Mestre Tamoda - Uanhenga Xitu
Mestre Tamoda - Uanhenga Xitu
Mestre Tamoda - Uanhenga Xitu
“Mestre” Tamoda
&
Vozes na sanzala (Kahitu)
CONTOS
DESTA COLECÇÃO
1 – Manana
2 – “Mestre” Tamoda e Vozes na Sanzala (Kahitu)
3 – Os Discursos do “Mestre” Tamoda
4 – Mungo (Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem…)
5 – O Ministro
6 – Cultos Especiais
7 – Bola com Feitiço
UANHENGA XITU
(Agostinho A. Mendes de Carvalho)
“Mestre” Tamoda
&
Vozes na sanzala (Kahitu)
CONTOS
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Uanhenga Xitu
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2 bundava – intercalava, interpunha (N.A.).
3 lozava – intercalava, interpunha (N.A.).
4 puto – português. De “Puto”, que significa “Portugal” em quimbundo (N.E.).
5 soba – chefe tradicional (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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6 sapatos à praia com lixa – sapatos de cor branca e preta que rangem ao andar (N.E.).
7 lungula – Ginga (N.A.).
8 kingungu-a-xitu – grande pássaro do mato, também conhecido por peru-do-mato (Kingunguaxitu ou kingungu)
(N.A.).
15
Uanhenga Xitu
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9 uákala-uá... – o chiar do sapato (N.E.)
10 kimokoto – ilharga (N.A.).
11 cumbuacumbuava – meneava (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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12 Muxaxala uanhi, inn... – Muxaxala de quê, hem?! São os putos do Tamoda, não é?! (N.A.).
13 jindunda – dicionário (N.E.).
14 sungi – lugar de serão (NA).
15 tundam – saiam (NA).
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Uanhenga Xitu
– Ninfa é quê?
– Ninfa é muchacha ou “muchachala” ...
– Xé, miúdos de merda, seus sacanas! Está a chatear mais
velho porquê? Pessoa pergunta-pergunta mais e não engula cuspe;
tundam(9) daqui!!! – disse o Bento, muito aborrecido com Kidi e seus
companheiros.
– Não, Bento, deixa os muchachos perguntarem... Eles querem
desnublar a ebiótica e etogenia.
– Está bem, perguntar também tem hora. Não deixa mais você com
o coração sossegado! E não deixa também você falar com vontade com
Mufula!
– Não faz mal, Mufula não tem cachonda16 – disse o “mestre”,
sorrindo abertamente como era seu hábito. – Vamos, meus muchacharia,
perguntem à vontade. A cabeça do Tamoda é um ndunda (ah!, ah!, ah!,
ah!) ... – o mestre dava gargalhadas.
– Perguntem sempre, não é assim, Mufula? Responde, ou estás com
entojo de domingo? (ah!, ah!, ah!...).
Kuzela e companheiros desejavam fazer mais perguntas mas tinham
medo do Bento, que conversava agora com Mufula. Esta sorria com as
pilhérias do namorado e sentia-se feliz por ser noiva do “homem de
ndunda”, como às vezes era alcunhado o Tamoda.
Alguns rapazes, para se não esquecerem do novo vocabulário
acabado de ouvir, monologavam baixinho: cachonda-cachondear...
cachonda, cachonda, cachonda, cachopa, cachopa, donzela, ninfa,
cachonda, cachondear, ebiótica, etogenia...
– Mano Tamoda, a gente só queria dizer que português de
“muchachala” está a dar porrada, então. Estão a dizer que é dis¬paratar
e mesmo no dicionário não tem...
– Quem é que disse elevíssima patranhosa? – exclamou Tamoda,
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16 cachonda – cio das cadelas e fêmeas em geral (N.E.).
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– Ah! Vou perguntar. São filho da gente e saber um outro não é mal.
Se é pessoa de respeito não vai disparatar um velho que pode ficar como
pai dele.
Tamoda, sempre que passava pelo grupo, ouvia os comentários que
faziam à volta de si, mas não queria nada com eles.
“Pessoa que vai falar com o Senhor Administrador, não vai dar
conversa com estes cavalgaduras, aqueles verdugos, fintilhos. Mesmo
aquele velho que está a falar parece-me um ‘panaça’ e querem confiança
comigo. Bom dia e já chega. Veja lá se chegar agora o Administrador
ou Secretário e encontra Tamoda em ‘croniquizamento’ com esta
‘gentalha’!... Vai pensar o Adminis-trador que Tamoda é da ‘igualhagem’
dos mucamas; e ainda vai pensar que Tamoda é pessoa de lupanar,
carambas!!! Eu não tenho empáfia, mas aqui a confiança é pouca.
Porque se um cair tem de levantar o outro, agora se todos nós cairmos
na mesma corda, por sermos da ‘igualhagem’, ninguém se salva. Por isso
Tamoda tem de ficar longe dos ‘analfabeteiros’. Lá na sanzala está bem:
mano aqui, tio aqui, primo lá e todos os cavalgaduras podem comer,
dormir, dançar com Tamoda...”, de si para si Tamoda comentava:
Do regresso de um dos extremos da comprida e vasta varanda,
passou pelo banco dos cipaios, onde estavam três deles sentados. Ao
chegar em direcção de um grupo de homens que vinham tratar dos seus
assuntos, alguém para ele se dirigiu. Tamoda parou.
– Senhor, desculpa. A gente está a ver só pessoa-que-passa, pessoa-
vai, pessoa-que-passa, pessoa-que-vai, mas cada veji pode ser nosso
filho que não conhece mais a gente. O senhor favor dizer só, se você é
de onde é?
– Sou cidadão Tamoda, que veio atender petição de Excelência
Administrador e Juiz Instrutor, por causa das “facultagem” imponente
da craveira sapiencial do Tamoda...
O velho que perguntara ficara na mesma. Apenas abanava a cabeça,
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31 cada veji – às vezes (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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32 Aka mukuá tuhaa maié!... – Alguns são pelintras, uns zés-ninguéns!... Espere, não tarda muito que fique sem
esses sapatos e o capacete à troca de mandioca (N.A.).
33 dar bengala – pedir gorjeta (N.A.).
34 dar o kitukulu – o mesmo que dar bengala (N.E.).
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38 mutu uatokala u-di-fikidila – a pessoa deve arranjar um apoio; cunha; protecção (NA).
39 kahála – zé-ninguém; coitado (N.E.).
40 putu mu putu, muene u di-ta-né? – só fala português e com uma rapidez extraordinária, é com este que te
queres meter? (N.A.).
41 carrinha – caminhonete aberta, tipo pick-up (N.E.).
42 Mixia – o mesmo que Dimixi (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
que era uma calúnia do cipaio, e continuou o seu labor. Mas Tamoda
olhava ameaçadoramente o cabo. Muita coisa lhe passava pela cabeça.
Conteve-se.
– Estes “carcinhas”44 quando sai no Luanda não fica mais com
respeito de autoridade... Hum!... Então você no gabinete e com o siô
Administrador fica com as mãos no kimokoto? – mais uma insinuação
do cipaio.
Dimixi olhou para o homem e depois para o cabo, mas um olhar
inquiridor, e voltou a assinar os papéis. Tamoda mudou da posição de
mãos cruzadas atrás (e não nas ilhargas, como lhe acusara o cipaio)
para cruzá-las à frente. Não estava a gostar da interferência malévola do
cipaio e, mais, a querer ensinar-lhe regras de boa educação.
“Eu já trabalhei como criado do Doutor Desembargador, de
generais e coronéis, de médicos de grande fama no Hospital Central de
Luanda, contínuo de ‘eminêncio’, advogados, este fintilho, mequetrefe,
basbaque, cavalgadura do cipaio, ximba45 de merda, kabujanganga46,
sundéifulo a pensar que sou da igualhagem, porquê?... Se o senhor
Administrador ainda não me atendeu é
porque está a trabalhar e não porque não me reconheceu o valor.
Porque mesmo no gabinete do Doutor Juiz Desembargador e do
Advogado onde trabalhei guardava silêncio até que o superior nos
perguntasse. Este verdugo do raio está muito enganado” – ruminava o
Tamoda.
– Ó home, você deve ficar sossegado, as mãos não fica no peito
quando está com siô Administrador, as mãos fica aqui (indicava). Você
nunca andou na tropa47, não é?
Tamoda pigarreou atrevidamente. O Mixia abandonou o gabinete,
dirigiu-se ao WC, abriu a porta, fechou-a sobre si e ali sorriu-se à vontade
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43 Tank – marca de mata-borrão (N.E.).
44 carcinhas – corruptela de calcinhas, africano que copiava a maneira de vestir dos europeus (N.E.).
45 ximba – cipaio (N.E.).
46 kabujanganga – roedor semelhante ao esquilo que exala odor desagradável (N.E.).
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– Mas explicar mais quê? Você está pensar que está na Mbanza49 do
soba ou quê? O branco disse que é documento, é documento e pronto,
para que mais explicar? Vocês rapazes quando fica já na cidade parece
já Administrador também! – disse o cabo palmeando numa atitude de
admiração.
Voltou o Administrador.
– Vá, explica lá, mas depois quero os documentos.
– Sumo, Excelência, aquele professor preto é difamoso e o senhor
chefe do Posto não inquiriu bem com a averiguação penicial a
consequência do kikema para instalar os autos ao Sr. Dr. Tudo é chufa,
é chufa. Eles têm raiva de mim porque ensino português e os miúdos
me gostam. E pessoa como interlocutor, nos termos do Código Civil,
do Código Penal, do Código Comercial, Tamoda não é mucama, não é
mequetrefe, não é grageu, não é basbaque, não é panhonho para andar
fazer trabalho de igualha cavalgadagem, sem soldo...
A autoridade depois de tanto olhar para ele... fez sinal ao cipaio
e o “catedrático” foi enxovalhado. Como documento o “interlocutor”
apenas tinha o de há dois anos. A caderneta50 do ano em curso
emprestara a um amigo, em Luanda, para se livrar das rusgas (naquele
tempo as fotos nas cadernetas não eram obrigatórias), até que arranjasse
dinheiro e pagasse o seu.
– Vais para a tua sanzala e dentro de um mês quero o imposto
pago. E deixa-te de te meteres com as crianças e seus pais. Se voltar a
ouvir que continuas com “queimaduras” e com as aulas de português
pornográfico, desterrar-te-ei para muito longe daqui.
Para a varanda Tamoda ia com as mãos cruzadas e bem aquecidas
perante a satisfação do público e sobretudo dos cipaios. – Ndandu
iami 51, quando venham aqui precisa ficar um bocado obediente...
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48 jiputu pal’anhi... – muito português para quê? Só vais irritar o branco! (N.A.).
49 Mbanza – tribunal ou palácio do soba (N.A.).
50 caderneta – documento pessoal da população africana no tempo colonial; os brancos usavam bilhete de
identidade (N.E.).
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55 nzaji – trovoada (N.E.).
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Vozes
na Sanzala
(Kahitu)
Ao Zeca:
José Mendes de Carvalho – “HOJI
IA HENDA” – filho bem-amado do
Povo Angolano e Combatente Heróico
do MPLA.
1960
PARLATÓRIO DA CADEIA
DA CASA DE RECLUSÃO MILITAR DE ANGOLA
– LUANDA
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Uanhenga Xitu
lábio quando soube da sua fuga. O Zeca de Carvalho, seu nome estava
ligado a um “terrorista separatista-racista”, como alcunhavam os presos
políticos que pretendiam separar Angola da Mãe-Pátria, tinha os passos
contados.
Falou-se que na Kibala deu-se um burburinho no autocarro do
Huambo – Luanda. Um passageiro ao ser identificado, a autoridade
franziu a testa:
– Olha lá, tu és parente do...
Antes de acabar a pergunta, respondeu o homem aflito:
– Não, não... Não lhe conheço, eu não sou parente dele. Ele é do
mato, eu não. Já no Huambo me chatearam por causa de um bandido
que na cadeia anda nas políticas; não, não, eu não, sou nada com ele...
As fronteiras muito vigiadas, caminhos controlados, os motoristas
das carreiras não inspiravam confiança. Pedem um plano... uma
opinião!... “Mas não quero que o velho Sessenta o saiba, apenas o mano
Zito!”
Lá fora serão mais úteis. Cheira pólvora no ar, rastilho para breve.
E se caírem numa emboscada como aquela dos companheiros que iam
pelo Uíje-Damba-Maquela?! Atenção que no processo da PIDE, no
tribunal, há acusação de se ter abordado cerca de 600 jovens para Gana,
via Cabinda-Brazza e Leopoldville, os quais já seguiram 100 para serem
treinados para a luta de guerri-lha!... Na altura do processo fizeram-
se todas as tentativas para uma acareação a fim de se esclarecer o que
apenas foi um plano e viu-se transformado num acto consumado...
E os sádicos agentes do crime insistiram, insistiram dias após dias
para saber quem eram os cem... Convém aguardar pelo julgamento,
marcado para todo o mês de Dezembro.
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TERMINOU O JULGAMENTO
NO TRIBUNAL MILITAR TERRITORIAL
de 20 indivíduos acusados
do exercício de actividades
contra a segurança externa do Estado
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FORAM CONDENADOS
PELO TRIBUNAL MILITAR TERRITORIAL OS 20 RÉUS
ACUSADOS DE ACTIVIDADES CONTRA A SEGURANÇA
EXTERNA DO ESTADO
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58 mbonge – dique (N.E.).
59 tchôma – chama-se, em crioulo de Cabo Verde (N.E.).
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COMUNICADO DO COMANDO-CHEFE
DAS FORÇAS ARMADAS
44
Introdução
45
Principais personagens
KAHITU – o paralítico
47
Kahitu
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60 tende nhi kubane o mbui – tem-tem para te dar uma bola de funji (pirão de farinha de mandioca, milho ou
batata-doce) (N.A.).
61 nama iabulukuta – As pernas ficaram sem acção (N.A.).
62 Kikata kia Nzambi – paralítico de Deus (N.A.).
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Igreja pediu um professor para cá, diz ao seu filho para aguardar, porque
a vinda do mestre está para breve.
– Muito bem, tiraste-me uma espinha da garganta.
Numa noite, quando já se encontrava na cama, a Mbombo segredou
ao marido:
– Mukita, ngemita dingi 67. Espero que não vá suceder mais como
na gravidez do Kahitu... Sempre te fiz lembrar para dar o banquete
ao Kituta de Kasadi68, ou oferecer um presente ao nosso Kilamba69
assistente, como vinhas fazendo das anteriores vezes... Mukita escutava
com toda atenção, fez um tossido, não interrompeu a mulher, que
continuou:
– Antes de casarmos, meus pais, ainda vivos, recomendaram
bastantes vezes aos teus para cumprir à risca essa kijila 70. Lembro-me
como se fosse hoje, quando o Kilamba recomendava aos meus sogros
e dizia: “todas as vezes que se manifestarem os primeiros sinais de
concepção na Mbombo, vocês têm de pagar o prometido que fizeram
ao Kituta, antes de ela dar à luz. O esquecimento desse preceito será
uma grande desgraça no lar”.
– E eu não tenho cumprido, Mbombo?
– Deixa-me concluir, homem! Nos primeiros filhos cumpriste,
mas quando fiquei no estado de Kahitu perguntei-te se tinham ido
ao Kilamba. Respondeste que sim. Mas não o fizeste. Enganaste--me.
E enganaste-te a ti próprio. Porque tu sofres tanto como eu ou mais,
desde que se manifestou a doença de Kituta no Kahitu.
– Mas, ó mulher, quem é que te disse que eu não paguei a
promessa?
– Mentes, Mukita. Soube-o por aquele que fingiste consultar,
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67 Mukita, ngemita dingi – Mukita, estou grávida, novamente (N.A.).
68 Kituta de Kasadi – sereia (bissexuada) do rio Kasadi (N.E.).
69 Kilamba – Kimbanda (curandeiro, adivinho) ligado às sereias que, por vezes, consagra os sobas e dirige as
cerimónias da “coroação” e das sereias; também trata e cura as doenças relacionadas com a Kituta. Ocupa um lugar
de destaque no meio social da tribo (N.A.).
70 Kijila – preceito; usa-se também no sentido de tabu (N.E.).
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Kituta
“kabande ku muxi
ma’ kakuata mbambi” 77,
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71 disanga – pote grande de barro (N.A.).
72 dimune – orvalho, água da chuva no capim (N.A.).
73 mbulu – capim alto que se usa para a cobertura de casas, entre outras aplicações (N.A.).
74 disenu – capim para fabricar cestos: tem também outras aplicações. Há duas ou mais qualidades de disenu
(N.A.).
75 musoke – capim (N.E.).
76 kabirindjindu – tipo de canário (N.E.).
77 kabande ku muxi – subiu no pau mas está cheio de frio (apesar de estar bem colocado, tem medo (N.A.).
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80 jiponda – pano do cinto; há ainda o pano de tulu, que cobre o tronco, e o pano de tandu, que cobre todo o
corpo. (N.E.).
81 Kikumbi kiatu!... – A linha da minha barriga está nítida! Apenas faltam 3 meses. Darei à luz (N.A.).
82 Kiambi – baço (NA).
83 nguua – artefacto de cordas para levar o pote às costas (NA.).
84 Enge a-ngi-bangele... – Se me fizessem, a mim, caçadora, não haveria caça que me escapasse; sei apontar
(N.A.).
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91 nga-ku-ambelami – eu não te disse, eu não te disse!? (N.A.).
92 jinginza – guizos (N.A.).
93 Muene Kasadi – Senhor das águas do Kasadi (N.E.).
94 Mamanhi’ééé! Madiuanu’ééé!!!... – Coisas que assombram, abominam (N.A.).
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95 Kindunda – fuga precipitada, geralmente de mais de uma pessoa, que provoca grande alarido (N.A.).
96 Kituta mu Kasadi... – Kituta em Kasadi, desastre em Kasadi (N.A.).
97 kiambu – desmaio; coma (N.A.).
98 Este é kilamba de nome e de profissão. Pois kilamba, além de ser o representante das Sereias na Terra, também
trata e cura as doenças relacionadas com Ituta (plural de Kituta) e, por vezes, unge os sobas (N.A.).
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99 mesene – mestre (N.E.).
100 Ngana Kasadi – Senhor das águas do Kasadi (N.E.).
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– Oxalá, oxalá, Kilamba. Já disse que darei tudo para oferecer ao seu
Deus – prometeu o velho Mbende.
– Mas, Mbende, fizeste mal convidar mais quimbandas. Não viste
desde o princípio que o caso era do foro de kituta?
– Está bem, Kilamba, mas nessas situações a pessoa lança mão a
tudo, para salvar a vida de uma pessoa. E de quem como a da minha
única filha! Tive doze filhos, morreram todos. Ficou esta Kaualende
que dei em casamento há seis meses. Contava que ela tivesse vida e me
desse muitos netos, no lugar dos filhos que morreram. Agora sucede
isso. Não acha que é de perder a cabeça?
A casa do velho Mbende estava repleta de gente como se fosse
um óbito. Aliás, as primeiras visitas que o velho recebera vinham
convencidas de irem ao óbito de Kaualende, como fora anunciado no
primeiro dia do acontecimento.
– Psiu, peço-vos não mexerem a doente. E não a forcem a falar. Se
ela ainda não o fez, é porque não chegou a vez – disse Kilamba para as
visitas, e, virando-se para o velho Mbende, aconselhou:
– Deves diminuir os doutores. Uma doente assistida por muitos
quimbandas, geralmente não se salva. E se livrar dessa situação, não se
saberá para quem vai a fama.
– Oh, Kilamba, peço-lhe não falar mais nisso. Deixe estar os
quimbandas que convidei. Porque se os irrita são capazes de me matarem
a filha que está quase a dar a voz. Conheço a vida dos quimbandas,
meu amigo. Tanto estão bem connosco de manhã, como à tarde estão
a desejar-nos a morte. Eu tenho o que chega para pagar-vos se for caso
para isso. Nada de contendas. Antes devem trabalhar em harmonia,
para que tudo corra a meu e a vosso favor. Quanto à fama, já o Kilamba
me garantiu que depois de a minha filha dar a voz confessará o que
prognosticou. Ontem, o Bangebange atirou uma piada101 que me
estremeceu as entranhas.
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101 piada – remoque, indirecta (N.E.).
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ordenou Kilamba.
Desesperada, a velha Kuinja saiu do quarto a correr, foi lançar-se ao
monturo de cinza, e, rebolando-se nele, chorava em voz alta, dizendo:
– Xanenu Bangebange! Mona u-ngi-fuila kaxinji ka imbanda,
n’akuetu. Ngana Tata? Kituxi kianhi ki-ngakuta? Kixibu uambata mafu,
kitembu ulundumuna mitanhi nhi mabanji, ma jindanji ua-ji-xila
hâdia. Kituxi kianhi ki-nga-kutà. Ku-ng’-andela o mona umoxi ‘u mesu a
nzamba? Mona u-mu-sumbula u maku a imbanda ia muhongo, ngongo
talenu?!...110
Cá fora muitas mulheres faziam coro com a velha Kuinja, perante
a indignação do Kilamba, que ora saía para as mandar calar ora estava
com a doente, fazendo-a cheirar pós mágicos e medicamentosos,
tratamento que aplicava acompanhado de preces.
A velha Kuinja e quase todas as visitas atribuíam o novo
desfalecimento de Kaualende ao velho Bangebange, afastado por
Kilamba. Momentos depois a doente recompôs-se e voltou a calma.
– Fala, Kaualende! Eu sou o Kilamba, representante daquele que
viste. Ele disse-me para contares tudo. Fala, Kaualende, sem receio.
– ... e vi uma pessoa branca, branca como a fuba de kindele! 111 Só
a vi da cabeça à cintura, estava ajoelhada na água, e tinha-me dado as
costas. O cabelo, comprido e molhado, colava-se-lhe às costas... Daí
comecei a perder os sentidos. Só as mauaia-uaia 112 me acompanhavam
no sono. Comecei a ouvir a música como que vindo de longe, e de um
mundo diferente do meu. Nada mais sei. Estou admirada como hoje
me encontro neste quarto...
– Dizes hoje, filha? Estás cá desde antes de ontem – atalhou o velho
Mbende com a cara lavada de lágrimas.
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110 Xanenu Bangebange!... – Chamem o Bangebange! Morre-me a filha por capricho dos quimban das, meus
senhores, meu Deus?! O cacimbo (a seca) faz cair as folhas, a tempestade parte os troncos e os ramos, mas sempre
poupa as raízes para o futuro. Que crime cometi para me comer (matar) a única filha e na presença desta multidão?
Roubas-me a filha das mãos (nas barbas) dos quimbandas consagrados, e todo o mundo a ver?... (N.A.).
111 fuba de kindele – fuba de milho (N.A.).
112 mauaia-uaia – sons misteriosos; sons pouco audíveis (N.A.).
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De uma dibaka 118 tirou uns pós e deitou uma pitada em cada
copo. Fez uma oração ritual e deu a beber o conteúdo dos copos aos
circunstantes, Mbende, Kuinja, o genro e a ele próprio.
Segurou num conjunto de guizos e começou a agitá-lo freneticamente,
enquanto cantava. Na canção foi acompanhado pelo Mbende e pelo
genro. O povo entrou na sala e começou a cantar também.
Meses depois Kaualende dava à luz uma menina. A recém-
nascida trazia uma mancha escura e lisa nas costas e outra na coxa,
esta constituída por umas penugens pretas. A criança era muito forte e
bonita.
Nos primeiros dias do parto, muitos curiosos acorreram à casa
da parturiente, para admirarem a célebre criança que deu a vida a
Kaualende. Comentava-se que a criança era uma kilombo-kia-hasa119,
era muito clara... quem sabe se era Kituta também?
Dias depois, a criança foi levada à nascente no sítio onde a mãe
vira o Kituta. E ali se realizou um rito (parecido com a cerimónia
do baptismo dos cristãos), e ao mesmo tempo fez-se a cerimónia de
apresentação da criança ao Muene ou Ngana Kasadi. Kaualende não
participou dessas cerimónias.
Quando Mukita pediu em casamento a Mbombo, já o velho
Mbende e a mulher tinham falecido. Contudo, Kaualende e o marido,
na presença do Kilamba, contaram a história aos pais do Mukita, que
vinham fazer o pedido.
Por ordem do Kilamba, abriu-se uma excepção à regra de decoro
que assistia àquela gente. Aos pais de Mukita foi mostrada a coxa da
futura nora.
– Não, não faça isso, Mesene Kilamba – dizia Lengelenga, pai do
Mukita.
– Não, deixa mostrar-vos os sinais da escrita mágica que Ngana
Kasadi talhou no corpo desta vossa privilegiada Mbombo. Fá-lo para
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118 dibaka – tigela ou prato de madeira (NA).
119 kilombo-kia-hasa – albina (N.A.).
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Uanhenga Xitu
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123 Kioso kiuambe... – Tudo o que disser. Senhor Kilamba. O compromisso vai connosco, damos-lhe de comer e
de beber, arranjamos-lhe cama e havemos de untá-lo e perfumá-lo com os melhores cosméticos (Obs.: o compromisso
é tão importante que é tomado como um ser sobrenatural.) (N.A.).
68
Kaxena124
69
Uanhenga Xitu
Qualquer dia às mães deles vai nascer também um filho como eu.
Esperam só...
– Ki-iii, kika uió!128 – outras crianças gritavam para o paralítico,
que ainda não tinha parado de regatear o primeiro gozo.
– Esperam! Se vos apanho ngi-mi-bosola129. São outros bichos,
chamam-me kika porque eu sou kikata (Kahitu soluçava). Aquele
filho do mano Gaspar vai apanhar hoje mesmo. O pai dele já me deu
ordem.
Kahitu já estava um pouco crescido. Como os seus contemporâneos
se ausentavam para a Escola, lavras e a outras ocupações, as únicas
pessoas com quem mais contactava durante adia eram as crianças.
Era com elas que jogava a dimbuela, kimbokadi, kindembele 130, e com
um baralho de cartas pintadas por ele mesmo. Também jogavam para
disputar castanhas de caju.
Por mais que exigisse respeito, os garotos só obedeciam no momento.
E um ou outro, às vezes, andava à pancada com os gozões, em defesa
dele.
Kahitu foi durante muito tempo, ou toda a sua vida, o “mestre” das
crianças. Ensinava-lhes diversos jogos, como fazer e armar os laços para
caçar pássaros e esquilos; como atirar pedras aos embondeiros, para
arrancar a mákua 131; como nadar. Ele não sabia nadar, mas em terra,
ou na água que lhe chegava até ao pescoço, ia dando as instruções aos
seus pupilozinhos. Ensinando-os a fimbar132, nadar de costas, a nadar
de lado e mais outras modalidades.
Ainda ensinava os seus amiguinhos a fazer arcos e flechas para caçar
gafanhotos e passarinhos. Na bola, ele era o “refi”133. Às vezes fazia a
____________________________________
128 Ki-iii, kika uió! – (estribilho) Aí vai o aleijado! (N.A.).
129 ngi-mi-bosola – piso-vos (N.A.).
130 dimbuela, kimbokadi, kindembele – jogos regionais (NA).
131 mákua (ou múcua) – frutos do embondeiro ou baobá (N.A.).
132 fimbar – mergulhar (N.A.).
133 refi – centroavante (do inglês half ) (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
____________________________________
134 kiper – goleiro (do inglês goalkeeper) (N.E.).
135 guita – corrida (N.E.).
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Uanhenga Xitu
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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Escola
____________________________________
139 João de Deus e Deveres dos Filhos – respectivamente, 1.ª e 2.ª parte da cartilha (N.A.).
140 miekeieke – miúdos, garotinhos (N.A.).
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Uanhenga Xitu
era bem grande, mas a maior parte dos papás não pagavam a
mensalidade do professor. E, assim, o “tamborileiro” viu-se novamente
embaraçado.
Como a Escola da sua sanzala não podia manter o professor, os
alunos passaram a frequentar a antiga, longe daí, o que só era possível
aos alunos que podiam caminhar quinze ou mais quilómetros, ida e
volta, diariamente.
Quando isso sucedeu, o rapaz já estava no meio do livro da 3.ª
classe, e resolvia bem as quatro operações e alguns problemas. Muito
triste, passava os dias que se seguiram ao encerramento da Escola.
Tinha de voltar para o meio dos miúdos. Eram os companheiros mais
chegados, embora indesejáveis.
Antes da Escola, durante muitos anos, Kahitu frequentara, como
lugar de passatempo, a oficina de um velho ferreiro que fazia facas,
machados, catanas141, agulhas para fazer cestos e balaios, arpões, chuços,
enxadas e mais outros artigos.
De vez em quando, o ferreiro convidava o rapaz para dar ao fole. E
dava conta. Chegava a tocar batuque com o muanzu 142, e era tanta a sua
habilidade que fazia admirar os homens batidos na profissão. Quando a
ditenda143 estivesse cheia de fregueses, dizia o mestre:
– Kahitu, sobe no muanzu. Faz dançar essa gente!
O rapaz rastejava-se, dirigindo-se ao muanzu. E, todo sério,
perguntava à assistência:
– Que batuque quer, de itonda144, de kalembe145, ou quê?
– Seja qual for – respondia a clientela.
E viam-se os músculos do peito e dos braços, bem desenvolvidos,
a mexerem-se com os movimentos que ele executava no fole. As brasas
____________________________________
141 catana – facão (N.E.).
142 muanzu – fole (N.A.).
143 ditenda – oficina; tb. fábrica (N.A.).
144 itonda – dança regional exclusiva para mulheres (N.A.).
145 kalembe – dança de crítica social que se praticou entre 1903 e 1912 na região de lcolo e Bengo, composta a
partir de palavras sem nexo e do batuque mágico dos quimbandas (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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Uanhenga Xitu
– Kàxêêê!...
– Anh! Tu também? Não vai ficar muito tempo, vou-te apanhar.
Logo no sungi 149 vou-te arrastar até na casa da tua mãe. Quando nasci
com a Kialenguluka nem tu contavas de ser fabricado, sô “cabinji”150...
Tens os cabelos como lambidos por uma jibóia, sacana de merda. Eu
vi a tua mãe namorar e a ser levada para a casa do teu pai, não brinca
comigo, sô “cabinji”. É a tua mãe que deves chamar Kuxena.
– Kàxêêê!... – gritava o miúdo, sorrindo e fazendo caretas.
– Continua, sô “cabinji”! Kaxena é a tua mãe Kialenguluka. O dia
que pisares os pés nesta oficina, vou-te meter um ferro quente na boca.
Juro, palavra de honra! Só se este embondeiro que serve de oficina não
tem ouvidos... Vejam lá, um garoto daquele que vi a mãe nua, nós
ainda novos lá na cacimba, e o sacana, hoje, a chatear-me também?!...
Muita garotada em idade não escolar passava o dia na ditenda.
Alguns filhos eram deixados pelas mães ao cuidado de Kahitu. Todos
traziam as suas merendas e recreavam – brincando e jogando – em volta
do embondeiro, até que os seus familiares voltassem das lavras.
Aos mais adultos, o mestre utilizava-os para pôr carvão no fogo,
apagar brasas, e outros eram empregues no muanzu.
Ainda tinha um grupinho que servia para impedir que os garotos
mais fracos fossem batidos pelos mais fortes – a sua “polícia”.
Os filhos deixados sob tutela de Kahitu estavam bem entregues. As
mães ficavam satisfeitas com a ama. Da merenda que deixavam para os
filhos, as mães contavam já com o mestre.
A “polícia” do mestre ferreiro, composta por miúdos de cinco a oito
anos de idade, às vezes não podia agir contra os gozões, malandrões que
alguns deles já andavam na Escola.
Mas ai do miúdo que não fosse pupilo do mestre e viesse brincar
e criasse desordens entre os seus protegidos! Era amarfanhado pelos
____________________________________
149 sungi – lugar de serão (N.A.).
150 cabinji – parvo (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
____________________________________
151 mabeku – chacais (N.A.).
152 makamba – instrumentos de caça, lanças.
153 makumba – fechaduras, cadeados.
154 isaku – agulhas para fazer cestos.
155 isomenu – instrumentos de ferro ou de madeira para fazer esteiras, portas de palha.
156 jinvu – podões; foices.
157 ndjabltu – machadinha.
158 jipenze – instrumentos de caça; lanças com ganchos (arpões).
159 maxalu – machados.
160 matemu – enxadas (N.A.).
161 kuseta – jogo tradicional utilizando um tabuleiro com 28 buracos (kiela) (N.E.).
162 muá-muá ua kisaka – pêlo de porco-espinho (N.A.).
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163 mu amoxi... – regras do jogo: 1.°, 2.°, 3.°, 4.° (a interpretação do restante é ambígua) (N.A.).
164 cuobando-os à onça – pé ante pé, sem fazer barulho (N.E.).
165 Kiatenge! – Mexeu-se! (N.A.).
166 kapokona makondo – outra modalidade do jogo de kindembele (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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167 Lelu, nga-ku-kuata... – Hoje apanhei-te; eu sou o kaxena? Quem é o kaxena? Fala, quem é o kaxena?!...
(N.A.).
168 juados – traquinas (N.A.).
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Cartório
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transpirava.
– Mas quem foi o malandro que gritou aí pela janela? – perguntou
a dona de casa.
– Foi o filho da Kanzenze, lá vai a correr...
– Vamos continuar com a nossa carta, mano Kahitu. Não deves
ligar a estes garotos, ainda pioras. Eu me encarrego de passar pela casa
da Kanzenze, não te irrites mais. Estes miúdos são autênticos diabos;
com tanta surra que levam, nunca se emendam!...
– Ainda há dias dei uma porrada de cagar bichos ao filho da
Kialenguluka. Faltava-me um bicho, agora aparece mais esse a chatear-
me. Está na minha lista...
Terminado com o correio das velhas, seguiu com o das novas. Em
geral, todo o aluno que nasceu e cresceu na sanzala e lá estudou, já
provou a situação embaraçosa em que se vê, quando lhe ditam em
quimbundo uma carta para ser feita em português.
Elas, as velhas, não sabem falar português, mas procuram corrigir
certas passagens da carta! Talvez guiadas pelo sentido dos seus escreventes
permanentes.
As velhotas não gostam dos escreventes que se libertaram há pouco
da Escola. Dizem elas que as cartas que escrevem os moços não têm a
consistência nem a pausa, tal como o fazem os adultos. “– Você escreveu
só, mas vou mandar ler mais no tio Chico (velho).” Alguns chegam de
dizer isso e mais alguma coisa.
– Kiaiangô, chegou a tua vez – gritou o mestre.
A moça, muito bonita e de maneiras modestas, entrou no quarto
onde funcionava o escritório e viu:
O mestre próximo da janela, debruçado sobre uma mesita com
tampo de caixote e pernas de pau de paku170. Como toalha, a mesita
estava coberta de velhos jornais de Portugal, Diário da Manhã 171. Ele
____________________________________
170 pau de paku – madeira muito resistente usada, em geral, na construção (N.E.).
171 Diário da Manhã – jornal publicado em Lisboa no tempo de Salazar: órgão da União Nacional, o partido
criado por Salazar (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
sentava-se num caixote. Tanto a mesa como o que servia de banco eram
de altura relativa à sua estatura e ao jeito de se comportar junto dos
móveis. Na mesa estavam dois tinteiros: um de vidro, do tempo de
“Luís XV”, e outro, já velho, de madeira envernizada, com três bocas
abertas, e tendo ainda um lugar para pousar as canetas, no qual estavam
três bem grossas. Tinham sido oferecidas pelos amigos, em serviço nas
cidades. Na mesa, ainda se viam duas pedras de sossoua172, bem lisas e
redondinhas, que faziam a vez de pesa-papéis e, às vezes, serviam para
tirar aos ganapos-mangadores. A cama de jipapa173, mizalumuna174 e
kitanda175, tinha um colchão: dois luandos, um de kalangala e outro de
kuzala176. Na cabeceira da cama, fazia a vez de almofada e travesseiro: um
tronco de kixingu177, entre os dois luandos, com a medida da largura da
cama. Na munhunga178 estavam pendurados um pano, camisa, calções
e outras roupas. Num dos cantos do quarto, havia, encostado à parede,
um baú velho, sobre o qual estavam volumes de livros já carcomidos e
um pequeno candeeiro de lata.
Desde que Kiaiangô entrou, observava o quarto do mestre com
muita atenção. E, se não fosse o interrompimento das companheiras
que esperavam na sala, ela continuaria a mirar.
– Então, Kiaiangô, desde que entraste não falas para abreviares as
outras, o que estás a fazer?
– O Kahitu está acabar de escrever uma carta. E vocês já sabem
quando se lhe interrompe, corre connosco.
– Quem tem pressa vai’mbora! – observou Kahitu.
– Falamos só. Pronto, fazes primeiro o teu trabalho. Se formos,
____________________________________
172 sossoua – pedras brilhantes e redondas (N.E.).
173 jipapa – forquilhas de cama; “finca-pé”.
174 mizalumuna – travessa de cama.
175 kitanda – estrado (N.A.).
176 uando de kalangala e de kuzala – esteiras que se estendem sobre o estrado: o de kalangala fica por cima do
de kuzala (N.A.).
177 kixingu – tronco seco de madeira fofa e leve; acha (N.A.).
178 munhunga – corda (N.E.).
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____________________________________
179 O mbuiji... – A paca come o capim de que gosta. Por que ele insiste tanto comigo? (N.A.).
180 kambundu ka musanga – grão de missanga (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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181 Ambanjiná – Ora bolas! (N.A.).
182 Eme kima! – Não interessa! (N.A.).
183 mutambi a mbiji – pescador (N.A.).
184 mutu uzuela o kidi kiê – a pessoa diz a sua verdade (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
Kizuba é feiticeiro e dança com a mulher mais velha, e é quem é que vão-
me dar para ficar com ele. Esta mulher anda comer os filhos das outras
comborças 190. É nesta casa de conversa que eu vai ir?...”
– Dá mais papel, este não chega – interrompeu Kahitu e continuou
a escrever:
“... Vai aí com o tio Banda um bocado de castanhas de caju, mbombó
de mandioca 191, doze mangas e algumas batatas-doces, assadas. São os
meus pensamentos. Minha irmã Anhica manda muitos cumprimentos, e as
pulseiras também lhe dei duas.
A filha de Jingondo lhe deram uma barriga na casa do pai dele. A
Nzamba lhe querem num rapaz de Malambo. A Sangue já foi no homem,
mas passou uma conversa grande. Você pergunta na Catidi? A Catidi vai
já lhe trazerem no rapaz dele, depois de cortar a mbala192. Cumprimento
para o primo António e mano Cundinda. Mais nada. Manda resposta na
terça-feira sem falta. Tua namorada que lhe gosta muito no coração,
Kanvula”.
– Pronto, acabei a carta. Mas você sabes porque o teu pai não gosta
do Mbenza?
– Costumam dizer que é por causa dumas conversas que passou
muito tempo com meu avô e avô do Mbenza. Eles já morreu. Eu tenho
coisa com isso?
– Eu vou contar-te:
O teu avô e o velho Dixinde andaram namorar a mesma mulher.
Depois a mulher ficou com Dixinde. Mas o teu avô jurou que a mulher
não ficava com ninguém. A rapariga, no primeiro parto, morreu com o
filho na barriga. Passou barulho grande.
Disseram que o teu avô é que feitiçou. Então lhe insultaram e lhe
bateram no óbito, nos parentes da falecida e mais nos parentes do velho
____________________________________
190 comborça – concubina (N.E.).
191 mbombó de mandioca – mandioca fermentada (N.E.).
192 mbala – sorgo (N.E.).
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Uanhenga Xitu
Dixinde. Desde esse dia o teu avô que ficou sujo, deixaram de falar com
a família do Dixinde. Esta maka193 passou no ano que você nasceste.
Mas antes de passar a conversa, o teu pai com o pai de Mbenza eram
amigos. Mas os pais deles obrigou os filhos não falarem também.
Então, quando os dois velhos já morreram, os vossos pais começaram a
se cumprimentar outra vez. Na hora de morrer o teu avô, ele chamou
todos os filhos e disse que nenhuma pessoa da família dele vai amigar
na família do Dixinde. Porque aquele que não cumprir a minha ordem
vai ficar com azar até morrer. Agora aparece esse vosso namoro. Teu pai
tem medo que você vai morrer de parto ou te vai acontecer uma coisa
muito triste. O pai de Mbenza é da Igreja e não liga estas coisas. É assim
como se passaram as conversas, o que falta você um dia vai saber....
– Mas eu nada sei dessa conversa, e não tem nada com ele.
– Eu estou a pensar que os teus pais vão-te dizer, só estão esperar o
dia. Eles estão-te ainda a pôr medo para ver se você larga a namoração.
Mas se eles adivinharem o teu pensamento que aceitas ser raptada, vão
te dizer logo. Porque se você eras uma bisneta, talvez as coisas iam de
outra maneira. Agora, você neta daquela que deixou a ordem, as coisas
estão muito fresco, Kanvula. Vais perguntar o teu tio Makoza...
As outras moças que esperavam na sala entraram depois da saída da
Kanvula. O mestre leu as cartas que uma trazia, para esse efeito.
Na véspera e dia de comboio194, o trabalho de Kahitu começava
com o escrever e o ler cartas de parentes, pessoas amigas e conhecidas.
Como recompensa, recebia, de vez em quando, algumas ofertas, por
exemplo: batata-doce, mandioca, castanhas de caju, milho e outros
mimos; também açúcar e pão, que os filhos da cidade enviavam para
os seus. Recebia as ofertas quando as “clientes” se lembrassem dele,
porque Kahitu trabalhava por “amor à arte”. Às vezes, quando os
amigos regressavam das suas ocupações, lá longe da terra, ofereciam-lhe
____________________________________
193 maka – briga; discussão (N.E.).
194 dia de comboio – a passagem do trem, que se dava três vezes por semana, era um pequeno acontecimento
(N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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198 Miti – par (no jogo de kaluila, dois cacos com a mesma face) (N.A.).
199 Dinake – oito (N.E.).
200 Uabele... – Perdeu... (N.A.).
201 Uabele a-mu-luila – Quem perdeu dá um ponto aos outros (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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202 Dikuinhi – dez (N.E.).
203 Dikuba a-di-luila – exclamação que indica a superposição de dois cacos no jogo de kaluila (N.E.).
204 Ngima!... – linguagem enigmática e obscura (N.A.).
205 Ngltunda’nzo... – Saio de um buraco, passo noutro e entro neste... (N.A.).
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206 kipapa – parede (N.A.).
207 Amba kooo! – Fala então! (N.A.).
208 Kaná – não (N.E.).
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Kizolexa209
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Uanhenga Xitu
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212 makota – conselheiro do soba (N.E.).
213 disanza – largo; lugar de reunião, de justiça (N.A.).
214 de maka – em apuros; com problemas (N.E.).
215 disungi – local de passeio, de recreio (N.E.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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216 kubatekela – ato de parir filhos uns atrás de outros (N.A.).
217 kinzangala – casa onde dormem ou se reúnem rapazes ou moças solteiras (N.A.).
218 makudi – solteiros (N.A.).
219 kisoko – acordo entre famílias pelo qual seus membros tratam-se sem cerimónias, não reconhecendo idade
ou condição social; de início tal acordo tornava lícitos inclusive alguns actos atentatórios à moral (adultérios,
roubos e até sevícias). O kisoko é firmado entre famílias ligadas seja por parentesco (transmitindo-se, nesse caso, aos
descendentes), seja por amizade (não se trans mitindo aos descendentes) (N.A.).
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Uanhenga Xitu
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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227 Ambanjiná – Ora bolas! (N.E.).
228 undumbu uá moxi – suas vadias de merda (N.A.).
229 mataku – nádegas (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
– Eh diiala dia ngunza! 230 Se a gaja tem munvu 231, manda já entrar
depressa para eu vir já cortar!...
A gente ria-se das piadas da mukuá-kisoko, e também do
acontecimento invulgar.
Ê mentira! Sange era bem menina. O que o mundo não esperava era
que, mesmo com esse espectáculo, o marido não conseguisse realizar o
acto. Estava nervoso...
O mundo falou, criticou e xingou. Até no feitiço, que os namorados
destronados teriam feito para vexar o marido da Sange, falaram.
Foi a intervenção de Kahitu, por intermédio da Saki, que conseguiu
que a Sange cedesse. E era menina, apenas tinha tomado aquela decisão
por ter sido raptada contra a sua vontade.
A história é grande. Voltemos, pois, para Saki, mas não para contar
o diálogo que ela teve com Sange. Porque essa história dá para rir,
lagrimar e estatelar-se no chão, morto de tanta risada! Puf... porque
história contada pela boca da Saki e ajudada com os seus gestos
característicos (por mais murcha que se torna na boca de outra pessoa)
dá muita graça.
As declarações de amor para Saki continuavam a chover, quer por
cartas e directamente, quer através de jipoxi 232. A moça era prendada.
Além da esperteza, sabia capinar bem, tinha muitos conhecimentos
culinários, fazedora de ibandu 233, jingalu 234, ikumba 235, matamina 236
e inda 237.
____________________________________
230 Eh diiala dia ngunza! – O homem corajoso! (N.A.).
231 munvu ou muvu – membrana vaginal que por vezes é tomada como hímen, e que impede o coito e a
concepção. É uma doença que se trata com intervenção de uma cirurgiã (geralmente uma velha kimbanda) que
opera sob um ritual (N.A.).
232 jipoxi – intermediários que se encarregam de tratar de assuntos de namoro (tb. Advogados,conse-lheiros,
alcoviteiros) (N.A.).
233 ibandu – artefactos de palha e fibra, para joeirar, estender cereais, fuba, etc.
234 Jingalu – balaios.
235 ikumba – cestos grandes.
236 matamina – cestos médios entre ngalu e kinda.
237 inda – cestos maiores que as matamina e menores que asikumba (N.A.).
101
Uanhenga Xitu
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238 maka’a anandenge... – problemas dos filhos, aborrecimentos para os pais (N.A.).
102
Sai njimu, sai hete
____________________________________
239 Há o Sábio, há o Prudente. / Há Sábio para resolver makas (discussões) / Há Prudente para resolver makas. /
O Sábio é intérprete, (às vezes) destruidor (velhaco) / O Prudente é edificador, conselheiro / A cadeira do Sábio, seu
lugar é na Mbanza / O banco do Prudente procura-se na sanzala. / De um Prudente pode nascer um Sábio / Do
Sábio não nasce um Prudente (N.A.).
103
Uanhenga Xitu
mim!
Os olhos de Kahitu olhavam os de Saki. E os de Saki aos de Kahitu.
Ficaram quase um minuto nessa posição estranha, como se estivessem
a hipnotizar-se. A moça resistiu à brincadeira: muemou240 e desviou a
vista. O mestre mantinha-se calado e sério.
– Fala então, que quer, as outras está na minha espera. – disse a
rapariga, cortando o mutismo.
– Não quero nada, pode sair, e obrigado – a moça saiu e juntou-se
às amigas.
Por todo o caminho falou pouco. Estava intrigada com a atitude
do mestre. Procurava descobrir porque Kahitu lhe fizera elogios e, em
seguida, aquele jogo de olhos...
Dias depois daquele incidente, Saki voltou, de dia claro, ao quarto
do mestre, a fim de lhe ler e responder uma carta, vinda de mais um
cavalheiro.
– Mano Kahitu, me lê ainda esta carta e dá resposta também.
A resposta já sabe: “o homem para mim ainda não nasceu”. Não
ponha nem tira palavra. Ê só isso que escreve...
– Mas porque não quer os rapazes?
– Eu não quero, mano Kahitu, ainda não sentiu vontade para ter
home. Dizer sim um rapaz é ficar com dívida no coração...
– Quer dizer continua fazer sofrer os corações dos rapazes, não é?
E se um dia aparecer um rapaz zangado que te rapta como fizeram a
Sange?
Saki riu-se abertamente como era seu hábito, e respondeu:
– O home que me rouba como está na moda não ficava com mulher
em casa. Ficava com uma cobra. Burra é Sange, que demorou tanto dia
e não fugiu. Mas esse home que vai roubar, comi-lhe o quê dele? “Jitaiji”
jatumisa jibixa, jipulsera, kitadi, mixinga, ma’ eme: lêmbua-lêmbua 241.
____________________________________
240 muemou – sorriu (N.A.).
241 “Jitaiji” jatumisa jibixa... – Os namorados têm oferecido, sempre, brincos, pulseiras, dinheiro, mascotes para
os pulsos, mas, cá comigo, é escusado (taiji – namorado, é calão) (N.A.).
104
“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
105
Uanhenga Xitu
como tu, depois do meu pai e irmãos. É minha vontade, Saki, que
antes de deixar este mundo... (ficou muito tempo parado e suspirou)...
Antes de deixar este mundo, gostaria de ver, simplesmente, os peitos de
uma rapariga nova. (Ao ouvir isso, Saki sungou nzuna 243 e mudou de
posição.)
Kahitu continuou:
– Desculpa-me, Saki. Eu nasci e cresci sempre aleijado. Confesso-te
que, em toda essa minha vida de sofrimentos constantes, nunca vi os
peitos de uma rapariga nova. Nunca tive coragem de fazer um pedido
desse. Porque fico receado de que a rapariga se zangue, me xingue e vá
contar-me ao povo. Como sei que és amiga, mas amiga de confiança,
confesso-te o que sinto. É só ver...
A moça, tão vivida, espertalhona e sempre de resposta na ponta da
língua, mantinha a cara para baixo, o olhar no dedo grande que cavava
um buraco no soalho nu.
– Saki, dizes alguma coisa! Aceitar ou não, um segredo de morte te
peço. Porque, se um dia revelares a alguém este meu pedido, suicido-
me. Porque se os insultos dos miúdos quase que me tiram a vida, o
que fará uma denúncia dessa forma? Tu não me quererás matar, não
achas?...
– Não – respondeu, abanando a cabeça, num gesto negativo.
– Fala, se aceitas ou não... – A moça continuou calada, com aspecto
de muito envergonhada.
– Sei que aceitaste, mas custa-te. Nas mulheres é assim mesmo, o
silêncio é consentimento.
O “mestre”, sentado à cabeceira da cama, xenou244 até ao outro
extremo, onde estava encostada a moça e pegou no pano com que Saki
cobria o tronco.
– Dá licença (ia jitunando245 o pano).
____________________________________
243 sungou nzuna – franziu a testa (N.A.).
244 xenou – rastejou, andou de rastos (N.A.).
245 jitunando – desamarrando (N.A).
106
“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
107
Uanhenga Xitu
Uma reunião sem a Saki não tem expressão de vida. Foi preciso
mandar-lhe recados para voltar à “escola de civismo”. Mas não se
mostrou tão animada como antes.
Kahitu tinha descoberto um brinquedo. Fazendo pedidos constantes
à moça, para o deixar observar os peitos. Bastou a primeira vez para
Saki se deixar embalar. E o astuto mestre observou, observou, observou
e ela, já sem o ndjungu247 na face, foi deixando, deixando, deixando...
Saki, mesmo soberba, como era alcunhada pelos rapazes, tinha os
seus amigos, e mantinha-os à distância quando quisessem ultrapassar os
limites da amizade.
Meses depois a moça começou a aparecer mais bonita e atraente aos
olhos do povo. E mais conquistadores apareciam, atraídos agora pelo
kikumbi.
Aparecia espaçadamente às reuniões. Sentia muita moleza e
náuseas matinais. Uma vez ou outra aparecia no sungi para comandar
os brinquedos da juventude. Gozava de muita simpatia da parte dos
garotos. Sabia entoar muitos cantos regionais.
“– Dia njila, dia njila ué
– Dia njila
– Tat’ etu ku muiji ué
– Dia njila
– Mam’etu ku muiji ué
– Dia njila”248
Uma noite, no sungi, ela cuimbilava249 esta canção aos seus meninos.
Estes respondiam em coro à voz da mestra. Trazia os panos bacados. Um
outro pano enrolado sobre as ancas que se moviam com os movimentos
que a brincadeira exigia.
O luar muito claro iluminava as formas da menina soberba.
____________________________________
247 ndjungu – medo, receio, pudor (N.A.).
248 Dia njila... – canção popular (N.A.).
249 cuimbilava – fazia cantar; cantava o solo (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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Uanhenga Xitu
– Eme nguam’ami ue
– Ndolonga
…………………………
– Kaiala ualembeel o môngua.
– Ku ulo ué
– Usau ua-mu-kuata
– Ndolonga.
Kaxéé...
Uééé... lelé Kaxé
Kaxe ka mbala Tumba
Kaxe ka mbala Samba
Kixima kia muenge
Nimbala dia Alunga
Eie boba nudum... eie boba ndum...
Nhungunuka:
Nzele nzetu
Mbandu ia kamukua Nzelele nzetu
Ba akutekula
Teku teku teku
Ba akuzakula
Zaku zaku zaku
110
Kisoko
111
Uanhenga Xitu
não é?
– Ai, sua porca, ordinária, vens tentar-me? Daqui a pouco abandono
o trabalho e vou andando!
– Vais para onde, tu não tens casa nem marido? Inh, fala, para
onde?...
A velha Buanga levava o caso a brincar, como é hábito nesse preceito
de kisoko, onde os gracejos não respeitam idade nem condição social.
Porém a Saki estava tremida; sempre que a velha quisesse dizer qualquer
coisa, ela manifestava inquietação.
– Fala, tens ou não homem?
– Chatiça!258 Estás a oferecer-me homem, és tu que me arranjaste?
– Ó pá, não digas isso. Foste a rapariga mais cortejada nestes últimos
tempos, e nenhum homem te serve. A tua resposta foi sempre que “o
homem para mim ainda não nasceu”...
– Pronto, Buanga, gira259!
– Não me corras como uma cadela. Irei quando me apetecer. O
kisoko foi adquirido desde os nossos avoengos, para falar o que a gente
quer. Só vou se me deres um pouco de mukunza260, resolve! Porque
quero soltar a língua...
– Está bem, dou-te a mukunza e está a andar.
A moça tirou umas mãos no monte de pône261, e deitou-as na ponta
do pano da Buanga. Esta, antes de sair, inclinou para o ouvido da
rapariga e ciciou:
– Mas, mukuá-kisoko, confessa-me! Com estas mamas rijas, cara de
três meses, e esta mbunda 262 a volumar, não estás mesmo grávida?
– Aia-iaiaiaia, tunda-tunda, kumita kumita nh’eie enge nhi
mulenge?...263
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258 Chatiça! – Porra! (N.E.).
259 gira! – desaparece! (N.E.).
260 mukunza – canjica (N.E.).
261 pône – milho pisado e preparado para fazer fuba ou matete (N.A.).
262 mbunda – nádegas (NA).
263 Aia-iaiaiaia... – Ai, ai, sai-sai, engravidar, engravidar, é contigo ou com o vento? (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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Uanhenga Xitu
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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265 ngifi (jifi, jingifi, jifika) – planta fibrosa (NA).
266 midimba – sulcos provocados por vergastadas (N.E.).
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Uanhenga Xitu
– Mandas parar porquê? Não vês que esta diuta 267 sujou o nome
da família, e ainda estás a acudi-la? Pelos vistos estou a ver que sabes da
conversa!
– Não me acuses, Baku, nada sei. Estava a dizer que, logo, era
capaz de arrancar-lhe a confissão com a ajuda de outras pessoas. Não a
castiguem mais, peço-vos! – pedia a mãe, de joelhos e entre lágrimas.
– O que achas estranho, Baku, neste caso tão vulgar e que se dá com
muito boa gente, e...
– Cala-te! Estes casos deram-se desde sempre, e não deixaram de
ter o castigo merecido, e dependia da maneira como se davam, porque,
nos tempos passados, casos como estes, alguns deles pagavam-se com
a morte do atrevido rapaz, e da rapariga que vexasse uma família de
respeito; assim se fazia para o mal não passar aos outros filhos, não
acham? – perguntou, olhando para os circunstantes.
– É assim mesmo, e ainda hoje não está totalmente acabado esse
castigo. Porque, a filha que faz baixar a “crista” dos pais, seu corpo servia
para fórmula mágica dos feiticeiros e dos quimbandas – respondeu um
dos velhos.
– Pouca-vergonha, pouca sorte é a minha! Na sanzala andarei de
cabeça baixa. Para as lavras sairei de madrugada e de lá voltarei à noite.
Feito fugitivo, por mau passo de uma filha que não soube honrar a casa
dos pais – lamentava Baku.
– Mas porque é que esta Saki não confessa o nome do rapaz?! Pois
que aqui é onde reside a complicação toda, ai que azar nosso! – interveio
uma tia, cortando a palavra ao Baku, que, em seguida, prosseguiu:
– Ainda mais isso!... Cometeu, conta a verdade aos parentes, não
conta! Quando ela se viu nessa pouca-vergonha, valia mais que se
entregasse à casa do criminoso. Nada feito, nem uma nem outra. E
com que cara posso eu olhar para o povo, ela que não tem namorado,
pelo menos conhecido em casa? Porventura serei eu o acusado dessa
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267 diuta – víbora (NA).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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268 Ai Baku... – Ó Baku, não faças isso! Larga, deixa, Baku! Estrangulas a filha na presença de pessoas? Um pai
pinta a cara mas nunca o coração (N.A.).
269 Tulama, kulama... – Calma, sossega Espírito sanguinário, arreda!... Calma, sossega (N.A.).
270 kiledi – ama (N.A.).
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Uanhenga Xitu
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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Uanhenga Xitu
mais uma vez a voz da complacência venceu-me. E nada fiz. Desde esse
dia criei ódio de morte ao kikata. Nunca mais fui às reuniões. E nunca
pensei que ficasse neste estado. Porque em primeiro lugar ele é um
kikata. E, por último, como ouvimos dizer das cunhadas, mulheres de
kisoko, de amigas já casadas e dele próprio, Kahitu, uma muzelekete 272
não concebe no primeiro contacto com o homem. Mesmo no dia em
que a Buanga despertou-me a atenção, não temi tanto, porque a gaja
era de kisoko. Ainda hoje, amiga Sange, tenho as minhas dúvidas de que
seja filho o que está nesta barriga (apalpava-a com os dedos). Deve ser
um kikata.
Logo que acabou o relato, mudou de posição sentada, e estirou-
se no luando, fazendo almofada as coxas da Sange, que continuava
xaxatando273 os cabelos da amiga.
– Olha, minha grande amiga, para evitarmos maior escândalo,
atribui-se o seu estado ao Bonga ou ao Miguel ou ao Chico. Porque, se
confessar o nome de Kahitu, a indignação do público crescerá, e o coitado
que sempre quiseste agradar ver-se-á em apuros incalculáveis. Se tiveste
pena dele, agora deves ir até ao fim, poupando-o do linchamento, por
parte dos cavalheiros que te namoraram, e dos olhos dos feiticeiros que
nessas ocasiões aproveitam razões para os seus fins maléficos. E estou
certa que Kahitu cometeu sem contar que havias de ficar grávida...
– Não. Criei agora vida. Direi a verdade. Dizem os velhos que
atribuir uma barriga a outro homem, quando se tem conhecimento
que não é o autor dela, no dia de dar à luz a parturiente não aguenta
e morre. Nestas condições, citar o nome de um daqueles moços era
o mesmo que aceitar o suicídio que procurei evitar. Se uma mulher
grávida tiver relações com outro homem, é o suficiente para causar a
morte, no dia do parto; o que acontecerá se impingir uma barriga?
– Mas isso não se chama impingir, Saki, porque o rapaz é que quer.
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272 muzelekete – donzela (N.A.).
273 xaxatando – acariciando (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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274 ditxatxa – gargalhada (N.A.).
275 Sesa – Licença; dá licença (N.A.).
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Uanhenga Xitu
Sange.
Algumas frequentadoras da casa de kinzangala de Kahitu, em
número de dez, vinham à antiga companheira, agora envolvida numa
maka de vida ou de morte. Atrás delas, um grupo de rapazes perseguia-
as, como um cardume de peixe a uma isca. Mas foi fechado fora –
proibido a entrada! Bonga, Miguel, Chico e mais outros estavam fora,
resmungando, à espera das visitantes.
Bonga não se conteve. Dirigiu-se à velha Mbamba, na cozinha,
pedir consentimento para ver a doente.
– Vai-te embora, seu atrevido! Ensarilhaste-me e ainda vens cá
fazer pouco de mim? Tens sorte por o Baku ter saído agora. Mas espera
aí, “uondo-moné iabila m’onzo”! 276 Amanhã no Soba, seu bandido,
vigarista. Teus pais hão-de me ouvir. Lá porque te julgas homem já te
sentes com coragem de vir enfrentar-me. Retira-te já da minha porta,
antes que não se espete esta lenha de fogo na cara, grande cachorro...
Paz e sossego acabaram no meu lar.
Por tua causa. A sanzala inteira ri-se de mim e tu o vens fazer mesmo
na minha cara...
Bonga ficou intrigado perante a atitude da velha. Mas, embora
se sentisse enxovalhado, e na presença dos companheiros e de outras
pessoas que passavam, em parte satisfeito, por pensar que era ele o
acusado pela Saki.
Miguel e Chico, com o insulto da velha, dirigido a Bonga, ficaram
como ofendidos e desbancados das pretensões que alimentavam. Saki
tinha ficado com o Bonga! – pensavam.
Saki, ao ouvir o raspanço da mãe, quase que tremia de raiva, por
julgar que o Bonga vinha apresentar-se como o autor. (Aquele palerma
de Bonga compreendeu mal a resposta que lhe mandei dizer ou o
portador o enganou? – dizia consigo.)
Absorvida nos seus pensamentos, tinha-se esquecido das amigas,
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276 “uondo moné iabila m’onzo”! – “vais ver o que se queimou em casa” (Espera pelo que te vai acontecer)
(N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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277 “Nzambi iami ia-ngi-manena!” – O meu Deus está junto de mim! (N.A.).
278 mufulukuku ubite hanji nhi kuzele – passe o nevoeiro e apareça a visibilidade (N.A.).
279 kixingu – tronco seco de madeira fofa e leve; acha (N.A.).
280 Zuela mon’ami... – Fala a verdade, meu filho, responsabilizamo-nos, não queremos complicações. Se fores tu
mesmo, dizes: “fui eu”; não queremos sarilho (N.A.).
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Ndum ni mu Mbanza281
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281 Ndum ni mu Mbanza – Até na Mbanza (Tribunal ou Palácio do Soba) (N.A.).
282 buibuilar – urrar, rugir (N.A.).
283 Kahitu? Kuambe? – Kahitu? Verdade ou mentira? Saki, Kahitu? É verdade ou mentira?! Saki?... (N.A.).
284 Saki, Kahitu?... – Saki, é o Kahitu? Verdade? Fala! Enforco-me, enforco-me, fala. É verdade ou mentira?
(N.A.).
285 xinguiladora – médium; pessoa que invoca ou incorpora um espírito (N.A.).
286 kilundu – espírito; divindade não especificada (N.A.).
287 Kasamba – divindade protectora; o xinguilador desse espírito protege os sapos e rãs (Ngana Kapietele) (N.A.).
288 Mutakalombo v divindade que protege e castiga, sobretudo os caçadores. Um dos deuses da justiça mais
invocados (N.A.).
289 pisá – queixa apresentada ao Soba ou ao quimbar (cabo civil) (N.A.).
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Kimbiji, teu amigo, seu cão, desgraçado! Devias morrer no dia em que
a tua mãe te teve. Ou, quando viram que estavas mirrado das pernas,
deveriam atirar-te no Kasadi, donde os teus pais te buscaram...
– Não fala assim...
– Vai à merda, Kahitu! – vociferava Mbamba transtornada, e dava
indícios de xinguilar novamente. – Vai à merda, Kahitu, uevu? 297 Tanta
paciência, tantos sofrimentos para criar e educar uma filha, e, no fim,
o pagamento é um presente destes: um genro para-lítico que se rasteja
e gatinha! À noite andas metido com as nossas filhas, como “mestre”
de porcaria. Abusaste a bondade das nossas filhas que te iam distrair.
Pensávamos que eras uma pessoa; finalmente, uma hiena que anda por
aí... Um bicho com forma de gente...
– Não fala assim...
– Kadié tuji 298, cala-te! Se me sobe o Hitu 299, racho-te! Porque és
um bicho do mato – berrava a mulher, que parecia estar fora de si.
Algumas pessoas que iam ao Tribunal pararam para ouvir a pregação
da Mbamba. Mas ficaram tão penalizadas de Kahitu que tiveram de
intervir, pedindo a Mbamba para deixar o moço. O caso já estava
entregue ao Soba. Aguardemos. Já disseste o suficiente. O aglomerado
foi desfeito com a chegada de um homem que disse:
– Kahitu, vamos na Mbanza!... Depressa, o Soba e makota tudo
está na espera. – Era o “oficial de diligências” do Soba. O Tribunal
estava constituído, só faltava o réu.
Mbamba abandonou o rapaz, mas pelo caminho ia lamentando e
resmungando em voz alta. Kahitu pediu ao “oficial de diligências” para
ir ao quarto mudar o calção.
E entrou no quarto. Debaixo da cama havia uma latinha que
continha um medicamento para matar gafanhotos – era na época da
praga dos gafanhotos. Pegou na latinha e emborcou o seu conteúdo.
____________________________________
297 uevu? – ouviste? (N.E.).
298 Kadié tuji – Vai à merda (N.A.).
299 Hitu – divindade a que se atribui muitos males; espírito teimoso, melindroso (N.A.).
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“Mestre” Tamoda & Vozes na Sanzala (Kahitu)
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Pânico geral!
As cabanas, muitas delas já caídas, ameaçavam incêndio. A noite ia
alta e o tornado não esperançava parar aí. Pelo contrário, as trovoadas
e raios continuavam a atemorizar o povo já enco-lhido nos cantos das
casas. As descargas eléctricas eram tantas que as mães de cujos pequenos
gozaram Kahitu iam de joelhos de quando em quando apalpar o lado
do coração dos filhos, e por vezes levantavam-nos apertando-os contra
si num abraço de temor e desconfiança. Lágrimas caíam. As baixas
transbordavam de água de forma tal que nunca foi vista na sanzala. O
pomar da nascente de Kasadi estava quase submerso. Na sua tumultuosa
passagem, as águas diluviais, borbulhando, cantavam música mágica. Era
madrugada e os galos não anunciaram o nascer de mais um dia. Quem
atrevia vir cá fora? Ninguém. Os raios desenhavam figuras sinistras na
noite profundamente escura. A terra cheirava a pólvora. Troncos de
embandeiras desabavam, aumentando os estrondos ensurdecedores das
trovoadas divinais. De quando em vez ouvia-se um choro aqui e acolá
que não se sabia se era por Kahitu ou por causa de mais uma casa,
curral, cozinha ruída, soterrando valores e haveres. Seria Kahitu ou a
vingança de Kahitu? – cochichavam aqueles que ainda tinham coragem
de o fazer. Velho Baku e a mulher, acocorados com os filhos debaixo
de uma tarimba porque o tecto da casa fora descoberto no princípio
do tornado, nem mugiam nem tugiam. O vizinho de Baku, um velho
corajoso kimbanda, conseguira chegar às casas de alguns mágicos,
convidando-os para nessa madrugada fazerem uma sessão de magia
que fizesse atrair os raios que atormentavam a população da sanzala.
Práticas antigas que deram efeitos no passado.
A chuva caía, caía copiosamente, acompanhada ora de rebentamentos
demoníacos, ora de ventos implacáveis. Estava a nascer o Sol. Exercícios
de encantamentos, preces e cantos. Espalharam--se grãos de milho no
chão, melhor dizer na água. De repente descem os raios em forma de
galos de penas vermelhas. Bicam sofregamente o milho. As torneiras do
céu continuavam abertas, apenas as descargas eléctricas diminuíram.
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Uanhenga Xitu
Mas alguém, não preparado, de uma casa abre à socapa a janela para
espreitar o que se passava cá fora. Um dos galos desconfia, faz menção
de voo, abre as asas, um clarão, e voa mesmo: nvieêmm: Buumm,
tratàtàtàtà ... – O inferno, fogo e enxofre, o fim do mundo! O maior
estrondo do tempo que ensurdece, reboa, reboa; fulminou casas, passou
pelo quarto de Saki, que é atirada a distância da cama, jazendo no chão
com uma abundante hemorragia vaginal. De manhã uma inundação
completa ameaçava a sanzala, já que as baixas não suportavam o volume
das águas caudalosas.
Com mais três pessoas fulminadas pelas faíscas, só no terceiro dia
foi a enterrar Kahitu e num buraco cheio de água, sofrendo o povo anos
os efeitos da chuva que lhes tinha levado as sementeiras, casas, animais
domésticos e familiares.
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Kahitu
KAHITU
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BIBLIOGRAFIA DE
Uanhenga Xitu
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isso sido aconselhado por alguns dos seus colegas e amigos de prisão
como António Cardoso e António Jacinto.
Suas obras publicadas são: O Meu Discurso (1974); “Mestre” Tamoda
(1974); Bola com Feitiço (1974); Manana (1974); Vozes na Sanzala
(Kahitu) (1976); Os Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem
(1980); Os Discursos do “Mestre” Tamoda (1984); O Ministro (1989);
Cultos Especiais (1997), Mungo (Os Sobreviventes da Máquina Colonial
Depõem…) (reedição, 2002).
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