Academia Dos Rebeldes e o Modernismo Literario Na Bahia, Nos Anos 1920
Academia Dos Rebeldes e o Modernismo Literario Na Bahia, Nos Anos 1920
Academia Dos Rebeldes e o Modernismo Literario Na Bahia, Nos Anos 1920
Feira de Santana
2005
ANGELO BARROSO COSTA SOARES
Feira de Santana
2005
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E DIVERSIDADE
CULTURAL
_________________________________________
Prof. Dr. Cid Seixas (UFBA-UEFS)
(ORIENTADOR)
_______________________________________
Prof. Dr. Benedito Veiga (UEFS)
( CO-ORIENTADOR)
_________________________________________
Prof. Dra. Ívia Iracema Alves (UFBA)
_________________________________________
Prof. Dra. Márcia Rios (UNEB)
Para o leitor, são dados o direito e a liberdade de passar páginas, ir adiante, para que não se
canse com o excesso de leitura. No entanto, a mim seria imperdoável, até grosseiro, não
mencionar aqui os meus agradecimentos a todos aqueles que, de uma forma ou de outra,
contribuíram para o término dessa dissertação. São amigos, colegas, profissionais,
instituições, sem os quais seria impossível chegar ao final, pois o percurso é longo e de
pedras, com muitas renúncias, gastos e stress. Assim, ficam aqui registrados os meus
agradecimentos a todos.
Ao Prof. Dr. Cid Seixas, meu orientador, por me sugerir o tema desta dissertação e confiar
no meu trabalho de pesquisa, com sua paciência em tirar dúvidas pessoalmente, por
telefone ou e-mail, sempre com muita lucidez e seriedade. Ainda meus agradecimentos
pelos empréstimos de sua biblioteca particular e pelas horas de orientação, que eram
sempre prazerosas.
Ao Prof. Dr. Benedito Veiga, co-orientador da dissertação, por ter contribuído com muitas
sugestões, leituras, correções e ter socializando seu conhecimento acerca da pesquisa em
fontes primárias.
À Profa. Dra. Márcia Rios, pelo incentivo à minha qualificação, pelas sugestões de leituras,
paciência em tirar dúvidas, entre uma reunião e outra, e por seu talento no trabalho
artesanal de revisão do texto e seriedade em fazer ciência.
À Profa. Dra. Ívia Alves, pioneira no estudo do modernismo baiano, com quem pude
dialogar, receber sugestões, ceder material, tudo isso desfrutado da varanda de seu
apartamento, com a Baía de Todos os Santos aos nossos pés, com muito cigarro e taças de
vinho.
Aos meus professores da graduação no Campus IV da UNEB – Jacobina, por ter plantado
em mim o gosto pela literatura.
À amiga e colega de longas datas, Fátima Berenice, pelo apoio, incentivo, carinho,
sugestões e correções.
Ao amigo irmão Jean Wyllys, pois, juntos, trilhamos o mesmo caminho do estudo, da
amizade, das farras, das noitadas, das cobranças, das leituras. Por circunstâncias da vida,
está afastado desse convívio, mas muito presente no coração. “Mesmo que o tempo e a
distância digam não”.
Aos companheiros Sílvio Oliveira e Irê (Irenilsa), a Pérola, Edil, colegas de UNEB que
trouxeram para o nosso convívio Luís e João. Êta turma boa e verdadeira!
Aos amigos do Colégio Oásis de Miguel Calmon, por sempre torcerem pelo meu sucesso.
Aos amigos Alberto, Luiz Freire, Belo e Emanuel pelo dia-a-dia da farra, da amizade, das
viagens que fizemos e vamos fazer, pelo sossego da fazenda, que facilitava a minha leitura
nas madrugadas de lua cheia e pelo incentivo a minha qualificação.
À amiga Kátia Lima pela paciência e boa vontade com que deixava seu afazeres para
fotografar fontes primárias para mim e editá-las.
Ao Prof. Dr. Antônio Guerreiro, da Universidade Federal da Bahia, pela boa vontade e
empréstimo de livros.
À Biblioteca e Arquivo de documentos do Mosteiro de São Bento, pela permissão à
consulta e cópia de documentos, na pessoa do irmão Adriano de A. Carvalho.
À Biblioteca Central da Universidade Federal da Bahia, pelo acesso ao setor de livros raros,
manuscritos e periódicos.
Ao IEB – Instituto de Estudos Brasileiros da USP, pela facilidade com que atende aos
pesquisadores.
À Biblioteca Pública do Estado da Bahia, pela gentileza e cordialidade com que fui tratado.
The dissertation entitled “The Rebels´ Academy: modernism in the Bahian way”
analyses the constitution and the intellectual production of the Rebels´ Academy, an
association that emerged in Bahia at the beginning of the 20th century with the aim of
producing modern literature. Thus, this study looks at modernism in Brazil in order to
present the historical and cultural context in which an innovative proposal was put forward
in different Brazilian states. Subsequently, this study examines the peculiarities of the so-
called “Bahian modernism”, based upon the composition and proposition of the Rebels´
Academy, whose members were Bahian writers and intellectuals who started working for
local newspapers, aspiring to an intellectual career. In their ideological and aesthetic
project, this group opted for the high valuation on the local popular culture, particularly, the
African and Afro-Bahian culture, which had been marginalized during the colonization
process of Brazil. Additionally, with a view to understanding the signs of innovation shown
by the Rebels´ Academy , this study focuses on the periodicals produced by this group, the
“Meridiano” and “O Momento” magazines, in which the proposals for modern literature, in
a Bahian version, are more firmly suggested
SUMÁRIO
3.13 Guilherme Freitas Dias Gomes, o nobre e poliglota nagô ..................................... p.121
ANEXOS ........................................................................................................................p.192
1 INTRODUÇÃO
conversa proveitosa sobre a Academia dos Rebeldes com o Prof. Dr. Cid Seixas, nascendo
daí a idéia de escrever a dissertação ora apresentada. Esse grupo de jovens escritores se
forma na Bahia no final dos anos vinte e início dos anos trinta, na provinciana cidade de
Salvador, quando a Academia de Letras da Bahia já estava criada, desde 1917, e era tida
A Academia dos Rebeldes, tendo como figura de proa Pinheiro Viegas, era formada
por Jorge Amado, Sosígenes Costa, Áydano Ferraz, Guilherme Dias Gomes, João Alves
Ribeiro, Walter da Silveira, Edison Carneiro, Da Costa Andrade, De Souza Aguiar e Clóvis
Amorim. Os cafés do então centro da cidade do Salvador eram pontos de encontros desse
grupo, que participava das chamadas tertúlias, discutia questões literárias e políticas, como
também pensava os novos rumos para a literatura que seus integrantes faziam.
literária, que buscavam inovar a literatura e a cultura baiana. Desse esforço gregário, são
editados dois periódicos, as revistas Meridiano e O Momento, através das quais divulgaram
A riqueza da experiência desse grupo atesta o vigor de uma geração que irrompe de
historiografia literária brasileira sobre a contribuição desse grupo na Bahia, algumas vezes,
Contudo, esse hiato vem justamente cercar meu interesse, por entender que é
especialmente a baiana, ao tempo em que este estudo encontra uma inserção no Programa
de Santana. Isso não significa reforçar uma compreensão restrita da diversidade de culturas,
exemplo dos periódicos, localizadas em arquivos públicos do estado da Bahia, os quais nem
sempre asseguram uma conservação satisfatória desses documentos, muitas vezes por falta
Pública do Estado da Bahia, Academia Baiana de Letras e Fundação Casa de Jorge Amado,
1
A noção de fonte primária compreende as publicações dos escritores em periódicos (jornais e revistas), em
livros ou inéditos, sem a intervenção de uma análise e julgamento de historiadores e/ou críticos e/ou
estudiosos da matéria. Destaque-se ainda que a pesquisa em fontes primárias tem por finalidade proceder a
uma revisão da produção de um autor, de um movimento ou de autores que foram excluídos das histórias
literárias. Também se faz esse tipo de pesquisa quando há o interesse de reavaliação do escritor, seja por
mudança de procedimentos estéticos, seja de análise e crítica. É um trabalho de resgate da palavra do escritor
e o pesquisador se encontra frente a frente com o texto – autor + texto – sem a interferência de terceiros. In:
NAPOLI, Roselis. Lanterna Verde: Contribuição para o estudo do modernismo brasileiro. São Paulo: IEB,
1970.
ao Arquivo Público Municipal, Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico, Centro de
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, bem como aos acervos privados do historiador
material rico para o estudo da formação dessa agremiação. Em paralelo, foram realizadas
leituras bibliográficas que trazem uma contribuição para construir o objeto de estudo ora
apresentado.
Com esse levantamento, começava a se delinear o objetivo deste trabalho, que é estudar o
modernismo na Bahia através da Academia dos Rebeldes. Para tanto, torna-se necessário
literatura, resultando no movimento que ficou conhecido por Modernismo. Tal conceito
abriga a idéia de conflitos e tensões, elaborado ainda em meio a uma crise dos valores
São Paulo, afirma que há um “descompasso entre nossa modernização social e a nossa
modernização estética”, quando se analisam os textos fundadores da literatura moderna.2
De acordo com Chiampi (op. cit., p. 12- 13), para se conhecer esses textos, produzidos em
uniforme que se fez da modernidade estética, por compreender que os distintos contextos
pode destacar um repertório de temas e tópicos comuns entre essa produção textual:
2
Ver CHIAMPI, Irlemar (coord.). Fundadores da modernidade. São Paulo: Ática, 1991. Nesta coletânea, são
escolhidos os textos considerados fundadores da modernidade, tidos como porta de entrada da renovação da
literatura, inaugurados com os românticos. Assim, são selecionados textos de poetas e escritores modernos,
representantes das literaturas de línguas francesa (Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé),
russa (Anthon Tchéchov Liév N. Tolstói), italiana (Giovanni Berchet, Giacomo Leopardi, Francesco De
Sanctis, Alessandro Manzoni), alemã (Novalis, Friedrich Schlegel, Friedrich Nietzsche), espanhola (Ruben
Darío, Blanco White, José Enrique Rodo, Manuel Gutiérrez Nájera) e inglesa (Samuel Coleridge, Percy
Shelley, Edgar Allan Poe, Matthew Arnold, Oscar Wilde, William Yeats, Ralph Emerson). A coordenadora
justificativa que a ausência de textos da modernidade brasileira se deve ao fato de este livro ser o resultado de
um Grupo de Trabalho da ANPOLL voltado para as literaturas estrangeiras modernas. Cf. a nota “Sobre esta
edição”, p. 3-4.
– busca do tempo original, como expressão de uma nostalgia da
totalidade e da unidade, diante da desagregação do tempo presente. (
CHIAMPI, op. cit., p. 14)
Chiampi.
Ana Maria de Moraes Belluzo, por sua vez, crítica de arte e professora de História
modo de ser do homem em uma relação peculiar e inédita com o mundo e com as coisas,
paradoxo, pois a “dupla face da consciência da modernidade revela-se sob tensão entre a
entre arte e vida, ao mesmo tempo em que se torna crítica de uma realidade social presente.
Para Ana Maria Belluzo, é no século das Luzes que se alcança um domínio
3
BELLUZO, Ana Maria de Moraes. A modernidade como paradoxo. Modernidade estética no Brasil. In:
MIRANDA, Wander Melo (org.). Narrativas da modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 167.
próprios das artes e da cultura, o que Pierre Bourdieu denomina de autonomização do
crítica, tem o intento de “fundar a modernidade cultural num Brasil sem modernização
econômicas das diversas regiões do Brasil”. Continua a autora (op. cit., p. 171):
4
Segundo o sociólogo francês Bourdieu, com a evolução das sociedades, marcada pela secularização, ocorre
o surgimento de campos específicos, compreendidos como universos que, além de suas leis de funcionamento
invariantes, possuem leis próprias, interesses comuns e propriedades específicas, o que lhes conferem
autonomia. A independência de um campo leva à sua institucionalização, quando se forma um corpo de
profissionais especializados que se convertem em autoridades aptas a se manifestarem sobre as práticas e
questões próprias de cada campo. Isso marca uma distância entre esses especialistas e o público e define
hierarquias dentro dos campos. A autonomia de cada campo não impede uma articulação entre outros campos,
principalmente quando os objetos de disputa de um campo se tornam de interesse de outro campo e podem ser
negociados. Ainda, um campo se estrutura pela relação de forças entre os agentes, os pretendentes a ingressar
no campo e aqueles que são dominantes. Por exemplo, no caso do campo literário, esses pretendentes são os
jovens escritores, e os dominantes são os escritores já reconhecidos, com voz autorizada para se pronunciarem
sobre a literatura, emitindo juízos de valor. Segundo Bourdieu, ocorre uma luta e uma disputa no interior dos
campos pela apropriação do capital cultural específico. BOURDIEU, Pierre. Algumas propriedades dos
campos. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
O esforço de reinvenção do presente, com motivações culturais locais,
oscila entre atitudes estéticas novas e posturas passadistas, amortizando
diferenças, numa sorte de hibridismo. A consciência da modernidade
radica-se na arte como emancipação e percorre, poeticamente, as
distâncias entre um Brasil arcaico e um Brasil moderno.
de inovação, de ruptura, que caracteriza o “ser moderno”, esse movimento ficou marcado
como uma estética da transgressão, o que resultou em críticas ferrenhas àqueles que
resistiam à ruptura, à negação do passado, como foi o caso de Monteiro Lobato. O autor de
estrangeiros, dos quais se valeram boa parte dos modernistas paulistas em seu diálogo com
as vanguardas européias.
Também a atividade da crítica literária no Brasil, que por muito tempo esteve
linguagem dos modernos, lançou um certo descaso pelos elementos da tradição dentro do
modernismo.
ruptura, que vai orientar uma geração de críticos e estudiosos da literatura brasileira, até
5
SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: ______. Nas malhas da
letra: ensaios. Rio de Janeiro: Rocco, 2002. Conforme nota de rodapé, este texto, datado de 1985, foi feito
para o curso “Tradição/Contradição”, promovido pela FUNARTE.
pelo menos os anos oitenta. Ao fazer uma revisão do modernismo nos anos 80, esse crítico
afirma que a questão da tradição, entendida como “passadismo”, sempre esteve presente
moderno e do modernismo”.6 A viagem dos jovens escritores paulistas a Minas Gerais “[...]
marca uma data, momento importante para discutir a emergência, não só do passado pátrio
(mineiro, barroco, etc.), mas do passado enquanto propiciador de uma manifestação estética
Eneida Maria de Souza destaca também a importância dessa viagem para o início do
modernismo em Minas Gerais. Afirma que Blaise Cendras incentiva os jovens Mário de
6
Idem, p. 110.
7
Idem, p. 112.
8
Eneida Maria de Souza, Nacional por abstração. In: MIRANDA, Wander Melo (org.). Narrativas da
modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. P. 129.
É importante sublinhar aqui o lugar da tradição no modernismo, a qual também se
fez presente no itinerário estético da Academia dos Rebeldes. Buscando romper com as
condenam o apego a uma tradição portuguesa, européia portanto, bem como o culto a uma
tradição popular local, desqualificada e marginalizada pela elite branca da Bahia, sem
perderem de vista as questões sociais que emergem à época, retirando, assim, a literatura do
pedestal.
cotidiano da cidade do Salvador, um forte envolvimento com a cultura popular local. Esses
Para uma análise do papel dessa agremiação, recorre-se aqui ao estudo de Paulo
Santos sobre a formação dos quadros intelectuais na Bahia dos anos 30, quando era
desse período iniciavam suas atividades nos jornais locais, levados por amigos influentes
9
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: Edufba, 2000.
A peculiaridade dessa carreira tem uma explicação no incipiente campo literário do
país, à época, quando ainda não se tinha uma profissionalização do escritor, numa terra de
bacharéis. Renato Ortiz afirma que, nesse período, há uma “fraca especialização dos setores
de produção cultural”10 e chama atenção para a informação dada por Nélson Werneck
Ortiz, que, no Brasil, as relações do intelectual com um público vão começar através dos
meios de comunicação de massa. Segundo Ortiz (op. cit., p. 28-29), para o escritor,
Tendo em vista essa relação com o público, tem-se uma explicação para a criação de
revistas pelo grupo, como tantos outros grupos dessa natureza, pois dificilmente seus
integrantes encontrariam oportunidade de publicar seus livros, num país em que o mercado
editorial vai começar a se formar nos anos 30 do século XX. Apesar das dificuldades de
publicação, o veículo revista vem a ser uma etapa para a carreira literária, pois só o livro,
como escritor.
10
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 2001. p. 26. [3ª. reimpressão da 5. ed. de 1994].
11
Ortiz, op. cit., p. 26.
A pouca relevância dada à Academia dos Rebeldes encontra uma explicação na formação
grandes vultos e “fatos” que forjaram a nação, a história da literatura, via de regra, não
dão pouca importância, ficando obliterada pela centralidade do modernismo paulista, que se
Letras, pouco ou quase nada escrito sobre a Academia dos Rebeldes ou acerca do
buscam ver procedimentos estéticos inovadores dessa academia, guiados que estão pela
noção de ruptura.
Arco & Flexa, contemporâneo aos rebeldes, analisado no livro Arco & Flexa contribuição
brasileira da Universidade Federal da Bahia, hoje aposentado, em seu prefácio a esse livro
Entre alguns leitores de Jorge Amado, pelo menos o nome Academia dos Rebeldes
é conhecido, por ser referido em alguns textos produzidos pelo escritor. Edison Carneiro,
12
Dentre os historiadores da literatura lidos para este trabalho, apenas Alfredo Bosi e Afrânio Coutinho
mencionam o nome dessa Academia. Ver bibliografia ao final deste estudo.
com seus estudos etnográficos, também ficou de certo modo conhecido, apesar da
divulgação restrita de seus trabalhos, entre pares. Só há pouco tempo foi revisitada a obra
de Sosígenes Costa pelo crítico José Paulo Paes, trabalho feito também por Gilfrancisco
rebeldes acenava com propostas inovadoras, contagiadas por um ideal utópico, marcando
uma época e, de certo modo, deixando sementes para seguidores. Agremiações dessa
natureza se formaram durante todo o século XX, expondo suas variações no tempo e no
Hoje, nas páginas da Internet, por exemplo, há registros de diferentes grupos, que
literatura, no ano de 2005, intitulado SOPA POESIA E AFINS, com distribuição gratuita
uma rarefação de propostas, em relação ao grupo dos rebeldes. Ressalte-se que esse
confronto não tem aqui a intenção de lançar um juízo de valor, mas é feito visando entender
veículo de circulação periódica até aquele momento era o caderno cultural do jornal A
Desde a sua criação, SOPA afirma que vai priorizar a publicação de prosa e poesia,
continua: “Pretendemos formar um público conhecedor da literatura que está sendo feita
propostas sintonizadas com questões políticas e culturais da época, movidos por um ideal
13
Cf. Manifesto do SOPA, 1a. edição. Informação obtida através do site www.sopapoesia.com.br . Acesso em
20 de novembro de 2005.
14
Idem.
15
Idem.
veiculação das idéias e das produções literárias, como uma forma de conhecimento e
Por sua atuação, a Academia dos Rebeldes teve um papel cuja análise conduz a uma
modernismo paulista, posição que terminou por sombrear as produções literárias locais,
feitas fora do eixo Sudeste.16 São considerados estudos como os de Alfredo Bosi e Mário
da Silva Brito, de certo modo já amplamente conhecidos, além da contribuição dos autores
reformas.
Nessa época, Salvador, sua capital, também conhecida como a cidade da Bahia, era
um centro cultural ainda preso a uma arte passadista. Nas relações sociais, permanecia o
modelo “casa grande e senzala”, com uma elite burguesa habituada a ser servida por
16
Fica mantida a grafia da palavra “flexa”, pela alusão feita, no título, ao grupo “Arco & Flexa” da Bahia,
contemporâneo dos rebeldes.
Recorre-se aqui a alguns estudos desenvolvidos sobre o processo de urbanização de
Salvador nos anos 20, uma insuficiente modernização que se testemunha na capital.
São Paulo, com reformas urbanas inspiradas na modernização de Paris, Salvador também
almeja alterar sua feição urbanística, para deixar para trás as marcas da colonização, em
se uma análise da formação, na Bahia, do grupo que ficou conhecido como “Academia dos
Rebeldes”, entre o final dos anos 20 e início de 30. Sua emergência ocorre em um contexto
questões nacionais e identitárias. Essa agremiação se forma com jovens que se mostravam
Ainda nesse capítulo, tem-se um painel biográfico desses integrantes, com o intuito
de entender suas trajetórias literárias, que tinham início na imprensa local. Esses aspirantes
à carreira intelectual e literária contribuíram com jornais produzidos na Bahia, espaço por
atividade literária do grupo dos rebeldes. Num país sem tradição de leitura, os periódicos, a
partir do século XIX para cá, cumpriram um papel importante na formação de um público
suas produções e se torna o canal que leva seus textos e suas novas idéias até aos leitores
das camadas médias urbanas da cidade do Salvador, onde uma elite intelectualizada
torna, durante um longo tempo, veículo ideal de divulgação, alcançando uma popularização
no Brasil, fato que tem uma explicação histórica. Regido por um sistema colonialista,
escravocrata, o país conheceu muito tardiamente a imprensa, passou por uma grande
de literatura que tinham os rebeldes. Também através delas é possível depreender um ideal
de anúncios publicitários das revistas é sintomático de uma capital que aspira tornar-se
moderna. Suas diferentes seções, como a política, social e cultural permitem delinear um
retrato das camadas médias urbanas da Bahia, particularmente, o segmento burguês dos
A história da Academia dos Rebeldes pode ser feita com base nesse tipo de
periódico, documento que confirma que uma história não se tece apenas com grandes
escritores. Muitas vezes, são os escritores principiantes que, com uma ainda escassa
produção intelectual, abrem caminhos, preparando a estrada para grandes nomes que se
destacam na cultura brasileira. E abrir caminhos é uma prática muito peculiar à cultura
afro-baiana. Afinal, todos os dias convive-se com Exú, uma entidade da religião africana
que cuida da abertura e da guarda dos caminhos para Ogun, o Orixá das estradas.
que se abrem os trabalhos fazendo o padê de Exú para a carreira intelectual de Jorge
Amado, Edison Carneiro, Sosígenes Costa, Pinheiro Viegas, Áydano do Couto Ferraz e
produção literária que irrompe na primeira metade do século XX. Nesse período, emerge no
Brasil uma nova literatura, mais contestadora e atenta às questões sociais do país, marcado
governo autoritário.
profissionais liberais, bem como o peso político do exército davam sustentação a um bloco
dominante cada vez mais incomodado pela rebelião do proletariado urbano, pela imigração
de trabalhadores europeus e pelas reformas inadiáveis que o país estava a exigir. Assim,
17
FISCHER, Luís Augusto. A ditadura do modernismo. Revista Superinteressante. São Paulo: Editora Abril,
março 2002. p. 90. Coluna Superpolêmica.
conflito, reivindicando a construção de uma literatura crítica, preocupada com a situação
chamada forma das mensagens estéticas, como foi o caso do Parnasianismo, e com
As tensões sociais já ganhavam foco com Euclides da Cunha, Lima Barreto, além de
João Ribeiro, na crítica literária, tido por alguns críticos como o profeta do Modernismo em
estética que culminará na Semana de Arte Moderna. O romance social de Lima Barreto
expõe outra visão do nacionalismo em nossas letras, da qual Triste fim de Policarpo
ideais estéticos e políticos, apontando para uma literatura de cunho social, que redescobre o
18
Cf. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1992. p. 355.
Brasil e substitui o regionalismo do século anterior. Em tal contexto, a produção de Lima
Barreto revela, de um lado, um escritor que vive entre a visão do novo mundo e a
buscando uma ruptura com a tradição. Dessa inquietação, nasce uma literatura de
urbanos.
Destaque-se que a produção de Lima Barreto não se restringe aos romances, através
dos quais tornou-se conhecido. Seus contos provam que ele foi o precursor da renovação
temática e o defensor de uma literatura nacional, antecipando questões tratadas em 22, haja
vista a sua preferência pela linguagem coloquial, pela cultura popular e a irreverência com
Mário de Andrade).
neo-romantismo, segundo Bosi (op. cit., p. 343), para o qual esses momentos que
antecedem a “Semana” são estouros futuristas e surrealistas, pela crítica ao Brasil arcaico,
em que foi lançado na Europa, atribui-se a Oswald de Andrade o crédito de ser o primeiro a
ter conhecimento desse texto. Em 1912, ao regressar da Europa, esse escritor paulista toma
sua parte uma ânsia de renovação e atualização das letras nacionais, o que lhe confere uma
abertura para as idéias nascidas em grandes centros da Europa, sem, contudo, negar a
cultura brasileira.
devoração do “outro”, do que é estrangeiro. No início do século 20, o Brasil passava por
dava em São Paulo. Todavia, em relação às práticas culturais, continuava preso a suas
Andrade está atento à riqueza nacional, sem que isso signifique resvalar para um
nacionalismo xenófobo.
Nesse cenário, em 1914, um novo conceito de arte é mostrado em São Paulo com a
exposição de Anita Malfatti, que retornara da Alemanha, onde teve aulas com Lowis
muito bem aceita pela crítica, principalmente por Nestor Rangel Pestana, crítico do jornal O
Estado de São Paulo19 , em seu comentário lisonjeiro: “A Srta. Malfatti é uma vocação que
merece ser animada e que se apresenta ao público com documentos eloqüentes do seu
esforço e do seu amor ao estudo. Seria doloroso vê-la desamparada na carreira que iniciou
19
Texto do jornal O Estado de São Paulo apud BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo Brasileiro.-
Antecedentes da Semana de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 43.
Após a exposição, Anita vai estudar pintura em Nova York, onde toma contato com
o Cubismo. Retornando ao Brasil, fica decepcionada com os seus familiares e amigos, que
minimizam a importância dos quadros feitos pela pintora nesse período. Mas a decepção
maior e pública, chegando ao escárnio, ainda estava por vir. É quando Anita cede aos
apelos de Di Cavalcanti e Arnaldo Simões Pinto para expor seus trabalhos, contrariando,
assim, a família, ao fazer aquela que é considerada a primeira exposição de Arte Moderna,
no ano de 1917.
De início, tudo corre bem, embora cause estranhamento. O Estado de São Paulo,
que fez uma crítica elogiosa em 1914, dessa vez limitou-se a dar a notícia sem emitir
opinião. Coube a Monteiro Lobato, no “Estadinho”, o papel de algoz da pintora, crítica que
serviu para imortalizar a artista, mas também a traumatizou e a fez sofrer profundamente.
intelectuais, entre os quais Mário de Andrade, Menotti Del Picchia e Sérgio Milliet, toma a
Segundo del Picchia, “seu nome traz o prestígio dos taumaturgos e dos mártires”.20
Cabe ressaltar que não havia unidade de pensamento em relação à arte nova. Ao
mesmo tempo que Mário de Andrade toma a defesa de Anita Malfatti, elogia o seu trabalho
e se emociona com a exposição de 1917, chegando até a visitá-la várias vezes, e a dedicar-
lhe um soneto no mais puro estilo parnasiano ao quadro “Homem Amarelo” dessa artista.21
Apesar de ter sido áspero em sua crítica, como provam alguns trechos do texto,
dos “ismos”, considerados um perigo ao artista brasileiro, por afastá-lo das raízes nacionais,
O mesmo Lobato que escarnece o novo modelo de arte feito por Anita Malfatti, três
anos depois enaltece o escultor Victor Brecheret, pois agora admite a necessidade de se
Esse novo fazer artístico, conhecido como arte moderna, surge com dois nomes: o
20
PICCHIA, Menotti Del, 1929. apud BRITO, Mário da Silva, op. cit. p. 60.
21
ANDRADE, Mário. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1974, p.231.
22
BRITO, Mário da Silva. Op.cit, 1978. p. 112.
os vanguardistas brasileiros. Afinal, Mário de Andrade atribui ao escultor e à sua arte o
instante poético que fez nascer seu conhecido poema, intitulado “Paulicéia Desvairada”. O
escultor Victor Brecheret representa a primeira vitória dos modernistas, pois, embora seja
combatido e criticado por alguns mais conservadores, encontra defensor até mesmo entre
Anita Malfatti alcançara o triunfo pelo escândalo, era a heroína sofrida que
afrontara as opiniões dominantes e por isso ponderáveis. Já Brecheret
conquistava simpatias, encontrava quem o elogiasse, mesmo na ala oposta.
Era discutido, porém, apesar disso, na contagem final dos pontos, estava
vitorioso, e, com sua vitória, triunfavam os inovadores paulistas. (BRITO,
op. cit., p.115.)
O ano de 1922 marca uma nova etapa na arte brasileira. Em contato com as
formas de criação. Partindo da vida urbana paulista e carioca, Mário de Andrade, Oswald
de Andrade e Graça Aranha tentam destruir formas velhas e instituir uma revisão dos
valores que regiam a cultura nacional. Analisando vinte anos depois a Semana de 22, Mário
O período heróico fora esse anterior, iniciado com a exposição de pintura de Anita
anos fomos realmente puros e livres, desinteressados, vivendo numa união iluminada e
achincalhados, malditos...”23
admitindo, no entanto, que há cerca de seis anos antes já vinha ocorrendo uma renovação
23
Sobre essa questão ver ANDRADE, M., op. cit. p. 237.
na arte e uma revisão da cultura brasileira. Mário de Andrade entende que, aos poucos, o
orientando, inclusive, novas gerações de escritores e artistas. Segundo Bosi (1992), o ano
de 1922 tem seu valor pela ruptura com as velhas estéticas, considerando, no entanto, que
social de que proveio. Com esse entendimento, está a reivindicar uma sintonia geral,
Fischer, por sua vez, também afirma que a “Semana de Arte Moderna foi um festival meio
centro para a periferia. No entanto, deve-se admitir que houve um esforço para construir
de Andrade, diz: “ignorar a existência da Semana de Arte Moderna é tão infantil quanto
absurdo dar-lhe importância excessiva. Esquecê-la é tão grave quanto tê-la sem cessar
diante dos olhos”. A Semana de 22 abriu caminho para a geração de 30, que tornou
conseguiu, pela primeira vez, inverter o vetor. Afinal, foi aqui na antiga colônia que Alves
24
Idem. p.. 234.
25
FISCHER, Luís Augusto, op. cit. p. 90.
Redol e os demais neo-realistas portugueses se inspiraram para modernizar a literatura
portuguesa.
Embora não aceitasse ser chamado de “poeta futurista”, Mário de Andrade traz inovações
do traçado gráfico do texto até as estruturas fônicas, léxicas e sintáticas do discurso. Sua
prosa, e também sua poesia, dá de imediato a sensação de algo novo e até exótico,
na escrita das obras, procedimento estético eleito pelos surrealistas, como modo de libertar
modernos leva esse poeta a arriscar com os neologismos, fazer montagens e torneios
sintáticos, além de tomar como matéria de criação elementos da cultura popular, fazendo
Com esse procedimento, cria Macunaíma, narrativa marcada por três estilos de
narrar, conforme Alfredo Bosi: a) estilo de lenda, épico-lírico; b) estilo de crônica cômica;
c) estilo de paródia, que ele faz uso da Carta de Caminha apresentando o Brasil, para daí,
apresentar a cidade de São Paulo, marco da literatura moderna. De acordo com Bosi, a
26
Tanto TELES (1992, p. 353) quanto BOSI (1992, p. 389-99) tratam dessas questões na obra de Mário de
Andrade.
27
Cf. BOSI, op. cit. p. 397.
produção poética de Mário de Andrade está marcada, inicialmente, pela ousadia e
inventividade, como o que se apresenta em Paulicéia Desvairada (1922), com seus versos
popular rica, cheia de imagens, sons e cores sugestivas. O Clã do Jabuti (1927) marca essa
época de variedade cultural. Mas é com Remate de Males (1930) que Mário de Andrade faz
tradição, a exemplo de Monteiro Lobato. Ainda nos anos 20, em depoimento a Amadeu
Amaral Júnior, no Jornal da Manhã, Lobato28 ironiza a Semana de 22, ao afirmar que esse
evento teve como maior vantagem divertir Oswald de Andrade, assim se manifesta Lobato:
28
LOBATO, 1943 apud AZEVEDO, Carmem Lúcia et al.,op. cit.. p. 172-173.
As diferentes direções e posicionamentos não chegaram a interferir na avaliação que
Oswald de Andrade faz de Lobato. Ao publicar Ponta de Lança nos anos 40, ele poupa da
sua excentricidade e de sua língua ferina Lobato e Jorge Amado. Sobre essa atitude de
voltava para a cultura popular. Recolheu os mitos africanos, alguns dos quais já
viveram entre a Europa e São Paulo, Lobato via o país com “um olhar de dentro”. Afinal,
nasceu e se criou no interior paulista, ouvindo histórias que eram passadas oralmente e
popular.
brasileiro, quando visita o Jardim da Luz em São Paulo, todo decorado com “anões trajados
à moda alemã, com frio e coberto de roupas grossas” em pleno “frio” tropical. Daí advém a
janeiro de 1917 n´O Estado de São Paulo, sugere que sejam incorporados nos cursos de
da cultura popular, da cultura indígena e africana, como a Iara, Marabá, caiporas, boitatás,
além de outros que povoam o interior do Brasil, até então ignorado por nossos intelectuais.
conto “Urupês”, de 1918, têm-se as duas primeiras aparições da personagem, descrito como
Para Carmem Lúcia Azevedo, Lobato, com os avanços das pesquisas, admite seu
erro quando descreveu o caipira como maldição racial, por ter acreditado na superioridade
de uma raça sobre a outra. Então, pede perdão a Jeca por tê-lo ignorado doente, chegando a
afirmar que o homem é produto de seu meio e não o contrário. Contudo, Lobato mantém-se
indignado frente a uma figura que representa o Brasil rural, atrasado, caipira, ignorado
pelos governantes, ao fazer a seguinte colocação: “Está provado que tens no sangue e nas
tripas um jardim zoológico da pior espécie, admite agora: É essa bicharia cruel que te faz
papudo, feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não...”.29
infantis, procedimento até então ausente da literatura no país, cujos leitores só liam os
chamados clássicos da literatura infantil européia. Milliet (1943 apud AZEVEDO, 1997, p.
Amaral e Monteiro Lobato, porque eles se impunham pelo valor intrínseco, eram modernos
tratadas, Seixas (op.cit., p. 32) busca dar visibilidade ao que estava sendo produzido fora do
pela noção de ruptura. Por esse entendimento, tudo aquilo que fugisse à idéia de vanguarda,
que não destruísse o que estava estabelecido, era desprezado, bem como o que não fosse
publicado ou feito no eixo Rio-São Paulo, não era legitimado pela elite intelectual da região
sudeste. Considere-se ainda que a USP, criada nos anos 30, foi responsável por uma
29
Idem, p. 112.
discurso hegemônico, que fez ouvido de mercador para o que era produzido na periferia.
O Nordeste dos anos 20 ainda vivia numa estrutura arcaica, latifundiária, fruto do
modelo escravocrata, sem nenhum prenúncio de ruptura, uma vez que a falta de perspectiva
bem como às notícias da Revolução Russa de 1917, questões que requerem uma tomada de
consciência por parte dos trabalhadores que vivem relegados à mais absoluta pobreza e
miséria social.
Essa nova realidade requer, do ponto de vista cultural, novas formas de manifestação e de
representação, o que vai significar uma abertura para as idéias de 22 fomentadas no eixo
Rio-São Paulo.
Como nos grandes centros, em Recife discutia-se literatura nos bares e cafés, onde
Apesar dessa abertura para o novo, dois fatores dificultam a propagação das idéias
com o Rio de Janeiro, então capital federal. Em segundo, a agitação política estava em
estudantes, dentre eles Joaquim Inojosa, que a bordo do Curvelo pôde ele juntamente com
Raul Bopp, que deixava Recife, tomar contato com a obra do escritor português Antônio
Internacional de Estudantes. De lá, Inojosa estende-se até São Paulo, onde vai manter
1922, o jornalista, acadêmico e poeta Faria Neves Sobrinho ataca os futuristas, dadaístas,
30
AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e regionalismo (os anos 20 em Pernambuco). João Pessoa:
Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Paraíba, 1984. p. 37.
31
O termo futurismo vai ser empregado de início no sentido de moderno, ainda não estava definido
Modernismo como movimento literário em Recife, qualquer manifestação que fosse de encontro ao modelo
estabelecido era tomado como futurismo. Conforme artigo publicado em 30 de outubro de 1922 no Jornal A
Tarde. Sobre essa questão ver também Prudente de Moraes Neto, quando publica A arte moderna, de Joaquim
Inojosa, na Revista Estética de 1925, no artigo “5”, a 20 de maio; no artigo “25”, de 7 de outubro, todos
publicados no Diário de Pernambuco entre 1922 e 1923.
cubistas, os quais, segundo ele, ousavam dizer que a pintura de Torquato Bassi estava “fora
Durante muito tempo, Inojosa vai ser uma voz solitária em defesa do Modernismo.
A primeira oposição ao movimento vem de José Lins do Rego, que liderava o periódico
“Dom Casmurro”. Afirma o escritor (1942, apud AZEVEDO, N., op. cit., p. 40):
Eu mesmo, num jornal político que dirigia com Osório Borba, me pus do
lado oposto, não para ficar com Coelho Neto e Laudelino Freire, mas
para verificar na agitação modernista uma velharia, um desfrute, que o
gênio de Oswald inventara para divertir os seus ócios de milionário.
às idéias futuristas vindas de São Paulo, com sua preocupação em resguardar os valores
tradicionais e regionais.
Andrade e Oswald de Andrade, contribuem para uma divulgação do novo fazer artístico,
como vão se tornar uma importante fonte documental para o entendimento da repercussão
do modernismo no Nordeste.
Para divulgar as idéias modernas dos escritores paulistas, Inojosa cria a Revista
Mauricéia, ainda no ano de 1923, a qual, como todas as revistas literárias da época, tem
vida efêmera. Segundo Neroaldo P. Azevedo (op.cit., p.46), as cartas publicadas na revista
dão conta da repercussão do debate, em Paris, Rio de Janeiro, Ceará, Paraíba, em torno das
novas idéias e no campo das artes e da literatura. Também diversos órgãos de imprensa
de 1924: “Uma formosa revista.(...) É o meu ideal de vida e de pujança da literatura que
nela se concretiza”.32
de Carvalho Filho é um dos futuros diretores da Revista Arco & Flexa, mensário do
modernismo baiano. No entanto, em estudo feito por Ívia Alves, não aparece, em momento
Em carta manifesto para a Revista Era Nova da Paraíba do Norte, Joaquim Inojosa
comete uma série de equívocos em sua avaliação da chamada arte moderna, o que vai gerar
nova polêmica nos jornais. Mário de Andrade chega a elogiá-lo, mas, sutilmente, afirma
que falta discernimento entre o que é e o que não é “modernista”. Também se pronunciam
Oswald de Andrade, Luiz da Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, este último agora, já
32
AZEVEDO, Neroaldo Pontes, op. cit. p. 49.
33
Cf. ALVES, Ívia Iracema. Arco & Flexa: Contribuição para o estudo do modernismo. Salvador: Fundação
Cultural do Estado da Bahia, 1978. Aloísio de Carvalho Filho, embora tenha sido escritor, o mesmo se
dedicou muito mais a política, da mesma época é o escritor Carvalho Filho, que era advogado e fez parte do
grupo Arco & Flexa.
uma vez que no eixo sudeste o modernismo já havia superado a fase do novo pelo novo,
que daria a “cor local” à sua região de origem, o Nordeste. Foi esse grupo nordestino que
veio dar ao Modernismo o novo alento com que se consagraria como o sucessor das
grandes escolas do passado, vindo a culminar no que se conhece como a geração de trinta
na literatura brasileira.
conseguiu calar e que, de certa forma, veio à tona a partir da renovação literária de 22,
ganhando força após as viagens de Mário de Andrade, trazendo uma nova realidade de
brasileiro, parte da cor local, entendida aqui como regional, para se transformar em
De acordo com Neroaldo Pontes de Azevedo (op. cit., p.82), os anos de 1925 a 1930
marcam a divulgação das idéias modernistas pelos vários estados brasileiros. Assim é que o
novos valores modernistas. Apresenta como proposta “trabalhar em prol dos interesses da
região nos seus aspectos diversos: sociais, econômicos e culturais”, além de promover
ocupada por esse Estado. Salvador perde a condição de sede do Governo Geral, quando, em
1763, o Rio de Janeiro vem ocupar esse lugar. Ao perder a condição de capital do país, a
Bahia entra no isolamento e na solidão, vindo a criar uma organização social de baixa
político. Diante disso, o estado forma uma nova cultura, originária da gente lusa, banto e
iorubana, que passa a construir uma identidade muito peculiar. O deslocamento do eixo
político e econômico fez com que a Cidade da Bahia tivesse um aspecto mais africano e
também mais lusitano, criando uma cultura que a diferencia do resto do Brasil.35
Nas primeiras décadas do século XX, a situação pouco muda, a não ser no campo
enquanto São Paulo e Rio de Janeiro desfrutavam dos avanços industriais e urbanísticos.
34
COUTINHO, Moraes (1924) apud. AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Op. cit. p. 143-144.
35
RISÉRIO, Antônio. Uma História da Cidade da Bahia. 2ª. Rio de Janeiro: Versal Editores, 2004.
O isolamento secular e o longo processo de decadência econômica
relegaram a Bahia a um plano inferior no âmbito nacional, ao mesmo
tempo em que impossibilitaram a implantação de projetos de
remodelação urbana, que anunciavam a chegada dos tempos burgueses
que irrompiam de forma mais acelerada em outras áreas do país, e com
eles os ideais de modernidade, civilização e progresso. É nesse contexto
de perda de prestígio econômico, político e cultural, de persistência de
traços arquitetônicos e sociabilidades que estavam mais próximos de um
passado colonial do que da modernidade anunciada pelos tempos
republicanos, que as elites letradas, em especial aquelas mais
sintonizadas com os novos tempos, a exemplos dos médicos e bacharéis,
se movimentavam objetivando o renascimento da Bahia e sua inserção na
nova ordem nacional.
lado de um casarão com diversas famílias ou ainda ladeado por casebre. No entanto, à
Graça, Barra e parte da atual Avenida Sete de Setembro, dando-lhes nova feição, enquanto
com a consolidação de grupos industriais e financeiros. Ainda nesse período, a Bahia torna-
se o maior produtor de cacau do mundo, o que gera grande fluxo de empréstimos internos e
Salvador. Isso acontece de forma mais intensa no período de 1912 a 1916, com J. J. Seabra.
36
Ver FERNANDES, Ana; GOMES Marco Aurélio de Figueiras. Idealizações Urbanas e a Construção da
Salvador moderna: 1850-1920. In: Cidade & História-Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX
e XX. Salvador: ANPUR, 1992, P. 64. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado,
Universidade Federal da Bahia, 1992.
Segundo Fernandes e Gomes (1992, p.58), opta-se por uma reforma urbana calcada
congrega novo modo de vida, nova estética e um novo sentido de público, onde a
engenheiro Ubatuba.
cidade. Os ricos baianos ainda mantêm o estilo clássico na arquitetura, agora com
mudanças, partindo para o ecletismo. Pelo porto, chegava uma nova imagem da Europa,
Salvador”.37
vinha ocorrendo desde o século XIX com o aumento do consumo pelas elites baianas, bem
como por suas viagens à Europa com bastante freqüência. No entanto, Salvador apresenta
aspectos particulares e peculiares na sua formação étnica, o que torna impossível apagar ou
37
FILHO, Godofredo. A influência do ecletismo na arquitetura baiana. Revista do Patrimônio. n. 19, 1984,
p.15.
recalcar a forte tradição negra na cidade e no Recôncavo, quando a maioria da sua
onde se concentra a população burguesa, o que, aliás, não mudou até hoje. Em relação a
Salvador da segunda metade do século XIX, assim se coloca o alemão Robert Ave-
[...] Se não soubesse que ela fica no Brasil, poder-se-ia tomá-la, sem
muita imaginação, por uma capital africana, residência de poderoso
príncipe negro, na qual passa inteiramente despercebida uma população
de forasteiros brancos puros.
freqüentam suas confeitarias. Assim, se torna a rua da moda, com as vitrines da Casa
Sloper, Duas Américas, A Moda, Calçados Harley, Loja Mattou, Chapéu Parisiense, lojas
intelectualidade baiana.
A imprensa tentava, de toda forma, quebrar a resistência daqueles que eram contra o
É preciso por final acabar com a nossa sentimentalidade, aqui mais do que
nunca perniciosa, urge desprendermo-nos corajosamente do culto exaggerado
da tradição que nos atraza. Para vencer na vida moderna cumpre justamente
saber romper com as tradições que impedem a melhora e a adaptação às
necessidades novas. Esse é de certo um dos grandes sacrifícios que o
progresso exige de nós: mas é indispensável fazê-lo.
Que o alvião demolidor, desrespeitoso e ousado, impenitente, abra no seio da
velha cidade a alegria nova das vias amplas, modernas, por onde possa
circular livre e fecunda a vida feliz de um povo forte!38
Para as elites, eram cada vez mais necessárias tais reformas. Afinal, o Brasil tinha
Paris como modelo: o Rio de Janeiro já havia realizado a sua “reforma Passos”; São Paulo
realiza a sua entre os anos de 1910 e 1914, e Recife, também é reurbanizada no período de
1910 a 1913.
Assim, Salvador quer também ser uma cidade do seu tempo, com ruas largas,
progresso, para uma cidade que nasceu como capital. Afinal, o plano das reformas urbanas
cultural europeu. É a ideologia do progresso, substituindo o velho pelo novo, sem se medir
as conseqüências disso.
38
Cf. MENEZES, Ednilson Luiz Santana. O Processo de modernização de Salvador no início do século XX:
transformações urbano-sociais impostas à cidade entre 1.900 e 1930.2002. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.
Concluídas as reformas do primeiro governo de J. J. Seabra, de 1912 a 1916, os
elite local que, cada vez mais, se afastava em direção ao sul da cidade.
Nesse período, os jornais, rádios e cinemas vão servir de veículos para “civilizar” o
povo. Contudo, o passado colonial, que formou uma elite escravocrata, contribui para que
essa prática seja mantida,39 vindo a perpetuar o mito da democracia racial na Bahia.
expulsa, deslocando-se para as áreas mais afastadas. Isso acarreta uma série de problemas,
pois, mais tarde, essa população, por não lhe ser assegurada uma política pública de
reparação, começa a invadir essa área do centro, o que vai gerar um processo de
favelização, que se intensifica a partir dos anos quarenta, fato semelhante ao ocorrido no
negros foram expulsos da cidade, do perímetro urbano, indo para os morros, gerando as
39
Gazeta do Povo, 20 de maio 1912, p.1. “O Brasil é um inferno para os negros, um purgatório para os
brancos e um paraíso para os mulatos.” “Numa sociedade onde não há igualdade entre as pessoas, o
preconceito velado é forma muito mais eficiente de discriminar pessoas de cor, desde que elas fiquem no seu
lugar e ‘saibam’ qual é ele”. Essa questão é abordada por MATA ( 1991) apud MENEZES, Ednilson Luiz
Santana. op. cit., p.66.
européia, em especial, a moda parisiense40. Assim, torna-se ponto de encontro da classe
mais abastada, além de essa mesma elite ter o poderio social e intelectual.
A Rua da Vala, por sua vez, atual Baixa dos Sapateiros, vai ser freqüentada pelos
buscando os sítios da Vitória, Graça, Barra, Canela –, vive uma população pobre formada
bichos, sem nenhuma higiene, em condições subumana, habitando uma espécie de cortiço.
moradia da elite, que instala aí seus escritórios e as melhores lojas. Com a chegada dessa
burguesia para a nova avenida, a população que antes vivia nesse local também é expulsa,
modernização, tais como rede de esgoto e os transportes mecânicos, alguns serviços dos
pobres e dos negros podem ser dispensados. Nesse momento, “atrapalham” a tão sonhada e
idealizada Salvador.
40
FONTES, Oleone Coelho. Rua Chile (uma epopéia de charme, glamour e fantasia). Salvador: Ponto &
Vírgula Publicações, 2004. p. 16.
41
FERNANDES, Ana e GOMES, Marco Aurélio A. de Figueiras. “Idealizações urbanas e a construção da
Salvador moderna: 1850-1920”. In: Cidade & história – modernização das cidades brasileiras nos séculos
XIX e XX. Mestrado em Arquitetura e urbanismo da UFBA. Salvador: ANPUR, 1992. p. 64.
Assim, emergem os guetos, formados pelas pessoas que necessitam viver perto do
Moniz, de 1916 a 1920, que, para muitos, estava apenas a guardar lugar para em seguida
Seabra reassumir, o que de fato acontece. Nesse período, o custo de vida subia cada dia
mais, aumentando a insatisfação com o governo local. Crescia ainda a insatisfação dos
Legislativo pelo grupo seabrista, por não terem sido consultados para a nomeação de
baiana, ao sentir sua eleição ameaçada. Empossado para governar de 1920 a 1924, procura
Conclui a Avenida Oceânica, esboça novos acordos para definir limites do Estado,
marítimo.
nomeado para a Inspetoria de Instrução Pública o educador Anísio Teixeira, que promoveu
expressiva reforma no ensino do Estado da Bahia. Ainda na gestão de Góes Calmon, foi
liderado por Góes Calmon, os quais viabilizam o nome de Pedro Lago para substituir Vital
Soares, eleito para governar entre 1928 e 1932. Soares renuncia para candidatar-se a vice-
estadual Frederico Costa, que foi substituído por Pedro Lago. Nesse momento, a Bahia
no mesmo dia, antes de baixar qualquer ato oficial, foi retirado do cargo pelo major
Custódio dos Reis Príncipe Jr, que o entregou ao coronel Ataliba Osório. A Junta
governativa nomeia Leopoldo do Amaral. Getúlio Vargas nomeou Artur Neiva. Juraci
Com a chegada de Juraci Magalhães ao mais alto posto da política estadual, pôs-se
fim a uma hegemonia que há muito revezava no poder alguém com formação na Escola de
42
SILVA, Paulo Santos. SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção
do discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: Edufba, 2000, p. 26.
os brios da elite local, ciosa dos seus méritos e convencida de sua importância e
imprescindibilidade”.43
Feito esse panorama político do Estado da Bahia, torna-se necessário ainda retomar
Sé, construída em 1552, pedida pela Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, para
Assim, por mais de uma década, travou-se uma luta entre os representantes da
Igreja, apoiados pela imprensa, e os intelectuais, que defendiam a Igreja da Sé. Boa parte da
pois a mentalidade que prevalecia era a derrubada do antigo em nome do novo. Nesse
período, vários projetos foram apresentados por engenheiros, muitos deles, poupando a
velha Sé, pelo grande valor arquitetônico45 e por ser um lugar de culto religioso. Nas
paredes laterais dessa igreja, eram colados cartazes anunciando os filmes dos cinemas
Na frente da Sé, virada para o mar, havia uma área com árvores, e suas escadarias
eram ocupadas à noite por bêbados, artistas fracassados, boêmios, seresteiros, loucos e
43
SILVA, Paulo Santos, op. cit. p. 29.
44
DOS SANTOS, Pe. Manoel Mesquita apud LEAL, Geraldo da Costa. Perfis Urbanos da Bahia: os bondes,
a demolição da sé, o futebol e os gallegos. Salvador: Gráfica Santa Helena, 2002, p.117.
45
Embora na argumentação do Arcebispo para o Vaticano o mesmo afirme que a igreja não tem valor
artístico, tal fato não me parece verdadeiro, pois em trabalho escrito por Francisco Sérvulo Moreira Salgueiro,
em Notícia da igreja da Bahia, de 1887, afirma exatamente o contrário.
46
Esse fato está muito bem explicado por LEAL, Geraldo da Costa, op. cit., p. 121.
HABERT, Angeluccia Bernardes. A Bahia de outr’ora, agora leitura de Artes & Artistas, uma revista de
cinema da década de 20. Salvador: Academia de Letras da Bahia/Assembléia Legislativa do Estado da Bahia,
2002, p.78-79.
congêneres.47 Aí terminava a noite para vários jovens boêmios, que discutiam literatura na
Baixa dos Sapateiros e nos Cafés localizados no Pelourinho e em outras ruas do hoje
Merece destaque a Rua Chile. Além de ser o centro da moda durante boa parte do
século XX, esse logradouro foi o centro cultural, político e de lazer, onde intelectuais se
Da Rua Chile, moradores da então cidade da Bahia viram Antenor Navarro sobrevoar de
IGHB, ALB, nos passageiros grupos literários e nas escolas secundárias e de nível superior.
Todos eles aspiravam à carreira jornalística para fazerem parte da chamada boemia
Apenas dois intelectuais não tiveram formação nas Faculdades de Medicina, Direito
ou na Politécnica: Pinheiro Viegas e Samuel de Brito Filho, conhecido como Guarda Civil
função intelectual fez com que Jorge Amado ironizasse essa aspiração quando afirma, em
seu primeiro livro, O País do carnaval (1930), que na Bahia “todo mundo é intelectual”.
47
LEITE, Rinaldo (1996, pp. 110-141) apud Ednilson Luiz Santana Menezes, op. cit. p. 66.
Nesse contexto, a literatura vai ter um papel de destaque. As crônicas do poeta
simbolista baiano Pedro Kilkerry trazem para a imprensa ecos do futurismo europeu. Em
seguida, tem-se o Grupo Arco & Flexa, liderado por Carlos Chiacchio, responsável por
Academia dos Rebeldes, sem dúvida, uma instituição de resistência aos modelos
Jorge Amado, que nega qualquer influência desse movimento para a sua geração. Em
entrevista48 a Alice Raillard, quando perguntado qual a ligação do seu grupo com Oswald
de Andrade, responde:
Não, não, minhas relações com Oswald são posteriores, elas começam
com a publicação de O país do carnaval (1931) e continuam depois.
Nada tínhamos a ver com o modernismo, nossa geração não sofreu
qualquer influência do modernismo – um movimento regional de São
Paulo que teve pequena influência no Rio e quase nenhuma no resto do
país, e pouquíssima no Rio Grande do Sul [...].
48
Jorge Amado conversaciones com Alice Raillard.Trad. Rosa S. Corgatelli.Buenos Aires: Emecé Editores,
1992. p. 53.
49
Carvalho Filho se refere à influência do modernismo de 22, em artigo na Revista da Academia Baiana de
Letras, nº 25, setembro de 1978. p. 101/03.
dynamismo e a universalidade que dormiam nos porões da alma da velha
cidade.
Ívia Alves, por sua vez, considera que a perda do poder político da Bahia para o Rio
30/40, fizeram com que a Bahia se fechasse à inovação, vindo a assumir uma postura de
Bahia, e esse traço ressalta o valor da cultura local, que vai ser estudada ou tornar-se
matéria de ficção com os modernistas baianos, em especial, Jorge Amado, Édison Carneiro,
ambos do Partido Comunista Brasileiro, e Sosígenes Costa. Segundo Risério (op. cit.,
velho para ceder lugar ao novo, haja vista a política de modernização seabrista – quando se
, tem sua repercussão. Segundo Alves (2001, p. 241 -258), “Eugenio Gomes, apenas com
50
Ver Alves, Ívia. A repercussão das principais questões formadoras da identidade nacional em periódicos e
histórias baianas. In: 1ª Jornada de periódicos Literários, 2003, Salvador. Periódicos literários: Anais das
jornadas e do Encontro Nacional. Porto Alegre: PUCRS, 2000.1CD-Rom.
uma viagem de três meses ao Rio de Janeiro, ao entrar em contato com o grupo que fundara
Modernizemo-nos!
Sem apedrejar ninguém. Nem os gramáticos. Nem os sonetistas
recalcitrantes.
Nem, mesmo, a Sé...
Modernizemo-nos, porém, a todo custo!.51
pensar brasileiro, terminou por sombrear a peculiaridade de outros modernismos. Com essa
para se afirmar uma unidade hegemônica paulista, resultado de uma economia centralizada
pelos poderes dominantes e pela posição histórica que São Paulo vem ocupar a partir do
No entanto, o poderio paulista não foi suficiente para impedir que outras vozes
do país. A própria diversidade cultural brasileira concorreu para que se buscassem novas
Devido à posição hegemônica de São Paulo, o modernismo paulista acabou por ser
das idéias da Semana de 22 nas letras da Bahia. Contudo, há que se reivindicar o lugar do
51
GOMES, Eugênio (1928) apud. ALVES, op. cit., .p. 241-258.
modernismo baiano na historiografia literária brasileira, uma vez que sempre foi negado
nos compêndios.
Na Bahia, que ainda respirava e vivia a “belle époque”, ocorre uma tentativa de
renovação da literatura, entre os anos de 1927 a 1932/33. Alguns jovens baianos, aspirantes
a uma carreira intelectual, começavam a atuar nos jornais locais, muitas vezes, como
buscando conquistar um lugar na redação. A partir daí, passavam a fazer parte de um grupo
prestigiado e pertencente a uma boemia intelectual que se reunia nos cafés, bares, cassinos
desses escritores.52 Jorge Amado confessa que usou a mesada do pai para comprar
divulgação de sua produção literária e intelectual. Ganham destaque na Bahia três grupos,
os quais, ao seu modo, imprimiram a sua visão de arte moderna e de modernismo: Arco &
Flexa, Samba e Academia dos Rebeldes. O certo é que essas agremiações acompanhavam
um concerto movido pelo “ideal nacional”, não se restringia ao campo das artes, mas ao
campo da política, com a falência da Velha República, num momento em que a palavra de
52
SILVA, Paulo Santos, op. cit., p.87.
2.3 Arco & Flexa: Primeira revista “moderna” da Bahia?
Desde o final do século XIX, foi comum na Bahia53 a formação de grupos literários,
tendo à frente uma liderança intelectual, iniciativa revitalizada com grande fôlego nos anos
20 do novo século. O primeiro desses grupos, formado no século XX, foi intitulado Nova
Cruzada, fundado em 1901, e sua revista foi um anseio dos estudantes de Salvador que
estreantes, críticos e ensaístas.54 Muitos dos que compunham a ala dos “Cavaleiros de
Honra” chegaram aos anos 30: Aloísio de Carvalho, Otavio Mangabeira, Carlos Chiacchio,
Braz do Amaral e Xavier Marques, Arthur de Salles, Pedro Kilkerry, Durval de Moraes e
Prisciliano Silva. Destaque-se que quase todos foram membros fundadores da Academia de
de 1928, surge a Revista Arco & Flexa; mensário de cultura moderna, que pretende
53
O nome “Bahia” é empregado num processo metonímico para se referir à cidade do Salvador.
54
SILVA, Paulo Santos, op. cit., p. 87.
55
Cf. Arco & Flexa; mensário de cultura moderna. Ed. Fac-sim. Salvador: Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 1978.
revista modernista da Bahia a Arco & Flexa, embora Nonato Marques, um dos integrantes
do grupo da Baixinha, venha afirmar que Samba saiu alguns dias antes.
O grupo Arco & Flexa, liderado por Carlos Chiacchio, tinha como componentes
Pinto de Aguiar, Eurico Alves, Carvalho Filho, Hélio Simões, Ramayana de Chevalier,
Jonathas Milhomens, Cavalcanti Freitas, José de Queiroz Júnior e Damasceno Filho, cujas
idades variavam entre 16 e 22 anos. O grupo surge a partir de reuniões literárias realizadas
no Café das Meninas, localizado ao lado do antigo Cinema Guarani, próximo à Rua Chile.
Com a freqüência dos encontros, o grupo transfere essas reuniões para a residência
de Pinto de Aguiar, vindo daí a criação da revista da agremiação, cujo manifesto foi escrito
por seu mentor intelectual e recebeu o título de “Tradicionismo dinâmico”, que vai de
velho, de tradição e de dinamismo criador. Em sua base, está a tensão entre o estático e o
A revista Arco & Flexa, apesar de ter como patrocinador Pinto de Aguiar, que passa
a escrever no dito periódico, foi, sem dúvida, uma iniciativa de Carlos Chiacchio. Como
quase todas as revistas da época, tem uma duração breve, apenas cinco números. O
primeiro sai em novembro de 1928 e o último, em 1929, e circulou sem obedecer a uma
regularidade. Paulo Santos Silva (op. cit., p. 92) atribui a efemeridade desse periódico às
56
MASCARENHAS, Dulce. Carlos Chiacchio: ”homens e obras”, itinerário de dezoito anos de rodapés
semanais em A tarde. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 1979. p. 60.
que as contribuições financeiras de Pinto de Aguiar não foram suficientes para manter a
publicação.
O grupo que formava Arco & Flexa era heterogêneo e, desde o primeiro número, a
revista já se propunha a ser “moderna”, tendo sido o primeiro periódico filiado ao novo
fazer literário. Contudo, segundo Ívia Alves,57 a revista foi cautelosa e ficou entre o desejo
“tradicionismo” falou mais alto, e o grupo não explorou de forma profunda a realidade
local, a cultura negra, enfim, questões sociais flagrantes, como fizera o grupo da Academia
dos Rebeldes.
ladeiras do entorno que é hoje conhecido como Centro Histórico de Salvador: a ladeira do
Baixa dos Sapateiros, zona já considerada de comércio barato. Era uma área de comércio
popular, freqüentada por pessoas de baixo poder aquisitivo, que faziam suas compras
naquele enorme “bazar”, com lojas pequenas, coladas umas às outras, geralmente
freqüentados pelo público abastado que gostava de dramalhões e operetas, na Bahia dos
57
A Profa. Ívia Alves, da Universidade Federal da Bahia, foi pioneira no estudo da revista Arco & Flexa na
Bahia, tendo publicado Arco & Flexa contribuição para o estudo do modernismo. Salvador: Fundação
Cultural do Estado da Bahia, 1978.
anos 20. Ao lado do luxo dos cinemas, freqüentado pela burguesia local, de gosto refinado
e conservador, na lógica da casa grande, ainda reinante na Bahia, convivia a gente mestiça,
pobre e sem prestígio político, freqüentando o comércio barato e os cafés locais, com os
parcos tostões que ganhava. Talvez essa convivência “pacífica” já servisse para endossar o
onde viviam estudantes pensionistas, e era uma área de muitos cafés: Café Progresso, Café
Astúrias, Café Moderno e o café Derby. O primeiro deles era um Café proletário, um pouco
grupo de rapazes que sonhavam com a glória das letras, o sucesso na escrita, almejando
O fato de o grupo ter escolhido esse Café talvez se explique pela condição
financeira de seus membros e por ser o ponto preferido de Samuel de Brito Filho, o guarda
85, líder do grupo. Segundo MARQUES (op., cit., p. 15), esse líder
58
Nonato Marques é o único membro vivo de todos os poetas da primeira geração modernista baiana,
membro do grupo da Baixinha. Em seu livro de memória A poesia era uma festa. Salvador: GraphCo Editora,
1994, situa a região onde o grupo se formou e se desenvolveu.
Assim, em torno da mesa do Guarda 85, aos poucos foram se reunindo inúmeros
Donatti, Elpídio Bastos, Zaluar de Carvalho, Bráulio de Abreu, Clodoaldo Milton, Nonato
Marques, Leite Filho Aníbal Rocha, Alves Ribeiro, dentre outros. O grupo tinha como
mecena Raymundo Pena Forte, sem talento intelectual, homem portador de necessidade
especial, que se mobilizava apenas para assistir às chamadas tertúlias, sessões em que
promoviam discussões acadêmicas. Às vezes, saíam para a boemia, por bares e outros
cafés. Segundo Nonato Marques, quando esses recintos se fechavam, os jovens encerravam
maior impulso em 1924, com a chegada de Pinheiro Viegas, que viera do Rio de Janeiro,
levado por Nonato Marques, então um garoto de 16 anos. Nesse período, ainda repercutia
encontrarem com os “imortais” acadêmicos nos cafés situados entre as ruas da Ajuda e a da
Misericórdia.
olhar de espanto e admiração, já que, para muitos, estava-se diante de “monstros” sagrados.
Ser membro da Academia de Letras era um sonho acalentado pelos membros da Baixinha,
fantasia jamais realizada. Dos grupos da fase inicial do modernismo na Bahia, apenas os
poetas da Baixinha não foram eleitos para a referida academia, talvez por não serem de
excelentes sonetistas, como Bráulio de Abreu, Elpídio Bastos e Alves Ribeiro. Também ser
“moderno”, como informa o subtítulo, era palavra de ordem desses jovens. O grupo inova
no nome da revista, “Samba”, uma prática artística e cultural proveniente dos segmentos
populares da Bahia, de matriz africana. Associado à cultura local, o nome evoca a idéia de
uma arte alegre, vibrante, produzida pela cultura popular negra, desqualificada pela elite
branca da Bahia.
Apesar do subtítulo e da inovação que traz com esse nome, Samba permanecia
influências da literatura produzida no século XIX. Também teve uma vida curta, apenas
quatro números, de novembro de 1928 a março de 1929. Waldir Freitas Oliveira (1999, p.
Para Ívia Alves60, Samba tem seu valor muito maior por ser um marco histórico e
testemunha uma vida intelectual ávida por renovação e mudanças, que não se efetivaram.
59
Cf. Waldir Freitas de Oliveira, “Contra a modorra e o desalento da Bahia”. In: Samba - mensário moderno
de letras, artes e pensamento, Bahia 1928-1929. Ed. fac-sim. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do
Estado da Bahia, Conselho Estadual de Cultura, 1999.p. IX.
60
Cf. Samba e Arco & Flexa: marcos históricos do Modernismo na Bahia. In: Samba - mensário moderno de
letras, artes e pensamento, Bahia 1928-1929. Edição fac-similar. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do
Estado da Bahia, Conselho Estadual de Cultura, 1999. p. XVI.
Com a incorporação de Pinheiro Viegas ao grupo da Baixinha, que passa a disputar
a liderança com Samuel de Brito Filho, o Guarda-civil 85, os seus integrantes foram se
afastando do Café Progresso, passando a freqüentar outros cafés da área da antiga Sé, de
melhor aparência e com outro tipo de público. Aos poucos, foram surgindo
Em 1929, ocorre a morte do Guarda 85, então com 30 anos de idade, resultando na
dissolução do grupo. Os que não tiveram a graça e a simpatia de Viegas foram duramente
Assim Samba chega ao fim, mas na certeza de que valeram a pena o esforço e a
tentativa de romper barreiras, em nome da renovação. Com o fim dessa agremiação, Viegas
torna-se o mentor intelectual de outro grupo, o que formou a Academia dos Rebeldes.
1927, os rapazes que viriam a formar essa agremiação já se reuniam para discutir literatura
dos seus confrades. De acordo com Cid Seixas, o que torna peculiar esse grupo é a
Cid Seixas (op. cit., p.52-60) coloca claramente a diferença entre o modernismo
paulista e o modernismo baiano da Academia dos Rebeldes, que estava muito distante do
que pregavam os modernistas de 22. Contudo, no final dos anos 20, os próprios
geração de 22 voltam seu olhar para o interior do Brasil, o que já se fazia na Bahia, que
mostrava um apego ao passado, mas sem querer perder o bonde da história do novo fazer
artístico e literário. Talvez por isso o modernismo na Bahia ganhe um viés de conciliação,
modernidade.
A Academia dos Rebeldes tinha como grande líder a figura iconoclasta de Pinheiro
Viegas, intelectual de fama no eixo Rio/São Paulo, mas apagado pela burguesia
conservadora baiana, devido aos versos purulentos de seus epigramas e à sua verve satírica.
Após a análise de várias fontes primárias consultadas para este trabalho, é possível deduzir
que o nome da agremiação tenha sido dado por Viegas, pois quando ele vivia na região
sudeste, cogitara, em 1911, a fundação de uma academia que agregasse os intelectuais que
mostravam refratárias às inovações, uma vez que estavam apoiadas numa visão
conservadora e retrógrada de literatura. O ingresso numa agremiação dessa ordem passa por
critérios que não são exclusivamente literários: as relações de amizade muitas vezes se
Segundo Cid Seixas (2002 apud, FALCÃO, op. cit., p.117), a Academia dos Rebeldes,
embora tome por referência a concepção clássica de academia, propõe um projeto antiacadêmico,
não sendo, por isso, uma idéia contraditória, uma vez que os “rebeldes” pretendiam, exatamente,
“assinalar o caráter disfórico das academias e, ao mesmo tempo, recuperar a euforia acadêmica
através de uma rebeldia quase adolescente. Opor a disposição dos jovens para mudar o
insere-se no contexto social, político e literário como uma organização que ajudou a pensar
a sociedade baiana e brasileira. Mobilizados em prol das idéias que os aproximavam, esses
61
Cf. SANTOS, Gilfrancisco. O espírito revel de Pinheiro Viegas. Iararana. Revista de arte, crítica e
literatura. Salvador-Ba, nº. 9, p. 70, agosto de 2004.
jovens acadêmicos, buscaram, assim como os integrantes de Arco & Flexa e Samba, formas
de divulgação dos seus ideais. Com esse intento, criam a revista Meridiano, que teve
apenas um número, em 1929, e depois, a revista O momento, que chegou a nove edições.
demarcassem uma nova concepção de arte e de literatura, numa Bahia que cultuava a
oratória pomposa, no estilo Rui Barbosa, jurista que alimentou o ideal de um Brasil
europeizado. Ao contrário, o grupo dos rebeldes traz para suas revistas o esforço de
inovação, inevitável para uma terra marcada pela pluralidade étnica e cultural.
literatura na Bahia, limitada aos salões acadêmicos, dando lugar a uma produção literária e
intelectual voltada para uma realidade social perpassada por tensões, bem como por
desigualdades, mas, acima de tudo, pela riqueza de uma gente negra e mestiça,
pretendia aglutinar filosofia, matemática, música, astronomia e legislação. Essa escola era
formada por uma biblioteca, uma residência e um jardim, o qual, por tradição, teria
Academia do Meio, criada pelo filósofo platônico Arcesilaus, e a Nova Academia, fundada
por Carneades, sendo fechadas em 529 d.C., pelo decreto do imperador romano Justiniano.
A partir da Idade Média, nos séculos XIII e XIV, diversas academias de poetas e de
artistas surgem na França e na Itália, e a Academia Platônica, criada por volta de 1440 em
Florença, foi a que galgou maior destaque durante a renascença italiana. Essa instituição
tinha por função estudar a obra de Platão e a de Dante, bem como aprimorar a língua
reinado de Luís XIII, serviu de modelo para a Academia Brasileira de Letras, cuja
62
Informação obtida através do site www.academia.org.br . Acessos em 17.05.2004 e 30.06.05.
finalidade principal era tornar a língua vernácula “pura, eloqüente e capaz de tratar das
artes e ciências”.63
bem falar e do bem escrever. Outras se opunham àqueles princípios que, durante muito
tempo, fizeram as mesmas nascerem no Brasil, como a Academia Brasílica dos Esquecidos,
Na Bahia, a Academia dos Rebeldes entre o final dos anos 20 e início de 30, num
estética atentos às questões identitárias, vindo a imprimir uma ruptura com as expressões de
marcada pela estética simbolista e, principalmente, parnasiana. Desse grupo, fazem parte
Jorge Amado, Pinheiro Viegas, Sosígenes Costa, Áydano Ferraz, Guilherme Dias Gomes,
João Alves Ribeiro, Walter da Silveira, Edson Carneiro, Da Costa Andrade, De Souza
nomearem de “Academia dos Rebeldes” um tipo de agremiação que sempre teve por
O termo “rebeldes” expressa também a insatisfação com uma nação cuja literatura e outras
artes estavam ainda fortemente impregnadas das influências portuguesa e francesa, não só
63
IDEM, www.academia.org.br . Acessos 17.05.2004 e em 30.06.05.
As novidades modernistas que aconteciam em São Paulo e Rio de Janeiro
(2002, p. 51-52):
intelectuais das várias regiões. Por volta do final dos anos 20, ocorrem mudanças no fazer
artístico baiano, que eram divulgadas em jornais locais e em revistas literárias fundadas
pelos grupos da Bahia. Ainda que de modo comedido, tais grupos acolhem a proposta de
uma literatura moderna, como Arco & Flexa, Samba e a Academia dos Rebeldes, que
ganha destaque por ter assumido uma postura mais politizada sobre literatura e arte.
no seu interior influências marxistas como um dos elementos propiciadores de ruptura com
apesar da repressão à qual estiveram submetidos os seus membros. Nesse período, quando
Nos textos produzidos sobre essa agremiação, o ano de 1928 é tomado como data de
sua criação, quando os chamados rebeldes começam a se agrupar nos cafés para discutirem
questões literárias e as pelejas locais. Ainda se considera como marco o ano de lançamento
da revista Meridiano, 1929. Segundo Amado (op. cit. p. 238). , tal agremiação nunca teve
cargos:
intermédio do pai de Edison Carneiro. Por ironia, esse centro fica vizinho à sede da
Academia Baiana de Letras, criada em 1917, instituição combatida pelos rebeldes. O grupo,
do pai de Edison Carneiro e, em seguida, nos cafés do hoje conhecido centro histórico.
Embora não houvesse cargos na Academia dos Rebeldes, conforme Jorge Amado, a
instituição é criada com postos e atribuições para seus membros, como se pode conferir nos
literário aos intelectuais do país, criar uma revista de cultura e pensamento e publicar uma
65
O Jornal, nº 148. Salvador, 28 de março de 1930.
66
Cf. Diário da Tarde Ilhéus. 10 de abril de 1930. Documentos fornecidos por Gilfrancisco Santos, que
também constam no livro inédito Jorge Amado & a formação da Academia dos Rebeldes (no prelo).
série de livros dos seus associados”. O triplo intento parece ser comum a agremiações desse
criações artísticas.
discutirem literatura, as novas revistas ou as pelejas entre os intelectuais através dos jornais.
Enquanto os “camaradas” de Arco & Flexa, para usar uma expressão de Amado, viviam no
luxo de pequenos burgueses, os “rebeldes” conviviam com figuras populares da Bahia, com
mercado das Sete Portas, enfim, pessoas estranhas à vida intelectual baiana.
Esse grupo emerge com uma postura transgressora frente aos valores estéticos
“camaradas” de Arco & Flexa e declaram sua simpatia aos rapazes do grupo Samba, de
origem mais humilde que os da Academia. Mentor espiritual da Academia dos Rebeldes,
Viegas demarca sua oposição a Carlos Chiacchio, idealizador de Arco & Flexa, e a Samuel
de Brito Filho, conhecido como o Guarda 85, grande líder dos Poetas da Baixinha e antigo
companheiro de Viegas. Por questões intelectuais, os dois se tornaram inimigos, razão pela
Baiana de Letras. Tal atitude é declarada em artigo publicado em nome dos rebeldes, no
Parola, conhecido por sua verve ferina nas crônicas publicadas em jornal.
que de forma embrionária, mas já visível em textos que, frontalmente, colocam-se contra a
retórica inflada, no estilo Rui Barbosa, é declarado: “Condena a tagaralice dos filósofos, a
Vale trazer aqui a poesia marginal dos anos 70, quando os jovens poetas lançavam
seus petardos contra as academias e o meio editorial, até mesmo por não serem acolhidos
pelos editores. O grupo carioca Nuvem Cigana, dessa geração de 70, lança um manifesto
em que ressoa a rebeldia frente a um lugar tão conservador como as academias literárias.
67
Revista Meridiano. SALVADOR, n..I, 1929.
Nós poetas perguntamos: ser marginal é não correr atrás de padrinhos
literários de grandes editores?
Ser marginal é não se sentar em fúnebres academias pra molhar o
biscoitinho?
Ser marginal é não fingir de mudo surdo burro quando pisam o seu pé?
Ser marginal é tentar viver lutar e ganhar a vida com a poesia minha
alegria?
Ser marginal é não jogar esse jogo, então temos a declarar: somos poetas
marginais e mais, magistrais, e como tais declaramos criada a
POBRÁS.68
Bruno, uma história que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, no Brasil do Estado
Para Márcia Rios da Silva (op.cit., p. 238), essa sátira à academia ilustra o modo
pelo qual Jorge Amado mantém sua imagem, marcada pela ambigüidade entre vida e
imortal Jorge Amado vestiu o fardão da Academia e publica essa fábula burlesca
justamente em fins dos anos 70, quando vão se tornando cada vez mais firmes e públicas
suas alianças com instâncias legitimadoras, centro do poder político e elites do país, ainda
em pleno regime militar. Habilmente, em suas obras o escritor desenvolve temas que
68
Apud Heloísa B. de HOLLANDA, Carlos A. MESSEDER (orgs.). Poesia jovem – anos 70. São Paulo:
Abril Educação, 1982. p. 27.
venham preservar sua imagem de intelectual combativo, ao questionar o poder instituído e
imbricamentos com a ocupação de cargos públicos, bem como a construção dos discursos e
carreira política e a inserção desses intelectuais, Paulo Santos Silva (2000 p.84) afirma que
os postulantes à carreira intelectual dependiam do capital de relações sociais, haja vista que
começam suas carreiras em jornais locais, levados por amigos influentes ou parentes. De
acordo com Sérgio Miceli, por tradição, no Brasil, a inserção no campo político e
fizeram uso desse capital. Alguns deles entraram para a Aliança Liberal e o Partido
Comunista por conta dessas relações. A confraria também teve o apadrinhamento de Souza
Carneiro, pai de Edison Carneiro e Professor da Escola Politécnica, uma figura pública que
gozava de prestígio na sociedade local. Pinheiro Viegas, mentor intelectual e guru espiritual
Bahia.
Por essa via, os jovens da Academia dos Rebeldes iniciaram a carreira jornalística,
produção literária. Jorge Amado (apud RAILLARD,1990, P. 123) traz seu testemunho:
Paulo Santos Silva (op. cit., p. 85) analisa essas relações do seguinte modo: “A
esse grupo valorizam a cultura africana e afro-baiana, pondo em debate questões que dizem
preconceito racial. O grupo Arco & Flexa, por sua vez, formado por jovens de famílias
breves pinceladas sobre a história pessoal de cada membro dessa academia confirmam as
diferentes trajetórias que traçaram para si e as contribuições dadas, as quais lhes conferem o
epíteto de modernistas.
Poeta simbolista, Pinheiro Viegas nasceu em Salvador e fez parte de três gerações
de intelectuais. Participa da boemia do final do século XIX, com intensa atuação política
Deodoro.69 Participou da geração seguinte no Rio de Janeiro, onde ficou conhecido pela
em que critica abertamente o primeiro presidente civil do Brasil. No Rio, conviveu e foi
amigo de Agripino Grieco, Lima Barreto, João do Rio, dentre outros intelectuais da época.
Viegas vai ganhar projeção no seu retorno à Bahia, inicialmente, formando o grupo
assim mais conhecido, não por sua obra, mas pela união a jovens de outra geração, a fim de
69
Não há consenso entre os biógrafos de Pinheiro Viegas quanto à sua data de nascimento. Alguns atribuem
1865 e outros, 1866, como o pesquisador Gilfrancisco Santos, pioneiro no resgate da obra dispersa de Viegas
(no prelo).
que, juntos, implodissem as formas arcaicas de fazer literatura, para dar lugar à arte
Outro companheiro de Viegas, o poeta Nonato Marques (op. cit., p. 29-30), último
boêmio indiferente, ironista lírico, enfim, um cético risonho.70 Posava de homossexual para
políticos da época, o que fez com que ganhasse fama de maldito e fosse mantido à margem
70
Definição do próprio PINHEIRO VIEGAS, cf. MARQUES, Nonato, op. cit., p. 29.
das letras, conforme Cristina Maria Teixeira Campello.71 Acrescenta Elpídio Bastos (apud
cedo para se dedicar ao jornalismo, período em que atuou como professor primário. Em sua
formação literária, leu Baudelaire, Corbièse, Rimbaud, Verlaine, Shaw, Pirandelo, Pio
Baroja, Maurice Dekobra, Pitigrilli. Em relação ao humor, disse ser “paraíso artificial, na
arte, substitui as visões de outro mundo melhor, ópio, haxixe, o álcool, a cocaína”.
Viegas viajou o Brasil de norte a sul fazendo do jornalismo profissão, bem como
Estados. Dentre as obras publicadas, têm-se Brasil de hoje (1929), Brasil: prosa e verso
(1931). Além disso, produziu artigos, escreveu textos polêmicos e epigramas, acervo já
71
Cf. CAMPELLO, Cristina Maria Teixeira. Pinheiro Viegas e “A Academia dos Rebeldes”. UNIVERSITAS:
revista de Cultura da Universidade Federal da Bahia, Salvador, n. 10, setembro/dezembro 1971.
propriedade de uns dos filhos, e falece em 1937.72 Viegas não poupou ninguém,
ridicularizando a moral e os valores da burguesia local, que se sentiu aliviada por livrar-se
da sua linguagem purulenta e de seus epigramas. Morreu no mais profundo anonimato, sem
lhe ser prestada homenagem alguma. A imprensa limitou-se a informar: “morreu Pinheiro
Viegas”.73
completa um ano da sua morte.74 Ribeiro tece considerações acerca da personalidade, obra,
carreira e trajetória dessa figura polêmica, concluindo seu texto da seguinte forma: “por
Viegas ter feito uso da sátira como arma de combate, foram muitos os inimigos”. Por isso,
até mesmo depois de morto, há quem pretenda diminuí-lo, procurando ocultar a sua vida e a
sua obra à curiosidade das novas gerações e termina afirmando: “A conspiração dos
posteridade”.75
72
A biografia de Viegas é cheia de lacunas. Muito reservado, são escassos os registros sobre sua história
pessoal. Além disso, um incêndio no cartório do subúrbio queimou todos os seus documentos, inclusive o
atestado de óbito. Também não foi localizada sua certidão de nascimento no Colégio Central, porque foram
extraviadas 18.000 pastas de alunos do século XIX e parte do XX.
73
Cf. RIBEIRO, Alves. “Pinheiro Viegas”. Seiva, nº 1; Salvador, dezembro de 1938. p. 18-19.
74
Recorte xerocopiado, pertencente ao arquivo de Gilfrancisco Santos, sem os dados bibliográficos
completos. p.18-19.
75
Idem nota 102.
3.2. Jorge Amado, o maior dos rebeldes?
Jorge Amado, filho do Coronel João Amado de Faria e da Senhora Eulália Leal
Bahia. Ainda com um ano de vida, muda-se para a cidade de Ilhéus, onde seu pai passa a
cortar tamancos para sobreviver. Em seguida, junto à família, vai morar na Fazenda
familiares. Ainda nesse ano, após deixar a escola na qual estudava, parte para Salvador e
torna-se estudante interno do Colégio Antônio Vieira, dirigido por padres jesuítas, vindo
depois estudar no Ginásio Ypiranga, antiga casa em que viveu Castro Alves, considerado o
Se com a criação de A Luneta Amado expõe seus pendores para uma possível
militância nas letras, a redação que faz sobre “o mar” lhe rende elogios por parte do seu
professor de português, o padre Luiz Gonzaga Cabral, que lhe oferece a leitura de Charles
Dickens, Walter Scott e de autores portugueses. Por sua resistência ao rigor e à disciplina
do colégio, resolve fugir, indo para Aracaju viver com seu avô paterno na cidade de
Ipiranga. Essa escola o teria marcado por ter estudado numa sala em que morreu Castro
76
Cf. Entrevista concedida a Antonio Roberto Espinosa. In: GOMES, Álvaro Cardoso. Literatura
Comentada. Seleção de textos, notas, estudo histórico e crítico. São Paulo: Abril, 1981. p. 6.
Alves. Em l941, publica ABC de Castro Alves,77 narrando a vida do poeta e em 1944
escreve Amor do Soldado, peça teatral centrada na vida amorosa desse bardo baiano.
Silva, P. S. (op. cit., p.80) avalia o papel da instituição escolar na trajetória daqueles
que vieram a ser a nata da inteligência política e literária na Bahia, nessa época. Em relação
Se até então vivera como estudante de colégio interno, em 1927 vai estudar em
regime de externato, morando num velho casarão no Pelourinho, hoje, atual Hotel
O escritor, desde cedo, ainda no final dos anos 20, começa sua atividade jornalística.
É repórter policial nos jornais Diário de Notícias e O Imparcial. Na revista A Luva, publica
um poema, intitulado “Poema ou Prosa”. Logo em seguida, se reúne com outros jovens
intelectuais, em torno de Pinheiro Viegas, com o qual cria a Academia dos Rebeldes.
Jorge Amado viveu intensamente a vida popular da Bahia nos mercados, bares,
grandes barcos de pesca. Assim, invadem sua ficção essa vivência e a experiência de
77
ABC de Castro Alves, biografia. 1 edição, Livraria Martins Editora, São Paulo, 1994.
78
RAILLARD, Alice, op. cit., p. 33.
repórter e jornalista do Diário da Bahia79. Sobre esse período no jornalismo baiano, o
Mas o mais importante era que levávamos uma vida muito boêmia, muito
encravada na vida popular da cidade, da qual participávamos
intensamente. Estávamos em todo lugar; nas festas, nos mercados, nos
saveiros, nos grandes barcos de pesca – fiz toda a costa baiana em
saveiro; nos “chatôs”, e como se dizia na Bahia – não eram exatamente
bordéis, nem casas de encontro como os “motéis” de hoje; na verdade,
era mais um local de reuniões, nos servindo quase como salão literário...
Havia ali “francesas” letradas, fazíamos leituras de poemas... Era uma
vida muito cheia, muito rica, participávamos verdadeiramente da vida do
povo, tínhamos muito contato com todos os setores da vida popular;
passávamos o tempo em escolas de capoeira; comecei com o Edison e
com Arthur Ramos, a freqüentar os candomblés e a participar da vida
religiosa baiana. ( RAILLARD, Alice, op. cit., 36-37)
Dessa vivência com o “povo” da terra, Amado (1992, p. III) não esquece seu débito:
campanha de Getúlio Vargas, que pretendia chegar ao poder em l930, e o escritor trabalha
como jornalista para sustentar a Aliança Liberal.80 Na década de 30, Amado já havia se
79
Periódico baiano, na década de 30 do século XX.
80
(Movimento popular na década 20 que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930, tendo como opositor Júlio
Prestes numa campanha lançada por Washington Luiz).
81
À época, uma espécie de curso pré-vestibular que prepara alunos para entrar na Universidade.
profissionalmente como escritor, o que era impossível na Bahia. Nesse mesmo ano, conclui
Brasil. O escritor aponta o início da sua “atividade política de esquerda, por volta de
l930”83. No Rio, divide apartamento com Raul Bopp, vindo a conhecer José Américo de
prisão, tendo já participado como ator no filme Itapuã, de Ruy Santos, e colaborado com os
argumentos dessa película, viaja pela América Latina e Estados Unidos. Nesse ínterim,
86
publica no Brasil Capitães da Areia .
No retorno dessas viagens, vai a Belém, quando é avisado pelo escritor Dalcídio
Jurandir do golpe de Getúlio Vargas. Segue para Manaus, onde é preso novamente. Nesse
ano, vem o golpe de Estado, conhecido como Estado Novo87, tendo o ditador Getúlio
82
Poema-prosa, publicado em 1931. Trata das aventuras de um jovem na Amazônia, entrecruzando-se a
narrativa com mitos primitivos oriundos da região amazônica. Sobre o autor, além de outras informações, o
crítico Alfredo Bosi acrescenta: “Raul Bopp (Tupaceretã, RS, 1898). [...] Na década de 20 percorreu
demoradamente a Amazônia; em São Paulo, poucos anos depois da Semana, aproximou-se dos vários grupos
modernistas, integrando inicialmente o Verde-Amarelo, mas, já em 1928, ligando-se a Oswald e a Tarsila,
padroeiros da Antropofagia”. (Cf. Bosi, 1986, p. 418).
83
Cf. RAILLARD, Alice. Op. Cit. p. 39.
84
Escritor natural de Areia, Paraíba, que entrecruza em sua obra temas sociais nordestinos dessa região com
linguagem coloquial e técnica descritiva avançada para a sua época.
85
Movimento de cunho ideológico partidário ocorrido no Brasil na década de trinta.
86
Capitães da Areia, romance. 1 edição, Livraria José Olympio, Editora, Rio de janeiro, 1937.
87
Golpe de Estado ocorrido no Brasil em 1937 que instaurou o Estado Novo, tendo permanecido como
ditador à época, o então Presidente Getúlio Vargas.
Vargas, nesse momento da história brasileira, assumido o poder. Seus livros, tidos como
“subversivos”, são queimados em praça pública, num total de 1.694 exemplares, dentre
eles, O País do Carnaval, Suor, Cacau, Jubiabá, Capitães da Areia e Mar Morto,88 por
os dois eventos, Amado (1992, p. 235) considera que o primeiro foi um esforço e
compromisso dos intelectuais, quase não havendo participação do povo negro. O segundo,
realizado na Bahia, contou com a participação de Donald Pierson, Arthur Ramos, Edison
que fica no terceiro capítulo, por interdição da polícia. Em 1941, conclui essa biografia e,
por causa do Estado Novo, vai morar em Buenos Aires, colaborando com a revista “Sud” e
o jornal “La Crítica”. Decide escrever um livro sobre Luís Carlos Prestes,90 com vistas a
mobilizar a opinião pública para a anistia desse comunista. Na Bahia, em 1943, vai para o
88
Essa informação é aprofundada em RAILLARD, op. cit.. p. 103.
89
O poeta baiano Castro Alves tornou-se conhecido por ter escrito poemas que denunciam a escravidão dos
negros no Brasil. Cf. ABC de Castro Alves _ biografia. 1 edição. São Paulo: Livraria Martins Editora,1941.
Sobre essa obra assim se refere o autor Jorge Amado: “O ABC de Castro Alves foi escrito durante a ditadura
do Estado Novo, querendo justamente indicar qual deveria ser a posição dos intelectuais na luta contra o
fascismo, as forças reacionárias e retrógradas e na luta a favor de todas as forças progressistas; pela
liberdade”. (cf. RAILLARD, op. cit., p. 118).
90
Líder político comunista que, durante o Estado Novo, teve apoio de Jorge Amado, através de uma ampla
campanha em favor da anistia política para libertá-lo, bem como outros presos políticos, dos porões da
ditadura. (cf. RAILLARD, op. cit., p. 125)
campanhas em prol da redemocratização do país, fazendo visitas a cidades do interior do
estado.
como tradutor, vindo depois ocupar o cargo de secretário do Instituto Cultural Brasil-
Rússia, cujo diretor era Monteiro Lobato. Nesse ano ainda, é eleito pelo povo Deputado
Federal do PCB, com 13.315 votos, vindo a residir no Rio de Janeiro, assumindo o mandato
na Assembléia Constituinte, para a qual foi eleito, após viagem pelo sul do país e Uruguai.
Tem algumas emendas aprovadas pela Câmara Federal, sobretudo, a da liberdade de culto
afro-brasileiro e a emenda que dispõe sobre direitos autorais. No mesmo ano, conhece
Pierre Verger91 que, após ter lido em Paris Jubiabá, decide vir à Bahia.
seu quadro de amizades, do qual fazem parte Jean Paul Sartre, Paul Eluard, Aragon,
muitas viagens para diferentes países, como União Soviética, Itália, Tcheco-Eslováquia,
91
Pierre Verger, pesquisador francês da cultura negra, conviveu com vários povos de matrizes africanas em
vários continentes, com estudos reconhecidos em vários países, dentro eles, Orixás, Retratos do Brasil.
Dias Gomes, relembra sua atuação na Academia dos Rebeldes, fazendo uma retrospectiva e
jovem aprendiz de escritor deve ser quixotesco, pois só assim será merecedor de vestir o
fardão. Afirma ainda que ao jovem cabe o comportamento rebelde, sem fechar-se na
passividade nem no conservadorismo. Num mea culpa, avalia: “Quanto a mim, felizmente,
muita pedra atirei contra vossas vidraças, muito adjetivo grosso gastei contra vossa
indiferença, muitas vaias gritei contra vossa compostura, muito combate travei contra vossa
força...”.92 Diz ser oportunista, carreirista, um pobre diabo, o jovem que, ao iniciar sua vida
passado, presente e futuro: “[...] Triste é o espetáculo do acadêmico de vinte anos, triste é o
rebelde que foi no momento em que toma posse como imortal nessa instituição. Interroga-
fecunda, por romper com a atmosfera literária que se respirava na Bahia. Também acredita
92
AMADO, Jorge. Discursos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1993. p. 10.
93
AMADO, Jorge. Op. cit.. p. 10
que serviu para combater o conservadorismo dos professores da Faculdade de Medicina,
Faculdade, em Tenda dos milagres, Jorge Amado faz uma crítica impiedosa a esses
professores, por defenderem a superioridade da raça branca, tese etnocêntrica que era um
Em 1979, publica Farda, fardão, camisola de dormir; fábula para acender uma
qual ingressara desde os anos 60. Em discurso de posse na Academia de Letras da Bahia,
em 1985, Amado retoma seus ideais, quando ocupou o lugar de confrade da Academia dos
estabelecida, tida pelos rebeldes como superada, reacionária, indigna dos tempos do pós-
guerra.
O escritor reconhece que as bandeiras levantadas por ele – tais como, abaixo a rima!
Morte à métrica! – eram válidas nos anos 20, pois causavam pânico e alarmavam os mais
comportados. Afinal, Amado e os demais lutavam por uma literatura que fosse universal,
por ser nacional, inspirada na realidade brasileira, com o objetivo maior de transformá-la.
94
Idem. p. 33.
Em 1986, por decreto do Presidente José Sarney, do qual o escritor era amigo
Cabotagem é publicado em l992, ano marcado pelas comemorações de seus oitenta anos,
com festas públicas, seminários, debates e publicações em jornais e revistas, além do livro
Bahia, marcada pela singularidade de sua gente. Tendo como personagens de suas tramas
valorização e visibilidade que deu à cultura mestiça e afro-baiana. A missa de sétimo dia foi
rezada na Igreja do Rosário dos Pretos, construída pelos negros, no século XVIII, que não
95
Livro organizado por Maried Carneiro e Rosane Canelas Rubim, bibliotecárias da Fundação Casa de Jorge
Amado.
tinham o direito de ocupar, nas igrejas, os mesmos lugares que os brancos da elite baiana,
espalhadas embaixo de uma mangueira da sua casa, e a missa na Igreja do Rosário dos
Pretos, expõem uma relação muito forte do escritor com a cultura negra e suas crenças, pois
em toda roça de candomblé, o axé de Oxossi é sempre numa árvore. A volumosa produção
Coelho de Souza Carneiro, foi casado com Madgdalena Botelho de Souza Carneiro.
se transfere para o Rio de Janeiro em 1939. Aos dezesseis anos, publica Musa Capenga,96
no jornal A Noite, divulgando mais tarde artigos e crônicas nos periódicos A Luva, Etc. e na
revista O Momento. Ainda adolescente, participa das discussões literárias nos cafés e da
literatura e aos estudos sobre a cultura africana e afro-baiana, adotando uma postura crítica
96
CARNEIRO, Edison. Musa Capenga Poemas. Pesquisa, introdução, biografia e notas de Gilfrancisco
Santos. Aracaju: Faculdade Atlântico, 2003. No prelo.
em relação às questões sociais da cidade do Salvador, marcada fortemente por formas de
dominação herdadas das relações casa grande e senzala, como se pode ver no texto
“Lixópolis”97.
“gente de santo”, relação intensificada a partir de 1933, seguindo o caminho iniciado por
Nina Rodrigues e Artur Ramos, ao se dedicar aos estudos etnográficos. O seu interesse pela
cultura negra, especificamente pelos cultos populares de origem africana e pelo folclore,
juntamente com Guilherme Freitas Dias Gomes, outro membro da Academia dos Rebeldes,
leva-o a se interessar pela língua yorubá, com vistas a entender mais os rituais e as festas de
candomblés. Buscando compreender a religião dos povos africanos, divulga através de seus
textos as festas dos terreiros, sendo contratado pelo jornal Estado da Bahia.
Medicina e de Direito, escritores, jornalistas e pessoas que viviam o dia-a-dia dos terreiros,
como o babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim, as yalorixás Eugênia Ana dos Santos, Mãe
Aninha do Axé Opô Afonjá, e Maria da Conceição Nazaré (Mãe Meninha do Gantois), os
97
CARNEIRO, Edison. “Lixópolis”. In: O Momento. Salvador, 15 de agosto de 1931.
em agosto de 1937, alguns meses depois fechada pela ditadura Vargas. Tavares (2001, p.
Em 1936, Edison Carneiro lança o livro Religiões negras. No ano de 1939, morando
no Rio de Janeiro, comissionado pelo Museu Nacional, esse pesquisador retorna à Bahia
para recolher material dos cultos populares, vestimentas e adereços da iconografia de orixás
universidades brasileiras.
Cultura, sendo depois nomeado presidente da comissão, cargo que ocupou até 1964.
Nos anos 60, a UNESCO patrocinou o Primeiro Festival de Arte Negra, realizado
Oliveira, Clarival Valadares, Heitor dos Prazeres, Clementina de Jesus, Elizeth Cardoso,
um grupo de capoeira da Bahia, do qual fazia parte Camafeu de Oxossi, figura imortalizada
falecimento, em 1972 no Rio, vários jornais publicaram matérias destacando sua trajetória
o Sr. Benjamin Farah, o professor o Sr. Ruy Santos, dentre outros, ressaltam o papel de
Em 1907, na cidade de Salvador, nasce o contista Dias da Costa, filho de José Dias
da Costa e Arminda de Queiroz Costa, uma portuguesa, prima de Eça de Queiroz. Parte da
sua infância foi vivida em várias cidades do interior, acompanhando o pai, que procurava
um clima favorável para sua saúde debilitada. Retorna a Salvador aos 12 anos de idade,
estuda no Ginásio Ypiranga, depois transferindo-se para o antigo Colégio da Bahia, atual
98
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 4 de dez. 1972. A Tarde. Salvador, 5 dez. 1972. Gazeta de Sergipe.
Aracaju, 5 dez. 1972. Brasil Açucareiro. Rio de Janeiro, ano XL, Vol. LXXX, dez, 1972.
99
JOBIM, Danton. Diário do Congresso Nacional. Brasília, 5 dez. 1972.Seção II.
Ao se encantar com a boemia, Dias da Costa abandonou os estudos, passando a
trabalhar como revisor do jornal O Democrata, veículo que atendia aos interesses do
Partido Democrático da Bahia. Como todo jovem que trabalhava na imprensa, o contista
almejava a tão sonhada “glória” do mundo das letras, juntando-se a um grupo de jovens
Dias da Costa casa-se em 1930 com Beatriz Costa, e da união matrimonial tem três
filhas, passando a trabalhar no comércio para manter a família, mas não se afastando das
discussões e do ambiente literário. Em meados da década de 30, vai com a família para o
Rio de Janeiro, onde passa a substituir Jorge Amado na Livraria José Olympio, ampliando
Beco, obra composta de 22 narrativas curtas e uma novela, livro recebido e festejado pela
crítica e logo esgotado. Nesse período, já se mostrava arredio e desencantado com a glória
confiava na revolução, daí sua obra ser pautada no sentimento de solidariedade humana.
100
JOBIM, Danton, loc. cit.
Canção do Beco ficou na primeira edição, uma estréia que se deu aos 32 anos de
idade. Embora essa obra provoque angústia e um sentimento de tragicidade, traz uma
fundamental. A ficção de Dias da Costa, tendo como cenário a Bahia, traz tipos humanos
político.
Apesar do êxito da estréia, o segundo livro só foi publicado em 1960, Mirante dos
Aflitos, também com grande sucesso, pela Difusão Européia do Livro, fazendo parte da
coleção Novela Brasileira, dirigida por Bráulio Pedroso, com organização e prefácio de
maneiras essa data, com entrevistas de amigos, artigos e depoimentos. Meses depois, volta
Sufocado pelas pressões sociais, tal como os seus personagens, massacrados pelas
patamares mais altos de vida e dignidade, nos ideais sagrados do socialismo. Em 1960,
Dias da Costa desliga-se do Partido e se retrai cada vez mais do convívio dos amigos e
Nacional de Folclore/MEC, Rio de Janeiro, 1973. Gilfrancisco Santos (no prelo) assim o
biografa:
Modesto, simples, cordial e até afetivo, sem vaidades, e com tal
despreocupação com a glória; teve um leve desencanto literário, em razão
do que não hesitou em postar-se a margem das ocorrências, arredando-se
para dar passagem ao cortejo de néscios, o que se acentuou com a dura
necessidade de ganhar a vida no batente diário, árduo, sem
contemplações. Segundo declaração de vários amigos, era um
companheiro capaz de fazer todos os sacrifícios, desde que estes
contribuíssem para a felicidade dos entes queridos.101
Com o passar do tempo e a progressiva perda da visão e quase total cegueira, o que
dificultou seu prazer que era a leitura compulsiva, aposentou-se pela Federação Nacional
do Comércio e tornou-se uma pessoa amarga, desencantada e reclusa na sua solidão, vindo
a falecer anonimamente. A imprensa a quem Dias da Costa dedicou uma vida foi omissa
em noticiar o seu falecimento no Rio de Janeiro, no ano de 1979. O escritor deixou uma
Sosígenes Costa nasce em Belmonte, cidade da região sul da Bahia, em 1901, onde
começa seus estudos, permanecendo até 1926, ocupando a função de professor. Transfere-
se para Ilhéus, centro cultural da região sul, onde escreveu quase toda a sua obra e
do Diário da Tarde de Ilhéus, desde a sua criação em 1928, assinando uma coluna diária,
101
SANTOS, Gilfrancisco. Jorge Amado e a formação da academia dos rebeldes. No prelo. Salienta-se, nesse
estudo,que o original encontra-se disquete cedido pelo autor, por isso não há a identificação de página.
“Diário de Sósmacos”, com o pseudônimo de Príncipe Azul, permanecendo no jornal até
1929.
a sua vida, preservou a sua individualidade e privacidade, até mesmo para os amigos mais
próximos: “Manteve-se assim, ao longo do seu tempo de vida, e continuará desse mesmo
jeito, até que surja alguém, que não sei por que meios, chegue, afinal, a conseguir,
sempre com um cravo na botoeira, terno branco, gravata, admirador de Oscar Wilde e
Associação comercial, de onde só saiu aposentado. Era o responsável por fazer as atas da
diretoria e, nos horários vagos, supervisionava o trato dos jardins da sede do órgão, um
palacete imponente, que ele ornamentava com as flores dos jardins. Não se casou e nem
teve filhos. Tinha por passatempo cuidar de pássaros, ler e, à noite, tocar no piano de meia
calda da Associação Comercial. James Amado (2004, p. 215), que conviveu com esse
102
OLIVEIRA, Waldir Freitas de. Pensamento político sem vínculo. In: FONSECA, Aleilton e MATTOS,
Cyro de. ( Orgs.). O Triunfo de Sosígenes Costa: estudos, depoimentos e antologia. Ilhéus: Editus/UEFS,
2004, p.215. (Coleção Nordestina).
O poeta tem um comportamento pouco comum para um homem dos anos 20, que
vivia numa cidade de grande efervescência como Ilhéus, onde se usufruía das riquezas
geradas pelo cacau. Sosígenes Costa não freqüentava locais de festas nem de concentração
de pessoas. Discreto, fechou-se no seu mundo e nas suas imagens poéticas. Vindo pouco à
capital do Estado, fez parte da Academia dos Rebeldes, a convite de Jorge Amado, tendo
Janeiro, onde vive até 1968, quando falece. Em 1955, a convite de Amado, editor do Jornal
Paratodos, no qual Sosígenes colaborou por intermédio do mesmo, o poeta ganha uma
viagem à Europa e à Ásia. Entra aí a força das relações sociais e articulações pessoais, uma
vez que Sosígenes Costa não era filiado ao Partido Comunista. Avesso a intimidades,
Janeiro.103 Essa edição é rara, uma tiragem de 200 livros, precedida de uma pequena
biografia do autor.
que pode ser explicado pela questão da ancestralidade da cultura baiana e do Brasil, uma
vez que, como brasileiro e baiano, estava inserido numa cultura que se teceu também e,
sobretudo, a partir da herança das várias etnias africanas para cá trazidas durante a
escravidão.
103
Na nota editorial à edição comemorativa do centenário de nascimento do poeta, o presidente da Fundação
Cultural de Ilhéus, Hélio Pólvora, afirma que Sosígenes Costa “relutou a vida inteira em publicar seus
versos”. Cf. PÓLVORA, Hélio. In, Poesia completa Sosígenes Costa. Salvador: Secretaria da Cultura e
Turismo, Conselho Estadual de Cultura, 2001. P. 13.
Embora boa parte de sua produção literária tenha sido em forma clássica, como o
soneto, encantou-se também com as propostas modernistas. Compôs versos brancos, usou a
linguagem coloquial, elementos da cultura popular e, assim como Jorge Amado e Edison
Carneiro, foi sensível à cultura africana e negra, particularmente nos poemas “A Aurora em
Sosígenes Costa viveu entre Belmonte e Ilhéus, cidades do sul da Bahia que não têm
a marca tão forte da cultura negra, como na região do Recôncavo Baiano. Por duas ou três
vezes, viajava para Salvador, indo muito mais tarde morar no Rio. O poeta demonstra um
Angola e da nação Ketu. As dificuldades de informações sobre sua história pessoal levam a
indagar que livros teria lido, se freqüentou terreiro de candomblé ou teria convivido com
“gente de santo”.
Segundo Ruy Povoas (2004p. 84-85), homem que entende do “encantado”, pois é
nagô e ainda faz uso de fragmentos de cantos consagrados a entidades do panteão africano.
Outro aspecto da sua poética, de matiz modernista, diz respeito ao resgate de ditos
populares: “Quem canta seus males espanta”/ Eu faço versos/ Para espantar meus
males”.104
Maria de Fátima B. Cruz, em seu estudo sobre o poeta, considera que a poesia de
Em sua leitura interpretativa da produção desse poeta, tido como difusor da cultura de um
comparada, segundo Cid Seixas (2004, p.148), a Cobra Norato de Raul Bopp, ambas
chistoso. Talvez venha daí uma das marcas da literatura modernista, além, é claro, da busca
Ainda em relação a Iararana, continua Seixas (op. cit., p. 148): “Começa com
versos livres, soltos como menino no pasto, pula num samba, emenda por um coco, cai de
novo no samba e termina falando como a gente fala para encurtar a história e não amolar a
104
COSTA, Sosígenes., 1940, apud. Aleilton Fonseca. In: FONSECA, Aleilton e MATTOS, Cyro de. op
cit., p. 91.
[...] Iararana representa o mito cosmogônico ameríndio, de identidade
brasileira reativa aos estrangeirismos. Faceta da égide moderna, poema
de fundação das séries de origem, como os de Bopp, Cassiano, Menotti e
Jorge de Lima, mais a rapsódia de Mário, o Macunaíma, Iararana é um
documento antropofágico diferenciado em seus signos, o poema
recusando influências e domínio europeus, anulando-os e suplantando-os
(substituindo-os) no imaginário autóctone, com incorporação de gestos
populares, cantigas, folguedos e demais contribuições do folclore
regional, nacionalista. (ARAÚJO, 2004, p. 123)
Soteropolitano, Áydano Pereira do Couto Ferraz nasce em 1914 e faz seus estudos
Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade da Bahia. Ainda muito jovem, quase menino, se
integra a outros jovens que freqüentavam a boemia dos cafés e das noitadas da velha
cidade, varando as noites discutindo literatura e outras questões. Era militante ferrenho do
Partido Comunista.
publicação, Chiacchio (1932 apud SANTOS, G., no prelo), o crítico mais respeitado da
As imagens do mar estão sempre presentes na obra poética de Aydano Ferraz, como
ponto de reflexão e contemplação. O mar traz certezas e incertezas, é local de tristeza dos
que ficam na partida e lugar da alegria do reencontro, além de dar o sustento de uma leva
de trabalhadores que dependem dele para manter suas famílias. Assim, numa espécie de
aquarela, com seus vários matizes, Áydano vai construindo, como um pintor, suas
paisagens marinhas. O mar vai ser mais uma vez recorrente na obra do poeta e jornalista em
1935, quando publica Cânticos do Mar, com imagens marinhas para (re)construir um
panorama da realidade.
ocupando vários cargos, inclusive o de editor d’O Jornal, durante a Segunda Guerra
comunista, ocupa vários cargos públicos na esfera federal, não se sabe se por concurso
público ou por relações de amizade. No início dos anos 40, Ferraz foi técnico em assuntos
educacionais e em comunicação social, ambos do MEC. Ainda no Rio, foi editor de duas
autor, que se encontrava dispersa, Áydano Ferraz trabalhou em quase todas as revistas e
com Edison Carneiro e o Babalaô Martiniano Bonfim, assinado o prefácio do livro O negro
no Brasil,105 resultado dos anais desse congresso, coletânea em que publica o texto “Castro
1984, lança Os poemas perdidos e seu reencontro, livro no qual reúne poemas ainda feitos
na Bahia do final dos anos 30 e outros, no Rio de Janeiro, datados de 1938, e poemas feitos
aos homens, à justiça e à liberdade. Seu último livro, A luta do símbolo, é de 1985, quando
veio a falecer.
105
Livro publicado pela Civilização Brasileira, em 1940.
3.7 José Severiano da Costa Andrade, da rebeldia à ala da direita
junto à sua mãe, viúva no sexto mês de gravidez, na fazenda dos avós maternos. Aos 18
Faculdade de Direito. Em Salvador, como era costume na época, Da Costa Andrade, como
também era conhecido, passa a freqüentar os cafés e participar das tertúlias literárias,
período em que conhece Pinheiro Viegas, Edison Carneiro, Dias da Costa, João Cordeiro e
Jorge Amado. Foi um dos editores da Revista Meridiano, assinando duas colunas.
Da Costa Andrade era um intelectual respeitado, além de ter sido um dos líderes
quando o grupo se formava, o que levou Jorge Amado a construir o personagem Ricardo
Braz, de País do Carnaval, inspirando-se nele e dedicar-lhe o livro Cacau. Retorna ao seu
estado natal no final de 1929, mas contribui com as discussões do grupo liderado por
Viegas, ajudando a formar a Academia dos Rebeldes. Em 1936, casa-se com Anayde
Mendes.
Das relações de amizade e do casamento, galgou vários cargos no seu estado de origem, o
que lhe deu prestígio e reconhecimento: foi promotor público da Comarca de Floriano/PI,
além de ter fundado duas entidades culturais do Piauí: Cenáculo Piauiense de Letras (1927-
1932), onde ocupou a cadeira nº 1, cujo periódico, A Revista, ajudou a fundar e foi sócio
cultural, uma espécie de Jorge Amado do Piauí, apoiando aqueles que almejavam uma
que vai aumentar ainda mais seu prestígio político e seu capital de relações sociais. Eleito
municípios, o que acarretava uma gratidão dos políticos. Em 1958, com o senador José de
Posteriormente, transfere-se com a família para a capital federal, onde foi chefe do gabinete
Baiano de Ipirá, criado no município de Baixa Grande, José Alves Ribeiro nasce em
1909, vindo a falecer em 1978. Era filho de um vaqueiro que, ao ficar desempregado em
1912, parte para o município vizinho de Baixa Grande, onde tinha adquirido um sítio nas
pecuarista. Como muitas crianças da zona rural nordestina, Alves Ribeiro aprendeu a ler
sem freqüentar escola e trabalhou na lavoura com os irmãos, plantando e colhendo. À luz
de candeeiro, lia tudo que lhe caía às mãos. Para os trabalhadores da casa de farinha, lê a
história de Carlos Magno e os Doze Pares de França. Só muito mais tarde foi estudar
Data de 1920 sua primeira viagem à capital do Estado, quando seus pais o
trouxeram para estudar, morando na casa do seu padrinho de batismo, vindo a concluir o
ensino primário no Colégio Pedro II. Inicia seu curso ginasial na Escola Carneiro Ribeiro,
padrinho, pôde usufruir de muitos livros, o que foi fundamental para seu percurso
intelectual. Começa sua carreira literária com as primeiras publicações na imprensa carioca,
versos de inspiração simbolista, que comporiam dois volumes: Nirvana e Noivo da Morte.
e revistas.
Nos anos 20, Alves Ribeiro vive uma agitada vida cultural. Talvez por sua origem
Samba, escrevendo o manifesto. Depois, passa a se reunir com os jovens da Academia dos
assinados, são de sua autoria, conforme Amado (1976 p. 04), amigo e companheiro:
Com o fim da Academia dos Rebeldes, cada um procurou seu rumo e passou a
desenvolver atividades para prover o sustento. Durante algum tempo, Ribeiro se afasta da
presidência.
Em meados dos anos 70, publica dois livros de maneira bastante simples, sem
qualquer menção à sua trajetória literária, para distribuir entre os amigos: Sonetos de
maldizer e Sonetos de bendizer. Em relação a esses livros, Amado (op. cit.,, p. 04) se
pronuncia: “são sonetos de amor da mais alta qualidade, de uma perfeição, de um oficio
Enquanto Viegas era tido como o grande líder espiritual, uma espécie de guru dos
rebeldes, Alves Ribeiro abria novos caminhos para os companheiros, tornando-se também
um grande líder do grupo, por saber agregar as pessoas. Poeta, cronista e ensaísta, deu sua
Bahia, Diário da Bahia, A Bahia, Diário da Tarde (Ilhéus), Flama, A Noite. No Rio de
Época.
Amorim veio para Salvador fazer o curso ginasial. No entanto, não conseguiu viver na
capital, pois sentia falta dos vícios do Recôncavo baiano: dedicar-se ao jogo do bicho, à
briga de galo e às apostas, como também desmanchar-se nos sambas, cocos e chulas. Era
apaixonado pelas andanças interioranas, homem sem amarras, de espírito nômade e farrista.
Segundo Gilfrancisco Santos (no prelo), esse espírito meio moleque, meio Exu e Erê,
contagiava esse rebelde, o que não lhe deixou tempo para frustrações e angústias:
Olympio em 1934, Clóvis Gonçalves Amorim era uma das mais destacadas e brilhantes
figuras dos círculos intelectuais da Bahia. Não tendo muito tino para os negócios, montou
em Salvador, foi homenageado pelo poeta modernista baiano Godofredo Filho (1904-
1992), que leu um texto intitulado: “Adeus a Clóvis Amorim: Estou certo de que, quando se
escrever, amanhã, a verdadeira história literária da Bahia, a figura de Clóvis Amorim como
poeta satírico avultará, tal seu físico se agigantava em vida, sobre a planície cinzenta em
impediram que fosse um colaborador de diversos periódicos, com uma vasta obra composta
por epigramas, poesia e ensaios teóricos, tendo colaborado em A Luva, O Momento, Diário
da Tarde, de Ilhéus; Etc, O Jornal, Boletim de Ariel, dentre outros. Como publicou muitos
epigramas, fica clara a influência do companheiro Pinheiro Viegas. Também tratou em sua
no livro O negro no Brasil (1940), organizado por Edison Carneiro, confirmando, assim,
ambas regionais. No primeiro romance, publicado no início dos anos 30, seus personagens
106
FILHO, Godofredo, 1970 apud. SANTOS, Gilfrancisco, op. cit. No prelo. O texto citado é uma oração
proferida por Godofredo Filho no cemitério do Campo Santo, em 18 de agosto de 1970, publicado na Revista
da Academia n. 24. Salvador, 1975/1976. p. 57 a 59
Amerco, Pequenita, João de Sabina, Bertoso, são tipos do interior, que falam a língua do
homem da zona rural, do matuto ou ribeirinha, um romance que contribui para o estudo do
das tradicionais oligarquias, os efeitos da crise econômica mundial, bem como os choques
Brasis, o regionalismo ganha uma importância até então não alcançada na literatura
O ano de 1930, por sua vez, marca um amadurecimento artístico e literário, em que
exigir uma reflexão. Segundo Bosi (op. cit.,, p.432), a consciência crítica dos escritores
dessa geração estava apoiada na seguinte idéia: “que o peso da tradição não se remove com
fórmulas mais ou menos anárquicas nem com regressões literárias ao inconsciente, mas
pela vivência sofrida e lúcida das tensões que compõem o grupo em que se vive”. Destaque
engenhos baianos e, mais tarde, da produção de fumo. Quando do lançamento desse livro, a
crítica reconheceu Clóvis Amorim como grande revelação das letras, por romper com o
cânone, inovar na linguagem e na estruturação das falas dos personagens. Faz emergir a
língua falada pelas camadas populares, numa fase de afirmação de valores culturais de uma
gente que, até então, tinha ficado à margem. Em relação à publicação de O Alambique, João
Cordeiro (1934, apud SANTOS G, no prelo), também da Academia dos Rebeldes, afirma o
seguinte:
sofrimento e alegria, com amor e ódio, de negros e brancos. Segundo Gilfrancisco Santos
Água Branca, hoje, bairro de Itabuna. Desde muito cedo, revela seu gosto pelos livros e,
com o estímulo do pai, declama poemas de autores brasileiros. Aos sete anos, sabia ler e
escrever, indo mais tarde ingressar no Colégio Cabral, tendo que abandoná-lo para trabalhar
no comércio. Trabalhou na Livraria Colombo, onde tinha contato direto com os livros,
Como era desejo do seu pai formá-lo em Medicina, José Bastos vem para Salvador a
fim de continuar os estudos, fazendo o curso secundário no Ginásio Ypiranga – onde mais
tarde ocupou a cadeira de professor primário – mas, por falta de recursos, abandona os
estudos, retornando a Itabuna em 1927. O tempo em que viveu na capital se envolveu nas
reuniões dos bares e cafés, em discussões literárias, deixando-se seduzir pelo jornalismo.
opostos.
Com seu retorno para Itabuna, conseguiu aglutinar os jovens grapiúnas idealistas e
ávidos por mudanças e transformações, com os quais travou intensos debates sobre vários
Foi através dos fundadores d’O Gavião, Eliezer Melgaço e Aloysio da Matta
Aguiar, que José Bastos lançou seu primeiro livro, Horas líricas, publicação cercada de
grande expectativa pelo autor, que apostava em sua inserção no panorama das letras, nos
frustração. Mas em 1933, quando realiza uma série de conferências sobre os problemas
com entusiasmo.
O sentimento de frustração por não ter alcançado a glória nem ter uma carreira
reconhecida leva-o a mergulhar no sofrimento, sobretudo com a morte de sua mãe em 1934.
Com a saúde bastante abalada pela tuberculose contraída, José Bastos passa a viver num
Desesperado, queima seus originais em prosa e verso, dos quais se ocupara durante toda
à sua terra natal e ao convívio familiar. Após quase oito dias de viagem marítima, chega à
sua terra, onde falece em 1937. José Bastos foi colaborador em Meridiano e O Momento,
tendo contribuindo também nos periódicos A Luva e Diário da Tarde, esse último em
Ilhéus.
Cordeiro, João Cordeiro nasce em 1905, numa família de cinco filhos. Residia à Rua Nova
de São Bento, 60, próxima à Avenida Sete de Setembro, hoje centro da cidade, o que leva a
deduzir que era de família de classe média. Faleceu também aqui em Salvador,
vários periódicos: O Jornal, Etc., O Momento, Boletim de Ariel, dentre outros. Seu romance
Corja, de 1934, que na época iria se chamar “Boca Suja”, foi recebido como grande
afirmando seu talento. Nessa narrativa, sem preconceitos sociais, tem-se uma história ágil,
livre, sem o rigor da norma gramatical, construído a partir da fala coloquial, das ruas,
enfim, da cultura oral. Em relação a Corja, coloca Grieco ( 1934 apud SANTOS, G., no
prelo):
Campo Grande, uma mulher do povo se contorcia em dor, num trabalho de parto
Um tipo boêmio meio maluco, meio cínico e sentimental, Policarpo foi uma criança
danada, cheia de maldades inocentes e atrevimento, perde o pai ainda pequeno, ficando a
mãe na mais absoluta pobreza. Na escola em que estuda, é expulso e internado como aluno
bolsista no Liceu, onde aprende tipografia e sofre todo tipo de humilhação, até que foge
Policarpo passa a estudar na escola do Prof. Posidônio Coelho, onde nosso herói
abandona os antigos amigos, divertimentos, buscando conforto nos livros, mas, por
Carangugi. Com dinheiro no bolso, julgando-se feliz, aventura em farras e bebedeiras com
a amante, o que o leva a perder o emprego. Parte para o Rio de Janeiro, onde se envolve
Corja termina com Policarpo (representado como mal educado, pornográfico) regenerado,
casado, feliz e com saudade da sua vida de boêmio. Segundo Edison Carneiro (1934 apud
Como quase todos os rebeldes, João Cordeiro dramatizou as histórias das camadas
populares, daqueles que são explorados pelo capitalismo, o que demonstra um engajamento
Baiano de Salvador, nasce em 1915 Raulino Walter da Silveira, filho de dona Elvira
causas em favor dos oprimidos, favelados e operários. Foi professor, crítico, ensaísta,
pesquisador, cineclubista e grande teórico do cinema. Aos 20 anos, produz seu primeiro
sentido da arte de Chaplin”, no qual faz uma reflexão sobre o filme “Tempos Modernos”.
dos Rebeldes.
militante, sem sectarismo em matéria de arte. Walter da Silveira tornou o Clube do Cinema
da Bahia uma das mais fecundas instituições culturais do estado. Deve-se a ele também a
jovens se reuniam para as tertúlias, sempre após o jantar, e, para alguns, até o horário do
último bonde. Para os mais afeitos à bebida e aos “castelos”, até o horário de circular o
primeiro bonde. Assim se manifestou Clarival do Prado Valadares (apud SANTOS, G., no
arte. Durante muitos anos, fazia toda a programação das sessões matinais dos filmes que
seriam exibidos aos sábados no Cine Guarany, que passou a ser Glauber Rocha, hoje
política da Bahia e foi deputado estadual em 1959 e também vereador. Em relação à sua
Com sua postura de professor e sempre vestido de terno, antes da exibição de cada
sessão, costumava fazer uma explanação explicativa sobre o filme a ser exibido. Nos
Galgou uma carreira de sucesso e foi reconhecido fora dos limites da Bahia e do
Sindicato dos Bancários da Bahia, já sob intervenção, começa a entrar num processo
depressivo. Como alguns rebeldes, foi imortal da Academia de Letras da Bahia, eleito em
Guilherme Freitas Dias Gomes tem seu registro de nascimento na Comarca de Natal
– RN, datado de 19 de fevereiro de 1912, filho de Maurílio Freire Pereira e Alair Freitas
Gomes. Ainda criança, vai para Salvador com a família e se matricula, em 1924, no Ginásio
da Bahia, a fim de concluir os estudos secundários, onde permanece até 1927, quando
Jovem, freqüentou os bares, cafés, castelos, a Baixa dos Sapateiros, Mercado das
Sete Portas, os lugares do povo, enfim, com os demais “rebeldes”, para comentar os fatos
respeitado, que falava várias línguas. Apesar da boemia, era um estudioso, e esse
aprendizado lhe fora incutido pelo pai, que era muito severo e o obrigou a estudar em
colégio alemão, uma das línguas por ele cursada no Secundário. Para o amigo e
companheiro Edison Carneiro, “era um dos poucos brasileiros que na época, aprendera
alemão na Bahia. Sabia francês, inglês, espanhol, italiano e até se aventurou a estudar
japonês e árabe. Com ele iniciei um curso de nagô com Martiniano do Bonfim”.107
Guilherme Dias Gomes teve uma formação cultural e intelectual das mais sólidas,
de classe alta. Era o irmão mais velho do teatrólogo baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes
família um “ar de nobreza decadente, arruinada”,108 pois havia entre seus familiares
Caravelas (José Joaquim Carneiro de Campos), primo em terceiro grau. Em 1943, falece de
médico no Exército e, por isso, fixou residência no Rio. Em relação ao romance inédito,
assim comentou Edison Carneiro (1935, apud SANTOS, G., op. cit., no prelo):
107
CARNEIRO, Edison, 1935,. apud. SANTOS, Gilfrancisco SANTOS, op. cit..No prelo.
108
GOMES, Dias, apud SANTOS, Gilfrancisco, op. cit. . No prelo.
109
Cópia datiloscrita cedida pelo dramaturgo Dias Gomes, irmão de Guilherme Dias Gomes, bem como uma
cópia com Ângelo Barroso Costa Soares, cedida por Célia Beck Dias Gomes, residente no Rio de Janeiro,
filha de Guilherme Dias Gomes.
tipos criados pelos antagonismos das classes sociais, - a cafetina, o
coronel, a prostituta, o traidor do socialismo, o ladrão, o propagandista, o
rebelde. São cenas pegadas ao vivo, com a marca registrada dos fatos
diários. E, dominando tudo, estar o Mercado Modelo, casarão infecto
onde a gente mais heteróclita do mundo se acotovela na luta pela vida,
vendendo, xingando, suando e alimentando o mesmo ódio sagrado pela
classe exploradora.
muitos grupos que emergem com o intuito de mudar, de romper, não devendo, portanto, ser
tomada como surpresa a sua implosão ou dispersão. Apesar dos interesses que uniram os
Momento, criados pelo grupo da Academia dos Rebeldes, faz-se necessário situar em que
impressa, esse tipo de periódico cumpriu o papel de informar os leitores das camadas
médias urbanas da Bahia, bem como mantê-los atualizados acerca do que era produzido por
um grupo de jovens, que passa a ser conhecido como Academia dos Rebeldes.
acordo com Ana Lúcia Martins (2005, p. 248), apoiada em Afonso A. de Freitas, a
popularização desse gênero, ainda em vigor, tem sua explicação “a partir da especial
historicidade do Brasil, marcada pela introdução tardia da imprensa, severa censura, ordem
A popularização das revistas pode ser atribuída ainda à sua fácil impressão e ao
baixo custo da publicação em relação ao livro, com a vantagem de tratar de vários assuntos
numa mesma edição, a exemplo de O Momento, uma revista de variedades, com ilustrações
em preto e branco e colorida, o que dá uma feição lúdica a esse periódico. Conforme Ana
autora. Nos países de forte tradição de leitura, como Inglaterra, França, Itália e Alemanha,
esse veículo já era festejado desde o século XVII. No Brasil, a partir do século XIX, passa a
ser quase que exclusivamente voltado para a literatura, que apresentava um grande
letrados que publicavam nessas revistas eram oriundos da Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco em São Paulo e da Faculdade de Direito de Olinda, nas quais buscavam dar
visibilidade aos seus escritos. A partir do século XX, vão ter destaque as chamadas revistas
de variedades.
questão comercial estará presente. Martins (op. cit., p. 248- 249) destaca a opinião de Lima
Não é sem temor que me vejo à frente desta publicação. Embora não se
trate do Jornal do Comércio, nem da Gazeta de Pequim, sei, graças a um
tirocínio prolongado em revistas efêmeras e obscuras, que imenso
esforço demanda a sua manutenção e que futuro lhe está reservado. Sei
também o quanto lhe é desfavorável o público [...]. Faltam-lhe nomes,
grandes nomes, desses que enchem o céu e a terra [...]; faltam-lhe
desenhos, fotogravuras, retumbantes páginas a cores com “chapadas” de
vermelho-matéria tão do gosto da inteligência econômica do leitor
habitual; e, sobretudo, o que lhe há de faltar, será um diretor capaz,
ultracapaz, maneiroso, dispondo de simpatia do jornal todo poderoso, e
sábio nas sete ciências da Rua Benjamim Constant e em todas as artes
estéticas e técnicas. (BARRETO, Lima, 1954 apud MARTINS, Ana
Luiza, op. cit., p. 250).
perspectiva editorial, e de anunciantes, bem como de nomes de peso no mercado das letras.
Tudo isso, coloca Ana Luíza Martins, atrai um público leitor e facilita o encontro de
anunciantes que, por sua vez, gera receita e, conseqüentemente, garante a circulação do
periódico.
Muitas dessas revistas tinham vida efêmera exatamente por não se poder bancar a
sua edição por uma pessoa ou um grupo de pessoas, como foi o caso da Revista Meridiano,
que teve apenas um número, apesar das propagandas. Também Arco & Flexa e Samba
desenvolvimento da imprensa local, o que possibilita que esses periódicos tragam textos
que reflitam sobre a vida cultural do país, bem como sobre os grupos políticos, sociais e
literários. Segundo Ana Luíza Martins, como esse tipo de publicação não dispunha de um
público leitor segmentado, sua característica vai ser a diversificação de assuntos, vindo a
ferrovias, por sua vez, vai facilitar a circulação dessas revistas por várias cidades do país.
Começa assim a se consolidar o gênero revista no Brasil, quando não havia uma
política de edição de livros. Monteiro Lobato adquire a Revista do Brasil, entre os anos de
1917 e 1918, dando-lhe uma conotação comercial e empresarial arrojada e até mesmo
agressiva no marketing, tornando-se avançado para a época, o que torna esse escritor um
precursor do mercado editorial no país. Segundo a autora, com a entrada do rádio nos anos
20, as revistas passam por um período de retraimento. Apoiando-se em José Geraldo Vinci
É importante ressaltar que, além dos fatores materiais que garantem a qualidade
tipográfica, como a modernização do design, tipo de papel, fotografias, não se pode ignorar
que tais revistas, na maioria das vezes, são projetos coletivos e veículos de fermentação
intelectual:
Na organização dessas revistas, eram produzidas matérias de cunho literário, político e cultural, divulgadas através de
diferentes seções, atendendo, assim, às expectativas do público-alvo, ao mesmo tempo em que se disseminavam um modo de ser e
um modo de pensar as questões tratadas.
mercado de livros no Brasil, liderado por imigrantes, num momento marcado pela crise de
livros importados111.
circular suas produções literárias. Nesse processo, alguns editores criam oficinas gráficas
que eles importavam, continua Miceli. O semanário O Cruzeiro, por exemplo, surgiu em
1928, dentro, segundo Civita, do “padrão dominante na época: os magazines, termo cuja
A segmentação das revistas só vai ocorrer, ainda com Civita, mais tarde, com a
magazines trazem uma gama variada de informações, com o intuito de alcançar um público
110
Ver LUCA, Tânia Regina de. Periodismo cultural: A trajetória da Revista do Brasil. In: ABREU, Márcia
e SCHAPOCHNIK, Nelson. (Orgs.). op. cit., p. 296.
111
Cf. MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). In: MICELI, Sérgio.
Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 147.
112
CIVITA apud FIGUEREDO, Anna Cristina C., Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada:
publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Hucitec, 1998.
P. 23.
113
CIVITA, ibid.
tipo revista que se propunham a divulgar literatura e cultura, a exemplo dos que foram
publicitários e assinaturas. Assim, das reuniões do Café das Meninas e do Bar e Bilhar
Brunswick, vem a proposta de criar um periódico que divulgasse as idéias dos jovens
intelectuais que integravam a Academia dos Rebeldes. A princípio, foi criada a revista
ao inibir a inovação estética, e a Arco & Flexa, seu conservadorismo, ao se prender ainda
114
SOARES, Ângelo Barroso Costa. Um Rebelde na Academia. 2004. Comunicação apresentada no VII
Congresso Nacional de Estudos Lingüísticos e Literários. Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de
Santana, 2004.
vencer. Obra de regeneração moral e intelectual. Espírito moderno.
Dinamismo. Século vinte. (...) Literatura com motivos brasileiros,
mas de interesse universal.115
colaboradores ao reivindicarem uma literatura “com motivos brasileiros”, mas que alcance
imperativo das mudanças: “Condena os regionalistas em geral, que querem reduzir a nossa
115
MERIDIANO. Salvador, setembro de 1929.
116
Itinerário. Artigo-manifesto In: Meridiano. Salçvador, 1929.
literatura a uma fuzarca de violeiros e caipiras. Literatura com motivos brasileiros, mas de
interesse universal”. Desse modo, a cor local – expressa na “fuzarca de violeiros e caipiras”
“um ideal nacional”, entendido por Renato Ortiz como uma meta coletiva. No Brasil do
reformas urbanas, deixando para trás o passado, representado como sendo o “atraso”117.
Europa. Para tanto, as reformas urbanas das principais capitais do País fizeram a sua parte.
implementada por J. J. Seabra não foi suficiente para o surgimento de uma modernização
cultural.
Jorge Amado, que também veio a ter experiência como redator-chefe da revista Rio
Magazine no Rio de Janeiro. Em seu projeto gráfico, a revista apresenta um formato 33cm
de comprimento e 16cm de largura, tendo a mancha escrita 18 cm por 11,5 cm. As páginas
não são enumeradas tipograficamente, e esse periódico tem 16 folhas recto e verso, sendo
quatro recto e verso com textos publicitários, além da capa e contracapa. Nesta última, a
117
Cf. Renato ORTIZ, A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
Na capa, vem centralizado na parte superior o nome da revista em caixa alta, em
letras grandes e em negrito. Abaixo, duas linhas retas paralelas, na horizontal, onde aparece
a série, o mês, o ano e o número da edição. Logo abaixo, aparece a palavra “publica” em
caixa alta, negritado, em fonte menor que o nome do periódico, também centralizada. No
Abaixo, o nome dos colaboradores e, na frente dos seus nomes, o título da matéria
de cada um, ou os títulos das colunas, ou até mesmo o título dos poemas ou crônicas, sendo
um nome abaixo do outro, justificado na margem esquerda da mancha escrita. São eles:
centralizada, em negrito, só com a primeira letra em maiúsculo. Logo abaixo, na parte bem
cifrão). Por fim, vem uma linha reta, em negrito, no sentido horizontal, com espessura mais
larga que as da margem superior. É uma capa simples, sem fotografia, de cor esverdeada.
118
Foram mantidas a ordem e a grafia como aparecem na capa da revista.
números atrasados, do preço da assinatura, além do endereço da redação, o da gráfica, à
Rua Cruzeiro de São Francisco, 16, o preço de anúncios e a observação na parte inferior:
nacionais e estrangeiras”.119
Na primeira folha, no recto, em letras garrafais, mais uma vez o nome da revista e o
uma da outra por asteriscos (ver anexo). Chama atenção a contracapa, que traz um
retângulo com o nome e o endereço da tipografia onde foi impressa e encadernada e as suas
propagandas.
um estudo específico devido às suas peculiaridades. Como não é o objetivo deste trabalho,
importa aqui um parêntesis para o entendimento da proliferação desses textos nas revistas
um público que ainda traz hábitos arraigados na tradição. Numa sociedade marcadamente
119
Meridiano. Salvador, setembro de 1929.
120
ORTIZ, Renato, Mundialização e cultura. São Paulo : Brasiliense, 1993. p. 120.
121
Idem, p. 118.
valores que não condizem com o processo de modernização, o que requer mudanças de
ordem cultural.
conseqüências para os indivíduos das grandes cidades. Segundo Ortiz (1993), os laços de
Em vista disso, a ética do consumo não advém apenas das necessidades econômicas,
Há um choque de valores, coloca Ortiz, para os indivíduos dessa nova cidade, que
vêem seus hábitos deslocados frente à dinâmica da vida moderna, que leva à perda da
coesão social. Ocorre, então, que a resistência de um público que vê nos produtos um valor
de uso deve ser eliminada, quando entram os publicitários, cumprindo “o papel de elaborar
publicidade se impõe agora, através de veículos como as revistas, uma mídia de grande
consumo à época, que se torna um escoadouro para comercializar produtos, bem como
textuais diferentes, e isso não se constitui conflito, até mesmo porque esses periódicos
122
Idem, p. 119.
123
Idem, p. 120.
dependem de contribuição de anunciantes para serem produzidos, ampliando também, com
não havia um público segmentado, por isso, Meridiano traz artigos, resenhas, fotografias,
extintores; Alfaiataria Pinto, o advogado Dr. Gileno Amado, com escritório na cidade de
Ilhéus e, por fim, uma outra chamada do atelier de moda masculina. No verso, aparecem
pelos membros da Academia dos Rebeldes; a segunda, do advogado João Amado da cidade
verso, uma casa de ferragens, em Ilhéus, um anúncio do pediatra Dr. Hosannah de Oliveira,
comercial da região sul da Bahia. Daí, as freqüentes referências, nas revistas, a casas
Lembre-se aqui que, nessa época, Sosígenes Costa morava em Ilhéus, e Jorge Amado
mantinha ainda uma forte ligação com a região cacaueira, onde residiam familiares e
amigos.
revista.
fazendeiros e comerciantes prósperos, bem como por estabelecimentos cujos donos são
ensino. Apesar de ser uma revista de vanguarda e de cultura, tendo alguns colaboradores de
divulgação de ideais.
Rebeldes, éramos pobres como Jó, exercíamos nossa prosa e nossa poesia em qualquer
gazeta que nos desse guarida: O Jornal, órgão da Aliança Liberal, as revistas A Luva e
Etc.”.124 À margem do discurso oficial, Meridiano é uma publicação que permanece fora do
econômico para se sustentar, daí que era inevitável recorrer à publicidade comercial.
pintora modernista Tarsila do Amaral, com sua arte antropofágica. Na seção, está transcrita
uma matéria elogiosa, sem assinatura, que se intitula “Uma singular expressão de arte
de Tarsila do Amaral, realisada em julho deste ano, no Rio, transcrevemos aqui o que disse
a Critica”.
Pinheiro Viegas, à época já com mais de setenta anos de idade quando fundou a
Academia dos Rebeldes, publica na coluna “N. B.” de Meridiano alguns epigramas,
expondo sua veia satírica: “Você é modernista? Eu, em termos o sou, porque me prezo de
ser o maior actualista deste mundo e do outro. O passadismo é para fanáticos de todos os
idolos defuntos”.
sublinha o hibridismo cultural que emerge com a arte nova: “A poesia é immortal. Mas o
verso está morto. Os pretos estão fazendo agora versos brancos. E o fado enfadonho de
Portugal na língua bunda da África”. A cultura portuguesa, representada pelo fado, num
culto ao passadismo, vê-se agora contagiada pelos sons que vêm da África.
arte: “O Brasil precisa de fazer, nos jornaes, o seguinte annuncio: Precisa-se de um homem
124
AMADO, Jorge 1981 apud COSTA, Sosígenes. Crônicas & Poemas recolhidos. Pesquisa, introduções,
notas e bibliografia de Gilfrancisco Santos. Salvador: Fundação Cultural de Ilhéus, 2001.
nacionalismo, cultuado pela poesia de linhagem verde-amarelo: “Não leio mais as obras
medíocres de autores medíocres. O verde e o amarello são as côres mais odiosas do mais
Alves Ribeiro comparece, por sua vez, nessa mesma página, com um texto poético,
POEMA INSTANTÂNEO
Uma pieguice...
Um rodopio...
Uma piruêta...
Uma negaça...
Uma negaça...
Uma pieguice...
Uma piruêta...
Um rodopio...
Charles Baudelaire por mostrar-se atento à multidão da cidade. Contudo, difere do poeta
francês entediado, ao se apresentar encantado com o espaço da rua, com a multidão que
O “Poema instantâneo” canta essa rua boêmia, centro da moda e da “ronda dos
modernização. Com uma dicção que marca a poesia dos modernos, o poeta privilegia os
versos curtos, alguns, livres na página em branco, tal qual a “dama” que passa, com sua
leveza, soltando o corpo, fazendo graça e provocando a multidão. O poeta exalta as pernas
da senhorita, com seu “passinho fino” e original, que ensaia, à semelhança de um “arco de
Academia dos Rebeldes foi O Momento, de vida mais longa em relação a Arco & Flexa,
Meridiano e Samba. Foram publicados nove números, e esse periódico se mostrou também
mais fértil e politizado. Afinal, já tinha acontecido a Revolução de 30. Também não era
comercial excessiva.
pertencia a uma abastada e poderosa família baiana, tendo como redator-chefe Alves
Ribeiro. O primeiro número circulou em julho de 1931 e a última, em julho de 1932, sendo
editadas com certa regularidade na Gráfica Popular, e sua redação ficava localizada à Rua
a mancha escrita de 24 cm por 17,5. É uma revista bastante colorida e com muitas
atrair o público leitor. Suas páginas não são enumeradas tipograficamente, tendo em média
entre vinte e vinte e seis folhas, recto e verso, com papel de qualidade.
A foto da capa de O Momento traz “uma vista da nossa majestosa torre do Elevador
Lacerda, a mais arrojada construção da época, e uma das primeiras do Brasil, obra da
Companhia Linha Circular, feita por operários brasileiros, sob a direção de técnicos os mais
ser modernista”, pois, para os rebeldes, o termo modernista estava associado à iconoclastia
dos paulistas de 22. Além disso, consideravam que esses modernistas usavam uma
linguagem artificial e uma língua inventada, distante das camadas populares. Explica-se
Jorge Amado: “[...] Quer dizer, vivemos o espírito do Modernismo – mas tínhamos uma
certa desconfiança desse movimento, aquela coisa de paulista, de língua inventada. Os
rebelde dos confrades, por expor o inconformismo do grupo em relação aos desmandos dos
periódico rompe com a atmosfera literária que se respirava na Bahia, a “Mulata Velha”, a
125
AMADO, Jorge (1981) apud. SANTANA, Valdomiro. Literatura Baiana 1920 – 1980. Rio de Janeiro:
Philobiblion, 1986. p. 15.
126
Na coluna Baianadas, da revista O Momento, nº VI, adjetivos utilizados por João Cordeiro para se referir a
Salvador.
Precisamos de literatos, sim, para angariar anúncios e assinaturas,
com 20 por cento de comissão. Precisamos de literatos, é certo,
para trabalhos internos em nossas oficinas. Precisamos de literatos
ainda (e que sejam de todo analfabetos), mas para catar cafuné na
cabeça da avó do contínuo da nossa redação.
E é só. Colaboração de semelhantes intelectuais de café e poeta de
porta de livraria, nem como matéria paga.
Decididamente.127
elogio... mútuo”. A revista se coloca como uma empresa que prima pelos princípios que
regem uma atividade profissional séria, por isso, evita o compadrio e os apadrinhamentos
A advertência quanto aos colaboradores talvez se justifique como uma crítica a Arco
& Flexa, uma revista marcada pela heterogeneidade dos colaboradores, qual seja,
afirmar que na Bahia dessa época “todo mundo é intelectual”.128 Assim como Samba, Arco
& Flexa é considerada extremamente retrógrada, aquém do pensado para ser porta-voz do
Modernismo.
Não se deve ignorar que, a despeito desses cuidados, muitos grupos terminam por
formar as chamadas “igrejinhas” ou “panelinhas”, para as quais entram aqueles que caem
na simpatia dos confrades. Acrescente-se que tais grupos dependem de uma rede de
127
O Momento. Salvador: Gráfica Popular LTDA, nº I, 1931.
128
Cf. AMADO, Jorge. O país do Carnaval. São Paulo: Martins, 1974. p. 26.
relações, o que, segundo Micelli (1996), caracteriza o funcionamento do campo artístico e
literário no Brasil129.
elogiosos sobre livros de seus colaboradores, particularmente dos que são da Academia dos
Rebeldes. Não se deve deixar aqui de ressaltar o mérito de O país do carnaval. Aclamado
restando aos autores recorrer a amigos e confrades, por sua influência junto a diretores e
colaboradores da revista. Jorge Amado, inclusive, quando se muda para o Rio de Janeiro no
início dos anos 30, leva uma carta de recomendação de Pinheiro Viegas a Agripino
Griecco, na qual Viegas apresenta o jovem rebelde.130 A sua chegada ao Rio é lembrada
ainda pelo escritor em sua conversa com Raillard (op. cit., p. 51):
Em relação a essa questão, é interessante destacar aqui, mais uma vez, o estudo de
Márcia Rios sobre a recepção de público de Jorge Amado. Nele, a autora parte de uma
129
MICELLI, Sergio. Imagens negociadas – Retratos da elite brasileira (1920–1940). São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
130
Jorge Amado. Entrevista concedida a Valdomiro Santana, publicada no livro Literatura Baiana (1920-
1980). Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1986. p.16. Informa o escritor:
“Quando fui para o Rio, levei uma carta do Viegas para o Agripino Grieco, que me deu muita força na época
em que publiquei meu primeiro livro, O país do carnaval, em 1931.”
análise das cartas de leitores e fãs endereçadas ao romancista, a fim de entender o seu papel
artistas plásticos, nos anos 70 e 80, da Bahia e do Brasil, os quais solicitam do romancista
De acordo com Márcia Rios, por se darem conta das dificuldades de entrada no
mètier, dado o déficit de capital de relações sociais, esses jovens missivistas recorrem ao
escritor baiano, pelo prestígio conquistado. Nas cartas, há pedidos de novos escritores para
que Jorge Amado leia seus originais e interceda junto aos editores. É destacado também
neste estudo que Jorge Amado recebeu muitas cartas de postulantes à Academia Brasileira
Os novos artistas plásticos, por sua vez, continua a autora, lhe solicitam que prefacie
catálogos de exposições, enviam-lhe convites para vernissage, como pedem que sejam
131
Cf. Márcia Rios da Silva, op. cit. p. 137 .
amizade de Amado com artistas plásticos já reconhecidos à época, não só na Bahia como
contou. Alguns, da capital, que não pertenciam ao grupo dos Rebeldes. Teve ainda a
colaboração de Sosígenes Costa, que pouco ia a Salvador. Contava também com poetas e
intelectuais do país, como Augusto Frederico Schmidt, que publicou e prefaciou O país do
carnaval, Octávio de Farias, Menotti Del Picchia, dentre outros. Da Bahia, colaboraram
Edison Carneiro, Dias da Costa, João Cordeiro, Souza Amorim, Da Costa Andrade, Jorge
Amado, Oscar Pinheiro, Octávio Moura, Antônio Maron, Vanderley dos Reis, Alfredo
Graúna, Pacífico Armando Guerra, Egberto Aguiar, Sosígenes Costa, José Bastos e
Costa, no qual o autor inicia interrogando o seguinte: “ainda tem alguém na Bahia que se
movimento, confirmado nesse fragmento: “É o registro da hora que passa. A hora que
vivemos. Rápida, febril, apressada, mas cheia de vida. Fremindo e vibrando, realisando e
dentre elas, Nazareth (Nazaré das Farinhas), Santo Antônio de Jesus, Jaguaquara e Valença.
132
COSTA, Dias da. O Momento. Salvador, 1931.
Tais fotografias tornam-se uma espécie de propaganda dos municípios, provavelmente
A revista também tem sua coluna social, a programação das “matinées das moças”,
no Cinema São Jerônimo, e uma seção intitulada “O Momento literário”, em que são
país do carnaval, de Jorge Amado, ambos de 1931. É publicado ainda um artigo de cunho
político, que trata da Nova República brasileira, abordando questões relacionadas a jogos
Correia Raimundo, numa paródia declarada, pela revista, a “As pombas”, do parnasiano
Raimundo Correia, que ficou conhecido como um dos príncipes dos poetas.133
Os ratos
133
Cf. CORREIA, Raimundo. As pombas: “Vai-se a primeira pomba despertada... /Vai-se outra mais... mais
outra... enfim /dezenas /De pombas vão-se dos pombais, apenas /Raia sangüínea e fresca a madrugada. /E à
tarde, quando a rígida nortada /Sopra, aos pombais, de novo, elas, serenas /Ruflando as asas, sacudindo as
penas, /Voltam todas em bando e em revoada... /Também dos corações onde abotoam, /Os sonhos, um por
um, céleres voam /Como voam as pombas dos pombais; / No azul da adolescência as asas soltam, /Fogem...
Mas aos pombais as pombas voltam / E eles aos corações não voltam mais...”. CORREIA, Raimundo. Vai –se
a primeira pomba... Disponível em <http://www.sonetos.com.br . Acesso em: 22 nov. 2005.
Uns contra os outros nunca se revoltam...
Do Velho Mundo à ‘Patr’Amada’ voltam
Nosso dinheiro é que não volta mais.
falar da condição do homem, com tantos sonhos que lhe escapam –, têm-se “os ratos”,
protagonistas de uma sátira alegórica ao país devastado por esses animais roedores.
pátria.
paisagens de Monte Serrat, bairro situado na Cidade Baixa, extremidade da Baía de Todos
Escola Agrícola. Nesse número, Jorge Amado estréia no conto, que se intitula
de não ser o intento deste trabalho um estudo de gênero nesses periódicos. Ressalte-se que
tanto a Academia dos Rebeldes quanto as revistas que essa agremiação produziu não têm a
um balanço das lutas feministas no Brasil, sob uma ótica masculina, diria melhor, machista.
O autor da matéria, embora reconheça a luta, considera que não passa de um sonho. Ainda
na revista, na seção “Rosa e mulheres”, Dias da Costa publica algumas “pérolas” de cunho
134
Texto transcrito da revista O Momento, Salvador, 1931.
A rosa que não foi colhida e a mulher que morreu virgem levam
dentro de si todas as tragédias cruéis dos fracassados dos
sentimentos.
[...]
A rosa que foi colhida e a mulher que foi amada variaram. Que
importa que sofressem? Viveram. E já é grande ventura possuir
dentro de si a grande dôr de ter vivido.
Tida como um ser delicado, frágil, tal qual uma rosa, a mulher só encontrará sentido
em sua vida se for amada pelos homens, “viajeiros” da estrada sinuosa da vida. Do
A revista também criou um espaço para o entretenimento, com sua coluna social,
dicas de livros e resenhas, além da programação dos cinemas São Jerônimo, Glória,
Guarany, Lyceu, Jandaia e Olympia. Cabe destacar que já aparecem textos literários
inovadores quanto à forma, convivendo com o soneto, os quais trazem uma disposição
Merece destaque aqui uma crônica de Edison Carneiro, “Lixópolis”, nome que
também vai dar título a uma coluna da revista. O autor do texto esboça um retrato da “velha
e triste Bahia”, contrariando a descrição desse lugar como o Paraíso, o Éden, visão
O cronista moderno critica uma Bahia “feita com os sujos pés de meia inúteis da
Civilização da Europa”, Bahia ainda presa ao passado, a uma história monumental, bem
como condena os valores, hábitos e comportamentos da elite local. Sem vida noturna, a
capital do estado, em pleno século XX, distante se encontra do progresso, do novo tempo,
católica, “a contemplar a vida dos Santos, através das suas setenta e poucas igrejas...”. O
jovem rebelde rejeita a “Lixópolis”, terra de oradores, poetas e retóricos, provinciana, que
uma coluna assinada por Jorge Amado, na qual Paulo Rigger – que é também personagem
aforismos, entre eles, o seguinte: “Lixópolis, em literatura não passou ainda da Carta de
Pero Vaz de Caminha. Os escritores baianos só têm feito, à exceção de Gregório de Matos,
traços específicos”.
rodas de capoeira, à vida dos trabalhadores no cais do porto, nem tampouco à discriminação
racial. Ainda com Risério (op.cit., p.502) Edison Carneiro “pautou para o jornal Estado da
135
O Jornal, Salvador, 02 de maio de 1930.
136
Risério, op. cit., p. 499-500.
Bahia, em 1936, uma série de reportagens sérias sobre o candomblé, fraturando o
Antes mesmo de entrar para a Academia dos Rebeldes, Edison Carneiro escreveu,
AMEAÇA
– Meu anjinho,
Não me despreze...
Olhe, veja lá –
Se você não me quiser...
Eu não me mato. Não!
Mas vou
Ao Pau Miúdo
E trago,
Para botar na sua porta
Uma coisa feita
Dessas que fazem
Morrer de amor.
Preparada,
Minha beleza,
Pelas mãos
Do grande mago
Jubiabá!138
Temendo ser desprezado pela mulher amada, o poeta ameaça recorrer ao famoso
no abandono, confia na “coisa feita”, que vai trazer a amada de volta. Ou fazê-la morrer de
137
Texto publicado no jornal A noite, esse poema está na coleção de poemas Musa Capenga. Gilfrancisco
Santos organiza a obra poética desse autor, com o título Musa Capenga; Poemas Edison Carneiro (pesquisa,
introdução, bibliografia e notas de Gilfrancisco Sanstos, com prefácio de Cid Seixas. (no prelo).
138
A expressão “Coisa feita” significa “trabalho”, “despacho” para entidades do panteão africano, uma
espécie de feitiçaria, a que o povo de santo recorre para a realização de um desejo. O nome despacho (no
sentido de despachar, mandar embora) tem também outra explicação: para afugentar os agentes policiais que
perseguiam os terreiros de candomblé, o povo de santo fazia um “trabalho”, um despacho. Jubiabá, nome de
um personagem do romance Jubiabá (1935) de Jorge Amado, era um pai-de-santo muito famoso na Bahia à
época, o qual recebeu nome de batismo Severiano Manuel de Abreu. Conhecido pelo nome do seu “Caboclo”
Jubiabá, a casa de Severiano Abreu, apesar da perseguição ao candomblé, era freqüentada por políticos e
autoridades policiais do estado.
amor? No poema, práticas da cultura afro-baiana estão registradas, dando a conhecer modos
com violão, à beira de um lago, com direito a lua e plantas, ilustração em tonalidades
branco, azul e preto. Essa edição publica um número excessivo de anúncios classificados de
gráfico e visual, uma herança dos poetas simbolistas. A coluna “Lixopólis”, assinada por
Edison Carneiro, traz uma indicação de locais apropriados a passeios e práticas amorosas,
de acordo com o perfil dos freqüentadores. Assim, são indicados lugares como “os bairros
perambulação das “sofredoras” por uma cidade que se diz civilizada e moderna, por isso,
Nesse número, expõe-se também a posição dos rebeldes em relação à mulher, haja
vista o desenho feito por um artista gráfico. No cartum, publicado na coluna “Coisas do
homem, o pai, está de avental cuidando do filho, que se encontra chorando no chão da casa.
No desenho, de traços leves, o marido aparece com o corpo curvado, ouvindo as ordens da
esposa, que se apresenta altiva, de bigodinho, terno e gravata, fumando charuto, numa pose
viril e de “macheza”.
Ainda nesse número, há um texto que aborda uma questão política. O autor da
matéria faz uma crítica a um projeto de reforma ortográfica, que iguala o português escrito
no Brasil ao de Portugal, proposta não mais condizente num momento em que se busca uma
identidade cultural brasileira. Certamente, à época, o autor do projeto queria também tornar
o Brasil um país europeizado, apesar de alguns modernistas tecerem severas críticas a esse
servilismo.
valores. Uma página é dedicada a fotografias de mulheres e crianças da elite baiana e traz
Baiano.
139
Cf. Oswald de ANDRADE. Pau-Brasil. 5ª. ed. São Paulo: Globo, 1991. (Obras completas de Oswald de
Andrade). P. 80.
O número 4 de O Momento, de outubro de 1931, dedica quase toda a sua edição à
colônia espanhola na Bahia, numa década em que esses imigrantes para aqui se deslocam
em número expressivo. A capa é bastante colorida, com listas em amarelo e vermelho, que
são as cores da bandeira da Espanha. No centro, há uma foto em preto e branco da chegada
No interior da revista, vem uma página ilustrada sobre a colônia espanhola na Bahia, com
uma matéria sobre o Grupo Dramático Linares Rivas, do teatro do Centro Espanhol.
rebeldes sobre a luta feminista, O Momento criou uma página dedicada às mulheres, a qual
recebe um nome pueril: “Jardim das Confidências”, com destaque para uma fotografia da
cantora lírica baiana Maria Carolina, anunciando o seu concerto no Gabinete Português de
Leitura.
O título “Jardim das Confidências” sinaliza o lugar ocupado pelas mulheres à época
circulavam por espaços restritos, como o “jardim” – lugar que traz a natureza geometrizada,
domesticada. Com esse título, se concebe o universo feminino como um espaço social e
afetivo harmonioso, sem conflito até, numa época em que as mulheres das camadas médias
urbanas viviam confinadas à esfera da vida privada. Daí, a idéia de confidência, do que se
Nesse número, mais uma vez, as dicas de literatura e de cinema, uma coluna social,
além de várias fotos de primeira comunhão de crianças da elite local. Também há uma
coluna sobre economia política e um breve comentário da novela Lenita, destacando essa
Karl, Dias da Costa, que assinava Gualter Duval, e Edison Carneiro, como o espanhol Juan
Pablo. O texto destaca que Lenita, que fez grande sucesso de público, passa agora a ser
publicada em livro, no ano de 1930 por A. Coelho Branco Filho, no Rio de Janeiro.
recepção de público que a edição de O Momento ressalta, esse folhetim foi repudiado pelos
seus autores. O próprio escritor Jorge Amado, alguns anos depois, considera Lenita uma
Para além de uma avaliação estética, é muito provável que essa novela
confrades:
A divulgação de Lenita nessa edição segue uma tradição dos folhetins, que
destaca o grande forno a vapor para as padarias, “moderno e hygienico”; o outro texto faz a
propaganda de um creme dental. Há ainda muitos textos sob forma de poemas, sempre de
traz no centro o mapa do Brasil com a foto do Presidente Getúlio Vargas ao centro do
mapa, contornada pelos demais Presidentes da República de 1889 até a presente data
(15/11/1931). Edison Carneiro faz a abertura da revista com o texto “Feiticeiro do Menlo-
Thomas Edison, para daí fazer análises e previsão de uma nova guerra, dentro de 50 anos,
atribuindo como armas o petróleo e a borracha. Compara Thomas Edison a Cristo, por ter
acreditado no ser humano, considera-o um “gênio” que perdeu a vida tentando inventar a
140
Cf. COSTA, Dias da. Há quarenta anos na cidade do Salvador, Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1967.
um produto ou serviço em O Momento. Argumenta-se que é o periódico mais lido, o mais
do Estado da Bahia, com agentes especiais no Rio de Janeiro e em quase todos os Estados
do Brasil. Destaque-se que O Momento, com textos em linguagem elaborada, circula entre a
é de 500 réis.
Ainda nessa edição, se faz uma crítica contundente à reforma do ensino brasileiro e,
ao mesmo tempo, interroga-se o por quê de as faculdades não se manifestarem contra tal
reforma, tida como uma “balela”, pois argumenta-se que isso vai tornar o ensino pior.
Ainda em relação a essas questões políticas, há uma crítica à Academia Brasileira de Letras
Quanto aos eventos culturais da Bahia, vem uma crítica elogiosa ao recital da
enquanto a elite intelectualizada de São Paulo assiste aos recitais de Guiomar Novaes e
Villa Lobos, a Bahia ouve o repertório clássico daquela soprano, que executa árias de ópera
de Strauss, Proch e, ainda na mesma noite, Enoch Torres executa Barbiere di Siviglia, e no
piano, a peça “Orfeu no inferno”. Apesar das inovações propostas pelos “modernos” da
Europa.
Também nesse número, muitos textos poéticos são publicados. Alves Ribeiro assina
um de crítica literária, “A literatura do sexo”, abordando a novela Lenita, tida por Ribeiro
como a “historia de uma rameira de ínfima categoria”, “tornada amante [...]”. O autor da
novela, todas formam uma galeria de psicopatas”. Mas, mesmo considerando que não é um
livro que “recomenda o talento dos autores”, Alves Ribeiro faz uma avaliação positiva
dessa produção dos rebeldes: “si compararmos ao restante da produção literária bahiana,
pode-se dizer, sem medo de errar, que é o melhor livro no genero, produzido no ultimo
A coluna assinada por João Cordeiro nessa edição, “A origem da enquete literária e
do cretinismo”, traz um texto alegórico a partir da história de Adão e Eva, na qual o jogo de
sedução, o elogio mútuo, marca essa relação no “Paraíso”. Nessa alegoria, o autor expõe
sua opinião sobre a vida literária na Bahia, em que o cretinismo se faz presente, pelo elogio
literária.
Merece destaque na edição o artigo “O que será a Avenida Jequitaia”, uma obra de
urbanização da cidade a cargo da Cia Cessionária. Inúmeros elogios são lançados a essa
via, tida como exemplo de modernização que vai beneficiar não só a Cidade Baixa. No
elogio a tal processo, que implicou no aterro do mar, não se levou em conta a derrubada de
menor de anúncios que as edições anteriores. A capa, em preto e branco, tem o desenho de
um homem sorridente, jogando livros para cima e, na parte superior, tudo é iluminado com
velas, uma metáfora de que os livros iluminam a cabeça, alargam o conhecimento, bem
como pode ser uma metáfora para a inspiração do poeta. Ressalte-se aqui a participação de
(op. cit., p. 19) esclarece que o mercado de bens culturais dos anos 20 e 30 absorvia um
anunciando a inauguração do Cinema São Jeronymo, vindo a criar uma expectativa positiva
sobre os novos aparelhos de exibição, quando se afirma que serão “os mais modernos da
América do Sul”. Em relação aos cinemas, promove-se uma expectativa para a estréia de
Ben-Hur, tido pela revista como um “filme que vai abalar o elemento chic da Bahia...”.
A abertura desse número é feita por Clóvis Amorim, com o texto “A velar”,
diagramado na diagonal, no qual discorre sobre a figura do poeta, das suas dificuldades
para viver de poesia: “vive com a pança vazia e o cérebro cheio de versos...”. No texto,
aparecem os clichês sobre a poesia, como amor platônico e inspiração. Um artigo sem
cujas ruas passam as mulheres negras vendendo mingau, ressoam os pregões, encontram-se
os cafés e se fazem presentes outros costumes da cidade. O autor da seção lamenta o fato de
que, embora seja proibido fumar e cuspir nos bondes, todos fumam e cospem à vontade. O
texto se fecha com uma ironia: “esses atenienses...”. Dias da Costa, por sua vez, comparece
com um artigo de página inteira elogiando o confrade Sosígenes Costa, texto acompanhado
Esse número da revista O Momento publica algumas fotos da Itália, em que aparece
o cônsul desse país acompanhado da esposa. Em outra página, o resultado do concurso para
Já na coluna “Jardim das Confidências”, o autor do texto, num deslize machista, põe
seu título: “Apologia da mulher feia”, valorizada por estar justamente fora dos padrões de
beleza, o que lhe dá liberdade e lhe permite ser transgressora, enquanto a mulher bela é
cobiçada, sem originalidade, presa aos ditames da moda. Diz o texto: “Uma mulher bonita
para todos é uma mulher vulgar, uma mulher para uso de todos os olhos”. No que pese ser
feiúra não elimina o machismo do autor, por se entender que aí a censura à beleza resulta
Outro fato que merece destaque nesse número é que, enquanto as mulheres e as
crianças aparecem sempre muito vestidas, a seção “Atletismo” publica uma foto do atleta
de luta romana, Samir Sampaio, da cidade de Santo Antônio de Jesus, nu da cintura para
cima, com todos os músculos e peito à mostra. Na coluna social, destaca-se a chegada de
Jorge Amado a Salvador, indo para Ilhéus visitar a família, e se comenta também o sucesso
do livro O país do carnaval (1931). Ainda nessa coluna, noticiam o recital de Maria
Carolina em Ilhéus, ciceroneada por Sosígenes Costa, executando peças do repertório
clássico.
Na coluna sobre literatura, Edison Carneiro assina uma resenha do livro Machiavel
e o Brasil, de Octávio Faria (Rio, 1931), no qual seu autor trata da realidade política do
Brasil. Chama atenção a peça publicitária de uma geladeira, um anúncio de página inteira,
em que esse eletrodoméstico está associado à saúde. A palavra “saúde” corta o desenho da
geladeira, com a seguinte chamada: “quem quiser conhecer, sem compromisso esta
O ano de 1932 começa com o lançamento de O Momento nº 7, cuja capa traz uma
um sol, com seus raios cortando toda a capa, que traz ainda uma vegetação típica, formada
de coqueiros e bananeira, uma estrada em sentido horizontal com o ano de 1932, tomando
dentro do balão, vem o título do texto “História para creança”, no qual o autor tece
Quanto à produção literária divulgada nesse número, vários sonetos são publicados,
além de poemas em forma livre. Outra página registra uma crítica literária, sem assinatura,
avaliando de forma positiva o livro de Jorge Amado, O país do carnaval (1931). Mais dois
textos, agora assinados por Tristão da Cunha e Edison Carneiro, comentam e elogiam o
A coluna “Jardim das confidências” se apresenta dessa vez com a fotografia de uma
psicologia das danças”, tratando de diferentes estilos dessa arte. A coluna “angu bahiano”
antecipa com seu título – “angu”, gíria que, para os baianos, traduz algo que gera confusão
Brasil vai participar levando uma inédita equipe para a regata náutica, e sobre os que
e natação”.
de uma figura feminina vestida à moda parisiense – com a ilustração em preto, branco e
vermelho –, a qual puxa, com uma corda, um homem com asas de anjo. Na abertura da
diagramado em forma geométrica, escrito sobre o desenho de Pietá e uma cruz vermelha.
Ainda nesse texto, o autor compara Nossa Senhora a Ísis, deusa da mitologia
condição sustentada mesmo após o parto de Maria. O autor ressalta que os egípcios deixam
de adorar a esfinge para adorar a Santíssima Trindade, e afirma que o Espírito Santo é
maternal, tese transgressora frente à narrativa bíblica, pois no catolicismo o Espírito Santo
Em outra página, está publicada uma matéria que trata da indústria de calçados
“Stella que muito honra o Estado e a cidade de Salvador”. Outra matéria, “Um cancro no
coração da cidade”, condena o jogo como o grande mal, considerado pela revista pior que a
prostituição e bebedeira. É censurado o jogo Cycle-ball, tido como uma poderosa empresa
Nas páginas dedicadas à vida social, O Momento reserva uma delas para a foto de
Farias, e a redação da revista agradece o convite para o recital, patrocinado pelas altas
do formando, sua competência, e prevê uma futura carreira política brilhante, o que era
previsível, uma vez que, nesse período, os políticos saíam da Faculdade de Direito. O
bacharel Nelson Carneiro chegou a ser senador da República, responsável pela campanha
“grande artista do lápis” que vai se encarregar da direção artística de O Momento a partir do
nº 8. Está divulgada também uma foto, em tamanho maior, de vários homens vestidos de
A coluna “Jardim das Confidências” desse número traz dois textos. Um deles,
“Velha rua”, assinado por Edison Carneiro, e outro, de Dias da Costa, intitulado “O
milagre”. Traz ainda uma foto de Mercedes Rodomilans, consagrada violonista brasileira
Jorge Amado, escrita por Emanuel Assemany, além de uma matéria sobre o cinema
Momento.
de uma grande cruz, tendo no centro outra cruz, em tamanho menor, com um desenho de
Cesarini, em Roma –, no qual é feito um retrato físico e moral de Jesus, e fora enviado de
Na mesma página em que está publicada uma matéria sobre O país do carnaval,
uma peça publicitária da “água tônica Fratelli Vitta” tem a sua vez, anunciada como a
grande novidade da Bahia. Esse líquido, “insuperável”, diz a propaganda, foi engarrafado
pela fábrica Fratelli Vitta, de italianos, que também fabricava cristais de alta qualidade,
comparados, à época, aos melhores cristais da Europa. Tal fábrica ficava localizada na
Cidade Baixa, área que abrigou o tímido processo de industrialização na Bahia no começo
do século XX.
Por fim, o último número do periódico, o nº 9, é lançado em junho de 1932. Seus
editores e redatores não previram que se daria aí o término da edição d’O Momento, pois,
no verso da capa dessa edição, vem a nota seguinte: “aguardem o número especial d’O
9, são poucos os anúncios publicitários, o que dificultou sustentar a publicação. Além disso,
A capa é ilustrada com uma ninfeta seminua, como numa pose de pintura
O poeta Sosígenes Costa, que ficou conhecido por trazer o universo mítico-poético
CANTIGA DE CANNAVIAL
Apanhei já de chicote
dos soldados de Pilatos.
Ja me botaram no tronco.
141
Sosígenes Costa, Revista Seiva, nº 1, Salvador, dez. de 1938. No livro Sosígenes Costa –
Poesia Completa, tem-se como data desse poema o ano de 1937 (foi mantida a grafia
original).
Eu sou um Christo no mundo.
eu-lírico se coloca como um mártir, Jesus Cristo, o sofredor da Igreja Católica. No entanto,
evoca a proteção de Oxalá, entidade da religião africana, para que o conduza de volta a
Dias, Aroandê é a terra prometida – melhor até que o quilombo de Zumbi –, é o lugar que
bem como a lavoura do cacau na região sul da Bahia, contribuíram para enriquecer um
segmento populacional da Bahia, ainda que às custas do sofrimento dos negros, submetidos
ao trabalho escravo.
num painel que não cabe o retrato do trabalho árduo na plantação de cacau. Ainda nesse
número, há uma foto do desenhista Aristóteles, um “grande artista do lápis” na Bahia, que
representou esse estado no concurso nacional de desenho de selos. Em outra página, uma
foto de dimensão expressiva de Margarida Macedo, a Rainha dos Empregados do
Comércio. João Cordeiro assina uma matéria, “Esse frutuoso”, sobre Manoel Frutuoso,
importante maitre “d’O Hotel da Bahia, o mais desejado e o que melhor sabe organizar uma
empreendimento que, segundo o autor do texto, vem mudar o marasmo desse estado no
campo industrial, considerando que no Rio de Janeiro e São Paulo a industrialização está
em curso.
desses infantes no meio social como filhos de pessoas de prestígio. Como a publicidade
abriram um espaço maior para a fotografia, assegurando, assim, recursos financeiros para a
edição da revista.
artístico da cidade do Salvador. Na mesma página, tem-se um texto sem assinatura, “Deus,
a mulher e a beleza”, no qual a mulher é tida como fútil. A despeito de ser uma seção
dirigida ao público feminino, “Jardim das Confidências” traz, como já dito, uma imagem
inferiorizada da mulher. Na coluna voltada à literatura, aparece uma matéria sobre o livro
parte cultural, estão publicados a foto e o anúncio da Companhia Teatral de Lyson Gaster,
Rio de Janeiro e já havia publicado O país do carnaval, no ano de 1931, na década em que
direitos autorais, com chances, portanto, de um escritor fazer de seu ofício uma atividade
profissional.
Segundo Miceli (2001, p. 187), Jorge Amado e o gaúcho Érico Veríssimo foram,
inclusive, os únicos escritores modernistas que, sem vínculo empregatício com o Estado, se
abraçaram a literatura como uma atividade secundária ou paralela. De acordo com Miceli
letrado, em espaço propício à ampliação das redes de relações, como também deram aos
deles, por sinal, também contaram com as oportunidades que o trabalho jornalístico
propiciou.
Além disso, as revistas, tidas como veículos de “variedades”, acolheram textos que
desses periódicos, a partir dos anúncios publicitários e das diferentes seções, como a
política, social e cultural, é possível traçar um retrato das camadas médias urbanas,
particularmente, o segmento burguês dos anos 30, com sua ambição de conquistar uma
partir de uma análise das contribuições da Academia dos Rebeldes, grupo que emerge num
contexto de renovação da literatura e das artes no Brasil, esforço guiado pela idéia de uma
revisão dos valores da cultura nacional. Para este estudo, foi necessário retomar o
modernismo paulista, pelo lugar hegemônico que sempre ocupou na historiografia literária
Bahia, que teve com a formação do grupo dos rebeldes um projeto estético e político mais
pluralidade do modernismo, haja vista suas variações nas diferentes regiões do país.
anos após a revolução estética de São Paulo, vai delinear um projeto estético que propõe
uma renovação da literatura e da cultura através dos grupos Samba, Arco & Flexa e
Academia dos Rebeldes. Este último se apresenta como a agremiação literária que mais
marcada por um surto literário muito grande. A revista Nova Cruzada é um periódico que
simbolismo, dificultando, portanto, a ruptura. Muitos dos colaboradores dessa revista vão
inclusive contribuir com o periódico modernista baiano Arco & Flexa e se tornarem
Esse período fica marcado pela formação de grupos de artistas, pintores e escritores
dessa natureza atesta uma peculiaridade do campo artístico e literário no Brasil, como já
colocara Miceli, o qual, no início da sua formação, não prescindiu da criação de grupos, da
sociais.
Academia dos Rebeldes se apresenta como o que mais avançou na pesquisa sobre a cultura
baiana. Os escritores e intelectuais que formam esse grupo se mostram atentos às questões
do pensar dos confrades sobre a cultura brasileira. Em vista disso, seus colaboradores até se
posicionam contra o que consideram importação das vanguardas por parte dos modernistas
paulistas, pregando uma arte regionalista, cuidando de esclarecer que esse regionalismo
implica na valorização da cultura local, do interior do Estado da Bahia, com sua diversidade
Pode-se afirmar que os rebeldes pretendiam fazer uma arte e uma literatura
até exuberante no seu modo de interpretar-se e de interpretar o Brasil aos olhos de outros
brasileiros e aos olhos de estrangeiros voltados para o Brasil”. (FREIRE, apud Euclides da
modernistas do sul é baseado num Brasil literário. Até então, antes de Mário de Andrade
fazer suas viagens ao interior do país, o conhecimento que muitos intelectuais paulistas têm
gente, voltaram-se para o trivial e as tradições de sua terra, ao darem relevo à cultura
africana, buscando, de certo modo, uma conciliação, nos termos propostos por Gilberto
Freyre:
com a linguagem rebuscada que até então dominava o cenário das letras baianas. Essa
revista traz um design moderno na sua publicação, capas coloridas e ilustradas, edições
sociedade local, através dos textos publicitários que propagavam a modernização no início
do século XX.
estados, os quais tiveram uma breve duração, ocasionada pelas mudanças de percurso de
rebeldes não encontram apoio institucional para uma sobrevivência maior, considerando-se
inclusive que o advento do do Estado Novo significou uma perseguição aos militantes e
simpatizantes do comunismo, como foi o caso de boa parte dos confrades. Assim, a história
infere-se que a Academia dos Rebeldes esboça um projeto estético voltado para a
rebeldes trazem a língua falada pelo “povo”, sem qualquer preocupação com a rigidez da
demonstram consciência do país, desejo e busca de uma literatura nacional, diria melhor,
brasileira.
Enquanto a produção dos modernistas de São Paulo da primeira fase não encontra
eco da ideologia esquerdizante em suas obras, boa parte da produção da Academia dos
Rebeldes já antecipa o recrudescimento das lutas ideológicas que marcam todo o mundo a
partir dos anos 30, como o nazismo, na Alemanha, o fascismo, na Itália, a Espanha
testemunha que esses jovens escritores denunciaram questões internas, vindo a contribuir
movimento que bebeu na literatura brasileira dos anos 30, no cinema neo-realista italiano,
no marxismo, procurando denunciar as mazelas sociais, políticas e econômicas de uma
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Os anexos são fotos das revistas Meridiano e O Momento, para ser visualizado, foi feito
em PDF.