Sob o Véu Da Noite
Sob o Véu Da Noite
Sob o Véu Da Noite
uma jovem mulher. Seu corpo estava nu, a pele tão pálida quanto o leite.
Suas órbitas vazias. Os olhos haviam sido retirados. Assim como todo o
sangue.
Minha mãe havia morrido de uma forma parecida. Em uma
noite chuvosa ela fora encontrada em um beco, sem nenhuma gota de
sangue em seu corpo. Mas os olhos e as roupas tinham sido preservados.
Era mais uma madrugada de assassinato na cidade de Rio
Grande. Com aquela mulher totalizavam-se vinte e quatro mortes, que
haviam se iniciado no dia 23 de setembro de 1900.
A pobre garota, que com toda certeza era mais uma prostituta,
assassinada de forma cruel. Logo os policiais trataram de levá-la ao
necrotério.
Minha investigação paralela havia tido pouco resultados até
então. Se eu descobrisse quem havia assassinado aquelas mulheres,
talvez eu encontrasse o responsável pela morte de minha mãe. Mesmo
tendo sido a vinte e dois ano atras, acreditava que eles estavam ligados.
O dinheiro e influência herdados de um pai, me abria as portas
para investigar. E mesmo sendo alvo de olhares e comentários, sabia que
era capaz. Ser mulher me tornava capaz!
Observei os curiosos. Eram como corvos sobre a carne morta,
ansiosos por uma bica. Em meio as gotas de chuva, e a pequena
multidão, um rosto familiar chamou minha atença. Já tinha o visto
algumas vezes, em outras cenas de crime. Não era um homem comum.
Sua beleza o destacava. Com cabelos negros que desciam até sua nuca,
um rosto simétrico e brilhantes olhos castanhos.
O guarda chuva cobria sua elegante roupa das gotas de chuva.
Todas as vezes que o via um único pensamento pairava em minha mente:
o quanto era agradável observa-lo. Mas logo uma sensação terrível
afastava toda aquela beleza. Sentia como se ele estivesse pronto a
caminhar em minha direção, enrolar seus dedos em meu pescoço e me
partir em mil pedaços.
— Deveria acompanhar-me de perto — Uma voz sussurrou em meu
ouvido.
Olhei ao redor, procurando quem havia dito aquilo, mas
não havia ninguém. Do outro lado da rua, o belo homem me encarava,
como se estivesse aguardando minha resposta.
Deveria ter acompanhado os policias ao necrotério. Mas uma
espécie de loucura me dominou. Assim que o homem virou as costas e
partiu, me vi seguindo-o. Minha mente gritava para voltar, ainda assim
eu o perseguia com certa distância.
Meu pai costumava levar-me em suas investigações, pois
acreditava que o sexto sentido de uma mulher poderia revelar coisas
ocultas aos olhos de um homem. E lá estava eu, seguindo minha
intuição, enquanto meu crebro chamava-me de louca.
O belo homem residia em um grande e opulenta mansão nos
arredores da cidade do Rio Grande. Decide retornar para casa assim que
o vi entrar. Mas durante toda noite sua imagem pairava em minha mente.
Queria saber seu nome, olha-lo novamente. Conhece-lo
verdadeiramente. Não podia tira-lo de minha mente. A voz sussurrada
ainda ecoava em meus ouvidos, e em algum lugar dentro de mim, algo
me dizia que aquela voz tinha vindo dele. Ele convidava-me a segui-lo!
Durante todo dia segui em minhas investigações, mas minha
mente ainda estava no belo homem. Já o tinha visto antes, mas fora na
noite anterior que havia despertado para tentar descobrir quem ele era e
o porquê de sua curiosidade mórbida com as mortes que viam ocorrendo.
Quando a noite caiu montei guarda próximo a grande mansão.
Mas ele permaneceu enclausurado lá até a 1h da manhã. Quando se
apresentou à noite. Estava vestido com um paletó verde escuro e longo,
um colete do mesmo tom e uma fina gravata preta. Estava ricamente
elegante. Com toda certeza era um boêmio, que usava de toda sua beleza
e encanto para conquistar todas as mulheres que desejasse.
O segui em silencio, e a uma distância segura, pelas ruas. O
belo homem tinha gosto por caminhadas noturnas.
Andávamos tranquilos pelas ruas silenciosas de Rio Grande.
Ele a frente e eu a muitos passos atras. E então um graveto se quebrou
sob meus pés, rompendo com toda quietude e segurança que havia se
instaurado. A cabeça dele se voltou para trás rapidamente. Por sorte, tive
tempo de esconder-me. Mas ainda assim, pode contemplar seus olhos.
Estavam vermelhos, como sangue recém derramado. Não castanhos,
como na noite anterior. Toda beleza e brilho haviam se perdido naquele
mar de olhos sangrentos.
Um arrepio subiu por minha espinha e soube que aquele era o
momento de abandonar aquela perseguição, pelo menos por naquela
noite.
Nas madrugas que se seguiram continuar a acompanhar o belo
homem. Sempre saia de casa bem vestido. Impecável. E todas as vezes
que eu me colocava a persegui-lo minha mente gritava um sonoro não,
meu corpo se arrepiava e meus estomago se contorcia. Tudo isso era um
aviso para o que estava por vir.
As vezes a voz de meu pai sussurrava em minha mente: “Para
de procurar a morte com suas mãos”. Mas não havia como voltar. Jamais
conseguiria dormir outra vez, não teria mais sossego. Precisava saber que
de fato era aquele homem. E se de fato fosse o assassino de minha mãe?!
Poderia deixa-lo escapar por entre meus dedos?! Jamais.
Meu pai havia passado toda sua vida a procura do homem que
havia tirado a vida de sua esposa. Tinha visto suas dores e lamentos, e
então me dispus a levar justiça a outros. Mas nunca a minha mãe, pois
para mim o mistério de seu assassino seria enterrado junto com meu pai.
Ainda assim, lá estava eu, perseguindo um estranho pelas madrugadas
frias. Tornando-me uma versão de meu pai.
Certa noite, enquanto o perseguia o belo homem o vi
desaparecer. O estava vendo bem a minha frente, mas em um piscar de
olhos ele já não estava mais lá. Um frio tomou conta de toda minha
barriga, seguido por meu corpo. E por um breve momento senti uma
respiração tocar meu ouvido. Ao me virar não encontrei nada. Estava
sozinha em uma rua escura.
Meus pelos estavam eriçados, não pelo frio. Meu estomago se
revirava e meu corpo estava gélido. Corri dali o mais rápido que pude.
Minha mente gritava para não continuar com aquela terrível perseguição,
mas não podia parar. Não podia perde-lo de vista. Não podia deixa-lo
escorregar por minhas mãos.
“Deveria acompanhar-me de perto” A voz sussurrada ecoava no
mais profundo de minha mente. A imagem de meu pai lamurioso no canto
da sala durante os aniversários de minha mãe pairava na frente de meus
olhos. As mulheres assassinadas como minha mãe fora um dia. Tudo isso
se misturava dentro de mim.
Não abandonei as madrugadas de perseguição.
Certa vez o vi subir aos céus, como um anjo maldito. E então
pousar sobre o telhado de uma casa. Tal visão fora aterradora demais, ao
ponto de cause provocar-me um desmaio. O folego me foi tirado e
encostada em uma parede, escondida de sua vista, eu respirava com
arfadas, enquanto meu corpo se desmontava. Meu coração bateia
descontroladamente, suor escorrer pelo rosto e meu corpo tremer de
pavor
Mais uma noite, mais um horror. Enquanto o observava de
longe, vi quando seu corpo se desfez em centenas de morcegos que saíram
voando madrugada adentro. Ao ver aquilo um calafrio percorreu minha
espinha. Minha mente estava disparada, pronta para fugir, mas meu
corpo estava enfraquecido. Minha respiração estava acelerada, ofegante,
enquanto tentava controlar o pânico que ameaça me engolir.
Naquele dia, me permiti dormir após o sol nascer, com a arma
de meu pai ao meu lado, e com a casa cheia de empregados.
Logo fui despertada com uma batida em minha porta. Um
menino havia me deixado um bilhete. Nele o senhor Silas Montclair,
convidava-me para um jantar. Não conhecia o nome, apenas o endereço.
Quando a noite caiu, relutei em ir ao encontro de Silas. Já tinha
visto as coisas horrendas que ele poderia fazer. Uma arma seria capaz de
me proteger? Porem a curiosidade gritava em mim. Queria ouvi-lo, vê-lo,
entende-lo melhor. Havia tantas coisas ocultas naquele homem. Tive
conhecimento de seu nome e poderia descobrir mais. Havia sido criada
para ser corajosa!
Silas Montclair aguardava-me a porta de sua mansão. Estava
terrivelmente lindo ao ponto de quase me esquecer de todas as coisas
assustadoras que eu havia o comtemplado fazer.
A mansão era ainda mais linda quando vista de dentro. Maior
do que a minha. O lugar estava imerso em um silencio profundo.
Silas guiou-me até a sala de jantar, iluminada por grandes
arandelas. Sabia que deveria fugir, mas já era tarde. Não tinha como
voltar.
Um vasto banquete se estendia sobre a mesa. Cordialmente
Silas puxou a cadeira para que eu sentasse. Ele era ainda mais lindo
quando visto de perto. Poderia observa-lo por horas a fio, sem me cansar.
Silas acomodou-se na outra ponta e então disse:
— Seja bem vinda, senhorita Barbara!
A voz de Silas era mais macia do que o veludo. Boa de se ouvir.
Atraente e poderosa. Senti meu rosto corar ao ouvi-lo pronunciar meu
nome.
Ele olhou-me, aguardando por uma resposta, e por fim
conseguir dizer:
— Agradeço, senhor.
— A senhorita tendo sido uma agradável companhia noturna. Me diverti
muito, mas a brincadeira deve acabar.
Senti o sangue se espalhar por meu rosto.
— Perdoe-me. Eu...
— Não se preocupe. Faz parte do plano.
Sempre tinha uma resposta pronta, mas perante Silas me
sentia completamente vazia e exposta.
— Mas existe coisas que devemos esclarecer. — Silas sorriu e um mistura
de medo e atração tomou conta de mim. — Não gostaria de beber um
pouco de vinho? É especialmente para você.
A taça ao lado de meu prato estava cheia com um liquido escuro
e denso. Não deveria tomar, sabia bem disso. Mas do outro lado da mesa
Silas aguardava, pacientemente.
Ao levar a taça aos meus lábios um cheiro intenso e pungente
invadiu minhas narinas. Derramei o liquido em minha boca e ela se
encheu com um gosto metálico e salgado. Meu estomago se revirou.
Estava pronta para cuspir o sangue.
— Não! — Silas bradou — Não ouse desperdiçar nenhuma gota desse
liquido precioso.
Ele se levantou e caminhou até mim. Tão elegante. Tão belo.
Um predador!
— Engula! — Silas sussurrou em meu ouvido.
O sangue desceu pela garganta, provocando-me arrepios até em
minha alma.
Silas ocupou a cadeira ao meu lado, e em um rápido movimento
ele retirou o cloche que cobria meu prato.
O que estava a minha frente fez minha alma regelar. Meu
estomago saltou, pronto para expelir tudo que havia comido. Meia dúzias
de olhos estavam perfeitamente posicionados dentro do prato de
porcelana francesa. Um grito se formou em minha garganta, meus pés
queriam correr, mas ao olhar para Silas eu sabe que não iria longe.
— Não se assuste. — Ele pediu. — Estou trazendo a solução para sua
investigação que vem se arrastando por dias.
— Você é amaldiçoado!
Fiz menção de me levantar, mas Silas agarrou meu braço,
detendo-me.
— Não ouse partir! Tem me acompanhado, ansiosa para descobrir mais
de mim e agora deseja ir?! — Ele sorriu, e tocou um fio de meu cabelo.
Fitei os olhos que estavam sobre a porcelana francesa, outrora
pertenciam a mulheres que tinham seus sonhos, esperanças e medos.
Mas agora estavam vazios. Sem vida. Haviam sido consumidas.
— São apensas lembranças — Silas sussurrou, olhando para o prato —
Para que eu não me esqueça delas.
— Você as matou! — Minha voz ecoou por toda sala, e lagrimas desceram
por meu rosto.
— Shi shi shi! — Silas aproximou-se — Não fique assim, minha querida.
Fiz isso, pois precisava traze-la até mim.
— O que você quer de mim? — minha voz saiu entre lágrimas e sussurros.
— Ah 24 anos estava sentado no balcão de um velho bar. Um homem
entrou, e diferente de todos os outros que estão ali, ele se sentou ao meu
lado — Silas deu um breve sorriso — Parecia não me temer! O garçom o
entregou uma garrafa de velho e forte whisky. Então, o homem se virou
para mim e ofereceu-me um pouco de sua bebida. Eu não aceitei, mas
ouviu de bom grado suas queixas. A esposa havia morrido a 1 semana
atrás, a filha pequena estava doente e faltava-lhe dinheiro. A bebida havia
arrancado seu dinheiro. — Silas olhou para cima, recordando-se —
Conforme ele ia contando-me de sua esposa, percebe que eu já a tinha
conhecido, havia me alimento dela. Tinha fome e a mulher estava ao
alcance de minhas mãos. Nunca havia lamentado por uma vida tirada,
nem sentido pena. Porém, por um momento, quase fui capaz de sentir a
dor aquele homem. Isso bastou para que eu oferecesse um acordo.
— Acordo? — murmurei.
— Sim — Silas balançou a cabeça e seus belos cabelos se agitaram —
Poderia lhe dar tudo. Tira‐lo do vício. Ele teria quanto dinheiro desejasse,
teria de trabalhar para isso, porém os caminhos para estariam sempre
abertos e tudo viria fácil. Nada o impediria. Nada o pararia. Se ele
quisesse o mundo seria dele, era só estender a mão. Todos os dias seriam
ensolarados e carregados de sorte. Adocei nosso acordo o máximo que
pude. E o que pedi em troca? Algo bem simples. Sua filha. Ela poderia
cuidar dela, mas ela seria minha e quando eu desejasse a tomaria para
mim. Não preciso lhe dizer que ele aceito, não é?!
— Você! — Minha voz saiu tremula, carregada — Você matou minha mãe.
Agarrei a faca, mas antes que pudesse tentar golpeá-lo, Silas
segurou meu punho, desarmando-me.
— Controle-se. O tempo do luto já passou! Sempre haverá as presas e os
predadores.
— Matou essas meninas!
Apontei para os olhos sobre o prato.
— Precisava traze-la a mim! Sabia que o que seu pai tentou fazer por sua
mãe, você faria por outros, então...
Caminhei até os vitrais, em busca de ar fresco.
— Barbara — A voz de Silas sussurrou em meu ouvido, a mesma voz que
tinha ouvido naquela noite —, eu dei tudo a seu pai, e não era obrigado
a isso. Um predador não retribui sua presa, e sentimentos humanos de
dor e compaixão já abandonei. Ainda assim, fui misericordioso. E mesmo
com todo o dinheiro que eu lhe dei, com todas as indústrias que o ajudei
a construir e tendo uma filha, ele escolher permanecer em luto, e a deixou
como herança. E mesma que você tenha dito, em voz alta, que enterrou
o assassino de sua mãe junto com seu pai, nós sabemos que isso não é
verdade. Deseja encontra-lo tanto quanto seu pai desejou um dia.
O medo havia passado. Mas eu sentia algo borbulhar dentro de
mim, como um caldeirão. Minha respiração estava tensa e irregular,
minhas mãos tremiam. Minha boca se abriu, mas eu nada disse.
Minha voz ecoou por toda sala, estridente, aguda. Um grito
profundo. Minha mão se enrolou entorno de algo, e quando dei por mim
estava arremessando toda mobília sobre Silas. Abajur, mesas de centro e
tudo que eu conseguia levantar. Tudo estava vermelho.
— Pare! — Silas agarrou-me pelo braço. E com facilidade, ele me colocou
no sofá. E logo estava sobre mim, detendo-me com seu corpo. —
Encontrou o assassino de sua mãe, agora pode deixa-la em paz e
aproveitar seus dias ao meu lado.
— Não! — Gritei contra seu belo rosto.
— Acordos precisão ser pagos! — Ele sussurrou, enquanto sua mão
descia por meu pescoço — É a lei. Eu a reclamei e agora você é minha.
Quando acordar, tudo será mais fácil.
Silas abriu um sorriso e suas presas brilharam.