2.provavelmente
Nutrição 1.muito pobre 3.adequado 4.excelente
inadequado
Fricção e cisalha- 2.problema em
1.problema 3.nenhum problema
mento potencial

Fonte: Adaptado de www.iespe.com.br/blog/escala-de-braden/

Capítulo 21 341
Os fatores de risco que predispõem o indivíduo a períodos prolongados de isquemia induzida por
pressão se dividem em intrínsecos (situações locais e sistêmicas) e os extrínsecos (que derivam
do ambiente): fricção e as forças de cisalhamento.

Dentre os fatores intrínsecos, podemos citar as deficiências nutricionais de vitaminas e a anemia


que prejudicam o aporte de nutrientes ao tecido lesionado e diminuem a capacidade de restau-
ração tecidual.

Por ser uma pessoa acamada e com perda da sensibilidade local, há comprometimento do me-
canismo de mobilização para alívio da pressão. Isso também se aplica a pacientes com o nível
de consciência alterado. A hipertensão arterial e o diabetes favorecem alterações da circulação
cutânea, potencializando a isquemia local e reduzindo o transporte de nutrientes e células de
defesa ao local acometido. Além disso, o diabetes também reduz a inervação sensitiva local, pre-
dispondo ao aparecimento de lesões por imobilização prolongada sobre o mesmo local.

A pele envelhecida está predisposta a lesões por pressão por alterações próprias da senescência,
tais como:

a) Maior fragilidade;

b) Menor capacidade de atuar como barreira contra fatores externos;

c) Ressecamento e rugosidade por causa do menor número de glândulas sebáceas;

d) Diminuição da elasticidade (flacidez);

e) Alteração da resposta imunológica célular;

f) Maior dificuldade em perceber estímulos traumáticos e agressivos, devido à capacidade


reduzida dos receptores sensoriais.

Quanto aos fatores extrínsecos levantados na avaliação clinica do sr. W., podemos citar a fricção,
que acontece quando a pele se move contra uma superfície de apoio. Pode causar danos ao teci-
do quando o paciente é arrastado na cama, em vez de ser levantado. Isso faz com que a camada
superficial de células epiteliais seja retirada. Ocorre também o cisalhamento, definido como a
tração exercida sobre a pele, fazendo-a deslizar sobre o plano muscular, com oclusão ou rutura
dos capilares.

Para minimizar a ação dessas forças mecânicas associadas à pressão, instituímos o reposiciona-
mento e a mobilização, a mais importante e eficaz técnica de prevenção. Mudamos o paciente
de decúbito a cada duas horas, pois há évidencias que mostram que o alívio da pressão sobre
uma proeminência óssea por 5 minutos a cada 2 horas permite a recuperação do tecido à agressão
isquêmica.

A cada mobilização foi colocado um travesseiro entres as mesmas proeminências, sejam joe-
lhos, maléolos e assim por diante (para proteger as proeminências umas das outras). Quando
colocado em decúbito lateral, sempre devemos manter o quadril a 30 Graus (Figura 1) para o
peso do corpo ficar sobre os glúteos e não sobre os trocânteres que suportam menos pressão.
Além disso, temos que evitar ficar sobre áreas que já têm LP.

342
Figura1: Posicionamento adequado no decúbito lateral

Fonte: Paranhos W. Úlcera de Pressão. In: JORGE, S.; DANTAS, S.R

Abordagem Multiprofissional do tratamento de feridas. 1ed. Brasil, Atheneu, p. 287-298

Os calcâneos, para serem protegidos , não devem estar em contato com a superfície da cama.
O ideal seria não estarem sujeitos a qualquer pressão (“calcâneos flutuantes”). Neste caso, pode-
mos utilizar dispositivos de suspensão de calcâneos que os elevem completamente (Figura 2).
Os dispositivos de suspensão dos calcâneos são preferíveis para utilização a longo prazo ou para
indivíduos que geralmente não mantêm as pernas em cima das almofadas (Figura 3).

Figura 2: Dispositivo de suspensão de calcâneo

Fonte: http://www.oaplbendigo.com.au/product/heel-lift-suspension-boo

Capítulo 21 343
Figura 3: Redução de pressão calcânea com almofada

Fonte: www2.eerp.usp.br/site/grupos/feridascronicas/index.php?option=com_content&view=article&id=4&Itemi-
d=11´PrªDraMaria Helena Larcher Caliri

Utilizamos também como estratégia para reduzir a pressão as superfícies de suporte (SS) como
colchões, poltronas e almofadas, que podem ser divididas em Estáticas, as quais reduzem a
pressão pela redistribuição da carga sobre uma maior área do equipamento e estão indicadas
para a pessoa com baixo risco de desenvolver LP; e Dinâmicas, que caracterizam-se pela varia-
ção de pressão através de meios mecânicos, reduzindo a duração da pressão aplicada em pontos
diferentes do corpo, ao acessar o link www.prevencaoupp.com.br/1-sistema-tegumentar/7prin-
cipais-superficies-de-suporte.html encontrarão mais detalhes e fotos dessas superfícies de su-
porte.

Sempre que possível, devemos evitar posicionar o indivíduo numa superfície corporal que esteja
ruborizada. O eritema indica que o corpo ainda não recuperou da pressão anterior e exige um
intervalo de tempo maior entre pressões repetidas. Não massagear e nem esfregar vigorosamen-
te a pele que esteja em risco de lesões por pressão. Além de ser doloroso, esfregar a pele pode
também provocar uma ligeira destruição tecidual ou uma reação inflamatória, especialmente na
pele mais frágil dos idosos.

Existem também no mercado coberturas protetoras, atraumáticas, maleáveis e multicamadas


para reduzir a fricção e cisalhamento. São placas de espuma de poliuretano e hidropolímeros que
ajudam a reduzir as forças de cisalhamento, fricção e o risco de ocorrer danos da pele.

Existem também no mercado coberturas protetoras, atraumáticas, maleáveis, multicamadas


para reduzir a fricção e cisalhamento. São placas de espumas de poliuretano e hidropolímeros
que ajudam a reduzir as forças de cisalhamento e fricção, e o risco de ocorrer danos da pele.

Para proteger a pele da exposição à umidade excessiva, utilizamos dispositivos urinários (fral-
das descartáveis ou dispositivo urinário masculino). Após as eliminações, fazemos a higiene
com agua e sabão, usamos cremes barreira para proteger a pele de novos efluentes e utilizamos
emolientes para hidratar a pele seca, a fim de reduzir o risco de dano.

344
Para o tratarmento tópico das feridas devemos classificá-las, fazer limpeza do conteúdo infla-
matório e corpos estranhos e desbridamento, usar cobertura e correlatos para curativo. Para
isso, utilizamos o sistema da NPUAP, que classifica as feridas conforme a profundidade de teci-
dos acometidos: quanto menor o estágio, menor profundidade de acometimento. Ou seja, se não
forem afastadas as causas, elas podem se aprofundar e evoluir do estágio 1 para o 2 , para 3, e
assim por diante. Lesões por pressão jamais cicatrizam pelo estadiamento reverso, ou seja, não
podem passar de 3 para 2 , de 2 para 1.

O sistema de classificação atualizado inclui as seguintes definições:

- “Lesão por Pressão Estágio 1: pele íntegra com área localizada de eritema que não embran-
quece e que pode parecer diferente em pele de cor escura. Presença de eritema que em-
branquece ou mudanças na sensibilidade, temperatura ou consistência (endurecimento)
podem preceder as mudanças visuais.

- Lesão por Pressão Estágio 2: perda da pele em sua espessura parcial com exposição da
derme. O leito da ferida é viável, de coloração rosa ou vermelha, úmido e pode também
apresentar-se como uma bolha intacta (preenchida com exsudato seroso) ou rompida. O
tecido adiposo e tecidos profundos não são visíveis. Tecido de granulação, esfacelo e es-
cara não estão presentes. Essas lesões geralmente resultam de microclima inadequado e
cisalhamento da pele na região da pélvis e no calcâneo. Esse estágio não deve ser usado
para descrever as lesões de pele associadas à umidade, incluindo a dermatite associada à
incontinência (DAI), à dermatite intertriginosa, à lesão de pele associada a adesivos médi-
cos ou às feridas traumáticas (lesões por fricção, queimaduras, abrasões).

- Lesão por Pressão Estágio 3: perda da pele em sua espessura total na qual a gordura é visí-
vel e, frequentemente, tecido de granulação e epíbole (lesão com bordas enroladas) estão
presentes. Esfacelo e/ou escara pode estar visível. A profundidade do dano tissular varia
conforme a localização anatômica; áreas com adiposidade significativa podem desenvol-
ver lesões profundas. Podem ocorrer descolamento e túneis. Não há exposição de fáscia,
músculo, tendão, ligamento, cartilagem e/ou osso. Quando o esfacelo ou escara prejudica
a identificação da extensão da perda tissular, deve-se classificá-la como Lesão por Pressão
Não Classificável.

- Lesão por pressão Estágio 4: perda da pele em sua espessura total e perda tissular com ex-
posição ou palpação direta da fáscia, músculo, tendão, ligamento, cartilagem ou osso. Es-
facelo e/ou escara pode estar visível. Epíbole (lesão com bordas enroladas), descolamento
e/ou túneis ocorrem frequentemente. A profundidade varia conforme a localização anatô-
mica. Quando o esfacelo ou escara prejudica a identificação da extensão da perda tissular,
deve-se classificá-la como Lesão por Pressão Não Classificável.

- Lesão por Pressão Não Classificável: perda da pele em sua espessura total e perda tissular
na qual a extensão do dano não pode ser confirmada porque está encoberta pelo esfacelo
ou escara. Ao ser removida (esfacelo ou escara), Lesão por Pressão em Estágio 3 ou Estágio

Capítulo 21 345
4 ficará aparente. Escara estável (isto é, seca, aderente, sem eritema ou flutuação) em mem-
bro isquêmico ou no calcâneo não deve ser removida.

- Lesão por Pressão Tissular Profunda: pele intacta ou não, com área localizada e persisten-
te de descoloração vermelha escura, marrom ou púrpura, que não embranquece, ou sepa-
ração epidérmica que mostra lesão com leito escurecido ou bolha com exsudato sanguino-
lento. Dor e mudança na temperatura frequentemente precedem as alterações de coloração
da pele. A descoloração pode apresentar-se diferente em pessoas com pele de tonalidade
mais escura. Essa lesão resulta de pressão intensa e/ou prolongada e de cisalhamento na
interface osso-músculo. A ferida pode evoluir rapidamente e revelar a extensão atual da
lesão tissular ou resolver sem perda tissular. Quando tecido necrótico, tecido subcutâneo,
tecido de granulação, fáscia, músculo ou outras estruturas subjacentes estão visíveis, in-
dica lesão por pressão com perda total de tecido (Lesão por Pressão Não Classificável ou
Estágio 3 ou Estágio 4). Não se deve utiliar a categoria Lesão por Pressão Tissular Profunda
(LPTP) para descrever condições vasculares, traumáticas, neuropáticas ou dermatológicas.

A seguir, vamos explicar como foi feito o tratamento tópico das lesões do sr.W:

Lesão por pressão no trocânter E, estágio não classificável, foi tratada com Papaína gel a 10%,
que é uma enzima proteolítica retirada do látex do mamão papaia (Carica Papaya), comercializa-
da na forma de pó, pasta, creme e gel, em concentrações que irão variar conforme as caracterís-
ticas da ferida (quantidade de tecido necrótico, presença de infecção, presença de tecido de gra-
nulação. O mecanismo de ação da papaína é como desbridante químico, facilitando o processo
cicatricial. Tem ação desbridante não traumática, anti-inflamatória, estimulante e facilitadora
da síntese de colágeno aumentando a força tensil da cicatriz.

Ao contrário do que muitos acreditam, a Papaina não agride o tecido sadio, pois as células sa-
dias inativam as proteases pela ação da alpha 1-antitripsina (globulina humana), ou seja, quando
existe a maceração é porque a pele perilesão sofreu a invasão do exsudato infeccioso. Após os
40 dias de internação recebeu alta e a ferida evoluiu com tecido de granulação e com curativo de
espuma de silicone.

Lesão por pressão no trocânter D, estágio 4, foi tratada inicialmente com papaína gel a 10%,
associada a curativos de prata para absorver o exsudato purulento e diminuir a colonização. No
momento da alta, a ferida já estava com tecido de granulação e com pouco exsudato serososo.
Saiu de alta com curativo de espuma de silicone.

Lesão por pressão em região sacral: estágio 3, tratada inicialmente com papaína gel a 0,8%, me-
nos concentrada, pois a necrose está mais úmida, associada a curativo de prata para absorver o
exsudato purulento e diminuir a colonização.

Lesão por pressão em regiao de joelho D e E, estágio 2, realizado curativo com AGE com óleos ve-
getais poli-insaturados (ácido linoleico, caproico, caprílico, láurico), que provocam uma resposta
inflamatória local aumentando a granulação e angiogênese. Cicatrizou em 30 dias.

Lesões por pressão em calcâneos D e E, estágio tissular profundo, realizado curativo com co-
berturas não aderentes, que mantêm o meio úmido, como acetato de celulose impregnado de
petrolatum ou rede de poliamida com silicone ou poliéster impregnado com AGE. Após 30 dias
cicatrizou.

346
3. Conclusão
Recebeu alta após 40 dias, com melhora da anemia, desnutrição e da infecção pulmonar. Para
continuar o tratamento das feridas e evitar futuras lesões, pois o mesmo continuou com os fato-
res de riscos levantados na internação, encaminhou-se o paciente para um programa de assis-
tência domiciliar, com visitas periódicas, que darão um suporte para a cuidadora e permitirá
detectar complicações precoces. Para viabilizar a prevenção, os curativos e os demais cuidados
com o paciente, a equipe multidisciplinar gerontológica desenvolveu um trabalho de orientação
aos familiares através de atendimentos e reuniões onde conseguiu-se que a inquilina pudesse
ajudar mais vezes a esposa do sr. W nos cuidados, em troca do abatimento do valor do aluguel,
pois a economia em evitar futuras feridas, internações e a melhora da qualidade de vida do pa-
ciente e seus familiares propiciará também melhor custo/benefício.

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vel em http://sobest.org.br/noticias/nacional/10/4/texto d/35

Capítulo 21 349
NPUAP. Etapas de lesão por pressão. Disponível em www.npuap.org/resources/educational-and-
clinical-resources/npuap-pressure-injury-stages/

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Protocolo de Úlcera por Pressão da Anvisa 2014. Disponível em www20.anvisa.gov.br/seguranca-


dopaciente/index.php/publicacoes/item/ulcera-por-pressao

Revista do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão | ISSN: 1806-6399. Patos de Minas: UNI-
PAM, n. 8, vol. 1, jul. 2011, pp. 12-31; Medicina (Ribeirão Preto) 2015;48(2): 168-74. Disponivel em
http://revista.fmrp.usp.br

http://www.prevencaoupp.com.br/1-sistema-tegumentar/7principais-superficies-de-suporte.html

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CAPÍTULO

Cuidados Paliativos
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes
Cuidados Paliativos
Prof. Dr. Leonardo da Costa Lopes

1. Definição
Os cuidados paliativos são o conjunto de propostas terapêuticas direcionadas a pacientes com
doenças incuráveis, progressivas e com curta expectativa de sobrevida. Caracterizam-se pela ên-
fase no controle de sintomas e não na cura da doença provocadora destes sintomas, tendo por
objetivo obter a melhor qualidade de vida possível ao paciente e para a sua família. São cuidados
multiprofissionais que se dirigem a diferentes esferas de atenção, tais como a biológica, psicoló-
gica, social e espiritual. Procuram integrar valores e preferências da equipe de saúde com os do
próprio paciente e de sua família. Os cuidados paliativos consideram a morte como um fenômeno
natural e, portanto, não a postergam nem a aceleram, buscando manter uma vida o mais ativa
possível até a morte. Procuram evitar a distanásia, condição em que o indivíduo recebe terapêu-
ticas fúteis que não mudam o curso da doença, muitas vezes submetendo o paciente a sofrimento
e mantendo-o longe de seus familiares, como nas unidades de terapia intensiva. É importante
que os médicos estejam treinados para identificar pacientes que apresentam doença ou condição
clínica que possam se beneficiar de um plano de cuidados paliativos, procurando entender os
mecanismos que levam ao sofrimento e buscando meios de aliviá-lo. Os cuidados paliativos, nes-
se sentido, podem ser perfeitamente incorporados também aos tratamentos ditos “curativos” e a
qualquer abordagem terapêutica também dirigida aos pacientes jovens.

No âmbito da paliação, não existem condutas obrigatoriamente proscritas, mas estas deverão ser
avaliadas criticamente, à luz de seus benefícios e potenciais malefícios. Como exemplo, deverão
ser avaliadas na perspectiva do alívio do sofrimento o real benefício do uso de sondas alimenta-
res e urinárias, da obtenção de acessos vasculares, da coleta frequente de exames laboratoriais,
da troca obstinada de antibióticos, da realização de biópsias, cirurgias ou outros exames comple-
xos e dolorosos, da prescrição de dietas e de hidratação venosa. A Tabela 1 aponta as principais
condições clínicas em que se indicam cuidados paliativos:

Tabela 1 - Indicações Clínicas de Cuidados Paliativos

Fragilidade Extrema, com comprometimento avançados das Insuficiência Cardíaca classe funcional IV, com fra-
capacidades funcionais. ção de ejeção < 20%, refratária ao tratamento clínico.
Demência avançada e outras doenças neurológicas
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ou outra pneumopatia em degenerativas, especialmente com complicações
dependência de oxigênio e com dispneia incapacitante. recorrentes pela imobilidade: tais como úlceras,
infecções e desnutrição.
Insuficiência Hepática Child C sem indicação de transplante e Neoplasias Malignas Avançadas em que não há pers-
Insuficiência Renal com Clearence < 15mL/min sem indicação de pectiva curativa; geralmente doença metastática e
transplante. extremamente consumptiva.

Fonte: Adaptado de Manual de cuidados paliativos / Academia Nacional de Cuidados Paliativos.


- Rio de Janeiro : Diagraphic, 2009
A comunicação é uma ferramenta fundamental na aplicação dos cuidados paliativos. A infor-
mação ao próprio paciente e à sua família a respeito da doença e a escuta de suas preferências e
decisões também exigem treinamento e aquisição de habilidades. A Tabela 2 lista as principais
habilidades necessárias para a boa comunicação em cuidados paliativos.

Tabela 2 - Habilidades de Comunicação nos Cuidados Paliativos

Preparar local adequado. Responder às dúvidas sobre desconfortos e riscos.


Fornecer as informações mais básicas para
Ouvir com atenção e expressar empatia.
entendimento da situação.
Ser direto, evitando eufemismos ou linguagem Fazer com que a equipe de saúde e a família cheguem a uma
médica de difícil entendimento. percepção comum dos problemas.
Permitir o silêncio. Reforçar o objetivo de manter a dor sob controle.
Observar e reconhecer as emoções do paciente e Reforçar que o paciente será acompanhado (não será
da família. abandonado) e esclarecer os planos de tratamento.

Fonte: Adaptado de Manual de cuidados paliativos / Academia Nacional de Cuidados Paliativos.


- Rio de Janeiro : Diagraphic, 2009

2. Controle de Sintomas
De todos os sintomas a serem paliados, a dor é o que recebe maior enfoque, por ser considerado
um importante marcador de qualidade de vida e pela existência de protocolos bem estruturados
para a identificação de sintomas dolorosos e seu tratamento. A Escala Visuo - Análoga e a de Des-
crição Facial (Figura1) são instrumentos para quantificação da dor e a Escala Analgésica proposta
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma orientação para adequada analgesia (Figura 2).

Figura 1 - Escala Visual Analógica e de Descrição Facial

Fonte: http://enfermagemnossavida.blogspot.com.br

Capítulo 22 353
A dor chega a ser negligenciada em até 50% dos idosos e é considerada o quinto sinal vital. Em
pacientes com declínio cognitivo pode se manifestar como queda do estado funcional, altera-
ções de humor, agitação ou perda de apetite. O mecanismo de dor, se nociceptiva, neuropática
ou psicogênica e, ainda, se aguda ou crônica, auxiliará na escolha da analgesia. As medicações
são divididas em analgésicos não opiodes, opioides e drogas adjuvantes (Tabela 3). Deve ser dada
preferência a drogas com maior facilidade de administração, como as de uso oral, retal e subcutâ-
neo, especialmente nos pacientes tratados no domicílio e que apresentam dificuldade de acesso
vascular. No caso do uso da escala visual analógica, recomenda-se que a dor classificada como
moderada (4-6 pontos) já seja tratada com opioides fracos e que a dor intensa (pontuação de 7
ou mais) receba opioides fortes. Quando forem prescritos opioides, deve-se atentar para efeitos
colaterais comuns, como náuseas, constipação intestinal, sonolência excessiva, depressão respi-
ratória e prurido. Como o sintoma de constipação intestinal é extremamente comum, recomen-
da-se o uso contínuo de laxativos nos pacientes submetidos a terapia contínua com opioides. Os
opioides devem ser prescritos sempre numa dose fixa, respeitando a meia-vida da droga. Deve-se
evitar o uso “apenas se necessário” e sempre deve ser prescrita uma dose de resgaste (1/6 da dose
total) caso o controle ideal do sintoma ainda não tenha sido obtido. No dia seguinte à administra-
ção de resgastes, deve-se considerar um aumento de cerca de 30% da dose total diária prescrita,
com o objetivo de controle contínuo da dor. Medicamentos opioides não devem ser associados
entre si, a fim de se evitar a competição por receptores, prejudicando o controle analgésico.

Figura 2 - Escala Analgésica da Dor da OMS

Dor refratária a
farmacoterapia
DEGRAU 4
Dor Intensa
DEGRAU 3
Procedimentos
Dor Moderada Intervencionistas
+
DEGRAU 2 Opioides Opioides
Dor leve Fortes Fortes
Opioides + +
DEGRAU 1 Fracos Analgésicos Analgésicos
+ AINE
Analgésico AINE
Analgésicos
AINE AINE

Drogas adjuvantes

Fonte: Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto; Abr/Jun – 2012

354
Tabela 3 - Descrição de Analgésicos

Não anti-inflamatórios Dipirona e Paracetamol.


Cuidado com o uso prolongado, se necessário associá-lo
Anti-inflamatórios não hormonais sempre a inibidores de bomba de prótons (IBP). Especial-
mente eficaz nas dores crônicas de origem osteomuscular.

Especialmente eficaz na dor óssea ou na provocada por


invasão/compressão neural. Mais utilizados: dexameta-
Anti-inflamatórios hormonais (corticoides)
sona 2-4mg a cada 6 horas e prednisona 0,5-1mg/kg/dia.
Associar sempre IBP no uso continuado.

Codeína: 7,5mg a 15mg 4/4 horas.


Opioides fracos
Tramadol: 100-400mg/dia.
Morfina: dose inicial de 5-10mg 4/4 horas.
Oxicodona: 10 – 40mg 12/12 horas.
Opioides fortes
Metadona: 5-10mg 2x dia.
Fentanil (adesivo): 25-100microg/h.

Fonte: Organizado pelo autor

A taxa de conversão de opioides usados por via subcutânea/venosa para oral encontra-se na
Tabela 4. Os medicamentos adjuvantes no controle da dor estão descritos na Tabela 5.

Tabela 4 - Taxa de Conversão de Opioides

Droga Via EV/SC (mg) Via Oral (mg)


Morfina 10 30
Codeína 100 200
Fentanil 0,1 -
Metadona 1 3
Oxicodona 10 20*
Tramadol 100 120

*Morfina oral para oxicodona oral: 2:1

Fonte: Adaptado de Manual de cuidados paliativos / Academia Nacional de Cuidados Paliativos.


- Rio de Janeiro : Diagraphic, 2009

Capítulo 22 355
Tabela 5 - Adjuvantes no Controle da Dor

Tricíclicos (prefere-se a nortriptilina – iniciar com 25mg), ven-


Antidepressivos
lafaxina (iniciar com 37,5mg) e duloxetina (iniciar com 30mg).
Neurolépticos Clorpromazina (25mg/dia) e Tioridazina (10-25mg/dia).
Ciclobenzaprina (5-10mg/dia) e baclofeno (10-20mg 2-3 X dia).
Relaxantes musculares São fármacos que provocam muitos efeitos colaterais nos ido-
sos (sedação).
Destaque para a oxcarbazepina (150 – 300mg 2-3 X dia) pelo me-
nor perfil de efeitos colaterais, lamotrigina (25-100mg 2-3X ao
Anticonvulsivantes dia), gabapentina (100-600mg 1-3x dia) e pregabalina (75-150mg/
dia). Considerar que a tolerabilidade nos idosos pode ser baixa e
exigir menores doses.
Calcitonina spray nasal Na dose de 100 U pode ser útil no controle da dor óssea.
Metilfenidato Potencializa o efeito de opioides e combate o efeito sedativo.
Depleta a substância P nas terminações nervosas e pode auxiliar
Capsaicina tópica no controle de dor de osteoartrose, neuropatia diabética e neu-
ralgia pós herpética.

Fonte: Adaptado de Manual de cuidados paliativos / Academia Nacional de Cuidados Paliativos.


- Rio de Janeiro : Diagraphic, 2009

Dentre os demais sintomas a serem paliados, pode-se citar a anorexia, as náuseas, os soluços, a
sialorreia, a xerostomia, a constipação, a diarreia, a dispneia, a tosse e o prurido. A Tabela 5 resu-
me algumas recomendações para cada uma destas condições.

A hidratação e a administração de fármacos por via subcutânea (hipodermóclise) são recursos a


serem considerados quando os pacientes apresentam dificuldade de acesso venoso e não estão
em condições de receber água e medicação por via oral. Pela via subcutânea é possível adminis-
trar até 3 litros de fluidos por dia, além de opioides, haloperidol, metoclopramida, corticoides,
ranitidina e antibióticos, como ceftriaxone, ampicilina, cefepime e ceftazidima.

Figura 3 - Hipodermóclise

Fonte: www.cursoananery.com.br

356
Tabela 6 - Paliação de Sintomas nos Cuidados Paliativos

Anorexia Corticoides e megestrol podem auxiliar, de forma limitada, no ganho de apetite.


Náuseas Alternativas são a metoclopramida, o haloperidol, os corticoides e o ondansetron.
Soluços Clorpromazina (10-25mg 8/8h)
Utilizar com cuidado drogas com ação anticolinérgica: escopolamina, tricíclicos, solução
Sialorreia de atropina 1% (instilar gotas na boca) ou brometo de propantelina 10mg/g em gel (aplicar
na região retroauricular).
Xerostomia Estimular o consumo de produtos ácidos e utilizar saliva artificial.
Constipação Recorrer a laxativos osmóticos (lactulose) e irritativos (bisacodil).
Diarreia Loperamida 4mg até 4X dia.
Oferecer ar umidificado ou aumentar a ventilação do ambiente pode aliviar a sensação
Dispneia subjetiva de dispneia; suporte de oxigênio se houver hipoxemia; broncodilatadores,
benzodiazepínicos e opioides. Os corticoides podem ser usados na linfangite carcinomatosa.
Tosse Codeína 15mg 6/6 h.
Prurido Hidratação da pele; gel de lidocaína 2%, hidroxizine 25mg até 3x ao dia.

Fonte: Adaptado de Manual de cuidados paliativos / Academia Nacional de Cuidados Paliativos.


- Rio de Janeiro : Diagraphic, 2009

A sedação paliativa está indicada nos casos em que, apesar da tentativa de controle de sintomas,
o paciente apresenta considerável sofrimento físico e psicológico. Neste caso, é obtido o rebaixa-
mento do nível de consciência pela administração de fármacos, sem a intenção de acelerar o pro-
cesso de morte. A administração de analgésicos deve ser mantida. Em geral, são prescritos ben-
zodiazepínicos, como midazolam, em dose de ataque e depois manutenção em infusão contínua
e podem ser associados neurolépticos, como haloperidol ou levomepromazina, principalmente
se houver delirium. Os barbitúricos, como fenobarbital também podem ser utilizados.

3. Estudo de Caso
DIA 1 - Você é chamado para avaliar o sr. José Carlos, 77 anos, internado há 9 dias na enferma-
ria para tratamento de adenocarcinoma do pulmão direito. O tumor foi diagnosticado há cerca
de 4 meses e, na última semana, o paciente vem evoluindo com dispneia intensa. Logo após o
diagnóstico, foi contraindicada cirurgia pela existência de linfonodos mediastinais muito au-
mentados. Recebeu dois ciclos de quimioterapia, mas foi necessário interromper o procedimen-
to por ter apresentado anemia grave e pneumonia, tratadas há 2 meses. Desde o tratamento da
pneumonia, o paciente, que era muito ativo, passou a manifestar astenia crônica, evitando sair
do domicílio e permanecendo boa parte do dia sentado ou deitado. Na última semana, a astenia
tornou-se mais intensa e surgiram náuseas e lombalgia, quando procurou o hospital e foi inter-
nado. Queixa-se também de hiporexia e perda ponderal de 15kg nos últimos 4 meses (pesava
65kg e agora 50kg).

Capítulo 22 357
Ao exame: emagrecido. Lúcido e orientado. Regular estado geral, levemente cianótico, dispneico.

PA 90 X 52mmHg FC 90bpm Sat O2 (ar ambiente): 83%, com 2L O2/min: 90%

FR: 26 irpm

RCR sem sopros. Pulmões com estertores difusos. Abdome flácido.

Membros sem edemas.

Foi submetido à realização de radiografia do tórax e da coluna lombar, que estão abaixo.

Fonte: TAVARES, N.T. et al. Anais do XXI Congresso Fonte: SOUZA, F.F. et al.
Nacional de Medicina Interna, Portugal, 2015 Revistas Brasileiras de
Radiologia. vol.38 no.5
São Paulo Sept./Oct. 2005

DIA 2 - Após a avaliação inicial, foi prescrito tramadol 50mg VO 6/6 horas, mas o paciente persis-
tia com muita dor no dia seguinte. Apresentou vômitos, constipação intestinal, distensão abdo-
minal e leve confusão mental.

DIA3 - Apresentou na madrugada uma crise convulsiva. Foi solicitada uma tomografia de crânio.

Fonte: LAWSON, A. Disponível em


https://radiopaedia.org/cases/hae-
morhagic-brain-metastases

358
Para discutir em grupo e com seu professor:

1. Qual seu diagnóstico após analisar as radiografias de tórax e coluna lombar deste paciente?

2. Qual sua conduta após o que foi descrito no DIA 2?

3. Qual seu diagnóstico tomográfico? E sua conduta terapêutica?

4. Após a convulsão, como o paciente apresentava rebaixamento do nível de consciência e hipo-


tensão arterial, optou-se por intubação orotraqueal, passagem de acesso venoso central, ad-
ministração de noradrenalina e admissão na UTI. Qual sua impressão a respeito desta condu-
ta? Se este paciente apresentar uma parada cardiorrespiratória, como você conduziria o caso?

4. Conclusões
• Os cuidados paliativos se constituem em um programa multiprofissional que tem por objetivo
o controle de sintomas no contexto de doenças sem perspectiva curativa.

• É dirigido ao paciente e seus familiares, buscando a melhora da qualidade de vida e alívio do


sofrimento.

• Estrutura-se em diferentes pilares: biológico, psicológico, social e espiritual.

• Não se restringe a pacientes oncológicos, e se dirige ao controle da dor e de outros sintomas


desconfortáveis.

• A dor, no âmbito dos cuidados paliativos, deve preferencialmente ser aferida por escalas ob-
jetivas. Considerar sempre a necessidade de analgésicos potentes, como opioides em doses
suficientes para o adequado controle da dor.

Referências
American Geriatrics Society Panel on Pharmacological Management of Persistent Pain in Older
Persons. Journal of the American Geriatrics Society. 2009;57:1331.

CREMESP. Cuidado Paliativo. Coordenação Institucional de Reinaldo Ayer de Oliveira. São Paulo:
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008. 689 p.

Capítulo 22 359
ISBN 978-85-93579-05-9

9 788593 579059

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