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FREDERICA CHICHORRO
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Este artigo foi elaborado com base na Dissertação de Mestrado, com o tema “O
Espaço Centrado na Arquitectura Portuguesa do Renascimento”, defendido em 1996
na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob orientação do Professor
Doutor Pedro Dias, a quem, desde já, queremos expressar os nossos agradecimentos
pela generosidade com que nos forneceu dados da investigação da sua obra “História
da Arte Portuguesa no Mundo. 1415-1822 - O Espaço do Índico”.
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GARCIA, José Manuel (1994: 12-14).
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D. João de Castro que nasceu em Lisboa, em vinte e sete de Fevereiro de 1500,
gozou da formação própria dos jovens da sua categoria ao tempo de D. Manuel. Aos
dezoito anos iniciou a vida militar, no Norte de África. Foi para Tânger sob as ordens
de D. Duarte de Meneses, que o armou cavaleiro; onde ficou até 1524, a provável data
do seu casamento com a sua prima segunda, D. Leonor Coutinho, de quem teve, logo
no ano seguinte, o primeiro filho, D. Álvaro, nascido em Almada. Voltou para
Marrocos em 1527, sob ordens do Rei, revelando promissora carreira no horizonte, o
que testemunha a sua participação na armada de Carlos V, a Tunes, em 1535. Três
anos depois, em 1538, partiu, na nau Grifo, para a Índia, integrando a armada do seu
cunhado, o vice-rei D. Garcia de Noronha. Voltou em 1542. Mas antes, em vinte e
dois de Abril de 1541, acompanhara D. Estevão da Gama (filho de Vasco da Gama)
numa armada ao Mar Vermelho, na qual, em Toro, perto do Mosteiro de Santa
Catarina do Monte Sinai, D. Álvaro de Castro, com treze anos, foi armado cavaleiro.
Em vinte e oito de Março de 1545 voltou para a Índia, acompanhado dos filhos D.
Álvaro e D. Fernando; foi como seu décimo terceiro Governador, por sugestão do seu
grande amigo, o Infante D. Luís, junto do irmão, o Rei D. João III. Desta governação
destaca-se a sua vitória no segundo cerco de Diu, em 1546; episódio em que perdeu o
filho D. Fernando. Um ano depois, em 1547, recebeu o título de Vice-rei. No ano
seguinte, viria a falecer em Goa.
4
MARQUES, A. H. de Oliveira (1995: 167).
5
GARCIA, José Manuel (1995: 13).
Este Infante também tinha os seus feitos militares, foi, inicialmente sem o
consentimento do irmão, auxiliar Carlos V com quem manteve vários contactos
a Tunes, em 1535, no ataque à D.inação de Haredin Barba-Roxa. Aliás, D. Luís era o
recurso político de que o povo se socorria para fazer face os fanatismos de D. João III,
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deste apoio são exemplo os cristãos-novos, pelos quais lhe chegou a escrever o Papa
Paulo III.
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De ascendência judaica, Pedro Nunes estudou em Salamanca (Artes, Matemática e
Medicina), e desde 1529 que ensinava na universidade em Lisboa (Filosofia, Lógica e
Metafísica), e em Coimbra, tinha a cadeira de Matemática. Em 1562 aposentou-se. Da
sua obra destacam-se o Libro de Algebra, de 1537, o Tratado da Sphera, do mesmo
ano, e o De Crepusculis, de 1542.
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participou. Foi, por sua vez, por meio de Pedro Nunes, amigo do
vitruvianista John Dee, que se iniciou a "redescoberta" do De
Architectura (Vitrúviu, séc. I a.c.), em Portugal. Em 1534-36, Pedro
Nunes efectuou a sua primeira tradução fora de Itália, a mando do Rei,
e, novamente, por encomenda do Infante D. Luís.
Desenvolvendo igualmente as suas abordagens numa perspectiva
prática e "sendo o melhor discípulo de Nunes e ele próprio um bom
erudito, D. João de Castro não poderia permanecer alheio a esta
tendência do vitruvianismo científico".7 Obteve, assim, uma formação
que se iria reflectir claramente nas suas obras literárias e científicas,
tanto na estrutura como na própria capacidade de análise e
comparação.8
Assim é que a arquitectura estará no horizonte dos seus interesses,
atento aos trabalhos de outros arquitectos e arquitecturas, por
exemplo: o acompanhamento das fortalezas do Norte de África, onde,
em 1539, já tinha ido seis vezes, ou bem marcante ainda no contacto
com a arte indiana, a qual estuda redigindo um estudo comparativo
com a Antiguidade. Entre renomeados arquitectos portugueses destaca
o, já referido, Miguel de Arruda,9 em 1546 fez a traça de Moçambique
para D. João de Castro, recomendada por D. João III.
7
MOREIRA, Rafael (1995: 52).
8
Entre as suas obras têm particular realce: 1529-1536 - "Tratado da Esfera...":
elaborado durante as Aulas de Pedro Nunes, o que se revela no simples facto de estar
estruturado como um manual de ensino, na forma de diálogo entre o mestre e
discípulo real, embora revele arcaísmos científicos em relação ao de Pedro Nunes
(1537); 1536 - "Da Geografia por modo de diálogo"; 1538 - "Roteiro de Lisboa a
Goa", onde se lê a homenagem a D. Luís, com que faz referência à Ciência da
Cosmografia; 1539 - "Roteiro de Goa a Diu"; 1541 - "Roteiro do Mar Vermelho", ou
“mar Roxo”.
9
Miguel Daruda (1500-1563), sobrinho de Diogo e filho de Francisco, que em 1533
sucedeu João de Castilho como mestre de obras do Mosteiro da Batalha , em 1541 foi
com Benedito de Ravena visitar a fortaleza de Ceuta, cujo governador, D. Afonso de
Noronha, o considerou apto a colaborar na ocupação de Fez e Marrocos. O Norte de
África era então o local de ensaios das experiências de técnicas e métodos italianos.
Em 1543, volta a Ceuta com D. João de Castro, para examinar praças, como técnico,
deixando recomendações. Nesse mesmo ano sucedeu o seu irmão Pedro, à sua morte,
como mestre das obras de pedraria e alvenaria dos paços reais de Santarém, Almeirim
e Muge, cargo que praticamente lhe atribui todo o Ribatejo, e cujo documento o
menciona "cavaleiro da casa real" e "mestre das obras reais". Em 1549, o Arquitecto
Régio foi nomeado "Mestre das obras das fortificações do Reino, Lugares d´Além (ou
seja, do norte de África) e Índia", lugar que demonstra uma necessidade de
administração vasta mas, ao mesmo tempo, centralizada. Esteve em Tomar, onde o
Rei o mandou informar com João de Castilho. Foi acumulando mercês até à sua morte
em 1563.
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CORREIA, J. E. Horta (1991: 40).
11
Francisco d’Ollanda, lisboeta, filho de iluminador e retratista, foi pintor, arquitecto,
arqueólogo e teórico das artes. Gozou de uma certa protecção como moço dos infantes
D. Fernando e D. Afonso, para além da amizade de D. João III, Dona Catarina - de
quem talvez fizera um retracto - e de D. Sebastião. Durante a infância conheceu a
efervescência cultural e artística que se vivia em redor das Cortes em Évora.
Cultivava uma amizade por André de Resende. Em 1538 visitou Itália como bolseiro,
e aí frequentou o meio de Vittoria Colonna, poetisa romana (1492-1547); e, ao voltar,
2 anos depois, trazia o “Das Antigualhas que vio na Italia”, onde se inclui a rica
imagem de Roma Desfeita, a primeira imagem Humanista de lamentação sobre as
ruínas de Roma, e onde é dominante o Panteão (sec. II) quase intacto. Este livro
enquadra um importante conjunto de modelos, ou dados arqueológicos, que Francisco
de Holanda queria trazer como proposta renovadora para Portugal.
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A fortaleza tinha sido iniciada por Nuno da Cunha em 1535. Mas já D. Garcia de
Noronha tivera que fazer grandes reconstruções por causa do primeiro cerco, de 1538.
Estes melhoramentos não conseguiram resistir ao segundo cerco, o de 1546, pois eram
muralhas fracas e que seguiam a tradição medieva: com as torres e os baluartes
dispostos irregularmente, o castelo separado da povoação, etc.
13
MOREIRA, Rafael (1995: 55).
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17
RAU, Virgínia (1965: 21, 27).
18
SERRÃO, Vítor (1989: 52).
19
Pensa-se que foi edificado sobre os vestígios de um templo romano, que seria
igualmente de planta circular, um tholos dedicado a Diana. A qual corresponde à
grega Ártemis, deusa ligada à terra e à caça; o seu culto poderia "sobreviver" na
devoção a São Mamede, protector dos gados, estes, em romagens à capela de Janas,
no dia de festa 17 de Agosto iam levados pelos seus donos; aí, onde
inicialmente entravam, davam 3 voltas à ermida no sentido oposto aos relógios.
20
SERRÃO, Vítor (1989: 52).
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21
DESWARTE, Sylvie (1992: 175-176).
22
MOREIRA, Rafael (1995: 84).
23
DESWARTE, Sylvie (1992: 45).
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24
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain (1994: 591).
25
Idem, p.556.
26
Idem, p.654.
27
Idem.
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28
STOOP, Anne de (1986: 293).
Note-se que, também “oriundos” da escola de Pedro Nunes, D. Luís e D. Henrique,
tiveram um papel de destaque na Cultura e Arte Portuguesa e foram, igualmente,
autores de espaços arquitectónicos, centrados e de enorme carga erudita e simbólica: a
Capela do Bom Jesus de Valverde, do Cardeal-Infante D. Henrique, de 1544; a Capela
Palatina de Salvaterra de Magos, do Infante D. Luís, o centro deste núcleo erudito, de
1547.
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MOREIRA, Rafael (1995: 85).
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Bibliografia:
30
CARITA, Helder (1987: 102).
31
STOOP, Anne de (1986: 294).
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