Pediatria Oncologica
Pediatria Oncologica
Pediatria Oncologica
DE ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
RESUMO. O presente trabalho é uma pesquisa realizada com o objetivo de conhecer a realidade psicoocupacional vivenciada
pelos profissionais que atuam na clínica de oncologia pediátrica de um hospital da rede pública. Utilizou-se abordagem
qualitativa de pesquisa, com a técnica da entrevista semi-estruturada, aplicada a nove profissionais. Os resultados ressaltam
como fontes de estresse as dificuldades da organização do trabalho - a falta de reconhecimento do trabalho, problemas na
rotina, falhas na coordenação do grupo de trabalho, falta de recursos de auxílio ao profissional e fraca estrutura administrativa
no serviço de saúde - assim como as características da doença e de seu tratamento e a morte de crianças. Os resultados
também apontam para a importância dos fatores organizacionais na determinação do estresse profissional e para a necessidade
de intervenções institucionais de capacitação e apoio para que o profissional possa lidar com os aspectos subjetivos da
atividade assistencial, prevenindo-se contra a instalação do estresse profissional ou burnout.
Palavras-chave: oncologia pediátrica, satisfação no trabalho, estresse profissional & burnout.
ABSTRACT. Current research, based on qualitative methodology, analyzes the psycho-occupational work undertaken by
health professionals in a Child Oncology Clinic of a government public hospital. Half-structured interviews, applied to nine
health professionals, showed that difficulties in job organization, namely, lack of job acknowledgement, disadvantages in
routine work, failures in staff coordination, precarious resources, poor administration procedures in the health service, the
disease and treatment’s peculiarities, and the child’s death, are stress factors. Results indicate the importance of structural
factors in determining professional stress and the need of greater institutional support and professional upgrading so that
health professionals may better deal with the subjective aspects of health service and avoid the professional stress or burnout.
Key words: Child Oncology Clinic; job satisfaction; professional stress & burnout.
RESUMEN. El presente trabajo es una investigación realizada con el objetivo de conocer la realidad psico-ocupacional
vivenciada por los profesionales que actúan en la clínica de oncología pediátrica de un hospital de la red pública. Se ha
utilizado el abordaje cualitativo de investigación, con la técnica de la entrevista semiestruturada, aplicada a nueve
profesionales. Los resultados resaltan como fuentes estresoras las dificultades de la organización del trabajo - la falta de
reconocimiento del trabajo, problemas en la rutina, fallas en la coordinación del grupo de trabajo, falta de recursos de auxilio
al profesional y débil estructura administrativa en el servicio de salud - así como las características de la enfermedad y de su
tratamiento y la muerte de niños. Los resultados también señalan la importancia de los factores organizacionales en la
determinación del estrés profesional y la necesidad de intervenciones institucionales de capacitación y apoyo para que el
profesional pueda lidiar con los aspectos subjetivos de la actividad asistencial, previniéndose contra la instalación del estrés
profesional o burnout.
Palabras-clave: oncología pediátrica, satisfacción en el trabajo, estrés profesional y burnout.
Os profissionais de saúde que trabalham na área item, os autores apontam para o fato de que o maior
de oncologia pediátrica defrontam-se, diariamente, com inconveniente da metáfora militar é encorajar um
situações de sofrimento, dor e perda. Realizar critério rígido de sucesso e fracasso para o profissional.
investigações diagnósticas, apresentar o diagnóstico, Assim, a morte do paciente significa derrota na batalha
enfrentar o tratamento e todas as suas vicissitudes, contra a morte; a recuperação significa sucesso.
juntamente com a incerteza de cura e a possibilidade de Lima (1998) afirma que somente a análise
morte, são atividades que colocam o profissional diante concreta do trabalho - nas suas condições sociais,
de situações de forte carga emocional. As técnicas e organizacionais - e seu confronto com o
características da doença e o tratamento prolongado, discurso dos trabalhadores nos permitem uma maior
com várias internações e atendimentos ambulatoriais, aproximação de sua realidade. A vivência subjetiva do
propiciam a aproximação dos profissionais com as prazer e do sofrimento no trabalho pode ser objetivada
dificuldades vividas pelos pacientes e seus familiares na comparação entre o discurso dos sujeitos e a análise
(Ramalho, 2002; Motta & Enumo, 2004). A este sistemática de sua situação de trabalho. O ir-e-vir entre
relacionamento intenso somam-se as exigências de o discurso dos sujeitos e a análise de sua atividade pode
preparo técnico e as limitações do próprio nos aproximar de uma compreensão mais efetiva das
conhecimento médico, o que ocasiona um desgaste possíveis articulações entre a saúde mental e o
adicional ao profissional (Valle, 1997). Além disso, trabalho.
cuidar de crianças com câncer remete o profissional a Sob essa ótica, este estudo tem como objetivo
suas crenças e valores em relação à doença, às conhecer o discurso sobre a realidade psicoocupacional
possibilidades terapêuticas, à vida e à morte (Carvalho, vivenciada pelos trabalhadores da clínica de oncologia
1996). A atividade pode, assim, levar ao estresse pediátrica de um hospital público da cidade de São
profissional ou burnout. Paulo e, assim, obter subsídios para intervenções nessa
O Comitê Nacional de Psicooncologia Pediátrica população e para trocas de experiências com outros
da Sociedade Brasileira de Psicooncologia publicou, serviços, principalmente os de âmbito público.
em 2000, a tradução autorizada das Orientações
Psicossociais em Oncologia Pediátrica da Sociedade
Internacional de Oncologia Pediátrica (SIOP, 2000), MÉTODO
apontando a importância do burnout para os
profissionais da saúde que assistem crianças com Foi utilizada a metodologia qualitativa de
câncer. Tais orientações citam como causas do pesquisa, pois este trabalho busca conhecer os sentidos
burnout: a natureza do trabalho (lidar com doença e significações dados ao conjunto de percepções,
grave no cotidiano; lidar com situação emocional dos sentimentos e vivências da população a ser estudada
pacientes e seus familiares); problemas equipe/paciente (Nogueira-Martins & Bógus, 2004).
(muitas demandas; tempo insuficiente; redução da Foram convidados para participar do estudo
equipe; problemas de comunicação); características profissionais das diferentes categorias, a fim de se
pessoais (muito ou pouco envolvimento; dificuldade em obter um amplo espectro das características
pedir ajuda; dificuldade em ter tempo fora do trabalho, psicoocupacionais dos membros da equipe e de seu
especialmente quando mais experiente ou em posição contexto de trabalho. Trata-se de amostra proposital
de autoridade); outros aspectos relacionados (desejo de (purposeful sampling), na qual se selecionam casos
mudar de emprego; não descansar o suficiente quando ricos em informações para um estudo em profundidade.
cansado; estar com sérios problemas no trabalho e na O tipo de amostra proposital utilizado foi o da variação
vida privada ao mesmo tempo). máxima (Patton, 1990), isto é, amostra de casos em
Kushnir, Rabin e Azulai (1997) estudando fatores uma larga faixa de variação dentro do fenômeno
que contribuíam para o estresse e burnout em estudado. A escolha por esse tipo de amostra se deu
enfermeiros da área de oncologia pediátrica, porque a intenção, quanto a futuras intervenções, é
detectaram: limites difusos entre enfermeiros e abarcar a equipe como um todo.
pacientes; enfermagem excessivamente envolvida com Foi utilizado um instrumento de entrevista semi-
os pacientes e seus familiares e desengajada dos estruturada, desenvolvido a partir de um esquema
médicos e de outros profissionais; baixa auto-estima básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo ao
profissional; prevalência de metáforas militares como entrevistador fazer as necessárias adaptações a partir
“lutando”, “batalhas”, “ataque”, “luta em diferentes dos dados que ia obtendo do entrevistado (Lüdke &
frentes”, “vítimas”, “vitimados”. Quanto a este último André, 1986).
O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de momento é visto pelo profissional como muito difícil,
Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde da Secretaria pois este, embora compreenda o sofrimento da criança
de Estado de Saúde e pela Comissão de Ética Médica e dos familiares por antever as dificuldades a serem
do hospital. Os profissionais participaram mediante enfrentadas, nem sempre se sente em condições de
consentimento livre e esclarecido, de acordo com a atendê-los de forma adequada.
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS.
Foram entrevistados nove profissionais de “O que é mais difícil para a gente é aquela
diferentes áreas que compõem a equipe de atendimento primeira hora em que a criança chega, a
na clínica de oncologia pediátrica do hospital. As adaptação da criança com a gente... tanto da
entrevistas foram realizadas no próprio local de criança quanto da mãe.” (Entrevistado 6)
trabalho. Os sujeitos da pesquisa foram: dois médicos,
um secretário, um psicólogo, um farmacêutico, um O tratamento é visto pelos profissionais como
enfermeiro e três auxiliares de enfermagem. muito penoso para a criança e, muitas vezes, lidar com
Ao término da entrevista, já com o gravador este sofrimento é pior que presenciar a morte.
desligado, a pesquisadora tentou trabalhar os aspectos
“Ele [o tratamento] derruba a criança; a
que poderiam ter sido emocionalmente perturbadores
criança passa muito mal, cai cabelo, abaixa a
para o entrevistado, conforme recomenda Turato auto-estima...” (Entrevistado 5)
(2003), quando afirma que, em se tratando de método
qualitativo aplicado em setting de saúde, é Os sentimentos frente à morte da criança são
imprescindível que o pesquisador acolha as pessoas vividos com muita intensidade, e podem levar à
entrevistadas numa atitude clínica. depressão.
Para a análise do material obtido nas entrevistas,
foi utilizado o procedimento da análise temática, que “Quando eu vejo que, no meu trabalho, eu fiz
consiste em “descobrir os núcleos de sentido que tudo por uma criança... até o final e você vê
compõem uma comunicação cuja presença ou que tudo aquilo foi em vão... me deixa muito
freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo depressiva, muito para baixo”. (Entrevistado
analítico visado” (Minayo, 1999). 6)
afetivo que lhes permita cumprir sua função e, ao “... até à noite, eu não consigo dormir,
mesmo tempo, se proteger (Codo, 1998). quando passo um plantão com muitas
Os entrevistados relataram como grande fonte de intercorrências... Já cheguei a acordar e
pensar: ‘eu tenho que trabalhar de novo’...
estresse a falta de reconhecimento do seu trabalho na
porque eu acho que ficou alguma coisa para
instituição. O profissional percebe seu investimento no
trás...” (Entrevistado 8)
trabalho e os resultados externos, mas não tem o
reconhecimento dos colegas, uma mobilização dos Os entrevistados referem que os baixos salários
superiores para levar à frente seus projetos e auxiliá-lo repercutem na sua atuação, ao necessitarem estar em
na criação de formas satisfatórias de atendimento ao diferentes lugares e, mesmo assim, não terem condições
público. financeiras para arcar com as despesas necessárias
para a sua sobrevivência, muito menos para o lazer.
“Eu tenho um monte de coisa que faço e
acaba não aparecendo aqui dentro, mas que
“Isso me incomoda muito [não ser gratificado
aparece lá fora. E aí, de repente, o colega de
com um salário decente], até já tive
trabalho fala: ‘você não faz nada’; isso
discussões com X, que acha que a gente tem
estressa.” (Entrevistado 1)
que trabalhar porque gosta... Concordo... mas
só que, além disso, a gente tem que pagar as
O próprio profissional atribui um sentido contas, tem que ter férias.” (Entrevistado 4)
pejorativo ao funcionário que atua no serviço público
quando diz que está se tornando um deles, somente Os profissionais de saúde, sistematicamente, têm
cumprindo sua obrigação. A imagem discriminatória aumentado suas horas de trabalho em múltiplos
também vem citada como uma generalização injusta; empregos, como mecanismo de compensação para
mas, ante a falta de reconhecimento, trabalhar somente perdas de remuneração e substituição da ocupação
o necessário passa a ser uma forma de defesa. autônoma (Nogueira-Martins, 2003).
Os entrevistados apontam para a necessidade da
“... cada vez mais, eu estou virando mais um
melhoria salarial para que as pessoas não necessitem
funcionário público. Toda aquela dinâmica
de tantos empregos e se concentrem em um lugar
que eu tinha, de me dedicar... agora é o
contrário: eu quero chegar aqui, atender os apenas.
pacientes e ir embora... Eu não vejo
reconhecimento pela trajetória, pelo “Eu acho que as pessoas estão aqui pensando
histórico.” (Entrevistado 4) em sair, ir para o consultório, ir para um
segundo emprego, voltar para casa. A cabeça
e o corpo não ficam num mesmo lugar.”
No que se refere a profissionais que atuam no
(Entrevistado 3)
serviço público, Durand (2000) faz referência a um
sentido degradado atribuído ao serviço público no Os profissionais entrevistados relataram que
Brasil e aponta que as representações ruins da trabalham muito, com grande responsabilidade, em face
instituição pública são compartilhadas pelos seus de uma demanda excessiva. Deparam-se,
próprios membros. O profissional, no serviço público, freqüentemente, com serviços não executados, o que
tem um vínculo depreciativo com seu trabalho e com a lhes acarreta uma estressante sobrecarga de trabalho.
instituição em que trabalha, expresso na relação
intersubjetiva que estabelece com os colegas e/ou com “Quando a enfermaria está cheia e o quadro
os seus assistidos. O sentimento de desânimo, de funcionários é reduzido, acaba estressando
impotência ou abandono que se abate sobre o bastante, porque são muitas quimioterapias.
profissional funciona como uma trava às suas O auxiliar de enfermagem também solicita
disposições construtivas, reforçando a idéia de muito o enfermeiro.” (Entrevistado 5)
ineficiência.
Não obstante, ao mesmo tempo em que a falta de O profissional sente estar realizando muito mais
reconhecimento faz com que o profissional sinta tarefas do que lhe caberia, atendendo um número
vontade de não se envolver com o trabalho, ele tem muito grande de pacientes e não sendo reconhecido
consciência de sua enorme responsabilidade, pela instituição, pelos próprios colegas e,
principalmente quando tem pacientes tão graves sob principalmente, não tendo uma recompensa financeira
seus cuidados.
que lhe possibilite se espairecer de tantas exigências no oncologia... que você vai poder me ensinar!’ e
trabalho. eu ‘Está enganado... até entendo
Lyckholm (2001), Labate, Ribeiro e Bosco (2001), razoavelmente, quebro um galho’... Nossa!!
em trabalhos com médicos e enfermeiros da área de quem sou eu para ensinar alguém?”
(Entrevistado 7)
oncologia, encontraram, entre as principais causas de
exaustão para estes profissionais, o tempo insuficiente
Camargo e Bueno (2003) acreditam que a
para assuntos pessoais e férias, além daquelas
valorização do trabalho é determinada pelas relações
situações referentes ao sofrimento e morte. Também
interpessoais estabelecidas com os colegas e pela
foram causas de estresse: enfrentar assuntos
segurança proporcionada quanto à satisfação das
relacionados a fontes pagadoras e excesso de trabalho.
necessidades materiais. Os entrevistados se sentem
A dificuldade de comunicação entre os
injustiçados pela falta de reconhecimento e indicam a
profissionais das várias áreas acarreta uma falta de
necessidade de que a instituição promova justiça,
integração na equipe, um desconhecimento da
premiando os funcionários pelo seu desempenho,
qualificação específica de cada um, com repercussões
interesse e dedicação.
na divisão de tarefas e responsabilidades, o que leva à
sobrecarga de trabalho e à falta de reconhecimento da “Esse incentivo tem que ser através de
atividade realizada. cursos, gratificações, salário. Mas... uma
“Tem coisa que, quando você fala ‘gritando’, coisa com critérios.” (Entrevistado 4)
às vezes as pessoas entendem melhor...
Quando você fala no corredor, às vezes elas Rodrigues (1998) considera o sentimento de
entendem... A falta de comunicação gera falta satisfação com o trabalho como um dos aspectos mais
de respeito, falta de compartilhar os importantes na proteção com relação ao burnout.
problemas.” (Entrevistado 7) Alguns profissionais demonstraram, como
O profissional observa uma dificuldade de característica de personalidade, um forte espírito de
“escuta” na hierarquia superior, talvez até por um luta, e também revelaram estar com sua atenção
despreparo dos gestores para receber as pessoas com voltada aos aspectos positivos das situações, o que os
uma multiplicidade de formações, diferentes da sua e ajuda a direcionar suas energias para o controle das
reconhecer os diferentes saberes e responsabilidades dificuldades e para a busca de objetivos.
profissionais. Precisar gritar ou conversar no corredor
“... tenho procurado ter um controle muito
para ser ouvido, denota uma desvalorização do grande da situação... olhar para o que é bom,
profissional. As providências assim tomadas, na para o positivo e me convencer de que está
informalidade, destituem a pessoa de sua qualificação. valendo a pena... eu luto para conseguir e eu
A dinâmica entre o trabalhador e o trabalho se acho que a gente tem conseguido, a cada dia,
apóia no processo de contribuição-retribuição. A um pouquinho mais.” (Entrevistado 2)
contribuição é espontânea à organização real, e a
retribuição é simbólica, dada pelo reconhecimento, Por outro lado, outros profissionais referem não ter
processo pelo qual o profissional pode construir sua clareza das propostas da instituição, fato que, aliado à
identidade social e obter realização (Mendes, 1995). falta de reconhecimento, leva-os a trabalhar sem um
Assim, a falta de reconhecimento pelo trabalho do objetivo e sem esperança, com vontade de desistir do
profissional tem implicações na sua identidade trabalho na área da Saúde.
profissional e na possibilidade de obter realização “Umas duas, três vezes, eu tive vontade de
simbólica, interferindo na auto-estima de forma desistir mesmo, de largar. Eu só não o fiz, por
negativa. Mesmo se reconhecendo responsável, covardia, por preguiça de ter de começar tudo
dedicado e preocupado com a criança e com a família, de novo em outro lugar, sem ter me
ele não se dá conta do valor de sua experiência e precavido, sem ter uma reserva, sem ter
conhecimentos na área, quando isso, como forma de nada.” (Entrevistado 4)
retribuição, não lhe é apontado. Assim, o profissional Embora o tempo de trabalho dos entrevistados na
se admira que haja pessoas que reconheçam e clínica de oncologia do hospital tenha sido, em média,
valorizem seu conhecimento. de oito anos, há profissionais contratados em regime
temporário de trabalho, por tempo determinado. Trata-
“... o médico novo veio conversar comigo... se da Lei Complementar 733/93, um contrato
‘Ouvi falar que você entende pra caramba de
emergencial de funcionário por 12 meses, criado pelo
governo do Estado de São Paulo para suprir a Para aquele que “quebra-galho” a situação é
necessidade de trabalhadores no serviço público. Os dúbia, pois se, por um lado, sente-se dando o melhor de
profissionais que aceitam tal contrato, em geral, são si para o atendimento dispensado à criança, por outro,
recém-formados e sem experiência em oncologia não encontra tranqüilidade, porque para atingir seu
pediátrica. O treinamento ocorre em serviço; ao final objetivo está usando de subterfúgios e transgredindo
do contrato, quando esses profissionais já adquiriram regras.
certa prática, estabeleceram vínculo com a equipe e
com as crianças, são exonerados. Tanto para aquele “A gente ainda depende de favor, depende de
que sai como para a equipe que permanece, a empenhos individuais. Eu gostaria de
experiência é de descontinuidade e impossibilidade de trabalhar naquele serviço em que você tem a
sensação que ele vai funcionar perfeitamente,
se levar adiante um projeto.
nem que você não esteja ali ou que qualquer
outra pessoa falte. Gostaria que a
“Parece que quando uma coisa vai engrenar
engrenagem funcionasse independente da
para acontecer, terminam os contratos e zera
pessoa.” (Entrevistado 4)
tudo de novo”. (Entrevistado 3)
Dejours e Jayet (1991) observaram que, para lidar
Algumas pessoas, usando sua criatividade, têm
com a insuficiência e as impossibilidades práticas
maior facilidade ou mesmo flexibilidade para lidar com
o imprevisível e/ou com a falta de soluções aparentes, prescritas de uma organização de trabalho, o
enquanto outras se acomodam e não demonstram trabalhador faz uso de sua inventividade, preenchendo
interesse em fazer nada além do que “está escrito”. e ultrapassando as incoerências e, assim, configurando
Pela conjugação da falta de reconhecimento e a prática de “quebra-galho”. No plano subjetivo, ao
características de personalidade e até por mobilizar a inteligência e esperteza, esta prática pode
desconhecimento do valor de seu próprio trabalho para ser uma fonte de interesse e gratificação no trabalho;
o funcionamento da instituição como um todo, alguns porém, conforme apontam estes autores, o caráter
profissionais não conseguem a adaptação ou ilícito da prática de “quebra-galho” leva à
ajustamento à organização do trabalho, transmitindo desconfiança e ao não-reconhecimento do esforço no
uma impressão de falta de interesse, de envolvimento e trabalho. As relações entre os trabalhadores tornam-se
de responsabilidade. tensas e desaparecem a cooperação e a solidariedade.
“A rotina não é cobrada, não é exigida, “Eu tenho sentido que incomoda um pouco
porque os erros são os mesmos, essa forma de a gente trabalhar.”
repetidamente. E, você vai lá, você fala, você (Entrevistado 2)
pede, você conversa e dali a pouco a coisa
acontece do mesmo jeito”. (Entrevistado 2) Os entrevistados relataram também que muitas
vezes respondem a várias chefias e que,
Na clínica de oncologia pediátrica as rotinas freqüentemente, alguns desses chefes não vivem o dia-
existem, mas não atendem às suas demandas atuais. O a-dia da clínica, com suas vicissitudes, não tendo,
profissional percebe as exigências do serviço que assim, compreensão das necessidades e dificuldades do
demandam uma atitude urgente e tenta o controle da serviço. Desta forma, as regras gerais podem não estar
situação através da prática do “quebra-galho”, para servindo para as questões específicas da clínica nem
suprir as deficiências. sendo identificadas pelas instâncias superiores, a quem
caberia propor muitas das mudanças.
“Às vezes, você esbarra em pequenas coisas Profissionais que atuam em um mesmo setor e são
que não têm cabimento. Vamos supor: a coordenados por diferentes chefes são levados a um
criança foi para a biópsia e quanto antes tiver desgaste com burocracias que poderia ser evitado. Os
o anátomo [resultado do exame
profissionais se queixam de não saber a quem recorrer
anatomopatológico] melhor para ela. A peça
e também têm dificuldades quanto à responsabilização
fica parada no centro cirúrgico dois dias,
porque o médico que fez o pedido esqueceu pelas falhas.
de colocar um carimbo. Parou porque falta
um carimbo, sendo que podia ter ligado, eu “Todas as burocracias, todas as coisas assim
levava o carimbo até lá ou eu pegava a folha que se fazem e que se perdem nesse caminho,
e trazia.” (Entrevistado 1) me estressam muito.” (Entrevistado 3)
corroborada por esta pesquisa. Quanto ao contexto do propriamente emocionais, de uma forma mais
trabalho, os autores recomendam: definir limites construtiva. O cuidar dos cuidadores não está
pessoais em termos de tempo e energia, evitando comprometido com a solução administrativa dos
envolvimento excessivo; encontrar mecanismos para problemas, mas sim, com a criação de condições
controlar estressores do trabalho dentro do hospital, emocionais e operativas para que estes sejam discutidos
usando sistemas de apoio informal e formal; deixar e elaborados. Deve ajudar o profissional a lidar com os
suas necessidades serem conhecidas pelos colegas e fatores impeditivos da atividade criadora, como medo e
supervisores, especialmente quando a limitação dos competição, e a caminhar em direção à realização de
recursos leva à sobrecarga; comunicar-se com os objetivos e metas. O grande desafio é propiciar
colegas regularmente enquanto trabalha, beneficiando- condições para que as insatisfações sejam discutidas e
se do apoio social; facilitar encontros com os membros haja o encaminhamento de propostas de reformulações
da equipe nos momentos de transições para a organização do trabalho. Não cabe ao
críticas/importantes dos pacientes; manter linhas de profissional que cuida dos cuidadores mudar as
comunicação abertas com os colegas e minimizar relações de trabalho; entretanto, estará abrindo
diferenças quando ocorrem. Já quanto à vida pessoal, caminho para que os profissionais possam pensá-las, ao
sugerem: manter equilíbrio entre vida pessoal e ajudá-los a lidar com as emoções e desenvolver
profissional; dedicar esforços à família, relaxamento, atitudes construtivas. Dessa forma, os profissionais,
diversão, como faz com o trabalho. mais integrados, não precisarão se colocar no papel de
Para o contexto das instituições, ressaltamos aqui vítimas diante da instituição. A função de quem se
as recomendações do Ministério da Saúde (2001; propõe a cuidar dos cuidadores é ajudar o grupo de
2004), veiculadas em suas propostas de humanização profissionais a lidar com seus problemas,
da assistência, quando se referem à importância do desenvolvendo condutas éticas de respeito à dignidade
cuidado com o profissional de saúde e dirigidas às dos pacientes e valorização dos colegas (Nogueira-
instituições: criar canais de identificação das Martins, 2002). O sofrimento psíquico, inerente à
necessidades e expectativas do profissional de saúde, atividade dos profissionais de saúde, pode ser
bem como canais de retorno desta avaliação; criar transformado em desenvolvimento pessoal e construção
cursos de capacitação permanente dos profissionais de de conhecimentos, se for cotidianamente compreendido
saúde com foco na humanização do serviço; criar e elaborado pelos seus protagonistas.
sistema de apoio psicológico e social aos profissionais; Outra contribuição é a de Kovács (2003), no que diz
formar grupos transdisciplinares para discussão de respeito à “Educação para a Morte”. A autora propõe a
casos clínicos com foco no trabalho de humanização formação dos profissionais através de disciplinas que
e/ou discussão de situações de conflito. tratem da morte; não como padrões de informações,
Acrescentem-se também as contribuições de receitas prontas ou doutrinação, mas, sim, como um
Durand (2000), que faz importantes considerações preparo para compreender não só o sofrimento do outro (a
quanto ao cuidado com o cuidador (profissional de criança e seus familiares), mas também o seu próprio, de
saúde), especificamente nas instituições públicas. modo a favorecer um desenvolvimento e aperfeiçoamento
Ressalta que o sentimento de desencanto do profissional é pessoal e o cultivo do ser. A dor pela perda e a tristeza do
facilmente atribuído à estrutura da instituição, que, por sua luto estão presentes em cada um de nós, inclusive enquanto
vez, com seus problemas de ordem econômica e política, profissionais de saúde, e não podem ser abolidas, mas
cumpre a função de um depositário. O deslocamento do podem ser avaliadas e elaboradas.
objeto de frustração para o âmbito estrutural passa a É essencial, como possibilidade para o
justificar a sensação de impotência que impede um enfrentamento do sofrimento psíquico e prevenção de
investimento mais construtivo. O rompimento desses doenças ocupacionais, que haja um reconhecimento
vínculos distorcidos pode propiciar ao profissional a institucional do trabalho realizado, e que a instituição
criação e o desenvolvimento de técnicas a partir de um promova momentos de discussão entre os vários
investimento no trabalho, guiado principalmente pela profissionais, oferecendo-lhes a oportunidade de
intuição e sensibilidade. mostrar seu trabalho, expor sua dedicação ao paciente
Para Durand (2000), o grupo é um importante e os resultados obtidos com os tratamentos, para maior
instrumento para promover a saúde mental dos compreensão e apoio dos colegas. A compreensão do
profissionais. A função de quem se propõe a cuidar dos trabalho de cada um pela equipe deve caminhar no
cuidadores é a de ajudar o grupo de profissionais a sentido da formação de trabalhos transdisciplinares,
lidar com seus problemas, sejam socioeconômicos ou como assinalado por Spink (1992), na qual a
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Recebido em 05/12/2005
Aceito em 22/05/2006
Spink, M. J. P. (1992). Saúde: um campo transdisciplinar? Revista
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Endereço para correspondência: Mirian Aydar Nascimento Ramalho. Rua Jesuíno Arruda, 590, 3º andar, CEP 01314-000, São
Paulo-SP. E-mail: [email protected]