Anjos Fósseis

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Consideremos o mundo da magia.

Uma dispersão de ordens ocultas que, quando não


estão tentando refutar a ascendência uma da outra, estão criogenicamente suspensas
em suas rotinas ritualísticas, seu jogo de ditames de Aiwaz, ou algo perdido em um
spam canalizado de uma expansão de Dungeons & Dragons, mapeando um novo universo
infalsificável e então completamente sem valor até que demonstrassem que tem tanto
a ver quanto uma unha pintada de esmalte preto na garra de um dragão antigo.
Transmissões autoconscientes de entidades afligidas por síndrome de Tourette, de
horrores glossolálicos de Hammer [companhia cinematográfica britânica]. Alguidares
oraculares [scrying bowls] de alguma forma recebendo trailers do canal Sci-Fi.
Muito longe dos caciques ocultos, e por esta razão, muito longe dos índios ocultos.

Além disso, passando pelos portões rangentes das ilustres sociedades, dilapidados
tolos de 50 anos que deram início aos planos para um palácio celestial, mas
inevitavelmente terminaram com o Bates Motel, enquanto lá fora se estende a
multidão. Os embusteiros da psique. O rugido incoerente de nossa hermética torcida
em casa, os anouraques Akashicos, os metidos a Wiccans e o Templo UV dos quarenta
psíquicos-qualquer-coisa fazendo fila para a última franquia do reino das fadas,
reino dos irrecuperáveis hobbituados. Vila Potter.

Em resumo, alguém tem alguma pista do que estamos fazendo, e precisamente por que
estamos fazendo?
Como exatamente isso confirma o Aeon de Horus, Aeon de qualquer coisa se não de
mais consumismo, de política de gangsters, do materialismo levado ao limite da
mente? Isso que parece ser um lugar comum quase universal de aceitação de ideais
conservadores é na verdade sinal de uma desgovernada Thelema? O Cthulhu está
voltando em algum momento próximo ou são as maldições bárbaras da escuridão lá fora
onde os iluministas tentam achar seus traseiros com uma lanterna? O ocultismo
ocidental contemporâneo conseguiu realizar algo mensurável fora da sessão mediúnica
[séance parlour]? A magia tem algum outro uso definido para a espécie humana além
de oferecer a oportunidade de se fantasiar? Putas Tântricas e vigários da noite
temática de Thelema. Pentagramas em seus olhos. “Esta noite, Matthew, eu serei o
Logos do Aeon”. A magia demonstrou algum propósito, justificando sua existência de
modo como a arte ou a ciência ou a agricultura justificaram as suas? Em resumo,
alguém tem alguma pista do que estamos fazendo, e precisamente por que estamos
fazendo?

Certamente, a Magia nem sempre foi divorciada de maneira tão aparente de toda
função humana imediata. Sua origem paleolítica no xamanismo com certeza
representou, naquele momento, a única forma de mediação com um universo vasto e
hostil sobre o qual até então exercíamos muito pouco entendimento ou controle. Em
tais circunstancias é fácil conceber magia como representando inicialmente uma
realidade de parada única numa loja de conveniência pela estrada. Uma visão de
mundo em que todas as outras vertentes da nossa existência – caça, procriação,
lidar com os elementos ou pinturas nas paredes das cavernas – foram agrupadas. A
ciência de tudo, sua relevância para as preocupações comuns dos mamíferos, tanto
óbvias quanto inegáveis.

Essa função de uma “filosofia natural” com tudo incluso, obtida ao longo da
ascensão da civilização clássica, ainda pode ser vista, embora de maneira mais
latente, até o século XVI, quando as ciências mundana e oculta não eram tão
dissociáveis como são hoje. Seria surpreendente, por exemplo, se John Dee não
cedesse seu conhecimento de astrologia matizando sua inestimável contribuição para
a arte da navegação ou vice-versa. Não até que a Idade da Razão gradualmente
pervertesse nossa crença e contato com os deuses que proveram nossos predecessores
e nosso inexperiente senso de racionalidade identificasse o sobrenatural como um
mero órgão vestigial no corpo humano, obsoleto e possivelmente doente, que deve ser
rapidamente extraído.

A ciência, crescida à parte da magia, dotada da magia, cria impulsiva, sua forma
mais prática e portanto materialmente proveitosa de aplicação, muito cedo decidiu
que o ritual e a alfaia simbólica de sua cultura parental alquímica era redundante,
um estorvo e um constrangimento. Inflado em seu novo jaleco branco, com
esferográficas ostentadas como medalhas em seu peito, a ciência envergonhou-se de
seus companheiros (história, geografia, por exemplo) flagrados fazendo compras com
a mãe, com todo o seu resmungo e cantoria. Seu terceiro mamilo. Melhor esconder sua
loucura em algum lugar seguro, alguma Fraggle Rock [gíria inglesa para uma ala
psiquiátrica em que os encarcerados tomam altas dosagens de medicamentos fortes]
para velhos e perturbados paradigmas.

A magia, por outro lado, perdeu todo o seu propósito e utilidade demonstrável, como
muitos pais quando os filhos crescem e vão embora
A cisão que isso causou na família de ideias humana parece irrevogável, com duas
partes do que antes era um organismo separado pelo reducionismo, uma “ciência de
tudo” inclusiva se tornou duas visões separadas, cada uma aparentemente em acirrada
e viciosa oposição em relação à outra. A ciência, no processo deste amargo
divórcio, pode-se dizer que perdeu contato com seu componente ético, com base moral
necessária para prevenir a reprodução de monstros. A magia, por outro lado, perdeu
todo o seu propósito e utilidade demonstrável, como muitos pais quando os filhos
crescem e vão embora. Como preencher o vazio? A resposta é, seja falando da magia
ou do mundano, lastimando por pais e mães com ninhos vazios, com toda
probabilidade, “com ritual e nostalgia”.

O ressurgimento da magia do século XIX, com sua natureza retrospectiva e


essencialmente romântica, parecia estar abençoado com esses dois fatores em
abundância. Embora seja difícil não notar as contribuições feitas para a magia
enquanto campo de conhecimento, tais como, Eliphas Levi ou os vários magos da
Golden Dawn, é tão difícil quanto deixar de argumentar que essas contribuições
foram esmagadoramente sucintas, na medida em que aspiravam criar uma síntese da
tradição já existente, em formalizar as mais variadas sabedorias dos antigos.

Não é desmerecer essa considerável realização se observarmos que esta magia,


durante décadas, carecia de propósito imediato, o que levou a pressa pioneira que
caracterizou, por exemplo, o trabalho de Dee e Kelly. No desenvolvimento de seu
sistema Enoquiano, a magia tardia da renascença poderia ser tipificada como
experimental e de urgência criativa, voltada para o futuro. Em comparação, os
ocultistas do século XIX parecem ter quase deslocado a magia para um passado
reverenciado, tornando-a uma trilha de exibição de museu, um acervo, com eles
mesmos como curadores.

Tinham todas as vestes e adereços, que cheiravam a reencenações históricas em


grupo, uma sociedade serafínica do nó selado, com uma marcha ligeiramente menos
boba. O preocupante consenso de valores de direita e o número de baixas às
sacudidas e tropeços, por outro lado, provavelmente eram idênticos. Os ritos das
elevadas ordens magísticas e as bebedeiras homicidas das bandas tributo de Cromwell
são também similares na medida em que ambas comovem se justapostas ao cruel e
implacável mecanismo da realidade industrial. Belas varinhas pintadas, obsessivas e
genuínas ponteiras, levantadas contra o lúgubre progresso das chaminés. O quanto
disso não pode ser mais acuradamente descrito como fantasias compensatórias da era
da máquina? RPGs que só servem para evidenciar o fato brutal que essas atividades
não têm mais relevância humana na contemporaneidade. Uma melancólica recriação dos
momentos eróticos há muito passados de um impotente.

Outra clara distinção entre os magos dos séculos XVI e XIX encontra-se em sua
relação com a narrativa de suas épocas. Os irmãos da recém-criada Golden Dawn
teriam se inspirado muito mais por puro romance em torno da magia que por qualquer
outro aspecto, com S. L. McGregor Mathers seduzido pelo desejo de fazer da sua vida
uma fantasia como Zanoni de Bulwer Lytton. Convenceu Moina a se referir a ele como
“Zan”, alegam. Woodford e Wescott, por outro lado, ansiosos por fazerem parte de
uma ordem que tinha ainda mais parafernália que a Maçonaria Rosacruciana, de alguma
forma fizeram contato com os fabulosos (literalmente) graus da Geltische Dammerung,
que significa algo como “hora dourada do chá”. Traziam em mãos seus diplomas de
Nárnia, tirados direto do outro lado do guarda roupa. Ou lá estava Alex Crowley,
tentando forçosamente convencer sua turminha a chama-lo por Alastor, de Shelley,
como algum autonomeado Goth de Nottingham chamado Dave insistindo que seu nome de
vampiro era Armand. Ou, pouco tempo depois, havia todo o tipo de bruxaria de culto
antiquíssimo, todo tipo de coven de linhagem de sangue despertando como os filhos
do dragão onde quer que os escritos de Gerald Gardner estivessem disponíveis. Os
ocultistas do século XIX todos pareciam querer ser o tio do Aladdin em uma eterna
pantomima. Viver o sonho.

John Dee, do contrário, foi talvez mais premeditadamente consciente que qualquer
outra pessoa de sua época. Mais focado e com mais propósito. Ele não precisou
procurar por antecedentes nas ficções e mitologias disponíveis, porque John Dee não
estava de maneira alguma para brincadeira. Ele inspirou as grandes ficções mágicas
de seu tempo, e não o contrário. O Próspero de Shakespeare. Fausto de Marlowe. O
jocoso Alquimista de Ben Johnson. A magia de Dee era uma força viva e progressiva,
integral em seu tempo, em vez de um espécime extinto e empalhado, sem relevância em
histórias e contos de fadas. Tinha em mãos um novo e excitante capítulo, escrito
inteiramente em tempo presente, com a aventura mágica em andamento. Por comparação,
os ocultistas que o seguiram no decorrer de uns três séculos tiveram no máximo um
elaborado apêndice, ou talvez uma bibliografia. Uma liga conservadora, murmurando
em sincronia os ritos de um homem morto. Versões covers. Karaokê da feitiçaria. A
magia, uma vez dada por vencida ou usurpada de sua função social perdeu sua razão
de ser, o astro da noite viu-se em meio ao teatro vazio, de cortinas misteriosas.
Cestos empoeirados de vestidos velhos, inescrutáveis adereços para peças
canceladas. Na falta de um papel, cresceu incerta de suas motivações, a magia
pareceu não ter recursos a não ser bancar o bom cãozinho e seguir o script,
resguardando cada último gesto e suspiro, com sua performance esvaziada por hora
congelou-se, embrulhou-se; habilmente se reempacotando para a posteridade inglesa.

Quão lamentável então, que tenha sido este momento na história da magia, com
conteúdo e função perdidos por trás de um ritual sobrecarregado de pormenores
embutidos, que muito fala e pouco faz, precisamente aquele que as últimas ordens
decidiram por cristalizar. Sem uma meta ou missão pré-definidas, nenhum conforto
vendável, os ocultistas do século XIX parecem ter dado demasiada atenção a um
pomposo papel de presente. Possivelmente inaptos a conceber qualquer grupo que não
fosse estruturado de maneira hierárquica como nas lojas das quais estavam
habituados, Mathers e Wescott obedientemente importaram todos os bens de família
maçônicos quando foram mobilhar a sua recém nascida ordem. Todos os trajes, graus e
utensílios. A mentalidade de uma ordem secreta elitizada. Crowley, é claro, pegou
toda essa bagagem pesada e ostentosa quando puxou seu barco para fundar a O.T.O., e
todas as outras ordens desde então, mesmo em suas pretensas empreitadas
iconoclastas como a I.O.T., parecem ter adotado o mesmo padrão do auge da era
vitoriana. Armadilhas suficientemente sensacionalistas, intrincadas o bastante para
chamar a atenção para o que os críticos maldosos poderiam perceber como um vácuo de
quaisquer resultados práticos, qualquer efeito sobre a condição humana.

Não poderiam todas as ordens magísticas serem interpretadas como os restos imóveis
calcificados de algo antes vivo e mutável?

A décima quarta (e talvez última?) edição da estimada Revista Kaos, de Joel Biroco,
trazia uma reprodução de uma pintura, um surpreendente, afetuoso e assustador
trabalho nas belas pinceladas de Marjorie Cameron, ruiva assustadora, companheira
de lar de Dennis Hopper e Dean Stockwell, reputada dama escarlate, queridinha
telemita. Entretanto, quase tão intrigante quanto o trabalho em si é o título: Anjo
Fóssil, com suas contraditórias conjurações de algo maravilhoso, inefável e
transitório combinadas com isso que é por definição morto, inerte e petrificado.
Haverá aí uma metáfora conveniente, tão sóbria quanto instrutiva? Não poderiam
todas as ordens magísticas, com suas doutrinas e dogmas, serem interpretadas como
os restos imóveis calcificados de algo antes intangível e cheio de graça, vivo e
mutável? Como energias, como inspirações e ideias que dançavam de mente em mente,
evoluindo pelo menos até que a primeira fração de calcário de ritual e repetição as
tenham congelado em seu percurso, paralisando-as no meio do caminho para alguma
realização, algum gesto incompleto? Iluminações de trilobitas. Anjos fósseis.

Algo incipiente e etéreo, uma vez desperto brevemente, como uma pedra saltando pela
superfície de nossa cultura, deixando sua leve e tênue marca no barro humano, uma
impressão digital que moldamos em concreto com um aparente resquício de conteúdo
capaz de nos fazer ajoelhar por décadas, séculos, milênios. Recite as
tranquilizantes e familiares cantigas de ninar ou encantamentos palavra por
palavra, e cuidadosamente reencene a velha e amada historinha e talvez algo
aconteça, como já aconteceu antes. Se amarrarmos um carretel e papel alumínio em
uma caixa de papelão fazendo a parecer vagamente um rádio talvez John Frumm apareça
e traga helicópteros de volta? As ordens secretas, tendo feito um fetiche de todo
tipo de cerimônia que surgiu ou se passou há meio século atrás, sentam como Miss
Haversham e se perguntam se os insetos no bolo de casamento de alguma maneira
confirmam o Livro da Lei.

Uma vez mais, nada disso tem a intenção de negar a contribuição que as várias
ordens e seu trabalho fizeram ao campo da magia, mas meramente observar que essa
contribuição admitidamente considerável, é amplamente, de natureza enclausurante em
sua preservação do ritual e folclore do passado, ou mesmo que sua elegante síntese
de ensinamentos discrepantes é sua principal (e talvez única) conquista. Diante de
tais realizações, entretanto, o persistente legado da cultura ocultista do século
XIX parece em sua maioria uma antítese à continuidade saudável, proliferação e
viabilização da magia, que, como uma tecnologia, com certeza já ultrapassou o
datado vaso ornamentado vitoriano e está precisando urgentemente de um transplante.
Toda a mobília artificial Maçônica e alicerce implementados por Wescott e Mathers,
bastando querer para ser capaz de imaginar outra estrutura válida, tornou-se, para
a nossa época, uma limitação e impedimento para o fomento da magia. Resquícios
enganosos, faixas cerimoniais apertadas que pressionam qualquer crescimento,
restringem todo o pensamento, limitam os caminhos nos quais concebemos ou podemos
conceber magia. Imitando os construtos do passado, pensando em termos não
necessariamente aplicáveis hoje – que talvez de fato nunca tenham sido – parecem
ter deixado o ocultismo moderno totalmente incapaz de visualizar qualquer método
diferente no qual possa organizar-se. Inapto a imaginar qualquer progresso,
qualquer evolução, qualquer futuro, o que é provavelmente a garantia para que não
tenha mesmo nenhum.

para quem buscava qualquer coisa vital dentro da ordem secreta, qualquer coisa que
valha algo para qualquer ser racional, não havia nada lá…

Se com frequência a Golden Dawn é o modelo vigente, um exemplar radiante da


perfeita ordem de sucesso, isso certamente se dá porque seu segmento incluía muitos
escritores renomados de evidente habilidade e valor, que apenas por serem membros,
prestigiaram-na com mais credibilidade do que ela jamais teria, graças a eles. O
brilhante John Coulthart sugeriu que provavelmente a Golden Dawn era estimadamente
reconhecida como uma sociedade literária, onde escrivãos de boa vontade procuraram
por uma magia que poderiam encontrar evidência demonstrável, que já estavam vivas e
em funcionamento em seu próprio trabalho, onde não tinham a visão ofuscada por
quaisquer cerimônias, todo aquele fantástico kit. Um autor que mais claramente
contribuiu com algo de valor legítimo para a magia por meio de sua própria ficção
do que quaisquer trabalhos na ordem foi Arthur Machen. Ainda que admitindo seu
deslumbramento em todo o mistério e maravilha na cerimônia da ordem secreta, Machen
sentiu-se compelido a incluir quando escrevia sobre a Golden Dawn em sua
autobiografia, Things Near and Far, que “para quem buscava qualquer coisa vital
dentro da ordem secreta, qualquer coisa que valha algo para qualquer ser racional,
não havia nada lá, ou menos que nada… A sociedade enquanto grupo era pura e
tolamente preocupada com impotentes e imbecis Abracadabras. Não conheciam nada de
nada e se preocupavam mais com um ritual impressionante e sonora terminologia.”
Astutamente, Machen notou a aparente relação inversa entre o conteúdo genuíno e o
barroco, a forma elaborada que caracterizavam as ordens dessa natureza, uma crítica
tão relevante hoje quanto era em 1923.

O território da magia, largamente abandonado como sendo muito perigoso desde a


época de Dee e Kelley, foi definido e reclamado (quando isso foi seguro de se
fazer) pelos entusiastas ocultistas do século XIX, pela classe média suburbana, que
transformaram o ressecado e negligenciado arbusto em uma série de jardins
ornamentais maravilhosamente elaborados. Elementos decorativos, estátuas e pagodes
bastante intrigantes, idealizados a partir de um produtivo passado pastoril. Deuses
em estado terminal reclinados em seu leito de azaleias.

O problema é que jardineiros algumas vezes brigam. Disputas por fronteira. Vendetas
e despejos de inquilinos, sob a luz da lua. Uma vez que estas invejáveis
propriedades são ocupadas, são com frequência cagadas por novas famílias
problemáticas, novas intrigas. Atêm-se às velhas placas de identificação, mantêm-se
o mesmo endereço, mas deixam o lugar se acabar, permitindo que seu terreno caia em
estado de calamidade. Lesmas deslizando-se, ervas daninhas crescendo entre vinte e
duas pétalas de rosa. Nos anos 90 do século XIX, a paisagem do jardim da magia era
porcamente mantida com preguiçosos e desleixados loteamentos subaproveitados e mal
drenados, pintura descascando nas casas de verão egípcias cafonas, agora meros
estábulos onde paranoicos vigilantes rurais ficam acordados a noite toda, mimando
suas espingardas e esperando vândalos adolescentes. Não há produto sequer que
mereça ser mencionado. As flores não têm perfume e não mais encantam. Você sabe,
eram todos aqueles caprichados lamens e tábuas xadrez enoquianas aqui e ali, e
agora vejam só. As desgrenhadas sebes com sua topiária Goética tão seca quanto
palha, ripas de madeira apodrecidas naquele gazebo de estilo Rosacruziano. No que
isso tudo pode resultar é com toda certeza um incêndio.

Leve isso um dia de cada vez, doce Jesus. Infle nossas narinas, nos mantenha
unidos. De alguma maneira iremos suportar

Não, francamente. Terra arrasada. Tem-se aos montes pra indicar. Imagine a cara que
tinha quando a moda dos robes e estandartes pegou. Perder a vida e o sustento era
inevitável, é claro, algum dano colateral no setor de negócios, mas com certeza
seria legitimamente belo. As vigas do templo desmoronando em chamas faiscantes.
“Esqueça-me! Salve os manuscritos cifrados!” Entre as incontáveis Missas Gnósticas,
juramentos, evocações e banimentos, havia qualquer coisa que os distraíssem de um
alerta de incêndio? Ninguém tinha certeza de como eles evacuariam a câmara interna,
nem saberiam quantos ainda estariam lá dentro. Finalmente surgem contos de bravuras
voluntariosas de cortar o coração. “Ele voltou pra resgatar o desenho do LAM, e não
conseguimos pará-lo.” Em seguida, um momento de silencio, para refletir. Enterra-se
o morto, apontam-se os sucessores. Rompe-se o selo de Hymenaeus Gamma. Um olhar
triste sobre nossos acres enegrecidos. Leve isso um dia de cada vez, doce Jesus.
Infle nossas narinas, nos mantenha unidos. De alguma maneira iremos suportar.

E agora? Terra arrasada, é claro, é rica em nitratos e provê uma base para
agricultura de corte e queimada. No pó carbonizado, o broto verde da recuperação. A
vida floresce indiscriminadamente, agitando-se em solo negro. Poderíamos ceder essa
majestosa relva de volta para a natureza. Por que não? Pense nisso como ecologia
astral, o reclame de um cinturão verde psíquico sob o pavimento rachado do
ocultismo vitoriano, como um encorajamento para o crescimento de uma biodiversidade
metafísica. Considerada como um princípio organizador para a operação mágica, a
complexa e autogeradora estrutura fractal de uma selva pareceria tão viável em cada
pequena porção quanto qualquer imposição ilegítima de uma ordem de piso de loja
xadrez; pareceria, de fato, consideravelmente mais natural e vital. Afinal, o
tráfego de ideias que é a essência e a seiva da magia é mais efetivo hoje em dia em
arbustos-telégrafos de um tipo ou outro, em vez de segredos ritualísticos
solenemente alcançados após anos de tentativas, CSEs [certificados de educação
secundária] de Hogwarts. Não será essa floresta tropical o modo de interação, na
verdade, a configuração padrão do ocultismo ocidental para os dias de hoje? Por que
não sair e admitir isso, demolir todos esses clubes que não servem nem como
ornamento, abraçar a lógica dos cipós? Dinamitar as barragens, liberar a enchente,
deixar a nova vida florescer nos ameaçados e moribundos habitats de outrora.

Em termos culturais ocultistas, vida nova é equivalente a novas ideias. Girinos


conceituais, recém-nascidos e se contorcendo, possivelmente venenosos, essas pestes
de cores vivas devem ser estimuladas em nosso novo ecossistema imaterial, para que
este floresça e permaneça saudável. Vamos atrair as pequenas ideias vibrantes, de
brilho neon porém sutis, e as grandes ideias mais resistentes que se alimentam
delas. Se tivermos sorte, o frenesi alimentar poderá chamar atenção dos grandes
paradigmas raptores que atropelam tudo e sacodem a terra. Noções ferozes, da
minúscula bactéria ao incrivelmente grande e feio, confinados sem supervisão em uma
luta por sobrevivência gloriosa e sangrenta, uma espetacular operação cataclísmica
Darwiniana.

As doutrinas mancas se encontram incapazes de superar o primoroso argumento


assassino cheio de dentes. Dogmas mastodontes, anciões decaindo na cadeia
alimentar, se envergando e desfalecendo sob seu próprio peso para fazer uma
refeição, para que então carniceiros vendedores de memorabilia, moscas zombeteiras
de salas de bate-papo venham de qualquer lugar depositar seus ovos. Trufas
meméticas crescendo sobre o musgo e esterco de Aeons em decomposição. Revelações
vivas brotando como London Rocket [planta, nome científico: Sisymbrium irio]
selvagem, crescendo abandonadas em um campo minado. Arcádia Pânica, chifruda,
assassina e saltitante. Seleção sobrenatural. Os mais fortes e bem adaptados
teoremas estão propícios a proliferar e prosperar, o resto é sushi. Isto é com
certeza uma Thelema Hardcore em ação, além de representar um autentico e produtivo
Chaos Old-skool que poderá aquecer os corações de qualquer Thanateiróide. É difícil
ver como a magia enquanto campo de conhecimento possa trazer outra coisa de tão
vigorosa aplicação de processo evolutivo se não benefícios.

Por um lado, ao aceitar um meio menos cultivado e refinado, onde a concorrência


pode ser feroz e barulhenta, a magia estaria fazendo não mais do que se expor às
mesmas condições no que diz respeito aos seus dois parentes mais bem aceitos
socialmente: ciência e arte. A apresentação de uma nova teoria para explicar a
ausência de massa no universo, ou apresentar alguma instalação conceitual para o
prêmio Turner sem dúvidas de que sua obra vai ser submetida ao escrutínio mais
intenso, fortemente hostil e possivelmente de um grupo rival. Cada partícula de
pensamento que desempenhou um papel na construção do seu projeto vai ser
desconstruída e examinada. Somente sem nenhuma falha encontrada o seu trabalho será
acolhido no cânone cultural. Com toda a certeza cedo ou tarde seu projeto de
estimação, sua teoria de estimação, será banalizada e vai acabar virando decoração
de paredes manchadas das velhas e impiedosas arenas públicas. É assim que deve ser.
Suas ideias provavelmente se transformam em acidente de percurso, mas o próprio
campo é reforçado e aprimorado por essas tentativas incessantes. Ele avança e sofre
mutações. Se o nosso objetivo é verdadeiramente o avanço do panorama da magia (e
não o avanço de nós mesmos como instrutores), como alguém poderia se opor a tal
processo?

Temos a intenção de usar essa informação de alguma maneira, ou foi acumulada


somente em benefício próprio?
A menos é claro que um avanço dessa natureza não seja o propósito real, o que nos
traz de volta a pergunta feita anteriormente: o que exatamente estamos fazendo e
por que estamos fazendo? Sem dúvida, alguns de nós estamos engajados na busca
legítima pelo entendimento, mas isso nos leva de volta à questão do porquê. Temos a
intenção de usar essa informação de alguma maneira, ou foi acumulada somente em
benefício próprio, para nossa satisfação particular? Foi uma busca por
reconhecimento, onde alguns poderiam ter alcançado mais facilmente em uma área como
ocultismo, onde convenientemente não há padrões mensuráveis sob os quais podemos
julgar uns aos outros? Ou será que nos inclinamos à definição de Crowley de que
magia é realizar mudanças por meio da vontade, o que quer dizer alcançar alguma
medida de poder sobre a realidade?

A última seria, um palpite, a que fornece o motivo que é mais popular atualmente. A
ascensão da Magia do Caos na década de 1980 centrada em uma série de promessas de
campanha, a mais notável delas a oferta de um sistema de magia baseado em
resultados e que era prático e fácil de usar. O desenvolvimento único e altamente
pessoal de Austin Spare, o Sigilo Mágico, foi nos dito ser facilmente adaptável
para uso universal, fornecendo uma maneira simples e infalível de que o desejo do
coração de alguém poderia ser fácil e imediatamente cumprido. Pondo de lado a
questão “isso é real?” (e a dúvida subsequente: “se for, por que seus defensores
ainda continuam suas rotinas diárias de trabalho, em um mundo progredindo em
sentido contrário aos desejos dos corações de qualquer um, a cada semana que
passa?”), talvez devêssemos nos perguntar se o prolongamento dessa atitude
pragmática, causal para com o trabalho oculto, seja mesmo um uso digno de magia.

Sejamos honestos, a maior parte da feitiçaria causal tal como é praticada


provavelmente é feita na esperança de realizar alguma mudança desejada em âmbito
grosseiro e material. Em termos reais, isso provavelmente envolve pedidos de
dinheiro (mesmo Dee ou Kelley não estavam pedindo aos anjos acima um trocado de vez
em quando?), pedidos por alguma forma de gratificação emocional ou sexual, ou
talvez, em algumas ocasiões, um pedido para que aqueles que nos menosprezaram ou
nos ofenderam sejam punidos. Nessas circunstâncias, mesmo em um cenário não tão
cínico onde o propósito da magia seria, por assim dizer, interceder por um amigo
pela recuperação de uma doença, não podemos alcançar esses objetivos de forma muito
mais efetiva e honesta apenas resolvendo essas coisas em plano material e não
divino?

nossas melhores e mais puras ações são aquelas realizadas “sem ânsia de resultado”
Se, por exemplo, é dinheiro que almejamos, por que não seguir o exemplo legítimo de
Austin Spare (quase o único dentre os magos que parece ter visto o uso da magia
para atrair riqueza como uma anátema) considerando tais preocupações? Se for
dinheiro que queremos por que não podemos levantar magicamente nossas bundas
gordas, magicamente trabalhar pelo menos uma vez na nossa sedentária vidinha
mágica, e vemos se as moedas requisitadas não aparecem magicamente algum tempo
depois em nossas contas bancárias? Se for o afeto de alguma paixão não
correspondida o que estamos buscando, então a solução é ainda mais simples: jogar
boa noite cinderela em sua bebida e estupra-la [1]. Afinal, a miséria moral do seu
ato não será pior e pelo menos você não vai ter que mover meio mundo no
transcendente pra fazer coisas como segura-la para você. Ou se há alguém que você
genuinamente acredita merecer um castigo terrível então ponha na estante a sua
clavícula menor de Salomão e vá direto telefonar pro Frankie-Navalha ou pro Big
Stan. O capanga contratado ilustra bem a decisão ética se comparado ao uso de anjos
caídos pra fazer aquele trabalho sujo (isso assumindo que ir até a casa do sujeito
tirar satisfação, ou apenas, você sabe, superar isso e seguir em frente não sejam
opções viáveis). Ou ainda mesmo o exemplo do amigo doente citado anteriormente:
apenas faça uma visita. Apoie-o cedendo um pouco do seu tempo, seu dinheiro, seu
amor, sua conversa. Cristo, envie um cartão com o desenho de um coelho triste na
capa. Vocês dois se sentirão melhores com isso. Magia intencional ou causal pode
muitas vezes parecer com obter a realização de um fim bastante comum sem fazer o
trabalho comumente associado a ele. Poderíamos muito bem afirmar, citando Crowley,
que nossas melhores e mais puras ações são aquelas realizadas “sem ânsia de
resultado”.
Talvez sua outra famosa máxima, que advoga que buscamos “o objetivo da religião”
utilizando “o método da ciência”, ainda que bem intencionada, talvez tenha levado a
comunidade magística (tal como ela é) a esses erros fundamentais. Afinal de contas,
o “objetivo da religião”, se observarmos a palavra latina “religare” (uma palavra
de raiz semântica comum a outras palavras tais como “ligamento” e “ligadura”)
parece insinuar que “todos fossem unidos em uma única crença”. Este impulso à
evangelização e conversão deve, em qualquer aplicação no mundo real, chegar a um
ponto onde aqueles vinculados a um segmento partirão pra cima daqueles ligados por
outro. Neste ponto, inevitavelmente e historicamente, ambas as facções irão levar
adiante sua traçada vontade em vincular uma à outra em sua única e verdadeira
crença. E então nós massacramos os carolas, os crentes, os góis, os iídiches, os
cafres e os cabeças de turbante. E quando isso historicamente e inevitavelmente não
funcionar, nós nos sentamos e pensamos nas coisas por um século ou dois, damos um
intervalo decente, e então fazemos tudo isso de novo, que nem antes. O objetivo da
religião parece estar, enquanto algo claramente benigno, fora da estrada por uma
milha ou duas, jogado para além do acostamento. A meta, aquilo que ela mirava,
permanece intocável, e a única coisa atingida é Omagh ou Kabul, Hebron, Gaza,
Manhattan, Baghdad, Kashmir, Deansgate, e por aí em diante, e em diante, pra
sempre.

não poderíamos dizer que a magia tenha uma simpatia natural com a anarquia, o
oposto do fascismo?
A noção de amarrar tudo que se encontra na raiz etimológica da religião é também
encontrada, de forma reveladora, no agrupamento simbólico de varas amarradas, os
fachos, que mais tarde daria origem ao termo fascismo. Fascismo, baseado em
conceitos místicos tais como sangue e “volk” (povo em alemão), seria mais
propriamente visto como religião que como instancia política, uma política embasada
em alguma forma de razão, porém equivocada e brutal. A ideia de sermos unidos em
uma única fé, uma única crença; que a união (e também, inevitavelmente, a
uniformidade) faz a força, parece ser antitética à magia, que é sobretudo, decerto
pessoal, subjetiva e pertinente ao individual, à responsabilidade por cada criatura
sensível para alcançar seu próprio entendimento do sagrado e assim fazer as pazes
com Deus, o universo e tudo o mais. Então, se podemos dizer que a religião encontra
seu equivalente político próximo ao fascismo, não poderíamos dizer que a magia
tenha uma simpatia natural com a anarquia, o oposto do fascismo (derivado dos
termos an-archon, ou “sem líder”)? O que é claro nos leva de volta aos templos
incendiados, líderes de ordens destituídos e despejados, a terra queimada e a
abordagem de natureza selvagem e anárquica da magia, sugerido anteriormente.

A outra metade da máxima de Crowley, na qual ele propõe a metodologia da ciência


também parece ter suas falhas, ainda que mais uma vez, seja bem intencionada.
Baseando-se em resultados materiais, a ciência talvez seja o modelo que levou as
artes mágicas ao beco sem saída causal descrito acima. Além disso, se aceitarmos os
meios da ciência como um procedimento ideal dos quais podemos aspirar em nossos
trabalhos de magia, não corremos o risco de adotar também uma mentalidade
científica materialista no que diz respeito às várias diferentes forças que
preocupam o ocultista? Um cientista que trabalha com eletricidade, por exemplo, irá
justamente considerar a energia como moralmente neutra, uma força sem consciência
que pode facilmente ser usada pra suprir um hospital, ou aquecer uma lâmpada de
lava ou mesmo fritar um negro com idade mental de 9 anos no Texas. Magia, por outro
lado, por experiência própria, não parece ser neutra em sua natureza moral, não
parece algo sem consciência. Do contrário, como um agente, parece estar ciente de
si e ser ativamente inteligente, viva, fora dos trilhos de alta tensão. Ao
contrário da eletricidade, parece ter uma personalidade complexa, com
características quase humanas, tais como, por exemplo, um aparente senso de humor.
Ainda bem, levando em conta o desfile de idiotas de nariz empinado a quem a magia
tem entretido e tolerado ao longo dos séculos. Magia, em suma, não parece estar lá
apenas pra energizar sigilos que não passam de versões astrais de uma gambiarra ou
aparato pra poupar trabalho. Diferente da eletricidade, ela parece ter em mente a
sua própria agenda.

Para além de tudo isso, há outros ruídos, razões convincentes do por que pensar
magia como uma ciência nos limita. Primeiramente e nitidamente que não é. A magia,
depois que renunciou a toda e qualquer aplicação prática ou mundana após o
crepúsculo dos alquimistas, não pode mais ser considerada como uma verdadeira
ciência, assim como também, podemos dizer, a psicanálise. Por mais que Freud possa
ter desejado o contrário, por mais que tenha, entretanto, lamentado que Jung tenha
arrastado seu pretenso método científico para o fundo do escuro e borbulhante lodo
do ocultismo, magia e psicanálise não podem nunca, por definição, serem permitidas
a terem um lugar entre as ciências. Ambas lidam quase exclusivamente com fenômenos
que não podem ser repetidos nas condições de laboratório e que, sendo assim,
existem fora do alcance da ciência, preocupada apenas com as coisas que podem ser
medidas e observadas, comprovadas empiricamente. Uma vez que a própria consciência
não possa ter sua existência comprovada em termos científicos, então nossas
afirmações que diziam que a consciência é atormentada seja pela inveja do pênis ou
por demônios das Qlippoth devem permanecer para sempre além das fronteiras
limítrofes do que pode ser verificado por exame racional. Francamente, deve-se
dizer que a magia, quando considerada ciência, se coloca em um nível equivalente ao
de alguém que escolhe os números da loteria utilizando a data do aniversário de
alguém que ama.

Esse parece ser o “X” da questão: Se a magia é uma ciência, claramente não é uma
particularmente bem desenvolvida. Onde estão, por exemplo, os equivalentes mágicos
das teorias geral ou restrita da relatividade de Einstein, ou mesmo a interpretação
de Bohr em Copenhagen? Sejamos objetivos, onde estão nossas analogias para a lei da
gravidade, termodinâmica e todo o resto? Erastóstenes uma vez mediu a
circunferência da terra utilizando geometria e sombras. Quando foi a última vez que
utilizamos algo tão útil e tão engenhoso quanto isso? Houve qualquer coisa parecida
com alguma teoria geral desde a Tábua de Esmeralda? Uma vez mais, talvez a
preocupação de uma magia com causa e efeito tenha sua parcela de culpa nisso.
Nossos axiomas em maioria parecem estar no nível de que se eu fizer “A” então “B”
vai acontecer. Se nós dissermos essas palavras e chamar por estes nomes então
certas visões aparecerão para nós. E como exatamente isso acontece, bem, quem se
importa? Desde que tenhamos resultados, o pensamento corrente parece ser por que se
importar em como obtemos? Se batermos essas duas pedras uma na outra depois de um
tempo elas vão fazer uma faísca e toda essa grama seca vai pegar fogo. E você já
reparou em como ter certeza de que se você sacrificar um porco durante um eclipse o
sol sempre retorna? A magia, na melhor das hipóteses, é ciência paleolítica.
Certamente é melhor deixar de lado o discurso da entrega do Prêmio Nobel para
quando aparar os cabelos da testa.

nós nos tocamos que não somos nem missionários nem botânicos, mas o que então somos
nós?

Aonde exatamente, podemos razoavelmente perguntar, isso tudo nos leva? Tendo
imprudentemente descartado nossas ordens ou tradições consagradas pelo tempo e
rasgando nossa declaração de intenções; tendo dito que a magia não deve ser
religião e não pode ser ciência, teremos nós levado essa abordagem de Ano Zero do
Khmer Vermelho longe demais, cortando nossas próprias jugulares com a Navalha de
Occam? Agora que trouxemos abaixo as nossas marcações e reduzimos nosso território
a uma mata indistinta, será mesmo que esta é a melhor hora para jogarmos fora nossa
bússola? Agora, enquanto a noite cai sobre a selva, nós nos tocamos que não somos
nem missionários nem botânicos, mas o que então somos nós? Párias? Chiados breves
no breu da escuridão? Se as metas e métodos da ciência ou da religião são
inviavelmente fúteis, mero fim da linha definitivo, qual outro papel para a magia
podemos conceber a existência? E por favor, não diga que é algo tão difícil assim,
pois por todos os mantos negros e assustadores, tenderíamos a nos assustar
facilmente.

Se não podemos considerar propriamente como ciência ou religião, seria uma


provocação apresentar a sugestão de que podemos pensar magia como arte? Ou mesmo a
Arte, se você gostar da ideia? Não seria como se esta noção fosse algo sem
precedentes. Pode até mesmo ser visto como um retorno às nossas origens xamânicas,
quando a magia era expressada em máscaras e mímicas e marcas nas paredes, os
pictogramas que nos deram nossa linguagem escrita de modo que essa linguagem
pudesse então nos possibilitar a consciência. Música, performance, pintura, dança,
poesia e pantomima poderiam ser todas facilmente imaginadas como tendo se originado
do repertório do xamã de truques mágicos para alterar a consciência. Escultura
evoluindo a partir de bonecas de fetiche, a Venus de Willendorf transformando-se em
Henry Moore. Trajes customizados e desfiles de passarela, Erte e Yves St. Laurent,
decorrentes de fortes pisadas iluminadas pelo fogo, com peles contas e galhos,
projetando formas para surpreender e despertar. Baronesa Tatcher, em seu chá de
bebê, sugeriu que mais uma vez a sociedade abraça “valores Vitorianos”, uma ideia
que certamente parece ter pego dentre a fraternidade mágica. Isso não parece ser
nem de longe o suficiente, no entanto. Em vez disso, vamos clamar por um retorno
dos valores Cro-Magnons: mais criativo e robusto, e com cabelo melhor.

É claro, não precisamos viajar tão longe na antiguidade admitidamente especulativa


por evidencias de uma relação íntima e única desfrutada pela arte e magia. Das
pinturas nas paredes das cavernas de Lascaux, entre a estatuária grega e frisos dos
mestres flamengos, até William Blake, e em diante aos Pré Rafaelitas, os
simbolistas e surrealistas, é cada vez mais raro encontrarmos artistas com estatura
real, sejam eles pintores, escultores, músicos, que não tenham recorrido em algum
momento ao pensamento ocultista, seja através da atuação em seu alegado
envolvimento com alguma ordem secreta ou com a maçonaria, como Mozart, ou a partir
de uma visão cultivada particular, como Elgar. A Opera aparentemente tem suas
origens na alquimia, produzida por seus primeiros pioneiros como uma forma de arte
que incluía todas as outras artes dentro dela (musica, texto, performance,
figurinos, cenários pintados) com a intenção de transmitir ideias alquímicas na sua
forma mais abrangente artística e portanto, mais celestial. Da mesma forma, com as
artes visuais não precisamos invocar exemplos óbvios de uma influência ocultista,
tal como Duchamp, Max Ernst ou Dali, quando existem nomes mais surpreendentes, como
Picasso (quando em sua juventude passou mergulhado em haxixe e misticismo, com sua
obra posterior preocupado com ideias então ocultas pertencentes à quarta dimensão),
ou os quadrados e retângulos calculados de Mondrian, criados para expressar noções,
de acordo com ele, de seu estudo da teosofia. Na verdade, grande parte da pintura
abstrata se deve à famosa sucessora de Blavatsky, Annie Besant, e da publicação de
sua teoria de que as energias essenciais rarefeitas de raios, correntes e vibrações
da Teosofia poderiam ser representadas por intuídos e disformes redemoinhos de cor,
uma ideia da qual muitos artistas inclinados à moda mística aproveitaram
avidamente.

as artes sempre consideraram a Magia com mais simpatia e mais respeito que a
ciência e a religião

Marjorie Cameron’s “Fossil Angel”

A literatura, por outro lado, está tão intrinsecamente envolvida com a essência
própria da magia que as duas podem ser efetivamente consideradas a mesma coisa.
Feitiços e soletrar (spell e spelling. o verbo “to spell” pode ser traduzido tanto
como soletrar quanto enfeitiçar), encantos bárdicos, gramáticas e grimórios, magia
como “enfermidade da palavra” como Aleister Crowley tão inspiradamente descreveu.
Odin, Thoth e Hermes, deuses da magia e da escrita. A terminologia mágica, seus
simbolismos, conjurações e evocações, quase idênticos à da poesia. No início era o
verbo. Com a magia sendo quase totalmente uma construção linguística é
desnecessário ditar a longa lista dos muitos literatos praticantes de ocultismo. Na
escrita, como na música ou na pintura, uma intensa e íntima conexão com o mundo da
magia é tanto evidente quanto óbvia, e parece completamente natural. Com
certeza, as artes sempre consideraram a Magia com mais simpatia e mais respeito que
a ciência (que, historicamente, sempre buscou provar que os ocultistas são
fraudulentos ou estão iludidos) e a religião (que, historicamente, sempre buscou
provar que os ocultistas são inflamáveis). Enquanto elas compartilham o status
social e amplo respeito concedidos à igreja e ao laboratório, o campo da arte não
visa excluir, nem é governado por uma doutrina que é inimiga da magia, tal como
pode ser dito de seus dois companheiros indicadores do progresso cultural da
humanidade. Afinal, enquanto a magia tem produzido, em tempo relativamente recente,
alguns poderosos teólogos dignos de nota e mesmo alguns poucos cientistas, ela tem
produzido uma infinidade de inspirados e inspiradores pintores, poetas e músicos.
Talvez devêssemos ficar com aquilo que nós sabemos que somos bons?

As vantagens de tratar magia como uma arte parecem à primeira vista consideráveis.
Por um lado, não há interesses capazes de sustentar uma objeção à inclusão da magia
no cânone, mesmo que eles se entretenham contestando a princípio, o que é pouco
provável. Isso está claramente longe de ser o caso com a ciência e com a religião,
que por natureza própria tem questão de honra em ver a magia insultada e
ridicularizada, marginalizada e deixada para enferrujar no ferro velho da história
junto com as teorias da terra plana, da memória da água e do flogisto. A arte, como
categoria, representa um ambiente fértil e hospitaleiro onde a energia da magia
poderia ser direcionada para seu crescimento e desenvolvimento como campo, em vez
de canalizada em lutas fúteis para aceitação, ou queimada inutilmente e deixada de
lado com o passar do tempo em repetidos rituais do século passado. Outro benefício,
é claro, se encontra na numinosidade da arte, sua própria falta de definição em
arestas rígidas e, portanto, sua flexibilidade. As questões “o que exatamente
estamos fazendo e por que estamos fazendo”, que questionam o “método” e o
“objetivo”, são trazidas a uma nova luz quando questionadas em termos da arte. O
único objetivo da arte pode ser o de lucidamente expressar a mente, o coração e a
alma humana em todas as suas incontáveis variações, assim para alcançar uma melhor
compreensão do universo ou de si mesmo, favorecendo o seu crescimento em direção à
luz. O método da arte é o que quer que possa ser mesmo além do imaginado. Esses
parâmetros de propósito e procedimento não são suficientemente elásticos para
permitir a inclusão de agendas mais radicais ou mesmo conservadoras para a magia?
Ocultismo vital e progressivo, belamente expressado, que não tem obrigação alguma
de se explicar ou se justificar. Cada pensamento, cada linha, cada estranha imagem
feita para nenhum outro propósito senão de serem ofertas dignas aos deuses, à arte,
à própria magia. A arte pela arte.

o campo de mais rápida expansão de interesse científico é, aparentemente, o estudo


da consciência

Paradoxalmente, mesmo aqueles ocultistas amantes de uma visão cientificista da


magia poderiam ter motivos para celebrar essa mudança de ênfase. Como argumentado
acima, magia nunca poderá ser ciência da maneira como a ciência é definida
atualmente, que quer dizer como sendo inteiramente baseada em resultados
reproduzíveis dentro do mundo mensurável e material. No entanto, ao limitar as suas
atividades exclusivamente ao mundo material, a ciência automaticamente
desqualifica-se de falar do mundo interior, imaterial, que é na verdade a maior
parte da nossa experiência humana. A ciência talvez seja a ferramenta mais efetiva
que a consciência humana tenha desenvolvido até então com a qual podemos explorar o
universo lá fora, e ainda assim este polido e sofisticado instrumento de escrutínio
é incapacitado por um ofuscante ponto cego na medida em que não pode examinar a
própria consciência. Desde o final dos anos 1990, o campo de mais rápida expansão
de interesse científico é, aparentemente, o estudo da consciência, com duas grandes
escolas de pensamento-sobre-o-pensamento até então emergentes, cada uma se
contrapondo a outra. Uma sustenta que a consciência é uma ilusão biológica, meros
processos cerebrais automáticos e comportamentais que são dependentes de
esguichadas de glândulas e penetração de enzimas. Ainda que essa descrição não
pareça adequada às muitas maravilhas encontradas no interior da mente humana, seus
defensores parecem quase certos de apoiar um vencedor, tendo visto que sua
contundente teoria materialista é a única que tem uma chance de provar-se em termos
de uma ciência materialista tapada. No outro campo, descrita como a mais
transpessoal em sua abordagem, o atual teorema em liderança é de que a consciência
é alguma “coisa” peculiar permeando o universo conhecido, na qual cada ser
senciente é um pequeno reservatório temporário. Esse ponto de vista, o qual
provavelmente gera grande simpatia daqueles com inclinações ao oculto, é quase
certamente condenado em termos de alcançar uma eventual credibilidade científica. A
ciência não pode nem mesmo discutir adequadamente o pessoal, de modo que o
transpessoal sequer tem chance. Esses são assuntos do mundo interior, e a ciência
não chega até lá. É por isso que sabiamente deixa a exploração do interior da
humanidade nas mãos de uma ferramenta sofisticada e que é especificamente
desenvolvida para este uso, esta que chamamos de arte.

Se a magia fosse considerada como uma arte ela teria acesso culturalmente válido à
paisagem interior [Infrascape], os territórios imateriais intermináveis que são
ignorados e invisíveis à ciência, que são inacessíveis à razão científica, e,
portanto, compreendem o terreno mais natural da magia. Voltar esforços para a
exploração criativa do espaço interior da humanidade pode não só ser de utilidade
humana massiva, como pode eventualmente restaurar à magia todo o propósito e
relevância, a utilidade demonstrável que lhe foi tão lamentavelmente privada, e por
tanto tempo. Visto como arte, o campo ainda poderia produzir as resmas de teorias
especulativas de que tanto gosta (afinal, filosofia e retórica podem ser vistas
mais facilmente como arte que como ciência), contanto que fossem escritas de
maneira bela e interessante. Enquanto, por exemplo, o Livro da Lei poderia ser
questionado em valor quando considerado puramente como texto profético descrevendo
definitivas ocorrências de estados de consciência porvir, não se pode negar que
seja um exemplo de escrita da porra, que merece ser reverenciado como tal. O ponto
é que se a magia abandonasse suas vazias pretensões enquanto ciência e saísse do
armário como arte, obteria ironicamente a liberdade para seguir em suas aspirações
científicas, talvez até mesmo se valendo de um teorema do campo unificado do
sobrenatural, tudo isso em termos aceitáveis para a cultura moderna. A obra prima
de Marcel Duchamp, A Noiva Despida Por Seus Celibatários, é mais possível que seja
pensada como alquimia genuína, que como descrita em um trabalho de um pobre coitado
que sugere que tenha algo a ver com fusão a frio. A arte é claramente um ambiente
muito mais confortável para o pensamento mágico do que a ciência, com uma decoração
muito mais relaxante e mobília muito mais bonita.

Mesmo aquelas almas danadas tão institucionalizadas como os membros de ordens


mágicas que nem conseguem imaginar algum estilo de vida que não envolva pertencer a
uma elite secreta e cabal não tem razão para se desesperar ao encontrar a si
próprios sem teto e solitários em nossa nova proposta selvagem. Arte não tem
ordens, porém têm movimentos, escolas e panelinhas com toda a dissimulação, narizes
empinados e elitismo que qualquer um poderia desejar. Melhor ainda, uma vez que
movimentos artísticos não ficam competindo uns com os outros pelo mesmo território
como as ordens mágicas (como podemos dizer, por exemplo, que William Holman Hunt
compete com Miró, ou Vermeer?), isso deve evitar a necessidade que as diferentes
escolas de pensamento ocultista têm de criar rixas, ou ataques, ou como geralmente
acontece fazer a egípcia tal qual meras imitações de dar pena de Criswell-do-plano-
9-do-espaço-sideral.

A quem nossos rituais e adornos visam agradar, se não os deuses?

Assim como não há necessidade de descartar inteiramente as fraternidades, do mesmo


modo não há necessidade para os que cresceram ligados a essas coisas de descartarem
suas armadilhas rituais, quer dizer, seus rituais. A única coisa que pedimos é que
eles abordem estes assuntos com mais criatividade e com um olhar mais criterioso e
ouvidos para o que é profundo; o que é belo, original e poderoso. Que façam
varinhas, selos e lamens aptos a estarem em exposições de arte marginal (quão
difícil isso pode ser? Mesmo pacientes mentais são qualificados), façam de todo
ritual uma peça de teatro impressionante e intensa. Quer consideremos magia arte ou
não, essas coisas precisam ser minimamente ditas. A quem nossos rituais privados e
adornos feitos visam agradar, se não os deuses? E quando sequer foi que eles nos
deram a impressão de que estariam satisfeitos com algo que não fosse minimamente
requintado ou original? Deuses, ou seja lá o que forem, são conhecidos por serem
notoriamente parciais à criação, e portanto podemos presumir que sejam capazes de
apreciar a criatividade humana, a coisa mais próxima que desenvolvemos de uma
brincadeira divina e nossa mais sublime realização. Pensar a magia uma vez mais
como arte permitiria que a ela conservasse tudo o que tem de melhor do que um dia
já foi, ao mesmo tempo em que ofereceria a oportunidade para que ela floresça e
progrida rumo a um futuro onde possa realizar muito mais.

Como é que esta mudança de premissa tem impacto, então, sobre nossa metodologia?
Que mudanças de ênfase podem ser vinculadas, e poderiam tais alterações serem
vantajosas tanto à magia enquanto campo como para nós enquanto indivíduos? Se
tivermos uma intenção séria de reinventar o oculto como A Arte, uma alteração
básica em nossos métodos de trabalho que poderia produzir benefícios consideráveis
seria se nós nos determinássemos a cristalizar qualquer ideia, verdades ou visões
que nossas viagens mágicas tenham nos proporcionado em algum artefato, algo que
todo mundo pudesse ver também, só pra variar. A natureza do artefato, seja um filme
ou Haikai, um expressivo desenho a lápis ou um exuberante espetáculo teatral, é
completamente sem importância. Tudo o que importa é que seja arte e que permaneça
fiel à sua inspiração. Uma vez que tenha sido adotado, em um único golpe, um ajuste
tão pequeno de processo quanto esse poderia verdadeiramente transformar o mundo em
magia. Em vez de ser por uma motivação pessoal, de funcionamento toscamente causal
tanto de intenção duvidosa e resultado duvidoso, magia de punheta que termina
geralmente em satisfação limitada, nossas transações com o mundo oculto seriam
produtivas, gerando questões em resultados tangíveis onde todos possam julgar seus
valores por si próprios. Em termos puramente evangélicos, como propaganda de uma
visão de mundo mágica mais iluminada, a arte com certeza representa a nossa
“evidência” mais convincente de outros estados e planos de existência. Enquanto os
pensamentos de Austin Spare são inegavelmente interessantes quando expressados na
forma de escrita como teoria, é sem dúvida seu talento como artista que proporciona
a percepção de entidades e outros mundos realmente testemunhados e registrados, a
autenticidade imediata que conferiu a Spare muito de sua reputação como um grande
mago. Ainda mais importante, um trabalho como o de Spare fornece uma janela para o
mundo oculto, permitindo aqueles que estão fora uma expressão mais eloquente acerca
do que é a magia do que qualquer trato arcano, oferecendo-lhes uma razão legítima
para se aproximar do oculto pra começo de conversa.

Com a arte, a visão mais forte vai prevalecer, mesmo que demore décadas, séculos
Em nosso cenário selvagem para a magia, com a competição Darwiniana feroz e justa
entre as ideias implícita, tratar o oculto como uma arte também poderia emprestar
um meio de lidar com (ou fomentar) quaisquer disputas que possam surgir. A arte tem
uma maneira de resolver tais disputas por si, indiscutivelmente, sem recorrer a
processos capengas como, por exemplo, resolução violenta de conflitos, litígios, ou
ainda pior, democracia de patricinha. Com a arte, a visão mais forte vai
prevalecer, mesmo que demore décadas, séculos para que aconteça, como William
Blake. Não há necessidade de sequer fazer uma votação sobre qual é a visão mais
forte: esta seria aquela sentada quietinha em seu canto indisputável da nossa
cultura, indiferente palitando os dentes com os esternos de seus rivais. Mozart
abate um Salieri, dorme durante dois dias após o banquete, período no qual a savana
pode relaxar. Dando o bote de repente por entre as sombras das torres de concreto,
J. G. Ballard corta fora Kingsley Amis, enquanto Jean Cocteau não sai da cola da
ossuda bunda Imperial-Ciclópica [possível referência ao Ku Klux Klan] de D. W.
Griffith como um filho da puta. Uma seleção natural artística, sanguinária, mas
equilibrada, parece uma forma muito mais razoável de resolver assuntos que decisões
arbitrárias e sem resposta, proferidas pelos chefes de ordens, como Moina Mathers
dizendo a Violet Firth que sua aura não tinha os símbolos adequados.

Além disso, se a viciosa luta por sobrevivência é promulgada decretada nos termos
daquele cuja a ideia é mais potente e mais bela em sua expressão, então os
espectadores da briga-de-galos estão mais propensos a acabar sujos de metáforas
magníficas do que com respingos frescos de entranhas. Mesmo nossas brigas mais
incestuosas e sem sentido podem, assim, ter um produto que enriquece o mundo em
alguma pequena parcela, em vez de nenhum resultado, salvo de que a magia pareça uma
briga de parquinho ainda mais infantil e inane do que todos pensavam que era. Ao
julgar por seus méritos, tal atitude de lógica selvagem para com a magia, com sua
estética predatória e ideias competindo em uma mata fertilizada por seus
requintados excrementos culturais, parece oferecer ao ocultismo uma situação em que
todos ganham. Como poderia alguém ser contra, exceto no caso daqueles cujas ideias
podem ser vistas como gordas, lentas, incapazes de voar, e fonte acessível de
proteína; aqueles bem qualificados como presa primária que talvez estejam começando
a suspeitar que isso tudo seja um argumento de um tigre para safáris em campo
aberto?

Por que deveria o medo do ridículo causar problemas para ocultistas que juraram
manterem-se firmes frente às próprias portas do inferno?
Após análise, estas últimas dúvidas e medos mencionados, ainda que certamente
triviais dentro de um contexto de bem estar da magia enquanto campo, é provável que
sejam obstáculos mais graves para qualquer grande aceitação de uma ética-pantanal
primal, como é proposta. No entanto, se aceitarmos que as únicas alternativas para
a selva sejam um circo ou um jardim zoológico, a ideia talvez seja mais
considerável. E se nossas preciosas ideias devam ser rasgadas em pedaços no momento
em que mal estão saindo do ninho, mesmo que isso seja, é claro, angustiante, não é
mais que uma prova da qual suportou qualquer poeta estudante ocasional ou pintor de
domingo que expõe seu desajeitado esforço ao julgamento de outro. Por que deveria o
medo do ridículo ou da crítica, medo do qual o mais baixo bêbado de karaokê está
aparentemente bem capaz de superar, causar problemas para ocultistas que juraram
manterem-se firmes frente às próprias portas do inferno? Na verdade, a superação de
tais fobias simples não deveria ser pré-requisito pra quem quer trajar a si como um
mago? Se considerar magia como arte e arte como magia, se como os antigos xamãs
percebêssemos um dom para a poesia como um poder mágico, magicamente concedido, não
teríamos finalmente uma resposta quando uma pessoa qualquer na rua nos pede, de
forma razoável, para demonstrar um pouco de magia, então, já que somos tão
taumatúrgicos?

O quão empoderador seria para ocultistas acumular constantemente, através de um


trabalho árduo, genuínas habilidades mágicas que podem ser comprovadamente
exibidas. Talentos que gente comum, inteligente e racional pode muito facilmente
aceitar como sendo verdadeiramente mágicos em sua origem; prontamente se envolver
de uma forma que o ocultismo atual, com o seu obscurantismo muitas vezes deliberado
e desnecessário, não pode gerir. Apesar da magia ser mais seguramente expressa e
sentida na maioria dos grimórios modernos, um mero folhear das Ficções de Borges,
ou um vislumbre de Escher ou de um lado ou dois de Capitão Beefheart seria muito
mais provável de persuadir o leitor comum para um ponto de vista magicamente
receptivo. Se a própria consciência, com sua existência no mundo natural, está além
da capacidade de comprovação da ciência, sendo, portanto, sobrenatural e oculta,
certamente a arte é um dos meios mais óbvios e espetaculares pelo qual o reino
sobrenatural da mente e da alma se revela, se manifesta sobre um plano material
bruto.

O poder da arte é imediato e irrefutável, imenso. Ela altera a consciência,


consideravelmente, tanto do artista quanto da sua audiência. Ela pode mudar a vida
dos homens e, dessa forma, mudar a história e a própria sociedade. Ela pode nos
inspirar a maravilhas ou horrores. Ela pode oferecer as mentes jovens, maleáveis e
expansíveis, novos espaços de habitação, ou oferecer conforto aqueles que se
encontram perto da morte. Ela pode lhe fazer se apaixonar, ou fatiar a reputação de
algum ídolo num piscar de olhos, e o manter mutilado frente aos seus adoradores,
morto para a posteridade. Ela conjura demônios de Goya e anjos de Rosetti até a
aparência visível. É ao mesmo tempo a perdição e o instrumento mais amado dos
tiranos. Ela transforma o mundo em que vivemos, altera nossa visão do universo,
altera a nossa visão daqueles a nossa volta e até de nós mesmos. Qual a conquista
da feitiçaria que já não foi alcançada pela arte? Ela conduziu um bilhão para a luz
e assassinou outro bilhão. Se o nosso objetivo é o desenvolvimento do poder e das
habilidades ocultas, não poderíamos ter um meio mais produtivo e poderoso do que a
arte para chegarmos lá. A arte pode não fazer sua vassoura ter vida própria e fazer
uma faxina para você… mas tampouco poderia a magia, em todo caso… no entanto,
simplesmente por haver imaginado a cena, Walt Disney ganhou dinheiro mais do que
suficiente para pagar alguém para que cuidasse disso em seu lugar. E ainda sobrou o
suficiente para guardar sua cabeça neste enorme cubo de gelo marcado por
hieróglifos nalgum lugar abaixo do Magic Kingdom. Isso, certamente, é toda a
implacável influência satânica que qualquer um, são ou louco, poderia pedir [Moore
se refere a uma provável lenda urbana, difícil dizer se está sendo irônico ou não].

Ao reclamar a magia como A Arte, nua e furiosa numa selva de Rousseau sem nenhuma
cabana, é provável que os apreensivos pela preposição sejam aqueles que se sintam
desprivilegiados pela ideia, aqueles que suspeitam que a sua oferta artística está
aquém da tarefa dada. Tais temores, embora compreensíveis, não podem estar ao lado
da imagem heroica, destemida, que muitos ocultistas têm de si mesmo. Será que não
há realmente nada, nenhum artesanato ou ofício, que eles não possam usar para
implementar sua magia? Eles não têm nenhum talento que possa ser usado de forma
criativa e mágica, seja para a matemática, a dança, os sonhos, o toque de tambor, a
comédia stand-up, o strip-tease, o grafite, o encantamento de cobras, as
demonstrações científicas, ou mesmo para serrar vacas perfeitamente ao meio, ou
esculpir bustos assustadoramente realistas dos monarcas europeus a partir de suas
próprias fezes? Ou, tipo, qualquer coisa? Mesmo que tais habilidades não sejam hoje
abundantes ou evidentes, tais almas tímidas não poderiam imaginar que a capacidade
para algum trabalho honesto precisa ser primeiro desenvolvida para depois ser
aplicada para algo de útil? O trabalho duro não deveria ser um conceito totalmente
estrangeiro para o Mago. E não é nem mesmo A Grande Obra que nós estamos
necessariamente discutindo aqui, é apenas a Obra Boa-Mas-Nem-Tanto-Assim. Algo
muito mais atingível. Se até mesmo isso soa muito difícil e trabalhoso, você pode
sempre tornar a aquisição de talento artístico profundo e a conquista do sucesso o
desejo mais íntimo do seu coração e então simplesmente bater uma para um sigilo.
Aparentemente, nunca falha. Então, qual a desculpa que alguém teria para não
abraçar a arte como magia, e a magia como A Arte? Se você é, por qualquer razão,
realmente incapaz de ter alguma criatividade, hoje ou sempre, então você tem
realmente certeza que a magia é o campo certo para você? Apesar de tudo, as redes
de fast-food estão sempre contratando. Em dez anos você poderia se tornar um
gerente.

Ao compreender a arte como magia, ao conceber caneta ou pincel como varinha mágica,
nós devolvemos ao mago seus poderes
Ao compreender a arte como magia, ao conceber caneta ou pincel como varinha mágica,
nós então devolvemos ao mago seus poderes xamânicos originais e a sua importância
social, damos de volta ao ocultismo tanto um produto quanto um sentido. Quem sabe?
Pode ser que ao implementarmos tal mudança terminemos por remover toda a nossa
necessidade egóica de encantos e maldições , nossa magia superficial. Se formos
realizados e prolíficos em nossa arte, talvez os deuses se preparem para nos enviar
vales postais substanciais a cada semana, sem que nós sequer peçamos. Nos assuntos
sexuais e românticos, como artistas nós nos sairíamos tão bem quanto Picasso.
Mulheres e homens e animais se ofereceriam nus aos nossos pés. Já acerca da
destruição de nossos inimigos, nós simplesmente não nos incomodaríamos de chamá-los
para nossas celebrações e inaugurações, e eles simplesmente morreriam, com o tempo.

Este re-imaginar da magia como A Arte poderia beneficiar claramente o mundo


ocultista em geral e o mago individual em particular, mas não esqueçamos o fato de
que ele também poderia beneficiar as artes. É preciso ser dito que a cultura de
massa [mainstream] moderna, em grande parte e sob a maioria das perspectivas
civilizadas, é um balde plástico cheio de doença. Os artistas de nosso tempo
(admitidamente, com algumas notáveis exceções) parecem ter a única intenção de
refletir adiante o vazio e a consequente obsessão com a mera superficialidade que
nós também achamos nos líderes e governantes de nossa era. Apenas um ou dois anos
atrás, a retrospectiva de Blake na antiga Tate Gallery despertou nos críticos
mordazes comparações com os artistas britânicos habitando atualmente um bairro
descolado, destacando que a geração moderna de visionários se torna um tanto pálida
quanto comparada com a sua luz. A “loucura” estudada e autoconsciente de Tracey
Emin [artista multimídia britânica; Moore continua citando outros artistas
contemporâneos a seguir] se torna domesticada ao lado da loucura santificada de
Blake. Damien Hirst é chocante numa maneira superficial, mas não chocante ao ponto
de ter prestado juramentos de lealdade, ou de ter de lidar com turbas de
inquisidores ou julgamentos de sedição. As contribuições dos irmãos Chapman [Jake e
Dinos] para o Apocalipse (a exposição, não a situação no Iraque) não são de forma
alguma uma revelação. William Blake poderia tirar um apocalipse muito superior da
bunda de uma escultura de um dragão vermelho sem nem pensar muito no assunto. O
mundo da arte moderna hoje lida com itens de conceito sofisticado, como os campos
da publicidade. Ele parece sofrer de certo problema de visão, se é que pode ainda
ver alguma coisa, e oferece muito pouco para o caminho de sustentação da cultura em
sua volta, que tem fome o suficiente para uma refeição decente, agora mesmo. A
reafirmação da magia como arte não poderia prover a inspiração, emprestar a visão e
a substância que estão tão claramente em falta no mundo da arte nos dias atuais?
Tal infusão de alma não permitiria que a arte vivesse para o seu propósito, a sua
missão, de insistir para que a voz humana interior e subjetiva seja efetivamente
ouvida na cultura, no governo, e em todos os grandes palcos do mundo? Ou deveríamos
nos sentar e esperar que os intelectos super-humanos de Sirius ou a vassoura mágica
de Disney ou o próprio Aeon de Horus finalmente cheguem e resolvam toda essa
confusão para nós?

essa conjunção apaixonada de duas faculdades humanas certamente constituiria um


Casamento Alquímico
Uma união produtiva, uma síntese da arte e da magia propagadas numa cultura, um
meio ambiente, uma paisagem mágica sem os muros dos templos e os móveis antigos que
todos ignoravam em todo caso. Encenado entre as samambaias ornamentais e o vapor
púrpura de uma reestabelecida biosfera ocultista, essa conjunção apaixonada de duas
faculdades humanas certamente constituiria um Casamento Alquímico em que, se formos
sortudos e as coisas saírem completamente de controle na Recepção Alquímica, poderá
precipitar uma Orgia Alquímica, um incidente, uma explosão turbulenta de impulsos
criativos, uma copulação astral de ideias resultando em múltiplos nascimentos de
quimeras e monstros radiantes. Ferozes centauros conceituais com suas patas de
perfume e cabeças de música. Noções sereiantes, oscilantes filmes mudos que são
arquitetura da cintura para baixo. Esfinges de gênero e mantícoras de estilo.
Mutações desconhecidas e jamais sonhadas, formas de novelas copulando e se
adaptando rápido o suficiente para acompanhar o mundo atual, agindo mais como
formas de vida, como fauna e flora, proliferando em nossa projetada selva mágica.
Esta possível liberação de energia de fusão tornada possível quando esses dois
massivos elementos de nossa cultura, a magia e a arte, são levados a uma
proximidade dinâmica o suficiente, poderá inundar nossa selva de luz faérica, e até
mesmo ajudar a iluminar este pântano de cultura de massa [mainstream] em que
estamos todos atolados.

Nada nos impede de nos livramos dos compassos e dos freios, das rodas de
treinamento que têm retardado o progresso da magia por tanto tempo que o musgo já
cobriu tanto as linhas férreas quando os sinalizadores de desvios. Nada pode nos
impedir, caso tenhamos vontade, de redefinir a magia como uma forma de arte, como
algo vital e progressivo. Algo que, em sua habilidade de lidar com o nosso mundo
interior em vias de utilidade realmente demonstráveis, pode efetivamente ajudar as
pessoas comuns, com seus mundos internos sendo usurpados cada vez mais por um
exterior tirânico, colonialista, cujo objetivo é extrair até a última gota dos seus
sonhos, da sua alegria ou automotivação. Se assim nos decidirmos, poderíamos
restaurar a magia a sua potência, um propósito que mal foi tocado nos últimos
quatrocentos anos. Caso estivermos preparados para assumir a responsabilidade desse
empreendimento então o mundo poderá assistir novamente aos grandiosos e terríveis
magos que, fora dos meigos e inofensivos livros para crianças ou dos filmes com
orçamentos obscenos e extravagantes, ele tão somente se direcionou a esquecer. Pode
ser arguido que neste momento angustiante de nossa situação humana as perspectivas
mágicas não são apenas relevantes, mas necessárias e indispensáveis caso desejemos
sobreviver com nossas mentes e personalidades intactas. Ao redefinir o termo
“magia” poderíamos uma vez mais confrontar as perversidades e trevas mundanas com o
nosso método preferido, honrado por sua ancestralidade: com uma palavra.

A humanidade, trancada nesta penitenciária de um mundo material, talvez nunca tenha


necessitado mais da chave que a magia representa
Faça com que a palavra “magia” signifique algo novamente, algo digno do nome, algo
que, como uma definição de tudo o que é mágico, o deixaria encantado quando você
tinha seis anos; ou quando tiver setenta. Caso alcancemos tal conquista, caso
consigamos reinventar nossa arte assustadora, selvagem e fabulosa para estes novos
tempos assustadores, selvagens e fabulosos pelo qual caminhamos, então poderemos
oferecer ao ocultismo um futuro muito mais glorioso, transbordante de aventura, do
que jamais pensamos ou desejamos que o seu passado fabuloso pudesse ter sido. A
humanidade, trancada nesta penitenciária de um mundo material que temos construído
para nós mesmos por séculos, talvez nunca tenha necessitado mais da chave, do bolo
com uma serra oculta, do perdão de última hora do governo que a magia representa.
Com suas religiões de pedófilos e os seus fundamentalistas dementes, com suas
eminências farsantes e seus demagogos mais desavergonhados em atingir suas vis
ambições do que jamais foi visto, a sociedade contemporânea, seja no leste ou
oeste, parece ter imensa carência de um centro moral e espiritual, parece ter
carência até mesmo da mais ínfima pretensão de algo parecido. A ciência que
sustenta a sociedade, cada vez mais, em suas mais remotas fronteiras quânticas,
descobre que precisa recorrer à terminologia da cabala ou da literatura sufi para
afirmar adequadamente o que agora sabe sobre nossas origens cósmicas. Em todas as
suas muitas áreas e compartimentos, todos os seus campos dispersos, o mundo parece
estar praticamente gritando para que o numinoso venha e o resgate dessa frenética
cultura material que nada mais fez do que comê-lo inteiro e cagá-lo através de uma
peneira. E onde está a magia, enquanto tudo isso vem acontecendo?

Está tentando forçar nosso namorado a voltar para nós. Está esfregando dinheiro
para afastar nossa dívida no cartão de crédito, tentando dar àquele babaca que
fugiu com nossa ex-mulher algo terminal. Está garantindo que festas do pijama com o
tema Teen Witch corram bem. Está colocando insignificantes pessoas New Age em
contato com seus insignificantes anjos New Age, e elas estão todas dizendo, tipo,
“De jeito nenhum”, e os anjos estão dizendo, tipo, “Tanto faz”. Está atendendo a
todos os nossos repetidos rituais com o entusiasmo que um patrocinador vem assistir
à peça The Mouse Trap pela centésima sétima vez. Ela gasta os finais de semana
tentando ler nossos péssimos sigilos debaixo da obscurecedora camada de giz, e em
retaliação somente nos coloca em contato com entidades capengas, Elohim do serviço
comunitário que tagarelam como cientologistas bebuns e nunca fazem um tiquinho de
senso. Está no escritório de marcas registradas, registrando selos mágicos. Está
lidando com uma agência de encontros que representa nossa única chance de alguma
vez conhecer uma estranha buceta gótica. Está conseguindo pra nós uma oferta melhor
naquele Renault novo, ajudando a prolongar a miserável vida de nosso cego e
incontinente cachorrinho Gandalf, fazendo networking como louco pra garantir os
diretos daquele Tarot de Hogwarts do Harry Potter. Ainda está tentando resolver o
congestionamento resultante do Aeon de Horus ter furado através do canteiro central
e invadido a pista sentido sul, sendo atingido de frente pelo Aeon de Maat, que
derramou sua carga de penas pretas no acostamento. Não tem certeza se a ketamina
foi realmente uma boa ideia. Está sentada olhando nervosa para mil estantes de
livros desde entrevistas com necrófilos sobre estilo de vida e retrospectivas de
moda na família Manson. Está aparecendo em celebrações neo-nazistas perto de
Dusseldorf. Está se perguntando se deve introduzir uma política de “não pergunte,
não conte” com relação ao 11º Grau. Está aconselhando Cherie Blair sobre tachinhas
de acupuntura, e Islington inteira sobre Feng Sui. Colocou piercing no pênis numa
tentativa de chocar seus pais classe média dos Home Counties, que estão mortos há
dez anos, de qualquer maneira. Ela queria ser David Blaine. Ela queria ser Buffy.
Ou, bem francamente, qualquer um.

Poderíamos, se desejássemos, ter as coisas de outra maneira


Poderíamos, se desejássemos, ter as coisas de outra maneira. Ao invés de uma magia
que está em servidão com um passado de ouro ingenuamente imaginado, ou ainda em
romance com um futuro lugubremente fantasiado de parque temático do Deus Ancião,
poderíamos tentar ao invés disso uma magia adequada e relevante à sua própria e
extraordinária época. Poderíamos, se assim decidíssemos, garantir que o atual
ocultismo seja lembrado como o auge de uma fanfarra ao invés de um suspiro
decadente; um balbuciar moribundo e envergonhado; nem mesmo uma lamúria. Poderíamos
transformar este terreno árido em um abundante paraíso, um trópico onde cada
pensamento poderia florescer como arte. Sob o altar está o estúdio, a praia.
Poderíamos insistir nisso, fôssemos verdadeiramente quem dizemos que somos.
Poderíamos atingir isso não rabiscando sigilos, mas compondo histórias, pinturas,
sinfonias. Poderíamos permitir que nossa arte espalhasse suas asas de escaravelho
psicodélico em toda sociedade mais uma vez, e talvez ao fazê-lo, deixar que alguma
luz ou graça caia sobre aquele dolorido e obscuro organismo. Poderíamos ser
refeitos em nosso ninho fresco, permanecer reinventados num verdadeiro alvorecer de
nossa Arte dentro de um mundo matinal, com nossa tinta ainda fresca, recém saídos
do ovo e com nossos olhos ainda avermelhados no Éden. Recém-nascidos na Criação.

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