Padre Flavio - Espiritualidade Conjugal
Padre Flavio - Espiritualidade Conjugal
Padre Flavio - Espiritualidade Conjugal
UM RETIRO SOBRE
A ESPIRITUALIDADE
CONJUGAL
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1 – A ESPIRITUALIDADE EM GERAL
Que é espiritualidade
Conclusão
3 − A ESPIRITUALIDADE CONJUGAL,
CAMINHO GRADUAL, DIFERENCIADO,
ASCÉTICO E ESCATOLÓGICO
Caminho gradual
Caminho diferenciado
4 – A ESPIRITUALIDADE CONJUGAL
É METÓDICA
Conclusão
Introdução
Temos de refletir agora sobre um tema que nem
sempre é posto em relação com a espiritualidade, ou seja,
a vivência da sexualidade, tanto em nível pessoal, como
em nível conjugal.
Cito inicialmente um texto um pouco longo do pa-
dre Caffarel, texto tirado do documento de Chantilly (O
Carisma Fundador das ENS, em 3 de maio de 1987, na
reunião dos Responsáveis Regionais da Europa em
Chantilly, edição revisada, p. 18-19). Nessa passagem,
ele comenta um inquérito realizado entre os equipistas
sobre a sexualidade:
“A primeira coisa que me impressionou fortemente
foi o mutismo dos pais a tal respeito. Uma negligência de
95%. Vocês irão dizer-me: ‘Essas respostas são de 1969;
não são de casais de 1987. Duvido, porém, que haja atu-
almente um progresso muito grande nesse domínio. Por-
tanto, mutismo dos pais, o que quer dizer dificuldade da
maior parte dos filhos, rapazes e moças, dificuldade de
que eles não ousam falar, e consequentemente sentimen-
to de culpa, muitas vezes sentimento neurótico de culpa.
Impressionam-me essas perturbações durante a infância,
essas consciências perturbadas durante anos, o que quer
dizer noivados mal vividos, porque os pais não dizem na-
da e os padres não dizem muito mais. Muitas vezes, um
grande número de noivados são mal vividos, porque os
noivos não sabem exatamente, como eles dizem, o que é
permitido e o que é proibido. Começo do casamento mui-
tas vezes catastrófico, a um ponto que eu nem imaginava,
porque não se fala disso. A harmonia sexual raramente é
alcançada no começo. Muitas vezes é preciso esperar
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dois ou três anos, por vezes dez, quinze anos e, em mui-
tos casos, jamais realizada. E esse inquérito revelou-me
até que ponto ela é de importância capital.
Desse inquérito igualmente verifiquei que o sentido
cristão da sexualidade é quase totalmente ignorado pelos
casais das Equipes. Não chegam a 2% os que dão uma
resposta verdadeiramente rica a estas perguntas: ‘Qual é
o sentido cristão da sexualidade? Como viveis cristãmen-
te a vossa sexualidade?’
E é aí que reconheço que os da Igreja, quanto a
esse ponto, não são fiéis à sua missão. Prega-se a mora-
lidade no matrimônio, diz-se o que é permitido e o que é
proibido, mas não se oferece ao cristão casado um único
livro (não existe!... digam-me se conhecem algum!...), não
se oferece um único livro sobre a maneira de (desculpem
a expressão, que antes eu detestava, que é um pouco
vulgar, mas que me parece importante) a maneira de bem
‘fazer o amor’, de bem viver a relação sexual. E com isso
os casais cristãos, como os outros, vivem uma sexualida-
de de bárbaros. Não tenho tempo de lhes dizer agora co-
mo depois evoluí, graças às confidências e averiguações
que fiz junto de certos casais. O que lhes digo, como coi-
sa que não foi feita e que se impõe, é que é absolutamen-
te preciso guiar os casais para a perfeição humana e cris-
tã da relação sexual”.
Pois bem, diante dessas palavras de padre Caffa-
rel, é que vou me atrever a dizer alguma coisa para vocês
sobre a vivência cristã da sexualidade. Mais uma vez per-
feitamente consciente que o ideal seria uma apresentação
feita por casais, fruto de experiência vivida. O que vou
apresentar sirva, pois, mais como desafio e incitação para
que os casais comecem a refletir, comecem a conversar
sobre isso nas equipes, convencidos afinal que a vivência
da conjugalidade em toda a sua plenitude, portanto tam-
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bém na vivência da sexualidade, é caminho de perfeição.
Convencidos que existe um nexo que não podem esque-
cer entre sua vida de marido e mulher e sua oração, sua
espiritualidade, seu amor a Deus e sua abertura para o
mundo.
2. Sexualidade pessoal
Essa dualidade enriquecedora do ser homem ou
mulher não se manifesta apenas no matrimônio, mas, em
toda a vida humana. Nós homens precisamos desespera-
damente de vocês mulheres. Vocês mulheres precisam
desesperadamente de nós homens, porque é somente
assim, nesse contato, nessa convivência, nesse confron-
to, nessa atração e nessa repulsão, nessa procura de a-
juda mútua que crescemos. É fácil ver na experiência o
que significa para um rapaz o ter tido ou não uma ou duas
irmãs; a marca deixada por uma mãe na alma de um ho-
mem, a marca deixada por um pai na alma de uma mu-
lher.
Pena que nossa vida social esteja dominada ape-
nas por uma visão utilitária da sexualidade. Normalmente
não se olha a pessoa que é homem ou que é mulher. O-
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lha-se apenas para o macho e para a fêmea, como al-
guém que se deve conquistar, usufruir ou invejar. Com
isso se perde o enriquecimento que vem da convivência e
do trabalho continuado ao lado de uma mulher ou de um
homem. Sorte nossa se soubermos conviver com pessoas
do outro sexo vendo nelas ajuda, revelação, manifestação
de um mundo que não conhecemos muito bem. Claro que
para isso é preciso haver maturidade, é preciso saber
manter decisões e limites.
A amizade entre homens e mulheres geralmente
passa a ser um laço e um perigo, quando no plano de
Deus deveria ser uma bênção. De tal maneira que o rela-
cionamento conjugal de um casal iria encaixar-se harmo-
niosamente num conjunto mais amplo, que lhe acrescen-
taria conteúdo e profundidade.
Somos homens e mulheres e temos de viver como
homens e mulheres. Para viver de maneira cristã a sexua-
lidade temos, em primeiro lugar, de nos assumir como
homens e mulheres na plenitude, na totalidade de nossa
vida. Isso é fundamental para o nosso correto relaciona-
mento com Deus, com os outros, com o mundo.
A natureza sexuada por si mesma exige diálogo
com o outro, principalmente com o outro que é mais dife-
rente, mais outro, porque é do outro sexo. A sexualidade
não deve ser fonte de conflito, não deve ser território de
caça. O convívio entre homens e mulheres tem de ser
encontro para o diálogo, para que se revelem e se mani-
festem o que são, partilhem sua visão de Deus e do mun-
do. Isso é fundamental para o enriquecimento de ambos
os sexos.
Esse diálogo entre homem e mulher deve partir da
verdade; desse reconhecer o homem, desse reconhecer a
mulher como alguém diferente de si mesmo, mas ao
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mesmo tempo igual em dignidade, igual em grandeza,
merecedor e merecedora de um mesmo respeito.
Esse diálogo tem de ser um enfrentamento marca-
do pela maravilha diante de um mistério. Mistério de um
ser humano, ainda maior pelo fato de ele ser homem ou
mulher, diferente de nós. Mistério de um território desco-
nhecido, cuja riqueza podemos apenas entrever. Diante
desse mistério nasce a admiração, encanto por esse mo-
do de ser mulher, por esse modo de ser homem, por esse
modo de ser que ao mesmo tempo nos escapa e nos faz
falta, que nos pode enriquecer e completar. Descoberta
sempre renovada que nos leva ao respeito e à vontade de
um conhecimento mais profundo. Desse diálogo e desse
contato deve nascer a acolhida. Acolhida no amor, no
respeito, na compreensão, na amizade, na solidariedade.
Porque é somente nesse clima que será possível nascer o
verdadeiro amor, amor que leva à partilha de vida na ami-
zade, ou à partilha total de vida conjugal entre um homem
e uma mulher.
A vivência cristã da sexualidade exige que procu-
remos desenvolver plenamente em nós todas as potencia-
lidades do modo de ser masculino ou feminino. É preciso
educar, fazer crescer e desenvolver-se as potencialidades
desse nosso ser sexuado. Somos diferentes, temos de
ser diferentes, e sendo diferentes é que nos podemos
completar, é que podemos compor o grande mosaico da
obra do Criador. Como homens e mulheres temos de con-
trolar nossas limitações, inseparáveis de nosso ser mas-
culino ou feminino. E nesse controlar nossas limitações, e
nesse desenvolver nossas potencialidades muito somos
ajudados exatamente pelo encontro e o convívio com o
outro sexo, dentro ou fora do matrimônio.
É verdade. Tudo isso poderia ser bastante mais fá-
cil se houvesse uma verdadeira educação para a sexuali-
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dade. Se houvesse formação da pessoa enquanto homem
ou mulher, para saber relacionar-se na amizade e no a-
mor com o outro sexo. Se houvesse essa formação, essa
educação para a sexualidade, sem dúvida nenhuma, a
vida dos casais seria profundamente diferente.
Essa educação para a sexualidade raramente a-
contece. É fácil dar informação, é fácil ensinar biologia, é
fácil ensinar anatomia. Mas ensinar a ser gente homem,
ensinar a ser gente mulher, ensinar a tratar gente homem
e gente mulher, isso é um pouco mais difícil. Temos de
pessoalmente, cada um por si, fazer uma opção pela vi-
vência plena da nossa sexualidade. Todos temos de to-
mar uma decisão: ou viver nossa sexualidade no celibato,
ou viver nossa sexualidade no relacionamento conjugal.
Essa é uma opção básica em nossa vida. E muitos confli-
tos e muitas desgraças nascem do fato de essa opção
não ter sido feita livremente ou maduramente. Quantos se
casam porque todo o mundo se casa; quantos abraçam o
celibato levados pura e simplesmente por um romantismo
religioso, que não tem nada de cristão e não vem de
Deus. É claro, há situações em que a pessoa praticamen-
te é obrigada a viver em celibato porque, por uma razão
ou outra, não é possível ou aconselhável o casamento.
São casos excepcionais, que precisam de acompanha-
mento, nem que seja para serem assumidos e carrega-
dos como pesada cruz.
3. A sexualidade conjugal
No casamento, o relacionamento entre homem e
mulher não é apenas um relacionamento sexuado, como
aquele que existe entre todos os homens e todas as mu-
lheres. No casal esse relacionamento será um relaciona-
mento plenamente sexual, ou seja, a vivência da sexuali-
dade vai ganhar formas novas de manifestação. Por isso
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mesmo o casamento supõe pessoas razoavelmente ma-
duras na sua sexualidade e dispostas a crescer sexual-
mente como casal.
Diálogo de amor
Esse relacionamento é plenamente sexual, e
quando digo relacionamento plenamente sexual, não es-
tou pensando apenas no encontro sexual. Ou se me per-
mitem usar uma palavra que pode parecer dura, mas é
clara e objetiva, o relacionamento sexual não se reduz ao
coito. O relacionamento sexual, do qual estou falando, na
vida do casal atinge a vida toda. Com esse homem, com
essa mulher você não se relaciona, não conversa, não se
revela, não tenta compreensão apenas como homem e
mulher, mas, como esposo e esposa, dentro de uma rea-
lidade totalmente nova e exclusiva de vocês dois.
Esse relacionamento plenamente sexual significa
que, não só na cama, mas em toda a vida, ele tem de ser
Adão para ela, ela tem de ser Eva para ele; em tudo, no
jeito de se portar, no jeito de falar, no jeito de se revelar,
no jeito de olhar, no jeito de tocar, no jeito de estar lado a
lado. É a vida toda que tem de ser marcada por esse mo-
do de ser esponsal. Tantas e tantas frustrações na vida
matrimonial nascem exatamente do fato de tudo estar
centrado no leito matrimonial. Isso não é suficiente para o
coração de nenhum homem, de nenhuma mulher. Marido
e mulher precisam encontrar na sexualidade, assumida na
sua totalidade, um tesouro, uma riqueza a ser vivida du-
rante a vida toda e não só na ternura e no ardor dos pri-
meiros tempos. É preciso que, para além de toda a idade,
de todas as limitações físicas que possam ir aparecendo,
é preciso que ele continue sendo sempre Adão, e ela con-
tinue sendo sempre Eva, num relacionamento pleno e
total.
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Abaixo de Deus, só podemos ter satisfação no en-
contro amoroso com outras pessoas; encontro amoroso
nas suas diversas formas. As coisas, o poder, o simples
prazer físico, jamais serão suficientes para satisfazer, en-
cher plenamente a medida da nossa fome de felicidade. O
casal tem de aprender a viver assim intensamente sua
sexualidade conjugal na plenitude. E viver a sexualidade
na sua plenitude significa viver num contínuo diálogo de
amor.
A sexualidade possibilita conhecer-nos como ho-
mens e mulheres; mas, de modo especial, é a possibilida-
de de marido e mulher se conhecer. Esse conhecer, ex-
pressão que aparece várias vezes na Sagrada Escritura,
que incluí tudo, a experiência física, a experiência tátil, a
experiência do coração, o conhecimento do íntimo da ou-
tra pessoa, esse conhecer que significa de certa maneira
assimilar o outro para transformá-lo em si e para se trans-
formar nele. A sexualidade é a possibilidade de diálogo no
amor, no casamento e fora do casamento, de maneira
diferente sim, pois no casamento homem e mulher reve-
lam-se completamente, deixando cair todos os véus. Na
passagem do Gênesis, eles estavam nus e não se enver-
gonhavam, um era plenamente transparente para o outro.
Resultado do pecado é a vergonha, não vergonha de
mostrar o corpo e revelar os órgãos sexuais, mas vergo-
nha de ser transparente para o outro. E é isso, é essa u-
nidade que marido e mulher tem de reconstruir. No casa-
mento, essa capacidade de diálogo, a partir da sexualida-
de, é trabalhada, é aprofundada e engloba o relaciona-
mento sexual. Mas somente o amor é de fato chave para
esse diálogo, para esse encontro. Do contrário, teremos
apenas encontro de corpos e de órgãos, enquanto cora-
ções e mentes, pensamentos e sonhos, esperanças e
medos, continuam dormindo em camas completamente
separadas.
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Assumir a lei do amor
Para viver plenamente a sexualidade conjugal é
preciso assumir, aceitar a lei do amor, pois a vivência da
sexualidade é dialogo de amor. E a primeira exigência
para o amor é ser plenamente homem, é ser plenamente
mulher; é ser homem para essa mulher, e é ser mulher
para esse homem, de forma única e insubstituível. É uma
experiência que não pode co-existir com outros tipos de
relacionamento. A linguagem do amor, a lei do amor diz
que todo o relacionamento sexuado ou sexual, entre ma-
rido e mulher, deve expressar o amor. Cada gesto, cada
olhar. E expressar o amor não é algo indefinido ou abstra-
to. Expressar o amor é dizer continuamente para alguém:
“você é a minha escolhida, escolhida entre mil, entre mi-
lhões, você é única; você é o meu escolhido, escolhido
entre mil, entre milhões, você é único”. Manifestar amor é
manifestar apreciação: como você é bom, é boa para
mim, como admiro seu jeito de ser, como admiro sua fir-
meza, seu dengo, como admiro seu olhar, como admiro
suas palavras, como admiro sua iniciativa, como admiro
sua ternura. Manifestar amor é manifestar apreciação por
palavras ou, e aí precisa aprender uma linguagem nova,
por simples gestos, por olhares, pela simples maneira de
ser.
Palavras, de vez em quando, podem ajudar. Mas
geralmente as palavras são pobres demais. Por mais que
você diga “eu amo você”, o outro vai sempre dizer “repi-
ta!”. Mas, se você mostra amor, já não é preciso dizer na-
da, porque foi recebido o dom, e onde há dom, onde há
entrega, quando alguém se faz presente, já não é neces-
sário usar palavras que expliquem o dom ou o presente.
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Cultivar o amor
A lei do amor exige que todo relacionamento seja
marcado pelo afeto, por essa repercussão causada em
nosso interior pela presença de uma pessoa. Porque essa
pessoa está em nossa vida, já não somos os mesmos.
Fomos afetados interiormente, fomos transformados ante-
riormente. É preciso que o relacionamento seja guiado
sempre pela atração, por uma atração mútua, aceita,
mantida, aprofundada, avivada sempre. Com o passar
dos anos essa atração de um pelo outro não pode diminu-
ir, pode apenas transformar-se. Atração em todos os sen-
tidos; essa atração é de certa forma o imã, o adesivo que
impede que o casal se desfaça.
É preciso que a linguagem do amor signifique satis-
fação. Satisfação vem do latim “satis”, que quer dizer sufi-
ciente, que basta, que preenche. Satisfação é ter o sufici-
ente, não sentir falta de nada. Pois bem, a linguagem do
amor exige que se procure dar ao outro satisfação e se
procure encontrar no outro satisfação. Isso exige saber
quais são os anseios, os desejos e os sonhos do outro;
significa sair de si mesmo, renunciar a si mesmo, doar-se
para tentar completar, enquanto nos é possível como cria-
turas humana, esse vazio que ele e ela vão carregar
sempre, e que você vai conseguir preencher somente
quando já não existir para vocês nem tarde, nem noite,
quando já estiverem lá, na plenitude de Deus.
Amor e fidelidade
O amor exige fidelidade. A intimidade sexual é pro-
va de total confiança, de total aceitação de uma pessoa. É
um desnudar-se completamente perante o outro, é entre-
gar-se plenamente em total confiança, deixando que o
outro se enriqueça com o seu dom. Por isso mesmo essa
intimidade, essa manifestação de escolha e de amor con-
jugal exige plena e total fidelidade. A fidelidade que não é
apenas imposição legal e externa de Deus ou da socieda-
de. Fidelidade total e absoluta é lei, é exigência que nasce
do próprio amor. Casar-se com alguém é prometer e es-
perar fidelidade e exclusividade. Promiscuidade não com-
bina com amor; só interessa a quem está apenas a cole-
cionar orgasmos. Temos de ter pena desses coitados,
dessas coitadas que vivem rolando de cama para cama.
Devem ter um vazio tremendo no coração. Procuram inu-
tilmente o que nunca poderão encontrar, porque ainda
não descobriram o amor, porque anda não amadureceram
o bastante para poder amar.
O casal cristão deve ser maduro e deve ser capaz.
O afeto, como vimos, é volúvel. Se você quer ser fiel, in-
dependentemente da sua situação e da sua idade, contro-
le seus afetos. Não importa se você é casado há cinqüen-
ta anos, não importa se está com oitenta anos, não impor-
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ta se está há cinqüenta anos nas Equipes de Nossa Se-
nhora. Se você descuidar, vai cair. Se não tomar conta, se
não mantiver firmes as rédeas dos afetos, eles tomarão
os freios nos dentes e levarão você para onde nem imagi-
nava que pudesse ir. Não importa sua situação, sua ida-
de; se não tomar conta de seus olhares, seus olhares vão
atrair você para o abismo. Ver, não depende de nós. Bas-
ta estar de olhos abertos. Mas olhar, fitar, apreciar, admi-
rar, isso depende de nós. E se olhamos e apreciamos,
nosso coração pode perder a cabeça. Essa é a experiên-
cia, e vocês não a ignoram. Quem ama não anda a caça.
Por isso mesmo anda atento para não se deixar atrair,
nem enredar. Sem vigilância é fácil a sedução.
Amor e abnegação
O amor, que deve ser vivido e manifestado na se-
xualidade, entre outras coisas exige abnegação. Segundo
padre Caffarel, a sadia vivência da sexualidade, também
dos celibatários, exige duas pernas para se manter em pé
e para caminhar, ou se preferirem duas asas para crescer
e subir. Exige abnegação e exige amor.
A abnegação consiste em a pessoa não se fechar
no “para mim”, mas abrir-se na disponibilidade para o ou-
tro. Abnegação significa colocar Deus em primeiro lugar
na vida. Abnegação significa aceitar e seguir uma reta
escala de valores na vida. Abnegação é não procurar
sempre o mais fácil, o mais agradável. É saber abraçar
também o difícil e o menos atraente. Abnegação é saber
dominar os instintos, as inclinações, os impulsos. Por isso
mesmo a abnegação exige ascese, esforço continuado e
ordenado para a caminhada espiritual.
A vivência cristã da sexualidade exige que se dê
valor à sexualidade, que se dê valor às coisas da carne e
às coisas do coração. Exige que reconheçamos na sexua-
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lidade um dom de Deus, um caminho para o crescimento.
Não podemos rejeitar, temer, odiar, excomungar a sexua-
lidade. Vem de Deus e deve levar para Deus. É preciso,
sim, que saibamos ver nos bens da sexualidade símbolos
e promessas de bens maiores. É preciso que saibamos
ver, na satisfação que nasce do encontro entre homem e
mulher, pequena amostra, pálida imagem da alegria, da
felicidade, da plenitude que o Senhor promete na outra
vida. Com isso saberemos também relativizar devidamen-
te a sexualidade.
Na vida conjugal, uma forma de abnegação é colo-
car a vida sexual acima dos humores do momento. Saber
dar satisfação e alegria ao outro mesmo se... e não as-
sumir ares de martírio, mas procurar fazer desse um mo-
mento de partilha na paz dos filhos e das filhas de Deus.
Abnegação significa que o casal, para amar verdadeira-
mente, precisa também aceitar a renúncia, todos os tipos
de renúncia. Renúncia que às vezes poderá custar muito,
renúncia algumas vezes até mesmo ao encontro no leito
conjugal. Que isso não signifique diminuição de amor,
mas seja impulso para uma transfiguração ainda maior.
Finalmente renúncia, abnegação significa aceitar
os limites do pudor, que varia de pessoa para pessoa;
mas que é barreira que não pode ser ultrapassada, sob
pena de transformar em invasão o que deveria ser encon-
tro de amor. Abnegar-se na vida conjugal significa aceitar
o jogo da temperança, da generosidade, da procura e do
desprendimento.
Conclusão
Bem meus amigos, minhas amigas, essa apresen-
tação é uma tentativa, é um ensaio. Não sei se era exa-
tamente isso que vocês pensavam, não sei se era exata-
mente isso que esperavam, não sei se isso de fato cor-
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responde ao que deveria ser dito. É preciso que vocês
casais, principalmente vocês casais das Equipes de Nos-
sa Senhora, reflitam sobre esse tema e ajudem a cami-
nhada de outros casais. Espero que numa próxima opor-
tunidade aqui esteja não um celibatário falando para vo-
cês, mas um casal que possa partilhar suas experiências
vividas, sofridas e usufruídas.
Não fui completo, sei perfeitamente. Pincei certos
aspectos. Estou mais interessado em levantar perguntas
do que em oferecer respostas.