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Arquivos IPB - Volume 60

NEURITE ÓPTICA E ESCLEROSE MÚLTIPLA: UM


ESTUDO DE CASO
OPTIC NEURITIS AND MULTIPLE SCLEROSIS: A CASE
STUDY

João Vítor Fernandes Felix1


Fernanda Barbosa Nonato Federici2 RESUMO
Lucas Barasnevicius Quagliato2 Introdução: A neurite óptica é uma doença
inflamatória do nervo óptico muitas vezes as-
sociada à esclerose múltipla, sendo os princi-
pais sintomas: diminuição da acuidade visual,
diminuição da visão para cores, a ausência do
reflexo pupilar aferente relativo, a redução sub-
jetiva da percepção do brilho e a diminuição
da sensibilidade ao contraste dor ocular. Obje-
tivo: Descrever um relato de caso mostrando
a associação da neurite óptica com a esclerose
múltipla. Materiais e Método: Método quali-
tativo baseado em um estudo de caso desen-
volvido no Instituto Penido Burnier - Cam-
pinas-SP. Conclusão: Pacientes com NOD
apresentam alta taxa de conversão em EM
durante o passar do tempo, reforçando-se a
importância da suspeita da EM em pacientes
_______________________________________
com NOD.
Instituto Penido Burnier, Campinas, São Paulo,
Brasil
1
Médico Residentes em Oftalmologia da Funda- Palavras-chave: Neurite óptica, esclerose múlti-
ção João Penido Burnier pla, doenças oculares.

2Médico(a) Oftalmologista do Instituto Penido


Burnier
INTRODUÇÃO
O termo neurite óptica (NO) é a doença infla-
João Vítor Fernandes Felix matória do nervo óptico, com frequência pode es-
Avenida Andrade Neves, 683 tar associada a disfunções visuais e a dor ocular.
B. Botafogo – CEP: 13013-161 A causa mais frequente de NO é a neurite óptica
desmielinizante isolada (NODI). Em alguns casos,
Campinas-SP a NO ocorre no curso da esclerose múltipla (EM),
Recebido para publicação em: 24/03/2018 podendo ser o sintoma inicial desta doença. É im-
portante na NODI o seu potencial de conversão em
Aceito para publicação em: 01/05/2018
EM, quando está associada a outras manifestações
_______________________________________ de envolvimento clínico neurológico ou a imagem

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de lesões no sistema nervoso central (SNC). A EM 01/02/2018 retornou para avaliação com relato de
é uma doença imunomediada, caracterizada por melhora do campo de visão. Teste Amsler: pequeno
disfunção neurológica disseminada no tempo e escotoma temporal superior. Em uso de corticoide
no espaço e pela presença de múltiplas lesões des- oral. Dia 20/02/2018 apresenta RNM de crânio: le-
mielinizantes distribuídas no encéfalo e na medula sões de substrato de desmielinizante, antiaquapori-
espinal. na: não reagente no liquor, Anti-corpo anti-pero-
Na EM os sintomas visuais são frequentes, sendo xidase: 634,14, hemograma: sem alteração, VHS:
a neurite óptica desmielinizante (NOD) a maior 40mm, P-anca: reagente 1:20, C-anca: não reagente,
causadora, de um processo inflamatório no nervo Anti-peroxidase tireodiana: 634,16, Anti anti-corpo
óptico – que conduz as imagens da retina ao cére- contra agentes intraoculares: reagente 1:320, Fator
bro. A NOD é a manifestação inicial em 15 a 20% reumatoide: não reagente, Doença de Lyme: não
dos casos. Além disso, mais da metade dos pacien- reagente, Anti-HIV: não reagente, VDRL: não rea-
tes com EM apresenta, ao menos, um episódio de gente, TSH: 2,45. Com acuidade visual olho direito:
NOD ao longo da doença. A NOD é mais comum 20/25 com correção e olho esquerdo: 20/25 parcial
em mulheres, adultos jovens e raça branca. com correção, biomicroscopia: reflexo pupilar pre-
sente e preservado, consensual e direta em ambos os
olhos. Fundoscopia: papila e macula bem em am-
bos olhos. Dia 05/03/2018 paciente refere nova bai-
RELATO DE CASO xa de visão no olho direito iniciada neste dia, com
Paciente deu entrada no dia 23/01/2018, com acuidade visual olho em direito: abaixo 20/400 sem
queixa de mancha na parte superior da visão do correção e olho esquerdo: 20/30 sem correção. Bio-
olho direito de início súbito. Sem antecedentes pes- microscopia com déficit contração pupilar no olho
soais, nem antecedentes oftalmológicos. Apresenta- direito. Pressão intraocular de 14mmHg em ambos
va acuidade visual 20/200 no olho direito e 20/80 no os olhos. Fundoscopia olho direito: papila corada,
olho esquerdo (essa baixa de visão ocorreu há dois discreto espessamento em nasal superior e mácula
anos, em investigação, porém sem diagnóstico). bem; olho esquerdo: papila corada, mácula bem e
Com pressão intraocular de 14 mmHg em ambos retina aplicada. Apresentava OCT de papila: dentro
os olhos. Teste de Amsler com alteração do campo da normalidade em ambos os olhos (05/03/2018).
visual superior no olho direito. Na biomicroscopia Paciente foi encaminhada para realizar nova pulso
apresentava pálpebras sem alterações, conjuntiva terapia. Retorna dia 19/03/2018 após 5 dias de pul-
clara, córnea transparente, íris trófica e pupilas fotor- so terapia, referindo melhorada acuidade visual em
reagentes. Fundoscopia do olho direito com edema uso de corticoide oral. Acuidade visual olho direito:
superior e inferior de nervo óptico, retina aplicada, abaixo de 20/400 com pinhole; olho esquerdo 20/25
sem uveíte e disco óptico róseo. (Foto 1). Fundosco- com pinhole. Biomicroscopia olho direito: em mi-
pia do olho esquerdo com drusas em região macu- dríase medicamentosa; olho esquerdo: com reflexo
lar e perimacular, retina aplicada e vasos bem. (Foto pupilar presente e sem alteração. Fundoscopia olho
2). Foi solicitado Campo Visual (CV) 24-2, Poten- direito: papila corada com bordas regulares e má-
cial Evocado Visual (PEV), Tomografia de Coerên- cula sem alteração; olho esquerdo: papila corada,
cia Óptica (OCT) de papila, Ressonância Magné- mácula bem e retina aplicada. Mantido corticoide
tica (RNM) de crânio, Angiografia oftalmológica e realizado novo campo visual. Dia 21/03/2018 com
e pulso terapia. PEV (Foto 3): comprometimento RNM de crânio: lesões desmielinizantes; PEV: au-
mielínico do nervo direito e discreto comprometi- mento de latência; liquor: lactato presente, ausên-
mento do olho esquerdo, Campo visual 24-2 com cia de bandas oligoclonais, aquaporina 4 negativa;
olho direito: hemianopsia superior altitudinal (Foto RNM da coluna: normal. Fundoscopia olho direi-
4); olho esquerdo: sem alterações. Angiografia olho to: escavação fisiológica sem palidez, mácula com
direito: hiperfluorescência de papila óptica a direi- brilho levemente alterada. Em tratamento para EM
ta (Foto 5); olho esquerdo: sem alterações (Foto com Glatiramer 20mg subcutânea.
6); OCT de palila: edema de papila (Foto 7). Dia

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Foto 1 Foto 5

Foto 2 Foto 6

Foto 3

Foto 7

DISCUSSÃO
O quadro clinico da paciente demonstra um
diagnóstico de NO, onde condizente com a litera-
tura denota-se uma neuropatia óptica subaguda,
Foto 4

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inflamatória e não infecciosa, que afeta, predomi- tadores de NOD, assim como dos fatores desen-
nantemente, adultos jovens. Ela se manifestou na cadeantes de aumento ou redução deste risco, têm
paciente por redução subaguda (dentro de até 2 se- grande importância na seleção de pacientes com
manas) da acuidade visual – usualmente unilate- NOD para abordagem terapêutica mais precoce
ral - associada a dor periorbitária que piorou com da EM.
os movimentos oculares, edema de disco óptico e
defeito na visão central. Outros sinais clínicos de
disfunção do nervo óptico que a paciente poderia CONCLUSÃO
apresentar incluem a diminuição da visão para co-
res, a ausência do reflexo pupilar aferente relativo, Pacientes com NOD apresentam alta taxa de
a redução subjetiva da percepção do brilho e a di- conversão em EM durante o passar do tempo,
minuição da sensibilidade ao contraste. atingindo a maioria dos casos após o aparecimen-
to da NOD, independente dos achados da RNM.
O exame de RNM da paciente apresentou lesões Os fatores de risco que aumentam a conversão da
desmielinizantes condizente com o diagnóstico de NOD em EM apresentam-se alterando a região
EM, sendo esta caracterizada pela distribuição de retrobulbar do nervo óptico, perda da acuidade
lesões disseminadas no SNC. Dentre várias apre- visual, dor ocular ou retrocular no início da NOD,
sentações clínicas da EM, considera-se muito su- cabendo ao oftalmologista investigar os casos de
gestivas: a NOD, o déficit sensitivo assimétrico por NOD suspeitando de EM como a NOD sendo o
lesão medular, a oftalmoplegia internuclear bilate- primeiro sintoma da doença.
ral ou a clássica tríade de Charcot (nistagmo, tre-
mor intencional e disartria).
A EM permanece com a etiologia desconheci- ABSTRACT
da. Um grande número de evidências sugere que Introduction: Optic neuritis is an inflammatory
a doença seja multifatorial, caracterizando-se por disease of the optic nerve, sometimes associated
uma doença crônica que ocasiona incapacidade with multiple sclerosis. The main symptoms are:
neurológica progressiva. decreased visual acuity, increased vision for the
No estudo de caso em questão a suspeita do diag- nuclei, an absence of the relative afferent pupillary
nóstico da EM foi clínico, baseado na demonstra- reflex, a subjective reduction of the perception of
ção do déficit neurológico apresentando-se com the brightness and decreased sensitivity to ocu-
diminuição da acuidade visual de forma aguda e lar contrast. Objective: To describe a case report
isolada. Confirmando-se através da realização da showing the association of optic neuritis with mul-
RNM. Os exames complementares podem facili- tiple sclerosis. Materials and Methods: Qualitati-
tar o diagnóstico, através da investigação da natu- ve method based on a case study developed at Ins-
reza inflamatória da doença (estudo do líquor), ou tituto Penido Burnier - Campinas-SP. Conclusion:
pela capacidade de visualizar lesões neurológicas Patients with NOD with a high conversion rate
(através do estudo dos potenciais evocados e res- in MS over time, reinforcing the suspicion of MS
sonâncias magnéticas). in patients with NOD. Key words: optic neuritis,
Na EM, a neurite óptica desmielinizante a é ma- multiple sclerosis, ocular diseases.
nifestação inicial da doença em 15 a 20% dos casos. Keywords: optic neuritis, multiple sclerosis,
Como no caso clínico e na maior parte dos pacien- ocular diseases.
tes que apresentam EM, manifesta-se no mínimo
um episódio de NOD ao longo da doença. Sendo
mais comum em mulheres (na proporção de 3:1), REFERÊNCIAS
iniciando com idade média de 30 anos e nos indi-
víduos de raça branca (85%). 1. Clark D, Kebede W, Eggenberger E. Optic
neuritis. Neurol Clin 2010;28: 573–580.
A taxa de incidencia de EM, em pacientes por-
2. Frohman EM, Frohman TC, Zee DS et al.

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The neuro-ophtalmology of multiple sclero-


sis. Lancet Neurol.2005;4(2):111-21.
3. Arnold AC. Evolving management of optic
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thalmol 2005;139:1101-1008.
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6. Alvarez G, Cárdenas M. Multiple sclerosis
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