Discursos Libertinos: Análise Da Obra de Mary Wollstonecraft Sobre Os Costumes Ingleseses e Sua Crítica Aos Libertinos Do Xviii
Discursos Libertinos: Análise Da Obra de Mary Wollstonecraft Sobre Os Costumes Ingleseses e Sua Crítica Aos Libertinos Do Xviii
Discursos Libertinos: Análise Da Obra de Mary Wollstonecraft Sobre Os Costumes Ingleseses e Sua Crítica Aos Libertinos Do Xviii
São Gonçalo
2023
CAROLINE DOS SANTOS CUNHA DE ARAUJO
São Gonçalo
2023
2
Agradecimento
Aos amigos e companheiros de turma, pois se não fosse a nossa união todas
as dificuldades não seriam superadas. E o mais importante, ao meu companheiro de
jornada Wallace de Oliveira Machado que de amigo de classe à esposo foi o responsável
pela companhia, cumplicidade e as mais diversas alegrias que a vida me trouxe.
3
“Esse quadro é encantadoramente belo...” A mulher
literária, insatisfeita, agitada, vazia no coração e nas entranhas,
sempre a ouvir, com penosa curiosidade, o imperativo que
sussurra, das profundezas de sua constituição, aut liberi aut
libri; a mulher literária, suficientemente culta para compreender
a voz da natureza, mesmo quando ela fala em latim, e, por outro
lado, suficientemente vaidosa e tola para falar secretamente em
francês consigo: je me verrai, je me lirai, je’mextasierai et je
dirai:Possoble, que j’ai eu tant d’sprit?
4
Resumo
5
Resumen
6
Sumário
Introdução...................................................................................................................................8
Capítulo 1- Mary Wollstonecraft e suas influências...................................................................10
1.1 Mary Wollstonecraft.........................................................................................................10
1.2 A representação da mulher e a violência simbólica....................................................16
1.3 – O direito de pensar e aprender.......................................................................................20
Capítulo 2 – Fundamentos da crítica..........................................................................................27
2.1- Natureza e comportamento (virtude)...............................................................................27
2.2- Libertinos e seus jogos....................................................................................................30
Capítulo 3- Crítica a ética cavalheiresca....................................................................................34
3.1- Rousseau, e sua importância na crítica Cortesã...............................................................34
2.2 - É costume e não natureza!..............................................................................................37
Conclusão...................................................................................................................................43
7
Introdução
“Como pretender falar das mulheres, sem conhece-las? ” 1Essa é a pergunta feita
por Madame D’Epinay inaugurando um debate contra Thomas Grimm. Em 1770,
senhor Thomas escreve um ensaio com diversas repreendas contra Diderot e Madame
D’Epinay e pergunta a eles: o que é uma mulher? Este questionamento vai perdurar todo
o iluminismo e ainda vai chegar a nós com a incrível resposta de Madame D’Epinay “ a
mulher é um ser de cultura inteiramente moldado por sua educação”2.
A reposta dada por D’Epinay será refletida por outros autores e filósofos, como
a autora escolhida para este trabalho, Mary Wollstonecraft e sua obra Reivindicação dos
direitos das mulheres de 1792. Este trabalho propõe como a autora, que mais teve
notoriedade e reconhecimento diante a discussão sobre educação e participação
feminina na política, reconheceu na Literatura popular, aqui nomeada como Literatura
libertina dos costumes, propagada no seu período, auxiliou na divulgação ideias de
como a mulher deveria ser educada, a discussão se era um ser totalmente capaz de
pensar e realmente fazer da parte ativa da sociedade.
8
máximo uso da razão. Todavia, a crítica da filósofa recai sobre a educação dada à
personagem Sofia, em que não é dada a mesma educação dada ao Emílio, dessa maneira
não mudando a realidade e mentalidade do público do XVIII, tornando-se um manual
educacional. O segundo alvo é o libertino e a ética cavalheiresca, em que a autora
reconhece que a cultura libertina, de influência francesa, está presente no ideário de
educação.
9
Capítulo 1- Wollstonecraft e suas influências.
3
MACLEOD, Emma Vicent. The Cises of French Revolution. Apud MIRANDA.D Apresentação: IN
WOLLSTONECRAFT, Mary.Reindidação dos Direitos das Mulheres. (2015)
10
com estudo das leis. Para ela e suas irmãs o fato do descaso com sua educação
demonstram as ideias que para mulheres era mais vantajoso um bom casamento.
Vale ressaltar que no século XVIII, dentro da sociedade inglesa, não era simples
um arranjo matrimonial. Mesmo havendo os ideais liberais como: a liberdade para
escolher o cônjuge, não necessitar do consentimento dos pais e realizar o casamento em
uma idade tardia, não era oferecida outra opção de vida ou inserção das mulheres na
sociedade. Logo, a autossuficiência era algo mais difícil de se alcançar devido à falta de
acesso ao mundo do trabalho. As que seguiam solteiras conseguiam um trabalho mal
remunerado ou dependência dos parentes mais próximos. Para mulheres pobres restavam
apenas três opções: a costura, a criadagem e a prostituição 4
Além disso, Mary, apesar de sua condição, também não via com bons olhos a
instituição. Viu a conturbada relação dos seus pais, eram de conhecimento as atitudes
violentas de seu pai contra a esposa e contra os filhos, e mais tarde ela também viu a
dificuldade relatada por uma de suas irmãs com um casamento malsucedido. Em
consequência, as possibilidades de vida que lhe restavam eram reduzidas, visto que era
instruída, restaram três opções: dama de companhia, governanta e ser professora em
alguma paróquia. É fato que Wollstonecraft exerceu todas estas funções com o intuito de
um único objetivo que era sua independência financeira.
11
as atividades que ela poderia exercer de acordo ao “manual de decência”, sendo dama de
companhia, professora e finalmente, governanta de uma família aristocrática.
Seu ato de rebeldia contra as convenções sociais se inicia quando planeja a fuga
de sua irmã Elisa de um matrimônio infeliz. De acordo com Lobato (2018), as mulheres
eram tão limitadas, principalmente quanto ao assunto divórcio. Pois,
Neste contexto, sua intenção era uma resposta a todos maridos tirânicos, contra ao
seu pai e contra seu prepotente irmão, seria um golpe contra os homens que se
enxergavam superiores por seu direito de desfrutar de suas heranças, educação e carreiras
profissionais.6
As duas irmãs Wollstonecraft junto a sua amiga Fanny Blood fundam uma
escola em Newington Green, onde ela conhece outro personagem importante para sua
vida o reverendo da Igreja Dissidente Richard Price (1723-1791), filósofo e autor do
sermão a favor da Revolução Francesa que provocou a reação de Edmond Burke e
provocaria uma de suas obras famosas Reflexões. Foi por intermédio deste reverendo, que
Mary conheceu seu futuro editor Samuel Jhonson (1709-1784) 7. É necessário esclarecer
que os dissidentes era o termo empregado aos cristãos protestantes que não faziam parte
da igreja da Inglaterra e, portanto, eram excluídos legalmente dos direitos civis entre
outros serviços como, acessar as Universidades de Oxford e Cambridge. Assim a vila de
Newington Green foi uma espécie de vila universitária, lá havia discussões e
5
IBIDEM, P.4.
6
. Miranda, Anadir dos Reis.Mary Wollstonecraft e a reflexão sobre os limites do pensamento liberal e
democrático a respeito dos direitos femininos (1759-1797) Curitiba, 2010. P.119
7
Há uma ressalva sobre este nome Samuel Johnson. Este nome foi apontado uma única vez na página 9
na Apresentação da edição da Reivindicação de 2015, editado pela EDIPRO. É possível que seja um erro
de edição, já que em outras fontes é apresentado Joseph Johnson como o primeiro editor de Mary
Wollstonecraft e também daquele que viria ser também editor do seu marido William Godwin.
12
disponibilidade de livros que possibilitou Mary conseguir livros emprestados e saber
sobre aqueles que não poderia ler.
É dado neste momento que se deve focar ao tema deste trabalho, pois foi com a
experiência com os Dissidentes que fez com que Wollstonecraft desenvolvesse o
desapreço e as críticas em relação ao comportamento aristocrático e cavalheiresco.
Segundo Burdiel(2000)8, o ambiente frequentado por Mary era um local onde mulheres
vinculadas aos Dissidentes poderia expressar suas ideias com mais liberdade e
independência. A influência das ideias de Locke e a crença da mulher com papel de
moralizadoras tomou a educação das meninas mais séria que em outras igrejas 9. Embora,
os Dissidentes tornassem um ambiente favorável para expressar suas ideias, também
continham um caráter cerceador, visto que seu objetivo era formar uma identidade
feminina sóbria, autocontrolada e abnegada se opondo a licenciosidade moral e ao
despotismo aristocrático.
13
respeitabilidade social e independência econômica destinadas as mulheres educadas que
por ventura da vida ou decisão não chegavam ao casamento.
Wollstonecraft segue seu ideal de defender seu amigo. Instigada por Johnson, a
obra que causou a mudança em sua carreira foi o Vindication of Rights of Men
(Reivindicação dos Direitos do Homem), sua primeira de muitas respostas dadas à
Burke11. A primeira edição foi publicada anonimamente, a segunda já foi publicada em
seu nome, consagrando-a como escritora política. Nesta obra em que destaca sua posição
sobre ser representante do valor do esforço pessoal contra os privilégios herdados em sua
face mais radical. O que a destaca é sua observação e ousadia em questionar a maneira”
10
MIRANDA, Daniel. Introdução. In: WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres.
Trad. Andreia Reis do Carmo. SP: EDIPRO,2015. P: 9
11
Idem.P.10
14
natural” em que era vista a subordinação da mulher. Ela entende o que esta prática é para
seu próprio ser e para uma sociedade que sustentava toda uma diferença de gênero.
Para uma mulher fazer uma crítica sobre sua realidade, naquele momento, era algo
individual, era uma responsabilidade dada àquelas que conseguiram uma superioridade
intelectual. No entanto, ela buscou tratar o problema como social, ou seja, a situação da
mulher não era uma escolha individual e sim um resultado de um contexto de diferenças
de gênero do tempo protagonizado pela própria. Como resultado deste bojo foi a criação
de sua obra mais importante, a Vindication of Rights of the Woman, de 1792.
Sua obra foi muito bem aceita, não só na Inglaterra, mas também no restante da
Europa e nos Estados Unidos. Ela estava no auge de sua carreira com uma obra original e
todo um mundo particular repleto por tensões que continham ressentimento sobre a
educação sentimental das mulheres, razão, virtude e o próprio amor.
15
179412. Neste tempo ela como uma mulher rígida, fez-se tentar negociar sobre a “razão e
sua sensibilidade”, como o título da obra da autora Jane Austen. Mulheres como Mary
viviam seu próprio conflito por ter a ambiguidade de suas aspirações e as exigências
feitas pela sociedade.
Wollstonecraft, é conhecida por ser mãe da grande Mary Shelley, teve seu
casamento com seu antigo companheiro dissidente Willian Godwin. Ele em sua intenção
publicou obras póstumas e a sua biografia. Embora, acredita-se que tivesse uma boa
intenção, ele revelou seu lado doloroso que mancharam seu nome. Sua reputação foi
restaurada somente com o movimento sufragista no século XIX. Autoras como, Virginia
Woolf, nos EUA, viram-na como a primeira feminista.
16
educação das mulheres em relação aos seus irmãos é desigual, o que é uma realidade,
que segundo a autora é quase universal, um privilégio de classe para poucas mulheres 15.
Lerner, ao discorrer sobre a educação, remonta que já no XIII, quando a educação se
tornou institucionalizada quando as elites precisaram manter sua posição de poder, e
assim, perpetuar-se. Dessa maneira, perpetuou seus valores morais e a solução
encontrada para gênero feminino é que as mulheres seriam educadas de forma menos
formal, embora esse olhar mudasse quando a mulher pertencesse a uma elite.
A autora generaliza, de forma consciente, que até o fim do século XVII, as chances de
qualquer mulher receber qualquer tipo de educação eram maiores quando ela era de
família mais abastada, filha em família sem herdeiros homens e se o pai fosse culto em
relação à educação. Essas combinações eram raras, mas existiam como, por exemplo, as
filhas de Sir Tomás Morus, o que a autora toma para si a expressão de Virgínia Woolf
“ filhas instruídas de homens instruídos.16”
Mulheres instruídas eram uma raridade, o que as tornam conhecidas são o fato
de existirem e não por suas produções. Visto que a educação é privilégio de classe,
outro ponto que é generalizante é o fato de serem solteiras. O destino da mulher é
implacável, principalmente quando se refere aos laços familiares, pois existe um padrão
em que é encorajado durante infância e juventude e desencorajado durante a vida adulta,
que resulta nas cobranças sociais sofridas até em tempos contemporâneos como
15
LERNER, Gerda. A criação da consciência feminista: a luta de 1200 anos das mulheres para libertar
suas mentes do pensamento patriarcal. Ed.Cultrix – SP, 2022.
16
Ibidem, 2022. P.:51
17
“quando irá se casar? ” e “quando será mãe? ”. Conquanto, existiram aquelas que
resistiram a pressão social entrando em conventos, pois não eram de sua vontade levar
uma vida que era considerada “ normal”. Enquanto, aquelas que escolheram a vida em
matrimônio não conseguiram repetir seus feitos intelectuais.
Portanto, pode-se entender que durante a Idade Média até o Renascimento, como
exemplo de Isotta de Nogarola17 , humanista que para manter-se como pensadora teve
que escolher o isolamento e a castidade para continuar com a respeitabilidade perante a
sociedade, essa cobrança social não era imposta aos homens de seu tempo. Logo, não se
pode confundir seu ato com a escolha de outros em ter uma vida religiosa, é que
simplesmente não havia espaço para uma mulher pensadora que não renunciasse à
sexualidade.
18
provavelmente, segundo a autora, o objetivo da lei fosse desencorajar o sectarismo
radical, o fato é que salvo as mulheres nobres, o restante da população era classificado
de maneiras diferentes.19 O resultado foi a redução de oferta e restando o meio particular
de tutores ou escolas ilegais não licenciadas. A escola primária tornou-se disponível
para a maioria dos meninos, porém para as meninas a educação era dada de forma
suficiente para que ela se tornasse competitiva no mercado matrimonial. Não havia
escola pública para meninas protestantes de classe baixa. 20.
19
LERNER, Gerda. A criação da consciência feminista: a luta de 1200 anos das mulheres para libertar
suas mentes do pensamento patriarcal. Ed.Cultrix – SP, 2022. P.52.
20
Ibidem, 2022. P.:249
21
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. A condição feminina e a violência simbólica. RJ,
Bestbolso,2018. P.40
19
1.3 – O direito de pensar e aprender.
Como foi dito, a educação é o fator que indica a inferioridade do gênero. Desta
forma, houve quem defendesse o direito a uma educação igualitária e direitos como
cidadã antes de Mary Wollstonecraft, ela foi a mais notória por separar as
reivindicações do contexto religioso por desafiar, fortemente, a definição de mulher
dependente e subserviente apresentada por Jean-Jacques Rousseau em Émile ou de l
´éducation (1762) e trazendo este contexto para a área cívica. Logo, é importante
22
Karem O’Brien, O’BRIEN, Karen. Women and Enlightenment in Eighteenth-Century Britain. New
York: Cambridge University Press, 2009. apund Anderson Soares Gomes. MULHERES, SOCIEDADE E
ILUMINISMO: O SURGIMENTO DE UMA FILOSOFIA PROTOFEMINISTA NA INGLATERRA DO
SÉCULO XVIII. Revista Matraga, Rio de janeiro, v.18 n.29, jul./dez. 2011. P.: 32
23
RODRIGUES, Ana Patrícia. In: O despertar da consciência cívica feminina, identidade e valores
femininos na literatura proto-feminista do século XVIII .Revista Interações, NO. 5, 2007. P. 46-59
20
referenciar pensadores que a influenciaram, dentre as personalidades que indicam o
pensamento próximo ao dela, a qual poderemos citar são: as inglesas Mary Astell,
Catharine Macaulay e os franceses Nicolas Condorcet e Olympe de Gouges.
Falar neste trabalho sobre o núcleo inglês e francês será importante para
entender a crítica da autora aqui estudada. Entende-se que ao registrar um pouco de
cada experiência irá construir o discurso usado por Mary Wollstonecraft. Este discurso,
que é no sentido foucaultiano, cujo sentido é definido como a articulação daquilo que
pensamos, dizemos e fazemos caracterizando determinado período, uma vez em que o
acontecimento discursivo são acontecimentos históricos. Em sua Arqueologia do saber
24
ele dirá que o procedimento arqueológico caracteriza o domínio do “ser-saber”, sendo
um saber é aquilo o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos
de que se ocupam seus discursos.
As autoras Mary Astell e Catharine Macaulay são importantes porque elas estão
intimamente ligadas à questão da educação feminina da Inglaterra. No final do século
XVII para o XVIII, temos Mary Astell, considerada a primeira a defender a educação
feminina fora da esfera doméstica e micro social.
Astell, conhecida por ser a primeira feminista inglesa, ela unificou os ideais
religiosos e filosóficos em um discurso em prol as mulheres, em que propôs que só
através da fé e de um cristianismo fundamentado e consciente a mulher poderia
ascender espiritualmente. Seus ideais estão relacionados a mulher ideal setecentista
vista como: casta, pia e virtuosa. Usando da lógica cartesiana, argumentou sobre a
igualdade absoluta e inerente entre homens e mulheres, defendeu que a natureza e o
comportamento feminino não são “naturais”, e sim de origem social. Logo, somente
uma educação de qualidade levaria as mulheres tomarem consciência de sua própria
situação que as ajudariam a se protegerem do poder masculino abusivo e, aquelas que
por ventura não pudessem evitar o destino do casamento ou tivessem a escolha deste
destino, o estudo traria o benefício da filosofia e da religião para tolerar o seu destino.
Ela foi a primeira a criar uma proposta de ensino superior voltado para mulheres,
que se tratava de um “internato utópico”, (RODRIGUES, P. 49) 25onde seriam
24
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
25
RODRIGUES, Ana Patrícia. In: O despertar da consciência cívica feminina, identidade e valores
femininos na literatura proto-feminista do século XVIII. RODRIGUES, Ana Patrícia. In: O despertar da
consciência cívica feminina, identidade e valores femininos na literatura proto-feminista do século XVIII
.Revista Interações, NO. 5, 2007. P. 46-59
21
transmitidos tanto conhecimentos anglicanos como seculares. Seu projeto fora rejeitado,
assim Astell se dedica a ensinar mulheres a pensarem de maneira clara e lógica. Ela era
totalmente crítica a instituição do casamento e defendida ao estado civil solteiro e, por
ser conservadora, aconselhava mulheres casadas a se submeterem como mártires ao
tratamento injusto e desigual, logo, sua recomendação era um casamento cauteloso ou
não se casarem, como na citação:
Conforme Lerner, outra autora que tem que ser esclarecida é Catharina
Macaulay. Também escritora, foi famosa em seu tempo sendo considerada a primeira
mulher historiadora inglesa. Era reconhecida intelectualmente por suas críticas ao
pensamento monarquista de Thomas Hobbes, ao conservadorismo de Edmund Burke,
em especial, crítica ao sexismo de Jean-Jacques Rousseau, por defender o
republicanismo. Ela era a favor da educação das mulheres.
Segundo Allan Coffe, Macaulay é apenas uma geração anterior que Mary
Wollstonecraft, no entanto, seu trabalho relativo à educação foi publicado dois anos
antes da obra Reivindicação dos direitos das Mulheres (1792) de Wollstonecraft.
Macaulay e Wollstonecraft se comunicaram, quando Mary entrou em contato com sua
antecessora, esta já era consagrada por sua obra a História da Inglaterra, que foi escrita
durante um período de vinte anos (1763-83). Segundo o mesmo autor, esta obra foi
bastante popular em seu tempo, superando a História da Inglaterra de David Hume
(1754-1761) (COFFE,p.1). 27
26
Mary Astell, apund LERNER, Gerda. A criação da consciência feminista: a luta de 1200 anos das
mulheres para libertar suas mentes do pensamento patriarcal. Ed.Cultrix – SP, 2022.P.: 257.
27
COFFE, Allan. Catharine Macaulay's Influence on Mary Wollstonecraft. In: The Wollstonecraftian
Mind, Sandrine Bergès, Eileen Hunt Botting, and Alan Coffee (eds.), London: Routledge, 2019. P.1
22
princípios republicanos de igualdade e liberdade(COFFE,p.3) 28, para contrapor o fato de
que a Constituição Francesa de 1791 não incluía as mulheres na categoria de cidadãs.
23
ferir a igualdade. Nesta questão da igualdade ele vai incluir as mulheres, já que na
própria Declaração dos homens e do cidadão elas não foram incluídas. Defendendo o
direito de voto feminino na Assembleia Nacional, Condorcet ( CONDORCET, p.238-
239) diz:
30
Nicolas de Condorcet, Sobre a admissão das mulheres ao direito à cidadania (1789). In:
Arqueofeminismo: Mulheres filósofas e filósofos feministas séculos XVII-XVIII. São Paulo, 2019. P.:
238-239.
31
Cfr. Condorcet, Bosquejo de un cuadro histórico, cit., «Décima Época (os progressos futuros do
espírito humano)» p. 175. In: VIDEIRA, Susana Antas. IGUALDADE DE DIREITOS PARA
MULHERES E HOMENS: UM TESTEMUNHO HISTÓRICO INSPIRADOR. Revista da Faculdade
Mineira de Direito │V.20 N.40- P.13
32
Nicolas de Condorcet, Sobre a admissão das mulheres ao direito à cidadania (1789). In:
Arqueofeminismo: Mulheres filósofas e filósofos feministas séculos XVII-XVIII. São Paulo, 2019. P.:
235-236.
24
Portanto, o filósofo diz que não é só necessário admitir que a mulher deve ter
direito a ser cidadã como é necessário para toda a sociedade o direito a uma educação
comum para homens e mulheres. Ademais, é importante registrar que Condorcet, com
seu texto de 1789, irá inspirar as duas mulheres que serão aqui citadas, consideradas
pioneiras do feminismo moderno: Olympe de Gouges, que escreveu a provocativa
“Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, em setembro de 1791 e Mary
Wollstonecraft que escreveu a fundamental obra “Uma defesa dos direitos da mulher”
em 1792.
Segundo Rovere (2019, p.248), fora dito que Gouges não foi uma boa escritora,
pois suas obras eram ditadas e editadas, mas suas propostas queriam melhorar as
condições de vida das mulheres em relação a: instauração de casamento civil, igualdade
entre os cônjuges, autorização para o divórcio, o reconhecimento de crianças nascidas
fora do casamento, criação de maternidades etc. 33. Partidária de uma monarquia
constitucional, ela se opôs, firmemente, contra os montanheses denunciando Marat e
Robespierre através de cartazes. Logo, não foi poupada pelo Terror, foi guilhotinada em
1793.
33
ROVERE, Maxime. Apresentação, Olympe de Gouges. In: Arqueofeminismo: Mulheres filósofas e
filósofos feministas séculos XVII-XVIII. São Paulo, 2019. P.: 248
25
da política e nem na prática da cidadania. Ela denuncia a ingratidão do homem que
impede que a mulher também ascenda ao mesmo estatuto que ele, após a queda do
Antigo Regime. Como podemos ver nos três primeiros artigos:
Artigo 1º
A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos. As
distinções sociais só podem ser fundadas sobre o proveito comum.
Artigo 2º
O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos
imprescritíveis da mulher e do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade,
a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.
Artigo 3º
O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união
da mulher e do homem nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer
autoridade que não provenha expressamente deles. ( ROVERE,p.257-258)34
Suas palavras eram um ponto de esperança em uma realidade que não concebeu
as mesmas coisas em relação às mulheres, pois no período do Terror, Diretório, o
Consulado e depois Império os clubes das mulheres foram fechados e no período
Napoleônico, através do código Napoleônico de 1804, houve o retrocesso da condição
feminina a ser inferior e novamente dependentes de pais e maridos. Portanto, tendo
raros defensores, como o próprio Condorcet, Gouges teve como eco outras vozes
femininas, principalmente entre elas, Mary Wollstonecraft.
34
GOUGES, Olympe de . Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. In: Arqueofeminismo: Mulheres
filósofas e filósofos feministas séculos XVII-XVIII. São Paulo, 2019. P.: 257-258.
26
Capítulo 2 – Fundamentos da crítica.
27
seu significado, mas existe uma concordância entre sofistas, platônicos e aristotélicos,
pois concordam, de alguma forma, que justiça e felicidade é o objetivo a qual devemos
educar os jovens, e chama-se “virtude a prática que leva a essas coisas, em prol dela
devemos concentrar todos nossos esforços”(SANTOS, p.15).36Desta maneira, a autora
continua a questionar :
É dito às mulheres desde sua infância, e são ensinadas por meio do exemplo
de suas mães, que um pouco de conhecimento da fraqueza humana, corretamente
denominada de astucia, suavidade ou serenidade, obediência aparente e uma atenção
escrupulosa a tipo pueril de decoro, trará a elas a proteção de um homem(...)
(2015,p.41)37
36
SANTOS, Guilherme Celestino S. Aprendizagem da Virtude em Aristóteles. Revista Ítaca, UFRJ. RJ n
15. 2010. P15
37
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. Trad. Andreia Reis do Carmo.
SP: EDIPRO,2015. P.: 41
38
STONE, Lawrence. Família, sexo y matrimonio em Inglaterra, 1500-1800.Fondo de Cultura
Económica, México.1990
28
O genebrino foi o responsável pelo discurso que influenciou a constituição da
mulher na sociedade moderna. Ele postulou uma divisão dos gêneros através de suas
características biológicas, assim definindo papéis específicos na sociedade, reafirmando
o homem/público e mulher/ privado, assim, tendo como resultado o ideal de
feminilidade. Este ideal que tem como características a mulher como frágil, emotiva,
dependente, instintivamente maternal e sexualmente passiva. Endossando a justificativa
conservadora e, desta forma, perpetuar a dominação masculina sobre a mulher. Da
crítica de Wollstonecraft, sobre a posição de Rousseau, pode ser observada no seguinte
no trecho:
Rousseau declara que a mulher nunca deveria, por nenhum momento, sentir-se
independente, mas que deveria ser governada pelo medo de exercer sua astúcia
natural e fazer dela uma escrava a fim de torná-la um objeto mais atraente, uma
companheira mais doce para o homem, sempre que ele decidir relaxar-se 39
Percebe-se que a autora indica a forma de educação apontada por Rousseau. Ele
pregava a favor de uma educação para as meninas voltada a necessidade de controlar e
disciplinar os sentimentos e desejos, considerando fundamental adestrá-las para que
pudessem servir melhor aos homens de quem naturalmente eram dependentes.
39
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. Trad.Andreia Reis do Carmo.
SP: EDIPRO,2015.P.: 41
40
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. Trad.Roberto Leal Ferreira. SP.Ed. Martins
Fontes,2014.p.524.
41
Ibidem 2014.p.502.
29
tantas vezes tão cheio de vícios e sempre tão cheios de defeitos, ela deve aprender
cedo a suportar até a injustiça, assim como os erros do seu marido sem se queixar.
(2014,p.536)42
Portanto, este breve esclarecimento, é para compreender que o que Rousseau diz
sobre a natureza da mulher não é justificável, de acordo Mary Wollstonecraft. Ele não
retém a mulher na condição “ feminina” de forma social ele tentará recolocá-la na esfera
determinada para ela, a esfera da família, logo do mundo privado, assim, seu lugar
natural. Enquanto a virtude, esta, é ligada ao seu comportamento, como castidade, moral
e integridade, e não ao seu intelecto.
Segundo Costa, ao citar Landes, dirá que o significado de virtude tem em sua
etimologia a raiz vir que denotam masculinidade, que é associada a valor, resistência,
força, controle e dever, que para Rousseau ter autocontrole e dever eram características
masculinas,43 em que o homem virtuoso, dentro de uma república, necessita do apoio de
outra mulher virtuosa, ou seja, a casta, a doce, cujo dever é no lar. É importante frisar
que a obra Emílio apresenta nuances da ideologia dominante, pois não há avanço --ou
não foi permitido--do papel da mulher na sociedade, mantendo assim o seu status quo, e
ao retornarmos a proposta de Foucault veremos que a questão da mulher com sua
educação e seu poder de representação não é algo natural e sim uma relação de poder.
30
O imaginário libertino já tem no século XVI inúmeros significados, mas é no
século XVIII quando foi influenciado pelos ideais iluministas que ele tomará o sentido a
qual foi mais popularmente conhecido, encontrado nos romances literários e na cultura
popular. Sua influência concretizou-se no pensamento anticlerical, promoveu o
intercâmbio intelectual contra a intolerância do Estado, crítica à moral e aos valores
estabelecidos. Nesse novo cenário filosófico e social, podemos dizer que a libertinagem
à moda francesa do século XVIII foi uma ruptura nos códigos e representações sociais e
principalmente nas representações sexuais, em que temos, segundo Sergio Paulo
Rouanet45, uma dissociação entre saber e prazer.
Mesmo compreendendo que há uma divisão entre os tipos de libertinos, temos que frisar
o ponto da igualdade social, pois este é o que deve ser discutido porque entra em
relevância com a mudança na estrutura da propriedade privada. É visto que há
discussões sobre o uso livre do corpo para homens e mulheres. As mulheres, que foram
hostilizadas pelos iluministas no XVIII, terão seus corpos transformados em objetos de
prazer, visto que igualdade de gênero e igualdade social não são discutidas, pois o
libertino se trata entre pares47e, também, não é discutida pelos filósofos, pois para
alguns deles as mulheres não teriam virtude suficiente.
Na literatura libertina é interessante notar que existe uma classificação, que além
do próprio libertino, também apresenta a figura não mais atraente, porém mais
difundida, do janota ou roué (na tradição francesa), que é aquele personagem
empenhado em fazer aumentar sua lista de conquistas, sem jamais se fixar em nenhuma
delas. Ele se tornou um personagem mais narcisista que orgulhoso, frequentemente
45
ROUANET, Sérgio Paulo. O Desejo Libertino entre o Iluminismo e o Contra Iluminismo. In: O
Desejo/ organizado por Adauto Novaes. Ed. Cia das Letras, RJ. 1990.
46
ARAUJO, Caroline S. Cunha de. Porque Faublas tem mais leitores que Homero”: estudo sobre o
romance Os amores de um libertino, de Louvet de Couvray, e sua trajetória no Brasil no século XIX.
UERJ. 2015.
47
CARVALHO, Sônia Maria Materno de. Libertino: Um significante e seu deslizar de sentidos. Ipotesi,
revista de estudos literários Juiz de Fora, v. 4, n. 1 2009.p. 125 a 134. P:.130
31
sarcástico, porém amável. Segundo Carvalho, os roués serão a forma mais agressiva do
libertino, pois estes tornam públicas suas conquistas, eles quebram a regra da
privacidade das aventuras. O comportamento deles, a emoção e o desejo cedem lugar à
vaidade e a dominação e o prazer são substituídos pela reputação de invencível. Ele joga
suas redes, prevê suas rupturas, medita seus lances como um xadrezista e deleita-se com
o prazer de prejudicar e destruir.48
Compreender os roués será necessário para olhar os atores destes romances, pois
são eles serão quem vão dar vida ao imaginário do libertino mais difundindo que caiu
no gosto popular de leitura. Contudo, não podemos desviar o olhar para a mulher, sendo
ela caçadora ou a caça é um elemento essencial, pois serão elas encarregadas de exibir a
virtude e moral. É ela quem é sempre conduzida para o jogo engenhoso do libertino, a
qual só pode se defender através da dissimulação e do artifício. Deve-se observar que
quanto mais virtuosa, mais dispostas a um jogo desigual porque são raras as Juliette,
como a de Sade49, em que fazem uma ação refletida e um empreendimento de
dominação.
Com o passar do tempo, o termo libertino será finalmente utilizado para todos
aqueles que pensavam e agiam contra os costumes ou contra a ordem social vigente 50.
E, assim, a transgressão dos libertinos propunha uma concepção desconcertante de
liberdade, que se confundia com libertinagem e adquiria, no século XVIII, a
configuração de um jogo de sedução que seria amplamente explorado dentro do mundo
48
TROUSSON, Raymond. Romance e libertinagem no século XVIII na França. IN: NOVAES, Adauto
(org.) libertinos libertários. São Paulo: Companhia das Letras, P. 165-183. 1996. P>:172
49
Marquês de Sade. Os infortúnios da Virtude.
50
Idem.
32
literário 51. Este jogo tinha como finalidade preencher a existência ociosa dos nobres
aristocratas, que viviam uma vida cercada de privilégios e tediosa.
51
CARVALHO, Sônia Maria Materno de. Libertino: Um significante e seu deslizar de sentidos. Ipotesi,
revista de estudos literários Juiz de Fora, v. 4, n. 1 2009.p. 125 a 134
33
Capítulo 3- Crítica aos libertinos e a ética cavalheiresca
O que Woolf escreveu foi no século posterior a Wollstonecraft, o tempo pode ter
passado, mas ainda analisamos que a história da mulher tem vácuos e silêncios. No
mesmo ensaio Woolf dirá que para mulher era mais fácil escrever romances, e a
explicação não é complicada de entender, é que para escrever uma ficção a escritora
poderia parar o pensamento e retomá-lo depois, o que não é fácil quando se está
escrevendo uma poesia ou um ensaio. Este raciocínio é para instigar o pensamento de
como Wollstonecraft se destacou no que nos remete as mulheres do século XVIII.
Wollstonecraft, teve em sua vida uma trajetória singular, já que ela conseguiu
um destaque significativo como escritora e intelectual em um contexto social em que as
mulheres eram submetidas quase com exclusividade ao ambiente doméstico. Ela
defendia a igualdade entre os sexos dentre os pensadores iluministas. Todavia não está
inserida totalmente no contexto canônico.
52
WOOLF,Virgínia. Mulheres e ficção;Trad.Leonardo Fróes. São Paulo. Ed. Cia das Letras, 2019. P.10
53
PEREA, Issac P.J. Moctezuma.La crítica de Mary Wollstonecraft a la crítica Cortesana e Caballeresca.
In: Filósofas de la Modernidad temprana y la Ilustración. Homenaje a Laura Benítez y José Antonio
Robles. Org.: Viridiana Platas Benítez Leonel Toledo Marín. Universidad Veracruzana 2014.P.112
34
qualquer distinção alheia a razão seria ilegítima. Wollstonecraft dirá que: “A mente
sempre será instável se apenas tiver preconceitos para se basear, e esta funcionará com
fúria destrutiva quando não houver barreiras para quebrar sua força.”54
Nesse contexto, entendemos que ela não estava só em sua contestação. Como foi
exposto no capítulo anterior, no século XVIII, a divisão entre libertinos eruditos e dos
costumes havia uma linha tênue, assim, filósofos também eram, em parte, libertinos.
Dessa maneira, é entendido que a bandeira da igualdade entre os sexos também era uma
bandeira das luzes, entretanto, tinha a ajuda na divulgação das ideias através das
publicações libertinas já que elas eram propagadoras dos ideais ilustrados. O problema
desse “marketing” era justamente seu poder de alcance e aquilo que foi absorvido pela
população, seja a camada mais erudita quanto as alcovas.
55
Podemos seguir o raciocínio de Rétif de la Bretone em que diz que que no
século XVIII o pensamento ilustrado tinha seus regentes que eram Rousseau, Voltaire,
Diderot e Montesquieu. Posto isso, é preciso dizer que em grande parte dos filósofos
eram “feministas”, ou seja, propagava o igualitarismo seja sexual seja econômico, com
exceção de Rousseau. Voltaire tinha boas relações motivações para proclamar o
igualitarismo, pois era amigo de mulheres excepcionais, logo, afirmava que mulheres
deveriam ser tratadas como seres pensantes. Diderot denuncia a educação
embrutecedora dada as mulheres nos conventos e diz “ foi a tirania do homem que
transformou em propriedade a posse da mulher”. Não se pode esquecer do próprio
Condorcet, que já foi falado.
54
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. Trad. Andreia Reis do Carmo. SP:
EDIPRO,2015. P.42
55
ROUANET, Sérgio Paulo. O Desejo Libertino entre o Iluminismo e o Contra-Iluminismo. In: O Desejo/
organizado por Adauto Novaes. Ed. Cia das Letras, RJ. 1990. P.172
35
Wollstonecraf era rousseauniana e reconhecia sua genialidade, ela concordava
com ele enquanto encara os costumes aristocráticos que prezam honrarias, reputação e a
aprovação frente à opinião alheia como alienantes e sem profundidade. Para ela essas
relações típicas do Antigo Regime deformavam as relações sociais. Entretanto, com a
obra Emílio ou da Educação (1762), a filósofa se deparou com seguintes afirmações do
autor: ‘que a opinião alheia, principalmente a masculina, deve ser o guia delas” 56 e, que
“uma mulher intelectual é o flagelo de seu marido, de seus filhos, de seus amigos, de
57
seus empregados, de todo mundo” . Em dissonância com essas afirmações,
Wollstonecraft busca dirigir-se ao genebrino, com o objetivo de pontuar as passagens
que ela considera problemáticas diretamente na obra dele.
36
libertadora mais ampla na sociedade, apesar de não se afastar totalmente do lugar posto
a mulher, o de mãe e esposa, ela propõe a questão da escolha e uma vida doméstica e
não o seu confinamento.
37
eram críticos não só sociais quantos dos costumes aristocráticos, seriam os livres
pensadores dispostos à experimentação sexual e literária, assim proponho a hipótese que
há uma amálgama a qual todo libertino erudito tem traços de libertino dos costumes. É
possível estabelecer esta conexão através do mercado editorial no XVIII. O que eu
quero dizer é que o libertino dos costumes pode estar relacionado ao desenvolvimento
da literatura pornográfica e popular.
60
HUNT, Lynn. Obscenidade e as origens da modernidade, 1500-1800.In: Invenção da pornografia:
Obscenidade e as origens da modernidade. Organização Lynn Hunt; Trad. Carlos Szlak. SP. ED. Hedra,
1999. P.34
61
JACOB, Margaret C. O mundo materialista da pornografia. In: Invenção da pornografia: Obscenidade e
as origens da modernidade. Organização Lynn Hunt; Trad. Carlos Szlak. SP. ED. Hedra, 1999. P.173
38
feminino como um objeto público a serviço do homem62, o que contribuiu para a
incompatibilidade dos novos ideais políticos e sociais já propagados no século XVIII .
É neste momento que se pode dizer que a literatura libertina dos costumes
ajudou na divulgação e propagação do pensamento que é combatido por Wollstonecraft.
Segundo Perea, os prejuízos da reprodução praticamente ao pé da letra, com mínimo de
embasamento científico proveniente dos ilustrados, os manuais de educação voltados
para mulheres, que deveriam ser um lugar de discussão, se tornaram um ponto de
encontro entre o pensamento aristocrático e o pensamento burguês de modo justificar o
domínio do homem sobre a mulher63.
Para compreender este ponto, devemos seguir conforme Hayden White, ao propor que
as obras distribuídas naquele período há um controle da narrativa. Para entender um tipo
de discurso tem que compreender que existe a diferença entre uma interpretação dos
fatos e uma “estória” contada sobre eles. Deve-se ter uma noção do que é real (contra
uma imaginária) e aquilo que é estória 64, e neste caso, o que interessa é elaboração do
enredo. Porque irá predominar, como representação figurativa de eventos reais, a visão
daqueles que dominam regem a forma de enxergar a realidade.
62
HUNT, Lynn. Obscenidade e as origens da modernidade, 1500-1800.In: Invenção da pornografia:
Obscenidade e as origens da modernidade. Organização Lynn Hunt; Trad. Carlos Szlak. SP. ED. Hedra,
1999. P.46
63
PEREA, Issac P.J. Moctezuma. La crítica de Mary Wollstonecraft a la crítica Cortesana e
Caballeresca.In: Filósofas de la Modernidad temprana y la Ilustración. Homenaje a Laura Benítez y José
Antonio Robles. Org.: Viridiana Platas Benítez Leonel Toledo Marín. Universidad Veracruzana 2014.
P.112
64
WHITE,Hayden.Enredo e verdade na escrita da história. In: História escrita, teoria e história da
historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.) A História escrita. São Paulo: Contexto, 2006. p. 191-210.
P.194
39
sejamos”65 Wollstonecraft dirá que “ fortaleça a mente feminina expandindo-a, e será o
fim da obediência cega, mas como a obediência é almejada pelo poder, tiranos e
sensualistas estão certos em querer manter as mulheres no escuro, por que os primeiros
só querem escravos, e os últimos brinquedos.”66
Wollstonecraft era contra a forma que a mulher era vista sexualmente, ela era
contra o caráter libertino que utiliza o traje de herói (roués) para ganhar a confiança das
mulheres para renunciá-las depois. Ela admite que se deve ter um relacionamento para
estimular a emoção e o pensamento, o que não admite é apenas o desejo sexual, algo
que evidencia sua educação puritana. Esta crítica sobre o mundo libertino é importante
por ser um dos pontos de sua crítica social, porque é neste questionamento que ela pode
ter construído seu argumento da desigualdade educacional. A mulher que se sobressai
no mundo cortesão é a mesma que tem a educação privilegiada, são as Damas
pertencem a ótica aristocrática, de classe rica.
65
ROUANET, Sérgio Paulo. O Desejo Libertino entre o Iluminismo e o Contra-Iluminismo. In:NOVAES,
Adauto(Org) O Desejo. Ed. Cia das Letras, RJ. 1990. P.178
66
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. Trad. Andreia Reis do Carmo. SP:
EDIPRO,2015. P.51
67
Idem,2015. P.83
40
personagens Lydia Bennet com Wickham que fogem para selar a união. Apesar da
romancista descrever o evento, ela reprova este tipo de união, pois é aquela pautada no
aspecto físico e em atitudes imprudentes. A consequência deste tipo de casamento não
só provoca a infelicidade do casal, visto que a paixão acaba, mas por trazer prejuízos
tanto para as pessoas que se unem quanto para a honra e nome da família das mesmas.
Logo, pode-se compreender que o efeito da educação de forma cortesã não iria afetar as
Damas aristocratas, já que estas possuem o dote e uma vida planejada, e sim as
mulheres das camadas mais vulneráveis, como as irmãs Bennet que eram burguesas, e
as pobres. Ao retornarmos o que fora dito no subcapítulo anterior, que as obras como a
de Jean-Jacques Rousseau eram fontes principais da educação burguesa, a classe à qual
a filósofa também pertencia, reforçam a ideia de que o casamento seria o único destino,
ou seja, o caminho natural da mulher.
A filósofa dirá neste capítulo que assim como os pais tem o dever de educar os seus
filhos, também é instituído a mulher o dever69, que é um senso de normas e, afirmado
por ela, como um senso comum70, assimilado dentro da sociedade do século XVIII,
assim, conforme o costume e respeito ao decoro são mais válidos do que o uso da razão,
como resultado as meninas são preparadas para uma vida dentro de um casamento
escravizador.
Embora, devemos ter atenção quando a filósofa reconhece que nem todas as
mulheres são escravas dentro do matrimônio. Podemos entender que ela fala de um mau
casamento, porém, dessa maneira tem-se a leitura que aquelas que conseguiram um bom
acordo matrimonial se tornam tiranas, porque ela mesma admite que é mais fácil
68
Idem,2015. P.222
69
Grifo meu
70
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos das mulheres. Trad. Andreia Reis do Carmo. SP:
EDIPRO,2015. P221
41
comandar que raciocinar. A tirania é alguém que, investido de poderes extraordinários,
por tempo determinado ocupava o cargo de chefe absoluto. Ao encaixar esta definição
ao único lugar em que a mulher era permitida a exercer um poder, que é o ambiente
doméstico, ela confirma a manutenção do sistema.
42
Conclusão
A extensão deste trabalho foi para evidenciar a obra de Mary Wollstonecraft e
explicar como o pensamento libertino influenciou grande parte do ideal iluminista
referente ao universo feminino. Wollstonecraft ao diagnosticar um círculo vicioso em
que se encontrava as mulheres, ela reivindicou não só para nós mulheres, mas o fez para
todo gênero humano, para uma humanidade melhor. Na sua perspectiva, se as mulheres
fossem educadas de maneira igualitária, teriam o desenvolvimento de virtudes
verdadeiras, ou seja, virtudes que eram ensinadas aos homens e não aquela imposta as
mulheres. Em consequência seriam humanos melhores e em sequência cidadãs, esposas
e mães melhores. A filósofa exige uma nova forma de educação, assim como as suas
predecessoras, porque deseja que a mulher seja uma companheira e não uma
subordinada.
Na obra analisada, Reivindicação dos direitos das mulheres, ela tece sua crítica a
obra de Jean-Jacques Rousseau, a qual é identificado que existe uma separação por
gênero por uma divisão de espaço, em que o filósofo faz esta distinção na divisão entre
público e privado. Para melhor nortear esta proposição usaremos as palavras de
Karlfriedich Herb, “Rousseau é um homem moderno com alma antiga”71.
Rousseau em sua obra Contrato social, pretende construir uma nova política
moderna, um programa teórico que propõe uma união contratual de indivíduos livres e
iguais transformando o Estado e a cidadania em produto das ações humanas. Em Emílio
ou Da Educação teremos, também, um programa teórico, porém este é para educar este
novo homem moderno. O problema identificado pela filósofa se dá justamente na
educação traçada para o homem como objeto central do Emílio. Ele faz a distinção de
gênero em forma de educação e como vimos no decorrer do trabalho a maior
consequência evidenciada é a manutenção do status da mulher subordinada, o que nos
faz concordar com o pensamento de Herb, que apesar de moderno, em certos aspectos,
ele é um homem antigo.
71
HERB, Karlfriedich.Luz e sombra: O público e o privado em Jean-Jacques Rousseau e Hanna Arendt.
Editorial Philosophia; Philósophos 2002.1. P.;76
43
Rousseau foi o autor que mais incitou, no século XVIII, a participação política
do homem, ele afirmará que só é” propriamente homem após nos tornarmos cidadão 72”.
Discorremos no capítulo 1 que não foi só Wollstonecraft que se manifestou sobre a
participação política, vimos que Condorcet, Catharine Macaulay e Olympe de Gouges
debateram sobre a exclusão feminina na política e, sobre isso ainda usaremos o trabalho
de Herb para ajudar a compor a solução para o problema proposto. Em seu trabalho ele
contrapõe o pensamento de Rousseau e Hanna Arendt em relação ao público e privado.
O que nos importa neste momento é “ Hanna Arendt acompanha Aristóteles ao declarar
a humanidade do homem uma consequência de ele pertencer a pólis, à comunidade
política. Quem não tem acesso ao espaço político, por conseguinte, não realiza uma
forma autentica de humanidade “73, dessa maneira, ao contextualizar com a
problemática aqui abordada, o que foi dito que na Declaração dos homens e do cidadão
(1789), de forma generalizada, podemos pressupor que por causa do costume do período
as mulheres não foram incluídas, portanto concordando com Condorcet, em que excluir
a metade da população de participar da política é negar a autêntica humanidade, logo é
negado a mulher a participação na esfera pública.
72
HERB, Karlfriedich.Luz e sombra: O público e o privado em Jean-Jacques Rousseau e Hanna Arendt.
Editorial Philosophia; Philósophos 2002.1. P.;78
73
HERB, Karlfriedich.Luz e sombra: O público e o privado em Jean-Jacques Rousseau e Hanna Arendt.
Editorial Philosophia; Philósophos 2002.1. P.79
44
Diante disso, podemos recorrer à história das mentalidades, pois segundo Paul
Ricoeur, na sua obra A memória, a história, o esquecimento, a palavra representação
possui três significados diferentes, a primeira com eikon e seu par phantasma e fantasia
que tem a ver com a memória, aquilo já foi.74A segunda categoria da representação se dá
no âmbito da teoria da história e a terceira é proposta da representação através do
trabalho de historiador quando publica seu livro ou seu artigo transformando em algo
concreto. É importante perceber que foi tomado o foco da terceira fase da representação,
quando a escrita da história se tornou escrita literária. Quando nos deparamos com
publicações populares e pornográficas, a narrativa e o enredo construídos são uma
espécie de apropriação de representação de eventos históricos e, neste caso, o evento
real é o discurso de submissão feminina que conforme foi evidenciado remonta do
período medieval.
74
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Unicamp, 2007. P.199
45
Fontes:
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou, Da educação. Trad. Roberto Leal Ferreira. São
Paulo. SP .Ed. Martins Fontes,2014.
Referências bibliográficas:
ARAUJO, Caroline S. Cunha de. Porque Faublas tem mais leitores que Homero”:
estudo sobre o romance Os amores de um libertino, de Louvet de Couvray, e sua
trajetória no Brasil no século XIX. UERJ. 2015.
CHARTIER, Roger. Diferenças entre o sexo e dominação simbólica. (nota crítica). In:
Cadernos Pagu, vol.4.1995.pp.: 37-47.
46
HUNT, Lynn. Obscenidade e as origens da modernidade, 1500-1800.In: Invenção da
pornografia: Obscenidade e as origens da modernidade. Organização Lynn Hunt; Trad.
Carlos Szlak. SP. ED. Hedra, 1999.
LERNER, Gerda. A criação da consciência feminista: a luta de 1200 anos das mulheres
para libertar suas mentes do pensamento patriarcal. Ed.Cultrix – SP, 2022. P.:249
47
Laura Benítez y José Antonio Robles. Org.: Viridiana Platas Benítez Leonel Toledo
Marín. Universidad Veracruzana 2014.
48
WHITE,Hayden. Enredo e verdade na escrita da história. In: História escrita, teoria e
história da historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.) A História escrita. São Paulo:
Contexto, 2006. p. 191-210.
49