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DIREITO PROCESSUAL PENAL

4.º ANO – TURMA DIA /2022-2023


Regência: Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Professor Doutor Alaor Leite, Mestres João Gouveia de Caires, David
Silva Ramalho e Frederico Machado Simões e Licenciada Joana Reis Barata
Exame escrito – 19 de junho de 2023
Duração: 90 minutos

Hipótese

Alguns membros da claque X do Clube XX combinaram com alguns membros da claque


Y do Clube YY encontrar-se para “tirarem a limpo” qual seria a claque mais “rija” já que
durante os jogos entre aqueles clubes havia uma picardia constante, provocatória e
progressiva nos cânticos entoados por cada claque. Acertaram o desafio numa rua junto
ao estádio do Clube XX, pelas 23h30, cerca de 2h após o final do jogo entre os dois
clubes. Da contenda generalizada entre dezenas de pessoas, algumas apetrechadas com
tacos de “baseball”, facas, paus e até pedras da calçada, resultou a morte de António (que
veio a ser declarada no final da confusão com a chegada da assistência médica). Os
agentes da PSP conseguiram deter em flagrante delito pelo crime de participação em rixa
(p. e p. pelo artigo 151.º do Código Penal – CP) Belo, Carlos e Daniel, já que os demais
contendores conseguiram escapar, tendo o Ministério Público (MP) tramitado os autos na
forma comum, imputando a cada um daqueles arguidos o referido crime.

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

1. Como reagiria na qualidade de defensor do arguido Belo a quem foi aplicado, no final
de interrogatório judicial de arguido detido, por decisão do Juiz de Instrução (JI), a
prisão preventiva fundando-se no perigo de continuação de atividade criminosa, já
que os clubes em causa voltariam a encontrar-se em breve, e no alarme social
provocado por aquela rixa? (4 valores)
• Deveria interpor recurso ordinário (bem como pedido de revogação) e
poderia cumular com habeas corpus apenas quanto a um dos fundamentos;
• Distinguir claramente os requisitos gerais das medidas de coação e os
requisitos específicos da prisão preventiva: i) falta de requisito específico
relativo ao crime porque a participação em rixa não consta do catálogo dos
crimes que admitem a prisão preventiva (202.º/1 CPP); discussão sobre ii)
o que seja o perigo de continuação da atividade criminosa (204.º/1/c CPP)
e iii) a perturbação grave da tranquilidade e ordem públicas (204.º/1/c)
CPP), sendo de referir que o perigo de continuação de atividade criminosa
e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas (com discussão
sobre o conceito de alarme social) devem ser considerados em atenção aos
fins endógenos daquele processo em concreto;
• A ilegalidade emergente da falta do requisito específico da prisão
preventiva constituiria, só por si, simultaneamente fundamento de recurso
ordinário (219.º CPP) e habeas corpus, este perante o Supremo Tribunal
de Justiça – STJ (222.º/2/b) CPP), cumuláveis entre si (219.º/2 CPP);
• Referência inequívoca a que a não verificação de requisitos gerais de
aplicação da medida de coação não seria fundamento de habeas corpus,
mas apenas de recurso ordinário (219.º/1 CPP) e eventualmente também
de pedido de revogação perante o próprio JI (212.º/1 e 4 CPP).

2. Findos os prazos de duração máxima do inquérito, que correu em segredo de justiça,


o arguido Carlos pretende aceder aos autos na íntegra, tendo tal pretensão sido
indeferida, por 3 meses, pelo JI a pedido do MP. Findo tal período de 3 meses, o
mesmo arguido renova o pedido de acesso integral, tendo o MP manifestado a sua
oposição novamente, por necessitar de mais 4 meses para concluir a investigação em
total segredo. Como procederia se fosse JI? (4 valores)
• Em princípio, concederia ao arguido o direito de aceder aos autos (89.º/6
CPP);
• Identificar a problemática da duração do prazo da prorrogação (significado
da expressão “objetivamente indispensável à conclusão da investigação”)
de não acesso ao abrigo da última parte do artigo 89.º/6 CPP: acórdão do
STJ 5/2010 (entretanto desatualizado), com discussão sobre se a
prorrogação poderá ser superior ao prazo inicial, até porque em 2010
foram revistos substancialmente os prazos de duração máxima do
inquérito;
• Independentemente de tal questão: in casu, o crime de participação em rixa
não se enquadra na criminalidade descrita nas alíneas i) a m) do artigo 1.º
do CPP, pelo que não poderia haver prorrogação nos termos do artigo
89.º/6 in fine CPP.

3. A autoridade de polícia criminal (APC) requereu ao MP, durante o inquérito,


autorização para realizar escutas telefónicas aos três arguidos, dado não conseguir
avançar na investigação daqueles crimes de participação em rixa (151.º CP) e de
homicídio (131.º CP). Como agiria perante esta pretensão se fosse o magistrado do
MP titular dos autos? Poderia a APC promover a realização de escutas telefónicas
diretamente ao JI? (3 valores)
• Tratando-se tão só da investigação de um crime de participação em rixa,
não admitiria escutas telefónicas por falta do requisito de crime de
catálogo (187.º/1 CPP), pelo que rejeitaria a pretensão da APC e nem a
promoveria junto do JI, enquanto autoridade judiciária competente para a
autorizar (187.º/1 e 269.º/1/e) CPP);
• Contudo, a investigação da autoria e da materialidade do homicídio (131.º
CP) exige que o objeto processual seja alargado, tratando-se agora de
crime que admitiria a realização de escutas telefónicas, desde que durante
o inquérito (como no caso), relativamente a suspeitos (187.º/4/a) CPP),
mediante autorização fundamentada do JI e a pedido do MP, se ficassem
demonstradas a indispensabilidade e a proporcionalidade da diligência de
obtenção de prova;
• A APC (1.º/d) CPP), apesar de ter legitimidade para promover junto do JI
certos atos urgentes, nomeadamente (e apesar de tal ser discutível) escutas
telefónicas (268.º/2 CPP, ex vi 269.º/1/e) e 2 CPP), não poderia fazê-lo
neste caso dado não constar em qualquer elemento a urgência que
fundamentaria o pedido da APC diretamente perante o JI.

4. Tendo António falecido e deixado sobrevivos o cônjuge, o filho com 15 anos e um


irmão e tendo o MP deduzido acusação contra Belo, Carlos e Daniel, pela prática de
um crime de participação em rixa (151.º CP), o que recomendaria ao irmão de
António que o contata procurando advogado(a) para exercer as seguintes pretensões:
a) Pretende que Belo seja também condenado pelo crime de homicídio
(131.º CP), uma vez que sabe que foi o mesmo que concretamente
provocou a morte do seu irmão ao desferir-lhe uma facada na zona do
abdómen? (4 valores)
• Discussão sobre se os crimes públicos admitem transmissão do
direito de constituição como assistente por morte do ofendido;
• Admitindo-se que tal direito é transmissível, deveria discutir-se o
que seja “ou, na falta deles” (68.º/1/c) CPP): falta física, caso em
que o irmão não teria legitimidade; ou, falta de vontade, apenas
quando o cônjuge ou o representante legal do menor com 15 anos
não exercessem, teria o irmão tal legitimidade;
• Tendo legitimidade para requerer a constituição como assistente, e
desde que preenchesse os demais requisitos de tal requerimento
(além da i) legitimidade, ii) pagar a taxa de justiça, iii) fazer-se
representar judiciariamente e no iv) prazo do direito que
pretenderia exercer), deveria usar o requerimento para abertura da
instrução (RAI) por haver um facto novo (facada causadora da
morte) que constitui uma alteração substancial de factos (ASF)
relativamente a Belo (1.º/f) CPP), passando este a responder em
concurso (se aparente ou efetivo, é questão de direito material que
não é exigida para a presente resposta) pelo crime de homicídio,
agravando-se assim a pena máxima aplicável;
• Requisitos do RAI de assistente: i) legitimidade (68.º/1/a) e c)
CPP); ii) prazo (68.º/3/b) e 287.º/1 CPP: prazo de 20 dias após
acusação) e iii) representação judiciária (70.º CPP);
• É valorizada a eventual discussão sobre se se manteria a conexão
de processos, atendendo a que o RAI incide apenas sobre a
responsabilidade de Belo.
b) Pretende ser indemnizado pela morte do irmão, em valor estimado de
100 000 euros a reverter a favor de uma Instituição Particular de
Solidariedade Social (IPSS)? (3 valores)
• Em qualquer caso, admitir o pedido de indemnização civil (PIC),
que deveria ser deduzido contra os arguidos na qualidade de
demandados;
• Identificar o princípio de adesão (71.º CPP) e que não se trata de
uma das exceções ao mesmo (72.º CPP), pelo que o PIC deveria
ser deduzido no prazo previsto (77.º/2 CPP);
• É valorizada a discussão sobre se o irmão teria interesse processual
para intentar o PIC: tudo dependeria das normas de direito
sucessório, não se aplicando as regras do CPP sobre a transmissão
por morte do direito de queixa ou de constituição como assistente;
• A suspensão provisória do processo (SPP) não seria aqui
admissível, dado que se tratava de crime de homicídio (281.º/1
corpo e alínea f) CPP).

Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).

Apreciação Global (sistematização e nível de fundamentação das respostas, capacidade


de síntese, clareza de ideias e correção da linguagem): 2 valores.

Nota: as respostas com grafia ilegível não serão avaliadas.

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